ARTIGOS TÉCNICOS

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MANUTENÇÃO DAS VAZÕES ECOLÓGICAS NOS RIOS

1
Betânia Vilas Boas Neves
1
Carlos Barreira Martinez
2
Hersilia de Andrade e Santos
1
Edna Maria de Faria Viana

RESUMO
A manutenção de vazões residuais ou ecológicas é uma exigência legal que deve ser respeitada em todos os aproveitamentos
hidráulicos. Essa exigência tem como pretensão preservar a diversidade biológica local e garantir o abastecimento humano nos trechos
a jusante, onde as vazões serão reduzidas devido à retirada de parte do caudal para outras finalidades tais como o uso na agricultura
ou industrial. A determinação destas vazões é uma tarefa árdua, uma vez que a redução do caudal de um rio representa limitações
do ponto de vista de disponibilidade e de qualidade de habitats. Os métodos mais conhecidos para cálculo das vazões residuais são
de caráter hidrológico. Assim, partindo da suposição que as vazões mínimas ocorrem durante um período de tempo natural, a vazão
ecológica deve ser no mínimo igual àquela que naturalmente já ocorria no rio. Essa lógica conduz a uma situação perversa do ponto
de vista dos ambientes naturais, pois se esquiva do fato que baixas vazões são raras e se constituem em fenômenos transitórios e de
curta duração e não em uma situação de continuidade ao longo de anos seguidos. Esse artigo tem por objetivo comparar os principais
métodos existentes para determinação da vazão ecológica a ser mantida por meio de um estudo de caso.

Palavras-Chave: vazões ecológicas, disponibilidade hídrica.

CONSIDERATION OF THE MAINTENANCE OF INSTREAM FLOWS IN RIVERS

ABSTRACT

The maintenance of ecological flows or residual is a legal requirement that must be respected at all hydroelectric plants. This requirement
has the intention to preserve the local biodiversity and ensure the human supply in the downstream sections, where the flows are
reduced due to removal of part of the flow for other purposes such as industrial or agricultural use. The determination of these flows is
a difficult task, since reducing the flow of a stream represents limitations from the standpoint of availability and quality of habitats. The
most popular methods to calculate the residual flows are hydrological character. Thus, under the supposition that the minimum flows
occurs over a period of natural time, the instream flow should be at least similar to that which has occurred naturally in the river. This
logic leads to a perverse situation from the standpoint of natural environments, it evades the fact that low flows are rare and constitute
transients and short-term and not in a situation of continuity over the years followed. This article aims to compare the most common
methods for determining instream flow to be maintained through a case study.

Keywords: instream flow, water availability.

1. INTRODUÇÃO rios pela sociedade e pelos cientistas. Nesse contexto, a vazão

A década de 1990 parece ter sido um momento de efer-
vescência no que diz respeito às discussões em torno do tema
“Vazões ecológicas3”. O artigo The Natural Flow Regime – A para-
digm for river conservation and restoration, cujo autor principal
é N. LeRoy Poff, reúne várias definições da época e é bastante
citado nas publicações referentes ao tema, inclusive nas mais
recentes (ANDERSON et al., 2006; ARTHINGTON e PUSEY, 2003;
ARTHINGTON et al., 2006; DUDGEON et al., 2006; HU et al.,
2008; HUMPHRIES e BALDWIN, 2003; PROPST e GIDO, 2004;
RICHTER et al., 2003; RICHTER et al., 2006; STROMBERG, 2001;
THARME, 2003).
O artigo denominado “O Regime de Fluxo Natural” (POFF
et al., 1997) defende esse paradigma como sendo a solução
para a manutenção da integridade ecológica dos ecossistemas
dos rios. Em sua introdução, o texto traça um breve histórico
de como se deram as alterações nos regimes de fluxo dos rios
pela aplicação de políticas de desenvolvimento consideradas, à
época, favoráveis aos seres humanos, mas que resultaram na
degradação desses rios e na perda de diversidade biológica.
Segundo os autores, esses danos fizeram com que surgisse a
preocupação com a conservação e restauração da saúde dos
do rio foi considerada variável principal que limita a distribuição
e abundância de espécies ribeirinhas e regula a integridade
ecológica dos sistemas de escoamento de água.
Na sequência os autores descrevem diversos fatores para
argumentar que o regime de fluxo natural (ou vazão natural)
desempenha um papel importante na manutenção da biodi-
versidade nativa e integridade dos ecossistemas dos rios. Para
isso, apontam os principais componentes da vazão (magnitude,
frequência, duração, previsibilidade, taxa de variação) e dis-
correm sobre como as modificações antrópicas (ligadas à utili-
dade dada ao “recurso hídrico”) incidentes sobre os processos
hidrológicos naturais perturbam o equilíbrio dinâmico de um rio
de fluxo livre. As funções ecológicas do regime de fluxo natu-
ral são explicitadas abordando diversos exemplos associados a
cada um dos componentes do regime citados. Nessa abordagem
dos processos geomórficos e ecológicos, os eventos extremos
(representados pelas vazões mínimas e máximas) são indica-
dos como principais gargalos e são tratados os processos de
interação entre o canal principal e a planície de inundação e de
conexão entre os trechos de montante e jusante. São exempli-
ficados os efeitos da alteração desses processos principalmente
nas plantas e peixes ribeirinhos.

1
Universidade Federal de Minas Gerais - Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte – MG – Brasil - CEP: 31270-901, contato: +55 (31) 3409-5000, e-mails:
betanianeves@gmail.com; martinez@cce.ufmg.br; ednamvf@ufmg.br
2
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - Av. Amazonas, 5253 - Nova Suíça - Belo Horizonte - MG – Brasil - CEP: 30.421-169, contato: +55 (31) 3319-7002,
e-mails: hsantos@civil.cefetmg.br
3
Vazões ecológicas tem o objetivo de assegurar condições mínimas para manutenção de ecossistemas aquáticos (BENETTI; LANNA; COBALCHINI, 2003).

26
 TECHNICAL ARTICLES
Ao final do artigo Poff et al. (1997) discutem as abordagens
recentes para a gestão de recursos hídricos. É apontado o
fato de a maior parte dos métodos utilizados para se estimar
a vazão ecológica basearem-se apenas na definição da vazão
mínima necessária, focando apenas uma ou poucas espécies.
Afirmam que o método denominado Instream Flow Incremental
Methodology – IFIM, desenvolvido pela Universidade do Estado
do Colorado - EUA, em 1978, é o mais sofisticado para avaliação
de como as mudanças no fluxo do rio afetam habitats aquáticos.
De fato, entre os 200 métodos para fixação de vazões
ecológicas existentes atualmente (ARTHINGTON et al., 2006), o
método IFIM tem sido largamente utilizado em todo o mundo
(SMAKHTIN, 2001). A principal vantagem de uso do método IFIM
é que ele combina componentes hidráulicos com componentes de
preferência de habitat de peixes (POFF et al., 1997).
Porém, as possibilidades de escolha das vazões que represen-
tem as condições naturais ou até favoráveis à manutenção das
espécies de interesse são infinitas. No Brasil, existem também as
limitações de monitoramento tanto dos processos físicos quanto
biológicos. Aqui, nos rios e córregos de menor porte e, geral-
mente mais bem preservados, há escassez de monitoramento.
Os mananciais monitorados, em regra, começam a ser estudados
porque já sofreram ou em breve sofrerão alguma alteração de
regime devido a alguma atividade antrópica. Essas dificuldades
têm conduzido, especialmente no Brasil, à adoção de metodo-
logias simplistas para cálculo das vazões ecológicas. As conse-
quências para biota aquática estão começando a serem amostra-
das em grandes rios (CALLISTO, 2005).
A necessidade de manutenção de certa amplitude de variação
das vazões é importante, pois permite que as camadas de cascalho
do leito sejam limpas e revitalizadas, que madeiras e matéria
orgânica sejam importadas da planície de inundação e/ou que as
zonas úmidas ribeirinhas produtivas continuem acessíveis; além de
manter a dinâmica entre o leito do canal e as margens (POFF et al.,
1997). Entretanto, a frequência de ocorrência desses fenômenos
e os limites defendidos irão variar caso a caso, dependendo da
meta de gestão e do nível de proteção desejado para o ambiente
aquático, conforme explicita Jowett (1997).
Neste artigo pretende-se realizar uma simples comparação
entre as disponibilizações de habitat estimadas a partir de vazões
residuais estabelecidas indiretamente pela legislação brasileira
e com isso, mostrar a importância de se introduzir parâmetros
biológicos na determinação de vazões ecológicas.
2. REGIÃO OBJETO DE ESTUDO
A bacia hidrográfica do rio das Velhas está localizada na região
central do Estado de Minas Gerais, entre as latitudes 17º 15'S e
20º 25'S e longitudes 43º 25'W e 44º e 50W, e apresenta uma
forma alongada na direção norte-sul, conforme mostra Figura 1.
O rio das Velhas tem sua nascente principal na Cachoeira
das Andorinhas, Município de Ouro Preto, numa altitude de
aproximadamente 1.500 m. Toda a bacia compreende uma área
de drenagem de 29.173 km² (CAMARGOS, 2005).
Dividindo-se a bacia hidrográfica em Alto, Médio e Baixo Rio
das Velhas (CAMARGOS, 2005), o trecho da bacia estudado possui
1 km de extensão e localiza-se no Alto Rio das Velhas. Situa-
se na zona UTM 23 S, aproximadamente no eixo de longitude
626073 E e entre as latitudes 7.777.109 N e 7.776.947 N, no
município de Rio Acima.
A bacia hidrográfica do rio das Velhas possui grande diversidade
de usos e é responsável pelo abastecimento público da capital do
Estado de Minas Gerais e de outras localidades. A montante do
trecho estudado (área de drenagem igual a 1290 km²) observa-
se intensa atividade mineradora, grande parte pertencente à
Mineração Morro Velho – MMV; entre outros empreendimentos. O
intenso uso do recurso hídrico nessa bacia provocou a necessidade
de se conhecê-lo; o que é feito por meio de monitoramento.
A estação fluviométrica que propiciou os estudos hidrológicos
que servirão de base para as simulações e discussões apresentadas
neste trabalho é a Estação Honório Bicalho Montante (área
de drenagem a montante igual a 1550 km²). Esta estação foi
implantada pela Agência Nacional de Águas – ANA e localiza-se a
10 km a jusante do trecho estudado. A série histórica de vazões
disponível para esta estação (ANA, 2012) iniciou-se em janeiro
de 1973 e esses dados foram consistidos até dezembro de 2005.
Fonte: CAMARGOS, 2005
FIG. 1: Localização da bacia hidrográfica do rio das Velhas no Estado de
Minas Gerais – Brasil.
3. M
 ETODOLOGIAS PARA DETERMINAÇÃO
DE VAZÕES ECOLÓGICAS
Segundo Arthington et al. (2006), os métodos para a fixação
de vazões ecológicas podem ser agrupados em quatro categorias:
(1) métodos hidrológicos, (2) métodos de classificação hidráulica,
(3) métodos de simulação de habitats e (4) métodos holísticos. A
seguir apresenta-se uma breve descrição desses métodos.
1. Métodos Hidrológicos: usam séries históricas de vazão para
estabelecer vazões mínimas em rios. Eles são: Método da
vazão média mínima de 7 dias com período de recorrência
de 10 anos (Q7,10); Método da curva de permanência
de vazões; Método das vazões anuais mínimas de 7 dias;
Método de Tennant (ou de Montana); Método da vazão
aquática de base; Método da área de drenagem.
2. Métodos de classificação hidráulica: utilizam um ou mais
parâmetros hidráulicos do rio para prever modificações
dos habitats aquáticos. A profundidade, o perímetro
molhado, a velocidade, o raio hidráulico e a área molhada
da seção são alguns dos parâmetros utilizados. Escolhe-
se a descarga, correspondente ao ponto de inflexão do
gráfico, que representa a vazão acima da qual a taxa de
aumento do perímetro molhado começa a diminuir.
3. Métodos de simulação de habitats: relacionam as carac-
terísticas hidráulicas de um trecho de rio, tais como ve-
locidade, profundidade e substrato, para diversos valores
de vazão, com preferências de habitat para a espécie em
estudo, e numa determinada fase do seu ciclo de vida. O
método IFIM é um dos mais utilizados.
4. Métodos holísticos: Estes métodos consideram, na
definição da vazão ecológica, as necessidades de todos os
27
 ARTIGOS TÉCNICOS
componentes de um ecossistema, assim como suas inter-
relações. O Método da Construção de Blocos (Building
Blocks Methodology - BBM) é o exemplo mais conhecido de
método holístico. Esse método baseia-se no conhecimento
disponível e na opinião de especialistas, reunidos em um
processo estruturado de workshops.
4. O MÉTODO INSTREAM FLOW INCREMENTAL
METHODOLOGY – IFIM
O método IFIM surgiu no final dos anos 70 e início dos anos 80,
quando muitos reservatórios para geração de energia elétrica ti-
veram que renovar suas licenças de operação. Desde então, o mé-
todo tem sido aperfeiçoado e aplicado em centenas de estudos por
agências federais e estaduais nos EUA (STALNAKER et al., 1995).
Por ser um método quantitativo e baseado em princípios
biológicos, o IFIM é considerado mais confiável e defensável que os
outros métodos de determinação de vazões ecológicas nos EUA, e
também em outras partes do mundo (JOWETT, 1997). Entretanto,
é um método cuja aplicação é mais trabalhosa e dispendiosa.
O método IFIM divide-se em cinco fases: Identificação do
Problema, Planejamento do Estudo, Implementação do Estudo,
Análise de Alternativas e Resolução do Problema. A fase de
Identificação do Problema pressupõe encontros com órgãos de
manejo e de regulação para identificação das partes envolvidas
no projeto e suas necessidades, assim como do(s) trecho(s) de
rio a ser(em) estudado(s) e dos recursos aquáticos de maior
preocupação. Passando-se ao Planejamento do Estudo, deve ser
definido quem fará o quê, quando, onde, como e por quanto.
Com isso, é necessário fazer uma avaliação inicial se os prazos
e recursos humanos e financeiros disponíveis são suficientes
para a execução do projeto. Nesse momento, as informações
hidrológicas tomadas como base ou de referência para o estudo
devem ser aprovadas pelas partes (USGS, 2012).
A implementação do estudo consiste da coleta de dados do
macro-habitat (temperatura, pH, oxigênio dissolvido, vazão) e do
micro-habitat (profundidade, velocidade, substrato, cobertura)
que caracterizam o(s) trecho(s) de rio selecionado(s). Pelas razões
explicitadas por Poff et al. (1997), a vazão acaba sendo a variável
que representa o macro-habitat. Tendo sido coletados os dados,
parte-se para a calibração de modelos, simulação de alternativas
e síntese dos resultados. O modelo Physical Habitat Simulation
System - PHABSIM é a ferramenta analítica utilizada nessa fase do
método IFIM para simulação hidrológica. Muitas vezes a aplicação
do método IFIM se restringe à utilização dessa ferramenta.
O PHABSIM possui dois componentes principais. O
componente hidráulico simula profundidades e velocidades
da água em função das vazões. Nesse ponto, vale ressaltar a
importância da calibração do modelo, por meio de levantamentos
de campo das variáveis que caracterizam o micro-habitat, para
diferentes faixas de vazão medida (USGS, 2012).
O componente de habitat utiliza índices que variam entre 0 e
1 para avaliar a adequabilidade desse habitat no trecho estudado.
Os atributos físicos considerados são profundidade, velocidade,
substrato e cobertura. Os Índices de Adequabilidade de Habitat
atribuídos são função da espécie e etapa da vida da espécie alvo.
Os valores atribuídos dependem, portanto, de padrões de compor-
tamento e da sazonalidade local. Para cada vazão encontram-se
valores dos atributos correspondentes e seus respectivos Índices
de Adequabilidade de Habitat no trecho estudado para a espécie e
etapa de vida estudada. O produto desses Índices resulta no Índice
Geral de Adequabilidade (BENETTI; LANNA; COBALCHINI, 2003).
O produto do Índice Geral de Adequabilidade com sua densidade
de ocorrência no trecho do rio estudado resulta na Área Utilizável.
Para uma mesma vazão, repete-se todo o procedimento relacio-
28
nado ao componente de habitat para outras seções transversais ou
trechos de rios e somam-se todas as Áreas Utilizáveis. Essa soma
resulta na Área Utilizável Ponderada, que deve ser plotada em um
gráfico em função da vazão que a gerou. O ponto máximo da curva
(Figura 2) formada pelo conjunto de pontos plotados seria a vazão
ótima ou ecológica (BENETTI; LANNA; COBALCHINI, 2003).
Na quarta fase do método IFIM é feita a análise das alternati-
vas encontradas por meio das simulações realizadas. “O propósito
é avaliar os impactos das alternativas, iniciar um processo de ne-
gociação e criar novas alternativas mais compatíveis com os múlti-
plos interesses (BENETTI, LANNA e COBALCHINI, 2003, p. 153).
A resolução do problema só é encontrada a partir de uma
solução negociada entre a necessidade de manutenção do habitat
das espécies de interesse e as necessidades sociais relacionadas
ao uso da água.
5. ESTUDO DE CASO
Em diversos estados brasileiros, as vazões ecológicas (ou
residuais) estabelecidas indiretamente por meio da análise das
práticas de outorga resultam basicamente da aplicação de crité-
rios hidrológicos, conforme mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Vazões ecológicas (ou residuais) estabelecidas
indiretamente, partindo-se dos critérios de outorga estabelecidos
para alguns estados brasileiros.
Estado PR MG PE BA PB RN CE
10% da 10% da 10% da
20% 20%
Vazão
50% 50%
da da
Q90% (re- Q90% (re- Q90% (re-
da da gularizada gularizada gularizada
Ecológica Q90% Q90%
Q7,10 Q7,10* 90% de 90% de 90% de
(diária) (diária)
garantia) garantia) garantia)
*Resolução Conjunta Semad/Igam nº 1548 publicada no DOU em 02/04/2012
Fonte: Adaptada de BENETTI, LANNA e COBALCHINI, 2003
(atualizada apenas no que se refere ao Estado de Minas Gerais).
Sendo assim, para fins comparativos, neste trabalho foram
estimadas apenas a Q7,10 e a Q90% para o ponto imediatamente
a montante do trecho do rio das Velhas em que também foi
aplicado o método IFIM.
Utilizou-se os dados da estação fluviométrica Honório Bicalho,
descrita anteriormente, e aplicou-se, inicialmente, o Método da
vazão média mínima de 7 dias com período de recorrência de 10
anos (Q7,10) para a determinação da vazão ecológica. O valor da
Q7,10 encontrado foi 10,3 m³/s no ponto monitorado. Considerando-
se que a distância entre os pontos é de apenas 10 km dentro
de uma área com mesma conformação hidrogeológica, a Q7,10 no
ponto imediatamente a montante do trecho estudado pôde ser
obtida por transferência de área. Portanto, a Q7,10 no ponto de
interesse é igual a 8,6 m³/s.
Para se obter a Q90% foi aplicado o Método da curva de per-
manência de vazões. A vazão Q90% no ponto monitorado foi esti-
mada igual a 14,4 m³/s e no ponto de interesse, igual a 12,0 m³/s.
As vazões ecológicas ou residuais estimadas tomando por
base os critérios de outorga adotados pelos Estados de Minas
Gerais e Bahia, apresentados na Tabela 1, seriam, portanto, as
mostrados na Tabela 2.
O exemplo de aplicação do método IFIM foi extraído do
trabalho desenvolvido por Chaves (2009). Durante a aplicação do
modelo PHABSIM foram simulados cenários de seca, e de cheia
com período de retorno de 1, 2 e 25 anos. A Figura 3 mostra um
gráfico comparativo com as Curvas de Área Utilizável Ponderada
versus Vazão para as quatro espécies estudadas. Nessa figura,
também foram lançadas as vazões ecológicas apresentadas na
Tabela 2, estimadas com base nos métodos da vazão média
mínima de 7 dias com período de recorrência de 10 anos (Q7,10) e
da curva de permanência de vazões (Q90%).
 TECHNICAL ARTICLES

Fonte: Stalnaker et al.

(adaptado por PANTE, 2004)

FIG. 2: O processo de determinação da curva Área Utilizável Ponderada versus Descarga.

Tabela 2: Valores de vazões ecológicas (ou residuais) estimados Comparando-se as curvas da Figura 3 com a da Figura 2
indiretamente a partir dos critérios de outorga estabelecidos para verificou-se que, ao contrário do que se esperava, o trabalho de
os estados de MG e BA. Chaves (2009) gerou curvas de Área Utilizável Ponderada que
apresentaram pontos de mínimo e não pontos de máximo. Isso
Vazão ecológica no ponto
Método de estimativa
imediatamente a montante
dificulta a escolha de uma vazão ecológica única. Analisando-
da vazão ecológica
do trecho estudado se as curvas da Figura 3 observa-se que tanto as vazões muito
Vazão média mínima de 7 dias com baixas quanto as muito altas parecem favorecer a presença das
período de recorrência de 10 anos 4,3 m³/s espécies estudadas nesse trecho de rio.
(50% da Q7 10) Optando-se por adotar como vazão ecológica estimada a
Curva de permanência de vazões partir da aplicação do modelo PHABSIM aquela que apresentou
2,4 m³/s
(20% da Q90%)
as maiores Áreas Utilizáveis Ponderadas, tem-se como vazão
Fonte: adaptado de CHAVES, 2009
ecológica, para as quatro espécies estudadas, a que representou
o cenário de seca (11,3 m³/s). Com isso, a situação inicialmente
imaginada como a mais restritiva (vazão mais baixa testada)
mostrou-se mais favorável.
Verifica-se que a aplicação dos métodos da Curva de Per-
manência e da Vazão média mínima de 7 dias com período de
recorrência de 10 anos resultam em valores de vazões ecológi-
cas ainda mais baixos que o resultante da aplicação do modelo
PHABSIM.
Outra questão importante de se observar é que, para as
três espécies Astyanax taeniatus, Phallocerus uai, Serrapinus
heterodon, o ponto de área utilizável mínima coincidiu com o
cenário de cheia com período de retorno de 1 ano. Somente para
a espécie Bryconamericus stramineus houve uma maior mudança
no formato da curva e o ponto de mínimo passou a ser encontrado
no cenário de cheia com período de retorno de 2 anos.
FIG. 3: Área Utilizável Ponderada em função da vazão para as 4 espécies
de peixe estudadas, juntamente com as vazões ecológicas estimadas
Esperava-se que houvesse uma diferença maior entre as áreas
indiretamente a partir dos critérios de outorga estabelecidos para os utilizáveis quando se comparasse o cenário do período de retorno
estados de MG e BA - rio das Velhas. de 2 anos com 25 anos, em relação a 2 anos com 1 ano. Porém,

29
 ARTIGOS TÉCNICOS
o acréscimo de vazões para a diferença de 1 ano de período de
retorno foi praticamente o mesmo que para os próximos 24 anos
de período de retorno. Esse provavelmente foi um dos fatores
que resultou em uma diferença também aproximada entre as
Áreas Utilizáveis Ponderadas.
Esses resultados mostraram a necessidade de se incluir
parâmetros biológicos que serão decisivos na fundamentação da
escolha da vazão ecológica a ser adotado nos empreendimentos.
No caso do rio das Velhas, seria importante detalhar melhor os
processos geomórficos e ecológicos ocorridos, principalmente para
os cenários correspondentes às vazões residuais estabelecidas
indiretamente pela legislação brasileira (valores muito baixos) e
entre os cenários de cheia de 1 e 2 anos de período de retorno.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo PHABSIM, que compõe a fase de implementação do
estudo do método IFIM, tem como finalidade identificar as regiões
do(s) trecho(s) de rio(s) estudado(s) mais propícias à ocupação
da(s) espécie(s) de peixe(s) estudada (s) para diversos cenários
de vazão. Em consequência disso, propõe-se a identificar as
vazões mais favoráveis à manutenção do ecossistema aquático
representado por essa(s) espécie(s).
Conforme já mencionado, esse modelo possui, sobre diversas
metodologias de determinação de vazão ecológica, a vantagem
de considerar os componentes de habitat e hidráulico. No
entanto, para se obter sucesso é necessário definir de forma
fundamentada as espécies que se deseja estudar e as fases
da vida de maior interesse para representar a manutenção do
ecossistema. Ficou provado que as espécies se comportam
de formas diferentes e é impossível abranger todas elas. Com
relação à fase da vida, estudos mostraram que quanto mais
jovem o peixe, maior a dificuldade de se identificar seus habitats
preferenciais e, portanto, maior a exigência por discretização do
modelo adotado (GARD, 2005).
Ainda sobre a discretização necessária para que o modelo
identifique bem os habitats favoráveis, vale ressaltar que as
variações podem ocorrer dentro de um trecho de rio ou até
mesmo numa mesma seção transversal desse trecho. Nesse
sentido, é muito importante que a resposta do canal à variação
de vazões (por exemplo, identificação das cheias que superam o
canal principal e invadem a planície de inundação) seja analisada.
As análises apresentadas neste trabalho reforçam também a
necessidade de se considerar outras características (não somente
a vazão) do habitat, tais como temperatura, qualidade da água e
estrutura do canal; próprias do manancial estudado.
7. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pelas
agências e empresas a seguir: i) ANEEL; ii) CEMIG; iii) ELETRO-
BRAS-FURNAS; iv) FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa de
Minas Gerais); v) CNPQ; vi) CAPES.
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