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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

Alvaro Gabriel Bianchi Mendez

O MINISTÉRIO DOS INDUSTRIAIS


A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
na crise das décadas de 1980 e 1990
Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada no
Departamento de Ciência Política do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Estadual de
Campinas, sob a orientação do Prof. Dr. Sebastião
Carlos Velasco e Cruz.

Este exemplar corresponde à redação


final da Tese defendida e aprovada pela
Comissão Julgadora em 15/4/2004.

Banca Examinadora:
Prof. Dr. Sebastião Carlos Velasco e Cruz (orientador)
Prof. Dr. Armando Boito Junior
Prof. Dr. Brasílio Sallum Junior
Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes
Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto

CAMPINAS

Março 2004
ii

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP

Bianchi Mendez, Alvaro Gabriel


B 47 m O ministério dos industriais : a Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo na crise das décadas de 1980 e 1990 / Alvaro
Gabriel Bianchi Mendez. - - Campinas, SP : [s. n.], 2004.

Orientador: Sebastião Carlos Velasco e Cruz.


Tese (doutorado ) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.


2. Empresários. 3. Ação coletiva. 4. Brasil – Política e governo, 1980-
1998. I. Cruz, Sebastião Carlos Velasco e. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.
iii

“Com a desestabilização da economia de mercado,


começamos a reconhecer os monumentos da burguesia como
ruínas antes mesmo que eles tenham desmoronado.”
(Walter Benjamin, Das Passagen-Werk.)
iv

Para Patrícia e Gabriel,

que deram sentido a tudo.


v

AGRADECIMENTOS

Algumas pessoas tornaram esta Tese possível e a elas gostaria de expressar meus

agradecimentos. Meu orientador, o Prof. Dr. Sebastião Velasco e Cruz foi, ao longo dos

últimos anos, uma fonte de estímulo intelectual. Foi, também, um guia seguro e paciente,

sem o qual este trabalho dificilmente teria chegado a seu final.

Tive a felicidade de contar em minha banca de Exame de Qualificação com a

presença do Prof. Dr. Brasílio Sallum Jr. e o Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de

Moraes. Seus comentários na ocasião me ajudaram a delimitar de maneira mais precisa

minha pesquisa, dando-lhe maior coerência.

O Prof. Dr. Ruy Braga foi um amigo sempre presente, um leitor atento e um

interlocutor constante. Com o Prof. Dr. Henrique Carneiro e com a historiadora Sílvia

Miskulin também tive a oportunidade de discutir alguns temas presentes neste trabalho e

outros bastante distantes dele em longas e agradáveis conversas. Valério Arcary, Waldo

Mermelstein e Fernando Silva, pelas mesmas razões, também devem ser lembrados.

Foi sob a orientação da Prof. Drª. Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins,

durante minha Graduação em Ciências Sociais, que comecei o estudo do empresariado

brasileiro e com o Prof. Dr. Edmundo Fernandes Dias, durante o Mestrado, que essa

reflexão tornou-se madura. Palavras de agradecimento a eles serão sempre insuficientes.

Durante boa parte de meu Doutorado estive vinculado, à Faculdade de Filosofia e

Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Convivi aí com jovens

professores universitários que entendiam tanto das relações da burguesia com o Estado,

quanto eu de pitagorismo. Nem por isso o ambiente intelectual deixou de ser menos
vi

estimulante e franco. Em particular agradeço aos professores Gabriele Cornelli, Lelita

Benoit, Marcelo Carvalho, e Rodnei Nascimento por esse convívio.

O sr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para

o Desenvolvimento da Indústria (Iedi), apresentou-me a entidade e seus estudos e a

coordenadora de Expediente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp),

sra. Celeste Giolo franqueou-me o acesso a importantes documentos. A eles registro minha

gratidão. O mesmo digo dos funcionários do Arquivo do Estado de São Paulo e das

bibliotecas da Universidade Metodista de São Paulo e do IFCH da Unicamp, onde realizei

boa parte da pesquisa documental que sustentou esta pesquisa.


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RESUMO

A presente Tese visa discutir as relações dos empresários com o Estado em um

contexto de crise orgânica. Para tal focaliza a trajetória da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (Fiesp) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), ao

longo das décadas de 1980 e 1990. Nessa análise, é adotado um enfoque relacional que

destaca os conflitos existentes entre as classes, suas frações e formas institucionais no

processo de formação dos atores coletivos e de seus projetos hegemônicos. Analisando as

eleições de 1980 e de 1992 para a Fiesp e o Ciesp, a pesquisa identifica as forças sociais em

presença e o embate projetivo que nelas se verificou. O estudo permitiu revelar o processo

de construção de um projeto neoliberal e a participação do empresariado industrial paulista

na sua formatação.
viii

ABSTRACT

This Thesis discusses the relationships between the businessmen and the State in the

context of organic crisis. Therefore, it focuses on the trajectories of Federação das

Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP- Federation of Industries of the State of São

Paulo) and Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP – Center of the State of

São Paulo Industries) in the 1980’s and 1990’s. In the present analysis, a relational

approach is adopted focusing the making of the collective actors and its hegemonic projects

by conflicts between classes, its fractions and institutional forms. The examination of the

1980 and 1992 elections for the FIESP and CIESP identified the existing social forces and

the projecting contest within them. This study allowed to unfold the building process of a

neoliberal project and the role of the businessmen from São Paulo State on its formulation.
ix

AGRADECIMENTOS V

ÍNDICE DE TABELAS XI

ÍNDICE DE GRÁFICOS XII

INTRODUÇÃO 1

PARTE I. PARA UM ENFOQUE RELACIONAL DO ASSOCIATIVISMO 15


1. CAPITAIS PARTICULARES E INTERESSES COLETIVOS 17
2. RELAÇÕES DE FORÇAS, AÇÃO COLETIVA E INTELECTUAIS DO CAPITAL 29
3. NEM SUBALTERNIDADE PASSIVA, NEM ATIVISMO HEGEMÔNICO 41

PARTE II. GÊNESE E ESTRUTURA DO “MINISTÉRIO DOS INDUSTRIAIS” 63


4. DA “ASSOCIAÇÃO CIVIL” AO “ÓRGÃO DE COLABORAÇÃO” 65
5. CONSTRUINDO A IDENTIDADE POR MEIO DE INSTITUIÇÕES 87
6. ENGENHARIA INSTITUCIONAL E REPRESENTAÇÃO 105

PARTE III. O NOVO SINDICALISMO PATRONAL 117


7. QUANDO VELHOS PERSONAGENS ENTRAM EM CENA 119
8. CRISE E REDEFINIÇÃO DO PROJETO EMPRESARIAL 147
9. A EMERGÊNCIA DA QUESTÃO SOCIAL 171

PARTE IV. A LUTA POR UM PROJETO EMPRESARIAL 179


10. OS INDUSTRIAIS PAULISTAS E A CRISE BRASILEIRA 181
11. O NEOLIBERALISMO COMO ALTERNATIVA 205
12. A GRANDE BATALHA: AS ELEIÇÕES DE 1992 NA FIESP 231

A TÍTULO DE EPÍLOGO 263

BIBLIOGRAFIA 291
ARTIGOS E DOCUMENTOS EMPRESARIAIS 307
x
xi

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1 – Organismos Empresariais de Cúpula da América Latina......................... 48

Tabela 2 – Número de Sindicatos Patronais Reconhecidos Anualmente .................... 76

Tabela 3 – Serviços Administrativos e Órgãos Técnicos do Ciesp e da Fiesp (1980)113

Tabela 4 – Sindicatos de Empregadores por Período de Reconhecimento Segundo

os Grandes Grupos Econômicos.............................................................................. 121

Tabela 5 – Sindicatos de Empregadores por Período de Reconhecimento Segundo os

Grupos Econômicos da Indústria............................................................................ 123

Tabela 6 – Diretores da Fiesp por Divisão Econômica ............................................... 133

Tabela 7 – Composição dos Departamentos da Fiesp-Ciesp ...................................... 141

Tabela 8 – Índices Anuais da Produção Industrial (1991=100) ................................. 245

Tabela 9 – Candidatos às Diretorias da Fiesp e do Ciesp em 1992 por Divisão

Econômica ................................................................................................................. 248

Tabela 10 – Candidatos à Diretoria do Ciesp em 1992 (cargos selecionados) .......... 254

Tabela 11 – Coeficientes de Penetração e Abertura (%) – 1990-1998....................... 272

Tabela 12 – Participação das Classes e Atividades no Valor Adicionado a Preços

Básicos - 1990-1999 (em %) ..................................................................................... 275


xii

ÍNDICE DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Sindicatos Filiados à Fiesp por Período de Reconhecimento ................... 74

Gráfico 2 – Simetria Institucional no Complexo Fiesp-Ciesp ....................................... 110

Gráfico 3 – Diretorias Partilhadas no Complexo Fiesp-Ciesp (1980)........................... 114

Gráfico 4 – Posição das Empresas de Diretores da Fiesp no Ranking Visão

(classificação por patrimônio líquido) .................................................................... 135

Gráfico 5 – Número de Empregados das Empresas de Diretores da Fiesp .............. 136

Gráfico 6 – Organograma da Diretoria da Fiesp em 1982 ......................................... 139

Gráfico 7 – Utilização da Capacidade instalada da Indústria – Trimestral (%)...... 157

Gráfico 8 – Avaliação do Governo Figueiredo pelos Empresários ............................ 159

Gráfico 9 – Avaliação do Ministro Delfim Netto pelos Empresários......................... 160

Gráfico 10 – Produto Interno Bruto (PIB) da Indústria. Valor adicionado (variação

real anual %)............................................................................................................. 167

Gráfico 11 – Índices Anuais da Produção Industrial, Segundo Categorias de Uso . 228

Gráfico 12 – Preferência dos Empresários e dos Sindicatos para a Presidência da

Fiesp e do Ciesp ........................................................................................................ 235

Gráfico 13 – Posição das Empresas dos Candidatos às Diretorias da Fiesp e do Ciesp

em 1992 no Ranking Visão (por patrimônio líquido) ............................................ 251

Gráfico 14 – Número de Empregados das Empresas dos Candidatos às diretorias da

Fiesp e do Ciesp em 1992 ......................................................................................... 252

Gráfico 15 – Intenção de Voto dos Sindicatos para a Diretoria da Fiesp em 1992 .. 257

Gráfico 16 – Intenção de Voto das Empresas para a Diretoria do Ciesp em 1992... 259
1

INTRODUÇÃO

Esta Tese, apresentada no Programa de Doutorado em Ciências Sociais do Instituto

de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, é o resultado de

uma reflexão sobre o empresariado brasileiro que é levada a cabo já há alguns anos. (Seis?

Sete? Uns tantos, de qualquer modo.) Correndo-se o risco de reconstruir arbitrariamente

esse percurso para dar-lhe uma unidade nem sempre tão assumida, a definição mais

sintética do tema sobre o qual tal reflexão gravitou seria a seguinte: as relações dos

empresários com o Estado em um contexto de crise orgânica.1

A continuidade temática não deve dar a impressão, entretanto, de repetição ad

nauseaum. Com o passar dos anos as fronteiras espaciais e temporais do projeto foram

sendo alargadas e suas dimensões teóricas e analíticas refinadas, em parte porque esse é o

percurso próprio de toda pesquisa, em parte porque esse é o caminho percorrido por todo

pesquisador que ambicione dar inteligibilidade a seu objeto. Assim, o que começou como

um estudo sobre uma pequena associação empresarial, o Pensamento Nacional das Bases

Empresariais (PNBE), e suas relações com o governo Fernando Henrique Cardoso, acabou

desembocando em uma análise da evolução da mais importante entidade patronal do país, a

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Sem dúvida, quando se pensa no empresariado brasileiro e nas suas entidades

representativas, logo vem à mente a Federação paulista. De tal modo que não poucas vezes

1
Uma crise é orgânica, quando afeta o conjunto das relações sociais e é a condensação das contradições
inerentes à estrutura social. Para a eclosão dessa crise orgânica é preciso a coincidência dos tempos de uma
crise de acumulação do capital com o acirramento dos choques entre as classes, e no interior delas próprias
entre suas frações. Sobre o conceito gramsciano de crise orgânica ver Bianchi (2002).
2

ela foi tratada como “le parti des patrons”, para resgatar a expressão com a qual Henri

Weber se referiu à Confederatiòn Nationale du Patronat Français. Etimologicamente, mas

também na sua gênese histórica, um partido é uma “fração”, ou seja, “um número de

cidadãos, quer a maioria ou a minoria do conjunto, unidos e atuando de acordo com algum

impulso comum de paixão ou interesse” (Madison, Hamilton e Jay, 1987, p. 123). Nessa

definição extremamente laxa, e apenas nela, é possível aproximar a associação empresarial

de um partido. E se essa aproximação foi aqui feita não é para nela insistir e sim para passar

pela fresta que abre e pensar a Federação patronal em suas relações com os grupos sociais

que não fazem parte dessa “fração”.

Em uma daquelas anotações instigantes que fez em seus cadernos na prisão,

Antonio Gramsci fornece a chave teórica que guiou, em grande medida a presente

investigação. Diz ele:

“a história de um partido não poderá deixar de ser a história de um

determinado grupo social. Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins,

adversários, inimigos. Somente do quadro global de todo o conjunto social e

estatal (e, freqüentemente, também como interferências internacionais) é que

resultará a história de um determinado partido; por isso, pode-se dizer que

escrever a história de um partido significa nada mais do que escrever a

história geral de um país a partir de um ponto de vista monográfico, pondo

em destaque um aspecto seu característico.” (Gramsci, 1977, p. 1630.)

E é isto o que a pesquisa ora em curso objetiva: escrever sobre a história recente do

Brasil a partir de “um aspecto característico”. Cabe justificar mais uma vez a escolha do tal

“aspecto”. É quase como exteriorização de uma frustração do pesquisador que artigos ou


3

livros sobre o empresariado freqüentemente começam identificando a escassa atenção que

este tem recebido por parte das ciências sociais.

Não se trata de um problema nacional, um lapso tropical capaz de desviar o olhar ou

impedir que ele se fixe com mais vagar sobre esse objeto. Vale lembrar o influente projeto

internacional de pesquisa coordenado por Schmitter e Streeck em 1981. Nele, o objetivo da

pesquisa era anunciado e justificado ao mesmo tempo, para evitar a perplexidade que o

próprio poderia causar: “Por que estudar as associações empresariais?”, perguntavam então

seus autores (1999).2

Pelo menos na América Latina a pergunta original de Schmitter e Streeck pode

ainda fazer sentido se for refinada, decantando seu caráter justificativo. Os últimos trinta

anos viram um tal desenvolvimento dos estudos sobre o empresariado que tornam

dispensável ter de justificar a comunidade de negócios e suas organizações como um objeto

de estudo.

O desenvolvimento dessas pesquisas é desigual e seria realmente interessante

elucidar as razões dos diferentes ritmos, estudando a construção social do objeto de

investigação. Mas não é esse o objetivo aqui. Como já foi dito trata-se de argumentar a

favor de uma escolha temática. O que justifica, pois, a renovada atenção que o

empresariado latino-americano tem recebido em nosso continente e para além dele?

Não está entre as maiores virtudes dos cientistas sociais o poder de antecipação.

Com mais freqüência, o olhar dos investigadores recai sobre fenômenos sociais que já são
4

perceptíveis a olho nu e que marcam sua presença em um espaço público ampliado.

Evidentemente, com base no estudo minucioso desses fenômenos e de suas dinâmicas

internas, é possível avaliar tendências, ou seja, apontar possíveis desdobramentos futuros de

uma realidade presente. Mas a compreensão desse presente parece ser o que em primeiro

lugar atrai a atenção do cientista social.

As razões da difusão dos estudos sobre o empresariado devem ser procuradas,

portanto, no presente e não no futuro. O que tem chamado a atenção dos cientistas sociais é

uma renovada politização da ação empresarial no continente latino-americano, que tem

início a partir da década de 1970 e que ganhou impulso nos conturbados anos 1980. No

Brasil esse impulso também se fez notar. Cabe destacar que foi a emergência do

empresariado no cenário político nacional a partir da campanha contra a estatização lançada

em 1974 que o colocou no centro das preocupações de número pequeno mas relevante de

pesquisadores.

Utilizando procedimentos metodológicos e abordagens teóricas diferenciadas, um

núcleo temático foi partilhado por essas pesquisas: a própria campanha contra a estatização,

a transição democrática e, posteriormente, a difusão do ideário neoliberal e a aplicação

prática de seu programa. Em sua maioria, esses estudos, debruçando-se sobre os últimos

2
Escrito originalmente em 1981, o projeto de pesquisa sobre a organização dos interesses empresariais rodou
o mundo sob a forma de fotocópias passadas de mão em mão. Em 1999, o Max-Planck Institute publicou
novamente o texto sob a forma de Discussion Paper e o disponibilizou na Internet. O projeto desenvolvido
por Schmitter e Streeck não chegou a se materializar em livro, muito embora tenha dado origem a um grande
número de estudos, principalmente no continente europeu, contribuindo para dar ao empresariado o status de
objeto de pesquisa. Dentre as pesquisas que se desenvolveram nos marcos desse projeto ver os estudos
monográficos de Coleman (1988), Coleman e Grant (1988) e Streeck (1992).
5

vinte ou trinta anos, procuraram reconstituir a trajetória da ação coletiva empresarial e suas

complexas relações com o Estado.3

O inesperado ativismo que o empresariado brasileiro manifestou a partir de meados

da década de 1970 foi apenas o início de um longo período de transformação da

representação empresarial. Assim como em 1978, esse ativismo, que se estendeu pelos anos

1980 e 1990 atravessando ondas de fluxo e refluxo repercutiu de maneira intensa no interior

da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). De maneira intensa, mas não

homogênea. A Federação foi também lugar de luta política, de construção de projetos

políticos e econômicos.

Este é o tópico a partir do qual foi formulado o problema que guiou a presente

pesquisa: em um contexto marcado pela crise orgânica, combinação de uma crise

econômica com uma crise política, quais são as saídas para essa situação que se desenham

no interior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo? Quais são os suportes

sociais e políticos dessas diferentes alternativas? Qual é o resultado do embate de projetos

que ocorre no interior da Federação durante as décadas de 1980 e 1990?

Algumas hipóteses que nortearam a investigação podem ser aqui antecipadas:

1) A maneira como foi formulada a pergunta pressupõe a existência de vários

projetos em confronto. E não poderia ser diferente. A crise divide, fraciona. Tais situações

criam as condições para a emergência de impulsos hegemônicos, para a criação e recriação

de projetos. Situações de crise fazem emergir uma pluralidade de respostas. Mas nem todos

os projetos nascidos no interior da crise têm uma vocação hegemônica. É possível perceber

3
Por exemplo, Boschi, Diniz e Santos (2000), Bianchi (2001), Codato (1997), Cruz (1995, 1997, 1997a),
6

uma gama de respostas à crise que não transcendem o nível econômico-corporativo, ou

seja, que ao invés de procurar uma solução global para uma crise também global

apresentam projetos pontuais que têm como objetivo diminuir as perdas de um determinado

setor ou grupo social.

2) Ao longo das décadas de 1980 e 1990 a alternativa neoliberal acabou

prevalecendo no interior da Fiesp. Um consenso empresarial foi sendo construído em torno

da revalorização do mercado como agente da regulação econômica e do programa mínimo

de reformas econômicas compatível com tal revalorização. Tal programa mínimo inclui a

privatização das empresas estatais, as reformas da previdência, administrativa, tributária e

trabalhista, a defesa da estabilização monetária, a desregulamentação estatal e a

liberalização dos mercados.

Mas é importante destacar que, articulado em torno de princípios liberais abstratos,

tal consenso empresarial deixa ainda muito espaço para o conflito projetivo. Projetos

econômico-corporativos e hegemônicos coexistem, confrontam-se, articulam-se e

reordenam-se continuamente, de tal modo que a configuração resultante em determinado

momento é expressão da relação de forças entre as diferentes frações do empresariado e

destas com o Estado e as classes subalternas. As formas de aplicação desse programa,

principalmente no que diz respeito à abertura comercial, é tema de intensas disputas no

interior do empresariado. Daí que seja possível identificar ao longo desse período diferentes

formulações patronais sobre um mesmo tema. A pesquisa deve identificar os avanços e

recuos da afirmação da alternativa neoliberal.

Diniz (1997, 2000) e Leopoldi (2000).


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3) O trabalho de pesquisa não deve, se limitar, entretanto, à identificação dos

diferentes projetos existentes. É preciso perceber quais eram as forças sociais em confronto

durante esse período, ou seja, quais as bases sociais desses projetos. Isso implica perceber

as relações de forças políticas, as diferentes frações em conflito no interior da Federação,

mapeando o embate de projetos em uma situação de crise e a “personificação” destes por

meio de dirigentes empresariais. Tais líderes empresariais são tomados, aqui, como

intelectuais orgânicos/condensados, no sentido gramsciano do termo (ver capítulo 2).

Os estudos sobre o empresariado latino-americano têm destacado que diferentes

frações empresariais tendem a reagir de modo diferente perante as reformas econômicas de

cunho neoliberal. Setores com vínculos mais fortes com o mercado interno tendem a se

opor à abertura comercial, por exemplo, enquanto setores dominados por empresas

transnacionais pressionam por uma maior abertura. A hipótese é que o progressivo

deslocamento da Fiesp em direção a um projeto neoliberal foi acompanhado por uma

mudança na relação de forças no interior da Federação, com o fortalecimento das frações

empresariais que possuíam laços mais sólidos com o mercado externo.

O problema de pesquisa e as hipóteses formuladas a partir dele foram construídos de

tal maneira que suas soluções permitam avançar novas questões de pesquisa que sirvam de

interrogações para investigações futuras. O alcance cronológico da pesquisa –

aproximadamente vinte anos – colocou alguns obstáculos que deveriam ser contornados:

Quais eram as fontes necessárias à investigação? Como evitar que o excesso de

informações disponível sobre o período inviabilizasse a própria pesquisa? Como separar o

material relevante para o teste das hipóteses daquele que não o é?


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O design da pesquisa deveria levar em conta esses obstáculos formulados aqui sob a

forma de perguntas. E não era a interrogação, ela própria, um obstáculo perante o qual a

reflexão se detinha para recobrar fôlego e assim prosseguir? Antes de avançar vale a pena,

olhar para trás e ver para que direção o problema de pesquisa e as hipóteses apontavam.

Tratava-se de um conjunto de questões circunscritas pela temática de pesquisa sobre a qual

estavam construídas. O foco não estava na ação empresarial, nem na crise orgânica, e muito

menos no assim chamado projeto neoliberal. Para perceber de maneira mais precisa os

contornos daquilo que era até este ponto um grosseiro rascunho era necessário focalizar as

relações que se estabeleciam entre essas três dimensões em uma dada situação.

Pretensiosa como era, esta formulação, sem maiores desenvolvimentos, teria o

efeito de transformar os problemas de pesquisa no problema da pesquisa. Como evitar essa

perigosa mutação? A opção adotada utilizava a um recorte cronológico que destacava

desses quase vinte anos dois momentos nos quais a renovação do ativismo empresarial

coincidia com momentos de recrudescimento da crise orgânica e de definição projetiva: as

eleições de 1980 e 1992 para a diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo.

Toda seleção é arbitrária, mas esta tinha a vantagem de não ser aleatória. Foi nessas

situações que o debate empresarial ganhou tonalidades mais fortes, embora possam ser

discutidas as variações em intensidade. Nessas duas oportunidades, contrariando regras não

escritas e pesadas tradições, a diretoria da Fiesp foi disputada por mais de uma chapa,

trazendo a público os fracionamentos empresariais existentes, ocupando as páginas da

imprensa e forçando os contendores a explicitar suas concepções de mundo e seus

programas políticos.
9

Foi com este foco que a pesquisa analisou as publicações periódicas da Fiesp –

Indústria e Desenvolvimento, Revista da Indústria e Notícias. Com periodicidades

oscilando entre semanal e trimestral, tais publicações, juntamente com os estudos e

documentos divulgados pela entidade, forneceram uma fonte insubstituível e um importante

ponto de partida para a investigação. Explícita ou implicitamente elas informam os temas

que o empresariado considerava relevantes, formatando a agenda empresarial. Adotar essas

publicações como importante fonte de pesquisa não devia, entretanto, levar a uma atitude

acrítica ou ingênua. Cotejar minuciosamente as informações obtidas com outras fontes não

é praxe entre os jornalistas, mas deveria ser entre os cientistas sociais. Duas observações a

esse respeito.

Primeiro, é de se perguntar, como mais de uma vez foi feito, a relevância dessas

publicações como fonte de pesquisa. Elas refletiam de fato as posições existentes no

interior da diretoria da Fiesp ou, apenas, a opinião de assessores, jornalistas, consultores ou

diretores técnicos envolvidos na sua elaboração? Ora, muito embora não possa ser atribuído

ao empresariado tudo o que é produzido por esse corpo de assessores, existe entre estes e

aqueles uma relação na qual se pode identificar uma “dupla hermenêutica”, ou seja, uma

interpenetração dos quadros referenciais de ambos, mediada pelo seu grau de

autoconsciência. Assim, muito embora o corpo de assessores técnicos contribua para a

formação da opinião empresarial, nunca é demais lembrar que ele é contratado e também

demitido por esse mesmo empresariado a partir de suas próprias opiniões. Pode-se, assim,

esperar um grau de identidade elevado – embora não absoluto – entre o que é expressado

nessas publicações e as opiniões dominantes no interior do empresariado industrial.

Segundo, é preciso perceber os limites inerentes a essas publicações. Como porta-

vozes oficias da diretoria da Fiesp não dão conta da riqueza do debate que se desenvolve
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em seu interior durante o período estudado. Elas dizem respeito, geralmente, apenas às

posições que em dado momento eram preponderantes. As vozes discordantes raramente

encontravam nelas lugar. Mas tais publicações forneciam uma linha de referência a partir

da qual outras fontes eram acessadas de modo a permitir a comparação e o confronto entre

as diferentes opiniões.

As fontes complementares mobilizadas para acompanhar a trajetória da Fiesp no

período estudado se encontravam na imprensa de negócios. Por imprensa de negócios

entende-se os jornais Gazeta Mercantil, os suplementos de economia dos jornais Folha de

S. Paulo e O Estado de S. Paulo, e a revista Exame, além de outras publicações de

importância marginal para a presente investigação.

As mesmas observações feitas anteriormente cabem com maior ênfase aqui. Afinal,

qual a confiabilidade dessas publicações? Causa estranheza que pesquisadores

profundamente críticos dos meios de comunicação utilizem amplamente como fonte a

imprensa de negócios sem nunca se perguntarem sobre a adequação prática dessa fonte.

A pergunta, explicitada por Beth Mintz e Michael Schwartz (1985) em seu estudo

sobre a estrutura de poder das empresas norte-americanas, recebeu, por parte desses

pesquisadores uma solução adequada. Os autores selecionaram os veículos que lhes

serviriam como fonte de pesquisa entre aqueles que, além de apresentar a cobertura mais

ampla, eram os mais influentes entre as comunidades de negócios. Depois de testar as

informações publicadas por essa imprensa de negócios em alguns episódios chave, sobre os

quais haviam recolhido informações por meio de outras fontes, chegaram à conclusão de

que ela era mais confiável do que a maioria dos meios de comunicação de massa.

Despretensiosamente, os autores argumentaram que isso se devia, provavelmente, à relação


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recursiva existente entre essa imprensa e seus leitores: sua principal audiência eram os

indivíduos cujas atividades são notícias nesses jornais.4

Por fim, para estudar as transformações ocorridas no nível da “elite dirigente” da

Fiesp, ao longo das décadas de 1980 e 1990, se fazia necessário montar um banco de dados

com informações sobre empresas, sindicatos e empresários. Era necessário também,

perseguir, com o auxílio da imprensa de negócios e das publicações da Federação, a

trajetória dessas lideranças na conjuntura, bem como a dos diversos projetos das quais elas

eram suportes. Na conjuntura esses projetos eram definidos, explicitados e entravam em

conflito entre si. Os alinhamentos e realinhamentos tendiam a se concretizar em torno de

problemas sentidos de maneira mais imediata pelos empresários. Isso não quer dizer que as

respostas a eles sejam imediatistas. Um mesmo problema podia suscitar respostas que se

colocam nos diferentes níveis da análise projetiva.

Grosso modo, esses foram os problemas de pesquisa, as hipóteses e as estratégias

metodológicas que foram mobilizadas na presente pesquisa. O texto que o leitor tem em

mãos, é uma reconstrução sintética dessa trajetória. Reconstrução por duas razões.

Primeiro, porque o ato da escrita é um ato de produção no qual aparece a contradição

existente entre os meios materiais da pesquisa científica e as relações sociais das quais o

investigador participa. As normas da etiqueta acadêmica, as diretrizes das agências

financiadoras e o escrutínio dos pares – ou dos ímpares – exercem aqui seu poder

coercitivo, definindo expectativas e impondo limites. Segundo, porque ele é, também, uma

4
Teste similar foi realizado nesta pesquisa, comparando a cobertura das revistas Isto É e Exame das eleições
de 1992 na Fiesp. Mais sóbria e menos engajada na campanha de uma das chapas, a revista Exame não se
impressionou com as pesquisas que apontavam para uma vitória da chapa de oposição no Ciesp, como fez a a
Isto É. As fontes de Exame lhe indicavam que no fim das contas, prevaleceria o peso da máquina situacionista
e um desejo de renovação moderada. Acertou, como será visto na Parte IV.
12

recriação. Ele ordena o material de pesquisa, de acordo com critérios científicos e/ou

estilísticos, dando-lhe um significado e uma inteligibilidade que não necessariamente

estava presente no dado bruto.

A presente obra está dividida em quatro partes, que podem, muito bem, ser lidas de

maneira independente, muito embora o sentido subjacente só possa ser apreendido por

quem passar pelo calvário da Parte I, na qual são explicitadas as opções teóricas que

nortearam a pesquisa. Tais opções enfatizam a necessidade de adotar um enfoque relacional

para o estudo do associativismo empresarial. Nesse enfoque, as formas associativas do

capital (e dos capitalistas) são o resultado de relações de forças sociais que motivam a

agregação de interesses antes dispersos e, até mesmo, conflitantes, bem como da

capacidade de liderança de certos intelectuais.

Existem riscos inerentes a essa primeira parte do trabalho. Um deles referente a seus

propósitos. Não se trata de uma revisão bibliográfica sobre o tema, muito embora ela seja

feita, e sim de apresentar um enfoque alternativo para o estudo do associativismo

empresarial que demarca fronteiras com influentes teorias. O outro é o de transformar esses

capítulos iniciais, em uma declaração de princípios que depois seria abandonada ao longo

do texto. Para enfrentar esses riscos, era necessário que as partes seguintes nas quais se

desdobra este texto colocassem à prova as formulações teóricas iniciais.

A Parte II discutirá o processo de constituição do complexo Fiesp-Ciesp, a partir do

final da década de 1920, destacando as intrincadas relações dos industriais paulistas com as

demais frações da burguesia, o Estado e as classes subalternas. Discutir a gênese do

complexo Fiesp-Ciesp tornava-se necessário porque nela foram definidos certos arranjos

institucionais que marcaram, posteriormente, a ação coletiva desses sujeitos históricos.


13

As eleições de 1980 para a Fiesp e o Ciesp serão discutidas nas Parte III. Primeira

disputa para o comando das duas entidades realizada entre duas chapas, a eleição tem sido

considerada como um importante momento da renovação da ação coletiva empresarial. Era

importante, entretanto, colocar a prova essa afirmação, revelando as forças sociais que se

faziam presentes nessa disputa e os projetos dos quais elas eram portadoras. As estratégias

de investigação e exposição adotadas nessa Parte, mostrarão que não bastava revelar as

forças em presença. Era necessário, também, percebê-las em movimento, ou seja, agindo

em determinadas conjunturas e criando os ambientes institucionais necessários para tal

ação..

Na Parte IV será discutida a crise do modelo desenvolvimentista que havia sido

abraçado pelo empresariado industrial e a construção de uma alternativa neoliberal. Ao

contrário do comumente aceito o projeto hegemônico neoliberal não era consensual no

empresariado industrial e as oposições que se manifestavam iam muito além de resistências

econômico-corporativas. As eleições de 1992 para a Fiesp e o Ciesp, foram um importante

momento desse conflito projetivo e da construção de uma alternativa capitalista á crise do

capitalismo. A análise das forças sociais articuladas em cada uma das chapas concorrentes

permitiu identificar o fracionamento existente no interior do empresariado industrial e o

complexo jogo de forças que resultou na adesão, em dado momento, dos industriais

paulistas a esse projeto hegemônico restrito.


14
15

Parte I. PARA UM ENFOQUE RELACIONAL DO

ASSOCIATIVISMO

“ ‘Os associados se querem bem? Convém uns aos outros?’ – eis o que
sempre e em primeiro lugar se deve perguntar”
(Jules Michelet. O povo.)
16
17

1. Capitais particulares e interesses coletivos

Empresários, interesses, associações e poder político. Os termos chaves que

poderiam sintetizar este trabalho aparecem como auto-evidentes em seu encadeamento

lógico e poderiam ser reduzidos a uma série de afirmações tautológicas: os empresários têm

poder político porque são organizados; são organizados porque assim têm poder político;

são organizados porque têm consciência de seus interesses; têm consciência porque..., e

outras tantas.

São afirmações tautológicas, mas não são banais. Elas remetem a um problema que

surge na tentativa de explicar a relação existente entre o primeiro termo, colocado no plural,

e o último, no singular. Para tanto o recurso utilizado consiste em recorrer à mediação dos

interesses e associações que gradativamente ajustariam a concordância nominal resolvendo

senão um problema teórico, pelo menos um incomodo gramatical: muitos empresários,

menos interesses, poucas associações, um poder.

E, no entanto, o número dos substantivos deveria mostrar que o que parece ser auto-

evidente de fato está longe de sê-lo. Muitos empresários, vários interesses, múltiplas

associações indicam uma pluralidade sobre a qual é importante refletir. Quem diz vários,

diz também diferentes. A pluralidade encerra a possibilidade da heterogeneidade,

dissolvendo no ar aquilo que pareceria ser um dado sobre o qual a reflexão poderia se

erguer. A existência de uma heterogeneidade empresarial não parece ser algo que possa ser

questionado. Firmas diferem nos seus produtos e no modo de produzi-los, na sua

localização, no seu tamanho, nas relações que mantém com fornecedores, no tipo e na

intensidade da força de trabalho utilizada. A semelhança nessas diferentes variáveis não as


18

torna iguais; ainda assim permaneceriam firmas concorrentes. A concorrência é o fosso

aparentemente intransponível que separa duas empresas. Ela não só produz a diferença

como a justifica.

O que faz com que esse fosso seja transposto e se produza a ação coletiva

empresarial? Como capitais particulares podem agir coletivamente? A resposta mais

influente a essas perguntas foi dada por Mancur Olson em seu clássico The logic of

collective action (1971). O ponto de partida desse autor foi a afirmação corrente de que

grupos de indivíduos com interesses comuns tenderiam, usualmente, a promover esses

interesses, principalmente se fossem econômicos. Essa idéia está baseada na premissa de

que os membros do grupo agiriam por interesses individuais racionalmente definidos.

Mas essa afirmação, segundo Olson, estaria equivocada: “a idéia de que os grupos

agirão para atingir seus objetivos é uma seqüência lógica da premissa do comportamento

racional centrado nos próprios interesses não é verdadeira” (1971, p. 2). O autor assinala

que os indivíduos que pertencem a uma organização têm interesses comuns, mas, ao

mesmo tempo, têm motivações individuais diferentes dos interesses dos demais indivíduos

do grupo. Na medida em que ninguém poderia ser, a princípio, excluído do usufruto de um

benefício coletivo, pode ser racional para um indivíduo não contribuir para sua obtenção.

Fazendo uma analogia com um mercado competitivo, o autor conclui:

“Assim como não pareceria racional para um determinado produtor

restringir sua produção a fim de talvez obter um preço mais alto para o

produto de seu setor industrial, não lhe pareceria racional sacrificar seu

tempo e dinheiro para apoiar um lobby que luta pela ajuda do governo a esse

setor industrial” (Olson, 1971, p. 11).


19

Assim, quando o grupo for tão grande que a ausência de qualquer contribuição

individual não faria nenhuma diferença, o benefício coletivo simplesmente “não será

provido a menos que haja coerção ou alguma indução externa que faça os membros do

grande grupo agirem de acordo com seus interesses comuns” (Idem, p. 44). Situação oposta

apareceria quando o número de indivíduos do grupo é tão pequeno que seus membros

facilmente percebem que seu ganho pessoal com o benefício coletivo excederia seu custo

total ou que a contribuição ou falta de tal por parte de um indivíduo produziria um efeito

perceptível sobre os custos ou ganhos.

É a partir dessa distinção entre os grupos grandes e pequenos, que Olson afirma a

existência de um alto grau de organização dos interesses empresariais. Fragmentada em

uma série de “indústrias” (setores) a comunidade empresarial estaria dividida em frações

relativamente pequenas mas capazes de se organizarem voluntariamente a fim de terem seu

próprio lobby influenciando fortemente os governos. Na medida em que formam grupos

pequenos constituídos por grandes unidades (as empresas) facilmente se associariam de

maneira voluntária e fariam fluir “natural e necessariamente” o poder político para as mãos

daqueles que controlam os negócios e as propriedades (Idem, p. 143).

Apesar disso, a comunidade empresarial como um todo não possuiria a mesma

capacidade organizativa manifestada pelos setores industriais, justamente porque não seria

um pequeno grupo e sim um grupo grande. A organização do conjunto da comunidade

empresarial seria possível apenas se seus membros fossem levados a aderir por meio de

estímulos independentes e seletivos, sanções e recompensas sob a forma de benefícios

individuais, tais como serviços de estatísticas, pesquisa técnica e consultoria.

Se Olson redigiu a resposta provavelmente mais influente à pergunta inicial, Clauss

Offe e Helmut Wiesenthal (1984) formularam a crítica mais citada a ela. No ensaio “Duas
20

lógicas da ação coletiva: notas teóricas sobre a classe social e a forma de organização”

esses autores rejeitam uma “teoria geral da ação coletiva” destacando a necessidade de

diferenciar as lógicas próprias de cada grupo social. Já em 1881, escrevendo sobre os

sindicatos de trabalhadores, Friedrich Engles havia achado por bem diferenciá-los das

organizações dos capitalistas. Segundo ele, ao contrário dos trabalhadores, os capitalistas

estão sempre organizados: “Seu número restrito, comparativamente aos operários, o fato de

constituírem uma classe particular e manter relações sociais e comerciais permanentes, lhes

serve de espaço de organização. Somente quando um ramo de produção se torna dominante

em uma dada região é necessária uma organização formal” (Engels, 1976, p. 250).

Esta fugaz passagem, referente a um tema sobre o qual Marx e Engels não

retornarão, servirá como alavanca para Offe e Wiesenthal desenvolverem sua conhecida

distinção sobre as lógicas de ação coletiva do capital e do trabalho. Para além das

semelhanças formais entre associações de empresas e sindicatos operários, esses autores

procurarão apontar a diferenciação de classe específicas dos respectivos tipos de fatores

input (o que precisa ser organizado) e a natureza dos outputs (condições de sucesso

estratégico que precisam ser alcançadas nos meio-ambientes das organizações).

A diferenciação remete à essência dos atores. O capital tem como necessidade

combinar o trabalho e os bens de capital a fim de produzir mais-valia. Ambos os elementos

consistem em trabalho social, mas enquanto um é o resultado de trabalho passado

(“trabalho morto”), o outro é força de trabalho como potência presente. Combinar este

último, que não é separável dos portadores da força de trabalho, com os demais “fatores de

produção”, consiste no problema fundamental com o qual o capitalista tem de lidar.

O trabalho somente pode ser feito pelo trabalhador, apesar dele “pertencer”,

legalmente, ao capitalista. Cada trabalhador controla, somente uma unidade de força de


21

trabalho que a vende sob condições de concorrência com outros trabalhadores que fazem o

mesmo. A força de trabalho viva é simultaneamente viva e não divisível (possui uma

individualidade insuperável, na medida em que “possuída” e controlada por indivíduos

discretos).

O capital, por sua vez, compreende muitas unidades de trabalho “morto” sob um

comando unificado. O conflito entre a forma atomizada do trabalho vivo e a forma

integrada do trabalho “morto”, cria uma relação de poder. O capital de cada firma está

sempre unificado, concentrado e centralizado, enquanto o trabalho vivo encontra-se

atomizado e dividido pela competição. Não podendo fundir-se, os trabalhadores, no

máximo, conseguem se associar para compensar parcialmente a vantagem de poder do

capital.

Assim, enquanto o trabalhador personifica a força de trabalho de maneira

individualizada, na medida em que ele só pode personificar a sua própria, o capitalista

personifica uma força social previamente concentrada e centralizada, o capital. Partindo dos

pressupostos até aqui expostos, os autores afirmam que o capital poderia recorrer a três

formas de ação coletiva (a firma, a cooperação informal e a associação dos empregadores

ou de empresas), enquanto o trabalho teria somente uma. A existência dessas formas

múltiplas de organização coletiva reduziria o escopo dos interesses que as associações

formais deveriam tratar, o que permitiria uma melhor definição dos interesses verdadeiros,

um índice reduzido de conflitos internos e, conseqüentemente, uma elevada capacidade de

organização.

A rigor, essa elevada capacidade de organização não chega a ser condição

necessária para influenciar o governo. Estabelecida uma dependência estatal do processo de

acumulação privada, fica evidente que as formas não associativas de ação bastariam para os
22

empresários avançarem seus interesses. A capacidade de decidir sobre os investimentos é

mais poderosa do que qualquer outra decisão que possam tomar. Amparada na obra de

Charles E. Lindblom (1979) essa análise dos outputs organizacionais, realizada por Offe e

Wiesenthal, remete à posição de poder privilegiada ocupada pela empresa, na medida em

que esta controla os investimentos tornando o Estado dependente de suas decisões.5

Levando em conta essa posição privilegiada do capital, afirmam Offe e Wiesenthal,

o relacionamento entre este e o Estado estaria centralizado não na atividade política de suas

associações e sim na capacidade do capital se recusar a investir e no vigor do processo de

acumulação. O desinvestimento privado poderia tanto abalar as condições de estabilidade

macroeconômicas necessárias para viabilizar as políticas governamentais, como diminuir a

arrecadação tributária necessária para implementar tais políticas. Os capitalistas possuiriam,

assim, um poder de veto implícito sobre as decisões governamentais.6 A dependência que o

aparelho estatal possuiria em relação ao capital não pressuporia uma dependência da classe

capitalista em relação ao Estado ou do Estado com relação aos trabalhadores. Ela seria

expressão de uma assimetria estrutural que não é criada pelas associações empresariais,

muito embora seja por ela explorada.

Apesar de terem construído sua teoria da ação coletiva baseada em distinções

classistas, em grande medida em oposição a Olson e sua teoria da ação coletiva baseada na

escolha racional, Offe e Wiesenthal chegam à mesma conclusão que o primeiro: os

empresários têm uma grande capacidade de organização de seus interesses e de influenciar

5
Clauss Offe desenvolverá este tema sem mencionar a obra de Lindblom em um conhecido artigo publicado
juntamente com Volker Ronge (Offe e Ronge, 1984). Uma crítica consistente ao argumento da posição
privilegiada desenvolvido por Lindblom pode ser encontrada em David Marsh (1983).
6
A expressão veto, embora sintetize a versão aqui apresentada pertence, na verdade, a Fred Block (1987, p.
58).
23

o governo. Franz Traxler (1993, p. 676-677) mostra que essa convergência é paradoxal, na

medida em que são apontadas razões contraditórias para tal capacidade. Olson indica que

essa capacidade é o resultado de um elevado grau de heterogeneidade de interesses, que

produziria um grande número de associações representando um amplo espectro de

“indústrias” (setores), de tal maneira que não haveria, praticamente, interesses empresariais

sem representação. Offe e Wiesenthal, por sua vez, argumentam que ela é o produto de uma

elevada homogeneidade e da facilidade dela decorrente para criar identidades e organizar o

capital.7

Para além dos resultados convergentes, as teorias baseadas na escolha racional de

Olson e nas distinções classistas de Offe e Wiesenthal partilham também um mesmo viés

metodológico. Tais teorias encontram-se fortemente ancoradas em premissas utilitaristas

que explicariam a capacidade organizativa a partir da distribuição de interesses (Traxler,

1993). O utilitarismo dessas teorias é uma conseqüência de seu essencialismo. São teorias

da ação coletiva que constróem seus argumentos logicamente a partir de pressupostos que

remetem à essência dos atores, unidades básicas da pesquisa científica. Para Olson, tais

unidades seriam os indivíduos capazes de agir racionalmente com o objetivo de maximizar

seus benefícios e minimizar os custos necessários para obtê-los. Para Offe e Wiesenthal, os

atores são as classes sociais, entendidas como a soma de indivíduos que personificam um

conjunto heteróclito e indiferenciado de elementos, o capital em geral ou o conjunto do

trabalho abstrato. Os interesses, a capacidade organizativa e o poder de influenciar desses

atores são considerados pré-determinados pelas suas próprias essências.

7
Traxler indica que as noções de capacidade organizativa e de heterogeneidade de interesses indicam
diferentes realidades para essas teorias, o que não invalida o argumento de que os resultados encontrados por
elas são contraditórios (1993, p. 676-677).
24

Olson, Offe e Wiesenthal tomam como dado aquilo que deveria ser objeto da

própria investigação. Se os interesses empresariais são heterogêneos, ou homogêneos, e em

que medida o são, é algo que só a pesquisa histórica poderá responder. Homogeneidade e

heterogeneidade do capital são resultados do processo histórico tanto quanto a formação

dos interesses empresariais.

Considerar o capital como uma força social concentrada pode ser o óbvio no início

do século XXI, mas não o é do ponto de vista histórico. E o mesmo poderia ser dito a

respeito da fragmentação do trabalho (Roy e Parker-Gwin, 1998). Os processos de

concentração e centralização do capital desenvolveram-se ao longo de séculos produzindo

configurações nacionais bastante variadas. Esses arranjos não foram o resultado da

realização de uma essência do próprio capital e sim o resultado de conflitos e lutas que

opuseram o capital e o trabalho, por um lado, e as diferentes frações do capital entre si por

outro.

O resultado final do conflito não pode ser previamente determinado a partir de

pressupostos essencialistas sem correr o risco de naturalizar o processo social. As formas

históricas que esse processo assume, sua plasticidade e mutabilidade indicam a necessidade

de pensar as formas concretas do processo de definição de interesses, construção de

projetos, associação e atuação política do empresariado como o resultado de relações de

forças sociais.

O problema fundamental das teorias essencialistas é não captar as diferentes

configurações particulares das próprias essências. Em Olson este problema aparece sob a

forma de uma recusa em analisar as diferenças sociais existentes na sociedade e os variados

potenciais políticos e organizativos que se erguem sob estas, como bem alertaram Offe e
25

Wiesenthal. Nestes últimos autores, o problema aparece sob uma dissolução dos capitais

particulares em sua forma geral.

Mas os capitais particulares não são idênticos entre si. Eles diferem das mais

variadas formas – função, ramo de atividade, tamanho, localização, etc. – ocupando lugares

e momentos diferentes no processo de produção e reprodução do capital social. São estes

diferentes lugares ocupados pelos capitais particulares que permitem falar de frações deste,

conjuntos de capitais particulares que partilham condições comuns de realização e que

portanto compartilham interesses. Por um lado, essas diferentes frações são parte

constitutiva do capital em geral, realizando nele sua unidade. Por outro, elas são partes

diferenciadas e independentes, dotadas de um movimento próprio. O estudo da “ação

coletiva do capital” deve levar em conta essa unidade contraditória no movimento geral do

capital, dos diferentes capitais particulares e das frações por eles formadas (Cruz, s.d.).

A existência de capitais particulares concorrentes é a base dos antagonismos

intercapitalistas. É Marx que lembra isso já em Miséria da filosofia: “se todos os membros

da burguesia moderna têm o mesmo interesse, enquanto formam uma classe frente a outra

classe, eles têm interesses opostos, antagônicos, enquanto se defrontam entre si. Esta

oposição de interesses decorre das condições econômicas da sua vida burguesa.” (1982, p.

117.) A existência desses capitais particulares não apenas condiciona os antagonismos

internos ao capital em geral, como aqueles que se estabelecem entre capital e trabalho.

Qual seria, então, o interesse básico capaz de unificar esses diferentes capitais

particulares, bem como suas frações, e conduzi-los a formas institucionalizadas de ação

coletiva? Em um grau bastante elevado de abstração, pode-se dizer que é interesse do

capital a preservação do próprio capitalismo, de suas condições “normais” de

funcionamento, tais como a garantia da propriedade privada, dos contratos e do


26

funcionamento regular dos mercados. Mas para além desse consenso básico as coisas

parecem se complicar e os interesses dos capitais particulares se tornam heterogêneos,

quando não contraditórios (Bierle, 1997, p. 33-34).

Na verdade, os interesses dos capitais particulares parecem conspirar até mesmo

contra esse consenso básico, na medida em que no ato da concorrência, diferentes

interesses competem entre si sem estabelecer um curso definitivo ao processo de

reprodução do capital em geral (Jessop, 1983a, p. 148). As próprias “condições normais de

funcionamento” são objeto de divergências e poderiam ser enumeradas as muitas vezes que

até mesmo o sagrado direito à propriedade foi violado pelo próprio capital.

A dificuldade existente para compatibilizar os interesses gerais do processo de

produção e reprodução do capital em geral e os interesses particulares dos diversos capitais

privados indicam que eles não são dados atemporais e sim construções históricas

determinadas. Ou seja, só é possível falar de interesses do capital concretos e determinados

historicamente por uma relação de forças sociais.

Teorias essencialistas são a-históricas. Elas remetem a essências abstratas, estáticas

e pré-definidas. Nelas, as relações entre essas essências são relações de exterioridade, nas

quais a interação não provoca a alteração dos conteúdos. Metaforicamente, tais relações

podem ser assemelhadas aquelas que bolas de bilhar estabelecem sobre uma mesa. Colisões

podem mudar trajetórias e comportamentos sem que ocorram, entretanto, alterações no ser-

do-objeto. Produzem, no máximo, um reposicionamento dos sujeitos definindo novas

coordenadas para a próxima colisão.8

8
Para uma crítica das concepções “substancialistas” nas ciências sociais, ver Emirbayer (1997).
27

Os indivíduos de Olson e as classes de Offe e Wiesenthal guardam entre si relações

semelhantes ao jogo de bilhar no tabuleiro da história. São unidades sociais completamente

independentes, portadoras cada uma de interesses e capacidades organizativas e políticas

previamente definidas. Calculando a partir de suas essências seu comportamento, é possível

prever com exatidão as posições futuras – políticas e organizativas - que essas unidades

assumirão. E no entanto, a história não deixa de nos guardar surpresas. Há uma elevada

dose de incerteza inerente ao próprio conflito.

As determinações estruturais que constituem a essência dos sujeitos são atualizadas

nos conflitos sociais. Por isso mesmo, tais sujeitos, e isso é importante, só fazem sentido

como expressão nas relações e condições nas quais se encontram reciprocamente situados.9

Eles apenas existem nas relações recíprocas que estabelecem entre si e na conflitualidade

inerente a estas. Só existem em movimento, o que parece escapar aos autores citados. É,

portanto, a partir da ação coletiva que é construído o ator coletivo (Cf. Eder, 2002, p. 87).

Outro tanto poderia ser dito de seus interesses, organizações e capacidades de

influenciar. As formas organizativas que essas classes assumem não reagem sobre a

definição de interesses, criando e recriando novas necessidades para essas classes? E o

exercício da influência não produz impactos perceptíveis sobre as organizações dessas

classes? Também aqui só se pode falar de interesses, organizações e influência em

movimento, nas relações complexas que mantêm.

9
Ver, por exemplo, Marx, 1987, v.1, p. 204-205.
28
29

2. Relações de forças, ação coletiva e intelectuais do capital

O enfoque que será aqui esboçado aponta para a necessidade de pensar a ação

coletiva relacionalmente, tomando como ponto de partida as relações existentes entre os

empresários, os trabalhadores e o Estado.10

As relações que os próprios empresários estabelecem entre si no ato da

concorrência dizem respeito à coordenação de interesses empresariais individuais e

setoriais com o objetivo de restringir certas práticas que poderiam comprometer a

viabilidade do sistema como um todo. Essa coordenação torna-se necessária na medida em

que a competição é uma característica do modo de produção capitalista. Os proprietários do

capital, perseguindo seus próprios interesses, não produziriam a integração espontânea do

sistema e sim contradições sistêmicas e crises, daí a necessidade de se organizarem para

evitar tais situações. Historicamente, essa coordenação dos empresários como produtores

ecoa o surgimento da formação social capitalista, assumindo a forma de associações de

coordenação dos interesses empresarias no mercado de produtos, conhecidas em inglês

como trade associations (Traxler, 1999, p. 345n).11

Tais organizações podem ter suas origens encontradas na tradição das corporações

medievais de organização da produção e do comércio e, em vários países figuram entre as

associações mais antigas, ao contrário do esperado por Offe e Wiesenthal. Coordenando

interesses setoriais muitas vezes extremamente especializados, essas organizações tendem a

10
Schmitter e Streeck também destacam as relações dos empresários entre si e aquelas que mantêm com os
trabalhadores e o Estado, definindo-as como os imperativos políticos do associativismo empresarial (1999).
11
Os pesquisadores franceses farão referência às organizations économico-politiques (Dufour, 2001, p. 3).
30

exercer representações autônomas e/ou concorrenciais umas com as outras (Dufour, 2001,

p. 3).

A organização por meio dessas associações não elimina a concorrência entre as

firmas que delas participam. Também não garante um resultado que tenha um impacto igual

em todos os seus membros. Pelo contrário, não sendo iguais os membros dessas

associações, é de se esperar que não sejam iguais os impactos da decisão de agir

coletivamente e os resultados dessa ação.12 A formação dessas associações, entretanto, pode

produzir um impacto significativo na formatação do contexto econômico, na

regulamentação do conflito social e na formulação e implementação de determinadas

políticas.13

As associações de empregadores (employers’ associations), por sua vez, organizam

os interesses empresariais no mercado de força de trabalho (Traxler, 1999 e 2000).14 Elas

são expressão das relações existentes entre os empresários e a ação coletiva dos

trabalhadores. Como já ressaltaram Offe e Wiesenthal, a mobilização política dos

trabalhadores e a criação de sindicatos, leva os empresários a organizarem e coordenarem

suas ações como resposta às tentativas dos trabalhadores de defender seus interesses por

meio da ação coletiva. Aqui os empresários não aparecem como produtores, comerciantes

ou financistas e sim como empregadores.

Muito embora as associações de empregadores tenham, na maioria dos casos,

surgido como resposta à criação de sindicatos de trabalhadores, elas não guardam

12
Robert J. Benett tem demonstrado, de maneira convincente, que o tamanho das empresas em um dado setor
interfere na decisão de agir coletivamente (1999).
13
Ver a esse respeito Scheneider e Maxfield (1997).
14
Na literatura de inspiração francesa, tais organizações são denominadas de organisations sociales (Cf.
Dufour, 2001, p. 4).
31

correspondência numérica como estes. Ao contrário do deduzido por Offe e Wiesenthal, os

estudos empíricos levados a cabo por Streek (1992) e Traxler (1993) indicam que para um

mesmo nível de agregação de interesses, o número de associações patronais tende a ser

significativamente maior do que o de sindicatos, indicando a persistência de divisões no

interior do empresariado.

Caberia, ainda, destacar as relações que os empresários estabelecem com o Estado.

A intervenção sistemática do Estado na economia reduziu o papel dos mercados como

locus da regulação econômica, de modo a exigir uma ação coordenada dos empresários

para intervir efetivamente no modo da ação estatal. Quanto mais o Estado intervém na

economia, maior o estímulo para os empresários se organizarem e influenciarem essa

intervenção (Haagard, Maxfield e Schneider, 1997, p. 50). A percepção da ingerência

estatal na economia como uma ameaça aos interesses empresariais pode, assim, ser um

importante fator de coesão e organização empresarial.15

Mas o Estado pode não ser uma ameaça e sim um indutor da ação coletiva

empresarial. Arranjos políticos nos quais são enfatizados os papéis da representação dos

empresários e dos trabalhadores na elaboração e implementação de políticas públicas,

principalmente daquelas que dizem respeito ao controle de salários, postos de trabalho,

preços e inflação, podem criar um contexto institucional favorável a esses papéis.

Definindo as regras de acesso a esses arranjos ou às políticas deles decorrentes e

15
A percepção da ação estatal como uma ameaça é apontada para o caso latino-americano por Fernando
Durand e Eduardo Silva (1998); Leigh Payne e Ernest Bartell (1995); e Schneider e Maxfield (1997).
Analisando a politização empresariado norte-americano e inglês, na década de 1970, Michel Useem (1984)
chega a conclusão similar.
32

privilegiando os canais associativos, o Estado poderia incrementar a importância e o

prestígio das associações com relação a seus membros.16

A separação desses três conjuntos de relações acima apresentados – dos empresários

entre si, com a ação coletiva dos trabalhadores e com o Estado – só é possível com fins

meramente analíticos. Nos processos históricos reais, elas se encontram entrelaçadas de

maneira complexa e indissolúvel. As relações acima apontadas existentes entre os

empresários e destes com os trabalhadores e o Estado não são de tipo unívoco. Empresários

e mesmo frações da burguesia podem reagir de maneiras diferentes nessas situações. A

percepção das formas de competição intercapitalista, a intensidade da utilização da força de

trabalho e as relações com o aparelho estatal podem variar muito, produzindo impulsos de

agregação de variada intensidade e de sentidos múltiplos.

Focalizando o estudo das associações empresariais nos três conjuntos de relações

acima apontados as formas institucionais da ação coletiva do capital deixariam de ser um

resultado espontâneo do processo histórico, forma de manifestação da essência de

determinados atores. A análise poderia ser, assim, deslocada para o próprio modo de

constituição dessa ação. É sobre esse movimento, o movimento da história e dos conflitos

sociais que é necessário se debruçar para conferir inteligibilidade à ação coletiva do

empresariado. Se essas relações não tem seu desenvolvimento previamente definido e o

conflito social tem nelas seu lugar, então elas são relações de forças.

Como estudar essas relações de forças? O esquema que aqui será proposto,

fortemente influenciado pela obra de Antonio Gramsci, destacará três momentos de análise

16
Conforme Streeck (1983) e Offe (1987).
33

que se deslocariam gradativamente de níveis mais abstratos para aqueles mais concretos.17

O deslocamento é, também, um deslocamento temporal, na medida em que os tempos

dessas relações de forças são diferenciados. São elas:

1) Relação de forças objetivas: Em uma aproximação inicial é possível estabelecer a

relação de forças objetivas existente entre as diferentes frações do capital e entre o conjunto

destas e o trabalho. Tal relação de forças diz respeito ao grau de desenvolvimento das

forças produtivas, ao lugar das diferentes frações do capital no processo de reprodução

geral e à materialidade dos grupos sociais. É sobre essa relação que se erguem os grupos

sociais, cada qual representando uma função e ocupando uma posição dada na produção.

Neste nível, o que está sob o olhar do pesquisador é a materialidade das classes e de

suas frações. Nele, as classes existem objetivamente como capital ou trabalho (Gramsci,

1977, p. 1583). Localizada no nível da estrutura, a análise revelará o lento tempo da longa

duração, a surda transformação histórica, processando-se vagarosa e quase

imperceptivelmente. É a própria constituição da formação social capitalista o que aqui está

em questão.

2) Relação de forças político-ideológicas: Vale lembrar que, até aqui foi feita

referência a frações do capital e não a frações da burguesia. Offe e Wiesenthal trabalham

com um capitalista típico-ideal, mero suporte das relações sociais que condensa em sua

pessoa. Dessa forma, capital e burguesia seriam sinônimos. De fato, a análise da burguesia

e de suas frações tem como base a determinação das frações nas quais se divide o capital,

mas não pode se resumir a elas. Condensações históricas de relações de produção

17
Seguem-se aqui as indicações de Antonio Gramsci em seu conhecido texto sobre a análise de situações e as
34

determinadas, as classes e suas frações são cruzadas pelas relações políticas e ideológicas

existentes (Poulantzas, 1978).

As relações de forças político-ideológicas permitem estimar o grau de

homogeneidade, autoconsciência e organização dos vários grupos sociais. Da sua análise

podem ser apreendidos os diversos momentos da formação da consciência política de um

grupo social e das formas institucionais e projetivas que esta assume. Três são as dimensões

que poderiam ser destacadas, de acordo com Gramsci:

a) Uma dimensão econômico-corporativa, na qual um grupo percebe sua unidade

homogênea e o dever de organizá-la, “a unidade do grupo profissional, mas

ainda não a do grupo social mais amplo” (1977, p. 1583).

b) Uma dimensão na qual se coloca a solidariedade de interesses econômicos de

todos os membros da classe mas ainda não há identidade política entre eles.

c) Uma dimensão estritamente política que indica a passagem da estrutura à esfera

das superestruturas complexas. É o momento da criação da “hegemonia de um

grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados”, ou seja, o

momento da afirmação de projetos e estratégias capazes de organizar toda a

sociedade (Idem, p. 1584).

3) Relação de forças sociais: Tais relações permitem identificar os conflitos que se

estabelecem entre as diferentes classes sociais e, no interior destas entre suas frações. O

movimento histórico, dirá Gramsci, oscila, constantemente, entre o primeiro e o terceiro

momento da correlação de forças com a mediação do segundo momento, o da correlação de

forças político-ideológica. Mas o tempo deste terceiro momento, é consideravelmente

relações de forças (1977, p. 1578-1589).


35

acelerado, catalisando as transformações nas esferas da economia, da política e da

ideologia. Esses três níveis, nunca é demais ressaltar, não são indicativos de um percurso

linear, um estágio sucedendo ao outro. Eles encontram-se interpenetrados vertical e

horizontalmente, nacional e internacionalmente, de maneira a criar arranjos históricos

concretos.

À medida em que a análise das relações de forças conduz para níveis cada vez mais

concretos, fica evidente que o indivíduo que personifica o capital não é um mero suporte

biológico de sua realização. Além de músculos ele lhe fornece uma consciência e uma

capacidade de agir refletidamente, formulando seus interesses e lutando por eles,

construindo alianças e combatendo os adversários. É neste nível da análise que se faz

necessário introduzir a vontade humana e seus organizadores.

O que define o empresário, o agente da ação coletiva do capital, é, desse modo, uma

determinada relação social – a de propriedade ou controle de uma fração autônoma do

capital – e uma determinada função – a de organizadores e gestores do processo de

valorização desse capital (Cruz, 1981, p. 6). O empresário que aqui é definido não é,

portanto, o burguês, na medida em que nem todo membro da burguesia desempenha a

função de intelectual do capital, havendo aqueles que apesar de serem proprietários apenas

usufruem do resultado desse processo de valorização ou aqueles que mesmo não sendo

proprietários controlam os processos não econômicos de reprodução da ordem do capital.

Assim, se todo empresário é um burguês, nem todo burguês é um empresário.

O desenvolvimento pleno de uma classe pressupõe que esta seja capaz de dotar-se

de uma camada de intelectuais capaz de dar-lhe homogeneidade e consciência de sua

própria função não apenas no campo econômico, como também nos terrenos da política e
36

da ideologia.18 Gramsci considera intelectual todo aquele que realiza uma função

organizativa lato senso. Organizadores do capital, os empresários são esses intelectuais

orgânicos da burguesia apontados pelo marxista italiano:

“É preciso observar o fato de que o empresário representa uma

elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capacidade

dirigente e técnica (ou seja intelectual): deve ter uma certa capacidade

técnica, além de na esfera circunscrita de sua atividade e de sua iniciativa,

também em outras esferas, ao menos naquelas mais próximas à produção

econômica (deve ser um organizador de massas de homens, deve ser um

organizador da ‘confiança’ dos investidores em sua empresa, dos

compradores de sua mercadoria, etc.)” (Idem, p. 1513).

Parafraseando a conhecida afirmação de Gramsci “todos os homens são intelectuais,

pode-se dizer portanto; mas nem todos os homens têm, na sociedade, a função de

intelectuais” (Idem, p. 1516), pode-se afirmar que todo empresário é um intelectual e todos

tem a função de intelectuais de seu próprio capital. Mas é verdade, nem todos tem a

capacidade de organizarem o capital em geral ou a sociedade. É de se esperar, entretanto,

que existam aqueles que sejam capazes de organizar a sociedade em geral, do ponto de

vista econômico e político, ou de compreender a necessidade dessa organização. Há,

portanto, uma hierarquia de empresários-intelectuais, com diferentes tarefas e funções na

sociedade.

18
Ver, por exemplo, Gramsci (1977, p. 1513). Todo o chamado Quaderno 12 está, na verdade, dedicado a
esse tema. (Idem, p. 1512-1551)
37

Os choques entre as diferentes frações do capital, os conflitos existentes entre as

diferentes frações da burguesia, as classes subalternas e suas formas institucionais, moldam,

dando-lhe forma, o processo de reprodução do capital, redefinindo constantemente suas

necessidades. Não é possível, portanto, falar de um interesse geral desse capital sem

analisar as relações de forças sociais que cristalizam os conflitos citados e o papel de

mediadores na formulação desses interesses ocupados pelos intelectuais orgânicos.19 Os

intelectuais orgânicos dão coerência a essas necessidades na forma de projetos políticos e

econômicos.

O nível de abrangência desses projetos pode variar ao longo de um espectro bastante

amplo, mas vinculados às relações de forças político-ideológicas é possível apontar a

existência de projetos que aderem, em maior ou menor medida, aos diferentes níveis destas.

Haveria, assim,

1) Projetos econômico-corporativos ou setoriais. Nos quais se traduziriam separadamente

os interesses econômicos imediatos de ramos ou esferas da produção.

2) Projetos hegemônicos restritos. Expressão da articulação dos interesses de diferentes

ramos ou esferas da produção que construíam uma identidade econômica comum mas

que não são ainda capazes de afirmar um projeto de direção do conjunto da sociedade.

3) Projetos hegemônicos globais. Por meio dos quais um grupo social afirma sua vocação

de direção “política, intelectual e moral” sobre o conjunto da sociedade, para utilizar os

19
Pierre Muller (1983) falara de mediadores globais e setoriais. Tal perspectiva influenciou o estudo de
Sebastião Velasco e Cruz sobre a política industrial brasileira (1997).
38

termos de Gramsci, por meio de da incorporação de demandas das classes subalternas

(Jessop, 1983).20

Tais projetos não são mutuamente excludentes. Para conquistar o necessário apoio

dos capitais particulares, projetos hegemônicos devem ser passíveis de tradução em

projetos econômico-corporativos. Ou seja, para afirmar uma capacidade dirigente é

necessário que o interesse do capital em geral apareça como o interesse, no mínimo, dos

capitais particulares e unifique o circuito do capital sob a hegemonia de uma fração (Idem,

p. 91). Hegemonia, e isso é importante ressaltar, é entendida aqui no sentido gramsciano,

como exercício dessa capacidade de direção e liderança política e econômica. Opõe-se,

portanto à mera dominação, na qual uma das frações simplesmente impõe seus projetos

econômico-corporativos às demais frações e classes sociais sem levar em conta os projetos

ou interesses destas.

Fica claro, pois, o lugar dos intelectuais na construção da hegemonia. Mas tal lugar

não deixa de ser ambíguo. Personificação de um capital particular, encontram-se com sua

alma dilacerada pelas pressões decorrentes da contraditoriedade existente entre as

necessidades do processo de reprodução do capital em geral e as necessidades de seu

próprio capital. Cruz, alerta para essa situação contraditória:

“Por mais informado que seja um empresário, por exemplo, por

convencido que esteja da conveniência de uma determinada política do

ponto de vista do capital em geral, ele não deixará de lhe oferecer resistência

se com ela seu setor ou sua empresa forem negativamente afetados. Isto

porque o seu destino enquanto empresário não se vincula diretamente ao

20
Muller (1985) fala, de maneira análoga, em referenciais setoriais, referenciais globais e elementos de
39

comportamento da economia como um todo, mas se confunde com a

trajetória descrita pela unidade particular de capital que ele encarna” (1997,

p. 27).

Daí a possibilidade de um mesmo intelectual orgânico expressar, simultaneamente,

projetos aparentemente incompatíveis. Situação essa que tem angustiado profundamente os

estudiosos do comportamento empresarial latino-americano durante os processos de

reformas econômicas neoliberais.21 Problemas de tradução dos projetos hegemônicos? Sim,

mas também, algumas vezes impossibilidade de tradução. A viabilidade de tais projetos não

depende da argúcia de seus portadores e sim da existência de relações de forças sociais

apropriadas para tal. As formas de associação do capital não são o resultado de uma

tendência espontânea à identificação de interesses comuns e sim o produto dessas relações

de forças sociais que motivariam a agregação de interesses antes dispersos e, até mesmo,

conflitantes, bem como da capacidade de liderança de certos intelectuais.22

É sobre esses conflitos que a atenção deveria recair se o objetivo é estudar a

capacidade associativa do empresariado e a formulação dos projetos empresariais. As

associações empresariais seriam, sob esta perspectiva, a condensação institucional de

relações de forças verticais, aquelas que se estabelecem entre diferentes classes sociais, e

horizontais, as que se constituem entre as várias frações da burguesia. Tais arranjos de

forças permitiram perceber como o empresariado formula seus projetos e como estes se

transição entre esses dois níveis.


21
Ver por exemplo, a seguinte afirmação: “Enquanto líderes empresariais naturalmente gravitaram ao redor
do imaginário do mercado em sua retórica anti-regime, empreendedores empresários individuais mantiveram
concepções e perspectivas largamente divergentes sobre como as políticas orientadas ao mercado deveriam
ser formuladas e implementadas.” (Conaghan, Malloy e Abugattas, 1990, p. 9-10.)
22
Durand e Silva (1998) também destacam a importância de sólidas lideranças empresariais para a
consolidação de associações empresariais abrangentes.
40

materializam institucionalmente em associações empresariais. Verifica-se, então, que a

capacidade associativa do empresariado não pode ser logicamente deduzida de pressupostos

de tipo essencialistas e que é necessário desvendar as relações de forças que se estabelecem

em contextos históricos específicos para apontar as raízes e a trajetória do associativismo

empresarial.

As dimensões acima destacadas remetem, de maneira explícita, à construção das

formas de ação, consciência e organização dos diferentes grupos sociais. O que elas podem

trazer de significativo para a análise da ação coletiva empresarial é uma percepção dessas

formas como singularidades historicamente determinadas pelos conflitos sociais existentes.

Para o estudo das associações empresariais elas são relevantes na medida em que permitem

pensar tais associações como o resultado desses conflitos e o lugar dos mesmos.
41

3. Nem subalternidade passiva, nem ativismo hegemônico

Quando Jorge Schvarzer planejou realizar seu estudo sobre a Unión Industrial

Argentina (UIA), não esperava encontrar tanta dificuldade para acessar as fontes

documentais da entidade. Encontrou. Em 1981, a UIA havia suprimido sua biblioteca,

transferindo-a para um órgão estatal, o Instituto Nacional de Tecnologia Industrial, que,

evidentemente não encontrou condições de organizá-la e mantê-la aberta ao público.

Schvarzer protestou, na ocasião da transferência, apontando a incongruência existente entre

a defesa do livre mercado feita pela entidade empresarial e o repasse de parte de suas

atividades para um órgão estatal.23

Impossível deixar de comparar o destino da biblioteca da UIA com aquele similar

da Biblioteca Roberto Simonsen, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo

(Fiesp). Em meio a um “ajuste estrutural” da entidade, que resultou em profundos cortes

orçamentários, a Biblioteca foi transferida para a Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp). O mesmo destino: encaixotada à espera de recursos que permitam sua

classificação, organização e disponibilização ao público. A mesma incongruência,

apimentada por uma dessas ironias históricas próprias dos trópicos: a Biblioteca Roberto

Simonsen localiza-se ao lado do Arquivo Edgard Leuenroth. Os espólios do industrial e do

anarquista reconciliados sob os auspícios do Estado.

Para vários pesquisadores, a trajetória dessas bibliotecas não deixará de ser

emblemática do associativismo empresarial em nosso continente. Um empresariado

economicamente frágil, dependente dos favores estatais, incapaz de constituir-se como


42

direção política e intelectual da sociedade, reduzido a uma subalternidade passiva

intransponível. Dentre as razões dessa subalternidade encontrar-se-ia sua debilidade

econômica. Imerso em sociedades nas quais ainda predominavam interesses agro-

exportadores ou transnacionais, o empresariado latino-americano não teria condições de

impor sua vontade a quem quer que fosse. Restariam, assim, aos homens de negócios de

nosso continente, estratégias meramente adaptativas: adaptar-se ao poder das oligarquias

fundiárias; adaptar-se à força econômica das multinacionais; adaptar-se ao Estado... e

remeter-lhe as bibliotecas.24

Tais apreciações não foram desprovidas de méritos. Dentre seus maiores está o fato

de terem jogado por terra uma visão, alimentada por intelectuais vinculados aos partidos

comunistas e nacionalistas, que apostava na atividade hegemônica do empresariado,

antagônica aos interesses oligárquicos e multinacionais, em suma, o motor do

desenvolvimento econômico e político autônomo na América Latina, ou pelo menos

naqueles países com um grau maior de desenvolvimento industrial entre os quais o Brasil

certamente estava incluído.25

Como já foi salientado em outra ocasião, tanto aqueles que apostavam na

capacidade hegemônica do empresariado, como os que ressaltavam sua passividade,

partilhavam os mesmos pressupostos. Inspirados em um burguês típico-ideal, que teria sua

certidão de nascimento na Europa do século XIX, apresentavam o empresariado latino-

americano não como aquilo que ele era, e sim como o que deveria ser. Oscilando entre o

23
Ver a descrição do episódio na “Nota metodológica y bibliográfica” de Schvarzer (1991).
24
Uma versão dessa visão do empresariado pode ser encontrada na obra clássica de Fernando Henrique
Cardoso, Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (Cardoso, 1972).
25
Ver, por exemplo, Hélio Jaguaribe (1972)
43

lamento e a esperança, as análises inspiradas por tais visões deixavam escapar a

particularidade do desenvolvimento capitalista latino-americano e de seus atores sociais.

Para a perspectiva que norteia o presente trabalho é importante acrescentar que essas

visões são fortemente essencialistas. Elas remetem a atributos inatos, específicos dos

próprios sujeitos, tal qual uma teoria da predestinação que indicaria os indivíduos fadados a

queimar no inferno do subdesenvolvimento ou usufruir o paraíso do progresso econômico e

político.

As pesquisas levadas a cabo no continente latino-americano nas últimas décadas

colocaram em xeque essas apreciações.26 Elas revelam que um novo ativismo político teria

sido protagonizado pelo empresariado no último terço do século XX. Mobilizando seus

pares, homens de negócios teriam saído de seus gabinetes e dos corredores palacianos para

empreender inéditas ações de agregação de interesses. Associações setoriais, centros de

pesquisas e difusão de idéias, e até mesmo abrangentes organizações multisetoriais de

cúpula surgiram durante os últimos trinta anos, dando um registro vivo de uma nova atitude

empresarial.

Tal ativismo, entretanto, não o teria colocado em oposição aos interesses

tradicionais ou transnacionais existentes nas sociedades latino-americanas, como fazia crer

a tese da atividade hegemônica. Pelo contrário, uma grande capacidade de participar de

novos arranjos políticos e econômicos foi demonstrada pelo empresariado trazendo à tona

uma capacidade de negociação e articulação política até então não manifestada plenamente.

26
No Brasil, poderíamos apontar como precursores os estudos históricos realizados por Eli Diniz e Maria
Antonieta Leopoldi identificando uma atividade política empresarial na primeira metade do século XX, muito
maior do que se supunha (Diniz, 1978 e Leopoldi, 2000).
44

Não se pretende, aqui, analisar todos os aspectos dessa nova atitude. Mas para

registrar sua dimensão serão destacados seus aspectos organizacionais. De fato, um de seus

traços mais fortes é, justamente a criação de um grande número de associações empresariais

cujos objetivos são a distribuição de benefícios para seus associados, sob a forma de

serviços técnicos e de consultoria, repasse de subsídios, e/ou a representação dos interesses

empresariais perante o Estado e os sindicatos de trabalhadores.

Há, em primeiro lugar, uma expansão de organizações formadas para representar

interesses setoriais novos ou até então marginalizados. É o caso do grande crescimento das

associações de pequenas e médias empresas que ocorreu na América Latina durante a

década de 1980. Assumindo as mais variadas formas, tais associações procuravam aglutinar

interesses que até então eram colocados à margem pela estrutura tradicional de

representação em nosso continente. A título de exemplo é possível citar o Consejo de la

Producción, el Transporte y el Comércio, fundado em 1983 no Chile, para aglutinar

organizações nacionais de médios e pequenos empresários; da Asemblea de Pequeños y

Medianos Empresários (Apyme), criada em 1987, na Argentina; do Sindicato da Micro e

Pequena Indústria (Simpi), em 1988, no Brasil; e da Asociación Nacional de Micro y

Pequeños Empresários (Anmype), fundada em 1988, no Uruguai.

Às organizações de pequenos e médios empresários somam-se associações

empresariais formadas para representar os interesses do setor exportador, como a

Coordinadora de Organizaciones Empresariales de Comercio Exterior (Coece), criada no

México, em 1990; a Corporación de Exportadores de la Empresa Privada (Coexport), de El

Salvador; e o Centro de Exportaciones e Inversiones (CEI), que dá início a suas atividades

em 1992 na Nicarágua. Não se trata, aqui, de demandas que tenham ficado à margem da

estrutura tradicional. Tais associações costumam aglutinar grandes grupos empresariais ou


45

fortes organizações patronais. O que a criação de entidades para representar o setor

exportador traz de novidade é uma reconfiguração associativa que incorpora indústria,

comércio e sistema financeiro com o objetivo de participar dos novos arranjos institucionais

decorrentes da criação de acordos de livre comércio.27

Em segundo lugar, tem ocorrido a difusão de centros de estudos e divulgação da

ideologia empresarial. Os exemplos são inúmeros, mas vale ressaltar, no Brasil a criação do

o Instituto Liberal (1983), o Instituto de Estudos Empresariais (1984) e do Instituto de

Estudos para o Desenvolvimento Industrial (1989). O mesmo fenômeno pode, ainda, ser

encontrado na América Central e no Caribe, onde foram criados centros de pesquisa com o

objetivo de promover o ideário liberal e realizar estudos detalhados de políticas públicas,

como o Instituto Nicaragüense de Desarrollo (Inde), que, fundado em 1963, ganhou

projeção a partir de 1974, com a crise do governo de Anastásio Somoza;28 a Fundación

Salvadoreña para el Desarrollo Económico y Social (Fusades), criada em 1983;29 e o Centro

de Investigaciones Económicas Nacionales (Cien), da Guatemala, nascido em 1983. Tais

centros têm contado com o apoio financeiro de agencias estatais e não-governamentais

norte-americanas e européias, do Banco Mundial e, em alguns casos de grupos econômicos

locais (Durand, 1997, p. 81-82).

Em terceiro lugar, vale ressaltar a criação de novas associações empresariais de

cúpula e a renovação de entidades já existentes. Desde a década de 1970, um impulso de

27
Em alguns casos o governo encontra-se representado. No CIE nicaragüense, a Junta Diretiva é formada por
representantes do Consejo Superior de la Empresa Privada (Cosep), Ministerio de Economía y Desarrollo,
Fondo Nicaragüense de Inversiones (FNI), Cámara de Comercio Americana de Nicaragua (Amcham),
Asociación Nicaragüense de Productores y Exportadores de Productos No-Tradicionales (Apenn) e da
Asociación de Bancos Privados (Asobanp).
28
Entre 1974 e 1976 o número de membros do Inde pulou de 89 para 523 associados (Spalding, 1998, p. 152).
29
A Fusades contribui decisivamente para a renovação da liderança empresarial salvadorenha (Johnson,
1998).
46

aglutinação dos interesses empresariais e de renovação associativa teve lugar, alterando

profundamente a ação coletiva deste grupo social. Tal impulso concretizou-se na

formação/renovação de associações multisetoriais de cúpula (encompassing business

associations). Pelo menos sete países criaram organizações abrangentes de cúpula a partir

da década de 1970: Nicarágua, Costa Rica, México, Uruguai, Equador, Peru e Colômbia

(ver Tabela 1). À criação de associações nacionais é interessante acrescentar o surgimento

de organismos de cúpula internacionais, como a Federación de Entidades Privadas de

Centroamérica e Panamá (Fedepricap), o Consejo de Empresarios Andinos e o Consejo

Empresario de América Latina (Ceal), todos fundados a partir do final dos anos 1980.30

Estas três tendências do associativismo empresarial encontram-se combinadas

horizontal e verticalmente por meio de vínculos institucionais ou informais. No México,

por exemplo, a Coece nasce por meio da iniciativa do Consejo Nacional Empresarial, logo

que o governo mexicano anunciou o objetivo de acelerar as negociações referentes ao

Tratado de Livre Comercio. Criada com o objetivo de participar das negociações do TLC, a

Coece aglutinou os grandes grupos econômicos nacionais por meio das associações de

comercio exterior. Gradativamente a Coordinadora ampliou suas funções e passou a ocupar

muito do espaço que até então era exclusividade do CNE mas com um grau de

conflitividade muito menor, devido a homogeneidade dos interesses representados.

(Schneider, 1997, p. 205-207 e Tirado e Luna, 1995, p. 57).

O caso mexicano é bastante elucidativo de tendências presentes na América Latina,

uma vez que revela uma estrutura interassociativa que super-representa os grandes grupos

econômicos que ocupariam os principais postos tanto no CCE como na Coece. Tal sobre-

30
Muito embora tenha crescido significativamente a bibliografia existente sobre as organizações empresariais,
47

representação é reforçada, ainda pela existência na mesa diretiva do CCE de representante

do Consejo Mexicano de Hombres de Negócios, entidade que organiza cerca de trinta

proprietários de grandes grupos econômicos que controlam de acordo com algumas

estimativas, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (Schneider, 1997, p. 201). Também

reforça o poder dos grupos econômicos a impermeabilidade das associações de cúpula às

novas associações de pequenos e médios empresários.

Arranjos de tipo horizontal também são possíveis. Na maioria dos casos, os centros

de estudo e divulgação da ideologia empresarial têm ficado à margem das tradicionais

federações e confederações patronais, coexistindo com elas de maneira nem sempre

pacífica. Desenvolvem, assim, uma atividade paralela e própria que não pode ser

confundida com a representação de interesses que tradicionalmente cabe às associações.

O quadro das tendências acima apresentado é necessariamente esquemático e coloca

lado a lado processos organizativos de dimensões muito variadas. Nesse esquema merece

destaque a emergência de associações multisetoriais de cúpula pela sua importância e

magnitude. Representando o conjunto dos interesses empresariais, unificando interesses

regionais e setoriais, tais organismos tendem a se constituir como parte essencial de um

complexo associativo empresarial. Uma vez consolidadas, as associações de cúpula

articulam a participação do empresariado na esfera estatal, ao lado dos partidos políticos e

de outros grupos sociais. Representam, assim, uma força social que se caracteriza pelo

controle privado sobre importantes recursos econômicos Para alguns autores, a agregação

dos interesses e a unificação da representação poderia, até mesmo, compensar a relativa

ainda inexistem estudos sobre estes organismos de cúpula internacional.


48

debilidade econômica das empresas privadas em nosso continente (Durand, 1995, p. 142-

143).

Tabela 1 – Organismos Empresariais de Cúpula da América Latina

País/Região Nome e sigla Criação


Confederación Patronal de la República Mexicana –
México 1929
Coparmex
Chile Confederación de la Producción y el Comercio – CPC 1935
Federación Venezolana de Cámaras y Asociaciones de
Venezuela 1944
Comercio y Producción – Fedecámaras
Rep. Dominicana Confederación Patronal de la Rep. Dominicana – CPRD 1946
Federación de la Producción, la Indústria y el Comercio –
Paraguai 1951
Feprinco
Confederación Económica Argentina – CGE (dissolvida em
Argentina 1955, reativada em 1958, dissolvida em 1976, reativada em 1952
1983)
Comité de Asociaciones Agrícolas, Comerciales,
Guatemala 1957
Industriales y Financieras – Cacif
Jamaica Jamaica’s Employers Confederation 1958
Bolívia Confederación de Empresarios Privados de Bolívia 1962
Panamá Consejo Nacional de la Empresa Privada – Conep 1964
El Salvador Asociación Nacional de la Empresa Privada – Anep 1966
Honduras Consejo Hondureño de la Empresa Privada 1967
Nicarágua Consejo Superior de la Empresa Privada – Cosep 1972
Unión Costarricense de Cámaras y Asociaciones de la
Costa Rica 1973
Empresa Privada – Uccaep
México Consejo Coordinador Empresarial – CCE 1975
Uruguai Consejo Superior Empresarial – Consupem 1978
Equador Consejo de Cámaras y Asociaciones de la Producción 1980
Peru Confederación de Empresarios Privados del Perú – Confiep 1984
Federación de Entidades Privadas de Centroamérica e
América Central 1987
Panamá – Fedepricap
Andes Consejo de Empresarios Andinos 1991
América Latina Consejo Empresario de América Latina – Ceal 1990
Colômbia Consejo Gremial Nacional 1993
Fonte: adaptado de Durand, 1997.
49

Constatado o grande desenvolvimento da ação coletiva do empresariado latino-

americano nas últimas décadas do século XX, naturalmente coloca-se a pergunta: quais as

razões deste impulso associativo? Apresentado de maneira abrupta tal interrogante não

deixa de ser problemático. Afinal, o associativismo empresarial é um fenômeno que se

processa em escala nacional, excetuando-se as incipientes e até então insignificantes

organizações regionais e continentais. Os contextos econômico-sociais e políticos nos quais

esse processo se desenvolve são portanto, muito variados. São múltiplos, também, os

tempos, os ritmos, nos quais ele ocorre, bem como as formas que assume e seus resultados

finais, como foi possível perceber na enumeração das várias tendências a ele associadas.

Faz sentido, então unificar essas diferentes realidades sob uma etiqueta continental?

Faz se ela não apagar as particularidades nacionais existentes. Daí a necessidade de

trabalhar com uma escala temporal que permita dar conta dos diferentes ritmos nacionais

existentes e perceber os traços distintivos comuns daquilo que nos permite falar de uma

situação latino-americana.

A compreensão das profundas transformações que vêm se processando na

organização dos interesses empresariais exige que sejam contextualizadas nas mudanças

estruturais e conjunturais pelas quais passou o continente. Segundo Durand, essas

transformações no associativismo empresarial

“coincidem com outras profundas mudanças que tiveram lugar na região: a

transição para a democracia e a adoção de políticas econômicas liberais. Os dois

fenômenos estão intimamente vinculados. Associações de cúpula emergem como

reações empresariais coletivas às profundas alterações na economia e nas regras

políticas do jogo. Essa reação, por sua vez, foi possível porque uma nova geração de
50

líderes empresariais agarrou a oportunidade de ação coletiva e procurou desenvolver

e fortalecer organizações guarda-chuva” (Durand, 1995, p. 141).

Bartell e Payne têm destacado que, ao contrário do afirmado no velho estereótipo,

empresas e empresários têm desempenhado um papel ativo, pressionando os governos ao

invés de simplesmente adaptar-se passivamente a seus desígnios (1995, p. 260). Segundo os

autores, não há dúvidas de que as lideranças empresariais incrementaram seu poder político

e organizacional nas últimas décadas. A nova força política do empresariado seria o

resultado, em parte, de profundas mudanças econômicas que fortaleceram o poder

econômico do setor privado.

Ao longo dos anos 1990, o setor privado latino-americano teria se transformado no

motor principal do crescimento econômico, como resultado da convergência histórica da

falência das estratégias de substituição de importações dirigidas pelo Estado, do sucesso

relativo das estratégias de livre mercado, da ausência de modelos alternativos e da pressão

internacional pela abertura dos mercados (Idem).31

Considerando, dessa maneira a liberalização da economia como inevitável, os

empresários desenvolveram como reação estratégias ativas de adaptação.32 As condições

para essas novas estratégias eram dadas pelo fim dos regimes autoritários e a conseqüente

abertura política que criaram um ambiente politicamente favorável à organização de

interesses, retirando muitos dos entraves legais à criação de novas entidades. Os

empresários “agarraram as novas oportunidades políticas e as exploraram para defender

seus interesses” (Bartell e Payne, 1995, p. 268). O resultado foi a criação de novas

31
Um estudo abrangente do novo papel desempenhado pelos grupos econômicos na América Latina pode ser
encontrado em Durand, 1996.
32
Payne (1994) desenvolve teoricamente o enfoque adaptativo em sua obra sobre os industriais brasileiros.
51

associações empresariais, a mobilização de lobbies para pressionar legislativos, o apoio

explícito a candidatos ou, até mesmo, o lançamento de candidaturas próprias.

As oportunidades abertas para a organização empresarial pelo renovado poder

econômico e pelo fim dos regimes autoritários são catalisadas, segundo Bartell e Payne pela

percepção de ameaças coletivas. A exclusão das esferas estatais de decisão, a ação

arbitrária do Estado e as freqüentes e drásticas alterações nas políticas econômicas

promoveram reativamente uma maior unidade dos interesses empresariais.

Restaria saber, entretanto, quais as razões que levariam elites empresariais a

investirem em dispendiosas organizações do tipo citado. Para Bartell e Payne: elites

investem na ação coletiva quando se sentem ameaçadas.33 Tais ameaças podem ser

econômicas, como a vulnerabilidade à competição internacional, fortemente sentida pelos

empresários latino-americanos nas décadas de 1980 e 1990, ou políticas, como o poder

discricionário do Estado.

Analisando o surgimento das associações empresariais no México, Luna e Tirado

chegam a afirmar que o surgimento das organizações empresariais encontra-se vinculado de

maneira estreita à percepção da ação estatal como uma ameaça:

“Tais são os casos de Concanaco e Concamin (Confederación de Cámaras

Nacionales de Comércio e Confederación de Cámaras Industriales),

respectivamente, criadas em 1917 e 1918 contra o radicalismo revolucionário; da

Asociación de Banqueros de México, fundada em 1928, perante a criação do Banco

de México; de Coparmex (Confederación Patronal de la República Mexicana),

criada em 1929, frente à iniciativa da Lei Federal do Trabalho; da Concanacomin


52

(Confederación de Cámaras Nacionales de Comércio e Industria), nascida em 1936,

perante o reformismo cardenista; do Consejo Mexicano de Hombres de Negócios,

surgido em 1962 para opor-se ao reformismo do presidente López Mateos; e do

Consejo Coordinador Empresarial, criado em 1975 como reação às políticas do

presidente Echeverría” (Luna e Tirado, 1984, p. 7).

Mas se a vulnerabilidade e a ameaça da ação estatal fornecem um importante

impulso à ação empresarial não garantem sua manutenção a longo prazo. Luna e Tirado

verificam isso para a extensa trajetória de organização do empresariado mexicano: “Estas

organizações, uma vez que cessa a tensão, tendem a desativar-se” (Idem). Assim, muito

embora a percepção de ameaças seja um importante incentivo para a ação coletiva

empresarial, raramente esta se auto-reproduz espontaneamente. Caberia à ação estatal,

geralmente, o fornecimento de incentivos externos para a associabilidade (Schneider e

Maxfield, 1997, p. 28). O Estado pode reduzir os obstáculos para a ação coletiva

providenciando uma variedade de benefícios, positivos e negativos, seletivamente

distribuídos. Dentre esses benefícios cabe destacar o acesso institucionalizado ou informal

às esferas de decisão (Schneider, 1998).

Segundo Schneider, seria preciso distinguir entre uma lógica política de uma lógica

de políticas. A primeira é mais comum em situações de crise e de mudança de estratégias

de desenvolvimento. Em uma lógica política, atores estatais incentivariam a organização

empresarial com a finalidade de administrar a crise e gerar apoio político para a nova

estratégia. Em tempos mais normais os atores estatais seguiriam uma lógica de políticas e

organizariam empresas e empresários para promover formas particulares de administração

33
Schneider e Maxfield (1997) referem-se às ameaças percebidas não apenas pelas elites empresariais como,
53

da economia (Idem, p. 8). Associações empresariais abrangentes ou associações setoriais

“desenvolvimentistas”34 poderiam ser capazes de inibir interesses particularistas e

promover um comportamento econômico orientado para um crescimento sustentável, daí o

interesse estatal no seu surgimento e consolidação (Schneider e Maxfield, 1997). Desta

forma, muito embora o surgimento de associações possa ser o resultado não intencional da

ação estatal ou da percepção de ameaças por parte do empresariado, a estabilização de

sistemas associativos requer o apoio estatal.

As interpretações de Payne, Bartell, Schneider, Maxfield, Luna e Tirado colocam

seu foco nas relações que os empresários estabeleceriam com o Estado. Este, por sua vez, é

concebido de maneira estrita como o conjunto de instituições encarregadas das funções

governativas. Ao procederem dessa maneira, tais autores acabam, em grande medida,

expulsando para fora do Estado as classes sociais. Daí a relação de exterioridade que é

estabelecida entre Estado e sociedade e, para precisar ainda mais, entre Estado e burguesia

(classes dominantes).

Cindida a unidade existente entre Estado e sociedade, o primeiro deixa de ter seu

campo de ação marcado por uma relação de forças sociais historicamente constituída e

adquire uma plena independência perante o conjunto das classes, monopolizando a política

e reduzindo as classes a sua dimensão meramente econômica. Frente a estas o Estado

aparece como o demiurgo perante o qual restaria apenas a adaptação, reduzindo ao Estado a

capacidade de iniciativa política. O resultado da análise não deixa de ser paradoxal. O

protagonismo do Estado permite falar apenas de uma autonomia relativa das classes perante

também, pelas estatais.


34
As associações setoriais desenvolvimentistas como aquelas que não se encontram envolvidas em atividades
“directly unproductive profit seeking” (DUP) (Schneider e Maxfield, 1997, p. 21)
54

um poder que manifesta sua completa independência perante as forças sociais presentes.

Mas aquém dos paradoxos teóricos aos quais tais enfoques conduzem é importante apontar

alguns problemas empíricos que eles deixam sem explicação.

Em primeiro lugar, é de se destacar que a ação do empresariado latino-americano e

o desenvolvimento de suas associações antecipou-se, muitas vezes, seja à mudança de

regime político, seja à aplicação de políticas neoliberais por parte dos governos dos países

latino-americanos. Se é verdade, que no ato da formulação política a burocracia estatal

assume o comando, também é preciso destacar que o empresariado pode ter um papel

decisivo, tanto na formatação de uma agenda de mudanças políticas e econômicas, como

no processo de aplicação das políticas.

Esse é o caso, apontado por Eduardo Silva (1996) que conclui ter existido no Chile

uma interação estreita entre capitalistas e Estado nos processos de mudança econômica e

política tanto durante o governo do general Pinochet, quanto durante a presidência de

Patricio Aylwin. Segundo Silva, o empresariado chileno teria contribuído de maneira

importante nos processo de formatação da agenda, definição e implementação de políticas,

ao contrário do comumente indicado pela literatura. Processos semelhantes puderam ser

constatados em Equador, Peru e Bolívia, por Conaghan, Malloy e Abugattas (1990). Nesses

países dos Andes centrais, as associações empresariais teriam desempenhado um papel

decisivo para a transformação do ambiente ideológico e a difusão de uma concepção de

mundo liberal e, ao mesmo tempo, para a mudança da agenda política e econômica,

colocando no seu centro o recuo do Estado das posições por ele ocupadas até então.

Em segundo lugar, nos enfoques acima apresentados, são enfatizadas as relações de

forças dos empresários com o Estado, deixando de lado aquelas que os empresários

estabeleceriam entre si no ato da concorrência, bem como aquelas que existiriam entre estas
55

e as classes subalternas. Durand e Silva alertaram que a definição de ameaças utilizadas por

autores como Bartell e Payne, dentre outros, é muito estreita e não consegue explicar o

surgimento e a expansão das associações de cúpula desde a década de 1930. Para Durand e

Silva:

“o desenvolvimento organizativo de grupos sociais antagonistas e seus

vínculos com um Estado mais autônomo dos grupos privados são tão importantes

para explicar a emergência de associações empresariais abrangentes na América

Latina quanto o foco mais recente na exclusão do processo de formulação de

políticas e a adoção de políticas arbitrárias por um Estado altamente autônomo de

todos os grupos sociais.” (1998a, p. 7.)

São identificadas, assim, ameaças políticas que emanam tanto do Estado como

também de grupos sociais subalternos. Dentre as ameaças provenientes desses grupos

caberia destacar movimentos de massas, rebeliões nacionais e movimentos guerrilheiros

que reivindicam reformas sociais e trabalhistas. Às ameaças dos grupos subalternos

somam-se aquelas provenientes do Estado: ataques à propriedade privada, programas

radicais de redistribuição de riquezas, difusão de controles governamentais e exclusão dos

processos de formulação de políticas. Caberia ainda acrescentar a existência de ameaças

econômicas, tais como hiperinflação, recessão ou depressão para ter um quadro mais

preciso das situações que podem dar o impulso inicial à organização empresarial (Idem, p.

8).

Em terceiro lugar, assim como é possível apontar ameaças não-estatais atuando

como agentes de catalisação da ação coletiva empresarial, também é possível encontrar

impulsos para o fortalecimento das associações empresariais que se localizaram fora da

ação estatal. Separando os processos de gênese e consolidação do associativismo


56

empresarial, Durand e Silva sugerem, além do tipo de relações governo-empresas outras

três explicações para o fortalecimento das associações empresariais: organização interna,

nível de conflito intersetorial e características das lideranças (1998).

Heterogeneidade interna, ausência de canais institucionalizados de negociação com

o governo e elevado nível de conflitos intersetoriais, principalmente entre pequenos e

grandes proprietários, enfraqueceram as associações multisetoriais de cúpula do México,


35
principalmente o CCE. Sem enfrentar os mesmos problemas organizativos, com uma

composição mais homogênea que no caso mexicano e com canais de comunicação com as

esferas estatais de decisão, as associações de cúpula de El Salvador e Nicarágua também

enfrentaram obstáculos a seu fortalecimento.36 Divisões referentes à abertura comercial e a

políticas tarifárias minaram a capacidade da Anep salvadorenha e da Cosep nicaragüense

atuarem como uma voz unitária do setor privado. Por outro lado, os casos de Chile e Peru

mostram como um elevado grau de homogeneidade interna e um reduzido nível de

conflitos, aliados à existência de canais permanentes de negociação com o governo e

lideranças capazes de construir consenso, têm levado a um fortalecimento das entidades de

cúpula.37

Os problemas teóricos e empíricos acima sumariados indicam a necessidade de um

novo enfoque sobre o associativismo empresarial e suas relações com o Estado. Indicar

uma pluralidade de causas para a gênese e consolidação da ação coletiva empresarial, abre

a porta para pensar essas causas de um ponto de vista relacional, enfatizando a relação de

35
Para o caso do CCE ver Tirado (1998); Tirado e Luna (1995); Luna e Tirado (1993).
36
Para o caso de El Salvador ver Johnson (1998); para Nicaragua, Spalding (1998).
37
A recente criação da Confinep no Peru e sua consolidação é analisada por Durand (1995). A trajetória do
empresariado chileno pode ser acompanhada em Bartell (1995); Montero (1997); Silva (1995); Silva (1997 e
1998).
57

forças se estabelece em uma situação determinada a partir de linhas verticais, abarcando as

relações existentes entre as classes sociais e suas formas institucionais – incluído ai o

Estado –, e horizontais entre as diferentes frações de uma mesma classe.

Neste enfoque relacional, o processo de constituição do projeto empresarial deixa de

ser o resultado de uma reação à ação estatal externa e passa a ser analisado a partir das

relações de forças acima mencionadas. Tais relações têm lugar em uma situação marcada

pela convergência, nos anos 1980 e 1990, de uma profunda crise econômica e uma crise

política de grande intensidade na América Latina que abalaram tanto os modelos de

desenvolvimento baseados na substituição de importações, como os regimes autoritários

que lhes serviam de suporte político. A própria situação de crise colocou para os diferentes

grupos sociais a necessidade de procurar alternativas. Para Gourevitch,

“A crise econômica conduz ao debate político e à controvérsia

política; e do conflito surgem medidas políticas. Estas medidas, sejam

inovadoras ou tradicionais, necessitam da política: quer dizer, as respostas à

crise econômica exigem um apoio político. Por conseguinte, para

compreender as escolhas políticas temos que compreender a política que as

produz.” (Gourevitch, 1986, p. 19)

Situações de crise criam as condições para a emergência de impulsos hegemônicos,

para a criação e recriação de projetos. A convergência histórica das últimas décadas teria

favorecido as forças internas e externas favoráveis a resolver a crise por meio “da

privatização de empresas públicas e por meio do desmantelamento progressivo dos

controles estatais e da política populista de subsídios massivos e legislação trabalhista pró-

sindicalista” (Durand, 1996, p. 44). É, portanto, em um contexto de crise que o


58

empresariado latino-americano participa da definição da agenda de um programa de

reformas neoliberal e se organiza para tal.

Os casos apresentados na obra coordenada por Bartell e Payne permitem perceber

que muito embora tal convergência histórica tenha afetado o conjunto dos países latino-

americanos, a percepção do momento vivido e o apoio às políticas neoliberais variava de

país para país.38 Mas, mesmo no interior de cada país, coexistiam apreciações diferentes

sobre as políticas neoliberais e discursos contraditórios exigiam, ao mesmo tempo, a

abertura comercial e a proteção de setores nacionais da economia.

Tais discursos podem ser explicados pela existência de uma divisão entre os

empresários que são favorecidos positivamente pelo fim do modelo de substituição de

importações e aqueles que são negativamente afetados. Situações de crise fazem emergir

uma pluralidade de respostas. Mas nem todos os projetos nascidos no interior da crise têm

uma vocação hegemônica. É possível perceber uma gama de respostas à crise que não

transcendem o nível econômico-corporativo, ou seja, que ao invés de procurar uma solução

global para a crise global apresentem projetos pontuais que têm como objetivo diminuir as

perdas de um determinado setor ou grupo social. Assim, os setores exportadores, apoiados

pelos organismos financeiros internacionais e pelos tecnocratas liberais tendem a apoiar as

mudanças. Os industriais, construtores e comerciantes vinculados ao mercado interno

geralmente opõem resistências, embora pouco eficazes (Durand, 1996, p. 44).

Em um estudo comparativo sobre a reação de entidades empresariais da Venezuela

(Fedecámaras) e da Colômbia (Andi) às propostas de integração regional, Rita Giacalone

chegou a conclusões semelhantes. Segundo a autora, seu estudo concluiu que “essas

38
Ver, por exemplo, a comparação entre Chile e Brasil em Bartell (1995).
59

posições se caracterizaram por uma aceitação geral da integração, em nível ideológico, e

uma rejeição setorial em nível prático” (Giacalone, 1997, p. 159).

A interpretação de Durand a essas contradições do discurso empresarial é bem mais

moderada, identificando um apoio condicional às políticas neoliberais:

“os organismos de cúpula (que servem para expressar a correlação de forças

interna) giraram gradualmente em favor do neoliberalismo. Esse apoio é de tipo

condicional, matizado com referencias a um necessário gradualismo e um certo mal-

estar porque tem sido uma modernização um tanto forçada (‘uma abertura dirigida’,

como afirma bem um documento da Concamin mexicana)” (Durand, 1997, p. 83).

Mas é sabido que compromissos abstratos com concepções de mundo não são

traduzidos, necessariamente, em políticas específicas coerentes com tais visões. Assim,

muito embora houvesse um elevado grau de consenso sobre a preponderância do mercado

sobre o Estado e as associações empresariais dos Andes centrais estivessem engajadas na

defesa dessa concepção, os desacordos dos empresários com os formuladores de políticas e

das diferentes frações do empresariado entre si vieram a tona logo que tais princípios

abstratos começaram a assumir a forma de programas e políticas econômicas.

Concentrando sua análise nos grandes grupos de poder econômico (GPE) Durand

identificou uma estratégia cautelosa:

“Tentam frear ou desacelerar as mudanças se os afetam diretamente,

com a finalidade de moderar sua aplicação e ganhar tempo para adaptar-se

às novas regras do jogo (...) Os GPE não são pois a vanguarda dessa

modernização nem tampouco se pode dizer que tenham tentado bloquear as

mudanças. Adaptaram-se a elas com certa resistência, silenciosa, porém,

efetiva” (Durand, 1996, p. 45).


60

De qualquer forma, a existência de diferenças no interior do empresariado não

impediu que estes sentissem “a necessidade de organizar e mobilizar a si mesmos para

rejeitar as mudanças ou, eventualmente, ajustar o ritmo e as condições sob as quais as

políticas liberais eram adotadas.” (Durand, 1995, p. 145) Mas a existência de tal

necessidade não implica necessariamente na sua organização. O estudo da ação coletiva

empresarial deve integrar, portanto, as condições de emergência do associativismo

empresarial, sua gênese, com a consolidação da ação coletiva, sua institucionalização. O

foco desse estudo, entretanto, não pode ser o Estado compreendido no sentido estrito como

aparelho governativo, e na sua alegada capacidade de fornecer os impulsos para a ação

coletiva empresarial e sua consolidação. Ele deve ser colocado no fazer-se dessa ação e na

complexa articulação das forças sociais que se encontram presentes no ato e com as formas

institucionais destas.

O enfoque alternativo aqui proposto é um enfoque relacional. Nele o Estado é

concebido como condensação institucional das relações de forças sociais, ao mesmo tempo,

um campo de conflito e o resultado desse conflito. Nessa perspectiva, a ação coletiva das

classes sociais em presença é incorporada a uma esfera estatal ampliada impregnando-a. A

ação estatal deixa então de ser considerada plenamente independente das classes sociais e

passa a ser considerada como o resultado de uma autonomia relativa exercida em uma

situação definida por uma relação de forças determinada.

Parte constitutiva de uma esfera estatal ampliada, a ação coletiva empresarial é, ao

mesmo tempo, resultado e condição de uma relação de forças. Resultado, na medida em

que é em determinados contextos que o empresariado identifica seus interesses comuns e a

necessidade de dar-lhes uma expressão institucional. Condição, na medida em que a

capacidade organizativa demonstrada no processo de institucionalização e a unidade por ela


61

gerada produz uma força social superior à soma das forças particulares alternando o

contexto no qual ela se faz presente. Nos próximos capítulos, esse enfoque será colocado á

prova.
62
63

Parte II. GÊNESE E ESTRUTURA DO “MINISTÉRIO

DOS INDUSTRIAIS”

“Em outras partes, a indústria está assentada sobre grandes


capitais, sobre um conjunto de hábitos, tradições, de relações
sólidas; está na base de um comércio amplo e regular. Aqui, a bem
dizer, ela é apenas um combate.”
(Jules Michelet. O povo.)
64
65

4. Da “associação civil” ao “órgão de colaboração”

Nos capítulos precedentes, foi definido o enfoque teórico que guiaria a presente

investigação e com base nele, discutidas as tendências recentes do associativismo

empresarial latino-americano. A criação da Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo, antecede em muito o período acima apresentado e aquele sobre o qual versa o

presente trabalho. No entanto, a análise de sua gênese é de extrema importância para que

sejam explicitadas as formas institucionais que adquirirá a ação coletiva dos industriais

paulistas.

A criação da Fiesp é o resultado de importantes alterações na massa específica da

indústria no conjunto da economia nacional e nas relações existentes entre o Estado, as

classes dominantes, suas diferentes frações e classes subalternas no começo do século XX.

Nessa época, conforme Boris Fausto assinalou, a indústria brasileira tinha como

características, a dependência do setor agrário exportador, a insignificância da indústria de

base, a baixa capitalização e o grau incipiente de concentração (Fausto, 1970, p. 19). Tal

dependência do setor agrário exportador não deve ser entendida com uma identidade física

entre os dois setores, como chegou a fazer Caio Prado Jr. (1966). Apenas um setor pequeno

da indústria brasileira surgirá a partir da evolução interna do setor agrário.

Como demonstrou estudo sobre as origens étnicas do empresariado paulista de Luiz

Carlos Bresser Pereira, apenas 15,7% dos empresários paulistas pertenciam a famílias

residentes no Brasil há mais de três gerações, enquanto que 34,8% pertenciam a famílias

italianas e 12,8% a famílias alemãs e austríacas (1994). Warren Dean, em sua obra clássica

sobre a industrialização paulista identificou o papel desempenhado por imigrantes


66

dedicados ao comércio importador no incipiente processo de industrialização, tomando

como exemplo os Crespi e os Matarazzo (Dean, 1971, p. 57-74).

De acordo com o censo de 1920, citado por Boris Fausto (1970) e Warren Dean

(1971), dos 13.336 estabelecimentos industriais recenseados, apenas 482 tinham mais de

100 operários. A média era de apenas 21 trabalhadores por estabelecimento. A situação não

era diferente durante os acontecimentos de 1930. Ainda em 1940 ela não tinha se

modificado: de um total de 40.860 indústrias, havia somente 1.236 com mais de 100

trabalhadores e a média era até mesmo menor que em 1920 – 19 trabalhadores por

estabelecimento.

O censo de 1920 já identificava o estado de São Paulo como o mais industrializado,

detendo 31,5% da produção industrial nacional. Ele também permite identificar os ramos

que concentravam o maior número de estabelecimentos: alimentação, 40,2%; têxteis,

27,6%; vestuário e toucador, 8,2%; químicos e análogos, 7,9%; e outros setores, 16,1%. Na

época as atividades agrícolas eram largamente majoritárias, abrangendo 69,7% da

população economicamente ativa. O valor da produção industrial era, em 1926, menos da

metade da produção agrícola.

Mas a organização dos industriais paulistas não acompanhou o mesmo ritmo da

expansão de seus negócios. Assim, muito embora os industriais do Rio de Janeiro tenham

organizado o Centro Industrial do Brasil, em 1904, é apenas 24 anos mais tarde que os

paulistas fundarão o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Ao invés de

constituírem uma organização autônoma, as indústrias conviviam com o comércio, na

Associação Comercial de São Paulo, durante as primeiras décadas do século XX. Essa

convivência era facilitada pela relativa imaturidade do comércio e da indústria de São

Paulo, de desenvolvimento mais recentes que seus congêneres do Distrito Federal, e pelo
67

fato da Associação não ser o canal de organização do comércio importador com os quais os

industriais costumavam ter choques mais freqüentes (Leme, 1978, p. 14-15).

Nem por isso os choques na Associação Comercial deixaram de se fazer sentir. “A

Associação Comercial acautelava os interesses do comércio, e não agia da mesma forma

com relação à indústria” reclamava o industrial Otávio Pupo Nogueira, um dos fundadores

do Ciesp (Apud Caldeira, 1998, p. 11). A expansão da indústria paulista, na década de

1920, ao mesmo tempo em que alterava a relação de forças objetiva entre industriais e

comerciantes, permitia aos primeiros identificarem seus interesses coletivos e fornecia as

bases para uma ação política autônoma. Em janeiro de 1929, estatísticas oficiais citadas por

Fausto apontavam, no Distrito Federal, a existência de 1.937 fábricas, com um capital total

de 641.661:000$, empregando 93.525 operários e, em São Paulo, 6.923 fábricas,

empregando 148.376 operários, mobilizando um patrimônio de 1.101.823:959$060 (Fausto,

1970, p. 23).39

As cifras do censo permitem concluir o óbvio: em 1930, a burguesia industrial, e

fundamentalmente a paulista, era um setor social com um peso na economia muito inferior

ao setor agro-exportador. Já havia acumulado, entretanto, forças materiais que lhe

permitiram formular seus próprios interesses coletivos de maneira independente e expressá-

los publicamente.

A fundação do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), em 28 de

março de 1928 é, assim, expressão dessa nova relação de forças objetiva e do lugar

ocupado pela indústria. O discurso de Roberto Simonsen, o novo vice-presidente da

entidade, por ocasião da posse da diretoria, não deixou de expressar essa relação. Segundo
68

Simonsen, a indústria brasileira “nasceu das necessidades locais, cresceu e evoluiu entre as

maiores dificuldades, e apesar disso já tem em seu ativo assinalados serviços à nação.”

(1973, p. 53).

O discurso de Simonsen é revelador dos problemas enfrentados pela indústria e da

necessidade sentida pelos empresários de se organizarem para defender seus interesses.

Contestando aqueles que afirmavam ser a indústria brasileira “artificial”, o empresário

argumentava que o desenvolvimento e a consolidação do parque industrial brasileiro

concorreriam “para o aumento da riqueza, prestígio, poder e formação de nossa própria

raça” (Idem, p. 57).

Dirigindo suas palavras ao presidente do estado de São Paulo, Júlio Prestes,

presente na cerimônia, Simonsen afirmava ser a estabilidade monetária promovida pelo

governo Washington Luís fundamental para os industriais poderem “focalizar de perto os

problemas que lhes interessam” e anunciava o papel do Ciesp, nessa conjuntura: promover

“o engrandecimento e a consolidação do Parque Industrial brasileiro por todos os meios ao

seu alcance, pelo estudo, propaganda e ação”. Para a realização de seu programa, o Ciesp

deveria contar “com o necessário apoio dos Governos da União e do Estado, na exata

compreensão de sua alta missão e encaminhamento dos problemas nacionais.” (Idem, p.

65.)

O Ciesp se constituía como uma associação civil, com registro em cartório com o

objetivo de defender a expansão industrial e representar as industrias paulistas perante os

poderes públicos “e com elles collaborar sempre que desta collaboração resulte o progresso

industrial do Estado de São Paulo (Fiesp, 1928, p. 3.). Assumia a forma, comum à época,

39
As estatísticas do período são meras aproximações e torna-se necessário, sempre, cotejar várias fontes.
69

de uma entidade aberta a todos aqueles que concordassem com esse programa, não sendo

uma exigência que fossem empresários. Poderiam, desse modo ser membros as

“associações de classe do estado, do paiz e do extrangeiro, os seus dirigentes e o seus

membros; as sociedades anonymas indusriaes e commerciaes os seus dirigentes e

acionistas; os industriaes e commerciantes de qualquer natureza e, no geral todos quantos

se interessem pelo progresso industrial e commercial do Estado de São Paulo e do Brasil.”

(Fiesp, 1928, errata. Grifos meus.)

Nessa abertura associativa se manifestava a tentativa de construir uma ampla aliança

industrializante por meio do Ciesp. As metas definidas pela entidade em seus estatutos

apresentam de maneira mais clara a sua intenção de se constituir como um centro

formulador de políticas e difusor de conhecimentos voltado para o “desenvolvimento e

prosperidade de todos os ramos industriaes sem excepção, já existentes ou que venham a

existir no Estado de São Paulo” (Fiesp, 1928, p. 3). Para tal, a entidade pretendia organizar

uma rede de serviços que permitisse que as empresas “trabalhem com segurança e

proveito”: serviço diário de informações e estatísticas; biblioteca especializada; museu

industrial e comercial; laboratório de análise de materiais; e um boletim mensal (Idem, p. 4-

5. Ver, também, Caldeira, 1998, p. 12).

Nos primeiros meses de gestão da nova diretoria também ficou clara a proximidade

dos industriais paulistas da política de Washington Luís, expressa no discurso fundador de

Simonsen. Em março de 1930, essa proximidade se materializou no apoio à candidatura de

Júlio Prestes à presidência da República. A posse de Getúlio Vargas, candidato derrotado

Confrontar, com Simonsen (1973, p. 5-52) e Dean (1991, p. 115-137).


70

nas eleições de março, como chefe do governo provisório em novembro de 1930, alterou

profundamente as relações dos empresários com o Estado.

Quatro meses após a posse, Vargas, por meio do Decreto 19.770, de 19 de março de

1931, reformulou a organização sindical de patrões e trabalhadores, centralizando os

mecanismos de representação patronal e criando uma estrutura verticalizada de sindicatos

municipais, federações estaduais e confederações nacionais. Estavam, assim, assentadas as

bases para a constituição de uma estrutura corporativa de integração de grupos sócio-

econômicos ao aparelho estatal por meio de um sistema: 1) de representação e inserção no

nível das lideranças; e 2) de mobilização e controle no nível das massas.40

A nova legislação era influenciada pelo pensamento corporativista de intelectuais

como Oliveira Viana, mas também participaram de sua formulação técnicos do Ministério

do trabalho que mantinham laços com os grupos socialistas da Primeira República, como

Evaristo de Moraes e João Pimenta (Cf. Hall, 2002, p. 18 e Araújo, 2002, p. 36). O novo

decreto trazia os sindicatos para uma esfera estatal ampliada, tornando obrigatório o

reconhecimento destes pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Em

contrapartida, estes eram definidos como “órgãos consultivos e técnicos no estudo e

solução, pelo Governo Federal, dos problemas que, econômica e socialmente, se

relacionarem com os seus interesses de classe” (Art. 5) o que os aproximava do processo

decisório.41

40
Ver Panitch (1986, p. 136) e Jessop (1983, p. 157). Ângela Maria de Castro Gomes destaca que ao poder
público, depois de 1930, não interessa apenas o controle do movimento operário mas, igualmente, a
mobilização de uma nova base de apoio social (1979, p. 239).
41
Ver o tratamento dado ao tema por Costa (1998, p. 54); Costa (1991, p. 119-122) e Gomes (1979, p. 237-
252).
71

Os processos de representação, integração, mobilização e controle eram, entretanto,

marcadamente assimétricos, beneficiando a legislação as entidades patronais que já se

encontravam constituídas. O corporativismo avançado pela legislação de 1931 tinha o

propósito de reordenar as relações entre as classes e destas com o Estado. Criava, para tal,

canais que permitiam uma inserção ativa das classes dominantes na esfera estatal, ao

mesmo tempo que incorporava passivamente classes subalternas (Cf. Araújo, 2002).

O decreto era bastante minucioso e estabelecia a exigência de reunião de pelo

menos trinta associados; a maioria de 2/3 dos associados de brasileiros natos ou

naturalizados; e fixava a impossibilidade de reeleição dos diretores. A reação patronal ao

decreto não foi homogêna. No Rio de Janeiro, o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem

de Algodão, o Centro Industrial do Brasil e o Centro da Indústria de Calçados e Commercio

de Couros, enviaram carta a Lindolfo Collor, Ministro do Trabalho, Indústria e Commercio,

solicitando a alteração do Decreto. Os empresários, reivindicavam os critérios estabelecidos

pelo Decreto 1.637 de 5 de janeiro de 1907, que estabelecia como sete a quantidade mínima

de associados. Propunham, também, a supressão da exigência de maioria de brasileiros

natos e naturalizados e do impedimento de reeleição (Carone, 1977, p. 481-490).

Os industriais do Rio de Janeiro também protestavam na carta contra as restrições,

presentes no Artigo 13º do Decreto, à demissão de trabalhadores pelo fato destes serem

sindicalizados. Segundo os representantes dos centros da indústria,

“o art. 13º da nova lei de syndicalização, embora á primeira vista não

apresente inconveniente, offende fundamentalmente, com os seus

paragraphos, o direito dos patrões admittirem e demittirem livremente os

seus auxiliares, impondo limitações baseadas em factos inexistentes que


72

somente servirão de pretextos para constantes conflictos e perturbações até

hoje desconhecidos.” (Idem, p. 478)

Era evidente a preocupação dos industriais com a questão operária. Tal preocupação

os levou a apoiar a proibição “no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer

propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso” (Art. 1º, alínea

f) e a sugerir ao ministro Collor que fosse incluído um artigo que vedasse, também, “a

propaganda, por actos e palavras, de quaesquer idéias ou doutrinas dentro dos

estabelecimentos fabris, commerciaes ou industriaes, ou em suas proximidades”. A medida,

segundo os signatários restabeleceria

“o desejado equilíbrio entre as associações patronaes e operarias,

além de evitar que seja consummada a mais terrível ameaça para a

tranqüilidade e prosperidade de nossas industrias, que é justamente a

implantação do regimen da anarchia destruidora, das doutrinas dissolventes,

que cumpre a todos os bons brasileiros repellir, para a honra da pátria e

defesa da nacionalidade.” (Idem, p. 488).

A atitude dos industriais paulistas, entretanto, foi outra. Apesar das ressalvas que

faziam a nova lei, estas não impediram que o Ciesp se adaptasse rapidamente à nova

estrutura corporativa. Apenas dois meses depois da promulgação do novo Decreto, o Centro

alterava seus estatutos e se transformava em Federação das Indústrias do Estado de São

Paulo (Fiesp, 1934). A criação da Fiesp não é apenas uma mudança de nome. Ela simboliza

o aggiornamento de uma concepção liberal que enfatizava exclusivamente a autonomia e a

independência das organizações sindicais patronais e a adesão gradual a um corporativismo

assimétrico e mitigado. O empresariado adaptava-se à estrutura corporativa na medida em


73

que os mecanismos de controle desta eram exercidas prioritariamente sobre as classes

subalternas e os canais de comunicação e inserção ativa no aparelho de Estado eram abertos

seletivamente, privilegiando o empresariado. (Vianna, 1978, p. 208 e Costa, 1994, p. 60).

Os desafios organizativos para tal adaptação eram grandes. O Ciesp era uma

associação de empresas, mas a Fiesp se constituía como uma entidade mista com o objetivo

de congregar “todas as industriais e as associações da classe industrial existentes ou que

venham a existir no Estado de São Paulo, com a forma syndical, promovendo

opportunamente a formação da Confederação Nacional da Indústria e Commercio.” (Fiesp,

1934, p. 4.)42 Criar os sindicatos como organizações de primeira ordem e unificá-los em

uma federação estadual eram, assim, importantes desafios organizativos.43 A criação de

comitês da Fiesp para a sindicalização dos vários ramos industriais permitiu à entidade

impulsionar a criação dos sindicatos.

A análise dos sindicatos filiados à Fiesp em 2003 permitirá verificar a força desse

impulso. A Fiesp possui, atualmente, 130 sindicatos associados. No levantamento realizado

junto à Confederação Nacional da Indústria (CNI), aos sindicatos e à própria Fiesp, foi

possível estabelecer a data de fundação de 115 dessas entidades. Destes, 26 sindicatos

foram fundados entre 1931 e 1940, totalizando cerca de 22,6% do total (ver Gráfico 1).

Nem todas as associações patronais, entretanto, se adaptaram prontamente à nova

legislação de 1931. As ressalvas do empresariado ao novo Decreto, acarretaram uma atitude

expectante. Relatório da diretoria da Confederação Industrial do Brasil apresentado na

42
No Rio de Janeiro, o Centro Industrial do Brasil já possuía uma estrutura federativa que será preservada nos
novos estatutos da Federação.
43
Uma associação de primeira ordem organiza unidades básicas, no caso empresas. Associações de segunda
ordem são associações nos quais as unidades são as associações de primeira ordem. Nas de terceira ordem, as
unidades são as de segunda ordem.
74

Assembléia Geral Ordinária de 1º junho de 1934, descrevia assim a situação: “Acontecia,

entretanto, que os empregadores, em geral, não se achavam syndicalisados, em virtude das

difficuldades existentes na actual lei de syndicalisação, cujos dispositivos, rigorosamente

fallando, não se adaptaram às organisações patronaes.” (Carone, 1972, p. 562.)

O Decreto 22.621 de 5 de abril de 1933, convocando a Assembléia Nacional

Constituinte, alterou radicalmente o posicionamento empresarial. O novo Decreto fixava

em 254 o número de deputados da Constituinte e estabelecia que quarenta destes seriam

eleitos “pelos syndicatos legalmente reconhecidos e pelas associações de profissões liberais

e as de funccionarios publicos existentes nos termos da lei civil.” (Idem.) Compatibilizando

a estrutura corporativa com o processo legislativo, tal regulamentação excluía a

participação neste das entidades que não se encontrassem reconhecidas de acordo com o

Decreto 19.770 de 1931 e adaptadas àquela estrutura.

Gráfico 1 – Sindicatos Filiados à Fiesp por Período de Reconhecimento

40,0%
34,8%
35,0%

30,0%

25,0% 22,6%

20,0%

15,0% 13,0%
9,6% 9,6%
10,0% 7,8%

5,0% 2,6%

0,0%
1931 a 1940 1941 a 1950 1951 a 1960 1961 a 1971 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000

Fonte: Fiesp, CNI e sindicatos. N = 115.


75

Para evitar tal exclusão, as entidades empresariais promoveram uma campanha de

fundação de sindicatos industriais comandada por Oliveira Passos, da Federação Industrial

do Rio de Janeiro; Horácio Lafer, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; A.

J. Renner, do Centro da Indústria Fabril do Rio Grande do Sul; e Euvaldo Lodi, da

Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. De modo a garantir a criação dos

sindicatos, a Confederação confeccionou modelos de estatutos e os distribuiu entre as

associações filiadas, encaminhando, posteriormente, os documentos ao Ministério do

Trabalho, Indústria e Comércio e acompanhando os processos até o deferimento final.

Facilitou a criação dos sindicatos o Decreto 26.694, de 12 de julho de 1934, que

reduziu o número de sócios necessários para cinco empresas, “legalmente constituídas, sob

forma individual, coletiva ou de sociedade anônima, ou de dez sócios individuais quando

inexistir na localidade o número de empresas indicado” (Art. 5º, inc. I), e permitiu a

formação de sindicatos profissionais de empregadores de base estadual, interestadual e, até

mesmo nacional (Art. 12, § 1º).44 Com tal permissão, o Ministério, criava as condições para

a construção dessa nova estrutura sindical por meio da oficialização das associações civis

existentes adaptadas à nova legislação. Já em 1931, o Centro Industrial do Rio de Janeiro

havia se transformado em Federação Industrial do Rio de Janeiro e o Ciesp dera origem à

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mas é a partir de 1933 que o

processo de sindicalização patronal se consolidou, conforme se pode ver na Tabela 2.

Em 1934, ano que foi reconhecida pelo governo federal como órgão de utilidade

pública, a Fiesp já havia sindicalizado os setores de artefatos de borracha, bebidas, produtos

44
A legislação, era, entretanto, draconiana com os sindicatos de empregados e exigia de, no mínimo, “um
terço dos empregados que exerçam a mesma profissão na respectiva localidade” (Decreto-lei 26.694/1934,
Art. 5º, inc. II-a).
76

químicos e farmacêuticos, máquinas e equipamentos, azeite e óleos alimentícios, laticínios,

adubos, cimento, doces e conservas alimentícias e cortinados e estofos. O total de entidades

filiadas à federação ficava, entretanto, muito aquém das trinta exigidas pelo texto legal em

1931, o que mostra a importância do Decreto 24.694/1934 para o reconhecimento das

entidades patronais.

Tabela 2 – Número de Sindicatos Patronais Reconhecidos Anualmente

1931 1932 1933 1934 1935 1936 1938 1939 1941


Distrito Federal 1 2 26 32 62 – 62 72 68
São Paulo 2 2 21 83 146 – 227 383 –
Brasil 3 4 79 273 487 538 810 1043 –
Fonte: Vianna, 1978, p. 145 e 228

O Decreto de 1934 teve outros efeitos que importa mencionar. A nova legislação

instituiu a pluralidade sindical, facultando para cada setor industrial a criação de mais de

uma entidade. Os industriais paulistas aproveitaram a legislação, transformando a Fiesp em

duas entidades: a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, associação civil que

congregava empresas;45 e a Federação das Indústrias Paulistas (FIP), órgão sindical de

segunda ordem reconhecido pelo Ministério do Trabalho “que funciona na mesma sede,

independente, mas paralelamente à Federação civil” (Fiesp, 1939, p. 4).

Com o desmembramento os industriais paulistas pretendiam beneficiar-se da

legislação sindical que reconhecia a Federação sindical como “órgão de colaboração com o

45
Os estatutos aprovados em 1936, definiam a Fiesp como “sociedade civil de intuitos não lucrativos” criada
com o objetivo de congregar “em seu quadro social as emprezas, sociedades, companhias e firmas que
explorem qualquer ramos de indústria, ou serviços de interesse collectivo”. (Fiesp, 1936, p. 3. grifos meus).
77

Estado” (Decreto 24.694/1934, Art. 2º), ao mesmo tempo em que, por meio da Federação

civil era mantida uma estrutura representativa paralela e autônoma. O estatuto da Fiesp,

criava, por sua vez, as condições institucionais para a superposição da associação civil e da

federação sindical, permitindo a admissão ao quadro social da primeira de “syndicatos ou

quaesquer associações de fins econômicos ou geraes, ligados á industria” e criando nesta

um conselho Consultivo, composto “dos Presidentes ou representantes dos syndicatos

filiados á Federação” (Fiesp, 1936, p. 5 e 8.)

Os desafios organizativos colocados aos empresários não se resumiam, entretanto, a

manutenção da autonomia organizativa por meio da associação civil. A criação de uma

entidade de segunda ordem pressupunha também a construção de uma identidade política

capaz de unificar as organizações setoriais do empresariado. Tratava-se de unificar os

diferentes projetos empresariais, como intuía, na época, o conde Alexandre Siciliano, um

dos organizadores da Fiesp:

“As associações de classe que possuímos são boas, mas seus

objetivos são mais ou menos contraditórios. Os projetos que apresentam em

sua defesa muitas vezes não coincidem com o interesse geral. Devemos,

pois, tratar de formar um ‘team’ de indústrias, para que a união dos

interessados leve à elaboração de leis gerais.” (Apud Leme, 1978, p. 20.)

O cimento que permitiu a formação do “team de industrias” foi a defesa de uma

política industrializante amparada na proteção cambial e tarifária às manufaturas

brasileiras. Já em 1934, os industriais colhiam os primeiros resultados de sua organização e

de sua ação política junto ao governo: uma reforma que resultou em um aumento das tarifas

dos produtos importados (Leopoldi, 2000, p. 114-120). A força organizativa dos industriais
78

paulistas repercutia no Estado. A afinidade eletiva que se estabeleceu entre empresários e

governo a partir de meados da década de 1930, evidenciada na reforma tributária de 1934 e

na posterior desvalorização cambial de 1935, permitiu uma aproximação dos industriais

paulistas do governo Vargas.

A intencionalidade de tal política industrializante tem sido amplamente discutida

desde que Celso Furtado anunciou sua tese, em Formação econômica do Brasil.

Resumidamente, Furtado apontava a responsabilidade dos mecanismos de defesa do setor

cafeeiro no “deslocamento do centro dinâmico” da economia (1977, cap. XXXII). A

política de desvalorização da moeda nacional criada em grande medida para fortalecer o

setor exportador, elevava o preço das importações protegendo a indústria nacional. Ao

mesmo tempo a política de proteção aos preços do café implicou

“em um verdadeiro programa de fomento à renda nacional. Praticou-

se no Brasil, inconscientemente, uma política anti-cíclica de maior amplitude

que a que se tenha sequer preconizado em qualquer dos países

industrializados.” (Furtado, 1977, p. 192. Grifos meus.)

E mais adiante Furtado reafirmava:

“É portanto, perfeitamente claro que a recuperação da economia

brasileira, que se manifesta a partir de 1933, não se deve a nenhum fator

externo e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que

era um subproduto da defesa dos interesses cafeeiros.” (Idem, p. 193. Grifos

meus.)

É portanto, de um keynesianismo avant la lettre que teria se desenvolvido a

indústria brasileira. A tese de Furtado remete o surgimento da indústria à existência de um


79

“choque adverso” que afetando o setor externo aumentaria os preços relativos das

importações ou criaria barreiras protecionistas que estimulariam o processo de substituição

de importações (Suzigan, 2000, p. 25-30).

São conhecidas as objeções que Warren Dean levanta a essa tese. Para este autor,

haveria uma relação direta entre a expansão das exportações do café e o desenvolvimento

da indústria. Assim, ao invés de estimular a industrialização, a crise do café e a depressão a

partir de 1929 teriam paralisado as indústrias de São Paulo, ao invés de criado as bases para

seu desenvolvimento (Dean, 1991, p. 194.) Do mesmo modo, Dean enfatiza que a

industrialização brasileira, até o fim da década de 1930, não foi “o resultado de um

estímulo oficial compreensivo ou mesmo consciente, a não ser em casos especialíssimos.”

(Idem, p. 17.)

Não é o objetivo, aqui, analisar todos os aspectos envolvidos na tese de Furtado e

sim discuti-la naquilo que é relevante para a ação dos industriais paulistas e sua relação

com o Estado. Chama a atenção que a tese de Furtado é, em grande medida, compatível

com a análise que Roberto Simonsen realizou em seu conhecido estudo de 1939, Evolução

industrial do Brasil. Segundo o Simonsen,

“A indústria se tem constituído graças às solicitações do consumo,

como resultante da impossibilidade absoluta da nação de obter, no exterior,

os meios de pagamentos necessários à importação. É um progresso

industrial, em sua maior parte alheio à ação dos governos e às questões da

política interna, gerado por um determinismo econômico inelutável.” (1973,

p. 29.)
80

Simonsen desenvolve nesse texto uma versão extremada da “teoria dos choques

adversos”, atribuindo à Primeira Guerra Mundial o impulso decisivo (Idem, p. 48. Ver

também Suzigan, 2000, cap. 1.2.1 e, para a crítica da tese, Dean, 1991, cap. VI). A

afirmação do industrial não se insere, entretanto, num quadro de rejeição da intervenção

estatal na economia. Pelo contrário, se afirma a inexistência da uma política industrial é

para reivindicar uma.

Para o desenvolvimento da indústria, Simonsen vê a ação estatal não só desejável

como imprescindível. Analisando as estatísticas industriais do ano de 1938, Simonsen

constatava “a ausência de indústrias pesadas e básicas na constituição de nosso aparelho

econômico” (Idem). Para suprir essa carência, vital para a evolução industrial seria

necessária a “adoção de uma política econômica governamental definida e segura, dentro

da qual estejam claramente delineadas as normas da política industrial.” (Idem, p. 30.)

Quando da reivindicação de Simonsen, essa política industrial já estava sendo

desenhada. A partir de uma abordagem neoinstitucionalista, Fonseca tem destacado a

intencionalidade da política industrializante do governo Vargas durante a década de 1930

(2003). Embora a Aliança Liberal não tivesse um projeto industrializante, fato destacado

por Dean (1991, cap. X), ao longo da década de 1930 este projeto foi sendo construído, em

parte como resultado da pressão dos próprios industriais. Se ao invés de fixar unicamente o

olhar sobre as políticas instrumentais de combate a crise – políticas monetárias, cambial e

fiscal – a atenção recair também sobre as instituições criadas pelo governo Vargas, será

possível perceber como esse projeto ganha corpo no interior do Estado.

A formação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, antecipava,

de certo modo esse projeto, na medida em que criava um espaço no qual ele se

desenvolveria posteriormente. Mas é de se destacar, também, a criação do Instituto do


81

Açúcar e do Álcool e do Departamento Nacional do Trabalho, em 1933; do Conselho

Federal do Comércio Exterior, do Plano Geral de Viação Nacional e da Comissão de

Similares, em 1934; e do Conselho Técnico de Economia e Finanças, em 1937 (Fonseca,

2003, p. 144).

É a partir desses órgãos estatais ou para-estatais que as entidades representativas do

empresariado industrial penetraram o aparelho do Estado. Em várias situações, o governo

recorrerá a um empresariado desejoso de mostrar seus serviços, para mapear as

necessidades da indústria, como, por exemplo, no inquérito realizado em fins de 1936,

encaminhado como “Resposta da Federação das Indústrias de São Paulo ao inquérito

promovido pelo Sr. Presidente da República” (Carone, 1977, p. 332-340). No texto,

redigido por Roberto Simonsen,46 os industriais distanciando-se dos pressupostos liberais

afirmam o necessário protagonismo estatal no processo de industrialização:

“preliminarmente, convém acentuar que póde ser de relevantes

effeitos a actuação governamental na evolução industrial do Paiz. Basta

lembrar, como comprovante dessa asserção que todas as grandes nações, que

detêm a supremacia industrial no mundo, conseguiram uma tal posição por

medidas iniciaes de emulação e protecção, oriundas de políticas econômicas

bem definidas.” (Idem, p. 332.)

Ao mesmo tempo, o argumento procurava inscrever o projeto hegemônico da

burguesia industrial no coração do Estado, denunciando os interesses das indústrias

estrangeiras, que visavam conquistar os mercados nacionais, e os elementos da lavoura,

“que exploram productos de exportação e que têm os olhos fitos exclusivamente nas
82

cotações das bolsas estrangeiras”. Os industriais recusavam o falso antagonismo entre

indústria e lavoura ao mesmo tempo que afirmavam o papel dirigente da primeira: “Os

verdadeiros interesses da expansão industrial não collidem, portanto, com os da lavoura e

coincidem com os mais vitaes interesses da nacionalidade” (Idem, 1977, p. 333).

Os empresários da indústria também aproveitavam para manifestar suas

reivindicações e advogar uma política protecionista mais eficiente, que visasse a defesa do

país, o fortalecimento de sua economia e a conquista de mercados externos:

“1º, a segurança na estabilidade das tarifas aduaneiras; 2º, isenção de

tarifas para a importação das matérias-primas que não produzimos; 3º, a

defesa contra os dumpings, principalmente oriundos das oscilações do

câmbio e um serviço de estatística tão perfeito quanto possível; 4º uma lei de

‘drawback’, com facilidades e elasticidade ainda não existentes na que foi

ultimamente promulgada.” (Idem, p. 335.)47

O parecer se insere no complexo jogo de forças que se estabelecia, na definição de

um projeto industrializante, entre as diversas frações da burguesia e o Estado. Longe de ser

o resultado da ação de um Estado-demiurgo, externo às classes sociais, a política de

proteção à indústria nacional constitutiva desse projeto é determinada pela ação das classes,

das frações e de sua instituições, bem como pelo lugar ocupado nesse processo pelos

intelectuais, dentre os quais merece destaque Roberto Simonsen. Se o governo parece

46
O texto também pode ser encontrado em Simonsen (1978).
47
Drawback é o mecanismo que permite a devolução de impostos de importação aos industriais que
produzem para o mercado externo. Para a discussão das reivindicações protecionistas dos industriais
brasileiros nas décadas de 1930 e 1940 ver Leopoldi (2000).
83

oscilar nos primeiros momentos de constituição desse projeto é porque a própria conjuntura

no qual essas relações de forças se atualizam é mutante.

O aprofundamento, por meio da Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937,

de uma estrutura corporativa que culminava em um Conselho da Economia Nacional

(CEN) reunindo representantes sindicatos por federações e confederações reconhecidas por

lei, representou, para o empresariado, a possibilidade de participar diretamente da

formulação desse projeto. A nova Constituição definia que a associação profissional ou

sindical era livre. Mas apenas os sindicatos regularmente reconhecidos pelo Estado teriam

“o direito de representação legal dos que participarem da categoria

de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o

Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de

trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes

contribuições e exercer em relação a eles funções delegadas de Poder

Público.” (Art. 138º.)

A “representação legal” adquiria grande importância dada a estrutura corporativa de

organização da produção prevista na Constituição de 1937. Segundo o Art. 140º, do texto

constitucional, a “economia da população será organizada em corporações, e estas, como

entidades representativas das forças do trabalho nacional, colocadas sob a assistência e a

proteção do Estado, são órgãos destes e exercem funções delegadas de Poder Público.” A

reunião de todas as corporações ocorreria no Conselho da Economia Nacional (CEN),


84

órgão de caráter consultivo e normativo com um vasto leque de atribuições na econômica.48

A representação no Conselho caberia apenas às “associações profissionais ou sindicatos

reconhecidos em lei”, que indicariam pessoas “qualificadas pela sua competência” (Art.

57º).

Reproduzia-se, assim, a mesma situação de 1933 e 1934: a participação só seria

permitida àquelas organizações patronais reconhecidas pelo Estado, ou seja, que tivessem

um “status público de representação de interesses” (Offe, 1987). Adquirir tal status e

mantê-lo, era, portanto, vital para a participação política. Os poderes legislativos atribuídos

ao CEN pela Carta estadonovista abriam, assim, aos sindicatos, federações e confederações

patronais um canal de participação ativa do processo decisório.49 O canal estava aberto de

maneira seletiva, excluindo em grande medida a participação dos trabalhadores. A redação

da carta, ao definir a composição do Conselho e determinar a necessidade do

reconhecimento legal beneficiava a representação patronal em detrimento da representação

dos trabalhadores sem a mesma capacidade organizativa (Costa, 1991, p. 124).

48
“São atribuições do Conselho da Economia Nacional: a) promover a organização corporativa da economia
nacional; b) estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações, sindicatos ou institutos; c)
editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da
produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias; d) emitir parecer sobre todos os
projetos, de iniciativa do Governo ou de qualquer das Câmaras, que interessem diretamente à produção
nacional; e) organizar, por iniciativa própria ou proposta do Governo, inquérito sobre as condições do
trabalho, da agricultura, da indústria, do comércio, dos transportes e do crédito, com o fim de incrementar,
coordenar e aperfeiçoar a produção nacional; f) preparar as bases para a fundação de institutos de pesquisas
que, atendendo à diversidade das condições econômicas, geográficas e sociais do País, tenham por objeto: I -
racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria; II - estudar os problemas do crédito,
da distribuição e da venda, e os relativos à organização do trabalho; g) emitir parecer sobre todas as questões
relativas à organização e reconhecimento de sindicatos ou associações profissionais; h) propor ao Governo a
criação de corporação de categoria” (Art. 61).
49
Dizia o texto constitucional: “A todo tempo podem ser conferidos ao Conselho da Economia Nacional,
mediante plebiscito a regular-se em lei, poderes de legislação sobre algumas ou todas as matérias da sua
competência.” (Art. 63.). “Todos os projetos de lei que interessem à economia nacional em qualquer dos seus
ramos, antes de sujeitos à deliberação do Parlamento, serão remetidos à consulta do Conselho da Economia
Nacional.” (Art. 65.)
85

Memorial da Fiesp assinado por Roberto Simonsen e encaminhado ao presidente

Getúlio Vargas registrou a satisfação dos industrias com a nova Carta:

“A Constituição de 10 de Novembro de 1937, que veio remodelar,

inteiramente, a organização política do país, introduziu, entre outras felizes

inovações, a colaboração direta das classes produtoras na obra

administrativa. Veio, assim, realizar um velho ideal dessas classes e permitiu

mais íntimas relações entre elas e o Poder Público. Daí a gratidão que votam

ao grande Presidente, que soube compreender o papel que representam na

economia nacional e os seus propósitos conservadores da ordem e da

estabilidade do Govêrno.” (Fiesp, 1940a, p. 85.)

A partir do Estado Novo foi intensificada a formação de órgãos estatais de fomento

a vários setores da economia e, particularmente da indústria. Já foi visto que a Constituição

de 1937 previa a constituição de um Conselho de Economia Nacional (CEN), em moldes

corporativos. O CEN nunca foi instalado, mas em 1938 o Conselho Federal de Comércio

Exterior foi reformulado e passou a assumir funções de coordenação e fomento da

produção nacional (Diniz, 1978). Além dessa reformulação cabe destacar a criação do

Conselho Nacional do Petróleo e do Instituto Nacional de Geografia e Estatística, em 1938;

o Plano de Obras Públicas e Aparelhamento de Defesa e o Conselho de Águas e Energia,

em 1939; a Comissão de Defesa Nacional, o Instituto Nacional do Sal, a Fábrica Nacional

de Motores e a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, de 1940.50

50
Ver uma lista abrangente dos órgãos, conselhos e institutos criados pelo primeiro governo Vargas em
Fonseca, 2003, p. 144.
86

Os sucessos políticos também se transformavam em sucessos organizativos. Em

1939, Simonsen, orgulhoso, declarava: “A Federação civil ascendeu ao elevado número de

1.350 emprêsas associadas. A Federação sindical, que funciona na mesma sede,

independente, mas paralelamente à Federação civil, conta com 85 sindicatos patronais da

indústria com 3.032 firmas associadas, constituindo, hoje, a maior organização patronal

sindicalizada do país.” (Fiesp, 1939a, p. 4). Mas as entidades empresariais ainda estavam

longe de serem consolidadas. Um embate decisivo ainda estava por vir, como será visto no

capítulo seguinte.
87

5. Construindo a identidade por meio de instituições

Como visto, ocorreu a partir de meados da década de 1930, uma aproximação dos

industriais em relação ao governo de Getúlio Vargas. Tal aproximação não implicava,

entretanto, na inexistência de choques. As pressões por uma estrutura sindical

corporativista, aglutinando as entidades de classe por ramos de atividade e não por regiões

eram fortes e tinham sua origem no poderoso Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

O Projeto de Lei Orgânica da Sindicalização Profissional, apresentado pelo consultor

jurídico do Ministério do Trabalho, Oliveira Vianna, em novembro de 1938, tinha como

objetivo adaptar a estrutura sindical brasileira à nova forma estatal (Vianna, s/d, p. 225-

228). A proposta de Vianna enfatizava uma organização sindical vertical baseada nos

princípios de identidade, conexidade ou similaridade das atividades, o que implicava na

sindicalização por ramos de produção.

A reação do empresariado à proposta foi imediata e um intenso debate teve lugar

entre Vianna e os representantes dos empresários, com Roberto Simonsen, da Fiesp e

Euvaldo Lodi, da Confederação Nacional da Indústria, à frente. A tática empresarial

procurou isolar o ataque em Vianna e seus colegas de Ministério, ao mesmo tempo em que

cortejava o ministro do Trabalho, Indústria e Comércio, Waldemar Falcão, e o próprio

Vargas.

Euvaldo Lodi expressava essa opção tática em artigo publicado no Jornal do

Commercio do Rio de Janeiro, em 19 de maio de 1940: “A controvérsia está lançada entre

as fôrças produtoras do país e funcionários do Ministério do Trabalho, Indústria e


88

Comércio.” (Fiesp, 1940, p. 174) Segundo Lodi, Vianna não estaria capacitado a legislar

sobre a questão devido a seu desconhecimento da questão industrial:

“A reforma tem como principal inspirador o ilustre diretor do

Departamento Nacional do Trabalho, estudioso de ciências sociais, homem

culto, antigo Chefe da Segurança Social no Distrito Federal, cargo em que

prestou relevantes serviços, mas que, infelizmente, nunca teve contacto

direto com as atividades produtivas do país” (Idem).

Por meio de artigos na imprensa, de reuniões com ministros e do parecer de juristas,

o empresariado lançou uma importante campanha procurando alterar o conteúdo do

Decreto. Quatro eram os pontos que opunham os empresários ao projeto de Vianna: 1º) a

exigência de associação de um terço da base para a constituição dos sindicatos (Art. 5º); 2º)

o veto à reeleição dos dirigentes sindicais ; 3º) a situação jurídica das associações civis

(Art. 48º); e 4º) a constituição das associações de segundo grau (federações) (Art. 24º)

(Vianna, s/d, p. 58 e p. 253-266).

Os dois primeiros pontos referiam-se à representatividade das associações e

despertavam a oposição dos industriais devido a sua ainda incipiente capacidade de

organização. Temiam estes que tais barreiras à associação impedissem a construção de

novos sindicatos e dificultassem a sobrevivência dos já existentes, no caso do veto à

reeleição.

Mas os temas mais discutidos e os que despertaram maior oposição estavam no

terceiro e quarto pontos. Para Vianna, a nova estrutura corporativa e a constituição do

Conselho de Economia Nacional implicavam que as entidades sindicais deveriam ter

funções não apenas de coordenação (representação), previstas pelo decreto 19.770 de 1931,
89

como também funções de regulamentação, ou seja, “poderes de legislação social

(convenções coletivas com fôrça obrigatória sôbre a categoria tôda) ou de legislação

econômica (organização corporativa da produção), que lhes são concedidos pela nova

constituição [de 1937]” (Vianna, s/d, p. 81). Na exposição de motivos do Decreto, Oliveira

Vianna e os demais membros da comissão encarregada da redação do texto, argumentavam

a necessidade de adaptar os sindicatos a suas novas funções:

“Nesse sentido, e com o pensamento de preparar a organização das

classes produtoras para a futura organização corporativa, é que a Comissão

achou que devia introduzir no projeto de reforma da nossa legislação

sindical uma preocupação maior de disciplina e estruturação, bem como

uma obrigação mais acentuada de serviço e colaboração.” (Vianna, s.d., p.

207.)

Para tal, uma série de preceitos legais eram criados para “preservar a vida interna

dos sindicatos da contaminação dos maus elementos sociais”, bem como era instituído “um

controle mais estreito do Estado no tocante à constituição dos sindicatos, de modo a torná-

los entidades realmente representativas da profissão” (Idem, p. 208). Daí a inscrição

obrigatória das associações profissionais no Registro Especial do Ministério do Trabalho.

Queriam os industriais preservar suas associações civis inscritas apenas no Registro Civil

das Pessoas Jurídicas, ou seja, que continuassem a ser regidas pelo direito privado.

O Registro Especial era um claro mecanismo de controle sobre os sindicatos,como

percebido pelos industriais: “Do ponto de vista patronal, têm-se a impressão de que o

estatuto foi elaborado com o espírito de um sevéro contróle sobre as massas trabalhadoras”

(Fiesp, 1940, p. 37). Mas não era contra esse controle sobre as “massas trabalhadoras” que
90

os industriais se pronunciavam e sim, a favor de um estatuto próprio para as associações

patronais:

“Pleiteavam as classes conservadoras a manutenção de órgãos que

possam falar ao govêrno nacional ou aos govêrnos estaduais, em nome de

todo ramo de produção que representam. Em uma palavra: uma Federação

Sindical em cada estado, correspondendo a cada uma das Confederações da

Capital do país, como alias, se pratica na França e até na própria Itália.”

(Fiesp, 1940a, p. 41.)

Argumentavam os empresários que as organizações sindicais tinham por objetivo a

defesa de interesses individuais de seus associados ou dos interesses “de determinada

categoria profissional dentro de um ramo de produção.” As associações civis, por sua vez,

tinham por objetivos a defesa de interesses mais abrangentes. “As associações civis, como

as acima citadas, ao contrário, têm por finalidade precípua a defesa de interesses coletivos

de vários ramos da produção e, muitas vezes, a defesa do bem público municipal, estadual

ou nacional. Não estão, não podem estar subordinadas às regras estabelecidas por lei

especial para associações sindicais, como no caso do decreto lei 1402, de 5 de julho de

1939.” (Fiesp, 1940, p. 10.)

A questão adquire maior inteligibilidade se discutida em conjunto com a que a

sucede, a constituição das federações como associações de segundo grau (associação de

associações). Destacando as novas funções atribuídas pelo Estado às associações patronais,

Vianna argumentava que estas deveriam se constituir baseadas nos princípios de identidade,

conexidade ou de similaridade das atividades. O assessor jurídico do Ministério do


91

Trabalho, Indústria e Comércio, argumentou fortemente contra a “federação heterogênea”

organizada por região, ou “federação-ônibus”, como gostava de chamá-las:

“Não há, porém, no regime sindical e corporativo da Constituição de

1937, como admitir o sindicato heterogêneo ou a Federação heterogênea,

tipo ‘Lojas Americanas’, onde se encontra de tudo – das baterias de cozinha

aos cosméticos e rouges das damas. Êste tipo de associação sindical é uma

forma anacrônica de solidariedade profissional, que veio do liberalismo da

Constituição de 1891 e pôde subsistir no clima da Constituição de 1934, mas

que não tem possibilidades de aclimatação, nem de sobrevivência, no clima

de solidarismo, corporativismo e nacionalismo da Constituição de 1937.”

(Idem, p. 262.)

Para os sindicatos (associações de primeira ordem), que se organizavam por ramo

de atividade, a classificação das categorias de acordo com os critérios apresentados por

Vianna se tornava um problema na medida em que fragmentava sindicatos já existentes,

como o da indústria têxtil. Para as federações (associações de segunda ordem), que se

organizavam reunindo todas as indústrias de um estado ou região, a nova legislação

representava seu fim. Por último, para a Confederação Nacional da Indústria (associação de

terceira ordem), a fragmentação dos sindicatos e das federações significava sua

transformação em uma entidade que reuniria, de acordo com os empresários, mais de 300

federações, o que era considerado totalmente inviável do ponto de vista organizativo.51

A reação dos empresários foi unitária, abarcando além dos industriais, a Associação

Comercial de São Paulo, o Instituto de Engenharia, a Bolsa de Mercadorias, a Federação do


92

Comércio de São Paulo e a Associação Comercial do Rio de Janeiro.52 Mas foram os

primeiros, por meio da Fiesp e da CNI, que assumiram a liderança do movimento. Para os

industriais paulistas o problema residia em que a combinação do Artigo 24º com o 48º

impedia a oficialização das federações estaduais das indústrias. No caso de São Paulo, o

Art. 24º abalava as bases da FIP, enquanto o 48º esvaziava a Fiesp. O alvo de Vianna era

explícito. Rejeitando a proposta patronal de emenda que visava retirar do âmbito da lei as

associações civis, o assessor jurídico argumentava

“Esta emenda também não pode ser aceita. Se visa excluir as

associações profissionais, de tipo heterogêneo (que na emenda aparecem

como ‘associações civis’, tais como a Federação das Indústrias do Estado

de São Paulo ou a Associação Comercial), da obrigação de registro no

Ministério, parece-me desnecessária; pois, como já demonstrei num parecer,

estas associações, não estando constituídas de acordo com os critérios de

aglutinação admitidos pela lei (similaridade; identidade; conexidade), não

estão obrigadas ao registro. Nem mesmo deviam ser admitidas nele, não só

para os efeitos da aquisição da personalidade jurídica, como para os efeitos

das faculdades concedidas às associações profissionais não sindicalizadas

pelo parágrafo único do art. 3º do dec. 1.402.” (Idem, p. 264.)

Os industriais, não tinham dúvidas das intenções de Oliveira Vianna,

“A lei nº 1.402 restringiu a ação das associações civis de classe no

Brasil, e já havia dado origem a diversas representações e protestos. O plano

51
Ver a esse respeito as várias declarações empresariais em Fiesp (1939 e 1940a).
52
Para a participação da Associação Comercial no debate sobre a legislação sindical ver Costa (1988, 47-78).
93

geral da reforma da lei sindical e sua regulamentação, orientados pelo Sr.

Diretor do Departamento Nacional do Trabalho, visou o desaparecimento

das associações civis de classe e a eliminação das federações regionais de

indústria, de comércio e de engenharia, que passariam a ser

extraordinariamente sub-divididas, só podendo cuidar de assuntos

meramente profissionais” (Fiesp, 1939a, p. 12).

A campanha levada a cabo pelos industriais foi intensa. Estes, entretanto, não se

manifestaram na ocasião contrariamente a proposta corporativa. Nos textos dos juristas –

intelectuais orgânicos dos industriais – mobilizados pela Fiesp para emitirem parecer sobre

a questão, aparece a acusação de que Vianna não teria sido um intérprete fiel do

corporativismo. Reivindicando a opinião de Mihaïl Manoïlesco e, até mesmo, de

importantes juristas do fascismo, destacavam uma distinção importante entre os sindicatos e

as associações civis, acima mencionadas.

Na versão dos industriais, o corporativismo, era um modo de organização social que

permitiria a cooperação social baseada nos interesses e funções sociais dos indivíduos.

Como organismo social, o Estado era a síntese dos múltiplos corpos sociais, derivado, e não

constitutivo, destes. A função estatal seria a de vigilância e arbitragem entre esses corpos,

evitando o conflito e possibilitando o equilíbrio de interesses divergentes. A autonomia das

corporações, fundamental nessa concepção, seria decorrente da liberdade de associação

(Fiesp, 1940, p. 133 a 143).

Percival de Oliveira, assim se manifestou durante visita do ministro João Alberto à

comissão de Defesa da Economia Nacional, argumentando em defesa dessa autonomia:


94

“Toda a lei tem por princípio o bem público, o bem da coletividade.

Essa lei, porém, desfavoreceu a coletividade de determinada classe, e é a ela

justamente que se quer favorecer. No artigo primeiro diz que as classes

produtoras passarão a se reunir em sindicatos, tendo por objetivos estudar e

defender seus interesses. Viu-se, portanto, enquadrado no seu artigo

primeiro o ponto de vista de defesa das classes produtoras. Esta defesa só

póde ser feliz se for de acordo com os modos e os meios que essa classes

entendem serem mais eficientes.” (Fiesp, 1939a, p. 159).

Mas é da associação dos industriais que os empresários estão falando. Somente esta

teria sua legitimidade decorrente do lugar na produção ocupado por seus membros. O lugar

reivindicado para a indústria nacional por esses empresários tem como contrapartida um

lugar especial para os próprios industriais e para suas entidades representativas. Na mesma

ocasião, em que Percival de Oliveira fez sua defesa da autonomia, Octávio Pupo Nogueira,

expressava assim o lugar que os industriais reservavam à suas entidade:

“Em São Paulo formou-se uma entidade, que é a Federação das

Indústrias e que chamaria de Ministério do Trabalho [Indústria e Comércio,

segundo a denominação da época – Nota minha] Paulista. Trata-se de um

orgam de colaboração íntima, continua com os governos do Estado e da

República, pois a Federação tem trabalhado intensamente com todos os

problemas de ordem econômica, financeira e social.” (Fiesp. 1939a, p. 162.)

As “classes produtoras”, como gostavam de se denominar, sendo as únicas que por

meio da sua atividade poderiam produzir a riqueza de todos, seriam também as únicas que

poderiam, legitimamente, se organizar livremente. Encarando-o como uma oportunidade


95

para controlar o movimento sindical dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, garantir o

acesso privilegiado às esferas de decisão, os industriais enalteciam o modelo corporativista,

ao mesmo tempo em que eram apresentadas propostas de reformulação à legislação

sindical. Era “crítica construtiva, procurando cooperar com o poder público, para a solução

dos problemas nacionais”, nas palavras dos líderes da Fiesp (1940a, p. 38).

A versão oficial da história do Ciesp (Caldeira, 1998) que apresentou os industriais

como firmes opositores de uma legislação sindical autoritária e do Estado Novo está,

portanto, muito longe dos fatos. A defesa das federações regionais e das associações civis

foi feita no espírito da Constituição de 1937. Ainda em dezembro de 1940, argumentava

Roberto Simonsen em discurso proferido na Fiesp, por ocasião da visita do Ministro do

Trabalho Waldemar Falcão:

“A regulamentação projetada, dificultando entendimentos, que

diariamente se processam em todas as zonas do Brasil, entre os vários

sindicatos de diferentes categorias, mas que pertencem a atividades afins em

benefício da produção, cria medidas restritivas, burocratiza em demasia a

solução dos problemas fundamentais de lugares diferentes e não se adapta à

própria estrutura política revista pela nova constituição.” (Simonsen, 1973,

p. 152.)

A legislação resultante foi o resultado do conflito entre a burocracia do Ministério

do Trabalho, Indústria e Comércio e um empresariado que, desta vez, agiu de maneira

coordenada e unificada. Um série de decretos corrigiram a nova legislação. Atendendo às

demandas empresariais, o caput do Decreto-Lei 2.363, de 3 de julho de 1940, afirmava não

ser incompatível com o regime sindical corporativo “a existência, como órgãos consultivos
96

do Estado, de associações civis” (grifos meus). A nova legislação facultava ao presidente

da República a concessão da prerrogativa de colaborar “com o Estado, como órgãos

técnicos e consultivos no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a

profissão” (Decreto 1.402/1939, Art. 3º, al. e), às associações civis sem inscrição no

Registro Especial do Ministério do Trabalho.

Poucos dias após, o Decreto-lei 2.377, de 8 de julho de 1940 regulamentava a

contribuição sindical, denominando-a Imposto Sindical53 e o Decreto-Lei 2.381, de 9 de

julho de 1940, aprovava o novo quadro de atividades e profissões, formulado de acordo

com as exigências patronais de modo a evitar a fragmentação dos sindicatos de

empregadores. Na exposição de motivos do novo decreto, o ministro do Trabalho

Waldemar Falcão, reconhecia assim a influência patronal:

“Sobremaneira preciosa foi, por igual, a colaboração trazida em data

posterior pelas associações de classe, notadamente do Estado de São Paulo.

Assim é que foram adotadas as sugestões apresentadas pela Federação das

Indústrias de S. Paulo, por intermédio do Presidente da Confederação

Nacional da Indústria, e apoiadas, por outras prestigiosas associações

profissionais de empregadores, no tocante à nomenclatura e individualização

de várias categorias econômicas, principalmente, no plano da Confederação

Nacional da Indústria. (...) Essas emendas permitiram um melhor

reajustamento das categorias profissionais de empregadores ao mesmo

53
“O imposto sindical é devido, por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica
ou profissional, em favor da associação profissional legalmente reconhecida como sindicato representativo da
mesma categoria” (Art. 2º). A contribuição sindical era prevista nas alíneas a do Art. 38 e f do Art. 3º do
Decreto-lei 1.402/1939.
97

tempo que definiram melhor várias das atividades produtivas, razão porque

este Ministério as acolheu com satisfação.” (Apud Fiesp, 1940a, p. 18.)

Mas importante ainda foi a permissão, prevista no mesmo Decreto 2.381/1940, para

a constituição de “federações compostas de sindicatos de vários grupos”, que poderiam ser

reconhecidas pelo presidente da República “quando julgar conveniente aos interesses da

organização corporativa” (Art. 4º, § único). Vianna, que considerava esse o ponto central da

reforma, reconheceu sua derrota: “Fui vencido neste ponto; não convencido.” (Vianna, s.d.,

p. 68.)54 Os industriais interpretaram essas mudanças na legislação como uma significativa

vitória. O Relatório dos trabalhos realizados em 1940, publicado pela Fiesp, comemorou:

“E hoje, podemos constatar com satisfação, que a maioria de nossas sugestões foram,

aceitas pelo Ministério do Trabalho e incluídas no texto legal.” (Fiesp, 1940a, p. 38.)

Os empresários prontamente se adaptaram à nova legislação, tomando as

providências legais para tal. Em Assembléia Extraordinária realizada no dia 3 de janeiro de

1941, os industriais paulistas aprovaram os novos estatutos da Fiesp, “sociedade civil de

intuitos não lucrativos e duração ilimitada” criada com o objetivo de “congregar em seu

quadro social as firmas e empresas que exploram qualquer atividade da indústria ou

serviços de interesse coletivo” (Fiesp, 1940a, p. 234 e 235. Grifos meus). Imediatamente

após a modificação dos estatutos, era requerido, em memorial dirigido ao presidente da

República, o reconhecimento da Fiesp:

54
Segundo Vianna, “Este item constituiu o clímax dos debates e importou uma longa controvérsia que se
estendeu por muitos meses. Neste ponto, os elementos do grupo paulista, apoiados pelos elementos mais
prestigiosos da grande indústria do país, representados pela Confederação Nacional da Indústria, do Rio,
desenvolveram uma ação intensa e poderosa – e ganharam a partida. Quebraram uma das linhas principais do
sistema que eu havia planejado e que se objetivara na primeira redação do decreto 1.402, de 1939. O dec.
2.381, de 1940, no parágrafo único do seu art. 5º (art. 573, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho) lhe
consagrou a doutrina, embora sob uma redação diferente da que haviam proposto.” (Vianna, s.d., p. 68.)
98

“Assim, havendo lealmente e em síntese, exposto a Vossa Excelência

o nobre programa que se traçou e que tem procurado realizar, com uma fôlha

de serviços que a tem recomendado ao apreço e ao respeito do país,

abalança-se a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo a maior

associação civil e patronal que, no país, se dedica à defesa dos interesses da

nossa indústria e outras atividades com ela relacionados, a respeitosamente,

solicitar de Vossa Excelência a sua admissão como órgão técnico-consultivo

do Governo nos assuntos concernentes às suas atividades e objetivos, nos

termos do Decreto-lei nº 2.363, de 3 de julho de 1940.” (Fiesp, 1940a, p.

95.)

A vitória dos industriais paulistas foi sacramentada com o Decreto 7.551 de 17 de

julho de 1941, que concedia, à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo a

prerrogativa de colaborar com o governo “como órgão técnico e consultivo, no estudo e

solução de problemas, que se relacionem com os interesses econômicos e profissionais, por

ela defendidos e coordenados” (Art. 1º). Tendo o reconhecimento estatal, a Fiesp retomou a

seguir seu antigo nome de Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, assumindo a

Federação das Indústrias Paulistas (FIP), órgão sindical de segundo grau, a denominação de

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada por meio do Decreto-lei

5.452, de 1º de maio de 1943, não trouxe grandes modificações na legislação sindical

previamente aprovada, firmando, assim, a vitória patronal. Seus traços mais gerais foram

definidos naqueles embates dos anos que transcorreram entre 1930 a 1941. Fundava-se,

desse modo, com o beneplácito do Estado, um complexo associativo no qual uma


99

organização sindical de segunda ordem partilhava a representação dos industriais com uma

associação civil de primeira ordem, na mesma base territorial.

Diniz e Boschi têm, em vários estudos, ressaltado a difusão de um “padrão de

representação dual” no qual associações civis setoriais convivem com a estrutura sindical

corporativa oficial (Ver, por exemplo, Diniz e Boschi, 1978 e 2000). Em seu trabalho, esses

autores têm em mente a emergência de associações civis setoriais a partir do início dos anos

1950 e a coexistência destas com os sindicatos e federações patronais. Para Diniz e Boschi,

os processos de diversificação e especialização crescentes dos órgãos de representação

empresarial constituiriam a força e a fraqueza dessas entidades. Por um lado, viabilizariam

a utilização por parte do empresariado de mecanismos de negociação setoriais. Por outro,

dificultariam a unidade e a coesão de classe e esvaziariam as organizações representativas

deste (1978, p. 172).

De certa maneira, a criação do complexo Fiesp-Ciesp, no final dos anos 1930 e no

início da década de 1940, antecipa muitos dos problemas levantados por Diniz e Boschi

para o período subseqüente. Mas embora a noção de um “padrão de representação dual”

tenha o mérito de alertar para os problemas da representação empresarial, ela é insuficiente

para os propósitos deste trabalho na medida em que oculta as demais dimensões existentes

dessa representação, bem como os processos de integração vertical e horizontal entre essas

dimensões. Por essa razão, neste trabalho será utilizada a noção de complexo associativo.

Um complexo associativo é uma articulação horizontal e/ou vertical, por meio de processos
100

de diferenciação e/ou integração, de uma pluralidade de unidades associativas que exercem

de fato ou de direito as funções de organização e representação do empresariado.55

O estudo de complexos associativos empresariais deve ir além da simples

constatação e analisar os arranjos institucionais que viabilizam ou dificultam o

funcionamento adequado dessas estruturas. Tais arranjos não são o resultado de

propriedades inerentes as associações empresariais. Eles são historicamente constituídos;

determinados pela direção que os conflitos entre as classes sociais e no interior delas

imprimem ao curso histórico.

As instituições, como campo e resultado desse conflito inscrevem-se, portanto,

nessa luta. Já foi visto até aqui, como os conflitos do empresariado industrial com o Estado,

com as classes subalternas e com as demais frações da burguesia, foram moldando sua

forma associativa. Cabe agora, prestar um pouco mais de atenção às dimensões

propriamente organizacionais dessa estrutura. Duas são as dimensões que precisam ser

destacadas: as estruturas intra-organizacionais da Fiesp e do Ciesp e as estruturas

interorganizacionais que conformam, por um lado as relações entre a Fiesp e o Ciesp e, por

outro, um complexo associativo do qual fazem parte além dessas entidades, os sindicatos

industriais (associações de primeira ordem), a Confederação Nacional da Indústria

(associação de terceira ordem) e as demais associações civis empresariais setoriais ou

intersetoriais.56

Internamente, as unidades que compõem um complexo associativo articulam

processos de diferenciação horizontal, responsáveis pela distribuição de tarefas em seu

55
Schmitter e Streeck (1999) utilizam a expressão sistema associativo. Mas ela tem o inconveniente carregar
a forte conotação harmonicista que lhe foi atribuída pela moderna teoria dos sistemas.
101

interior, e de integração hierárquica, por meio dos quais ocorre a distribuição de

autoridade.57 A diversidade dos capitais representados e seu fracionamento torna a

diferenciação horizontal essencial para a garantia da unidade associativa, na medida em que

permite uma especialização seletiva da entidade para atender as demandas das diferentes

frações organizadas em seu interior; e, ao mesmo tempo, dá conta da pluralidade de tarefas

de interesse comum do conjunto dos capitalistas privados. A integração hierárquica, por sua

vez, viabiliza a coordenação das diferentes subunidades por meio de uma cadeia de

comando responsável pela centralização da capacidade decisória no interior da associação

(Schmitter e Streeck, 1999, p. 66-68).

Externamente, uma associação se relaciona com outra ou outras em um complexo

associativo na qual os processos de diferenciação e integração também têm lugar. Mas, ao

contrário das estruturas anteriormente citadas, nas estruturas interorganizacionais ambos os

processos podem ocorrer nas dimensões horizontais e verticais. Assim, nos processos de

diferenciação horizontal, a base do complexo associativo é dividida entre diferentes

associações como resultado da especialização delas ou da competição entre elas, enquanto

que nos processos de diferenciação vertical, associações de ordem superior são

responsáveis pela coordenação de unidades associativas de ordem inferior. Por sua vez, os

processos de integração horizontal dizem respeito a relações entre as diferentes unidades

que não são hierarquicamente diferenciadas, enquanto que nos processos de integração

vertical diferentes unidades associativas são afiliadas a ou controladas por uma associação

hierarquicamente superior (Idem, p. 71-77).

56
Para o tratamento dado às estruturas associativas intra-organizacionais e interorganizacionais ver Schmitter
e Streeck (1999).
102

Os problemas de diferenciação e integração intra e interorganizacionais próprios da

constituição de um complexo associativo aparecem na própria constituição do complexo

Fiesp-Ciesp. Desde seu surgimento, a independência e autonomia das entidades foi sempre

contraditória e a divisão de papéis nem sempre clara. Muito embora as entidades fossem

estatutariamente autônomas, encontravam-se integradas horizontalmente por meio de

lideranças eleitas partilhadas – Personalunion.58

No início dos anos 1940, era ao Ciesp que cabiam as funções de construção e

articulação do projeto hegemônico dos industriais paulistas, restando à Fiesp a

representação sindical perante o Ministério do Trabalho e os sindicatos dos trabalhadores.

A diferenciação funcional entre as duas entidades lhes permite partilhar as mesmas

lideranças e, ao mesmo tempo, manter staffs profissionais próprios, especializados nas

funções inerentes a cada uma delas.

A integração horizontal não deixava de ser, entretanto, problemática, como pode ser

constatado nos estatutos da Fiesp (associação civil) de 1941. Ao mesmo tempo que o artigo

1º afirmava ser objetivo da entidade Congregar “firmas e empresas que exploram qualquer

atividade da indústria ou serviços de interesse coletivo”, o parágrafo único do artigo 2º

permitia a filiação de “organizações de interêsse geral, como bancos e casas bancárias,

companhias de seguros e as entidades de classe ou organizações de fins técnicos,

econômicos ou gerais, ligadas à Indústria” (Fiesp, 1940a, p. 236).

As entidades de classe não eram senão os sindicatos representados e integrados

verticalmente pela Federação sindical (associação de segunda ordem). Tais sindicatos eram

57
Certamente essas estruturas organizativas também articulam processos de produção de tarefas e autoridade,
mas propositalmente não serão analisados aqui esses processos.
103

incorporados à própria estrutura administrativa da entidade civil, por meio de um processo

intra-organizacional de diferenciação horizontal que criava, ao lado de sua Diretoria, um

Conselho Consultivo composto pelos “presidentes ou delegados das entidades de classe

filiadas à Federação”, bem como representantes de atividades industriais consideradas

relevantes (Idem, p. 239).

Logo nos primeiros meses de funcionamento o Conselho Consultivo foi incorporado

de vez à diretoria do Ciesp por meio da realização de reuniões mensais conjuntas que

tinham por objetivo superar os impasses criados pela complexidade do sistema.59 O mesmo

arranjo encontrava-se previsto nos estatutos do Centro das Indústrias do Estado de São

Paulo – nova denominação da associação civil –, aprovados em 7 de dezembro de 1942

(Ciesp, 1943, p. 4-5 e 10.)

A constituição do complexo Fiesp-Ciesp não representou, entretanto, um modelo

para o associativismo empresarial. Era uma solução própria de uma fração industrial

regional. A sobreposição das diretorias das entidades não foi, por exemplo, o caminho

adotado pela burguesia comercial, que manteve a autonomia da Associação Comercial de

São Paulo após a criação da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, na década de

1930 (Costa, 1998 e 2003). Resta, agora, analisar mais de perto as formas institucionais

assumidas por esse complexo associativo, o que será feito no próximo capítulo.

58
Ver a respeito da possibilidade de Personalunion em sistemas de associações empresariais, Schmitter e
Streeck, p. 75-76.
59
Diz o Relatório anual de 1940: “Não obstante a existência da Federação das Indústrias Paulistas,
perfeitamente irmanada com a orientação que é imprimida à Federação civil, e se bem que nossos estatutos
sociais criaram o Conselho Consultivo da Federação composto pelos presidentes de Sindicatos Patronais da
Indústria, a experiência levou a diretoria à conclusão da necessidade de um mais íntimo contato, da
administração com o Conselho, motivo pelo qual foi estabelecida, como praxe, a sugestão proposta pelo
diretor sr. Morvan Dias de Figueiredo, para que, mensalmente, uma das reuniões da diretoria fosse realizada
em conjunto com o Conselho Consultivo.” (Fiesp, 1940a, p. 59.)
104
105

6. Engenharia institucional e representação

A análise do processo de constituição do complexo Ciesp-Fiesp mostra que, embora

não houvesse uma integração vertical formal entre o Ciesp e a Fiesp, a relação entre as

entidades não deixava de ser assimétrica e de expressar o papel dominante exercido pelo

Centro no interior do sistema. É apenas a partir da década de 1950 que essa relação se

inverterá e ocorrerá o predomínio da entidade sindical (Fiesp) sobre a associação civil

(Ciesp). Tal predomínio se consolidou, quando as duas diretorias foram fundidas com o

objetivo de participar dos novos órgãos de planejamento econômico criados pelo segundo

governo Vargas e pelo seu sucessor, Juscelino Kubitschek (cf. Caldeira, 1998, p. 19-20).

Não é o objetivo da presente pesquisa analisar atentamente essa inversão, mas vale a

pena destacar que a legislação sindical que culminou na CLT criava condições

institucionais para tal predomínio: 1) centralizando o relacionamento com a classe

trabalhadora nas entidades sindicais do patronato; 2) privilegiando o acesso dessas

entidades sindicais aos órgãos de planejamento e ação econômica; e 3) instituindo o

imposto sindical, que criava para essas entidades uma fonte segura de recursos.

A expansão da ação estatal na economia a partir da década de 1950 e o lugar

reservado nesse processo aos industriais, bem como os crescentes conflitos trabalhistas que

tiveram lugar a partir de então, serviram, desse modo, para ressaltar o papel da Federação

em detrimento do Ciesp. A partir da década de 1960, torna-se nítido o lugar subalterno do

Centro na representação patronal. A reforma estatutária realizada pelo Centro em 1968

adaptará a entidade a essa nova realidade, eliminando das atribuições do Centro a alínea k
106

do estatuto de 1943 – “pleitear a representação das indústrias junto aos órgãos públicos”

(Ciesp, 1943, p. 4).

A vocação da entidade civil era, então, estatutariamente deslocada para a prestação

de serviços às indústrias, enfatizando a organização e oferta aos associados de “serviços e

assistência relacionados com os peculiares interêsses da atividade industrial, notadamente

os de ordem jurídica, fiscal e técnica junto a empresas ou repartições públicas de qualquer

natureza” (Ciesp, 1968, p. 6). Muito embora os estatutos de 1971 atribuíssem à Fiesp a

prerrogativa de “criar serviço de consultoria técnica para os sindicatos”, a generalidade de

tal afirmação e sua limitação às entidades sindicais permitem supor que no processo de

diferenciação horizontal/funcional próprio do complexo associativo do empresariado foi à

entidade civil que coube a prestação de serviços.

Essa nova configuração regulamentada pelas reformas estatutárias de 1968 para o

Ciesp e 1971 para a Fiesp, tornou supérfluo o Conselho Consultivo que aglutinava as

entidades sindicais no interior da associação civil. Os novos estatutos do Ciesp aprovados

em 1968 suprimiram o Conselho (Ciesp, 1968). Era assim anulando legalmente um arranjo

institucional que – senão de jure, de fato – há muito não se fazia mais necessário. Um novo

estatuto do Ciesp, aprovado em abril de 1975 alterou a definição dos possíveis sócios da

entidade retirando o último resquício daquela estrutura original. A nova redação eliminava

a possibilidade de entidades sindicais se filiarem à associação civil:

“Art 2º – O número de sócios é limitado e do quadro social podem

participar as empresas que explorem quaisquer atividades industriais, de

transporte, de pesca, de telecomunicações, bem como as que tenham por

objetivo o exercício de atividade vinculada à economia industrial, como


107

bancos, casas bancárias, companhias de seguro, de difusão e de divulgação.”

(Ciesp, 1975.)

O aperfeiçoamento do complexo associativo patronal havia tornado dispensável a

incorporação dos sindicatos à estrutura do Ciesp. Em compensação, era necessário construir

os mecanismos que mantivessem a unidade desse complexo. Para tal foram combinadas,

além de uma precisa engenharia estatutária, soluções ad hoc que garantiam a unidade das

entidades. Muito embora as entidades sejam completamente independentes de acordo com

seus estatutos (não há neles referências mútuas) estão longe de ser autônomas. Três são os

mecanismos que acionados conjuntamente garantem o funcionamento orgânico do

complexo Fiesp-Ciesp: as eleições sobrepostas, a simetria institucional e as diretorias

partilhadas.

6.1. As eleições sobrepostas

O surgimento de movimentos de contestação no interior do complexo Fiesp-Ciesp

no final dos anos 1970, colocou um problema não previsto pelos estatutos: a presidência

das duas entidades pode pertencer a indivíduos diferentes? A solução implementada para

esta questão na primeira eleição disputada entre duas chapas, em 1980, foi a realização da

eleição da Federação, na qual votam apenas os sindicatos, poucas semanas antes da

realização do pleito do Centro, onde votam todas as indústrias filiadas. Com uma diretoria

eleita na Federação por meio de um colégio eleitoral reduzido, a pressão por uma chapa

única com o mesmo presidente no Centro foi irresistível.


108

Trata-se de uma solução extremamente instável e foi por essa razão que a questão

foi retomada no final dos anos 1980, quando a gestão de Mario Amato, questionada por

movimentos de oposição, dentre os quais merece destaque o Pensamento Nacional das

Bases Empresariais (PNBE), apresentou uma proposta de alteração estatutária que

transformaria a eleição direta no Ciesp em um colégio eleitoral. Nele as empresas teriam

apenas 25% dos votos e os restantes caberiam a eleitores nomeados pelos presidentes dos

sindicatos. A oposição da maioria dos empresários, acabou derrotando a proposta (Bianchi,

2001, p. 74.)

A proposta de Amato visava as eleições de 1992, para a qual não poderia se

candidatar novamente de acordo com os estatutos em vigor (Fiesp, 1986, p. 12). Nessas

eleições, a oposição, articulada inicialmente em um Movimento de Representatividade

Industrial entregou um documento ao presidente da Fiesp solicitando que a eleição do

Centro ocorresse antes do pleito na Federação. O pleito não foi, entretanto, antecipado e

ambas aconteceram concomitantemente, padrão que se manteve desde então. Mesmo assim,

a ameaça de uma divisão entre a associação civil e a federação sindical beneficiou a chapa

da situação e fez com que esta vencesse nas duas eleições (Ver o Capítulo 12).

A sobreposição das eleições permite, portanto, coordenar a troca das diretorias na

Federação e no Centro, impedindo a existência de diretorias diferentes nas entidades. Ao

mesmo tempo, ela funciona como mecanismo de controle da máquina da Fiesp e dos

sindicatos sobre o Ciesp e os votos das empresas.


109

6.2. A simetria institucional

Os segundo mecanismo presente é o das estruturas organizativas simétricas. No

Ciesp, a instância máxima de deliberação é uma assembléia geral. Para a maior parte do

período estudado, três corpos diretivos colocavam-se no nível imediatamente inferior: a

Diretoria Executiva, formada por 37 diretores; a Diretoria Consultiva, integrada por 120

diretores eleitos; e a Diretoria Plenária, composta por cinqüenta diretores das Delegacias do

Ciesp no estado. A gestão cotidiana da entidade cabe, entretanto, à Diretoria Executiva. A

Fiesp, por sua vez, tem como instância superior um Conselho de Representantes, integrado

pelos delegados eleitos e credenciados pelos sindicatos filiados. A instância responsável

pela condução da Federação é a Diretoria Executiva de 28 diretores efetivos e 28 suplentes

(ver Gráfico 2). A reforma estatuária de 1994 na Fiesp e no Ciesp extinguiu a Diretoria

Consultiva do Centro e os cargos de 3º e 4º vice-presidentes, 3ºsecretário e 3º tesoureiro,

mas as mudanças na disposição dos cargos atingiram as duas entidades, mantendo a

simetria (Revista da Indústria, a. IV, n. 11, out-dez 1995, p. 71).

Responsáveis pela gestão das entidades, as diretorias executivas são as que, de fato,

concentram o poder no interior desse complexo associativo. Tanto na Fiesp como no Ciesp,

essas diretorias executivas têm uma simetria institucional e são compostas de presidente,

vice-presidentes, secretários, tesoureiros e diretores, variando apenas o número de vice-

presidentes e de diretores. A estrutura organizativa simétrica (embora não idêntica) das

diretorias executivas de ambas as entidades, permite, que um mesmo empresário ocupe

cargos simultaneamente em ambas. É importante destacar que a simultaneidade não é uma

regra mas uma possibilidade. Na gestão de 1980-1983, por exemplo, verificou-se sua

recorrência, com vários diretores ocupando cargos simétricos na Fiesp e no Ciesp.


110

Gráfico 2 – Simetria Institucional no Complexo Fiesp-Ciesp

Fiesp Ciesp

Conselho de Representantes Assembléia Geral


Delegados eleitos pelos sindicatos fliados

Diretoria Executiva Diretoria Executiva

Presidente Presidente

1º Vice-presidente 1º Secretário 1º Tesoureiro


1º Vice-presidente 1º Tesoureiro 1º Secretário

2º Vice-presidente 2º Secretário 2º Tesoureiro


2º Vice-presidente 2º Tesoureiro 2º Secretário

3º Vice-presidente 3º Secretário 3º Tesoureiro


3º Vice-presidente 3º Tesoureiro 3º Secretário

4º Vice-presidente
4º Vice-presidente

16 vice-presidentes
11 vice-presidentes

10 Diretores
6 Diretores
Diretoria consultiva
28 Suplentes
120 Diretores eleitos
Conselho Fiscal
Diretoria Plenária

3 Conselheiros 50 Diretores Eleitos delegados do interior

3 Suplentes Conselho Fiscal

3 Conselheiros

3 Suplentes

Tem-se assim arranjos intraorganizacionais que permitem uma integração

hierárquica por meio da distribuição vertical de poder no interior das associações. Tais

arranjos, cuja principal propriedade é, neste caso, a simetria institucional, facilitam a

constituição de arranjos inter-organizacionais nos quais entidades diferenciadas

horizontalmente são integradas.


111

6.3. As diretorias partilhadas

A sobreposição dos pleitos e, conseqüentemente das diretorias eleitas, e as

estruturas simétricas viabilizavam um terceiro mecanismo de funcionamento dessa

estrutura interorganizacional: o Personalunion, a unificação das lideranças. Como já foi

dito, a presidência era comum, assim como vários dos cargos – mas não todos – da

Diretoria Executiva da Fiesp e da Diretoria Executiva do Ciesp. Era, entretanto, por meio

dos departamentos partilhados que essa sobreposição de instâncias era viabilizada.

Na Fiesp, os estatutos de 1971 atribuíram ao presidente da entidade a competência

para propor, com a aprovação da diretoria, a criação de comissões permanentes e especiais

“convocando para integrá-las os membros da Diretoria, do Conselho de Representantes, das

Diretorias dos Sindicatos ou dos seus Conselhos Fiscais, ou dos quadros de associados de

Sindicatos filiados, cujo concurso seja reputado necessário.” (Fiesp, 1971, p. 12 e Fiesp,

1986, p. 16.)

A menção aos “associados de Sindicatos filiados” torna virtualmente qualquer

industrial passível de ser nomeado membro de uma dessas comissões, o que permitiria a

cooptação para posições algumas vezes chaves de industriais que não pertençam ao quadro

diretivo da Federação. O mesmo ocorre com os dirigentes dos serviços administrativos

indicados pela presidência (Idem).

Os estatutos do Ciesp, por sua vez, incluíram, já na reforma de 1968 a possibilidade

do presidente designar diretores para colaborarem com a Diretoria Executiva, “na execução

dos serviços dos diversos Departamentos do Centro ora existentes e daqueles criados”

(Ciesp, 1968, p. 14. Versões similares são encontradas nos estatutos posteriores, cf. Ciesp,

1975, p. 9; 1982, p. 10; 1985, p. 10; 1986, p. 10; e 1988, p. 8). Não há, entretanto,
112

referência explícita no estatuto da Fiesp a departamentos especializados, muito embora as

publicações da Fiesp façam menção aos “serviços administrativos e órgãos técnicos do

Centro e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.” (Cf. Fiesp/Ciesp, 1978, p. 181.)

Nascidos no interior do Ciesp, tais órgãos e serviços administrativos eram

partilhados pela Federação constituindo uma rede complexa e polimorfa de diretorias,

conselhos, departamentos, serviços especializados e órgãos técnicos por meio dos quais as

duas diretorias se entrecruzavam. A atribuição de funções específicas, permitiam constituir

ao lado da hierarquia estatutária das instâncias descrita acima, uma hierarquia funcional

bastante flexível na qual departamentos aparentemente nivelados possuíam status

diferenciados (ver Tabela 3).

Dado o grau de especialização de tais departamentos sua administração combinava

uma diretoria nomeada pelo presidente da Fiesp-Ciesp, com um chefe de Departamento,

profissional especializado que, geralmente, não fazia parte do quadro de associados.60

Assim, enquanto os diretores têm reservadas as funções de representação política dos

departamentos especializados, é a um corpo de profissionais que cabe sua gestão

operacional.

Esse arranjo institucional não foi criado, entretanto, de um único golpe. Ele foi se

constituindo ao longo das décadas. Alguns destes órgãos, como a Divisão de Serviços

Administrativos (DSA), o Departamento de Controle Financeiro (Defin) e os serviços de

Publicações (SEP) e Divulgação (SED) foram criados em um processo de racionalização e

burocratização das entidades patronais. Encarregados do funcionamento dessas entidades

60
Sobre a divisão de tarefas entre membros e administradores em associações empresariais ver Coleman,
(1988, p. 33).
113

como aparelhos burocráticos, esses departamentos foram responsáveis por uma maior

profissionalização da máquina administrativa.

Tabela 3 – Serviços Administrativos e Órgãos Técnicos do Ciesp e da

Fiesp (1980)

Serviços Administrativos e Órgãos Técnicos Objetivos


Departamento de Assistência em Repartições Facilitar aos associados o cumprimento de algumas
Públicas (Depar) obrigações legais ou a obtenção de despachos em
documentos públicos.
Departamento de Comércio Exterior (Decex) Incentivar as relações comerciais com o exterior por meio
de estudos e promoções de âmbito internacional; prestar
assistência aos associados em casos de exportação e
importação.
Departamento de Controle Financeiro (Defin) Arrecadação, guarda e controle dos bens das entidades.
Departamento de Cooperação Sindical (Desin) Cooperar com as entidades de representação sindical da
indústria, oferecendo-lhes serviços que tenham por
objetivo garantir o exato cumprimento das exigências
contidas na legislação que rege a vida dos sindicatos.
Departamento de Coordenação dos Serviços Coordenar as atividades associativas dos industriais do
Regionais (Decor) interior.
Departamento de Documentação, Estatística, Coleta, guarda, reprodução e fornecimento de elementos
Cadastro e Informações Industriais (Decad) para a documentação de interesse da indústria.
Departamento de Economia (Decon) Estudos de fatos econômicos, inclusive da legislação a
ser elaborada ou em vigor. Análise econômica e suas
repercussões na economia industrial.
Departamento de Expansão Social (DES) Promover a ampliação do quadro social da entidade.
Departamento Jurídico (Dejur) Estudo dos assuntos de ordem jurídica quando de sua
aplicação (consultoria jurídica).
Assessoria Jurídica Registrar e informar sobre tramitação de projetos de lei
de interesse da indústria, oferecendo estudos a respeito.
Departamento de Produtividade (Deprov) Incentivar a divulgação e o conhecimento de novas
técnicas de produtividade e de organização racional do
trabalho.
Divisão de Serviços Administrativos (DSA) Responsável pelas atividades internas referentes a
pessoal, comunicação, suprimentos e zeladoria.
Serviço de Divulgação (SED) Preparar e encaminhar à imprensa falada e escrita
noticiário de interesse da indústria.
Serviço de Publicações (SEP) Editar livros, revistas, folhetos e proceder aos demais
trabalhos e serviços de ordem técnica e editorial.
Grupo Permanente de Mobilização Industrial Cooperação com as Forças Armadas em assuntos
(GPMI) relacionados com a indústria.
Fonte: Fiesp/Ciesp, 1978, p. 181-183.
114

Outros, como o Departamento de Coordenação Regional (Decor) e o Departamento

de Expansão Social (DES) surgiram como parte de processos de especialização e

diferenciação horizontal das funções de organização da representação empresarial. Há,

também, órgãos como o Departamento de Assistência em Repartições Públicas (Depar), o

Departamento de Comércio Exterior (Decex), o Departamento de Documentação,

Estatística, Cadastro e Informações Industriais (Decad), o Departamento Jurídico (Dejur) e

o Departamento de Economia (Decon) responsáveis pela prestação de serviços técnicos.

Gráfico 3 – Diretorias Partilhadas no Complexo Fiesp-Ciesp (1980)

Fiesp Ciesp

Consleho de Representantes Assembléia Geral

Conselho Fiscal Conselho Fiscal

Diretoria Excutiva Diretoria Consultiva Diretoria Executiva Diretoria Plenária

Presidente

Cosnelho Superior de Orientação Conselho Superior de Economia


Jurídica e Legisltativa

Secretaria Geral Assessoria de Comunicação Social

Secretaria Assistente

Depar Decex SEP

Defin Desin SED

Decor Decad GPMI

Decon Dejur

Des Deprov

DAS
115

Os departamentos partilhados permitiram à entidade não apenas garantir o

funcionamento da estrutura associativa com viabilizaram em diversas oportunidades a

absorção de dissidências. A consolidação da Fiesp como entidade sindical de segunda

ordem limitava a participação ao reduzido número de sindicatos filiados. Por sua vez, o

elevado número de diretores do Centro e sua estrutura de associação de primeira ordem lhe

proporcionaram uma capacidade de assimilar diferenças maior do que aquela apresentada

pela Federação. Assim, muito embora o Ciesp ficasse em segundo plano quando comparado

à importância da Federação como órgão de representação patronal perante o Estado, era

vital na conformação dessa própria capacidade de representar os industriais paulistas.


116
117

Parte III. O NOVO SINDICALISMO PATRONAL

“É sempre a mesma história; um, dois anos depois da crise


surgem as encomendas, volta a esperança, esquece-se tudo; o
industrial acredita, estimula, pressiona, força homens e
coisas, operários e máquinas; o Bonaparte industrial de 1820
reaparece por um momento; depois é o estoque parado, a
asfixia, a venda com prejuízo.”
(Jules Michelet. O povo.)
118
119

7. Quando velhos personagens entram em cena

Embora o surgimento do complexo Fiesp-Ciesp tivesse sido abordado em vários

estudos (Cf. Leopoldi, 2000; Costa, 1996; e Vianna, 1976, dentre outros), sua forma

institucional foi sempre apresentada como o resultado de uma estrutura corporativa de

representação definida pelo Estado. Tal abordagem, para os propósitos deste trabalho era

insuficiente, e por isso procurou-se destacar o próprio modo por meio do qual o

empresariado se constituiu como um ator coletivo.

Nos próximos capítulos será discutido o surgimento de um renovado ativismo do

empresariado brasileiro em meados dos anos 1970 e seu impacto no complexo Fiesp-Ciesp.

Muita atenção tem sido dada à emergência do chamado “novo sindicalismo” dos

trabalhadores a partir do final dos anos 1970. Mas a contrapartida patronal mereceria igual

destaque. Também por estas paragens pode se encontrar um renovado impulso associativo e

uma imprevista atividade política a partir de meados da década de 1970 alterando, em

grande medida os modos tradicionais de organização e ação coletiva empresarial.

Focalizando esses modos tradicionais de representação, os estudos de Eli Diniz e

Renato Boschi (1979 e 2000), indicaram a persistência daquilo que denominaram “padrão

de representação dual”, no qual os sindicatos oficiais se articulavam com um sistema de

associações civis criadas a partir da década de 1950. Analisando os dados recolhidos para o

período, tais autores constatavam que a criação de organizações empresariais estava, de

maneira geral, vinculada à natureza do regime político e às fases de industrialização.

Diniz e Boschi identificavam, assim, um impulso associativo inicial, vinculado às

primeiras fases do processo de industrialização no qual predominavam os sindicatos


120

oficiais, e uma nova onda associativa durante o “milagre econômico”, na qual embora os

sindicatos continuassem a crescer o faziam com ritmos declinantes ao mesmo tempo em

que as associações civis progrediam rapidamente (Diniz e Boschi, 2000, p. 29 a 33).

A recente pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,

(IBGE), mapeando o universo dos sindicatos brasileiros, nos permite acompanhar esse

processo e relativizar algumas das afirmações anteriores. Comparando o período de 1931 a

2001 e agregando os dados decenalmente, a pesquisa constatou que entre 1971 e 2001

foram criados quase 55,6% dos sindicatos atualmente existentes de empregadores.

Agregando os sindicatos por grandes grupos econômicos teremos que na indústria a

proporção para o mesmo período chega a 60,9%; no comércio, 66,2%; nos transportes

marítimos, fluviais e aéreos, 64%; nos transportes terrestres, 78,7%; em comunicações e

publicidade, 76,2%; em empresas de crédito, 60,7%; em estabelecimentos de educação e

cultura, 74,7%; e na agricultura, 40,7% (IBGE, 2002, p. 141. Ver, Tabela 4).61

Muito embora no período 1971-1980 exista uma queda abrupta nos índices de

criação de novos sindicatos, o mesmo não ocorre na indústria que verifica uma tendência

ascendente acelerada a partir de 1971, ao contrário do indicado por Diniz e Boschi. Mesmo

para os grandes grupos econômicos não-industriais, encontraremos taxas ascendentes para

o período 1981-2000, com a exceção dos sindicatos da agrícolas (Ver Tabela 4).

Classificados por grupos econômicos, verificamos que nos anos de 1981 a 2000, em

sete deles o número de sindicatos criados, foi superior a 50% do total: vestuário; construção

e do mobiliário; urbanas; artefatos de borracha; joalheria e lapidação de pedras preciosas;

61
A pesquisa agrega os dados dos sindicatos de empregadores em dez grandes grupos econômicos, que se
subdividem, por sua vez, em grupos econômicos e categorias. No caso da indústria, há 18 grupos e 157
categorias. Ver IBGE, 2000, p. 230-239.
121

gráficas; metalúrgica, mecânica e de material elétrico; instrumentos musicais e brinquedos.

E se trabalharmos com os anos de 1971 a 2000, verificaremos que o índice de 50% não é

atingido apenas pelos grupos de alimentação; fiação e tecelagem; artefatos de couro; papel,

papelão e cortiça; cinematográfica; beneficiamento e artesanato em geral, grupos que, em

sua maioria, apresentaram fracos desempenhos econômicos a partir de meados da década

de 1970 (Ver Tabela 5).62

Tabela 4 – Sindicatos de Empregadores por Período de Reconhecimento

Segundo os Grandes Grupos Econômicos

Sindicatos de empregadores
Total Período de reconhecimento
1931 % 1941 1951 % 1961 % 1971 % 1981 % 1991 %
a a a a a a a
1940 1950 1960 1971 1980 1990 2000
Brasil 3420 12 0,4% 403 11,8% 156 4,6% 948 27,7% 417 12,2% 584 17,1% 900 26,3%
Indústria 840 4 0,5% 189 22,5% 68 8,1% 67 8,0% 102 12,1% 169 20,1% 241 28,7%
Comércio 887 7 0,8% 166 18,7% 67 7,6% 60 6,8% 69 7,8% 148 16,7% 370 41,7%
Transportes 25 1 4,0% 5 20,0% 1 4,0% 2 8,0% 2 8,0% 1 4,0% 13 52,0%
marítimos, fluviais
e aéreos
Transportes 117 0 0,0% 8 6,8% 9 7,7% 8 6,8% 7 6,0% 36 30,8% 49 41,9%
terrestres
Comunicações e 42 0 0,0% 5 11,9% 2 4,8% 3 7,1% 5 11,9% 12 28,6% 15 35,7%
publicidade
Empresas de 51 0 0,0% 14 27,5% 2 3,9% 4 7,8% 2 3,9% 9 17,6% 20 39,2%
crédito
Estabelecimentos 75 0 0,0% 15 20,0% 3 4,0% 1 1,3% 8 10,7% 13 17,3% 35 46,7%
de educação e
cultura
Agricultura 1362 0 0,0% 1 0,1% 4 0,3% 803 59,0% 220 16,2% 191 14,0% 143 10,5%
Outras categorias 21 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 9,5% 5 23,8% 14 66,7%
Fonte: IBGE, 2002. Não estão computados os sindicatos sem declaração (N = 114).

Os dados precisam, entretanto, ser problematizados pois ocultam fenômenos

importantes. O crescimento dos sindicatos nas últimas décadas, certamente estimulado pelo

novo texto constitucional de 1988, pode não ter produzido, pelo menos até o momento, um

62
A exceção é a indústria de papel e papelão, que acompanhou os ritmos de desenvolvimento da economia.
122

incremento significativo do número de sócios das federações e confederações patronais.

Pelo menos esse é o caso da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, dos 115

sindicatos cuja data de fundação foi possível precisar, apenas 20% foram criados entre 1971

e 2000, um índice significativamente inferior aos índices nacionais. Mesmo se

compararmos com a percentagem de sindicatos industriais criados durante esse período

apenas na região Sudeste, 49,4%, a diferença é significativa.63

Mas o crescimento do associativismo empresarial brasileiro a partir de meados dos

anos 1970 não pode ser medido apenas quantitativamente. Ele é, também, qualitativo e se

expressa em um aumento de sua capacidade de intervenção política. Excluído das altas

esferas de decisão das políticas econômicas pelo regime autoritário, o empresariado elevou

o tom de sua voz à medida que a economia emitia sinais de crise.

Primeiro foi a conhecida campanha contra a estatização. Protestando contra a

crescente intervenção estatal, principalmente nos setores de transporte, mineração e

siderurgia, a campanha ocupou boa parte do ano de 1974. A crítica era dirigida ao modelo

desenvolvimentista adotado pela ditadura militar. Os protestos empresariais não tinham

como alvo apenas às diretrizes econômicas. Também visavam a excessiva centralização das

decisões, a autonomia decisória da equipe econômica do governo e o afastamento dos

empresários das altas esferas de decisão.

Aos poucos as reivindicações de cunho político foram ganhando espaço no discurso

empresarial e a exigência de participação tornou-se predominante. A campanha não

mobilizou todo o empresariado, é verdade. E logo o tom crítico foi sendo amenizado. Mas a

atividade empresarial naquele ano chave de 1974 sinalizou que os empresários não

63
Para os dados da região Sudeste ver IBGE, 2002, p. 144.
123

aceitariam mais o papel subalterno ao qual, juntamente com suas entidades representativas,

haviam sido relegados.

Tabela 5 – Sindicatos de Empregadores por Período de Reconhecimento

Segundo os Grupos Econômicos da Indústria

Sindicatos de empregadores
Total Período de reconhecimento
1931 % 1941 % 1951 % 1961 % 1971 % 1981 % 1991 %
a a a a a a a
1940 1950 1960 1971 1980 1990 2000
Brasil 3420 12 0,4% 403 11,8% 156 4,6% 948 27,7% 417 12,2% 584 17,1% 900 26,3%
Indústria 840 4 0,5% 189 22,5% 68 8,1% 67 8,0% 102 12,1% 169 20,1% 241 28,7%
Da alimentação 183 0 0,0% 62 33,9% 18 9,8% 17 9,3% 23 12,6% 20 10,9% 43 23,5%
Do vestuário 84 0 0,0% 14 16,7% 8 9,5% 5 6,0% 8 9,5% 22 26,2% 27 32,1%
Da construção e 203 3 1,5% 33 16,3% 11 5,4% 11 5,4% 23 11,3% 52 25,6% 70 34,5%
do mobiliário
Urbanas 2 0 0,0% 1 50,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 250,0%
Extrativas 47 0 0,0% 7 14,9% 7 14,9% 2 4,3% 8 17,0% 9 19,1% 14 29,8%
Da fiação e 27 0 0,0% 10 37,0% 1 3,7% 3 11,1% 4 14,8% 4 14,8% 5 18,5%
tecelagem
De artefatos de 14 0 0,0% 5 35,7% 2 14,3% 3 21,4% 0 0,0% 2 14,3% 2 14,3%
couro
De artefatos de 7 0 0,0% 1 14,3% 1 14,3% 0 0,0% 0 0,0% 1 14,3% 4 57,1%
borracha
De joalheria e 6 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 4 66,7% 0 0,0%
lapidação de
pedras preciosas
Química e 61 1 1,6% 15 24,6% 5 8,2% 5 8,2% 6 9,8% 16 26,2% 13 21,3%
farmacêutica
Do papel, 14 0 0,0% 6 42,9% 1 7,1% 1 7,1% 0 0,0% 3 21,4% 3 21,4%
papelão e cortiça
Gráficas 48 0 0,0% 8 16,7% 3 6,3% 4 8,3% 8 16,7% 6 12,5% 19 39,6%
De vidros, 12 0 0,0% 4 33,3% 0 0,0% 2 16,7% 2 16,7% 1 8,3% 3 25,0%
cristais,
espelhos,
cerâmica de
louça e
porcelana
Metalúrgica, 119 0 0,0% 18 15,1% 11 9,2% 12 10,1% 19 16,0% 29 24,4% 31 26,1%
mecânica e de
material elétrico
De instrumentos 3 0 0,0% 1 33,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 66,7%
musicais e
brinquedos
Cinematográfica 1 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 100,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
De 4 0 0,0% 3 75,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 25,0% 0 0,0% 0 0,0%
beneficiamento
Artesanato em 0 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
geral
Fonte: IBGE, 2002. Não estão computados os sindicatos sem declaração (N = 114).
124

O clamor de participação nas decisões governamentais permaneceu como uma

constante no discurso empresarial e até mesmo no interior da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo se fazia ouvir. O tom era certamente mais moderado. O presidente da

entidade. Theobaldo De Nigris, estava profundamente identificado com o governo e a

“revolução de 1964” e, em inúmeras ocasiões, reafirmou seus compromissos políticos. No

discurso de posse de seu quarto mandato, em novembro de 1977 voltou ao tema pela

enésima vez: “ao ver a Pátria à beira do abismo e do caos, não vacilei em alinhar-me entre

os que marcharam na vanguarda da revolução de 1964, e, coerentemente, comunguei com

os ideais revolucionários, que até hoje pautam minha ação como brasileiro.” (Fiesp, 1978,

p. 49.)

Mas mesmo De Nigris, se mostrava pouco confortável com a marginalização do

empresariado das decisões econômicas. “A participação do empresariado nas decisões do

governo é o ponto crítico do relacionamento entre o poder público e o empresariado”,

afirmou na mesma ocasião, para, a seguir explicitar sua reivindicação – quase uma súplica

– para uma audiência recheada de ministros de Estado:

“Em verdade, o que desejamos é que decisões, por vezes

fundamentais, sejam tomadas com o prévio conhecimento de nossas

posições e pontos de vista, evitando-se a surpresa, que cria perplexidades

desnorteantes e geram, em determinadas circunstâncias, desestímulo e

desânimo.” (Idem, p. 50-51.)

O tema foi retomado em dezembro 1977, nas afirmações do presidente da Fiesp

durante almoço de confraternização de fim de ano dos industriais paulistas. Referindo-se à

“responsabilidade que a indústria privada suporta na nossa organização social”, De Nigris


125

afirmou que: “É imprescindível que suas posições e pontos de vistas cheguem aos órgãos

governamentais antes das decisões básicas, afim de propiciar ação coordenada entre

governo e empresariado.” (Indústria e Desenvolvimento, v. XIII, n. 1, jan. 1978, p. 31.)

De Nigris ecoava aquilo que Sebastião Velasco e Cruz denominou uma “demanda

de diálogo” presente em parcelas significativas do empresariado a partir do início de 1977

(Cruz, 1995, cap. 7). Em junho de 1978, oito importantes empresários, eleitos como líderes

um ano antes por 5 mil empresários, em consulta realizada pelo jornal Gazeta Mercantil,

divulgaram documento com a mesma reivindicação (Moraes, 1978). Formavam o chamado

“grupo dos oito” Antônio Ermírio de Moraes, diretor-presidente do grupo Votorantin;

Cláudio Bardella, ex-presidente da Associação Brasileira das Indústria de Base (Abdib) e

diretor-presidente do grupo Bardella; Jorge Gerdau Johanpeter, diretor do Grupo Gerdau;

José Mindlin, diretor da Fiesp e diretor-presidente da Metal Leve; Laerte Setúbal Filho,

diretor-presidente do Grupo Duratex; Paulo Velinho, diretor da Associação Brasileira da

Indústria de Aparelhos Elétricos e Eletrônicos (Abinee), vice-presidente da Confederação

Nacional da Indústria (CNI) e diretor do grupo Springer-Admiral; Paulo Villares, ex-

presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia e diretor do grupo Villares; e Severo

Gomes, ex-ministro da Indústria e Comércio e diretor-presidente do grupo Parahyba.

O Documento dos Oito, como ficou conhecido, tinha como ponto de partida a

mesma aspiração presente no discurso de De Nigris e uma estrutura argumentativa similar.

Os signatários falavam na condição de “dirigentes de empresas” amparados na “dimensão

social e mesmo política” de tal atividade (Idem). Mas, as abordagens eram diferentes.

Tomando como ponto de partida uma perspectiva decenal, os signatários do Documento

afirmavam querer expressar sua concepção sobre “os rumos do desenvolvimento

econômico, fundado na justiça social e amparado por instituições democráticas,


126

convencidos de que estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira.”

(Idem.)

Dois temas introduzidos pelo documento no debate empresarial merecem ser

destacados. Primeiro uma renovada preocupação com a chamada questão social que ecoava

o início de um importante movimento grevista na região do ABC paulista. Para os

empresários, o processo de desenvolvimento da economia brasileira convivia com

“desigualdades sociais profundas”, capazes de afetar, até mesmo, “a estabilidade social”.

De acordo com os signatários do documento:

“Qualquer política social conseqüente deve estar baseada numa

política salarial justa, que leve em conta, de fato, o poder aquisitivo dos

salários e os ganhos de produtividade médios da economia. A partir deste

patamar, poder-se-ia, então, atender às diferenças setoriais, abrindo espaço

para a legítima negociação entre empresários e trabalhadores, o que exige

liberdade sindical, tanto patronal quanto trabalhista, e dentro de um quadro

de legalidade e de modernização da estrutura sindical.” (Idem.)

O segundo tema é a questão do regime político:

“Acreditamos que o desenvolvimento econômico e social, tal como o

concebemos, somente será possível dentro de um marco político que permita

uma ampla participação de todos. E só há um regime capaz de promover a

plena explicitação de interesses e opiniões, dotado ao mesmo tempo de

flexibilidade suficiente para absorver tensões sem transformá-las num

indesejável conflito de classes – o regime democrático.” (Idem.)


127

Fazendo um paralelo clássico na literatura política de inspiração liberal, a

democracia era associada ao sistema de “livre iniciativa” e à “economia de mercado”:

“defendemos a democracia, sobretudo, por ser um sistema superior de vida, o mais

apropriado para o desenvolvimento das potencialidades humanas”, afirmava o documento

(Idem).

As inesperadas afirmações desses empresários provocaram reações de vários tipos

em seu meio. Surpreendentemente, não faltaram aqueles que consideraram o documento

“conservador”, como Carlos Reynaldo Mendes Ribeiro, presidente do Instituto de

Desenvolvimento Empresarial do Rio Grande do Sul (Veja, 5 jun. 1978). O peso político e

econômico dos “oito” e a repercussão do documento não foram suficientes para unificar a

voz empresarial. Ao lado das acusações de conservadorismo, logo se somaram aquelas

provenientes do interior da própria Fiesp.

Já em agosto daquele ano, A. T. Milanesi, articulista da revista da Fiesp, Indústria e

Desenvolvimento, disparava contra a proposta dos membros do “grupo dos oito”, acusando-

os de tergiversar “quando perguntados sobre se estão dispostos a participar de uma

verdadeira economia de mercado – que no caso, pressupõe a não ingerência do Estado na

economia e, portanto, sem o BNDES” (Milanesi, 1978, p. 31).

A resposta do articulista já antecipava a dura batalha que foi travada em 1980 no

interior da Federação paulista pelo seu comando. Theobaldo De Nigris procurava seu

quarto mandato, mas encontrou forte oposição. Desde 1979, Luís Eulálio de Bueno Vidigal

Filho, proprietário da Cobrasma, presidente do Sindicato Nacional da Indústria de

Autopeças (Sindipeças) e membro do Conselho Monetário Nacional, estava com sua

campanha na rua, apresentando-se como o candidato da renovação. Em janeiro de 1980, a

disputa tornou-se ainda mais intensa com o anúncio da candidatura de Laerte Setúbal,
128

proprietário da Duratex, presidente da Associação dos Exportadores Brasileiros (AEB) e

membro do Conselho Nacional do Comércio Exterior.

As candidaturas de Vidigal Filho e Setúbal romperam uma regra não escrita em

vigor desde a morte do presidente da Fiesp, Morvan Figueiredo, em 1950: à frente da

entidade deveria estar um empresário de uma empresa de porte pequeno ou médio de um

setor secundário da indústria. Antonio Devisate, Raphael Noschese e Theobaldo De Nigris,

que juntos ficaram quase trinta anos à frente da Fiesp, cumpriam esse requisito. Apoiados

pela máquina política montada pelo irmão de Morvan, o empresário Nadir Figueiredo,

chamado na entidade de “o marechal”, eles conquistaram os votos dos sindicatos federados,

desarticulando candidaturas de peso, como a de José Ermírio de Moraes Filho, em 1963, e

Luiz Rodovil Rossi, em 1971.64 Mas os tempos eram outros...

O nome de Setúbal não chegou a decolar e a contenda se resumiu a Vidigal Filho e

De Nigris. Amparado por um eficiente e moderno esquema de marketing, sustentado pela

agência de propaganda RPV Comunicações e coordenado pelo assessor Ney Lima

Figueiredo, a candidatura oposicionista ocupou lugar na imprensa e transformou a eleição

em importante acontecimento político.65 A vitória no primeiro turno da chapa “Renovação

sem Contestação” de Vidigal Filho por 54 votos a 52 não lhe deu entretanto a vitória

imediata. Houve um voto anulado, que a chapa da situação reivindicou como sendo o voto

do próprio De Nigris, e um voto em branco. Foi o suficiente para a chapa situacionista

proclamar um “empate”.

64
A influência de Nadir Figueiredo nos processos eleitorais na Fiesp, apesar de não ocupar cargo na entidade,
é constatada em Exame, 30 jan. 1980, p. 22 e Veja, 27 ago. 1980, p. 98. O próprio filho de Nadir, Jorge
Duprat Figueiredo, era indicado como provável sucessor de Theobaldo De Nigris, mas faleceu antes das
eleições, em 1978.
129

De acordo com o regimento da Fiesp, o candidato vencedor deveria atingir a marca

de 55 votos para evitar o segundo turno. A vitória no primeiro turno provocou rumores

sobre as desistências dos vice-presidentes da chapa de situacionista, José Ermírio de

Moraes Filho, Dilson Funaro e Manoel da Costa Santos, que se recusariam a participar de

nova eleição retirando suas candidaturas. Os rumores foram alimentados pelos próprios

candidatos. Logo após a apuração, José Ermírio de Moraes afirmava: “O melhor, agora, é

uma composição entre os dois. Mas como Luís Eulálio foi quem obteve o maior número de

votos, é natural que a composição deverá partir dele; temos que ser justos e sinceros nesta

hora: Eulálio foi quem teve mais votos.” (O Estado de S. Paulo, 21 ago. 1980, p. 30.)

Antonio Ermírio de Moraes foi ainda mais longe, defendendo que a chapa

situacionista deveria se retirar do pleito:

“O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo,

Theobaldo De Nigris, é um homem digno, honrado e que já prestou muitos

serviços à indústria paulista. E não deve, depois da derrota nas eleições

persistir: sua derrota seria maior ainda em setembro (...) José [Ermírio de

Moraes] pensa como eu, tenho absoluta certeza.” (O Estado de S. Paulo, 22

ago. 1980, p. 27.)

As declarações de José e Antonio Ermírio de Moraes desobrigaram os sindicatos

que estavam comprometidos com eles a votarem novamente em De Nigris. Sergio Ugolini,

do Sindicato da Indústria de Condutores Elétricos, Trefilação e Laminação de Metais Não-

Ferrosos rapidamente anunciou que votaria desta vez na chapa da oposição. O mesmo

65
O aparecimento do marketing político na vida da Fiesp chamou a atenção das revistas Exame (10 set. 1980,
p. 17) e Veja (10 set. 1980, p. 110).
130

caminho seguiu Firmino Rocha de Freitas, do Sindicato de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos

e Similares (Folha de S. Paulo, 23 ago. 1980, p. 17.)

De Nigris reagiu aos rumores publicando em O Estado de S. Paulo uma lista dos

empresários que “inicialmente indicaram e apoiaram o lançamento” de sua candidatura na

qual constavam os supostos demissionários (O Estado de S. Paulo, 26 ago. 1980, p. 33). Ao

mesmo tempo, propôs ao candidato da oposição um acordo de conciliação: “Preferiria que a

união da indústria fosse alcançada mediante a conciliação das chapas concorrentes”,

afirmou De Nigris numa nota dirigida “aos companheiros da indústria e ao povo de São

Paulo”, divulgada no dia 25 de agosto (Folha de S. Paulo, 26 ago. 1980, p. 17).

A tentativa de conciliação foi capitaneada pelo empresário Mario Garnero, que teria

encaminhado para Vidigal Filho a proposta da chapa da situação. Na versão de De Nigris,

“a decisão de composição adotada por consenso entre os

componentes da Chapa 1, previa que eu me retiraria, deixando a presidência

para o Luís Eulálio Vidigal e os demais cargos, num total de 27, seriam

compostos alternativamente. O próprio Mário Garnero encarregou-se de

intermediar as negociações. Ele avistou-se com Luís Eulálio Vidigal e na

seqüência comunicou que a proposta havia sido rejeitada.” (Folha de S.

Paulo, 30 ago. 1980, p. 17.)66

Vidigal Filho deu também sua versão: “Na verdade, houve uma proposta de

conciliação, mas implicaria na renúncia das duas chapas, o que não considero moralmente

aceitável” (O Estado de S. Paulo, 28 ago. 1980, p. 30). No dia seguinte à rejeição do acordo

pela oposição, José Ermírio de Moraes Filho, Luiz Rodovil Rossi, Manoel da Costa Santos
131

e Dílson Domingos Funaro participavam com De Nigris de uma reunião com a imprensa na

sede da Companhia de Cimento Portland Itaú para – segundo informou o presidente da

Fiesp – “pôr fim às especulações de que a Chapa 1 seria retirada, por termos ouvido

insistentes comentários de que teriam ocorrido desentendimentos e, em conseqüência, uma

cisão na nossa chapa.” (Folha de S. Paulo, 29 ago. 1980, p. 21.)

Logo após o anúncio, José Ermírio de Moraes Filho viajou para o exterior,

ausentando-se até mesmo do segundo turno das eleições. Duas semanas depois do primeiro

escrutínio, Vidigal Filho vencia o segundo turno com 61 votos contra 45. O resultado foi

comemorado efusivamente pelo empresário ao lado figuras de destaque da indústria

paulista e do ex-ministro da Indústria e Comércio, Camilo Penna, que compareceu à festa

da vitória.

A eleição da nova diretoria da Fiesp em 1980 marcou a ruptura mais profunda na

história da entidade. Os processos de renovação das lideranças empresariais foram sempre

conduzidos de maneira molecular, o que levou alguns autores a ressaltar uma “tendência à

oligarquização dos postos de direção” das associações empresariais (Diniz e Boschi, 2000,

p. 47). Desta vez, entretanto, a renovação se deu por meio de uma ruptura: dos 28 membros

da antiga Diretoria Executiva, apenas quatro foram reconduzidos a seus cargos pelo pleito

de 1980, um índice de renovação de quase 86%.

É necessário, entretanto, ir além daquilo que é revelado por essas informações

imediatas e analisar comparativamente as diretorias executivas de 1977-1980 e 1980-1983,

percebendo as possíveis mudanças nas relações de forças no interior da entidade. Para

tanto, torna-se necessário identificar as empresas às quais os membros dessas diretorias

66
A versão de De Nigris foi confirmada por Garnero (Folha de S. Paulo, 2 set. 1980, p. 16.)
132

estavam associados e compará-las em várias dimensões procurando identificar as diferentes

frações que se faziam representar nas duas diretorias. Para viabilizar tal estratégia a

presente pesquisa estabeleceu as empresas de todos os 56 diretores, utilizando para tal

publicações da Fiesp (1978 e 1993) e a revista Indústria e Desenvolvimento. Nos casos em

que a empresa pertencia a um grupo econômico, optou-se por indicar a maior empresa do

grupo, com base nas informações da publicação Visão: Quem é quem na economia

brasileira 1980.

Para evitar o tipo de simplificações envolvidas nas classificações que separam os

setores em modernos e tradicionais, a presente pesquisa procurou estabelecer de maneira

criteriosa os setores econômicos presentes nessas diretorias. Cruzando as informações sobre

as empresas com os dados do Balanço Anual Gazeta Mercantil 1980 e de Exame Melhores

e Maiores 1980, tais empresas foram ordenadas de acordo com os grupos de atividades

econômicas a que pertenciam, utilizando para tal a Classificação Nacional de Atividades

Econômicas (CNAE) da Comissão Nacional de Classificação (Concla).

A CNAE estabelece uma classificação baseada na International Standard Industrial

Classification of All Economic Activities (ISIC). Aglutinando as atividades por seção,

divisão, grupo e classe, a utilização dessa classificação permite construir um retrato

bastante preciso dos setores econômicos representados. Sua utilização não deixa,

entretanto, de ser problemática. A diversificação das atividades industriais dos grandes

conglomerados econômicos dificulta a classificação de uma empresa em uma única classe

e, em alguns casos, em um mesmo grupo. Optou-se por procurar identificar de maneira

aproximativa o grupo de atividade preponderante, o que elevou a probabilidade de

classificar de maneira adequada o nível superior (divisão).


133

Tabela 6 – Diretores da Fiesp por Divisão Econômica

(gestões 1977-1980 e 1980-1983)

Código. Divisão Nº de diretores Nº de diretores


CNAE 1977-1980 1980-1983
14 Extração de minerais não metálicos 0 1
15 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 2 3
16 Fabricação de produtos do fumo 0 1
17 Fabricação de produtos têxteis 2 2
18 Confecção de artigos do vestuário e acessórios 0 2
19 Preparação de couros e fabricação de artefatos de 0 1
couro, artigos de viagem e calçados
20 Fabricação de produtos de madeira 1 0
22 Edição, impressão e reprodução de gravações 3 0
24 Fabricação de produtos químicos 3 1
25 Fabricação de artigos de borracha e plásticos 1 3
26 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 1 0
27 Metalurgia básica 0 2
28 Fabricação de produtos de metal – exclusive 2 2
máquinas e equipamentos
29 Fabricação de máquinas e equipamentos 4 3
31 Fabricação de máquinas, aparelhos e material elétrico 1 1
34 Fabricação e montagem de veículos automotores, 3 2
reboques e carrocerias
35 Fabricação de outros equipamentos de transporte 2 1
36 Fabricação de móveis e indústrias diversas 1 1
40 Eletricidade, gás e água quente 0 1
45 Construção 2 1
Total 28 28

Os dados mostraram um número de divisões representadas bastante elevado. Na

gestão 1977-1980 havia 14 divisões econômicas e na gestão 1980-1983, 17 divisões.

Aglutinando as divisões em categorias mais amplas os resultados são surpreendentes. Os

setores metal-mecânico e eletro-eletrônico, considerados os mais dinâmicos do período,

encontram-se melhor representados numericamente na gestão de Theobaldo De Nigris –

treze diretores – do que na gestão de Vidigal Filho – dez diretores (Cf. Tabela 6).
134

Se, provocativamente, dividirmos os setores em tradicionais e modernos o resultado

não será menos paradoxal. Enquanto a gestão 1977-1980 tinha 17 representantes de setores

modernos e onze de tradicionais, os renovadores de 1980-1983 eram treze de setores

tradicionais e 15 de modernos.67 A análise quantitativa dos setores representados nas

diretorias executivas não indica, desse modo, uma alteração significativa dos interesses

representados. A necessidade de representar o maior número de sindicatos possíveis

justifica em grande parte essa continuidade. Eleitas com os votos dos representantes dos

sindicatos, as chapas para a Fiesp deveriam aglutinar o maior número possível de entidades

para garantirem suas vitórias nos pleitos. Daí a diversidade de setores representados e os

resultados paradoxais encontrados pela análise até o momento.

Uma vez levada a cabo a análise dos setores é possível passar a outras variáveis:

tamanho da empresa e utilização da força de trabalho. Com base no anuário Visão: Quem é

quem na economia brasileira 1980, foi estabelecido o patrimônio líquido (em Cr$ de

1980), o número de empregados de cada empresa e as classificações gerais e setoriais da

empresa de acordo com o patrimônio. Do universo de 52 empresas, 16 não constavam do

anuário.68 Dada a abrangência da publicação analisada assumiu-se aqui o pressuposto de

que as empresas não listadas eram pequenas firmas. Para minimizar as distorções que essa

pressuposição poderia acarretar as informações da Visão foram cotejadas com os anuários

da Gazeta Mercantil e de Exame.

67
Foram considerados tradicionais as divisões extrativas, da construção, energia, alimentos e bebidas, fumo,
têxteis e vestuário, couro, madeira, papel e celulose, editorial e gráfica. As divisões modernas incluem
produtos químicos, borracha e plásticos, produtos de minerais não-metálicos, metalurgia, máquinas e
equipamentos, material elétrico, veículos e autopeças e equipamentos de transporte.
68
Não esquecer que há empresários que estiveram em duas gestões, por isso o número menor de empresas.
135

Coincidentemente o número de indústrias listadas no Quem é quem é muito próximo

para cada gestão - vinte empresas na gestão 1977-1980 e 19 empresas na seguinte - o que

facilita enormemente as comparações e diminui ainda mais as distorções. De toda maneira é

conveniente alertar que dados os critérios de classificação da revista Visão, a comparação

em termos de patrimônio tende a ser mais precisa do que a comparação em termos de

funcionários, ou seja, é mais exato afirmar que as empresas não listadas possuem um

patrimônio inferior do que aquelas listadas, do que asseverar que possuem um número de

funcionários inferior. Por outro lado, a análise de correlação entre patrimônio e número de

empregados, revelou um coeficiente de correlação de 0,84 que pode ser considerado, dado

o pequeno tamanho da amostra, bastante elevado.

Gráfico 4 – Posição das Empresas de Diretores da Fiesp no Ranking

Visão (classificação por patrimônio líquido)

35% 32% 32%

30% 29%
25%
% de Empresas

25%
21%
20%

15%
11%
10% 7% 7% 7% 7% 7%

5% 4% 4% 4% 4%
0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-

Posição
1977-1980 1980-1983
136

Dentre as empresas listadas, a maior em termos de patrimônio líquido foi a Ford do

Brasil, representada por Newton Chiaparini, com um patrimônio de Cr$ 6.426,6 milhões e

22.280 funcionários, ocupando o 69º lugar na classificação da Visão. A menor firma foi a

Malharia Nossa Senhora da Conceição, de Elias Miguel Haddad, com um patrimônio de

Cr$ 52,4 milhões e 480 funcionários, ocupando a 6024º posição. Ao invés de estabelecer

critérios classificatórios arbitrários para definir o que são empresas grandes, médias e

pequenas, optou-se por analisar os dados em intervalos. Os dois primeiros intervalos,

utilizados para registrar empresas de grande porte tem uma amplitude de 500 e os demais

de 1.000.

Gráfico 5 – Número de Empregados das Empresas de Diretores da Fiesp

50%
45%

40%
% de Empresas

30%
24% 24%

20%
14% 15% 14% 15%
10% 10% 10%
10%
5% 5% 5% 5%
0% 0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-

Nº de Empregados

1977-1980 1980-1983

Novamente, os dados contariam o senso comum. A gestão de Theobaldo De Nigris

representava um conjunto de empresas de porte maior do que o conjunto representado pela


137

gestão Vidigal Filho. Dos 28 diretores, da gestão 1977-1980, mais de um terço tinham suas

empresas classificadas entre as mil maiores pelo Quem é quem da revista Visão. Na gestão

1980-1983, embora o número de empresas entre as 500 maiores seja significativo (cinco

empresas), dois terços das empresas estão acima da posição de número 2.000 (Ver Gráfico

3).

Os dados referentes ao número de empregados das empresas confirmam essa

situação. Desta vez foram suprimidas em empresas que não constavam do Quem é quem da

revista Visão para evitar as distorções acima mencionadas. De acordo com os resultados

obtidos, um número maior de empresas representadas na gestão Vidgal Filho têm menos de

500 funcionários, enquanto cinco empresas na gestão De Nigris tem mais de 6 mil

funcionários (Ver Gráfico 4).

A análise quantitativa das diretorias executivas da Fiesp não revela uma ruptura nas

frações representadas, seja no que diz respeito ao setores, seja no que se refere ao tamanho

das empresas. Houve, entretanto, uma ruptura? E se houve, onde ela pode ser localizada de

maneira mais precisa? Tais questões remetem a um importante problema teórico. Trata-se

de saber se a articulação entre frações de classe e política é relevante para os problemas

aqui tratados ou se ela nada teria a dizer para o estudo das mudanças ocorridas no interior

da Fiesp.

O problema da análise quantitativa que aqui foi tentada é que ela ao mesmo tempo

que revela situações também oculta o movimento destas. Se as situações reveladas

permitem ao pesquisador problematizar a articulação entre frações de classe e política, o

fetichismo dos números o impede de perceber que essa articulação se revela plenamente

apenas na prática política. O fosso existente na análise da relação que se verifica entre as
138

frações e a política só poderá ser transposto por intermédio da análise dos intelectuais

dessas frações.

Uma análise do lugar ocupado por esses intelectuais nas instituições de organização

e representação do empresariado pode ajudar a esclarecer aspectos que foram até então

ocultados pela fria análise dos números. Embora tradicionalmente os candidatos à

presidência e a maioria dos postulantes à vice-presidentes do Ciesp sejam os mesmos da

Fiesp, é comum a existência de candidatos ao Centro que não compõem a chapa da

diretoria da Federação ou até mesmo a acomodação em uma mesma chapa para o Centro de

candidatos de duas chapas para a Federação. Assim, a mesma eleição que elegeu Luís

Eulálio de Bueno Vidigal Filho para a presidência das duas entidades, garantiu a

permanência no Ciesp de José Ephim Mindlin, candidato derrotado à vice-presidência da

Fiesp.

A incorporação desses empresários não era apenas formal. Na medida em que as

diretorias dos departamentos especializados eram partilhadas pela Fiesp e pelo Ciesp, em

um processo interorganizacional de integração horizontal, tal arranjo criava a possibilidade

de um membro de uma chapa derrotada manter posições de destaque na estrutura interna

das entidades. A funcionalidade desse mecanismo fica evidente com a indicação, logo após

a eleição, de José Ephim Mindlin como diretor do importante Departamento de Comércio

Exterior (Decex), da Fiesp-Ciesp (ver Gráfico 5).69

69
No organograma da Fiesp para o ano de 1982 encontram-se o Conselho Superior de Economia, criado no
final de 1980, e o Conselho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa, criado ao longo do ano de 1981,
revelando de maneira mais precisa o mecanismo de incorporação de lideranças empresariais à estrutura de
comando da Fiesp. Os nomes indicados para os departamentos em dezembro de 1981, com mandato até 31 de
dezembro de 1982, são, em grande medida os mesmos nomeados logo após a eleição de Vidigal Filho para a
presidência. Há apenas a ausência de Nildo Masini, antigo diretor do Desin.
139

Gráfico 6 – Organograma da Diretoria da Fiesp em 1982

Presidente

Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho

Depto. de Assistência em Repartições Conselho Superior de Economia


Públicas (Depar) Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho,
Carlos Eduardo Uchôa Fagundes Cláudio Bardella, Paulo Francini
(membros natos)
Antonio Ermírio de Moraes, Dílson
Depto. de Comércio Exterior (Decex) Funaro e Henrique Araújo (membros
José Ephim Mindlin convidados)
Eduardo Moura e Silva, Luís Gonzaga
Belluzzo, Celso Lafer e Luiz Carlos
Bresser Pereira (membros técnicos)
Depto. de Controle Financeiro (Defin)
Paulo Affonseca de Barros Faria Jr

Depto. de Cooperação Sindical


(Desin)
Roberto Della Manna

Depto. de Coordenação de Serviços


Regionais (Décor)
Salvador Firace

Depto. de Documentação, Estatística,


e Informações Industriais (Decad)
Paulo Francini

Depto. De Economia (Decon)


Cláudio Bardella

Depto. de Expansão Social (DES)


Mario Amato Conselho Superior de Orientação
Jurídica e Legislativa
Luís Eulálio de Bueno Vidigal Filho e
Carlos Eduardo Moreira Ferreira
Depto. Jurídico (Dejur) (membros natos)
Carlos Eduardo Moreira Ferreira Alcides Jorge Costa, Celso Lafer, Celso
Neves, Fabio Konder Comparato, Luis
Mélaga, Manoel Gonçalves Fereira
Filho, Octávio Bueno Magano e Walter
Depto. de Produtividade (Deprov) Ceneviva
Luis Américo Medeiros

Depto. de Expansão Social (DES) Comissão para Assuntos de Energia


Antonio Teixeira da Silva Sérgio Roberto Ugolini

Projetos Especiais Junto à


Presidência Comissão para Assuntos de Meio
Sebastião Burbulham Ambiente e Uso do Solo
Dante Mariutti

Depto. de Mobilização Industrial (DMI)


Nelson Abbud João
Comissão de Política Industrial
Barnabé Teixeira (bens de consumo
durável), Luiz Américo Medeiros (bens
Instituto Roberto Simonsen de consumo), Ruy Martins Altenfelder
Celso Lafer Silva (bens Intermediários, Einar Kok
(bens de capital) e Newton Cavalieri
(construção civil)
140

Não era apenas o diretor-presidente da Metal Leve que garantia assim sua presença.

Por meio da Diretoria Executiva do Ciesp, eram também incorporados personalidades já

apontadas pelo Balanço Anual Gazeta Mercantil como líderes setoriais como Jamil Nicolau

Aun, da Papel Simão; Einar Alberto Kok, da Máquinas Piratininga; Carlos Ramos Villares;

das Indústrias Villares; Paulo Guilherme Aguiar Cunha, do grupo Ultra; e Eugênio Staub,

da Gradiente, dentre outros.

Ao mesmo tempo que permitia uma ampliação dos interesses empresariais

representados na Fiesp, a nova arquitetura institucional adotada pela gestão Vidigal Filho

promovia um rearranjo de forças que privilegiava os setores vinculados a indústria metal-

mecânica. Os processos de diferenciação horizontal no interior do complexo Fiesp-Ciesp

ocorreram mediante a especialização e diferenciação funcionais de certas atividades

consideradas essenciais para o novo papel que a Fiesp deveria assumir na conjuntura.

O estudo da composição dos departamentos na gestão De Nigris e na gestão Vidigal

Filho permite identificar de maneira mais nítida esses processos. Se a análise quantitativa

dos setores representados não revelava uma ruptura entre as duas gestões é nesta

comparação dos postos chaves da gestão da máquina do complexo Fiesp-Ciesp que ela fica

evidente (ver Tabela 7).

A comparação revela três tendências importantes. Primeiro, uma forte presença de

importantes empresários dos setores de autopeças e de máquinas e equipamentos nos

departamentos da entidade durante a gestão Vidigal Filho. É nos departamentos mais

importantes da entidade – Decon, Decex e Decad – que esses empresários ocupam seus

postos. Segundo, uma participação mais acentuada de industriais vinculados a grandes

empresas nessa gestão das entidades. Na gestão 1980-1983, apenas três empresários

ocupando postos de direção no departamentos não têm suas firmas listadas no Quem é
141

quem da revista Visão. E terceiro, uma concentração maior de poder no interior da diretoria

da Fiesp, em detrimento do Ciesp. Com exceção de José Mindlin, todos os demais

coordenadores de departamento da gestão Vidigal Filho são membros da Executiva da

Fiesp.

Tabela 7 – Composição dos Departamentos da Fiesp-Ciesp

Depto. Gestão 1977-1980 Empresa Gestão 1980-1983 Empresa

Depar Celso Madueño Silva Indústrias Elétricas Carlos Eduardo Comlux Metalurgia
Sintex Uchoa Fagundes
Decex José Ephin Mindlin Metal Leve José Ephin Mindlin Metal Leve
Defin Homero Villela de Pancron Paulo Affonseca de Brasinca
Andrade Barros Faria Jr.
Desin Luis José Monteiro F. Vicente Blanes Roberto Della Manna Tubozin
S/A
Decor Waldemar de Oliveira Cirasa Comércio e Salvador Firace Proteindus Ind. e
Verdi Indústria Riopretense Com.
de Automóveis
Decad Felipe Fiasco Naufal S/A Paulo Francini Radio Frigor
Decon Osvaldo Palma Fresinbra Industrial Cláudio Bardella Bardella
DES Eduardo Garcia Rossi Novo Norte Corretora Mário Amato Springer
de Valores
Dejur Wilson de Souza Indústrias Eternit Carlos Eduardo Companhia Paulista
Campos Batalha Moreira Ferreira de Energia Elétrica
Deprov Aristides Pileggi Balloon Comestíveis Luis Américo Lanofício Anglo
Medeiros Brasileiro

O ano de 1980 terminou, assim, com a incorporação do espírito do “grupo dos oito”

ao comando da Fiesp e de alguns de seus membros também, como Cláudio Bardella. Os

novos homens fortes da Fiesp, representavam, em sua maioria, o setor mais dinâmico da

indústria na década de 1970 – a indústria metal-mecânica e a eletro-eletrônica –

desbancando do comando da entidade setores com menor peso na economia. Era, também

uma ruptura geracional. Na ocasião da eleição, De Nigris era um septuagenário, enquanto


142

Vidigal Filho tinha 41 anos e seus escudeiros Paulo Francini e Cláudio Bardella, 39 e 42

anos, respectivamente.

A ascensão desses empresários ao comando da Fiesp não colocou, entretanto, um

ponto final na crescente mobilização patronal. As décadas de 1980 e 1990 presenciaram

uma expansão da ação política do empresariado, um incremento dos conflitos no interior

das associações, sindicatos, federações e confederações patronais e uma constante

reivindicação de participação na formulação de políticas. Era a busca de uma colaboração

mais intensa com o Executivo, procurando uma solução negociada para a crise econômica e

política, rompendo com a subordinação característica do período anterior.

Foram essas transformações da ação empresarial a partir da segunda metade dos

anos 1970 o leitmotiv de um rico debate acadêmico. De um modo geral, a pergunta chave

que os diferentes autores procuravam responder, de maneira implícita ou explícita, era a

seguinte: evidenciada a existência de uma crise econômica e política, conseguiu o

empresariado brasileiro articular uma abrangente resposta capitalista à crise do capitalismo?

Ou, colocada a questão nos termos em que Fernando Henrique Cardoso (1983) o fez: pôde

o empresariado superar a crise orgânica do Estado pela busca de novas formas de

hegemonia burguesa?

Tratava-se, na ocasião, de caracterizar o papel desempenhado pelo empresariado

durante o governo Geisel (1974 – 1978) e o início do governo Figueiredo (em 1979),

destacando o exercício de sua capacidade hegemônica ou sua incapacidade para tal. O

próprio Cardoso questionava essa capacidade hegemônica da burguesia. Em 1978, no

episódio já apresentado, os empresários se manifestavam, por meio do Fórum da Gazeta

Mercantil, como opositores ao autoritarismo e defensores do regime democrático. Já em


143

1980, no mesmo Fórum, se colocavam “sob a liderança firme e bem intencionada do

presidente João Figueiredo” (Apud Cardoso, 1983, p. 19).

É da análise dessas oscilações que Cardoso concluiu que não surgia, à época, uma

corrente democrática hegemônica no interior do empresariado, corrente essa que veria na

sociedade civil a fonte do poder, nos partidos políticos sua instrumentação e no regime

democrático seu objetivo. O que predominava no empresariado era uma política de

liberalização controlada que não rompia com o padrão anterior de dominação.

Embora não de forma explícita, o artigo de Cardoso é uma resposta às teses

desenvolvidas por Luiz Carlos Bresser Pereira.70 Para este autor, as críticas do

empresariado ao regime militar expressavam uma ruptura da aliança política com a

tecnoburocracia estatal e a formulação de um novo projeto de hegemonia burguesa.

Observações semelhantes aparecem no livro de Fernando Motta, Empresários e hegemonia

política (1979).71

Cardoso não é o único a contestar Bresser Pereira. Eli Diniz e Renato Boschi,

autores que nas últimas duas décadas têm se dedicado ao estudo do empresariado brasileiro,

se opõem à idéia de constituição de uma nova hegemonia empresarial no final da década de

1970 e início da de 1980. Mesmo tendo identificado no empresariado uma das fontes de

contestação ao regime militar, tais autores destacaram que não havia indícios de que a

unidade do empresariado industrial, dirigido pelo capital monopolista com a bandeira da

liberalização política, tivesse desembocado num projeto de dominação de classe capaz de

impor-se ao conjunto da sociedade. O grau de consciência alcançado por estes setores

70
Ver, por exemplo, O colapso de uma aliança de classes (Bresser Pereira, 1978) e o artigo “Seis
interpretações sobre o Brasil” (Bresser Pereira, 1982).
71
Não é de se estranhar que o prefácio seja do próprio Bresser Pereira.
144

sociais estaria calcado na defesa de interesses econômicos imediatos e a unidade de classe

em torno de objetivos políticos não seria mais do que transitória.

Tanto nos trabalhos de Bresser Pereira, como de Cardoso, Diniz e Boschi é possível

encontrar com o traço comum uma imprecisão conceitual que obscurece a possibilidade de

interpretar o processo de formação dos projetos empresariais. Termos como “elites

empresariais”, “empresariado industrial”, “burguesia” e “burguesia nacional” tornam-se

intercambiáveis, na obra dos autores citados, sendo usados de forma indistinta (Cruz,

1995). Ao proceder dessa maneira, perde-se a especificidade que cada um deles possui. O

emaranhado conceitual produz uma homogeneização artificial do objeto de estudo. O

empresariado, quando não a própria burguesia, é reduzido a sua forma arquetípica

previamente homogeneizada: os industriais paulistas.

À procura do empresário típico-ideal, tal literatura, por vezes, o encontra no que

denomina “os setores modernos” da economia, por oposição aos “setores tradicionais”.72

Algumas observações críticas se fazem aqui necessárias. Em primeiro lugar, os setores da

economia não são per se homogêneos. Poder-se-ia ao lado do fracionamento em setores,

acrescentar outros. Tamanho e nacionalidade da empresa, por exemplo, são variáveis

extremamente importantes que não podem ser deixadas de lado. Tome-se o caso da

indústria de autopeças. Ao lado de importantes grupos industriais multinacionais, como o

alemão Mahle, fornecedor direto da indústria automobilística, pode-se encontrar um grande

número de pequenas e médias empresas que abastecem o mercado de reposição. Assim,

muito embora as empresas de capital estrangeiro representassem 39,2% das empresas

72
Para uma abordagem recente desta maneira, ver Boschi, Diniz e Santos (2000).
145

associadas ao Sindipeças, elas são responsáveis por 77,2% do capital total; 73,3% do

faturamento; e 84,4% do valor dos investimentos do setor (Sindipeças, 2002).

Em segundo lugar, a classificação dos setores em “modernos” e “tradicionais” é

meramente cronológica e, portanto, artificial. Artificial por que congela no tempo um dado

setor da economia, criando dele uma imagem estática de um passado muitas vezes

mitológico. Os processos de reconversão industrial levados a cabo em nosso país ao longo

da década de 1990, simplesmente desaparecem. Adotando tal critério cronológico, a

indústria de papel e celulose, uma das mais modernas e competitivas do país acaba sendo

enquadrada como “tradicional”.73

Ao proceder à homogeneização, tomando como ponto de partida o empresariado

industrial paulista, setores importantes da burguesia são deixados de lado. É o caso, por

exemplo, do setor financeiro, que não encontra na análise dos autores citados, espaço

algum, ou das empresas transnacionais. A conseqüência dessa homogeneização, do

esquecimento de importantes frações e do obscurecimento das tensões internas existentes

no próprio empresariado industrial torna-se evidente na análise que Diniz e Boschi fazem

da campanha contra a estatização, em 1974. Ao contrário desses autores, Cruz revela que

essa campanha foi levada a cabo por apenas uma parcela do empresariado, ficando boa

parte dele à margem (1995, p. 284).

Os problemas presentes nas análises de Diniz e Boschi são decorrentes da

dificuldade de articular as duas problemáticas com as quais os autores trabalham: o papel

desempenhado pela burguesia industrial e o relacionamento entre Estado e sociedade,

“concebido como entidades distintas e externamente relacionadas uma à outra” (Cruz,

73
Sobre a competitividade da indústria do papel e celulose ver Coutinho e Ferraz (1994).
146

1995, p. 29). A construção de uma nova hegemonia é vista, então, como uma reação

imediata do conjunto do empresariado a medidas governamentais ou a uma conjuntura

adversa a seus negócios. É interpretada tomando como ponto de partida a oposição entre

sociedade civil – lugar dos negócios privados – e sociedade política – o Estado. Gramsci já

alertara que um erro presente no liberalismo consistia em cindir sociedade política e

sociedade civil, que de distinção meramente metodológica passava a ser assumida como

distinção orgânica (1977, p. 1590).

A separação entre Estado e sociedade elimina, por sua vez, a possibilidade de

interpretar a formulação de projetos empresariais como o resultado de choques e conflitos

que ocorrem entre as classes e frações em presença e a forma estatal da classe dominante

(Dias, 1996, p. 114). Procura-se o projeto burguês, a realização de sua hegemonia, mas não

o processo de construção desse projeto. A construção desse projeto será o objeto do

próximo capítulo.
147

8. Crise e redefinição do projeto empresarial

A eleição de Vidigal Filho para a presidência da Fiesp significou uma ruptura com o

passado. É preciso, entretanto, dimensionar essa ruptura identificando os elos que são

rompidos na corrente política, econômica e social. A mudança, e este é o ponto de partida

para a análise, está longe de ser uma ruptura de relações do empresariado com o regime

militar. Quando de sua campanha eleitoral, Vidigal Filho fazia questão de mostrar à

imprensa as fotos que ostentava em seu gabinete na Cobrasma com os presidentes Ernesto

Geisel e João Figueiredo (Veja, 10 set. 1980, p. 107). “Está chegando a hora da geração dos

empresários surgidos depois de [19]64. Nós, jovens empresários, somos todos frutos da

Revolução de [19]64”, afirmou durante a campanha (Exame, 30 jan. 1980, p. 21). E para

não deixar dúvidas disparava: “Governista? Somos todos. Quem não é” (Veja, 27 ago.

1980, p. 96).

Ao contrário de seu colega de chapa, Cláudio Bardella, que chegou a se pronunciar

favoravelmente à legalidade para o Partido Comunista Brasileiro, em 1974, Vidigal Filho

considerava que a liberdade partidária, assim como a democracia, tinha lá seus limites.

“Inimigo se liquida, com adversário se compete. E os comunistas são todos inimigos”, disse

à revista Veja (10 set. 1980, p. 107). E mesmo sua adesão à abertura política passava muito

longe dos princípios e era carregada de descarado instrumentalismo:

“Nos últimos dezesseis anos, fomos favorecidos pelo atual regime

político. Se ocorrer um fechamento, evidentemente outros grupos serão

favorecidos. Enfim, meu pai pode jogar com a fechadura. Ele está velho.
148

Mas eu tenho 41 anos e meu filho 16. Temos ainda muitos anos pela frente

para colocar tudo a perder.” (Idem, p. 112.)

As relações de parte considerável dos industriais paulistas e de Vidigal Filho com o

regime militar eram sólidas e entremeadas de interesses mútuos, o que é evidenciado pela

manutenção do Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI) durante sua gestão.

Criado às vésperas do golpe de 1964, o GPMI tinha por objetivo apoiar politicamente os

militares. Depois do golpe, o Grupo passou a operar como um canal de comunicação entre

as Forças Armadas e a indústria. Em maio de 1981, diretores da Fiesp, juntamente com seu

presidente reuniram-se com 24 oficias das três armas, dentre os quais o ministro-chefe do

Estado maior das Forças Armadas, general José Ferraz da Rocha, para revitalizar as

atividades do GPMI.

Vidigal Filho traçou, então, um histórico do Grupo, ressaltando seu novo papel:

“Hoje, o Grupo tem como objetivo providenciar, em estreita

colaboração com as Forças Armadas, a implantação do maior número de

indústrias capazes de produzir artigos que necessitará o País, na hipótese de

uma mobilização geral. Toda mobilização militar tem que ser fundamentada

na indústria civil, que suprirá as necessidades das Forças Armadas”

(Indústria e Desenvolvimento, v. XIV, n. 5, mai. 1981, p. 45).

Ao longo do ano de 1980, o GPMI divulgou um total de 994 concorrências abertas

pelas Forças Armadas e organizou visitas de civis e militares ao parque industrial paulista,

envolvendo 730 pessoas e onze empresas. Os vínculos criados desde 1964 entre o

empresariado e os militares iam, portanto, muito além das afinidades ideológicas. Não é de

se estranhar que Vidigal Filho mesmo ao fazer sua profissão de fé democrática faça questão
149

de mencionar repetidamente o papel de condutor da abertura que caberia ao presidente

militar João Batista Figueiredo.

A ruptura com o passado não era, portanto, uma ruptura com o governo ou com os

militares. Era, entretanto, uma ruptura com o modus operandi existente nas gestões

anteriores da Federação e se fazia notar de maneira mais nítida na busca de uma maior

visibilidade para os interesses empresariais. Os primeiros meses da nova gestão foram

marcados por intensas articulações políticas e por uma presença constante de Vidigal Filho

no cenário político nacional e nos meios de comunicação.

O ato de posse da nova diretoria daria o tom, transformando-se em um importante

evento político. Realizado no dia 3 de outubro no Clube Atlético Monte Líbano, a

solenidade foi um desfile de personalidades da política e da economia nacionais.

Compareceram ao evento o vice-presidente da República Aureliano Chaves; os ministros

do Planejamento, Delfim Netto; da Indústria e Comércio, Camilo Penna; da Fazenda,

Ernane Galvêas; e do Trabalho, Murilo Macedo. Também estiveram presentes o

governador Paulo Maluf e o prefeito de São Paulo, Reynaldo de Barros, além de um grande

número de deputados e senadores.

Cerca de três mil empresários testemunharam na posse o contraste entre os discursos

de Theobaldo De Nigris e o novo presidente da Fiesp. Na ocasião, De Nigris não deixou de

criticar as recentes greves, “que causaram enormes prejuízos ao país”, e se autoproclamou

um fiel partidário do golpe de 1964:

“partícipe da Revolução, a Fiesp nada exigiu, nada reclamou, nada

pediu que não fosse o cumprimento da filosofia que inspirou o movimento

de 31 de março: a preservação dos valores democráticos que, no domínio da

economia, sustentam a livre empresa, opção que historicamente fizemos,


150

instrumento de nosso desenvolvimento” (Indústria e Desenvolvimento, v.

XIII, n. 10, out. 1980, p. 32).

O discurso de De Nigris, na escolha dos temas e na sua impostação, era

assumidamente conservador. Conservadorismo que não era apenas o de uma retórica

recheada de floreios anacrônicos. O velho presidente da Fiesp, no ato de transmissão de seu

cargo fez questão de não deixar dúvidas sobre suas filiações políticas e ideológicas,

mostrando seu contentamento com o passado recente do país e o adesismo incondicional da

Federação ao regime.

Se De Nigris era partidário da continuidade, Vidigal Filho se definia como defensor

de uma mudança institucional profunda na Fiesp. O projeto dos patronos da indústria

nacional – Roberto Simonsen, Francisco Matarazzo, Horácio Lafer e Jorge Street –, um

Estado regulamentador que fortalecesse o setor privado com a participação do

empresariado nos órgãos estatais responsáveis pela execução política, teria se esgotado com

“a efetiva implantação de uma estrutura industrial no país, que chegou a seu ponto

culminante no fim da década de 1950”, disse em seu discurso Vidigal Filho (Idem, p. 31).

O desafio para o empresariado era formular um programa de ação adequado aos

novos tempos. Tempos de incerteza. Tratava-se de construir um programa que desse conta

das profundas transformações políticas, econômicas e sociais, que se expressavam

“por uma séria crise, motivada por vários fatores, entre eles o

problema do petróleo, a inflação crescente, o endividamento externo, as

distorções na distribuição de renda, a desigualdade do crescimento regional,

a crescente intervenção do Estado no campo econômico, a deficiência na


151

estrutura da educação, o desafio ecológico, a urbanização acelerada e a

necessidade entre novas relações entre capital e trabalho.” (Idem.)

A percepção da crise exigiria um papel mais ativo por parte do empresariado: “Se o

Brasil optou por um regime capitalista, há necessidade de a classe industrial exercer o seu

papel, não ficando a reboque da História” (Idem). Tal exigência, imposta pela realidade

assumiria a forma de uma reivindicação perante o governo. E nesse momento a

reivindicação de serem ouvidos parece ser a única que o empresariado, de fato, faz. Há no

discurso de Vidigal Filho, é verdade, um apelo por um novo “projeto de nação” sob a

direção do empresariado industrial: “o capital no Brasil, espalhado pela nossa estrutura

produtiva, tem a representatividade necessária, junto à sociedade civil, para interpretar os

interesses coletivos do país” (Idem).

Gradativamente, a temática da representação ganhou um maior refinamento

conceitual, ecoando nitidamente formulações em voga nas universidades paulistas. Em

junho de 1984, por exemplo, durante palestra a empresários baianos em Salvador, essa

formulação era assim apresentada:

“os senhores certamente já me ouviram falar que o Brasil é um país

em que o Estado é forte e a sociedade é fraca. Ao longo de nossa História,

passada e recente, as instituições governamentais lograram obter um alto

grau de controle, tutela e dominação sobre os outros segmentos da

sociedade, fazendo com que as instituições sociais no Brasil crescessem sob

uma patente fragilidade. Apesar de numerosa e economicamente poderosa, a

classe empresarial não fugiu a essa dominação. A tal ponto que, até hoje, ela
152

não detém um poder político compatível com seu poder econômico.”

(Vidigal Filho, 1986a, p. 72.)

Segundo Vidigal Filho, a transição do capital mercantil para o capital industrial em

1930 teria permitido ao empresariado um amplo poder de participação econômica, sem, no

entanto, exercer diretamente o poder político. Para o dirigente da Fiesp, o moderno

empresariado industrial, os remanescentes da decadente economia mercantil, as classes

médias urbanas e os trabalhadores teriam constituído uma frente, “que não foi liderada

como se poderia esperar, pelo empresariado nacional, mas pelo Estado.” (Idem.)

O papel subalterno ocupado pelo empresariado teria perdurado ao próprio “colapso

do populismo”, quando o Estado teria assumido “o modelo da grande corporação

capitalista, atraindo para si o controle do espaço econômico interno”. A fragilidade do

dirigismo estatal para a geração do desenvolvimento econômico e do progresso social, que

teria sido evidenciada no começo dos anos 1970, teria demonstrado ao empresariado que

não necessitava mais da tutela que havia lhe sido imposta: “E embora timidamente, nascia

exatamente do empresariado a proposta de democratização, na verdade a única forma pela

qual se poderia participar do poder político, que até então lhe fora negado” (Idem. Ver,

também, Vidigal Filho, 1986b.).

O pronunciamento de 1984 é uma reconstrução discursiva da real trajetória do

empresariado brasileiro e, particularmente, da trajetória do próprio Vidigal Filho. Mas não

deixa de ser sintomático: a) dos laços que se constituem entre a nova diretoria da Fiesp e o

ambiente acadêmico; e b) da reiterada exigência de participação política. Mas se em 1984 o

discurso aparece quimicamente puro, quatro anos antes, durante a solenidade de posse
153

Vidigal Filho não ia muito além de uma reivindicação de um novo papel para o

empresariado.

Os temas mais fortes tratados na ocasião eram os da conjuntura. A idéia de uma

nova recessão era rejeitada e se falava em uma estratégia nacional assentada na redução da

dependência energética, no desenvolvimento agrícola e na ativação dos gastos sociais. Mas

o anúncio desses componentes estratégicos não tinha maiores desdobramentos

programáticos.

Havia ainda uma intenção um pouco mais desenvolvida de defender firmemente a

economia de mercado e a livre empresa, anunciada no discurso, para evitar “uma luta de

classes de conseqüências imprevisíveis” (Indústria e Desenvolvimento, v. XIII, n. 10, out.

1980, p. 31). Esta é, entretanto, uma defesa dos valores da livre empresa, que não se traduz

necessariamente em um programa de privatização radical da economia e de abertura do

mercado interno. A campanha do Movimento Nacional pela Livre Iniciativa, lançada a

seguir nas páginas do jornal Indústria e Desenvolvimento, com espaço nos grande meios de

comunicação impressa, é, sintomaticamente, uma campanha doutrinária. Assim como é

doutrinário o discurso de Vidigal Filho.

Se o “projeto de nação” anunciado era bastante vago, seus pressupostos políticos

ficavam um pouco mais definidos. Muito embora não fosse um projeto oposicionista,

Vidigal Filho anunciou sua profissão de fé em uma “concepção pluralista e acentuadamente

democrática”, defendendo, inclusive o parlamentarismo como alternativa política.74 Mas o

“projeto de nação” e a nova concepção democrática do empresariado são enquadradas

74
Vidigal Filho continuará fazendo profissão de fé parlamentarista até o final de seus dois mandatos na Fiesp
(Ver Vidigal Filho, 1986d, p. 32).
154

explicitamente no contexto da abertura política que se processava no Brasil “sob a liderança

inconteste do ilustre presidente João Figueiredo” (Idem).

Era isso, e não mais, o que foi anunciado no discurso de posse. É preciso muita

imaginação para identificar nele a revelação de uma vocação hegemônica do empresariado,

capaz agora de realizar na sociedade civil seus potenciais de direção política e ideológica de

toda a nação. A própria afirmação de Vidigal Filho a respeito da elevada capacidade

representativa do empresariado junto à sociedade civil e a capacidade deste interpretar os

interesses coletivos contrasta com o vazio programático do discurso.

Justiça seja feita, é anunciado um projeto, ou pelo menos a intenção de tê-lo. Não

tem o alcance ou a profundidade que Vidigal Filho ao lado de alguns analistas mais

entusiasmados declaravam. Mas anunciar por meio da Fiesp que o empresariado deseja

liderar um “projeto de nação” já era uma mudança digna de nota.

A primeira reunião da nova diretoria, tomou importantes resoluções com o objetivo

de definir contornos mais nítidos a esse novo projeto. Com a criação de um Conselho

Superior de Economia, para prestar assessoria à Fiesp e “encaminhar sugestões às

autoridades governamentais visando soluções que se ajustem aos interesses da economia

brasileira”, a nova diretoria sinalizou uma intervenção mais incisiva no debate econômico

(Indústria e Desenvolvimento, v. XIII, n. 10, nov. 1980, p. 34).

O Conselho seria presidido por Vidigal Filho, fazendo também parte dele os novos

diretores do Departamento de Economia da Fiesp-Ciesp, Cláudio Bardella, e do

Departamento de Cadastro, Estatística e Informações Industriais, Paulo Francini.

Integrariam o Conselho na condição de membros convidados Antonio Ermírio de Moraes,

Dílson Domingos Funaro e Henrique Araújo. O Conselho também incorporava alguns

destacados intelectuais orgânicos do empresariado na condição de membros técnicos:


155

Eduardo Moura e Silva, Luiz Gonzaga Belluzzo, Celso Lafer e Luiz Carlos Bresser Pereira.

Um time de peso, com lugar para algumas vozes dissidentes.

A constituição do Conselho se dava em um momento no qual aumentavam a

perplexidade e a insegurança provocada pela condução da política econômica. O

empresariado havia recebido de maneira eufórica a nomeação, em 15 de agosto de 1979, do

novo ministro-chefe da Secretaria do Planejamento, Delfim Netto. O sempre reservado

Antonio Ermírio de Moraes, festejou na época da nomeação: “Não tinha e nem tem

ninguém melhor do que ele”, afirmava, referindo-se a Delfim (Veja, 22 ago. 1979, p. 22).

E mesmo Cláudio Bardella, conhecido como a consciência crítica do empresariado,

comemorava: “Simonsen era o [Cláudio] Coutinho, aquele que chegava no quadro e traçava

estratégias que os jogadores não entendiam. Delfim é o [Oswaldo] Brandão, cuja meta

única é atacar”, referindo-se, respectivamente, aos técnicos da seleção brasileira e do

Corinthians (Idem). A metáfora parece ter agradado Vidigal Filho, que a repetiu:

“Simonsen era defesa e Delfim ataque. Eu também jogo no ataque.” (Idem.)

Em seu discurso de posse, Delfim Netto anunciou sua estratégia de ataque: rejeitou

a possibilidade da recessão e prometeu uma inversão da escalada inflacionária. Nos seis

primeiros meses de sua gestão, o novo ministro lançou mão de uma série de mecanismos

monetários com o objetivo de conter a inflação e retomar o controle sobre os preços, ao

mesmo tempo em que procurava diminuir o déficit público aumentando a capacidade fiscal

do Estado por meio do aumento de impostos e da elevação dos preços e tarifas

administradas pelo setor público. As medidas culminaram no “pacote de dezembro”: um

conjunto de medidas fiscais que eliminavam subsídios fiscais às exportações de

manufaturados e acabavam com a Lei do Similar Nacional ao mesmo tempo em que

decretava uma maxidesvalorização cambial de 30%.


156

Na Fiesp, a euforia dava lugar a um misto de esperança e temor. Esperança de que

as medidas do pacote conseguissem resolver aqueles que eram considerados os “dois graves

problemas da conjuntura brasileira: inflação e balança comercial” (Appy, 1980, p. 13).

Temor de que o setor industrial fosse atingido por essas medidas e empurrado para a

recessão, como no discurso de Theobaldo de Nigris por ocasião do almoço de

confraternização das Diretorias da Fiesp e do Ciesp, realizado em dezembro de 1979

(Indústria e Desenvolvimento, v. XIII, n. 1, jan. 1980, p. 30).

Vidigal Filho, presente na reunião do Conselho Monetário Nacional na qual o

pacote foi apresentado avaliou-o positivamente: “O Brasil entrou numa fase de verdadeira

economia de mercado”, afirmou, referindo-se às novas medidas (Veja, 12 dez. 1979, p.

120). Mas nem todos os empresários viram com bons olhos essas medidas. Aldo Lorenzetti

previu uma paralisação dos investimentos: “Para o setor elétrico, por exemplo, a situação

ficou problemática, pois boa parte dos componentes é importada. Se não houver exceções,

as empresas vão para o brejo”, afirmou (Idem).

Com o decorrer dos meses de 1980, o temor foi gradativamente suplantando a

esperança. As novas medidas não só tiveram um impacto negativo sobre os preços, que

continuaram a aumentar, como alimentaram uma contração na produção industrial e uma

diminuição no índice de utilização da capacidade instalada da indústria. O setor mais

afetado foi o da indústria de bens de capital, que desde 1979 amargava a redução das

encomendas estatais (ver Gráfico 6). E, para completar o pior dos mundos possíveis, a

inflação atingia a marca dos 113% acumulados em dezembro de 1980.

As críticas do empresariado logo se fizeram ouvir. No início do mês de dezembro de

1980, os presidentes da Confederação Nacional da Indústria, Albano Franco; da

Confederação Nacional do Comércio, Antônio Oliveira Santos; e da Associação dos


157

Exportadores Brasileiros, Laerte Setúbal, solicitaram que “o presidente Figueiredo assuma

o comando da economia, tal como vem fazendo na área política” (Veja, 17 dez. 1980, p.

79). Ou seja, pediram que Delfim Netto tivesse seus poderes esvaziados substancialmente

ou, simplesmente, suprimidos.

Gráfico 7 – Utilização da Capacidade instalada da Indústria – Trimestral

(%)

95

90

85

80

75

70

65

60
1978 1978 1978 1978 1979 1979 1979 1979 1980 1980 1980 1980 1981 1981 1981 1981
T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4

Bens de capital Bens de consumo Bens intermediários Material para construção

Fonte: FGV/Conjuntura Econômica

A declaração de Setúbal coincide com um declínio da popularidade de Delfim Netto

entre os empresários. O Painel de Executivos, consulta semestral realizada pela revista

Exame, registrou a queda. Acompanhando a diminuição dos índices de aceitação do

governo federal, 41% dos empresários entrevistados consideravam a gestão de Delfim à

frente do Ministério do Planejamento como ruim ou péssima (ver Gráficos 4 e 5). Na


158

ocasião, a rejeição ao ministro da Economia era ainda maior: 57,8% consideravam sua

gestão ruim ou péssima.75

A apreciação do governo na Federação paulista, parece ser, entretanto, mais

moderada e a proposta de Setúbal não encontrou apoio explícito, mas nem por isso

deixaram os empresários de externar suas preocupações. Bardella, como sempre, era o mais

incisivo. Analisando as perspectivas para o ano de 1981, o industrial dizia: “o que gera

investimentos é a perspectiva de lucro. No momento a perspectiva de lucro no país está

longínqua. É o lucro que permite às empresas reinvestirem e criarem novos empregos”

(Apud Rocha Filho, 1981, p. 6). Mais comedido José Mindlin destacava que a situação não

era catastrófica, muito embora considerasse que as dificuldades econômicas persistiriam

por mais dois anos (Idem).

Foi nessa conjuntura que o Conselho Superior de Economia recém instituído, fez

sua primeira intervenção pública, subsidiando o Departamento de Economia na elaboração

de um documento que seria aprovado pela Diretoria Executiva no dia 8 de dezembro de

1980 e encaminhado aos ministros da área econômica no dia seguinte. A seqüência

percorrida pelo documento é importante e reveladora não só da estrutura interna da

federação como da função do Conselho.

A economia brasileira, de acordo com o documento da Fiesp estaria sofrendo o

impacto dessa crise devido à crescente internacionalização promovida pelo comércio e

pelos fluxos de capital financeiro. A conjuntura presente da economia brasileira seria,

assim, “a expressão normal dessa anormalidade conjuntural muito mais ampla em que ela

está inserida.” (Idem.) Definidos os estrangulamentos externos e internos aos quais o país

75
Ver o tratamento dado por Brasílio Sallum Jr. (1996, p. 78-81) á análise da popularidade do governo através
159

estaria submetido, o documento afirmava que a recessão não era nem inevitável, nem

desejável e defendia a “sustentação de nível razoável de emprego” (Idem, p. 17).

Gráfico 8 – Avaliação do Governo Figueiredo pelos Empresários

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
jul. 1979 jan. 1980 jul. 1980 jan. 1981 jul. 1981 jan. 1982 jul. 1982 jan. 1983 jul. 1983 jan. 1984
Excelente/Bom 47,7% 40,5% 22,4% 21,6% 23,9% 31,5% 28,9% 38,4% 13,1% 6,1%
Regular 46,5% 49,7% 57,8% 51,6% 48,2% 49,6% 53,3% 45,9% 37,4% 25,0%
Ruim/Péssimo 5,8% 9,8% 19,8% 26,7% 27,9% 18,9% 17,8% 14,2% 42,8% 68,4%

Fonte: Exame, 2 jul. 1980; 28 jan. 1981; 29 jul. 1981; 13 jan. 1982;
11 ago. 1982; 12 jan. 1983; 18 ago. 1983; e 11 jan. 1984. Excelente/Bom Regular Ruim/Péssimo

O documento, intitulado O emprego deve ser a prioridade, tomava como ponto de

partida a crise mundial, repercutindo, assim, o discurso de posse de Vidigal Filho: “Desde o

início dos anos [19]70 a economia mundial vem se caracterizando por seu desempenho

cada vez mais instável e sempre mais distante dos padrões de normalidade que

determinaram sua evolução a partir do pós-guerra”. (Fiesp, 1981, p. 16.)

O diagnóstico da situação crítica da economia mundial e da percepção de um

momento de mutações políticas e sociais em escala planetária é recorrente e já foi visto no

da pesquisa do Painel de Executivos da revista Exame.


160

discurso de posse da nova diretoria da Fiesp. Mas, a rigor, tal diagnóstico não faz senão

duplicar o discurso governamental que insistentemente frisava o choque do petróleo e a

dívida externa como condicionantes dos desequilíbrios internos. Condicionantes esses que

haviam sido explicitados por Delfim Netto na conhecida entrevista aos jornalistas Celso

Ming, Antônio Carlos de Godói, Milano Lopes e José Márcio Mendonça, já em 1979

(Netto, 1979, p. 30), e que ainda eram repetidos na palestra do ministro na Escola Superior

de Guerra (ESG), em junho de 1981 (Netto, 1981b, p. 58).

Gráfico 9 – Avaliação do Ministro Delfim Netto pelos Empresários

80%

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
jul. 1979 jan. 1980 jul. 1980 jan. 1981 jul. 1981 jan. 1982 jul. 1982 jan. 1983 jul. 1983 jan. 1984

Excelente/Bom 68,4% 69,3% 39,5% 22,0% 28,6% 43,1% 32,0% 32,5% 11,9% 9,2%
Regular 25,6% 25,4% 32,2% 37,0% 34,0% 34,2% 41,9% 37,4% 21,9% 16,7%
Ruim/Péssimo 6,0% 5,2% 28,3% 41,0% 37,5% 22,7% 26,1% 27,9% 60,0% 73,3%

Fonte: Exame, 2 jul. 1980; 28 jan. 1981; 29 jul. 1981; 13 jan.


1982; 11 ago. 1982; 12 jan. 1983; 18 ago. 1983; e 11 jan.
Excelente/Bom Regular Ruim/Péssimo

A novidade, então, está no que vem depois do diagnóstico, muito embora ele seja

importante para captar o estado de espírito do empresariado. Chamam a atenção no texto

aprovado pela diretoria da Fiesp, as críticas (leves, mas perceptíveis) às empresas


161

multinacionais e ao sistema financeiro (mais fortes). Das multinacionais, os empresários

cobram um maior esforço exportador e, conseqüentemente, um deslocamento destas do

mercado doméstico para o externo. E sugerem que estas poderiam negociar a conversão de

seus empréstimos contraídos em dólares (cerca de US$ 14 bilhões) em capital próprio.76

As práticas bancárias de remuneração das aplicações financeiras, superando a dos

investimentos em atividades geradoras de produção e emprego, foram, por sua vez,

duramente criticadas. “Não seria recomendável que novamente os excedentes da economia

se concentrassem exclusivamente no capital financeiro”, alertavam os industriais (Idem).

As alternativas econômicas desenhadas pelo documento são, portanto, seletivas.

Elas não poderiam beneficiar exclusivamente multinacionais e bancos. Deveriam estar

focalizadas nos setores produtivos, constituindo uma clara aliança entre a indústria e o setor

agrícola, aliança alimentada pela política governamental que priorizava desde setembro de

1979 a expansão da agricultura e das atividades de exportação. Para a Fiesp a resposta

estaria na articulação de três estratégias:

“administrar a economia com o objetivo explícito de sustentar a taxa

necessária de expansão da oferta de empregos; gerar maior volume de

exportações e subsidiariamente, de produção substitutiva de importações, de

modo a tornar superavitária o mais rapidamente e no montante maior

possível a balança comercial; direcionar os novos investimentos para

atividades que atendam à necessidade de ocupação mais intensiva da força

de trabalho, respeitadas as prioridades setoriais e regionais.” (Idem, p. 17.)

76
A proposta de conversão estava sendo, na época, discutida em alguns círculos oposicionistas. Ver, por
exemplo, o artigo de Pedro Malan na coletânea promovida pelo Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro
(1982, p. 20)
162

Dentro dessa estratégia há ainda um espaço considerável para a ação estatal. Caberia

ao Estado definir políticas que restituíssem a margem de competição das exportações de

bens e serviços por meio de uma política cambial mais realista, que descartasse nova

maxidesvalorização e incentivasse as exportações. À proteção às exportações somar-se-ia a

restrição das importações de produtos intermediários e componentes onde ainda haveria

ampla margem para políticas substitutivas, reduzindo o déficit comercial.

O documento O emprego deve ser a prioridade termina se opondo a um acordo com

o Fundo Monetário Internacional, na medida em que este órgão não teria se mostrado

suscetível a levar em conta nas suas diretrizes as especificidades das economias em

desenvolvimento, “não podendo a nação brasileira submeter-se à ortodoxia econômica que

interessa apenas aos países altamente industrializados” (Idem, p. 18). Mesmo aqui, não

havia grandes diferenças com as diretrizes econômicas do governo. Em várias

oportunidades, dentre as quais a referida palestra na ESG, o ministro Delfim Netto havia

rejeitado a alternativa do FMI.77

Em discurso realizado poucos dias depois, no dia 16 de dezembro, Vidigal Filho

destacava as dimensões projetivas do documento e reafirmava que “o empresariado

brasileiro já tem autonomia e vocação política para a elaboração de um projeto de nação”. E

acrescentava ao documento do Departamento de Economia uma dimensão política mais

clara, definindo a democracia “como o meio mais adequado para que o controle do Estado

se faça com a participação empresarial”. Reproduzindo sua preocupação com a questão

social, o empresário destacava, ainda: “Acreditar na democracia implica redistribuir a

77
“Se fôssemos ao Fundo seria o fundo mesmo. Se tivéssemos ido ao FMI, teríamos que reajustar muito mais
dramaticamente a taxa de crescimento, porque não poderíamos escolher nem o caminho nem a velocidade do
ajustamento” (Netto, 1981b, p. 62).
163

renda, estabelecer tributos justos e enfrentar o problema agrário.” Para Vidigal Filho,

democracia significava “a participação da Sociedade, liberdade sindical, organização

eleitoral e partidária sem casuísmo.” (Indústria e Desenvolvimento, v. XIV, n. 6, jun. 1981,

p. 9.)

A repercussão do documento empresarial nos meios de comunicação foi imediata.

No dia 11 de dezembro, os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Jornal do

Brasil, O Globo¸ Gazeta Mercantil, Diário do Comércio e da Indústria, Jornal da Tarde e

Jornal do Commercio, dedicaram seus editoriais a comentá-lo. As percepções da imprensa

foram das mais variadas e denunciavam as filiações políticas dos editorialistas. O Jornal do

Brasil, por exemplo, afirmava que o que a Fiesp propunha não era o que o governo estava

fazendo (11 dez. 1980, p. 2), enquanto O Estado de S. Paulo, sustentava que o texto dos

empresários “no fundo e, em muitos aspectos, na forma, endossa as grandes linhas da

política governamental” (11 dez. 1980, p. 3).

Mas as diferentes leituras não impediram que vários desses editorialistas

destacassem o desequilíbrio existente entre um diagnóstico da crise bastante detalhado, a

definição de estratégias claras e a ausência de propostas concretas.78 Mais do que afirmar

uma política econômica alternativa, o documento delineava alguns temas sobre os quais

deveria recair a atenção dos governantes e negava alguns dos caminhos que eram afirmados

de maneira mais enfática no debate econômico de então: a recessão, a maxidesvalorização e

o recurso ao FMI.

78
Ver, por exemplo: “No fundo, fica-se com a impressão de que os princípios enunciados são corretos e
merecem aplausos, mas as soluções propostas não chegam ao nível de medidas práticas capazes de aliviar as
pressões que se exercem sobre a economia e a sociedade.” (O Estado de S. Paulo, 11 dez 1980, p. 3.)
164

Os documentos da Fiesp sobre a situação econômica e as análises do Conselho

Superior são testemunhos de uma crise em processo e da resistência a aceitá-la. A análise

cronológica nem sempre é a mais adequada e geralmente é a mais entediante. Mas a leitura

linear das análises econômicas publicadas na revista Indústria e Desenvolvimento revela a

dramaticidade da situação econômica que se desenrola a partir de 1979.

Acompanhando a evolução da economia, o que essas análises retratam é um quadro

de desaceleração econômica com impactos desiguais sobre os diferentes setores produtivos.

Mesmo o otimismo eufórico de A. T. Milanesi, que anunciava “o aplainamento do caminho

para um desenvolvimento melhor ordenado em 1981”, não deixava de apontar situações

que não eram confortáveis “particularmente para aqueles segmentos dependentes de

encomendas do governo, como o de obras públicas, telecomunicações, indústria naval,

ferroviária, engenharia e projetos, bens de capital etc.” (Milanesi, 1980, p. 12).

O rápido declínio da indústria de bens de capital e os problemas criados pela

retração das encomendas estatais e pela ausência dos pagamentos de compras efetuadas

pelo governo também é destacado por Rocha Filho em análise na revista Indústria e

Desenvolvimento (1981, p. 6-7). Ao contrário de Milanesi, Rocha Filho não considerava o

caminho aplainado e creditava o crescimento do Produto Interno Bruto da indústria “mais

por uma questão de inércia do que pela política econômica em vigor” (Idem, p. 6).

Mas o impulso inercial pareceu se esgotar rapidamente para os empresários.

Analisando o estrangulamento das contas externas brasileiras decorrentes do segundo

choque do petróleo e do aumento do serviço da dívida, Vidigal Filho anunciava, no mesmo

mês em que Milanesi festejava o caminho aplainado, uma “perspectiva sombria” para a

indústria brasileira em 1981: “Apesar de lutarmos vigorosamente, governo e iniciativa


165

privada, contra a saída recessiva para a crise, a verdade é que ela se apresenta como ameaça

constante que paira sobre nossas cabeças” (Vidgal Filho, 1981, p. 47).

Mas ainda havia, no discurso do presidente da Fiesp, lugar para um futuro

promissor: “existem fortes razões para acreditar na viabilidade da retomada de um

crescimento intenso e, mais ainda, auto-sustentado para a economia brasileira nos próximos

anos” (Idem). A mesma esperança inercial era ainda alimentada em setembro de 1981 e

exposta em discurso na Associação dos Dirigentes de Vendas do Brasil (ADVB) em Porto

Alegre. “A médio e longo prazos temos todas as condições necessárias para atingir o status

de potência emergente”, afirmava Vidigal Filho (1981a, p. 17).

Esperança que era depositada, também, no presidente da República:

“Confio que estamos no caminho certo. Não creio que estejamos

caminhando para qualquer desastre. Penso que com a participação dos mais

diferentes segmentos da nossa sociedade nós não falharemos, nem nos

desviaremos dos rumos traçados pelo presidente Figueiredo” (Idem).

A confiança no princípio da infalibilidade presidencial demonstrada pelo industrial

não lhe impedia de apontar algumas “medidas corretivas para superar as presentes

dificuldades”. As correções diziam respeito, em grande medida, a reivindicações levantadas

constantemente pelos industriais ao longo do ano: o pagamento das dívidas com o setor

privado, o que beneficiaria, principalmente o setor de bens de capital, e a retomada,

aceleração ou implantação de projetos de investimentos maciços nos setores de habitação e

transportes urbanos de massa. Medidas que teriam o fito de “evitar que a atual recessão,

ainda não generalizada, se transforme em estagnação” (Idem).


166

Mas a recessão já estava generalizada (ver Gráfico 6). Um estudo do economista

Antonio Lanzana, publicado na revista Indústria e Desenvolvimento, de dezembro de 1981,

constatava o óbvio. Com a única exceção do setor de alimentação, todos os demais gêneros

industriais apresentaram no período de janeiro-outubro de 1981 uma redução do Indicador

de Nível de Atividades comparativamente ao mesmo período do ano anterior. Os setores

mais atingidos eram os de material plástico (queda de 17,3%) e o de material de transporte

(queda de 16,9%).79 O conjunto da indústria paulista, por sua vez, apresentava uma queda

do Indicador de Atividade Industrial de 8,2% nesse período; a retração do Produto Interno

Bruto Industrial, medido pelo IBGE, era, por sua vez de 8,9%, a primeira queda desde 1965

(Lanzana, 1981, p. 31-33).

No mesmo número da revista que era publicado o diagnóstico de Lanzana, era

apresentado um trabalho elaborado pelo Departamento de Economia (Decon) e aprovado

pelo Conselho Superior de Economia (Fiesp, 1981a, p. 36). O documento constatava a

existência incontornável a essa altura, de uma profunda recessão, mas o otimismo persista.

Depois de ressaltar os aspectos positivos da política governamental – uma redução da

inflação, que terminou o ano em 97% depois de atingir a marca de 120%, e um saldo

positivo na balança comercial – o Decon registrava sua esperança no ano de 1982:

“Mas se os resultados de 1981 não foram suficientes para uma total

readaptação da economia brasileira, criaram condições para que se processe

algum impulso; em outra palavras, a economia deverá apresentar resultados

mais favoráveis no ano vindouro” (Idem).

79
O Indicador de Atividade Industrial é calculado pela própria Fiesp. A metodologia do cálculo é especificada
no suplemento “Levantamento de Conjuntura – Índices Fiesp”, publicado na revista Indústria e
Desenvolvimento.
167

Gráfico 10 – Produto Interno Bruto (PIB) da Indústria. Valor adicionado

(variação real anual %)

15

10

-5

-10

-15
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
PIB - indústria - transformação 3,81 12,12 2,27 6,11 6,86 9,11 -10,38 -0,18 -5,85 6,17 8,34
PIB - indústria 4,90 11,74 3,14 6,44 6,80 9,25 -8,84 -0,04 -5,92 6,31 8,27

Fonte: Ibge PIB - indústria - transformação PIB - indústria

A reiterada manifestação de esperança não era um ato de ingenuidade. Ela atende a

objetivos que dizem respeito ao presente político e ao futuro econômico. No presente, o

otimismo é uma manifestação de cinismo explícito, confessado pelo próprio presidente da

Fiesp em seu discurso na ADVB:

“O atual surto inflacionário era perfeitamente previsível e foi de fato

previsto, por técnicos e empresários, senão pelo próprio Governo, que por

motivos óbvios, nem sempre revela suas projeções mais realistas para não

agravar ainda mais a situação (coisa que, aliás, nós também somos obrigados

a fazer com certa freqüência e, por isso mesmo, recebemos criticas nem

sempre justas).” (Vidigal Filho, 1981a, p. 16.)

No futuro, ele é uma aposta na política econômica do governo. O diagnóstico

empresarial é extremamente parecido com aquele desenvolvido pelo ministro Delfim Netto
168

em artigo programático publicado no mesmo ano no Balanço Anual Gazeta Mercantil

(Netto, 1981). Os maus momentos vividos pela economia em 1981 seriam o preço a pagar

por um ajuste econômico (“readaptação”, na terminologia do Conselho Superior de

Economia) que permitiria redirecionar a economia brasileira para seus novos objetivos:

agricultura, energia e exportações. Um preço que o empresariado quer diminuir por meio de

pequenas correções de rota e um redirecionamento do qual se mostra disposto a participar.

Que fique claro: os industriais paulistas não se opuseram às novas ênfases da

economia brasileira e estimaram que poderiam continuar a ocupar um lugar de destaque

nelas. Pretenderam, entretanto, participar ativamente desse ajuste estratégico, negociando

condições, ritmos e modos de operacionalizá-lo. Tome-se, por exemplo, a entrevista que o

ministro do Planejamento Delfim Netto concedeu à revista Indústria e Desenvolvimento.

Quando o assunto era o papel do Estado na economia, o tema colocado em discussão pelos

entrevistadores foi o controle dos preços da indústria automobilística. Quando era a

exportação, foi a demora na liberação dos incentivos e a burocracia da Cecex (Netto, 1981,

p. 32 e 35).80 A crítica empresarial situava-se, assim, na margem das propostas

governamentais e nunca em seu centro.

Nos documentos empresariais desenhava-se assim, uma estratégia que tinha por

objetivo participar do novo arranjo produtivo nacional, evitar uma estagnação econômica

duradoura bloqueando trilhas que poderiam levar a ela mais rapidamente e minimizar as

pressões sociais decorrentes de uma conjuntura de crise. A ênfase na questão do emprego,

apontada desde o título do próprio texto do Conselho Superior de Economia, em dezembro

80
Esses temas reapareceram, ainda, na entrevista do diretor da Cecex, Benedito Moreira, à mesma revista
(Moreira, 1981, p. 13-19) e no documento encaminhado por Bardella, Ferreira e Mindlin, sumariando as
sugestões da Fiesp para o aumento das exportações (1981).
169

de 1980, teria, assim, um duplo papel. Por um lado daria legitimidade ao posicionamento

empresarial, demonstrando preocupação com o bem estar social e, por outro, evitaria um

acirramento das contradições sociais e um incremento do movimento grevista que se

verificava desde o ano de 1978.81

A emergência da “questão social” nos pronunciamentos da Fiesp merece maior

atenção. Ela poderia ser indicativa de um desenho projetivo que ultrapassaria as fronteiras

de uma hegemonia restrita e se voltaria sobre toda a sociedade, procurando nela consolidar

a posição dirigente dos industriais. Estudar atentamente essa dimensão é portanto de grande

importância se o objetivo é, como aqui, perseguir a formação do projeto empresarial.

Contextualizar a questão e procurar suas matrizes na situação vivida é portanto necessário.

81
“O documento entregue na terça-feira pela diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp) ao ministro do Planejamento Delfim Netto, distingue-se de todas as demais manifestações do
empresariado nacional por ter colocado em primeiro lugar um postulado social: a necessidade de manutenção
dos níveis de emprego” (Gazeta Mercantil, 12 dez. 1980, p. 3).
170
171

9. A emergência da questão social

A chamada “questão social” havia sido introduzida na pauta empresarial em 1978,

com a eclosão do movimento grevista no ABC. As reações do empresariado foram das mais

dúbias. Entre os anos de 1978 e 1980 é possível perceber claramente dois discursos no

interior da entidade. Para Robert Appy, colunista da revista Indústria e Desenvolvimento, o

movimento grevista de 1978 “de modo geral, desenrola em clima de grande disciplina e

sem que, aparentemente, inspire-se em qualquer ideologia.” (Appy, 1978, p. 20.)

Destacando o impacto das greves sobre os salários, o colunista apontava, no início de 1979,

que elas havia sido responsáveis por um aumento da demanda:

“Seria ilusório supor ser possível voltar atrás no que se refere a uma

política de livre negociação. Esta, entretanto, teria que se processar num

clima mais ordenado, que leve em conta que só os aumentos salariais,

acompanhados de ganhos de produtividade, correspondem a ganhos reais.

Os movimentos sociais de maio de 1978 em diante tiveram a virtude de

elevar os pequenos salários. Importa manter essa vitória social, isto é,

impedir que a inflação anule esses ganhos.” (Appy, 1979, p. 16.)

Há no discurso de Robert Appy um demanda pela despolitização da ação sindical.

Os movimentos sindicais de 1978 estariam revestidos de um conteúdo econômico positivo

na medida em que teriam criado as condições para um aquecimento da demanda, com

impactos benéficos para o conjunto da economia. Mas como estratégia política, estimular a

demanda por meio de movimentos sociais é, do ponto de vista patronal, um completo

contra-senso. O fortalecimento dos sindicatos só pode ser benéfico para o capital se eles
172

forem passíveis de incorporação em uma posição de subalternidade a sua ordem. Daí o

elogio à despolitização. Esta é o pressuposto da subalternidade.

No início do ano de 1980 já não há muita despolitização para elogiar. O movimento

sindical havia, nas greves de 1979, mostrado que embora de maneira limitada, carregava

uma vocação política explicitada na proposta de criação de um partido de trabalhadores no

Congresso Metalúrgico realizado na cidade de Lins em 1979. Na Fiesp o elogio se

transformou rapidamente em uma exigência. Demanda essa que é reproduzida pelo

industrial Roberto Della Manna em artigo na revista da Fiesp. Argumentava o empresário:

“Qualquer empresário consciente, que defenda o regime de livre

empresa e de economia de mercado, sabe que um sindicalismo forte e sadio,

livre de influências políticas, religiosas ou quaisquer outras, estranhas aos

objetivos básicos da categoria profissional que ele agrupa, é fundamental

para que tenhamos uma sociedade mais justa para todos e de paz

duradoura.” (Manna, 1980, p. 50.)

Ao mesmo tempo em que clamava por uma despolitização do sindicalismo, Della

Manna exigia um recuo das demandas levantadas pelo movimento dos trabalhadores:

“Reivindicações além do razoável provocando aumentos

desordenados dos salários, são inimigas do trabalhador, porque, se

ingressarmos num período de descontrole salarial, os remédios que poderão

ser adotados, muito provavelmente, provocarão recessão e desemprego.”

(Idem.)

A posição que prevalecia na Fiesp estava mais próxima da esboçada pelo industrial

do que daquela defendida por Appy. Antecipando-se a uma nova onda de greves no ABC
173

paulista, a Fiesp encaminhou, em novembro de 1979, orientação às empresas associadas

sugerindo não pagar as horas paradas, demitir grevistas e impedir que os trabalhadores

permanecessem dentro das fábricas, expondo-os à repressão policial em praça pública

(Antunes, 1992, p. 40). O Sindicato da Indústria de Máquinas do Estado de São Paulo

(Simesp), propôs a adoção de medidas semelhantes em fevereiro de 1979, defendendo,

ainda o recurso à “guarnição policial” em caso de “perigo iminente” (Idem, p. 42).

É com estas medidas que se encontra afinada a opinião externada por Heitor Feitosa

(1979 e 1980), que na revista Indústria e Desenvolvimento escrevia sobre o desempenho do

setor automobilístico, demonstrando não apenas familiaridade com a indústria como

também proximidade com os executivos do setor. Destacando os impactos das greves

metalúrgicas sobre a produção automotiva em 1979 e 1980, Feitosa reproduzia a posição

patronal nas greves e denunciava “a escalada política” dos líderes sindicais (1980, p. 18).

Para o articulista, era necessário que na mesa de negociações fossem colocadas

“reivindicações plausíveis e compatíveis com a realidade, abandonando-se cláusulas

absurdas” (Idem). Reclamava, também da exigência pelos grevista do pagamento das horas

paradas e advogava uma reforma sindical que fracionasse os sindicatos metalúrgicos. Por

fim, Feitosa, indo muito além do esboçado por Della Manna e verbalizando o acirramento

dos ânimos na greve daquele ano, pedia a aplicação do rigor da lei – da mais rigorosa lei

existente, na verdade –, sobre os sindicalistas:

“Assim, o enquadramento na Lei de Segurança Nacional, dos líderes

sindicais que incitavam seus companheiros à greve ilegal, deve ser encarado

como necessário àqueles que se conduzem de maneira temerária, pondo em

risco a ordem pública, colocando-se fora e acima dos poderes constituídos e

incentivando os conflitos sociais.” (Feitosa, 1980, p. 19.)


174

É com esta posição, e não com a primeira, que De Nigris se encontra alinhado.

Referindo-se à negociação direta entre patrões e trabalhadores, princípio defendido por

Appy no artigo citado, De Nigris ponderava: “em princípio todos são favoráveis a ela,

receando ser acoimados de reacionários, intolerantes ou anti-democráticos” (Indústria e

Desenvolvimento, v. XIII, n. 1, jan. 1980, p. 42). Mas não temendo as acusação que

poderiam lhe ser dirigidas, afirmava ser a negociação direta “uma proposta de conluio de

interesses a dois, com desprezo e dano de terceiro – o público consumidor, o povo, enfim –,

que dela não participa, mas é chamado, sem alternativa, a pagar-lhe o preço” (Idem).

A posição da diretoria da Fiesp eleita em agosto não reproduzia nem a concepção

idílica-modernizadora de Appy nem o ponto de vista belicoso-conservador de De Nigris.

Seus membros haviam passado pela prova de fogo das greves de 1978 e 1979 dentro de

suas fábricas e não nos confortáveis gabinetes da Avenida Paulista. Foi nessas greves que

Nildo Masini construiu sua imagem de duro negociador e que Vidigal Filho formou um

juízo negativo do líder sindical de Luiz Inácio Lula da Silva.82 Mas foi também nesses

conflitos, que refinaram suas políticas trabalhistas.

Em novembro de 1980, a Comissão de Negociação do Grupo 14 da Fiesp, que

representava os patrões nas tratativas salariais com os trabalhadores metalúrgicos, chegou a

um importante acordo com sindicatos da Capital, Osasco e Guarulhos. Vidigal Filho

considerou o acordo “um gesto de maturidade de ambas as partes e um voto de confiança

que os operários dão à nova diretoria da Fiesp, um crédito de confiança cuja

responsabilidade assumimos neste instante (Indústria e Desenvolvimento, v. XIV, n. 6, jun.

82
Para Vidigal Filho, “Ele [Lula] e o Jânio são muito parecidos. Ambos são especialistas em aglomerar
pessoas, em mobilizar multidões. Só não aprenderam a colocar um ponto final nas manifestações que
articulam”. (Veja, 10 set. 1980.)
175

1981, p. 9.). Os sindicalistas signatários do acordo também não pouparam adjetivos. Para o

presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Joaquim dos Santos Andrade, o

acordo era “o início de uma nova era no relacionamento entre Capital e Trabalho” (Idem).

Foi Nildo Masini, coordenador da Comissão, quem colocou as coisas em

perspectiva, evitando os exageros do presidente:

“De alguns anos a esta parte, se verificava a ocorrência de uma certa

deterioração no diálogo mantido entre as partes, que poderia levar esse tipo

de negociação à falência. A partir de agora, este entendimento deverá

continuar cada vez mais forte, em face da maturidade alcançada por ambas

as partes e, também, pela não interveniência de qualquer segmento da

sociedade, servindo, mesmo, como parâmetro a outras categorias.” (Idem, p.

9-10.)

Em março de 1981, foi a vez do Grupo 14 fechar o acordo com os sindicatos dos

metalúrgicos do ABC e interior. O acordo foi considerado por Vidigal Filho como “o

momento mas importante (...) desde a eleição como presidente da Fiesp” (Indústria e

Desenvolvimento, v. XIV, n. 3, mar. 1980, p. 49). Os empresários tinham seus motivos para

comemorar. Era a primeira vez em três anos que os acordos salariais eram concluídos “sem

a interferência – direta ou indireta – do governo, sem greves e antes do prazo estabelecido

para o dissídio da categoria dos metalúrgicos” (Idem).

Os acordos salariais na Capital e do interior fortaleceram no interior da Fiesp a

proposta de realização de um pacto social envolvendo empresários, trabalhadores e o

governo. Novamente, era Masini, quem dava o tom: “Eu acho que a negociação de março,

nos termos em que foi colocada, serve de parâmetro para o Brasil todo. Ela vai, sem
176

nenhuma dúvida, ajudar para a obtenção do tão falado pacto social” (Apud Vasconcellos,

1980, p. 8.)

A proposta, que já havia sido ventilada durante a campanha eleitoral ao longo do

ano de 1980, como explicava na época o redator-chefe do boletim Tendências do Trabalho,

Frederico Vasconcellos:

“Agora, ele ressuscita como um prolongamento do clima das últimas

negociações trabalhistas em São Paulo. Nesta sua nova aparição, a intenção

de um acordo entre empresários e trabalhadores ressurge num quadro de

relações trabalhistas fortemente afetado pelas limitações da oferta de

empregos.” (Idem, p. 6.)

Em uma conjuntura recessiva o pacto social era levantado pelo empresariado como

uma saída para a criação de mecanismos de controle social mais eficazes que pudessem

incluir níveis mais elevados de contenção salarial em troca da estabilidade no emprego.

Para o vice-presidente da Fiesp, Paulo Francini, “O que o empresário quer é criar

mecanismos de absorção de conflitos. Deve existir o tácito entendimento de que estamos no

mesmo barco – não interessa à empresa a aflição do trabalhador e vice-versa.” (Idem, p. 7.)

Muito embora o acordo com os metalúrgicos do ABC e do interior seja citado como

modelo, o interlocutor privilegiado da Fiesp no movimento sindical não era o Sindicato dos

Metalúrgicos de São Bernardo e sim o de São Paulo. “Numa generalização”, afirmava

Vasconcellos, “pode-se dizer que há entre os dirigentes sindicais mais radicais aqueles que

consideram ‘negociação’ como sinônimo de ‘composição’.” (Idem, p. 8.) Aproximava-se,

assim, da visão do ministro do Trabalho, Murilo Macedo, para quem havia “o sindicalismo

democrático que se distingue do sindicalismo revolucionário, na medida em que o primeiro


177

vê no empresário um parceiro de jogo com o qual ele deve e pode transacionar, enquanto

na postura revolucionária, o patrão é tido como o inimigo a ser destruído” (Idem).

O parceiro já estava escolhido pela Fiesp. Era Joaquim dos Santos Andrade, o

conservador presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Não era o escolhido

para viabilizar a construção de uma hegemonia ampliada sobre a sociedade. A proposta do

pacto social não tinha essa intenção. Seu objetivo era o de neutralizar a ação dos sindicatos

por meio do transformismo de suas lideranças.

Andrade era, para tanto, a figura ideal. Fazendo coro à proposta do pacto, o líder dos

metalúrgicos de São Paulo não perdia a ocasião para vociferar contra seus adversários na

Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat). “Publicamente nós sempre

dissemos que não fugiremos do diálogo. Quer a ‘esquerdinha’ queira ou não, a gente vai

dialogar”, afirmava. E logo a seguir concluía:

“As correntes mais radicais, esses ‘grupelhos’, naturalmente vão

tentar se opor. Mas eu acho importante dizer que qualquer negociação deve

ser mantida a nível de discussão com os próprios trabalhadores. A partir do

momento em que a maioria consciente discutir, será possível eliminar ou

reduzir eventuais resistências” (Idem).

A viabilidade da proposta do pacto logo se revelou ilusória. A capacidade de

contenção dos parceiros escolhidos pela Fiesp era bastante reduzida. Mais eficaz para a esse

propósito foram as táticas agressivas adotadas pelos industriais contra as greves de 1980 e a

intervenção estatal nos sindicatos da região. Os golpes recebidos pelos sindicatos

metalúrgicos da região do ABC paulista surtiram efeito, criando uma relação de forças que

colocou os trabalhadores conjunturalmente em uma posição defensiva, agravada pelo início


178

de um período recessivo e o aumento do desemprego. Nessa nova conjuntura, a proposta de

pacto social foi, pelo menos momentaneamente, esvaziada, desaparecendo do discurso

patronal.

Na verdade, esta proposta nunca chegou a ocupar o centro do projeto patronal.

Esporadicamente ela aparece como resposta empresarial a relações de forças muito

específicas. Mas não se constituiu, entretanto, em peça que alargue o alcance da política

empresarial. Na Fiesp, o pacto é visto como um mecanismo de incorporação subalterna das

classes trabalhadoras capaz de “absorver os conflitos”, nas palavras de Francini. Sua

importância no discurso empresarial é função, portanto, de sua capacidade de, em uma dada

conjuntura, neutralizar de fato os confrontos classistas.

O que a presença do pacto revela, portanto, é que o conflito existe como uma

ameaça presente ou potencial. Revela, também, e isto é o mais importante para esta

pesquisa, a existência de lideranças empresariais capazes de articular respostas políticas

flexíveis adaptadas a contextos particulares. A proposta do pacto mostra empresários que

são contemporâneos de seu presente e reagem ativamente aos imperativos desse tempo de

crise econômica e política que se desenha.


179

Parte IV. A LUTA POR UM PROJETO

EMPRESARIAL

“O antigo burguês era pelo menos mais conseqüente. Extasiava-se


com seus privilégios, queria aumentá-los, olhava para cima. O nosso
olha para baixo, vê a multidão subir atrás dele, como ele próprio
subiu, e não deseja que ela suba; e assim ele recusa, protege-se do
lado do poder. Confessará claramente suas tendências retrógradas?
Raramente, seu passado lhe repugna; permanece quase sempre numa
posição contraditória, liberal por princípio, egoísta pela prática,
querendo e não querendo.”
(Jules Michelet. O povo.)
180
181

10. Os industriais paulistas e a crise brasileira

O ativismo empresarial que se manifestava com vigor a partir de meados da década

de 1970 foi a reação patronal a uma crise que já se vislumbrava no horizonte. Nas seções

precedentes, discutiu-se o alcance dessa reação e suas dimensões projetivas. Eram,

entretanto, os primeiros movimentos perante uma crise que ainda se agravaria muito, como

será visto a seguir.

O anúncio dos índices de crescimento do PIB e do PIB industrial em 1980,

despertaram em alguns a ilusão alimentada pelo governo de que o pior já havia passado.

Mas ainda havia muito por vir. O ano de 1981 pode ser considerado decisivo. Com a

exceção de 1930 e 1964, dois períodos que dispensam maiores comentários, a economia

brasileira sempre havia mantido índices positivos de crescimento do PIB industrial. A

abrupta queda do PIB em 1981, teve assim entre os empresários o impacto de um trauma

histórico.

O governo bem que tentou minimizar tais indicadores, afirmando repetidamente que

o fraco desempenho deveria ser atribuído, principalmente, a alguns setores específicos da

economia, nomeadamente a indústria automobilística. Em várias oportunidades, o próprio

Delfim Netto voltou a essa questão negando a existência de uma recessão. Ainda em junho

de 1981, durante palestra na Escola Superior de Guerra, Delfim reiterava: “Nós estamos

muito longe de estar em uma recessão. Nós estamos, isto sim, com um nível de atividade

menor do que aquele que nós desejaríamos.” (Netto, 1981b, p. 73.)

Os industriais paulistas acompanharam, como foi visto acima, Delfim e o governo

durante um certo período de tempo. Partilharam expectativas, otimismos e mantiveram,


182

durante todo o ano de 1981 uma avaliação cada vez mais positiva da ministro do

Planejamento do general Figueiredo. Em janeiro de 1982, 43% dos empresários sondados

pela revista Exame para o Painel de Executivos consideravam Delfim Netto excelente ou

bom (ver Gráfico 8). Mas a crise cobrou se preço. A partir desse ponto, à medida em que o

PIB industrial decaia o governo perdia apoio entre o empresariado.

O conjunto de medidas econômicas adotadas no final de 1980 e ao longo do ano de

1981, aumentaram a intensidade da recessão. Tratava-se, nas palavras do ministro do

Planejamento, de promover o ajuste da economia brasileira em um contexto internacional

marcado pela segunda crise do petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais. O

“ajuste” visava reduzir a necessidade de divisas internacionais por meio do controle da

absorção interna, reequilibrando o balanço de pagamentos (Carneiro e Modiano, 1992, p.

324-328).

Um conjunto de medidas ortodoxas havia sido tomado com esse propósito:

contração salarial, controle das despesas públicas e dos investimentos das estatais; aumento

da arrecadação tributária, mediante correção das faixas do imposto de renda abaixo da

inflação e elevação do Imposto sobre Operação Financeiras das importações; e um

enxugamento violento da liquidez real e do crédito baseado na liberação das taxas de juros

dos empréstimos bancários – com a exceção daqueles destinados para a agricultura, energia

e exportações, os novos objetivos prioritários do governo (Netto, 1981b, Carneiro e

Modiano, 1992).

De certo modo, as políticas restritivas adotadas pelo governo antecipavam muitas

das exigências do FMI sem o acesso ao crédito que um acordo formal permitira. Mas o

ajuste voluntário promovido pelo governo não solucionou o problema da dívida externa e o

desequilíbrio no balanço de pagamentos. Muito embora as importações tivessem caído


183

abruptamente e as exportações aumentado, o que acarretou importantes saldos positivos na

balança comercial, o aumento do serviço da dívida externa produziu relações dívida/PIB e

dívida/exportação crescentes (Baer, 1996, p. 118 e Coutinho e Belluzzo, 1998, p. 214).

A moratória da dívida externa mexicana em agosto de 1982 e o fechamento dos

mercados internacionais para o financiamento da dívida externa latino-americana deram o

empurrão que faltava para o governo recorrer ao FMI. Em setembro daquele ano, a equipe

econômica brasileira iniciou as negociações com o Fundo, embora, internamente, com

vistas nas eleições de novembro, continuasse a afirmar que não fazia sentido recorrer a ele.

Mas apenas cinco dias após o pleito, o governo anunciou que submeteria um programa de

ajuste econômico ao FMI. Durante os dois anos seguintes o governo subordinou-se à rígida

disciplina monetária preconizada pela instituição, desvalorizando a moeda nacional,

desindexando os salários em um contexto francamente inflacionário, reduzindo os gastos

públicos, arrochando os investimentos privados e aumentando os impostos.

O empresariado acompanhou essa conjuntura de maneira apreensiva, adotando

táticas tipicamente defensivas para proteger suas empresas. Acompanhando o ajuste

macroeconômico, levado a cabo pelo governo, as grandes empresas privadas brasileiras

promoveram seu ajuste interno, reduzindo sensivelmente seu grau de endividamento e

protegendo suas margens brutas de lucro por meio de sua capacidade de afetar a formação

de preços (Belluzzo e Almeida, 2002, p. 215-221). Tais mecanismos não estavam ao

alcance, porém, das pequenas e médias empresas que foram profundamente afetadas pela

recessão do início dos anos 1980.

Esse desenvolvimento desigual e combinado da crise afetaria o relacionamento entre

os empresários e o governo. Ao longo do ano de 1982, as rusgas entre o empresariado e a

equipe econômica do governo se tornaram constantes. Basicamente giraram em torno das


184

respostas à crise econômica e do combate empresarial à recessão. O discurso cuidadoso do

ano de 1981 foi gradativamente deixado de lado. Quando em junho de 1982, a revista da

Fiesp publicou o balanço do ano anterior, o que se tem é uma interessante reconstrução que,

deixando de lado a moderação excessiva do ano anterior, destacava a denúncia da recessão,

dos juros e impostos elevados (Indústria e Desenvolvimento, v. XV, n. 6, jun. 1982, p. 31-

42).

Foi entretanto o recurso do governo ao FMI que marcou a “crescente dissociação

entre o empresariado privado e o governo” (Sallum Jr., 1986, p. 78). Dissociação parece ser

a palavra mais adequada – e precisa – para explicar o que ocorre então. As divergências do

empresariado com o governo Figueiredo eram menores do que as que manifestava com seu

ministro do Planejamento, mas o fracasso da política econômica empurrou todos para o

mesmo abismo produzindo uma separação. A análise do Painel de Executivos da revista

Exame permite acompanhar esse processo. Entre os dados de desempenho de Delfim Netto

publicados em janeiro de 1983, refletindo o humor empresarial em dezembro do ano

anterior, e os índices de julho de 1983, a queda é abrupta: os índices de excelente/bom

passam de 32,5% para apenas 11,9% e os de ruim/péssimo pulam de 27,9 para 60% (ver

Gráfico 8).

O afastamento entre empresários e o governo produziu, ao mesmo tempo, uma

aproximação dos primeiros aos chamados “economistas de oposição” ou “economistas

críticos”. As alianças do empresariado com os economistas sempre foram vitais para a

constituição do projeto burguês. É por meio desses intelectuais orgânicos do capital que o

empresariado tradicionalmente configurou suas estratégias e seus programas intervindo no


185

debate econômico.83 Desde o famoso debate entre Eugenio Gudim e Roberto Simonsen,

esse tem sido o modo de procedimento das diferentes frações da burguesia brasileira.

Quando, ao longo de 1983, o Fórum Gazeta Mercantil realizou uma série de

seminários fechados com a participação da nata da corrente oposicionista, começava a ficar

clara a nova opção do empresariado. O resultado dos debates promovidos pelo Fórum foi o

livro que levou o sugestivo nome de Brasil x FMI: a armadilha da recessão (Silva et alli,

1983). Com introdução assinada por João Manuel Cardoso de Mello e por Luiz Gonzaga

Belluzzo, a obra reúne contribuições de personagens que em breve assumiriam papéis

destacados na condução da política econômica nacional: André Lara Resende, Dércio

Garcia Munhoz, Luciano Coutinho, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Malan, Carlos Lessa,

Edmar Bacha, Paulo Rabello de Castro, Rogério Furquim Weerneck, Adroaldo Moura da

Silva, Cláudio Salm, José Marcio Camargo, Luz Aranha Corrêa do Lago, Paulo Renato

Souza e Roberto Macedo.

Reunidos na ocasião, os “economistas de oposição” advogaram “um rompimento

total com a política do Fundo Monetário Internacional, pela recuperação dos instrumentos

de controle sobre a economia interna pela retomada do crescimento” (Mello e Belluzzo,

1983, p. 24). A crítica à política econômica do governo Figueiredo era radicalizada nesse

livro, mas estava ausente uma alternativa explícita mais abrangente, ou como era comum se

dizer já naquela época o que faltava era uma proposta de “modelo de desenvolvimento”

(Cf. Cruz, 1997, p. 60).

Não que essa alternativa não existisse entre os “economistas de oposição”. Ela foi,

por exemplo, explicitada por Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa. Diziam eles:

83
Para o lugar dos economistas como mediadores globais do projeto burguês, ver Cruz (1997). Para o lugar
186

“Por um lado, se trata de perfilar uma frente alternativa de expansão,

com novas prioridades sociais explícitas; por outro, se trata de travar lutas

defensivas dos grupos subordinados e excluídos, para incrementar os seus

recursos de poder que lhe permitam caminhar na suposta direção desejada.”

(Tavares e Lessa, 1984, p. 131.)

As “linhas de ataque” dessa nova frente de expansão iam direto aos pontos críticos

de três questões macroeconômicas chaves que exigiam solução: o problema agrário, o

problema industrial e o problema urbano. “A ruptura dos principais bloqueios ao

crescimento e o encaminhamento da justiça social passam pelo encadeamento de soluções

que atravessam estas três questões centrais” (Idem, p. 134).

A inexistência de um “modelo alternativo” na obra coletiva promovida pelo Fórum

Gazeta Mercantil reflete o eclipsamento do debate sobre a política industrial e de

desenvolvimento em meio à gravidade da recessão, conforme apontado por Cruz (1997, p.

60-61). Mas é de se perguntar se a acolhida dos “economistas de oposição” pelo

empresariado seria a mesma se a alternativa desenhada por Tavares e Lessa fosse

explicitada por todos. Não é de se estranhar, pois, que a ponte entre esses economistas e a

Fiesp tenha sido Belluzzo e não Tavares ou Lessa.

Foi por intermédio do professor do Instituto de Economia da Unicamp, já membro

do Conselho Superior de Economia da Federação patronal, que a aliança entre os

“economistas críticos” e os industriais foi construída. Depois de dois anos entrevistando

personalidades do primeiro e do segundo escalão governamental, a revista Indústria e

dos economistas na política brasileira, Loureiro (1992).


187

Desenvolvimento abriu suas páginas da edição de novembro de 1983 para a oposição e

nelas estampou uma entrevista com Belluzzo.

Na entrevista, publicada no mesmo mês que o livro do Fórum Gazeta Mercantil

vinha à luz, Belluzzo reproduzia a moderação já notada. Novamente, a questão da

alternativa aprecia diluída, quase apagada. De fato, o economista evitava entrar na questão.

Interrogado sobre o qual seria sua alternativa, ele responde: “Acho que estamos metidos

numa situação em que um economista, um político ou mesmo um empresário arriscar uma

receita técnica é uma aventura, digamos assim, perigosa e seria muito presunçoso fazer

isso.” (Indústria e Desenvolvimento, v. XVII, n. 11, p. 14.)

E, mais adiante, esboçava de maneira apenas superficial o que ele considerava a

chave para a solução da crise:

“Acho que se exigiria, de fato, a adoção de um sistema de

planejamento – e quando falo em sistema de planejamento não me refiro

apenas ao estabelecimento de metas monetárias e fiscais, mas a um sistema

de planejamento integrado, no sentido, inclusive, de se delinear qual seria a

política de preços.” (Idem).

Se nas alternativas apresentadas pelos diferentes “economistas de oposição” havia

importantes nuances que merecem ser registradas, também havia um eixo projetivo em

torno do qual era construída a unidade do grupo e deste com o empresariado: a defesa de

uma alternativa neodesenvolvimentista à crise brasileira que reservava ao Estado um

importante papel, seja nas funções de planejamento, seja nos investimentos estratégicos.

Não era essa a única alternativa que se apresentava naquela quadra histórica. No

contexto de crise orgânica apareceu, também com vigor, a alternativa neoliberal,


188

reproduzindo temas em voga desde a ascensão de Margaret Thatcher e Ronald Reagan aos

governos da Inglaterra e dos Estados Unidos. Grosso modo, tal alternativa, aplicada à

situação brasileira, defendia a desregulamentação da economia, as privatizações e o

relançamento do crescimento capitalista impulsionado por um empresariado inovador livre

da tutela estatal (Sallum Jr. e Kugelmas, 1993, p. 281 e Sallum Jr., 1996, p. 82).84

Os neoliberais tinham uma sólida base social e uma numerosa audiência composta

pelas lideranças vinculadas à agro-exportação e ao empresariado comercial e financeiro.

Também tinha seus intelectuais, vários com passagem pelos governos militares. Em sua

maioria, ocupavam respeitáveis posições acadêmicas na Faculdade de Economia e

Administração da Universidade de São Paulo e na Fundação Getúlio Vargas do Rio do

Janeiro.

Foi para dar visibilidade e difundir essa alternativa que, em 1983, foram criados por

empresários do Rio de Janeiro os Institutos Liberais. Os Institutos tinham por objetivo a

difusão da concepção de mundo liberal e seus valores: em primeiro lugar a primazia das

leis de mercado sobre a ação estatal, a liberdade como fundamento do estado de direito, a

defesa da iniciativa privada e a liberdade de todos perante a lei (Gros, 2002).

Com um claro projeto hegemônico, os Institutos Liberais não estavam preocupados,

com a representação de setores do empresariado e sim com a difusão de uma ideologia.

Para marcar essa diferença, essas entidades não se apresentava como associações de

empresários e sim como associações civis, muito embora fossem empresários a maior parte

84
Sobre o neoliberalismo, ver a influente descrição traçada por Anderson (1995). Para a análise da política
neoliberal no Brasil, Boito Jr. (1999).
189

de seus membros e daqueles que contribuíam financeiramente.85 Importantes industriais,

como Jorge Gerdau Johannpeter, participavam dos Institutos Liberais, mas a adesão

encontrada por essa corrente no meio empresarial era, nos seus primeiros anos, ainda

reduzida.

Adesão política, bem entendido, ou seja, aderência a um projeto de transformação

das relações Estado-sociedade. Certos aspectos doutrinários dessa alternativa, como a

defesa da livre-iniciativa e as diatribes contra o Estado fizeram parte do discurso dos

industriais paulistas desde a fundação do Ciesp, em 1928. Em certos momentos, como

durante a campanha contra a estatização de 1974, algumas frações da burguesia industrial –

mas não é possível afirmar se a maioria (Cf. Cruz, 1995) – chegaram até mesmo a utilizar

cores mais vivas na denúncia, estabelecendo alianças com a burguesia comercial.

Mas até o momento aqui tratado o neoliberalismo era extremamente minoritário

entre os industriais. Não havia, portanto, nenhuma barreira político-ideológica que

impedisse, que o empresariado industrial gradativamente, a partir de sua dissociação com o

governo ao longo dos anos de 1982 e 1983, passasse a endossar a alternativa

neodesenvolvimentista preconizada pelos “economistas de oposição”. No final de 1983, a

aliança com os “economistas de oposição” foi soldada pelo documento divulgado pelos

líderes empresariais eleitos em 1983 no Fórum Gazeta Mercantil.

O Documento dos Doze (Diniz et alli, 1983), como ficou conhecido, era assinado

por um conjunto respeitável de lideranças empresariais: Abílio dos Santos Diniz, Antônio

85
Dentre as empresas que contribuíram financeiramente com a entidade em 1989, estavam alguns dos mais
poderosos grupos econômicos do país. Com o Instituto Liberal de São Paulo, por exemplo, contribuem nove
grandes empresas estrangeiras em operação no Brasil (Alcoa Alumínio, Carrefour, Ciba-Geigy, Citibank,
Dow Química, Gessy Lever, Hoechst, Nestlé, e Rhodia) e quinze dos maiores grupos econômicos nacionais
(dentre os quais Bradesco, Banco Itaú, Banco de Crédito Nacional, Indústrias Villares, Paranapanema
190

Ermírio de Moraes, Cláudio Bardella, Jorge Gerdau Johannpeter, José Ermírio de Moraes

Filho, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Manoel da Costa Santos, Olavo Egydio Setúbal,

Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Fagundes Gomes. Várias desses lideranças eram

signatárias do Documento dos Oito, que tanto furor havia causado cinco anos antes (Moraes

et alli, 1978).

Embora menos conhecido que seu antecessor, o Documento dos Doze estabelecia

claramente as bases programáticas da aliança entre os empresários e os “economistas de

oposição: reforma do sistema financeiro, subordinando-o ao financiamento do

desenvolvimento; controle público das empresas estatais, “preservando a capacidade

produtiva dos setores estratégicos (insumos básicos, energia, petroquímica, mineração,

telecomunicações), cujo desempenho eficiente é fundamental para expansão do parque

industrial brasileiro” e fechando as estatais deficitárias; uma política industrial que

privilegiasse os setores capazes de irradiar novas tecnologias e permitisse avançar no

processo de substituição de importações; uma política de investimentos estatais que

maximizasse a geração de empregos; e “uma nova atitude na renegociação da dívida

externa” (Diniz et alli, 1983).

Assim como o Documento dos Oito, no novo texto os empresários afirmavam seu

compromisso com a democracia e advogavam a “plena democratização” e a “total

reinstitucionalização do País”. Não eram feitas menções à sucessão presidencial, tema que

já era amplamente debatido. Mas a ausência pode ser creditada à tradicional prudência

demonstrada pelo empresariado quando o assunto eram os militares. Neste caso, mais

importante do que a ausência do tema é o que nele está explícito: o projeto anunciado pelos

Mineração, Varig e Votorantim) (Gros, 2002, p. 175).


191

empresários não era partilhado pelo governo. Era o projeto defendido pelos “economistas

de oposição”.

O novo projeto empresarial teve que esperar algum tempo para poder ser colocado

em prática. Foi apenas com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que os

“economistas críticos” passaram a ocupar posições chaves na condução da política

econômica. Inicialmente, a nomeação de Francisco Dornelles para Ministério da Fazenda,

veio a frustrar, em certa medida, esse programa. Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves e

seu homem de confiança, propunha diretrizes econômicas baseadas em pressupostos

ortodoxos, como a defesa de políticas de estabilização ancoradas na contenção da demanda

e no combate ao déficit público, através do corte de gastos, da reforma tributária e do

endividamento público. Mas também fazia concessões à heterodoxia, como o controle de

preços do setor privado e o congelamento das tarifas dos serviços públicos.

O ecletismo de Dornelles era indicativo das dificuldades que a coalizão política,

formada pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e pelo Partido da

Frente Liberal (PFL), teria para acomodar interesses e projetos divergentes. A aliança era

uma solução conciliatória criada em uma conjuntura ainda marcada pela intensa agitação

política e social organizada por ocasião do movimento pelas Diretas Já. Sua constituição

procurava pôr um fim à crise política, bloqueando a ativação política das classes

subalternas, mas procurando incorporá-las passivamente a um projeto

neodesenvolvimentista de feição social (Sallum Jr., 1996, p. 111).

Os cuidados tomados pelos empresários nessa conjuntura, eram próprios da

gravidade do momento. As entidades empresariais, como de hábito, falavam em sua

linguagem codificada. Na primeira semana de maio, a Fiesp manteve uma audiência com o

presidente da República, na qual hipotecou “solidariedade, apoio e todo suporte ao


192

programa econômico de José Sarney”, como narrou Vidigal Filho em palestra realizada na

Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, na semana seguinte (1986a, p. 85). O que o

industrial apoiava era o controle dos gastos públicos, por meio de um efetivo controle do

orçamento fiscal capaz de transformar a “a máquina administrativa em algo eficiente”

(Idem). Mas Vidigal não tinha acordo com a repressão à demanda e indicava suas

prioridades como se fossem as prioridades de Dornelles e sua equipe. Afirmava na mesma

ocasião o empresário:

“Indiscutivelmente, o objetivo maior da política econômica do nosso

governo deve ser o da retomada do desenvolvimento, da criação de

empregos e da melhor distribuição de renda nacional, através de um esforço

conjunto que possibilite compatibilizar o crescimento econômico com o

combate à inflação, estimulando o aumento dos recursos e orientando sua

aplicação nas atividades produtivas, com base no reconhecimento do lucro

como ‘prêmio da eficiência e o motor da atividade econômica’, conforme

definiu em sua mensagem ao ministério o próprio presidente Tancredo

Neves.” (Idem.)

Uma no cravo e a outra na ferradura...

Seis meses depois de assumir a pasta da fazenda, Dornelles sucumbiu às múltiplas

pressões. Internamente, enfrentou a oposição dos ministros peemedebistas do

Planejamento, João Sayad, e da Agricultura, Pedro Simon, partidários do

desenvolvimentismo de feição social. No meio sindical, Dornelles enfrentou um forte e

combativo movimento sindical, que retomava suas ações depois do refluxo vivido após a

derrota da greve metalúrgica de 1980 e dos anos de recessão. No meio empresarial,


193

Dornelles encontrou o apoio ao seu diagnóstico sobre a escalada inflacionária, mas uma

profunda oposição às terapias recessivas (Diniz, 1997, p. 57). Como antecipado por Vidigal

Filho, a retomada dos investimentos era considerada crucial pelos empresários para a

superação da crise.

Dornelles foi substituído pelo empresário Dilson Funaro, dono da Trol, ex-diretor da

Fiesp e há muito afinado com as hostes peemedebistas. A substituição ficou longe de

desagradar os empresários, como manifestado pelo presidente da Fiesp,

“O presidente da República usou no episódio da saída do ministro

Dornelles uma de suas prerrogativas, buscando dar maior unidade a seu

corpo de colaboradores. Agora, tudo conduz a que essa unidade seja

alcançada e que a política econômica a ser estabelecida – já que ela não está

totalmente formulada – seja capaz de estimular o aumento dos recursos

internos e orientar a sua aplicação nas atividades privadas, em busca do

desenvolvimento econômico e social.” (Vidigal Filho, 1986f, p. 118.)

O ano de 1985 terminou, entretanto, com uma persistente e incômoda inflação:

235% segundo o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, 264% para o ICV-Dieese. Não era

só a inflação que incomodava. A dívida externa havia atingido a marca de US$ 105,1

bilhões e a taxa de juros bruta real dos títulos federais chegou ao ápice da década: 9,9%

anuais. Por sua vez, as taxas de investimento, que indicavam as perspectivas de crescimento

da economia para os anos seguintes estavam muito abaixo do que os esperançosos

empresários desejavam: 16% do PIB, um ponto abaixo do que o pior ano da recessão

passada.
194

Em 28 de fevereiro de 1986, o governo anunciou o pacote econômico conhecido

como Plano Cruzado, com o objetivo de combater a inflação sem reduzir a taxa de

crescimento. Suas principais medidas eram a criação de uma nova moeda, o cruzado,

equivalente a mil cruzeiros; substituição da Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional

(ORTN) por um novo título, a Obrigação do Tesouro Nacional; redução da correção

monetária; congelamento de preços; congelamento de salários utilizando a média salarial

dos últimos seis meses como base de conversão; fixação do salário mínimo mensal em Cz$

800 (U$ 58); criação do seguro desemprego; e reajuste automático dos salários cada vez

que a inflação chegasse ao patamar de 20% (Decreto-lei 2.283 de 28 fev. 1986).

As reações imediatas do empresariado variaram do entusiasmo ao ceticismo, do

apoio aberto à oposição velada. O apoio ao Plano Cruzado e ao governo vinha,

majoritariamente, dos líderes industriais das federações industriais de São Paulo e Rio de

Janeiro. Nomes como os de Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Cláudio Bardella, Paulo

Francini, José Mindlin e Antônio Ermírio de Moraes, estavam desse lado das trincheiras.

Do outro, encontravam-se aqueles que manifestaram suas inquietações, como Guilherme

Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo.

Em reunião da Diretoria Plenária de 4 de março, a Associação Comercial

manifestou o apoio às medidas adotadas, ao mesmo tempo em que afirmava que o êxito do

Plano dependeria do apoio popular e da canalização dos recursos do sistema financeiro para

as atividades produtivas. Ao mesmo tempo, a entidade reivindicava que o controle de

preços tivesse uma curta duração (Cf. Costa, 2003, p. 122.) Mas os cuidados das

declarações iniciais foram rapidamente abandonados e Afif Domingos passou às críticas

cada vez mais duras, juntamente com Henry Maksoud, que dos editoriais da revista Visão

abria fogo contra o que considerava ser um ataque contra a economia de mercado.
195

Aos representantes do comércio se somavam os lideres dos setor financeiro, que,

com o fim do mecanismo da correção monetária, viram esvair-se uma cômoda fonte de

rendas. Mas não era apenas o fim do “imposto inflacionário” que incomodava os

banqueiros. Segundo Ary Minella, a partir de 1986, o discurso da liderança empresarial

bancária passou a ter como alvo a intervenção estatal e a regulamentação do setor

financeiro (Minella, 1994, p. 518).

O apoio dos empresários ao Plano Cruzado era, entretanto, preponderante, como se

pode constatar nos altos índices de aprovação do governo no Painel de Executivos da

revista Exame: na primeira pesquisa divulgada após a edição do Plano, o governo foi

considerado excelente ou bom por 82,1% dos empresários entrevistados e o ministro Dílson

Funaro era considerado da mesma maneira por 94,1% dos empresários. Há, entretanto, uma

grande distância entre aprovação e engajamento. Enquanto o engajamento pressupõe uma

participação ativa, a aprovação pode ser apenas uma manifestação passiva de

conformidade.

Concebido a portas fechadas e divulgado sob a forma de Decreto-lei, o Plano

Cruzado reproduziu o estilo tecnocrático de gestão próprio dos governos anteriores. Todas

as afirmações a favor da união nacional e ao pacto social realizadas por Tancredo Neves

antes da posse, não se materializaram em políticas concretas. Tanto a equipe econômica,

liderada por Dornelles, de feição ortodoxa, como os heterodoxos, chefiados por Funaro,

procederam da mesma forma, recusando toda interferência externa e a negociação na

elaboração das políticas econômicas.

Daí a contradição: muito embora o Plano não prescindisse do apoio ativo,

conclamando à mobilização e a sua defesa, este só tinha a oferecer como atrativo seus fins e

não os meios. O apoio empresarial estava, em grande medida, vinculado às expectativas de


196

contenção da inflação e ao apoio popular que o Plano havia despertado em seus primeiros

momentos. Mas essa era uma base frágil para um compromisso engajado com o futuro da

política econômica governamental.

À medida em que as dificuldades do plano ficavam mais evidentes, as diferenças

entre as varias frações empresariais vieram à tona e chegaram a dividir os próprios

industriais. Em março de 1986, começavam a surgir os primeiros sinais de

descontentamento no meio empresarial (Diniz, 1997, p. 63). Mas quando a Fiesp, por meio

de seu presidente se pronunciou favoravelmente a um “descongelamento administrado” dos

preços, a reação da Confederação Nacional das Indústrias e da Federação das Indústrias do

Estado do Rio de Janeiro foi intensa.

Para Vidigal Filho, tudo decorria das diferenças existentes entre a região Centro-Sul

e a região Nordeste. No Nordeste, o “congelamento é visto como uma solução, já que as

empresas estão vendendo mais e não têm problemas de custo tão sérios como nós”,

afirmava (Vidigal Filho, 1986d, p. 34). Para o industrial, “a única posição estranha é a da

Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, que também está sofrendo na pele problemas

iguais aos nossos” (Idem.)

A explicação para essa “posição estranha” adotada por muitos empresários era dada

logo a seguir pelo presidente da Fiesp: “estamos em ano eleitoral e temos cinco presidentes

de Federações candidatos” (Idem, p. 35). Sem um engajamento ativo e unitário na defesa

do Plano, a atitude do empresariado caracterizou-se, durante todo o ano de 1986, pelas

demandas setorizadas e por contatos diretos com as diferentes esferas estatais, sem a

intermediação das associações de classe, enquanto esperavam o resultado das eleições

legislativas e estaduais.
197

Não eram os industriais os únicos preocupados com as eleições. O governo espichou

o congelamento até depois das eleições para, a seguir, anunciar outra ampla reforma

econômica, conhecida como Plano Cruzado II. O novo plano econômico reajustava

bruscamente os preços das tarifas públicas e de automóveis, combustíveis, cigarros, bebidas

alcoólicas, açúcar, leite e derivados. Ao mesmo tempo, aumentava a carga tributaria, criava

uma série de incentivos fiscais para poupadores e voltava a uma política de

minidesvalorizações cambiais.

A reação da Fiesp ao novo plano foi imediata. Nas páginas da revista Indústria e

Desenvolvimento o temor era anunciado: a euforia começava a dar lugar à apreensão

(Barbosa, 1986, p. 4). O vaticínio do presidente da Associação Brasileira da Indústria

Elétrica e Eletrônica (Abinee), Aldo Alberto Lorenzetti, foi profético:

“O último pacote terá efeitos inflacionários imediatos e,

inevitavelmente, reflexos recessivos, pelo menos depois do primeiro mês de

vigência. Agora, se vai conter a demanda em um certo nível ou conduzir o

País à recessão, é impossível dizer. Mas as medidas apontam para isso.’

(Apud Barbosa, 1986, p. 4.)

Mais contido, o novo presidente da Fiesp, Mario Amato, explicitou no começo de

dezembro a posição oficial do complexo Fiesp-Ciesp. As entidades dos industrias paulistas

manteriam o “integral apoio ao Plano Cruzado na sua proposição básica de estabilizar a

economia brasileira.” (Amato, 1986, p. 50.) Mas isso não o impedia de localizar aquilo que

para esses empresários eram os pontos falhos do plano:

“a exacerbação do intervencionismo estatal na economia; a hesitação

do governo em enfrentar a necessidade de conter seus gastos e reduzir seus


198

déficits; o prolongamento do congelamento que favorece o ágio; a não

destinação de novos recursos para investimentos; a sua promulgação e dos

pacotes de ajustamento por meio de decretos-leis e não pela via

congressual.” (Idem.)

Como esperado por Lorenzetti, a inflação reagiu às novas medias com um salto. Em

novembro de 1986, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) era de 3,3%, em

dezembro foi de 7,3%, passando a 16,2%, em janeiro de 1987 e 14,4% no mês seguinte. A

evidência de que o novo Plano não conseguiria cumprir seus objetivos levou os empresários

a prontamente radicalizarem seu discurso, afastando-se do governo e apontando para novos

caminhos.

Apenas um mês após o artigo contemporizador de Amato, sinais de ruptura eram

enviados a José Sarney por meio de uma carta assinada pelo presidente da Fiesp, e também

por Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo; Fábio

Salles Meirelles, presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo;

Guilherme Afif Domingos, presidente da Associação Comercial de São Paulo; Paulo

Queiroz, presidente do Sindicato dos Bancos do Estado de São Paulo; Flávio Telles de

Menezes, presidente da Sociedade Rural Brasileira; e Eduardo Alfredo Levy Junior,

presidente da Bolsa de Valores.

O texto começava com um lamento, lembrando o apoio dado pelo “setor produtivo”

ao Plano Cruzado. As expectativas de uma estabilização da economia “que visa atender os

anseios da sociedade de melhores condições de vida, por via de desenvolvimento nacional

com paz social” haviam motivado esse apoio (Amato et alli, 1987, p. 4. Grifos meus).

Apesar das reservas à intervenção do Estado na economia promovida pelo governo, os


199

empresários se diziam comprometidos com o Plano. Passado quase um ano de vigência

dessa política, o empresariado

“sente que é chegado o momento de se pensar em um novo

ordenamento do Programa de Estabilização Econômica, substituindo o

regime da economia dirigida pelo da economia de mercado, a vontade

burocrática pelo sistema da livre competição e da eficácia.” (Idem. Grifos

meus)

O documento entregue em fevereiro pelo presidente da Confederação Nacional da

Indústria, senador Albano Franco, ao ministro Funaro reiterava a necessidade de um “novo

e sério Programa de Recuperação Econômica” (Indústria e Desenvolvimento, v. XX, n. 2,

fev. 1987, p. 14). As críticas ao governo eram mais atenuadas, como conviria a um senador,

mas o sinal estava dado. Dílson Funaro e sua equipe não resistiram muito mais à frente do

Ministério da Fazenda. Em abril de 1987, o comando da economia era assumido por Luiz

Carlos Bresser Pereira.

Não é lugar, aqui, de analisar as razões do fracasso do Plano Cruzado. Basta apontar

que tal fracasso se deve não só a razões econômicas como também à incapacidade

demonstrada pelo governo federal para comprometer empresários e trabalhadores com as

metas do Plano. Os empresários realizaram uma permanente guerra de guerrilhas contra o

congelamento de preços, recorrendo a inúmeros artifícios para burlá-lo ou pressionando

ininterruptamente o governo para sepultá-lo. E os trabalhadores, por sua vez, utilizaram a


200

brecha aberta pela expansão do consumo e pelo aquecimento da atividade econômica para

reivindicar e conquistar importantes reajustes salariais.86

A falência do Plano Cruzado foi, para os “economistas críticos”, “uma derrota de

alcance estratégico” (Cruz, 1997, p. 82). Representou, também a dissociação dos

empresários dessa corrente político-intelectual. Não eram apenas esses intelectuais que

fracassavam era o próprio projeto neodesenvolvimentista que mostrava seu esgotamento. A

partir de então, o empresariado se voltará para aquela que parecia ser a única alternativa

capitalista disponível para a crise do capitalismo brasileiro: o projeto neoliberal.

A alternativa neoliberal não nasce pronta no interior do empresariado brasileiro. Ela

é o resultado de um conflito projetivo que se desenvolveu por vários anos, seguindo uma

trajetória nem sempre ascendente e resultando em uma formulação do projeto neoliberal

que está muito longe da versão quimicamente pura preconizada pelos textos doutrinários de

Friedrich Hayek, Milton Friedman e James Buchanan ou mesmo pelos Institutos Liberais.87

Foi nos debates em torno da Assembléia Constituinte, que o empresariado brasileiro

começou a desenhar sua alternativa neoliberal. Mas também aqui essa alternativa não

aparecia acabada. Tome-se, por exemplo, a palestra proferida na Federação das Indústrias

do Estado de Minas Gerais, pelo presidente da Fiesp, Luís Eulálio Vidigal Filho. Ali ao

anunciar as preocupações do empresariado industrial, todas elas referentes à chamada

“constituição econômica”:

“cujos aspectos mais visíveis” – afirma Vidigal Filho – “são a

definição do papel do Estado no domínio econômico, a forma ou o tipo de

86
Segundo o Desep da CUT, ao longo do ano, houve 1.267 greves e um total de 8,3 milhões de grevistas, 4,5
milhões dos quais no setor privado.
87
Para o neoliberalismo como corpo doutrinário ver Moraes (2001) e Gros (2002).
201

economia, o exercício do poder na economia, os direitos e garantias

econômicas e o próprio conceito de governo na economia.” (1986b, p. 94.)

O empresário se encontrava preocupado em resguardar a iniciativa privada –

“manifestação da liberdade humana e condição da liberdade política” – da expansão voraz

do Estado. Aqui aparece o discurso liberal conhecido de todos. Mas é bom não se precipitar

e seguir os passos do argumento do empresário. Para Vidigal Filho, a ordem econômica

deveria ter por objetivo a satisfação das necessidades humanas e o bem estar de todos,

respeitando a liberdade de iniciativa, a propriedade privada dos meios de produção e os

direitos do trabalhador:

“A economia deve se organizar segundo as leis de mercado, cabendo

preferencialmente às empresas privadas, com o estímulo, o apoio e a

fiscalização do Estado, explorar as atividades econômicas. Somente para

propiciar o desenvolvimento tecnológico de setor não suficientemente

desenvolvido, poderá a União, por lei especial, estabelecer reserva de

mercado, estabelecer reserva de mercado por prazo determinado.” (Idem.

Grifos meus.)

A preferência, mas não a exclusividade, caberia às empresas privadas. O Estado,

entretanto, na proposta de Vidigal Filho resguardaria importantes funções. Presente no

discurso do empresário há uma demanda pela fixação dos limites da ação do Estado na

economia mas não uma supressão dessa ação. A questão é esclarecida em uma passagem

posterior do mesmo discurso:

“O Estado não poderá constituir entes de qualquer espécie para

competir com a empresa privada. Excepcionalmente poderá, desde que


202

autorizado por lei complementar, criar empresas em setores não ocupados

pela iniciativa privada, ou por motivos de segurança nacional. Mas não serão

estabelecidos monopólios estatais, exceto por motivos de segurança

nacional.” (Idem.)

Não há aqui, nada que se distinga de maneira acentuada de pronunciamentos

anterior. O leitor atento, entretanto, deve ter notado que esse discurso é anterior ao fracasso

do Plano Cruzado e à dissociação do empresariado dos “economistas de oposição”. A

intensificação dos debates na Assembléia Constituinte entretanto, coincidiu com a falência

do Plano econômico de Dilson Funaro e sua equipe. E foi nesses debates que o

empresariado foi forjando sua nova alternativa, afastando-se, em certa medida, daquelas

diretrizes fixadas por Vidigal Filho apenas um ano antes (1986b, 1986e e 1986f).

Constituindo uma frente política com entidades do comércio e do setor agrícola, a

Fiesp se engajou em uma luta corpo a corpo pela “permanência de um sistema onde impera

a mais ampla liberdade para a livre iniciativa”, nas palavras do diretor geral do Instituto

Roberto Simonsen, Ruy Martins Altenfelder (Apud Moreira, 1987, p. 4.) Essa luta se

consubstanciaria em alguns princípios e em uma aliança que unificava as frações da

burguesia industrial, comercial, agrária e financeira em torno desses princípios. Dois são os

momentos chaves.

No primeiro deles, Mario Amato se pronuncia perante a Subcomissão de Princípios

Gerais, Intervenção do Estado e Atividade Econômica da Assembléia Constituinte, no dia

27 de abril de 1987 (1987b). Em sua alocução, o presidente da Fiesp, define suas bandeiras:

a preferência à empresa privada na exploração das atividades econômicas; a livre

associação de capitais, bem como a igualdade entre as empresas; a garantia ao direito de


203

propriedade; e a proibição de intervenção do Estado no processo econômico que resulte em

limitação da rentabilidade da empresa privada, dificuldade para seu desenvolvimento

tecnológico ou restrição a sua livre gestão (Idem, p. 33).

No segundo, poucos dias após, era entregue aos poderes Executivo, Judiciário e

constituinte uma Carta de princípios pela livre iniciativa, reproduzindo as demandas

anteriormente aventadas por Amato, mas assinada também pelos presidentes da Associação

Comercial de São Paulo, da Sociedade Rural Brasileira, da Federação das Empresas de

Transportes Rodoviários Sul e Centro-Oeste do Brasil, da Federação do Comercio do

Estado de São Paulo, da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, do Sindicato

dos Bancos dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e da

Bolsa de Valores de São Paulo (Amato et alli, 1987a).

No novo programa é possível ouvir ao longe ecos daqueles pronunciamentos de

Vidigal Filho sobre a Constituinte (1986b, 1986e e 1986f). Mas há temas novos, como a

isonomia no tratamento das empresas nacionais e estrangeiras e a nova palavra de ordem do

empresariado, a desregulamentação da atividade econômica.88 Pronunciada de maneira

pausada, quase soletrada, a nova bandeira sintetizava o estado de ânimo do empresariado

com os sucessivos congelamentos, choques e intervenções macroeconômicas.

Não deve ser minimizado o impacto sobre a consciência e as práticas empresariais

que teve o fracasso que o projeto neodesenvolvimentista que sustentava a política

econômica da primeira metade do governo Sarney. Para muitos daqueles que tinham nos

“economistas críticos” compagnons de route a crescente instabilidade econômica foi

88
Para o debate sobre a isonomia das empresas estrangeiras à época da Constituinte, ver Cruz (1997, cap. IV);
para a questão da desregulamentação, a posição de Ruy Martins Altenfender (Revista da Indústria, a. 1, n. 1,
set. 1987, p. 20-21) e Francini, (1987).
204

interpretada como o colapso de um modelo baseado na substituição de importações e no

planejamento estatal. Por muitos, mas não por todos e, de qualquer forma, não da mesma

maneira.
205

11. O neoliberalismo como alternativa

Foi em um contexto de crise que surgiram projetos alternativos e que seus

postulantes se organizaram em associações como os Instituto Liberais, já apresentados, o

Pensamento Nacional das Bases Empresariais (PNBE) e o Instituto de Estudo para o

Desenvolvimento Industrial (Iedi). A crise teve por efeito alimentar o surgimento de novas

associações empresariais e de fazer emergir o conflito projetivo. A estrutura corporativa da

representação empresarial e a possibilidade de acesso direto às altas esferas decisórias

contribuíram para a fragmentação associativa, processo analisado por Schneider (1997-

1998) e Weyland (1998). Mas, além das raízes institucionais, é preciso perceber o contexto

no qual estas novas associações surgiam e os projetos de que eram portadoras.

As novas entidades nasciam apresentando as respostas mais variadas a esse

contexto, expressando a ausência de um consenso empresarial. Ao contrário das federações

e confederações, elas tinham vocação mais abrangente. Organizavam empresários de

diversos ramos. Articulavam interesses mais amplos. Apresentavam-se como uma

alternativa à estrutura tradicional de representação patronal.

O PNBE nasceu 9 de junho de 1987, quando cerca de 2.600 empresários

compareceram a uma manifestação no Anhembi, em São Paulo (PNBE, s.d. e PNBE,

1998). A reunião foi convocada com objetivo de debater as propostas a serem apresentadas

pelos empresários ao Congresso Constituinte e acabou se constituindo em uma caixa de

ressonância para as críticas aos projetos de “estatização da economia” veiculadas neste.

Uma nova reunião foi realizada poucos meses depois, com a presença do ministro

Luiz Carlos Bresser Pereira, que havia sucedido a Funaro. Desta vez, a oposição da
206

Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) à organização desses empresários

foi forte. O presidente da Fiesp, Mário Amato, chegou a ser convidado para liderar o

evento, mas rejeitou a proposta, interpretando a reunião como uma disputa “pelo poder” na

entidade e organizando um boicote ativo. Um documento confidencial dirigido pela

presidência da Fiesp aos presidentes dos sindicatos da indústria paulista, orientava-os a

marcarem reuniões no horário do evento (O Globo, 6 out. 1987, p. 7).

A reação da cúpula da Fiesp provocou um confronto entre esses empresários e a

entidade. As animosidades atingiram seu ápice quando Mário Amato destituiu, da diretoria

da Fiesp, Paulo Butori, diretor adjunto do Departamento de Estatística; Oded Grajew,

diretor adjunto do Departamento de Expansão Social; e Bruno Nardini, vice-presidente do

BNDES e diretor adjunto do Departamento de Cooperação Sindical, todos eles membros

ativos do PNBE (Diário do Comércio e da Indústria, 3 jan. 1989, p. 3).

A ausência de um espaço dentro da Fiesp levou o movimento a optar pela

institucionalização, criando formalmente o PNBE em 1990. Nascido no interior da Fiesp,

predominavam nos primeiros anos do PNBE as lideranças industriais. Gradativamente,

entretanto, a entidade se constituiu em um espaço para a organização de pequenos e médios

empresários do setor de serviços (Bianchi, 2001).

Classificando as novas formas de organização do empresariado, Sebastião Velasco e

Cruz aponta que o surgimento do PNBE está intimamente vinculado ao “surgimento de

propostas mobilizadoras endereçadas aos empresários, como pessoas físicas, com o duplo

propósito de veicular junto à opinião pública e às autoridades pontos de vistas sub-

representados nas estruturas organizativas institucionalizadas e de maximizar a influência

de seus promotores no interior destas” (Cruz, 1997a, p. 136).


207

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) tinha propósitos e

formas de atuação diferentes dos Institutos Liberais e também do PNBE. Criado em 23 de

maio de 1989, o Iedi representa um conjunto de interesses restritos à indústria e à política

industrial.89 Em documentos da entidade, a missão do Iedi é assim resumida:

“Participar em parceria com o Estado e Entidades com interesse na

Indústria, da formulação e implementação de Política de Desenvolvimento

Industrial que, como parte de um Projeto Nacional, tenha como objetivos:

participação crescente da Indústria brasileira na produção mundial da

indústria; aumento da produção de bens com maior valor agregado e

conteúdo tecnológico; crescimento continuado da riqueza nacional. Agir

para que o crescimento econômico resultante propicie melhoria das

condições de vida da sociedade brasileira, tornando-a mais justa e

igualitária.” (IEDI, s.d., p. 2.)

Participaram da fundação da entidade e têm mantido nela destacada atuação

importantes industriais, representando empresas e grupos de diversos ramos,

principalmente paulistas, mas não só. Entre elas merecem destaque pela sua importância

Aracruz Celulose, Cofap, Coldex Frigor, Gradiente Eletrônica, Metalúrgica Gerdau,

Indústrias Votorantim e Grupo Monteiro Aranha. Entre os sócios fundadores e integrantes

do Conselho Administrativo, nove apareceram nas listas de empresários destacados

anualmente pela Gazeta Mercantil durante a década de 1980. Também dá mostras da

influência dos membros do Iedi a participação destes à frente de entidades como a

Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a Associação

89
Ver Kingstone (1998) e Valente (2002).
208

Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica (Abinee) e a Associação Brasileira para o

Desenvolvimento da Indústria de Base (Abdib).

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, Eugênio Staub, da Gradiente, um dos

líderes da entidade, resumiu assim as “crenças fundamentais” da entidade: “A primeira é

que o desenvolvimento econômico e social está intimamente ligado ao desenvolvimento da

indústria, e a segunda é que nós empresários, como membros da elite, temos a

responsabilidade de desenhar e construir o futuro do país.” (Folha de S. Paulo, 11 ago.

1997, p. 1-4.)

Comportando-se como verdadeiros “intelectuais condensados”, formuladores de

políticas e mega-empresários, os associados do Iedi tinham por objetivo a criação de

estratégias de desenvolvimento. O pressuposto desse objetivo é o diagnóstico – quase um

lugar comum no final dos anos 1980 – da crise estrutural decorrente do esgotamento do

“antigo modelo de industrialização por substituição de importações” inaugurado na década

de 1940 e da ausência de um projeto alternativo para a década de 1990 (Iedi, s.d., p. 10).

Empenhado em elaborar essa alternativa, o Iedi se constituía como um verdadeiro

think tank de política industrial. Como tal, ele não almejava representar o empresariado ou

uma parcela deste. Seu objetivo era elaborar uma política empresarial: “o objetivo da

criação do Iedi era ambicioso: promover estudos visando revelar as novas questões

relevantes para a economia e a indústria do país e, transcendendo o diagnóstico, agir para

dar-lhes resposta adequada”. (Iedi, s.d., p. 11)

O surgimento dessas entidades coincide com o acirramento do conflito projetivo no

cenário nacional. A Constituinte foi um espaço importante desse debate, mas, como foi

visto, a maior parte das frações da burguesia comparece nessa arena unificada em torno de

princípios gerais. As eleições de 1989 foram outro momento de grande intensidade


209

conflitiva. Em um ano marcado pela intensa agitação social e pelo descontrole

inflacionário, 1989 era, também, a ocasião da primeira eleição direta para a presidência da

República depois do fim do regime autoritário. As candidaturas de Fernando Collor e Luiz

Inácio Lula da Silva, que disputaram o segundo turno apresentavam-se como uma ruptura

com o modelo até então vigente.

Eram conhecidas as restrições à candidatura Lula manifestadas pelo empresariado.

O presidente da Fiesp, Mario Amato, renomado gafeur, fez história com a ameaça de fuga

em massa do empresariado caso fosse vitoriosa a candidatura do petista.90 A opção de

Collor era a que restava como viável para derrotar Lula e afirmar um novo projeto

neoliberal. Essa não era, porém, a primeira opção do empresariado paulista, que preferia

políticos como Orestes Quércia e Mário Covas, além do sempre lembrado Antonio Ermírio

de Moraes.91

Collor não era um dirigente político tradicional da burguesia brasileira. Durante a

campanha eleitoral, atacou de maneira aguda os políticos profissionais e as “elites”. Em

seus ataques fez da Fiesp um de seus alvos prioritários. Era natural que os industriais

paulistas resistissem a seu nome. Na pirâmide da Avenida Paulista, apenas Sylvio Tuma

Salomão, diretor presidente da Açotécnica e aliado de primeira hora, tinha trânsito livre

90
A reação da imprensa às declarações de Amato incomodaram profundamente o empresariado, que
partilhava com seu líder o temor. Na ocasião do debate realizado pelo Conselho Superior de Orientação
Política e Social (Cops), o empresário Manoel Gonçalves Ferreira Filho interrompeu a ordem inicial dos
debates para fazer a seguinte declaração: “não posso deixar de passar esta oportunidade de manifestar
solidariedade ao presidente Mário Amato. Sua Excelência não tem sido apenas um grande líder empresarial
como visão social, mas também um sustentáculo do Estado de Direito e da democracia no Brasil. Assim, não
merece ele a incompreensão dos meios de comunicação de massa, que não têm colocado suas observações no
devido contexto. Suas declarações, que refletem o bom senso e a experiência, fazem jus ao maior respeito e à
profunda meditação de todos os brasileiros.” (Apud Figueiredo e Figueiredo Jr., 1990, p. 166.)
91
Sobre as preferências do empresariado, ver a pesquisa encomendada pela Fiesp para definir o perfil do
candidato dos industriais – o Projeto Leader – em Figueiredo e Figueiredo Jr. (Idem, p. 157-164), bem como
o debate pré-eleitoral no Conselho de Orientação Política e Social (Cops) da entidade (Idem, p. 165-217).
210

junto ao presidente eleito.92 Se o empresariado gradativamente assumiu a candidatura de

Collor foi por que mantinha afinidade com seu programa e por que era esta a única que

poderia derrotar o antagonista. Nascida da crise de hegemonia que caracterizara de maneira

aguda os últimos anos da década de 1980 e do equilíbrio das forças em presença, Collor

era, ao mesmo tempo, o chefe carismático que se colocava acima das classes e de suas

organizações, e a personificação de um programa de refundação do Estado capaz de

unificar as diferentes frações da burguesia.

A posse do governo Collor foi o primeiro ato de uma derrota anunciada. As

primeiras medidas tomadas pela equipe econômica do governo Fernando Collor para conter

a inflação – congelamento de preços e salários, confisco da poupança, diminuição do

quadro de funcionários públicos e abertura às importações – indicavam uma postura

agressiva por parte do Planalto, uma mudança de estilo. Atuando em nome da “vontade da

maioria”, consubstanciada em sua vitória no primeiro e no segundo turno das eleições,

Collor apoiava-se em uma tradição delegativa da democracia presidencialista que tudo

autorizava ao vencedor das eleições (O’Donnell, 1991).

O novo presidente pretendia personificar um programa político e, além deste, o

próprio Estado. O recurso ao mecanismo da Medida Provisória para anunciar a nova

política econômica e as tensas negociações que se sucederam no Congresso Nacional

anunciavam os novos tempos.93 Collor não foi o primeiro a apropriar-se dessa tradição

delegativa no Brasil. Antes dele, o presidente José Sarney havia gerido a política

econômica – lembre-se, leitor, do Plano Cruzado, por exemplo – por meio de decretos-lei.

92
Ver a entrevista do empresário ao assessor da Fiesp Ney Lima Figueiredo (Idem, p. 151-156).
211

Mas a delegação recebida por Sarney era de um Colégio Eleitoral e, na verdade, sequer era

para ele e sim para Tancredo Neves.

Eram os 35 milhões de votos obtidos o que dava legitimidade a Collor para deslocar

os empresários, os trabalhadores e suas organizações político-sindicais do lugar por estes

ocupado na política nacional. Nos últimos anos da década de 1980, a crise do Estado havia

enfraquecido enormemente o poder decisório da máquina governamental, transferindo, em

parte, para a sociedade civil e seu poder de veto o centro da vida política. Os sindicatos e

centrais de trabalhadores, as associações e federações patronais, ocuparam, então, um lugar

inédito na política nacional. Os ataques no discurso pré-eleitoral de Collor aos cartéis

sindicais e, com força inusitada, à Fiesp não eram apenas demagógicos. Eles estavam

alicerçados em uma concepção autoritária da política que procurava recentralizar o

comando da política.

O resultado eleitoral permitiu a Collor transformar o governo no ator forte da

política e colocou na defensiva os sindicatos de trabalhadores e as entidades patronais

(Vianna, 1991, p. 54). O fato da Fiesp, por intermédio de seu presidente Mário Amato, ter

explicitado seu apoio eleitoral a Collor no segundo turno das eleições não mudou a

situação. Os industriais não perceberam a princípio que o jogo estava mudando. Olavo

Setúbal, Antonio Ermírio de Moraes, Jorge Gerdau Johannpeter, José Mindlin e Cláudio

Bardella, tentaram indicar o nome de José Serra para o novo Ministério da Economia. Mas

a operação foi mal-sucedida. Com maior chance de sucesso atuaram os empresários

cariocas, que apostaram nas relações pessoais e familiares com o novo presidente para

93
Para a conjuntura do curto governo Collor é insubstituível a minuciosa narrativa de Rodrigues (2000).
Escrito no calor dos acontecimentos, embora mais analítico que o anterior, está o livro de Vianna (1991) sobre
o primeiro ano do governo
212

colocar na mesa os nomes de Daniel Dantas, apadrinhado por Olavo Monteiro de Carvalho,

do grupo Monteiro Aranha e ex-sogro de Collor, e de Eliezer Batista, sustentado por

Roberto Marinho, das Organizações Globo (Cf. Rodrigues, 2000, p. 89-91).

Mas para viabilizar seu projeto, Collor deveria se afastar desse tipo de pressões e

insular as instâncias de formulação e implementação de políticas econômicas. A nomeação

de Zélia Cardoso de Mello, uma até pouco desconhecida professora de História Econômica

da Universidade de São Paulo, e assessora do novo presidente durante a campanha eleitoral,

atendia a esse propósito. Distanciada de pressões, a nova equipe econômica pôde atacar em

três esferas simultâneas e articuladas entre si: na primeira, o governo promoveu uma

política antiinflacionária baseada no estrito controle monetário e em um confisco salarial

inédito; na segunda, procurou realizar uma profunda reforma patrimonial e administrativa

do Estado, por meio das privatizações; e na terceira, propunha a abertura comercial e a

desregulamentação financeira.94

Transformado em programa (“ideologia prática”, cf. Boito Jr, 1999), o

neoliberalismo mobilizava forças sociais diferenciadas para cada uma das três esferas. Na

primeira esfera, o apóio à estabilidade monetária e à contenção salarial, acompanhada esta

pela defesa de desregulamentação do mercado de trabalho e da supressão de direitos

sociais, arregimentava um amplo apoio da maior parte das frações burguesas. Mas nas

esferas mais internas, o menor número de beneficiados implicava em uma apoio menor. A

análise dos conflitos entre as classes, suas frações e formas institucionais é, assim,

fundamental para a compreensão da constituição e implementação desse projeto neoliberal.

94
A metáfora dos círculos concêntricos da política neoliberal é desenvolvida por Boito Jr. (1999, p. 50-57).
Para uma análise bastante condescendente do Plano Collor ver Bresser Pereira (1996).
213

As mudanças econômicas e políticas protagonizadas pelo novo governo eram de

caráter estrutural. Identificando a profundidade da crise brasileira procuravam alterar a

relação de forças entre as classes por meio da reorganização do capitalismo brasileiro. Era,

assim, uma política de confronto com as classes subalternas e, principalmente, com seu

ativo movimento sindical. Era, ao mesmo tempo, uma política de reconfiguração da própria

burguesia e das relações de forças entre suas diferentes frações.

Para tal reconfiguração, a nova política industrial era peça fundamental. Já em

março de 1990, por meio da Exposição de Motivos da Medida Provisória 158/1990, o

governo anunciava uma política industrial na qual a competição comercial, criada pela

abertura comercial, geraria as condições para uma política de competitividade. As reações

do empresariado à liberalização anunciada foram variadas e não faltaram os descontentes.

Luiz Péricles Michielin, presidente em exercício do Sindicato das Indústrias de Máquinas

(Sindmaq), foi um dos que se mostrou preocupado: “Não estamos preparados para competir

com o mercado externo”, afirmou. Segundo Michielin, “se houver uma redução das

alíquotas da noite para o dia, ocorrerá um sucateamento da indústria nacional” (Exame, 16

mai. 1990, p. 30).

Detalhadas posteriormente no documento Política industrial e de comércio exterior

(Pice), divulgado em 26 de junho de 1990, as novas diretrizes retomavam mecanismos

tarifários e cambiais como base de uma política industrial, ao mesmo tempo que eliminava

as barreiras não-tarifárias (Baptista, 1993, Bonelli, 1993 e Guimarães, 1996). Mas se em

décadas anteriores, as tarifas eram encaradas como um mecanismo de proteção da indústria

nacional, dificultando o acesso de produtos importados ao mercado interno, nas diretrizes

governamentais, alíquotas reduzidas permitiriam a utilização das “forças de mercado para

induzir a modernização tecnológica do parque industrial e para aperfeiçoar as formas de


214

organização da produção e da gestão do trabalho” (Apud Baptista, 1993, p. 238). Com esse

propósito, o Pice estabelecia um cronograma de redução tarifária que, partindo de uma

alíquota modal de 35%, com uma amplitude de 105%, chegaria a 20% em 1994, com uma

amplitude de 40%. O cronograma inicial permaneceu em vigor até fevereiro de 1992,

quando uma portaria do Ministério da Economia o antecipou em seis meses (Cf.

Guimarães, 1996, p. 12).

Complementavam os mecanismos tarifários e cambiais medidas de estímulo aos

investimentos estrangeiros no Brasil, tais como a revisão das políticas de reserva de

mercado, particularmente da informática; alteração na legislação que regulamentava a

remessa de lucros; alteração do Código de Propriedade Industrial e reconhecimento de

patentes e marcas de produtos farmacêuticos, alimentares e outros; supressão das restrições

ao financiamento de empresas de capital estrangeiro pelo Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (Baptista, 1993, p. 240).

O fantasma de Martínez de Hoz passou então a assombrar os industriais paulistas.

Insistentemente citado pelos empresários, o ministro da Economia argentino havia

promovido na década de 1970 uma radical política de redução tarifária que resultou em um

agudo processo de desindustrialização do país vizinho. Para o presidente da Metal Leve,

José Mindlin, a abertura ao exterior apontava “na direção correta”, mas ponderava: “O

importante é que o governo não baixe as tarifas de uma hora para outra para que não se

repita o que aconteceu na Argentina.” (Exame, 11 jul. 1990, p. 23.)

A política de competição comercial do governo foi complementada por uma política

de competitividade que privilegiava claramente o setor exportador da economia, aquele que

o governo designava, então, como portador de “vantagens competitivas reveladas”. Por

meio do Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria Brasileira (Pact), de


215

outubro de 1990; do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), de

novembro do mesmo ano; e do Programa de Competitividade Industrial (PCI), de fevereiro

de 1992, o governo pretendia criar as condições básicas para a viabilização dessa nova

diretriz. As novas políticas de competitividade combinavam crédito e isenções fiscais, com

uma abrangente proposta de reestruturação empresarial por meio da internacionalização e

centralização do capital em grandes conglomerados (Baptista, p. 242-245 e Erber, 1991, p.

310-318).

Há nessa nova política econômica, nas articulação de suas três esferas, um aparente

paradoxo, bastante discutido pela literatura especializada: o projeto neoliberal de

esvaziamento das funções estatais Estado e revalorização do mercado, é levado a cabo por

um Estado que para tal deve maximizar suas funções políticas e mesmo econômicas.95 A

refundação neoliberal da política e da economia não é promovida pela mão invisível do

mercado e sim por um ato de força levado a cabo pela única instituição que tem o

monopólio legal para seu exercício.

O paradoxo é apenas aparente porque ele é derivado do erro teórico que consiste em

distinguir radicalmente o Estado de sociedade civil. “Na prática, a teoria é outra”, diz a

sabedoria popular. Valem aqui as afirmações de Gramsci, a respeito do liberalismo. Como

programa político o liberalismo é uma manifestação de vontade e não a expressão

automática das leis do mercado. Para transformar essa vontade em prática política torna-se

necessária uma regulamentação estatal introduzida e mantida por meios legislativos ou

coercitivos: “Portanto, o liberalismo é um programa político, destinado a modificar, quando

95
Ver, por exemplo, a discussão sobre o “paradoxo ortodoxo”, em Haggard e Kaufman (1993).
216

triunfa, os dirigentes de um Estado e o programa econômico do próprio Estado; isto é, a

modificar a distribuição de renda nacional.” (Gramsci, 1977, p. 1589.)

A distinção metódica entre sociedade civil e Estado levou muitos analistas a apagar

o papel do empresariado na formulação do projeto neoliberal, transmitindo todos os méritos

ou culpas para a máquina governamental e sua burocracia especializada e perfeitamente

insulada. Mas mesmo afastado do aparelho governativo e dos círculos internos de decisão

política, o empresariado participou ativamente, por intermédio de suas entidades, da

constituição do projeto neoliberal formatando um ambiente ideológico e político e

permitindo a construção do consenso em torno dele.

Assim, em agosto de 1990, a Fiesp divulgou o livro Livre para crescer, no qual

sintetizava sua proposta para a discussão. O livro era o resultado de debates realizados entre

maio de 1989 e janeiro de 1990 por economistas do Conselho Superior de Economia e

intelectuais convidados. A lista da equipe mostra quão longe estava o tempo da aliança com

os “economistas críticos”. A equipe responsável pelo livro havia sido coordenada por Maria

Helena Zockun e perfilava uma constelação de conhecidos liberais, a maioria provenientes

da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo: Antonio

Evaristo Teixeira Lanzana, Carlos Alberto Longo, Celso Luiz Martone, Eduardo Giannetti

da Fonseca, Guilherme Leite da Silva Dias, José Pastore e Simão Davi Silber.

Quem quiser se aventurar em um exercício de literatura econômica comparada, pode

cotejar o texto da Fiesp com o livro, publicado poucos meses antes sob os auspícios do

Departamento de Estudos Econômicos do Grupo Pão de Açúcar (Diniz, 1990). Resultado

de um trabalho coordenado tecnicamente pelos economistas Geraldo José Gardenalli e

Yoshiaki Nakano, o livro é muito mais contido em suas propostas liberalizantes do que

aquele patrocinado pelos industriais. Estranha alteridade, pois era justamente o comércio
217

quem menos tinha a perder e mais a ganhar com essa abertura e a indústria quem possuía as

maiores chances de perder e as menores de ganhar. Menos estranha, entretanto, se

verificarmos que os autores da obra patrocinada pelo Grupo Pão de Açúcar são, em sua

maioria, intelectuais com passagens pelas equipes econômicas de José Sarney.96

A comparação foi apontada aqui não para desenvolve-la, mas porque ela permite

alertar o leitor para o fato de que não há uma identidade absoluta entre os intelectuais

orgânicos e aqueles que estes deveriam representar. A relação desses intelectuais com as

classes e frações de classe são mediadas pelas posições que ocupam nas superestruturas das

quais eles são “funcionários” (Cf. Gramsci, 1977, p. 1518). É necessário avançar, pois com

cuidado nos parágrafos seguintes que analisarão o projeto apresentado em nome dos

industriais.

Como narrado na apresentação assinada por Mario Amato ao projeto publicado pela

Fiesp, essa era a segunda vez que a entidade procurava responder à crise do modelo de

desenvolvimento econômico por substituição de importações. A primeira, em 1982

naufragou por total ausência de consenso interno. Os tempos, entretanto, eram outros, e

alternativa neoliberal interna e externamente podia assumir sua vocação hegemônica

restrita. O texto articulava, fundamentalmente, uma diretriz política neoliberal traçada em

um nível bastante elevado de generalidade. Mas ía muito além da mera reiteração da

doutrina, defendendo explicitamente a privatização de empresas e serviços estatais, bem

como a abertura do mercado às importações.

96
A lista de consultores é a seguinte: Adroaldo Moura da Silva, Alkimar Ribeiro Moura, Antôno Augusto de
Mesquita Neto, Antônio Barros de Castro, Décio Kadota, Edmar Bacha, Fernão Bracher, Francisco Lopes,
Guilherme Dias da Silva, José Roberto Mendonça de Barros, José Tavares de Araújo Júnior, Luiz Carlos
Bresser Pereira, Marcos Cintra de Albuquerque, Mario Henrique Simonsen, Paulo Nogueira Batista, Paulo
Rabello de Castro e Regis Bonelli.
218

Como projeto hegemônico restrito ele é voltado à construção da unidade interna das

diferentes frações da burguesia em torno de um modelo. Nada que permita pensar em uma

capacidade da burguesia dirigir outros grupos sociais na construção desse projeto aparece

no livro. As desigualdades sociais existentes no Brasil são interpretadas ora como o

resultado da deficiente capacitação para o trabalho ou como produto do “laissez-faire

demográfico”. Deixando de lado momentaneamente o neoliberalismo e recorrendo ao velho

Malthus, o documento advoga políticas de educação e treinamento da mão-de-obra e

planejamento familiar como receita para a cura dos males sociais.

As diretrizes econômicas merecem uma maior atenção para os propósitos do

presente trabalho. Quem quer que compare o livro de 1990 com o discurso de Vidigal Filho

(1986b) sobre a Assembléia Constituinte em 1985 não pode deixar de ficar impressionado.

Haviam se passado apenas cinco anos entre um e outro, mas a distância era abissal. Em

grande medida, muitas das opiniões tratadas em Livre para crescer eram as mesmas que

alimentavam a equipe econômica de Collor, parte dela também uspiana. A constatação da

crise do modelo desenvolvimentista baseado na substituição de importações, por exemplo,

era partilhada. Os acordos iam além e se situavam nas próprias causas da crise, o

gigantismo e a ineficiência do Estado e o elevado grau de autarquização da economia

(Fiesp, 1990, p. 21-56.)

Pode-se dizer que naquele ano de 1990, poucos seriam os que discordariam daquele

diagnóstico, muito embora os houvesse. Mas é de se notar que concordar com a diagnosis

não implicava para muitos a mesma prognosis. Não é o caso aqui. Tanto o governo como o

documento da Fiesp apontavam para uma profunda reformulação da relação público-

privado por meio da reforma patrimonial e administrativa do Estado e para uma


219

reorganização da economia brasileira por meio da abertura da economia ao exterior (Idem,

Parte II).

As políticas de reforma do Estado propostas pela Fiesp não estavam alicerçadas em

um discurso neoliberal minimalista. Advogando a necessidade do estado manter a provisão

de bens públicos baseado em critérios de eficácia auferidos pelo desempenho no mercado, o

que propunha era a participação privada na produção de bens públicos (privatização), a

eliminação, sempre que possível, da gratuidade da oferta de bens e serviços públicos, e o

fim do monopólio estatal para os serviços públicos (“liberdade de escolha”) (Idem, p. 116).

O documento também defendia a redução do papel empresarial do Estado, por meio

da adoção de critérios mercadológicos para o funcionamento das empresas de propriedade

do Estado, da privatização das empresas ou do encerramento de suas atividades. Nos

processos de privatização, a Fiesp defendia que não existisse qualquer discriminação em

relação à origem do capital interessado na aquisição: “a transparência do processo de

privatização, assim como a valorização máxima dos ativos a serem privatizados, exige a

presença de todo capital interessado, seja nacional ou estrangeiro.” (Idem, p. 119.) Cabe

ainda destacar a defesa de políticas de desregulamentação estatal, principalmente do

mercado de trabalho, onde o Estado deveria intervir fixando unicamente o valor do salário

mínimo, deixando ao mercado de trabalho a livre negociação das demais categorias

salariais (Idem, p. 129).

A abertura da economia ao comércio exterior era na ocasião, tanto para o governo

federal, como para a Fiesp a chave para a reorganização da economia brasileira:

“A abertura ao exterior, entendida aqui como um processo gradual

de liberalização do setor externo da economia brasileira aos fluxos de

comércio e de capitais, tem o objetivo de criar um ambiente competitivo que


220

possibilite uma alocação melhor de recursos entre setores, com um mínimo

de distorções.” (Idem, p. 131. Grifos meus.)

Assim como no documento Política industrial e de comércio exterior do governo

federal, a Fiesp também considera a abertura da economia como parte de modernização da

estrutura produtiva do país: “associada à diminuição dos níveis médios de proteção nas

vendas ao mercado interno, à eliminação das restrições não tarifárias e à redução drástica

na variância da proteção inter-setorial.” (Idem, p. 132.) A insistência em um timing correto

para a abertura comercial, poderia indicar uma resistência prática por parte da entidade

patronal às políticas governamentais (Idem, p. 143-145). Mas o gradualismo adotado pela

equipe de Zélia Cardoso de Mello, na redução das tarifas de importação transformaria as

possíveis diferenças a uma questão de cronograma.

Era de se esperar, portanto, que os empresários estivessem afinados com a política

econômica do governo Collor. Mas as frentes de atrito com o governo persistiam e eram

consideráveis e se fizeram sentir desde março de 1990. O bloqueio de 70% dos ativos

financeiros do setor privado logo no primeiro dia do mandato de Collor alimentou parte

desses atritos; o congelamento dos preços, outra parte. Na imprensa, Mario Amato e Paulo

Francini, estiveram entre os que imediatamente protestaram contra o bloqueio e exigiram a

liberação de fundos (Gazeta Mercantil, 17 mar. 1990, p. 6).

A grita patronal aumentou com a prisão de gerentes e donos de supermercados,

acusados de crime contra a economia popular (Exame, 4 abr. 1990, p. 22-23). Mas,

contraditoriamente, o empresariado apoiou o Plano e o governo. Em maio, uma pesquisa

realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo (27 mai. 1990, p. Política-8), com quarenta

grandes empresários mostrava que a esmagadora maioria estava otimista com relação a ele
221

e dispostos a apoiá-lo. Apenas dois dos entrevistados consideravam que o Plano faria água

em breve. E o próprio Mario Amato, desafeto de Collor desde a campanha presidencial,

manifestou seu apoio à nova condução da econômica.

Mas quando a nova política industrial foi anunciada, começaram a se ouvir vozes

dissonantes. A do presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Máquinas

(Abimaq), Einar Kok, foi a das mais fortes, alertando para os riscos que uma abertura do

mercado poderiam trazer para a indústria nacional (O Estado de S. Paulo, 27 jul. 1990, p.

Economia-5). Um dia após o alerta de Kok, o Departamento de Economia da Confederação

Nacional da Indústria enviava documento ao governo alertando para os riscos da

liberalização comercial com a abertura de importações e a redução de tarifas, em um

período recessivo (O Estado de S. Paulo, 28 jul. 1990, p. Economia-1).

Manifestações semelhantes vieram dos setores de alimentos, fibras sintéticas e

autopeças. Cada setor apresentava suas demandas específicas. Para Edmundo Klotz,

presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), o governo

deveria estabelecer “um sistema de tarifas caracterizado por uma graduação, de forma a se

poder contemplar, com uma tarifa menor, a matéria prima, e com tarifas maiores os

produtos industrializados.” (Klotz, 1990.) A demanda por uma maior redução das tarifas

das matérias-primas era partilhada pelos fabricantes de fibras sintéticas (O Estado de S.

Paulo, 19 ago. 1990, p. Economia-4.)

O presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos

Automotores (Sindipeças), Pedro Eberhardt, por sua vez, alertava para a necessidade de

compensar por mecanismos tarifários ou outros quaisquer, os “incentivos que os produtos

importados por vezes recebem em seus países de origem, nem sempre compensados pelas
222

alíquotas fixadas pelo governo, o que torna a concorrência – nesse caso – desleal e

perigosa.” (Eberhardt, 1990.)

As demandas desses setores, não conseguiram ir além de um nível econômico

corporativo. Não se desenhava em suas declarações um projeto alternativo, capaz de

desafiar as diretrizes governamentais. Mas no interior do empresariado era possível

vislumbrar projetos mais abrangentes. A oposição mais consistente à nova política

industrial do governo veio do Iedi. A noção de um Estado ausente das atividades de

coordenação da economia não fazia parte do ideário da entidade. “O Estado terá de

sinalizar onde pretende investir e onde o setor privado poderá atuar”, afirmava Paulo

Cunha, presidente do Iedi e do Grupo Ultra (Exame, 25 jul. 1990, p. 20). No documento

Mudar para competir, divulgado pelo Iedi em junho, ficava claro que para a entidade, a

redução tarifária carregava consigo seus problemas:

“A maior exposição à economia internacional é fundamental para a

competitividade, através da liberalização das importações e extinção de

barreiras não-tarifárias. Porém, por mais intenso que resulte o esforço de

transformação, deverá transcorrer um período de adaptação para que se

possam superar esses desajustes.” (Iedi, 1992, p. 9)

Não era apenas uma questão de ritmo, como no documento da Fiesp. Os

empresários afinados com o Iedi preservavam para o Estado um importante papel na

economia. Para o Instituto, o Estado deveria atuar menos nas atividades produtivas, mas

deveria manter suas funções de coordenação estratégica dos rumos do desenvolvimento.

Através do investimento em infra-estrutura e da demanda estatal, estaria preservada sua

capacidade de intervenção na economia:


223

“Indiretamente, o Estado pode também contribuir para essa expansão

[da indústria], através dos instrumentos clássicos da política industrial –

financiamento e incentivos a setores estratégicos – utilizados por todos os

governos dos países desenvolvidos.” (Iedi, 1990).)

A voz do Iedi repercutia demandas que eram mais fortes, principalmente, nos

setores metal-mecânico e eletro-eletrônico. Os temores de alguns setores da indústria com a

abertura às importações eram compreensíveis. A redução da oferta de moeda provocou uma

recessão, considerada como um sacrifício inevitável pela nova equipe econômica. No

segundo trimestre de 1990, a utilização da capacidade instalada da indústria chegou ao

fundo do poço. De acordo com o levantamento da revista Conjuntura Econômica, a

indústria de bens de capital, teve na ocasião apenas 48% de sua capacidade em utilização, o

pior índice na história da pesquisa. Os setores de bens de consumo, intermediários e

material de construção não tiveram desempenho melhor – 53%, 68% e 52%,

respectivamente.

A lembrança traumática dos últimos meses do governo Sarney tornava o

empresariado disposto a aceitar o sacrifício em troca da estabilidade social e econômica. A

aceitação, entretanto, estava condicionada à capacidade do governo garantir um novo

ambiente político e econômico que restabelecesse a normalidade nos negócios. Não eram

os únicos dispostos a tal. No Congresso Nacional, a ausência de uma oposição combativa

ao Plano Collor chamou a atenção dos observadores mais atentos. A ausência de reação era

tão surpreendente quanto o próprio Plano (Rodrigues, 2000, p. 102).

A recuperação da atividade industrial a partir de maio de 1990 ajudou a escorar o

apoio do empresariado ao governo. Passado o choque inicial dos meses de março e abril, a
224

indústria parecia recuperar-se, com os setores metal-mecânico e químico-farmacêutico à

frente, reagindo ao desbloqueio dos ativos congelados.97 Mas já em setembro os índices de

produção industrial voltavam a cair e a inflação disparava novamente, chegando a 13,74%

segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

Foi em setembro, durante a solenidade promovida pelo jornal Gazeta Mercantil, no

Clube Pinheiros em São Paulo, para homenagear as lideranças empresariais do ano, que o

distanciamento entre empresários e o governo começou a ficar mais nítido. Até então, eles

pareciam dispostos a aceitar a condução da política econômica, fazendo ressalvas pontuais.

Mas a volta da inflação e os indícios de uma recessão mudaram os humores. Collor, como

de hábito, não percebeu nada e manteve o estilo agressivo em seu discurso na solenidade,

atacando a “tradição deletéria de lucro indexado”. “A empresa brasileira não pode

continuar a ter as taxas de rendimento mais altas do mundo”, vociferou (Exame, 19 set.

1990, p. 31).

O nível de tolerância do empresariado já estava em níveis inferiores aos necessários

para suportar mais uma acusação. O presidente havia comparecido ao evento acompanhado

de três ministros – Zélia Cardoso de Mello, Ozires Silva e Bernardo Cabral – do secretário

geral da Presidência, Marcos Coimbra; do chefe do Gabinete Militar, general Agenor

Homem de Carvalho; e do porta-voz, Cláudio Humberto Rosa e Silva. Era um claro sinal

da importância dada ao contato com o empresariado. Mas com seu discurso, ao invés de

abrir portas, provocou um intenso tiroteio.

Antonio Ermírio de Moraes não vestiu o chapéu das altas taxas de rendimento e o

colocou no sistema financeiro: “Em quarenta anos de vida empresarial nunca vi

97
Partindo de um índice de produção industrial de 82,4 em abril de 1990, de acordo com as séries históricas
225

rentabilidade líquida de 8% no mercado financeiro”, afirmou. Olavo Setúbal, do Itaú,

rejeitou a oferta: “A política monetária apertada tem como conseqüência a quebra de

empresas. Mas não torçam para que os bancos quebrem ou tenham prejuízos, pois a

economia brasileira não sobrevive sem os bancos”, ameaçou. E Abílio Diniz, do Grupo Pão

de Açúcar, devolveu o chapéu ao industrial: “Todo o comércio ficou debilitado após o

Plano Collor, pois não houve tablita, o que provocou uma transferência de renda muito

grande do varejo para as indústrias.” (Exame, 14 nov. 1990, p. 15.)

A equipe de Collor não deixou por menos e voltou à carga contra o empresariado,

retomando o discurso de campanha. A ministra da Economia responsabilizou os

empresários pela volta da inflação, acusando-os de reajustar os preços e os salários. Mario

Amato reagiu afirmando que “os empresários apoiaram Collor e o seu plano, que prometia

inflação zero e juro baixo. Os empresários acreditaram e investiram e a coisa deu errado.”

(Exame, 14 nov. 1990, p. 14.) Reafirmando o estilo bateu-levou, o porta-voz da presidência

Cláudio Humberto acusou Mário Amato de “coronelismo empresarial”.

A temperatura subiu ainda mais quando Antonio Ermírio de Moraes insinuou, logo

após o tiroteio, a existência de corrupção no interior do governo em entrevista no Jornal do

Brasil: “não posso dizer que no governo só tem ladrões, porque é injustiça, embora tenha

ladrões no governo, mas não são todos” (Apud Rodrigues, 2000, p. 128). O governo reagiu

de duas maneiras. Primeiro o ministro da Justiça, Bernardo Cabral, decidiu processar

Antonio Ermírio por calúnia e difamação. Depois, a equipe econômica montou a

provocação da Portaria 852/1990 do Ministério da Economia. A nova portaria requisitava

um amplo leque de informações das maiores empresas do país, muitas das quais já de posse

do IBGE, a indústria mecânica atingiu o índice de 144,14 em agosto do mesmo ano.


226

do governo, enquanto outras, como o nome e os endereços dos parceiros comerciais, não

faziam o menor sentido, segundo os empresários. A Fiesp inicialmente aconselhou os

industriais a recusarem o fornecimento de informações, alegando os custos administrativos,

mas depois, decidiu colaborar.

A provocação governamental deixou as relações do governo com os empresários

ainda mais tensas, até que, em meados de janeiro de 1991, o Planalto tentou uma

reaproximação com o empresariado. No dia 21, a ministra da Economia, Zélia Cardoso de

Mello, reuniu-se com dez empresários, para captar sugestões para o Programa de

Competitividade Industrial. A retomada do crescimento econômico acabou entrando na

conversa e os protestos empresarias foram ouvidos: “Estamos num processo de

desmontagem do mercado interno”, afirmou na ocasião Paulo Cunha, do Grupo Ultra e do

Iedi (Folha de S. Paulo, 22 jan. 1991, p. 2-3). Apesar dos protestos, os empresários se

mostravam otimistas com a nova postura do governo. Segundo Walter Sacca, diretor do

Departamento de Economia da Fiesp, “O governo percebeu que trabalhar junto é mais

produtivo e profícuo. Trabalhar com a sociedade é melhor do que errar sozinho” (Gazeta

Mercantil, 22 jan. 1991, p. 1)

Mas o governo só estava ganhando tempo. No dia 31 de janeiro, anunciou o Plano

Collor II. O novo pacote congelava preços e salários, reajustava as tarifas, desindexava os

preços e unificava as datas base dos dissídios dos trabalhadores. Tudo o que o empresariado

temia. A reação foi imediata. Na pirâmide da Fiesp, os empresários denunciavam a

contradição entre o “discurso liberalizante” e a “prática intervencionista” do governo (IstoÉ

Senhor, 13 fev. 1991, p. 22). A nota redigida pela entidade era cautelosa e Mário Amato,

gato escaldado, ainda mais: “Após combativas conversas estamos fechados com a idéia de
227

que, por princípio, somos contra o congelamento, mas não é hora de discussão se o plano é

válido e sim de colaborar para que ele dê certo”, afirmou relatando a reunião (Idem).

A portas fechadas, entretanto, o tom da discussão era muito mais elevado e o

empresariado já dava sinais de que não tolerava mais essa gestão econômica. Nenhuma das

expectativas patronais se realizou: a inflação havia voltado e as greves não haviam

terminado, a reforma fiscal estava emperrada e as privatizações não andavam. Somente a

abertura comercial parecia avançar, com o cronograma de redução tarifária sendo

cumprido. Mas mesmo esta se processava em contexto que não era aquele esperado pelo

empresariado. O que já fazia aparecer as primeiras críticas diretas. Dentre essas vozes

destacava-se a de Emerson Kapaz. Para o líder do PNBE,

“A tão falada abertura do país ao mercado externo, como objetivo de

médio e longo prazos é inquestionável. Mas é extremamente questionável a

sua velocidade e dimensão dentro de uma redefinição de prioridades e

estratégia de inserção, como país, no mercado internacional. Sob o manto da

busca do moderno, corremos o risco de, em poucos anos, desindustrializar o

país e sucatear uma parcela considerável de um parque industrial construído

nos últimos 80 anos.” (Kapaz, 1991b.)

Foi só com a queda de Zélia Cardoso de Mello e a posse do novo ministro, Marcílio

Marques Moreira, que a relação entre o governo e os empresários melhorou. De estilo

conciliador, o novo ministro tinha transito livre no interior do empresariado. Na posse de

Moreira, na primeira semana de maio, o empresariado exalava otimismo em suas

declarações. Para Abraham Kasinski, do Iedi, “Daqui para a frente o empresariado poderá

tem um diálogo mais amplo com o governo.” (Exame, 15 mai. 1991, p. 24). Na mesma
228

direção apontava o proprietário da Gradiente, Eugênio Staub, também do Iedi: “A equipe

que sai começava a adquirir a experiência que lhe faltava no início, mas a que entra, com

Marcílio, poderá restabelecer a aliança do governo com o establishment empresarial daqui e

de fora! Collor nesse ponto foi brilhante.” (Idem, p. 26.)

Gráfico 11 – Índices Anuais da Produção Industrial, Segundo Categorias

de Uso

150
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Bens de capital 142,6 114,9 97,9 79,1 90,7 102,0 124,3 122,1 119,5 119,9 101,3 100,0 93,1
Bens intermediários 96,7 85,9 88,4 86,3 95,1 102,0 110,6 111,8 109,4 112,1 102,3 100,0 97,6
Bens de consumo 89,7 86,2 88,8 85,1 85,4 93,1 103,4 103,5 99,9 103,5 98,0 100,0 94,6

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Indústria, Pesquisa Industrial Mensal: Produção Física 1975-2000.

Na condução da economia, Marcílio Marques Moreira gerenciou uma política

ortodoxa e gradual, elevando as taxas de juros e mantendo a economia em recessão com o

aval do Fundo Monetário Internacional (Bresser Pereira, 1996, p. 241-242). Mas o

desempenho da economia durante todo o ano de 1991, apesar das expectativas iniciais não

melhorou. O desempenho da indústria, em 1990, já havia sido desastroso, uma queda de

8,2% no PIB industrial. E o ano de 1991, terminou com um índice de -1,8%. No pior dos

mundos possíveis, a recessão não havia colocado sob controle a inflação, que encerrou o
229

ano de 1991, com um índice acumulado de 410,1%, segundo o IGP-M, da Fundação

Getúlio Vargas.

O alcance da reestruturação do setor produtivo, cujos primeiros efeitos foram

visíveis já no ano de 1991, foi ainda mais significativo por que se manifestou sobre uma

base econômica já contraída por uma década de recessão. Analisando os índices de

produção física anual durante o período de 1980 a 1992 a indústria de bens de capital

arrochou sua produção em mais de um terço. Caminho similar foi seguido pela indústria de

bens duráveis, que reduziu o volume da produção em 13,5% (ver Gráfico 11).

Entrevistados pelo jornal O Estado de S. Paulo, no final do ano de 1991, duas

dezenas de influentes empresários manifestaram previsões nada alentadoras para o ano de

1992. Estimaram que a inflação ficaria entre 250% e 450% e previram, em sua maioria, um

crescimento zero no PIB e nas vendas de suas próprias empresas com relação a 1991.

Prevendo o futuro, o secretário da Fiesp, Roberto Nicolau Jeha, afirmou na ocasião, “a

inflação deve cair, mas a um custo social muito grande, e ainda assim continuar maior do

que nós e o próprio governo gostaríamos que fosse.” A conclusão de Jeha não era nada

otimista. A meta do empresariado em 1992 deveria ser sobreviver. “Quem conseguir isso,

já terá conseguido muito”, afirmou (O Estado de S. Paulo, 8 dez. 1991, p. Economia-1).

Sobreviver era algo que parecia impossível para muitos empresários. A combinação

dessa política recessiva com a abertura comercial teve um impacto extremamente negativo

sobre a indústria. A crescente exposição ao ambiente competitivo internacional e o

favorecimento do setor exportador reforçaram uma tendência, presente na década anterior,

à queda da produção industrial. Os impacto negativo da abertura comercial sobre a indústria

era, entretanto, agravado pela recessão existente. Quando a Fiesp discutiu a questão em

1990, salientou a importância de um timing adequado.


230

O governo, entretanto, não parecia muito sensibilizado pela questão. Dois eram os

tipos de problemas envolvidos: 1) a defasagem existente entre as políticas de competição,

que a rigor nunca saíram do papel, e as políticas de competitividade; e 2) a aplicação dessas

políticas em um contexto de instabilidade macroeconômica e recessão (Erber, 1991 e

Baptista, 1993). Quando em fevereiro de 1992, o governo decidiu antecipar em seis meses

o cronograma de redução das tarifas em meio a uma profunda recessão ficou mais do que

claro que a questão do timing era para ele irrelevante.


231

12. A grande batalha: as eleições de 1992 na Fiesp

No interior da pirâmide da Paulista a crise também se fez sentir. Rezava a tradição

que o primeiro vice-presidente da entidade, seria o candidato natural à sucessão de Mario

Amato. Carlos Eduardo Moreira Ferreira, sócio-proprietário da Companhia Elétrica

Paulista, seria assim, naturalmente, conduzido ao posto máximo da Federação e do Centro

das industrias. Ocupando posições de destaque nas entidades, desde a histórica eleição que

conduziu Luiz Eulálio Vidigal Filho pela primeira vez a presidência, Ferreira conhecia

como poucos o funcionamento da máquina. Mas sua candidatura não era consensual.

Desde maio de 1991, um influente grupo de empresários passou a se reunir cada vez

mais freqüentemente para discutir a sucessão na pirâmide da Paulista. Claudio Bardella,

Paulo Cunha, Paulo Francini e Eugênio Staub, todos do Iedi, estavam entre os

conspiradores de primeira hora. Ao longo do ano, o grupo passou a se reunir semanalmente

no Clube Nacional. Quando, a candidatura de Ferreira foi oficializada, em outubro de 1991,

nove meses antes da eleição, os oposicionistas já reuniam cinqüenta pessoas, dentre os

quais vários associados do PNBE, como Adauto Ponte, também presidente do Sindicato da

Indústria da Fundição. Contra o candidato natural à sucessão, também se levantou Nildo

Masini, vice-presidente da Fiesp por três gestões consecutivas e presidente da Caixa

Econômica do Estado de São Paulo durante o governo Orestes Quércia. Em outubro de

1991, o industrial tornou pública sua intenção de disputar a presidência da Entidade.

Dois eram os temas que inicialmente alimentavam a oposição. Primeiro, a

democratização do complexo Fiesp-Ciesp. Segundo, a maximização da representatividade

empresarial, advogando uma melhor administração da relação entre os empresários, a


232

“sociedade organizada” e o Estado. (O Estado de S. Paulo, 10 out. 1991, p. Economia 3). Já

em 1989, por ocasião da reeleição de Mario Amato, Emerson Kapaz, Oded Grajew e outros

associados do PNBE haviam levantado a bandeira das eleições diretas na Federação, onde

apenas os sindicatos votavam. Cautelosos defensores de uma transição lenta, gradual e

segura para a democracia no complexo Fiesp-Ciesp, os empresários que se reuniam no

Clube Nacional defendiam que as eleições na Federação fossem antecipadas pelas eleições

no Ciesp, para que a votação das empresas influenciasse posicionamento dos sindicatos.

Pesava contra Ferreira o fato dele, não ser considerado um industrial por muitos de

seus pares. Acionista minoritário de uma empresa prestadora de serviços por intermédio de

concessão estatal, o vice-presidente de Amato era visto com desconfiança por seus pares,

que duvidavam de sua independência perante o governo. Em uma conjuntura crítica, a

questão da representação empresarial era a questão chave. À articulação do Clube Nacional

se uniram outros empresários, dentre os quais Emerson Kapaz, desembocando na criação de

um Movimento de Representatividade Industrial (MRI). No dia 27 de novembro de 1991,

34 empresários do MRI entregaram um documento a Mário Amato, solicitando que a

eleição no Ciesp acontecesse antes da Fiesp e convocando-o a ser o “mestre da transição

para a eleição direta” (Folha de S. Paulo, 1 dez. 1991, p. 7).

Amato não aceitou o convite e um estranho debate teve lugar: Roberto Simonsen foi

eleito por um colégio de sindicatos ou pelo voto direto das empresas? Amato afirmou que

em 1931, Simonsen havia sido escolhido pelos sindicatos, o que comprovava que as

eleições diretas não só produziam bons resultados, como faziam parte da cosmogonia

industrial. Os empresários do MRI afirmavam que Simonsen havia sido eleito pelo voto

direto das empresas no Ciesp, fundado em 1928 e que a eleição da Fiesp em 1931 havia

apenas referendado aquele resultado.


233

Ambos estavam errados. Roberto Simonsen foi eleito vice-presidente do Ciesp em

1928 e as eleições de 1931 não foram indiretas. Os estatutos da Fiesp aprovados em 16 de

maio de 1931 definiam como objetivo da Federação congregar “todas as indústrias e as

associações de classe industrial existentes ou que venham a existir no Estado de São Paulo”

(Fiesp, 1934, p. 3). A Federação era “administrada por uma directoria e por um Conselho

Consultivo, ambos eleitos anualmente em assembléa geral.” (Idem, p. 9.) A assembléia

geral era a reunião de todos os sócios, o que contemplava, portanto, as indústrias associadas

(Idem, p. 13).

Historicamente a interpretação do MRI estava mais perto da realidade. Assim como

a sua interpretação dos estatutos em vigor. Para rejeitar a proposta de antecipação do pleito

da Fiesp, Amato recorreu aos estatutos. Segundo ele, deveria alterá-los para mudar a data

dos pleitos. Mas Nildo Masini, que estava com o texto em mãos esclareceu a questão: a

definição das datas das eleições era prerrogativa do presidente e não havia nada que a

impedisse, a não ser a própria vontade de Amato (Folha de S. Paulo, 1 dez. 1991, p. 7).

Mas o encontro não se limitou a acertos de conta historiográficos. As objeções de

Amato eram fortes. Argumentava que a antecipação do pleito do Ciesp poderia dar um

poder excessivo às pequenas e médias empresas. E fazendo jus a sua fama de frasista

recorreu a um argumento insólito, comparando a Fiesp às federações de futebol, afirmando

que a decadência do esporte havia começado quando os clubes pequenos entraram para a

direção dessas entidades. Amato também comparou a eleição na Fiesp às realizadas para a

presidência da República argumentando contra o voto direto: “Não sei se o voto direto é a

salvação do país. Tivemos uma eleição: um teve 35 milhões de votos, o outro quase isso e,

hoje, você faz uma avaliação e não sabe se votou bem ou mal.” (Idem.)
234

A rejeição de Amato e Moreira Ferreira às propostas de democratização da eleição

consolidaram a proposta de uma candidatura alternativa. No início de 1992, a imprensa

noticiava que Kapaz estava interessado em concorrer com Ferreira à sucessão da Fiesp:

“Estou estudando esta possibilidade desde que haja uma conjugação de forças empresariais

neste sentido”, afirmou na ocasião (Jornal do Brasil, 8 jan. 1992, p. 11). A “conjugação de

forças” já existia quando Kapaz se manifestou publicamente. Na ocasião, Paulo Francini

declarou que “veria a candidatura de Kapaz com bons olhos.” Ao lado de Kapaz também se

alinhavam Paulo Villares, Paulo Cunha e Cláudio Bardella (Idem).

A oposição foi reforçada por uma pesquisa publicada em janeiro de 1992 no jornal

O Estado de S. Paulo (25 jan. 1992, p. Economia-1 e 5). A pesquisa revelava a força da

candidatura de Moreira Ferreira na Fiesp, com o apoio de mais da metade dos sindicatos.

Mas no Ciesp, Moreira Ferreira era indicado como preferido apenas por 21,5% dos

industriais entrevistados, ficando atrás de José Ermírio de Moraes, o favorito, e também de

Emerson Kapaz e Paulo Francini. A pesquisa também revelou que Nildo Masini, apesar de

ter lançado informalmente sua candidatura, perderia de Moreira Ferreira tanto na Fiesp

como no Ciesp.

Na mesma pesquisa os empresários foram interrogados sobre o sistema eleitoral e os

resultados pareceram contraditórios. As eleições diretas para a Fiesp eram defendidas por

69,6% das empresas e 59,1% dos sindicatos, mas 61,3% das empresas e 68,2% dos

sindicatos achavam que as eleições para o Centro e a Federação deveriam ser simultâneas,

ao contrário do defendido pela oposição. Outros temas foram abordados pela pesquisa,

dentre eles é importante destacar a abertura da economia: para 41,4% das empresas e 38,6%

dos sindicatos, a abertura da economia deveria ser total; mas 39,6% das empresas e 45%
235

dos sindicatos reivindicaram proteções setoriais e 15,1% das empresas pediram proteção

total do Estado (Idem).

Gráfico 12 – Preferência dos Empresários e dos Sindicatos para a

Presidência da Fiesp e do Ciesp

70%

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Moreira José Ermírio Emerson Paulo Pedro Eugênio Paulo
Nildo Masini
Ferreira de Moraes Kapaz Francini Eberhardt Staub Cunha
Ciesp 21,5% 61,3% 39,8% 28,0% 21,5% 20,4% 19,9% 15,6%
Fiesp 52,3% 36,4% 29,5% 22,7% 22,7% 15,9% 15,9% 11,4%

Fonte: Escritório de Pesquisa Eugenia Paesani. O Estado de S. Paulo , 25 jan.


1992, p. Economia-1 e 5 Ciesp Fiesp

A disparidade das preferências entre os sindicatos e a base que deveriam

representar, apontava para a complexidade do arranjo institucional que articulava a

Federação e o Centro. Situação e oposição eram conscientes disso e procuravam deslocar o

peso das eleições para uma ou outra entidade de acordo com seus cálculos eleitorais. Assim

como em 1980, a existência de um elevado número de sindicatos com baixa

representatividade e dependentes do imposto sindical e da máquina da Federação

beneficiava a situação. Dentre os 121 sindicatos filiados, havia oito do setor de vestuário e

acessórios, dentre os quais o Sindicato da Indústria de Guarda-Chuvas e Bengalas de São


236

Paulo, com seis empresas filiadas e escolhido para vilão pela oposição e pela imprensa, que

insistentemente o citava.98

Para romper o cerco os oposicionistas passaram a contar com a renovação das

diretorias dos sindicatos e com a realização de prévias entre os filiados das entidades de

primeira ordem. A própria definição da data da eleição passou a ser tema de disputa. Se as

eleições fossem realizadas em agosto, como em 1980, 65% dos sindicatos realizariam suas

eleições antes, aumentando as possibilidades de renovação e beneficiando a oposição. Se

fossem em julho, a percentagem de eleições sindicais cairia para 53%, o que beneficiaria a

situação que havia estabelecido acordos com as diretorias já constituídas (O Estado de S.

Paulo, 25 jan. 1992, p. Economia-1).

Poucos dias após a divulgação da pesquisa, numa terça-feira 28 de janeiro, Emerson

Kapaz lançava sua candidatura à presidência da Fiesp e do Ciesp em uma almoço com 36

apoiadores no Clube Nacional. O candidato oposicionista era engenheiro civil com pós-

graduação em Administração de Empresas; sócio-minoritário da Elka Plásticos, fabricante

de caminhões de brinquedo e utensílios domésticos; ex-presidente do Sindicato das

Indústrias de Instrumentos Musicais e de Brinquedos do Estado de São Paulo; e

coordenador licenciado do Pensamento Nacional das Bases Empresariais, entidade à frente

da qual havia adquirido projeção nacional.

Ao contrário de Moreira Ferreira, praticamente desconhecido fora da pirâmide da

Avenida Paulista, Kapaz já estava no rol das lideranças empresariais nacionais listadas pelo

98
Os sindicatos eram os seguintes: Sindicato da Indústria da Alfaiataria e de Confecções de Roupas de
Homem; Sindicato da Indústria de Camisas para Homem e Roupas Brancas; Sindicato da Indústria de
Chapéus; Sindicato da Indústria da Confecção de Roupas e Chapéus de Senhoras; Sindicato da Indústria de
Guarda-Chuvas e Bengalas; Sindicato da Indústria de Luvas, Bolsas e Peles de Resguardo; Sindicato da
Indústria de Malharia e Meias; e Sindicato das Indústrias do Vestuário de Ribeirão Preto (Fiesp, 1987).
237

Fórum Gazeta Mercantil e transitava livremente na imprensa, que o apresentava como o

candidato da renovação. Na entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na qual sua candidatura

foi apresentada, o tema forte era, justamente, o da representatividade. Para Kapaz, “É

importantíssimo resgatar um papel de liderança do empresariado no processo de mudança

do país. Pelo seu peso, a Fiesp deveria ter uma voz muito mais forte do que tem hoje.

Estamos a reboque do processo, quando deveríamos ser a locomotiva” (Kapaz, 1992)

Para o industrial, se a Fiesp estava a reboque era porque faltava a representatividade

que só a democratização da entidade traria. Segundo o candidato oposicionista, os

confrontos da Fiesp com o governo durante a gestão de Mario Amato teriam sido estéreis:

“Devemos ter independência e autonomia em relação ao governo, o que não significa

responder e criticar o tempo inteiro. Significa costurar uma parceria construtiva, elaborar

propostas e fazer com que o governo escute e possa até adotar essas propostas” (Idem).

Moreira Ferreira não estava tão distante assim desse diagnóstico.99 Para o candidato,

era “muito séria a posição da Federação no contexto social. A entidade precisa se

posicionar depois de ouvir as suas bases antes de qualquer posicionamento.” (Ferreira,

1992). No contexto eleitoral, o Moreira Ferreira procurou afastar-se da imagem de

situacionista, tecendo críticas pontuais a Amato: “Há muitos erros” – afirmou. “O principal

é a necessidade de maior audiência das bases e da diretoria, antes de um posicionamento do

presidente da casa. Eu já disse para o Mário Amato.” (Idem.) Apresentava-se, assim, como

um nome de transição “entre o arcaico e o moderno” e fazia questão de ser reconhecido

dessa maneira pelos seus eleitores (O Estado de S. Paulo, 25 jan. 1992, p. Economia-5).

99
Segundo Peter Kingstone, os candidatos difeririam em apenas uma área crítica: como modernizar as
funções do Ciesp e da Fiesp (1999, p. 145). Como será visto a seguir, esse autor subestima as diferenças
projetivas existentes.
238

Afastados do processo decisório da política econômica pelo governo Collor, os

empresários identificavam a necessidade de reformular suas entidades de representação

para voltar ao centro dos acontecimentos. Daí a insistência na “questão da

representatividade”, como gostavam de afirmar. Mas esse não foi o único tema que se fez

presente no debate eleitoral. Embora de modo fragmentado, é possível perceber nos

pronunciamentos de ambas as candidaturas um debate sobre o projeto do empresariado para

o país. É fragmentado, porque não apareceu de modo sistemático sob a forma de programa

acabado. Ele se manifesta nos discursos, nos artigos publicados na imprensa e nas

entrevistas de Moreira Ferreira e de Kapaz.

A iniciativa nesse debate pertencia a Kapaz, que utilizava a imprensa de maneira

mais habilidosa e procurava apresenta um projeto mais abrangente. Na oportunidade que

receberam para publicar seus programas na seção Tendências e Debates do jornal Folha de

S. Paulo (23 fev. 1992, p. 3), é o candidato da oposição quem leva a melhor. O ponto de

partida de seu artigo foi a constatação de que o país estava “sem rumo”:

“A filosofia que inspirou o empresariado brasileiro a partir dos anos

[19]40, quando a bandeira da industrialização era indispensável para

alcançarmos o desenvolvimento, já não serve mais. O modelo econômico

que sustentou esse desenvolvimento, baseado na substituição de

importações, deixou de ser funcional no fim dos anos [19]70. E as lideranças

empresariais não têm sido capazes de apontar alternativas, nem de assumir

seu papel de liderança do processo de transformação do país.” (Kapaz,

1992a.)
239

Para o candidato da oposição, as eleições no Ciesp e na Fiesp eram a oportunidade

de recompor a representatividade das entidades patronais e condição para que os

empresários assumissem seu papel de “articulador de um novo rumo ao país”. Para tal, seria

necessário manter a independência perante o governo e estabelecer com este uma relação

de “parceria construtiva”. A mesma atitude deveria vigorar nas relações capital/trabalho.

Era essa independência que permitira ao empresário desempenhar um papel ativo,

interferindo na definição da política econômica.

Expressando os novos temores dos industriais com os rumos tomados pela abertura

da economia, o artigo de Kapaz, abordava o tema distanciando-se do enfoque

governamental:

“Queremos interferir na abertura de nossa economia, partindo do

pressuposto de que ela é inquestionável como meta, mas discutível enquanto

processo. Não podemos correr o risco de, sob o pretexto enganoso de uma

rápida modernização, caminhar para um processo de desindustrialização e

sucateamento de nossa indústria.” (Idem.)

Os temores eram acompanhados de uma proposta que articulava à ênfase no caráter

sistêmico da competitividade, defendida pelo Iedi (1990), com a expansão do mercado

interno por meio de uma política de rendas, parte do ideário do PNBE (Grajew, 1991 e

Mindlin, 1992). Nesse projeto, a competitividade da indústria era também função da

competitividade do país:

“Estamos convencidos de que um sistema econômico competitivo

exige infra-estrutura moderna, política de crédito compatível com a

praticada por nossos concorrentes internacionais, estrutura tributária mais


240

simples e menos onerosa – com maior base de arrecadação – e um mercado

interno forte, decorrente do aumento dos níveis de renda da população.”

(Idem.)

É interessante a comparação com o artigo de Carlos Eduardo Moreira Ferreira

publicado na mesma página do jornal (1992a). Nele, o candidato oficialista apresenta um

programa de cunho econômico-corporativo voltado para as micro, pequenas e médias

indústrias, prometendo ampliar a representação dessas empresas junto aos poderes públicos.

Duas eram as diretrizes apresentadas por Moreira Ferreira: uma ação política, voltada a

valorizar os pequenos empreendimentos por meio de linhas de crédito e isenções fiscais; e

uma rede de serviços prestados pelo complexo Fiesp-Ciesp, voltados para elas (Idem.).

Poucos dias depois, Kapaz voltou à carga, atacando o texto de Moreira Ferreira no

mesmo jornal. Segundo o representante da oposição, seu contendor havia publicado no dia

23 um texto já enviado os empresários através de mala direta. Reivindicava Kapaz o

confronto de idéias e o debate em torno dos grandes temas que afetavam o empresariado

(1992f). O texto de Moreira Ferreira, entretanto, estava longe de ser ingênuo. Apontado

como favorito nas eleições para a Fiesp, o candidato da situação procurava agora o votos

dos pequenos e médios empresários que poderiam ser decisivos no Ciesp.

O pragmatismo de Moreira Ferreira, o levava a evitar os confrontos e a construir

uma imagem pública de moderação. Kapaz, por sua vez, estava empenhado em se

apresentar como o candidato da renovação. O mote de Vidigal Filho em 1980 –

“Renovação sem Contestação” – não era o mesmo de Kapaz, que procurava afirmar lado-a-

lado a renovação e a contestação. Os tempos, é claro, eram outros. Em 1980, a crise era

visível no horizonte, mas para a maioria dos industriais, ainda poderia ser evitada. Em
241

1992, a crise era uma realidade na qual o país estava submerso – apesar das emersões

conjunturais – há dez anos.

Apresentar um projeto para o país era algo que a candidatura de oposição

considerava essencial. Transpondo o nível da representação econômico-corporativa, sua

candidatura colocava como desafio a afirmação de uma resposta capitalista à crise do

capitalismo. O pressuposto de tal era a retirada do empresariado industrial de uma condição

subalterna e sua transformação em classe dirigente. Era nessa perspectiva que a questão da

representatividade era enquadrada pela candidatura oposicionista. As exigências de

democratização das entidades patronais eram condições para que o empresariado exercesse

um papel dirigente na sociedade brasileira. Para o candidato oposicionista a questão da

representatividade era chave para que a Fiesp fosse “o grande fórum de discussão de

política industrial, de políticas de rendas, de propostas contra a crise.” (Kapaz, 1992b.)

Foi com essa perspectiva que a candidatura de Emerson Kapaz aglutinou um

representativo conjunto de empresários. Além de Francini, Cunha, Bardella e Villares, já

citados, ganhou o apoio de Paulo Setúbal Neto (Duratex), Jacques Rabinovich (Grupo

Vicunha), Eugênio Staub (Gradiente), Abraham Kasinski (Cofap), todos do Iedi, além de

Sérgio Mindlin (Metal Leve e PNBE) e de Nildo Masini (Ipiranga Aços Especiais).

Confluíam, assim, dois movimentos que nascidos no interior da pirâmide da Avenida

Paulista haviam dela se afastado no final dos anos 1980: PNBE e Iedi. Enquanto o primeiro

canalizava as reivindicações de representação dos pequenos e médios empresários e

introduzia na pauta empresarial a expansão do mercado interno por meio de uma política de

rendas e a reformulação das relações capital-trabalho, o segundo aglutinava os grandes

industriais nacionais preocupados com a ausência de uma política industrial

neodesenvolvimentista e com os rumos tomados pela abertura de mercados.


242

Essa confluência programática é coerentemente articulada no discurso eleitoral de

Kapaz. Mas é o projeto neodesenvolvimentista do Iedi que ocupa o lugar determinante,

ordenando o programa da oposição. Interrogando-se sobre as premissas básicas que

deveriam nortear o comportamento dos empresários nas relações capital-trabalho, Emerson

Kapaz esclareceu a questão: “para responder, partimos da identificação do interesse

primeiro do capital produtivo: realizar mais gastando menos, para lucrar mais.” (Kapaz,

1992c.)

Para lucrar mais a receita seria ampliar o mercado e a participação dos salários na

renda nacional. Para o candidato da oposição, a distribuição de renda estaria condicionada

pela reforma da estrutura fiscal e tributária do Estado, pelo enxugamento da máquina

governamental, pela geração de emprego, pela queda da inflação e, pela “negociação e pelo

amadurecimento das relações entre o capital e o trabalho, entendidos como

interdependentes. Até este ponto é o discurso do PNBE que é anunciado.100 Mas há uma

inflexão perceptível a seguir. Segundo Kapaz, reconhecer isso era

“um fator de competitividade internacional, como nos mostram as

economias mais adiantadas do mundo. Em todas elas, os avanços de

produtividade e eficiência são perseguidos com igual tenacidade por

empregados e empregadores, pois é plena a consciência de que a melhoria

das condições de vida do trabalhador e o desenvolvimento de sua capacidade

técnica caminham passo a passo com o crescimento das indústrias, a

inovação tecnológica, a conquista de novos mercados e a criação de

empregos.” (Idem.)

100
A respeito da concepção das relações capital-trabalho do PNBE, ver Bianchi (2001, p. 103-127).
243

A formulação de uma política industrial baseada na competitividade sistêmica, a

bandeira do Iedi, era para Kapaz uma prioridade. O tema foi desenvolvido em uma artigo

publicado no jornal Gazeta Mercantil em abril daquele ano (Kapaz, 1992d). A escolha do

meio é intencional e é revelador comparar os artigos publicados na seção Tendências e

Debates da Folha de S. Paulo, com aqueles que vão para as páginas do caderno de

Economia d’O Estado de S. Paulo e para a Gazeta Mercantil. Se na Folha de S. Paulo o

discurso apela para os valores democráticos, conclamando o debate, é nos outros dois

veículos que o candidato se dirige aos seus pares e o projeto hegemônico é apresentado de

maneira mais detalhada.

O programa apresentado por Kapaz nessa ocasião era uma versão da política

industrial defendida pelo Iedi. O distanciamento do governo federal e de suas diretrizes

econômicas era bastante claro. Para o oposicionista o governo estava trabalhando com o

pressuposto de que bastava reduzir as alíquotas de importação para estimular a

modernização do parque industrial. No entanto, “como falta o pré-requisito de uma clara

política industrial, tais medidas apenas ameaçam a sobrevivência de inteiros setores da

economia, sem a contrapartida da abertura de novas possibilidades (Idem.).

Segundo Kapaz, “a abertura da economia brasileira não pode ser buscada como um

fim em si mesmo, mas só pode ser empreendida tendo em vista o fortalecimento da

atividade produtiva instalada no País.” (Idem.) Isso implicaria na definição de cronogramas

para a abertura do mercado compatíveis com a capacidade da indústria adaptar-se aos

novos tempos. Para uma nova política seria necessário definir como alvo principal a

“competitividade sistêmica”.

Três seriam os pressupostos de tal política. Primeiro, a capacitação de cadeias

produtivas inteiras e grandes contingentes de recursos humanos por meio de investimentos


244

maciços em atualização tecnológica, renovação de máquinas e equipamentos,

aperfeiçoamento gerencial e educação, visando a capacitação de grandes segmentos da

economia, envolvendo. Segundo, uma política de incentivos e linhas de crédito adequadas,

bem como uma política fiscal que deixasse de penalizar os investimentos e onerar os custos

das empresas, ou seja, aquilo que o Iedi denominava de “finanças industrializantes” (Iedi,

1992). E, em terceiro lugar, uma firme representação industrial e lideranças habilitadas a

operar as transformações estruturais das entidades do empresariado (Kapaz, 1992).

Para muitos dos aliados de Kapaz, as entidades de representação da indústria não

estavam haviam estado à altura desse programa. Segundo Hélio Mattar, coordenador do

PNBE e um dos apoiadores da candidatura oposicionista,

“Um projeto conseqüente e responsável de abertura deve aguardar o

crescimento da economia, pré-condição para que o esforço de ganho de

produtividade possa resultar. É surpreendente que a Confederação Nacional

da Indústria e as federações da indústria não se levantam contra a situação

que está sendo imposta. Privilegia-se a ideologia neoliberal, ao invés de

deixar claro que a abertura deve ocorrer, mas desde que no momento certo,

com pré-condições atendidas e com um projeto industrial claro da nação que

se quer e que se pode ter.” (Mattar, 1992.)

Há uma distância entre as críticas iniciais que alguns setores do empresariado

levantaram à abertura de mercados, quando ela foi lançada em 1990 (Cf. Capítulo 11), e as

que aqui são apresentadas. Depois de dois anos, já eram evidentes seus efeitos na indústria.

A análise setorial permite ver a dimensão da retração industrial (ver Tabela 8). Com a

exceção dos setores de produtos alimentares, bebidas, fumo, perfumaria e da extrativa


245

mineral, todos os demais viram sua produção cair. As quedas mais acentuadas foram

registradas nas indústrias mecânica, de plásticos, do vestuário, de material elétrico e da

metalurgia, justamente as mais afetadas, em um primeiro momento, pela abertura das

importações.

Tabela 8 – Índices Anuais da Produção Industrial (1991=100)

Classes e gêneros da indústria 1989 1990 1991 1992 Variação


nominal
Indústria Geral 112,7 102,7 100,0 96,3 -16,4
Extrativa Mineral 96,4 99,1 100,0 100,8 4,3
Indústria de Transformação 113,1 102,4 100,0 95,9 -17,2
Minerais não metálicos 111,7 99,4 100,0 92,3 -19,4
Metalúrgica 121,4 106,1 100,0 99,4 -22,0
Mecânica 134,0 111,4 100,0 90,5 -43,5
Material elétrico e de comunicações 113,3 107,0 100,0 87,4 -25,9
Material de transporte 119,1 100,2 100,0 97,8 -21,3
Madeira ... ... 100,0 98,8 -1,2
Mobiliário ... ... 100,0 88,4 -11,6
Papel e papelão 100,0 93,7 100,0 98,0 -2,0
Borracha 105,9 101,3 100,0 99,9 -6,0
Couros e peles ... ... 100,0 96,9 -3,1
Química 117,8 108,3 100,0 99,5 -18,3
Farmacêutica 113,5 102,5 100,0 88,8 -24,7
Perfumaria, sabões e velas 99,1 93,4 100,0 99,4 0,3
Produtos de matérias plásticas 118,8 100,2 100,0 88,7 -30,1
Têxtil 108,2 97,3 100,0 95,5 -12,7
Vestuário, calçados e artefatos de tecidos 134,0 115,2 100,0 92,3 -41,6
Produtos alimentares 94,8 96,5 100,0 99,9 5,1
Bebidas 82,8 84,7 100,0 83,3 0,5
Fumo 94,5 93,2 100,0 117,7 23,3
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Indústria, Pesquisa Industrial Mensal: Produção Física 1971-2000.
246

Mas a relação dos empresários que se articulam na chapa de oposição para a Fiesp e

o Ciesp com o projeto neoliberal era, entretanto, mais complexa do que suas críticas à

abertura do mercado poderiam dar a entender. Ao mesmo tempo em que era reivindicado o

papel do Estado como agente de regulação econômica e destacada sua capacidade de

planejar o desenvolvimento da indústria, havia também a defesa das privatizações e da

desregulamentação do mercado de trabalho, configurando um programa que poderia ser

enquadrado naquilo que Sallum Jr. denominou de liberal-desenvolvimentismo (2000). O

próprio Emerson Kapaz, defendeu, durante a campanha eleitoral, a redução dos encargos

sociais das empresas e a privatização do sistema de saúde e previdência social (Jornal do

Brasil, 3 abr. 1992, p. 7.)

A eleição dividiu o empresariado separando antigos correligionários. Paulo Butori,

da Furpresa; Adauto Ponte, do Sindicato da Indústria de Fundição; Cássio Motta Vecchiatti,

do Moinho Paulistano; Luiz Péricles Michielin, da Mastercoat Resinas; e Mário Bernardini,

da MGM, que tinham feito parte do PNBE ao lado de Kapaz mudaram de lado e aderiram à

candidatura de Moreira Ferreira faltando apenas cinco dias para a inscrição das chapas.

Foram acompanhados por outros empresários, num total de vinte, que em maio declararam

seu apóio a Moreira Ferreira. Em troca do apoio desses industriais, o candidato da situação

assinou um documento onde se comprometia a designar 41 cargos chaves do Ciesp para

esse grupo e promover mudanças nos estatutos das entidades (O Estado de S. Paulo, 7 mai.

1992, p. 5).

Segundo Nelson Rafael Del Nero, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria

de Máquinas e Equipamentos Ferroviários e Rodoviários e um dos articuladores desse

movimento, esses empresários haviam procurado a chapa de Kapaz anteriormente, “mas


247

afinal não houve resposta e nós também acabamos considerando quem tinha chances reais

de vencer” (Gazeta Mercantil, 15 mai. 1992, p. 7)

A análise da composição das chapas inscritas para a eleição na Fiesp e no Ciesp no

dia 20 de maio permite uma definição mais precisa das frações presentes e das forças que

elas mobilizam. Para um registro mais acurado, optou-se por fazer o levantamento da

composição das diretorias executivas de ambas as chapas para a Fiesp e o Ciesp, bem como

das empresas às quais estavam associados.101 Contabilizaram-se, ao todo, 68 empresários

na Chapa 1, liderada por Moreira Ferreira e 48 na Chapa 2, com Emerson Kapaz à frente.

Em apenas dois casos, ambos da Chapa 2, não foi possível identificar a empresa dos

candidatos. A discrepância dos números se explica pelo fato de haver uma maior

quantidade de empresários acumulando cargos para a Fiesp e o Ciesp na chapa da oposição.

Utilizando a classificação da CNAE, já apresentada no capítulo 7, foram

identificadas vinte divisões econômicas representadas na Chapa 1 e 16 divisões na lista 2.

Chama a atenção a forte representação do setor de celulose, papel e papelão na chapa de

Moreira Ferreira, com oito diretores, contra apenas um da chapa de Kapaz. As divisões de

fabricação de produtos químicos e de artigos de borracha e plásticos também se encontram

fortemente representados na chapa da situação. As de fabricação de máquinas e

equipamentos (código 29) e de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e

carrocerias (código. 34) encontram-se aparentemente equilibrados, merecendo uma análise

mais detalhada. Para isso verificaremos a representação dos grupos e o tamanho das

empresas representadas.

101
No cap. 7 foi foram registrados apenas os membros das diretorias executivas da Fiesp.
248

Tabela 9 – Candidatos às Diretorias da Fiesp e do Ciesp em 1992 por

Divisão Econômica

Código Divisão Nº de Nº de
CNAE diretores diretores
Chapa 1 Chapa 2
11 Extração de petróleo e serviços correlatos 0 1
15 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 5 8
17 Fabricação de produtos têxteis 4 2
18 Confecção de artigos do vestuário e assessórios 2 3
19 Preparação de couros e fabricação de artefatos de 1 0
couro, artigos de viagem e calçados
20 Fabricação de produtos de madeira 0 2
21 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 8 1
22 Edição, impressão e reprodução de gravações 3 0
24 Fabricação de produtos químicos 7 4
25 Fabricação de artigos de borracha e plásticos 5 0
26 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 3 1
27 Metalurgia básica 1 3
28 Fabricação de produtos de metal – exclusive máquinas 1 2
e equipamentos
29 Fabricação de máquinas e equipamentos 5 6
30 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos 1 1
de informática
31 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 4 0
32 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e 3 1
equipamentos de comunicações
33 Fabricação de equipamentos de instrumentação 1 0
médico-hospitalares, instrumentos de precisão e
ópticos, equipamentos para automação industrial,
cronômetros e relógios
34 Fabricação e montagem de veículos automotores, 8 7
reboques e carrocerias
36 Fabricação de móveis e indústrias diversas 3 4
40 Eletricidade, gás e água quente 1 0
45 Construção 2 0
63 Atividades anexas e auxiliares do transporte e agências 0 2
de viagem
Total 68 48
249

Na Chapa 1, a divisão de máquinas e equipamentos estava representado por uma

empresa do grupo de fabricação de motores, bombas, compressores e equipamentos de

transmissão (código 29.1); duas de fabricação de máquinas e equipamentos de uso geral

(código 29.2); uma de fabricação de máquinas e equipamentos para as indústrias de

extração mineral e construção (códgo 29.5); e uma do grupo de eletrodomésticos (29.8).

Apenas esta última, a Lorenzetti S/A, encontrava-se entre as 6 mil maiores empresas do

Brasil, segundo dados de Visão: Quem é quem na economia brasileira 1991 e do Balanço

Anual Gazeta Mercantil 1991.

Na Chapa 2, a mesma divisão estava representada por dois fabricantes de máquinas

e equipamentos de uso geral (código 29.2); quatro fabricantes de máquinas-ferramenta

(29.4); e um fabricante de eletrodomésticos. Com a única exceção de um fabricante de

máquinas-ferramenta, todos os demais – Semco, Coldex Frigor, Bardella, Villares e Dako

Fogões – faziam parte da lista das 6 mil maiores empresas do país de acordo com as

publicações acima mencionadas. Apesar da proximidade numérica, essa divisão encontra-se

melhor representada na chapa da oposição.

Na divisão de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e

carrocerias as chapas encontram-se mais equilibradas. Na Chapa 1, há um fabricante de

automóveis, caminhonetas e utilitários (código 31.1); um fabricante de caminhões e ônibus

(código 34.2); cinco do grupo de peças e assessórios (código 34.4); e uma recondicionadora

de motores (código 34.5). Quatro das empresas estão entre as 500 maiores do pais e apenas

uma não se encontra entre as 6 mil, a recondicionadora de motores, como seria de se

esperar. Na lista de Kapaz há um fabricante de caminhões e ônibus (código 34.2); e seis de

autopeças (código 34.4). Cinco empresas da divisão estão entre as 500 maiores e apenas um
250

fabricante de autopeças não se encontra entre as 6 mil maiores. Proporcionalmente,

entretanto, é também na chapa da oposição que o peso desta divisão é mais forte.

No levantamento realizado ficou evidente que a chapa de Moreira Ferreira era a

preferida das empresas estrangeiras: sete candidatos (10% do total) eram executivos de

empresas multinacionais. Uma dessas empresas era fabricante de máquinas para escritório e

equipamentos de informática; outra de máquinas, aparelhos e materiais elétricos; e três

eram da divisão de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias.

Na Chapa 2 apenas dois candidatos eram executivos de empresas multinacionais da divisão

de fabricação e montagem de veículos automotores, reboques e carrocerias e uma delas era

de pequeno porte.

A análise do tamanho das empresas de acordo com o patrimônio líquido e do

número de empregados, revelam que a chapa da oposição tinha uma maior presença das

grande indústrias. Foram utilizadas para o levantamento as informações de Quem é quem

na economia brasileira 1991, preferencialmente, complementadas pelo Balanço Anual

Gazeta Mercantil 1991, quando necessário.102 A diferença aumentaria se fossem eliminadas

para o cálculo as empresas multinacionais presentes na Chapa 1. Das 24 empresas

representadas na chapa da situação, localizadas entre as mil maiores do Brasil seis delas,

25% eram de capital estrangeiro; enquanto das 25 empresas da Chapa 2 localizadas na

mesma posição, apenas uma (4%) era multinacional.

102
Algumas empresas (duas da Chapa 1 e quatro da Chapa 2) que não haviam mandado informações de seu
balanço anual para a Visão, o fizeram para a Gazeta Mercantil. Os valores do patrimônio líquido, devido a
metodologia de correção eram diferentes, mas não alteravam o posicionamento das empresas. Assim como no
capítulo 7, as empresas que não constavam em ambas as publicações foram consideradas como se estivessem
abaixo da posição 6 mil e computadas para os cálculos percentuais. Mas as mesmas empresas não foram
computadas para a distribuição por número de empregados devido à maior distorção que isso poderia
provocar no levantamento. A classificação de acordo com o patrimônio líquido é, portanto, mais precisa do
que por número de empregados.
251

Gráfico 13 – Posição das Empresas dos Candidatos às Diretorias da

Fiesp e do Ciesp em 1992 no Ranking Visão (por patrimônio líquido)

45% 42%43%
40%

35%
31%
% de Empresas

30%
25%
25%

20% 18%

15% 12%
9%
10% 7%
4% 3% 2%
5% 1% 2% 1%
0% 0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-

Posição
Fonte: Visão. Quem é quem na economia brasileira 1991 e Balanço
Chapa 1 Chapa 2
Anual Gazeta Mercantil 1991.

A análise quantitativa dos setores, patrimônio e número de empregados das

empresas representadas é complementada, como foi visto no caso das eleições de 1980, por

uma análise qualitativa que indique a ocupação dos postos chaves nas entidades. Para as

eleições de 1992, optou-se comparar as posições que concentram maior poder na estrutura

do Ciesp (presidente; 1º, 2º, 3º e 4º vice-presidentes; 1º, 2º e 3 secretários; e , 1º, 2º e 3º

tesoureiros). A escolha obedece a critérios técnicos: no registro das chapas é apenas no

Ciesp que os cargos são indicados, o que nos permitiria comparar a chapa vencedora, para a

qual há informações sobre a composição na Fiesp, com a chapa derrotada, para o qual essa

informação não existe (ver Tabela 10).

A comparação dos candidaturas para o “núcleo de poder” da Diretoria Executiva o

Ciesp reforça os resultados da análise quantitativa. Há na chapa da oposição, uma maior

concentração de candidatos do setor metal-mecânico (seis empresas, sendo duas de


252

pequeno porte) do que na chapa da situação (três empresas, duas de pequeno porte).

Quando os resultados desse levantamento qualitativo são cruzados com os dados referentes

ao desempenho industrial após a abertura de mercado, constata-se que a chapa liderada por

Emerson Kapaz representava majoritariamente, grande empresários nacionais de divisões

afetadas pela abertura de mercados, particularmente o setor de máquinas e equipamentos.

Por sua vez, a chapa de Moreira Ferreira, contava, proporcionalmente, com um número

maior de empresas com fortes laços com o mercado externo – como a divisão de papel e

papelão – além de importante presença de empresas multinacionais.

Gráfico 14 – Número de Empregados das Empresas dos Candidatos às

diretorias da Fiesp e do Ciesp em 1992

35%

29%
30%

25%
% de Empresas

22%
20%19%
20%
17%
16%
15%
15%
10% 10%10% 10%
10%
6% 6%
5%
5% 3% 2%

0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-

Empregados
Fonte: Visão. Quem é quem na economia brasileira 1991 e Balanço
Chapa 1 Chapa 2
Anual Gazeta Mercantil 1991 .

Por último, é importante verificar, na composição das chapas, o peso da estrutura

corporativa no interior de cada uma delas. Aqui não há lugar a dúvidas, a chapa de Moreira

Ferreira era a que aglutinava a maior parte dos representantes de sindicatos patronais. Na
253

inscrição das chapas, no dia 20 de maio, ficou claro que a maioria dos sindicatos estava

mesmo com a situação. Somente entre os candidatos de sua lista, Moreira Ferreira havia

garantido 58 dos 62 votos sindicais necessários para sua eleição na Fiesp. Kapaz ironizou:

“O problema do candidato situacionista é alcançar agora esses quatro eleitores restantes.”

(Isto É, 22 jul. 1992, p. 52.) Mas não havia muito que a ironia pudesse fazer contra o bruto

peso da máquina da Federação. A aposta da oposição estava no Ciesp e na influência do

voto das empresas sobre o sindicatos.

O acirramento da disputa no complexo Fiesp-Ciesp coincidiu com uma crise política

que afetou o comportamento do empresariado. Desde março as denúncias de corrupção no

governo Fernando Collor ocupavam as páginas da imprensa (ver Rodrigues, 2001). Os

candidatos foram inicialmente cautelosos e se pronunciaram apenas sobre a necessidade de

apurar as denúncias e não pré-julgar o primeiro mandatário. Veio, então, o conhecido

episódio das denúncias do irmão do presidente e os ritmos sofreram uma substancial

aceleração. Ambos os candidatos manifestaram-se favoráveis a formação de uma Comissão

Parlamentar de Inquérito (CPI).

Mas o empresariado agia de maneira cautelosa, procurando circunscrever o âmbito

da crise e evitar que ela comprometesse ainda mais o desempenho da economia e as

reformas neoliberais.103 No dia 8 de julho, 1.200 empresários compareceram a um jantar no

clube Monte Líbano para homenagear o ministro Marcílio Marques Moreira. Collor

compareceu ao evento procurando capitalizar para seu governo o apoio ao ministro. Mas o

empresariado reagiu. “Este não é um jantar de apoio ao presidente. Apesar das restrições à

103
Sobre a preocupação da burguesia com as dimensões estratégicas da crise ver Cruz (1997a, p. 413-414).
254

política recessiva, Marcílio deve ser preservado no meio desse tiroteio”, afirmou Kapaz na

ocasião (Exame, 15 jul. 1992, p. 50.)

Tabela 10 – Candidatos à Diretoria do Ciesp em 1992 (cargos selecionados)

Cargo Chapa 1 Empresa Chapa 2 Empresa


Presidente Carlos Eduardo Companhia Paulista Emerson Kapaz Elka
Moreira Ferreira de Energia Elétrica
1º Vice-Presidente Max Gunther Impressora Roberto Caiuby Confab
Schrappe Paranaense Vidigal
2º Vice-Presidente Luiz Péricles Mastercoat Resinas Nildo Masini Ipiranga Aços
Muniz Michielin Especiais
3º Vice-Presidente Paulo Roberto Fupresa S/A Cláudio Bardella Bardella
Rodrigues Butori
4º Vice-Presidente Edmund Klotz Liotécnica Benjamin Vicunha
Steinbruch
1º Secretário Roberto Nicolau São Roberto Carlos Cesar Omnitech
Jeha Moretzsohn
Rocha
2º Secretário William José Whinner Ind. E Com. Thales Lobo Metalpó
Carlos Marmonti Peçanha
3º Secretário Saulo Pucci Amazonas Produtos Oded Grajew Grow
Bueno para Calçados
1º Tesoureiro Ruy Martins Moinho Santista Robert Max Mangels
Altenfelder Silva Mangels
2º Tesoureiro José Furgis Vito Leonardo Furgis Salo Davi Seibel Satipel
Ltda.
3º Tesoureiro Ricardo Marques Tiliform S/A Antonio Carlos Irpel Indústria
Coube Pela e Comércio

Uma pesquisa realizada pelo jornal Folha de S. Paulo durante o jantar mostrou ao

presidente a dura realidade: 94% dos empresários apoiava Marcílio e 63% não estavam

com o presidente Collor. Poucos dias depois, Mario Amato sintetizou em um artigo na

Folha de S. Paulo aquela que seria a política patronal predominante:


255

“As investigações da CPI devem continuar e ir até o fim. Enquanto

isso, como acontece nas nações do Primeiro Mundo, o País não pode parar,

pois aí quem paga a conta é principalmente a camada mais pobre da

população. A CPI de PC Farias não pode protelar o projeto de modernidade

do País, nem a indispensável votação da Reforma Fiscal. Cada dia de

recessão é mais um dia de sofrimento, de angústia e de desesperança.”

(Amato, 1992.)

A crise politizou o debate eleitoral na Fiesp e no Ciesp. Kapaz não deixava passar

nenhum escorregão de Amato, já em campanha aberta para eleger seu sucessor. Em maio,

Amato havia dado início a uma série de intervenções desastradas na crise, com a afirmação

“todos temos um Pedro na família. É uma briga de família.” (Gazeta Mercantil, 26 mai.

1992, p. 4.). Menos de um mês depois Amato sentenciava “Todos nós somos corruptos.

Ninguém pode atirar a primeira pedra”. Amato foi mais longe e completou: “Todos os

empresários têm rabo preso, têm caixa dois e quem não sonega, quebra”. “O crime

compensa”, concluiu o presidente da Federação. O candidato da oposição aproveitou a

oportunidade para reforçar sua candidatura à Fiesp, criticando duramente o presidente da

entidade e, indiretamente o candidato da situação (Kapaz, 1992).

A polarização e a politização do debate não era o que o empresariado desejava.

Havia, é claro, o temor da divisão entre as entidades que seria o resultado de vitórias de

Moreira Ferreira na Fiesp e de Kapaz no Ciesp. A engenharia institucional criada para

sustentar o complexo seria dissolvida por tal resultado. Sequer salas para dois presidentes

havia no prédio da Avenida Paulista. A chapa da situação explorou eleitoralmente esse

temor e Adauto Ponte, da Chapa 1, chegou mesmo a blefar e propor a criação de uma
256

terceira entidade caso os resultados fossem diferentes para a Federação e o Centro (Folha

de S. Paulo, 19 jul. 1992, p. 1-14).

Mas o temor da divisão não foi o único medo explorado pela chapa situacionista. A

crise e a incerteza alimentaram as tendências conservadoras do empresariado. A tática de

Moreira Ferreira era clara. Segundo ele, a crise era uma realidade incontornável, mas se

bem administrada poderia abrir grandes oportunidades para o aperfeiçoamento político e a

estabilidade sócio-econômica:

“Esta é a alternativa pela qual devem trabalhar os setores produtivos

e as elites, neste momento de tensão, perplexidade e dúvidas. Qualquer

passo em falso poderá nos jogar irremediavelmente nos caminhos do

retrocesso, que só interessa aos radicais. A crise não pode ser usada como

escada de ambições.” (Ferreira, 1992b)

Preservar o projeto de corte neoliberal cujas primeiras medidas haviam sido

implementadas pelo governo Collor deveria ser, segundo Moreira Ferreira o objetivo do

empresariado:

“A nossa política econômica precisa consolidar seus níveis de

estabilidade. Depois de anos e muito sofrimento, conseguimos nos livrar de

um cipoal que amarrava o sistema produtivo. Iniciamos a caminhada em

direção a uma verdadeira economia de mercado, livre e competitiva.

Programas consistentes estão sendo arrumados e discutidos para nos elevar

aos níveis das economias avançadas. A abertura gradual e responsável de

mercado; a continuidade do programa de privatizações; a necessidade de um

grande ajuste fiscal, que consiga trazer mais justiça às empresas; a


257

modernização do sistema portuário; as políticas direcionadas ao

fortalecimento das indústrias de menor porte e ao aperfeiçoamento de nossa

Carta Constitucional fazem parte da ordem do dia da discussão nacional.”

(Idem.)

Gráfico 15 – Intenção de Voto dos Sindicatos para a Diretoria da Fiesp em

1992

80%

70%

60%

50%
40%

30%
20%

10%

0%
Jan. Abr. Jul. (início) Jul. (final)
Moreira Ferreira 58,0% 65,4% 70,5% 68,2%
Emerson Kapaz 24,6% 25,5% 20,0% 18,0%

Fonte: Escritório de Pesquisa Eugênia Paesani. O Estado de S.


Paulo , 26 jul. 1992, p. Economia-8 Moreira Ferreira Emerson Kapaz

Os industriais queriam “tranqüilidade para investir e garantias de que a crise política

não será um impasse para seu desenvolvimento nem ameaça às conquistas realizadas”,

concluía o candidato da situação. O título do artigo-programa Democracia e juízo apontava

para os pressupostos políticos necessários para garantir essa tranqüilidade: o funcionamento

normal do Congresso Nacional e a administração da crise em seu interior e uma liderança

política que não comprometesse o passado. Juízo era, segundo a chapa da situação, o que

faltava à oposição e seu programa de mudanças.


258

Mudar, sim, mas com juízo, era a palavra-de-ordem de informe publicitário

publicado pelos situacionistas no jornal O Estado de S. Paulo (24 jul. 1992, p. Política-8).

Destacando a afirmação de Emerson Kapaz em 1989 de que um governo Lula iria “ajudar a

implantar o capitalismo no Brasil”, o anúncio perguntava: “Como um mesmo homem pode

dar todas essas declarações?”. A tática situacionista deu resultados. Às vésperas da eleição

as pesquisas de opinião indicavam que Moreira Ferreira estava virando o jogo no Ciesp,

enquanto consolidava sua ampla vantagem na Fiesp (ver Gráficos 15 e 16).

A realização de prévias nos sindicatos não deu resultados melhores para a oposição.

Nas prévias do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos

Automotores (Sindipeças), a situação venceu por 97 a 17; no Sindicato da Indústria da

Construção Civil de Grandes Estruturas (Sinduscon), por 364 a 278; no Sindicato da

Indústria de Fundição (Sifesp), por 34 a 5 e no Sindicato da Indústria do Papelão no Estado

de São Paulo (Sinpesp) o apoio a Moreira Ferreira foi unânime. Mesmo onde tinha apoio da

maioria da base, a oposição ganhava mas não levava. No Sindicato da Micro e Pequena

Indústria do Tipo Artesanal (Simpi), o presidente Joseph Couri aderiu à candidatura de

Moreira Ferreira. Uma pesquisa entre os associados do Sindicato havia apontado Kapaz

como o favorito, com 29,2% dos votos. Mas Couri alegou que maioria era de indecisos,

50,8%, e registrou o apoio da entidade ao candidato da situação (O Estado de S. Paulo, 23

jul. 1992, p. Economia-9).

No final de julho, a distância entre Moreira e Kapaz, que havia sido de 30% no

início do mês havia caído para 9%. A mesma pesquisa, publicada pelo jornal O Estado de

S. Paulo, mostrava que o temor da divisão das entidades era menor do que se pensava: 33%

dos empresários entrevistados disseram que isso enfraqueceria a representação do

empresariado; 31% acreditavam que a divisão fortaleceria a Federação e o Centro das


259

Indústrias; e para 23% o racha não alteraria o poder de representação das indústrias de São

Paulo; 13% não responderam (26 jul. 1992, p. Economia-8).

Gráfico 16 – Intenção de Voto das Empresas para a Diretoria do Ciesp em

1992

60%

50%

40%

30%

20%

10%

0%
Jan. Abr. Jul. (início) Jul. (final)
Moreira Ferreira 21,9% 26,8% 21,0% 28,0%
Emerson Kapaz 40,6% 54,1% 51,0% 37,0%

Fonte: Escritório de Pesquisa Eugênia Paesani. O Estado de


S. Paulo , 26 jul. 1992, p. Economia-8 Moreira Ferreira Emerson Kapaz

Realizadas no dia 28, as eleições confirmaram o que já se sabia de antemão para a

Fiesp: Moreira Ferreira venceu com 95 votos contra apenas 24 de Emerson Kapaz. Para

muitos, a surpresa estava no resultado do Ciesp, onde a situação obtinha maioria de 1.731

votos contra 1.591 (O Estado de S. Paulo, 30 jul. 1992, p. Economia-1). Pragmático,

Moreira Ferreira analisou o resultado: “Kapaz fez campanha para a platéia. (...) Ele tinha

um programa para a sociedade. Eu falava para meus eleitores”, afirmou (Exame, 19 ago.

1992, p. 68.).

O candidato vencedor fez um comentário mais circunstanciado em artigo publicado

no jornal O Estado de S. Paulo. Nele traçava um retrato da conjuntura presente, do ponto


260

de vista dos industriais. Para Moreira Ferreira, o país havia passado por importantes

transformações nos últimos anos:

“Iniciamos um movimento rumo à integração internacional de nossa

economia: os conceitos de competitividade, produtividade e qualidade

passam a fazer parte do vocabulário da indústria; o traçado de uma economia

sólida de mercado é definido, com o abandono das funções empresariais por

parte de nosso Estado paternalista; os trabalhadores, organizados, exigem

novos parâmetros para a negociação e as responsabilidades sociais e éticas

do empresariado ganham mais qualificações e intensidade, até em função

das exigências mais apuradas de um novo consumidor, mais racional e

consciente de seus direitos.” (Ferreira, 1992d.)

Mas a conjuntura presente estaria a ameaçar essas mudanças, consideradas pelo

empresário como o passaporte para a modernidade. Dizia ele:

“O país atravessa uma crise de proporções inusitadas. Dilui-se a

credibilidade das instituições, jogam-se por terra valores éticos e morais,

frustram-se esperanças e amontoam-se as incertezas. O sistema econômico,

apesar da relativa estabilidade em que se encontra, pode, a qualquer

momento ficar desestabilizado, comprometendo, em conseqüência, as

incipientes conquistas que obtivemos no campo da economia de mercado, a

partir da menor intervenção do Estado nos negócios privados.” (1992d.)

O mês de agosto de 1992 assistiu as grandes mobilizações contra o governo Collor.

A crise poderia restabelecer a “questão social” alterando novamente a correlação de forças,

mas desta vez de modo desfavorável à burguesia. Apesar dos fluxos e refluxos da
261

conjuntura, a crise orgânica que havia se constituído no início dos anos 1980 ainda não

havia sido superada. Mas o governo Collor havia representado uma alteração da correlação

de forças que beneficiara o capital e uma alternativa hegemônica renovada. Os movimentos

sociais não tinham mais a mesma intensidade de 1989. As batalhas travadas durante o

primeiro ano de mandato com os servidores públicos e os trabalhadores das empresas

estatais haviam infligido importantes derrotas ao movimento sindical. A reconfiguração da

economia brasileira por meio da abertura de mercados das privatizações fizera suas vítimas

nas classes dominantes, mas também tinha sua cota de beneficiários.

A vitória de Moreira Ferreira era uma resposta empresarial à crise. Sua chapa

personificava um conjunto de forças políticas e sociais que apostavam na estabilidade

política e econômica e na continuidade de um projeto de reforma do Estado e de

reorganização societária que havia sido lançado pelo governo Collor. Solidamente

organizadas nos sindicatos patronais, essas forças souberam utilizar a seu favor a forma

institucional do complexo associativo dos industriais. A vitória em 1992 coube não á

estrutura corporativa, mas àqueles que souberam utilizá-la a serviço de um projeto.


262
263

A TÍTULO DE EPÍLOGO

De uma conclusão se espera que arremate o texto, reconstruindo o argumento

desenvolvido até então para destacar traços de continuidade e pontos de ruptura. Para

cumprir essa expectativa seria necessário relatar brevemente os problemas de investigação

e as hipóteses inicialmente levantadas, para, a seguir, mostrar como a pesquisa colocou a

prova essas hipóteses e quais os resultados obtidos.

Os problemas explicitados no capítulo introdutório diziam respeito à construção de

alternativas capitalistas à crise do capitalismo brasileiro. A pesquisa procurava identificar a

emergência de alternativas projetivas no interior da Federação das Indústrias do Estado de

São Paulo, ao longo das décadas de 1980 e 1990, indagando sobre as forças sociais

promotoras dessas alternativas. No enfoque relacional adotado, não se tratava de encontrar

“o projeto empresarial” e sim de elucidar a construção desse projeto por meio de um

complexo jogo de forças envolvendo as classe sociais, suas frações e formas institucionais.

Focalizando os anos de 1980 e 1992, ocasiões nas quais mais de uma chapa

disputou as eleições da Fiesp e do Ciesp, a pesquisa revelou a existência de uma

multiplicidade de projetos de alcances diferenciados que se manifestavam de modo

conflitivo nesses processos eleitorais. As dimensões em torno das quais se articulavam

esses projetos diziam respeito a diferentes formas dos industriais responderem às diferentes

dimensões da crise orgânica: a crise da representação do empresariado, a crise da

articulação entre capitais locais e internacionais e a crise entre setor público e privado.104

104
A respeito dessas três dimensões da crise, ver Sallum Jr. (1996).
264

Os tempos dessas crises foram diferentes e não é de se estanhar, portanto, que as

respostas do empresariado a elas tenham, também, suas próprias temporalidades. Nas

eleições de 1980, o tema da representação apareceu como predominante, subordinando as

demais dimensões que se manifestaram apenas de maneira embrionária. Nas eleições de

1992, o tema da representatividade permanecia presente, mas as demais dimensões

ganharam densidade e as respostas formuladas foram mais abrangentes.

Foi nesse processo que pôde ser identificada a formação da alternativa liberal. Ao

longo dos anos 1980, a defesa do liberalismo gradativamente abandonou o campo

estritamente doutrinário e passou a se apresentar como programa político. Nos últimos anos

dessa década, à medida em que a crise orgânica assumiu contornos mais agudos, essa

transformação se completou. Para o empresariado, a alternativa neoliberal era um programa

capaz de alterar a relação de forças entre as classes por meio de reorganização econômica e

da recomposição social, mas o impacto desse projeto sobre as diferentes frações da

burguesia foi diferenciado. Ao lado desse projeto hegemônico restrito, coexistiam também

projetos de tipo econômico-corporativos, por meio dos quais diferentes frações do

empresariado articulavam interesses específicos.

As eleições de 1992 para a Fiesp mostraram a existência de divergências no interior

do empresariado industrial que ultrapassaram os níveis econômico-corporativos e

mostraram as dificuldades inerentes à constituição de um projeto hegemônico. No embate

eleitoral predominou uma versão mais forte do neoliberalismo, mas a articulação de um

projeto liberal-desenvolvimentista por meio da chapa de oposição atestava a existência de

um conflito projetivo significativo. A aproximação e o afastamento das entidades

representativas do empresariado industrial do projeto neoliberal strictu sensu era, portanto,


265

o resultado da relação de forças no interior do empresariado e deste com as classes

subalternas.

A título de conclusão, há pouco ou nada mais a dizer sem incorrer na repetição

fastidiosa do que já foi escrito. Cabe agora apresentar, mesmo que sumariamente, os

desdobramentos desse processo, de modo a apontar possíveis linhas de investigações

futuras, discutindo o impacto da implementação do projeto neoliberal sobre a indústria

brasileira e o complexo Fiesp-Ciesp

A indústria brasileira e, particularmente, a paulista, sentiu intensamente o processo

de liberalização da economia ao longo da década de 1990. A abertura comercial e as

privatizações alimentaram um profundo processo de reorganização econômica, alterando a

composição das classes e a relação de forças objetiva entre elas. O impacto dessas

mudanças sobre a estrutura de emprego e as formas do trabalho são conhecidos (ver Boito

Jr., 1999, cap. II). Mas não são apenas as classes subalternas as atingidas por esse processo

de recomposição orgânica. Também no interior da burguesia ele se fez sentir, modificando

a relação de forças entre suas frações.

A acelerada redução tarifária levada a cabo pelo governo Collor teve continuidade

com os governos de Itamar Franco, primeiro, e Fernando Henrique Cardoso, depois. As

forças políticas e sociais favoráveis ao processo de liberalização da economia eram muito

mais sólidas do que o presidente deposto e permaneceram sustentado os processos de

reorganização econômica e recomposição social após a queda do primeiro mandatário.

Superada sem grandes rupturas institucionais a crise do impeachment de Collor, a economia

brasileira experimentou um rápido crescimento do PIB, em 1993, com a indústria de

transformação puxando a fila. A economia continuou crescendo, por mais alguns anos, mas

a indústria de transformação perderia gradativamente seu vigor. A queda da inflação com o


266

Plano Real, depois de mais de uma década de crônico descontrole dos preços provocou uma

“festa da estabilidade” que fez disparar as vendas, mas a abertura das importações nesse

contexto de estabilidade monetária produziu um quadro muito diferente daquele antevisto

pelo empresariado (Castro, 2001).105

Foi sob a égide do Plano Real, capitaneado pelo ministro da Fazenda do governo

Itamar Franco e depois presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que os

processos de reorganização produtiva e reconfiguração social desenvolveram-se de modo

mais intenso. As elevadas taxas de juros e a sobrevalorização cambial, pilares que

sustentavam o Plano Real, combinaram-se com a redução das tarifas para os produtos

importados, utilizadas insistentemente a partir de 1994 como mecanismo de pressão sobre

os preços (Castro, 2001, p. 12 e Carneiro, 2002, p. 314). Essa combinação, altamente

favorável para as empresas multinacionais localizadas no Brasil, provocou um processo de

desindustrialização e desnacionalização de importantes setores da indústria.

O empresariado apoiou o Plano, mas não deixou de protestar, ao longo de 1994,

contra as novas reduções tarifárias anunciadas pelo governo. Quando o ministro da Fazenda

Ciro Gomes começou a falar em um “choque de oferta” por meio das importações, os

industriais reagiram duramente. Alguns mais incisivos, como Max Schrappe, presidente da

Associação Brasileira da Indústria Gráfica (Abigraf) e 1º vice-presidente da Federação e do

Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp). Para ele,

“Num país como o nosso, onde as estatísticas do próprio governo

apontam a trágica existência de 20 milhões de desempregados, 80 milhões

105
É importante lembrar que a estabilidade econômica era sempre apresentada pelos documentos empresariais
como uma condição essencial para a abertura de mercados. (ver, p. ex., Fiesp, 1990). Uma descrição do Plano
Real por um de seus idealizadores pode ser encontrada em Bacha (1997). Para uma consistente crítica ver
267

de pessoas pobres e indigentes e 2 milhões de crianças (entre dez e treze

anos) trabalhando e não estudando, vale a pena refletir sobre a tal

‘modernidade’ das livres importações. Uma das jogadas de marketing do

governo Collor que o seu vice, agora, leva ao limite máximo.” (1994)

Outros, como o presidente da Fiesp e do Ciesp, Moreira Ferreira eram mais

comedidos e manifestavam sua contrariedade com a redução das alíquotas em um plano

conjuntural.106 Para o industrial, o objetivo das medidas era aumentar a oferta de bens e a

demanda por dólares, o que contribuiria para elevar a taxa de câmbio. Mas a política de

abertura comercial era “um instrumento importante para a modernização da economia e

para a busca de ganhos de eficiência no setor produtor doméstico. Não faz sentido,

portanto, sua utilização para combater eventuais problemas de caráter conjuntural.” (1994.)

Segundo Moreira Ferreira, tratava-se de corrigir as distorções, não de fechar o mercado:

“A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) sempre

teve uma posição favorável à abertura comercial e tem constatado o impacto

benéfico nas indústrias, hoje com índices maiores de produtividade e com

um aumento comprovado de eficiência. Mas é preciso levar em conta a série

de distorções internas que impedem que o produto brasileiro concorra em

condições de igualdade com o importado.” (Idem.)

Mas se tratava de um ano eleitoral e os industriais paulistas ainda rejeitavam a

candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Só havia uma alternativa empresarial, a oferecida

por Fernando Henrique Cardoso. A visita do candidato petista à sede do complexo Fiesp-

Tavares (1997) e Gonçalves (1997).


268

Ciesp, em setembro de 1994 deixou isso claro. Lula fez um discurso para agradar a platéia,

moderou suas reivindicações políticas e atacou a redução das tarifas de importação. Mas o

resultado foi nulo para sua candidatura. “Se dependesse de declarações de empresários e

votos nem teria vindo ao debate”, afirmou na saída (Folha de S. Paulo, 20 set. 1994, p.

Especial-4).107

O que os industriais rejeitavam não eram as propostas do candidato petista, muito

embora suas críticas ao plano Real, mesmo moderadas, repercutissem mal na pirâmide da

Fiesp. Eram os movimentos sociais identificados com a história de seu partido o que lhes

provocava repulsa. A candidatura de Fernando Henrique Cardoso condensava um projeto

estratégico que prometia a estabilidade econômica e a continuidade da política liberal

como, também, a desejada pacificação dos movimentos sociais, particularmente dos

sindicatos. Ela dava às classes dominantes o esperado condotiere, capaz de guiá-las a um

porto seguro, superando a crise de hegemonia que desde o começo da década de 1980 se

fazia presente. Foi a esse projeto que os empresários aderiram.

A adesão não veio sem sua cota de sacrifícios. Poucos meses antes das eleições, a

Fiesp, decidiu abandonar as críticas à abertura de mercados e levantar, em seu lugar, as

bandeiras das reformas tributária e da previdência. A nova estratégia foi desenhada por

Mario Bernardini, diretor titular do Departamento de Economia do complexo Fiesp-Ciesp.

Para Bernardini, a vitória de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno era certa e

tratava-se de jogar de acordo “com as novas regras”. Segundo o industrial, “com a vitória

106
No setor comercial o apoio à abertura das importações era, evidentemente, entusiástico. Ver, por exemplo,
o artigo do presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo Abram Szajman (1994).
269

de FHC e a continuidade da equipe econômica, o projeto de inserção do país na economia

mundial, esboçado no Plano Real, deve agora tomar contornos definitivos.” (Folha de S.

Paulo, 16 out. 1994, p. 1-5.)

Nesse jogo, as empresas brasileiras deveriam verificar quais os produtos que, apesar

das ineficiências sistêmicas internas, ainda eram competitivos. Para sobreviver, as empresas

deveriam “importar e eventualmente fazer parcerias e fusões, fora ou dentro do país, para

ganhar escala'”, afirmava. À Fiesp caberia exigir a implementação de uma “agenda

positiva” composta por três pontos: a reforma tributária e fiscal, a redução dos juros e a

abertura de linhas de financiamento a médio e longo prazos (Idem).

Durante os anos seguintes, a Fiesp e o Ciesp, sob o comando de Moreira Ferreira,

fizeram uma intensa agitação em prol das reformas tributária e fiscal. Aceitando o

neoliberalismo como projeto estratégico os líderes da Fiesp e do Ciesp exigiam que o

governo avançasse na supressão de direitos trabalhistas e sociais e nas privatizações como

mecanismo de compensação das perdas provenientes da abertura dos mercados. À indústria

caberia aceitar os desafios da internacionalização da economia, mas o governo deveria

fazer sua parte.

Atritos com a condução da política econômica ocorreram, entretanto,

periodicamente como parte de um intrincado jogo de pressões que formatarão a agenda

liberal no Brasil de Fernando Henrique Cardoso. Particularmente intenso foi o primeiro

semestre de 1996. Em abril daquele ano, os empresários ameaçaram a realização de uma

paralisação simbólica para “pressionar democraticamente o Executivo e o Congresso no

107
Pesquisa DataFolha indicava que 78% do empresariado considerava negativa a eleição de Lula e 65% se
dizia favorável à candidatura de Fernando Henrique Cardoso (Folha de S. Paulo, 19 jul. 1994, p. 1-13). Nas
eleições de 2002 o empresariado não estava tão arredio à candidatura Lula, mas também não foi generoso
270

sentido de que sejam realizadas as reformas da Constituição reclamadas por toda a

sociedade.” (Ferreira, 1996.) Não era apenas a morosidade das reformas alardeada pelo

comando do complexo Fiesp-Ciesp o que preocupava os industriais. A abertura comercial

fazia suas vítimas e alimentava descontentamentos.

Esses descontentamentos se fizeram sentir na manifestação convocada pela Fiesp e

pela CNI para o dia 22 de maio de 1996, em Brasília. O mote eram as reformas e os juros

elevados e a data coincidia com importantes votações sobre a reforma da previdência na

Câmara dos Deputados. Mas havia, também, a pressão por medidas de proteção a setores

industriais como têxteis e brinquedos, fortemente ameaçados pelas importações, além das

demandas pela redução dos juros e por linhas de financiamento para pequenos

produtores.108

A pressão sobre o Congresso não surtiu efeito e o governo sofreu duras derrotas nas

votações daquele dia (Folha de S. Paulo, 23 mai. 1996, p. 1-10). Mas a partir de junho, os

empresários puderam sentir o efeito de sua ação sobre o governo. O setor de brinquedos foi

beneficiado pela elevação da tarifa de importação para 70% e novas linhas de crédito foram

abertas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para as

micro e pequenas empresas e para os exportadores (Diniz, 1996 e Folha de S. Paulo, 21

jun. 1996, p. 2-5). Na Fiesp, as medidas foram bem recebidas: “o que é bom para os

Estados Unidos é bom para o Brasil”, afirmavam os empresários (Belmonte e Vigliano,

1996, p. 6, ver também Kupfer, 1996).

com seus votos (ver Bianchi, 2001b).


108
A manifestação de Brasília é geralmente interpretada como um ato de apoio ao presidente Fernando
Henrique Cardoso. Uma visão mais sutil, analisando as contradições presentes pode ser encontrada em Boito
Jr. (1996, p. 62-63).
271

A pressão empresarial repercutia de maneira diferenciada no interior do governo.

Também no palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios distintos projetos

hegemônicos encontravam-se em confronto. Se bem predominasse no governo uma versão

extremada do neoliberalismo na condução da política econômica, era possível, também,

escutar as vozes dissonantes que procuravam combinar os pressupostos do liberalismo com

uma política desenvolvimentista, sob a forma de um programa liberal-desenvolvimentista

(Sallum Jr., 2000, p. 32). As manifestações empresariais tendiam, assim, a dar munição

para esta última fração, representada no interior do governo pelos ministros José Serra e

Luiz Carlos Bresser Pereira; pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros;

e pelo Secretário de Política Econômica, José Roberto Mendonça de Barros.

Mas as concessões do governo eram pontuais e não revertiam o processo de

reorganização da indústria e recomposição social que estavam ocorrendo, nem alteravam de

um ponto de vista estratégico a relação de forças intragovernamental. O resultado da

abertura das exportações ao longo da década de 1990 foi um processo de especialização

regressiva da economia (Carneiro, 2002, p. 320). A ampla pesquisa realizada por Moreira

(2001) permite ter uma idéia mais precisa desse processo.109 Tomando como indicador da

especialização o coeficiente de penetração (importação/produção), para um total de 49

setores econômicos, a pesquisa registrou uma elevação substancial do coeficiente para o

conjunto da indústria, ao longo da década de 1990. De um coeficiente de 4,5% em 1989

para um coeficiente de 19,3% em 1998 (Moreira, 2001, p. 303).

Particularmente afetados pela penetração das importações foram os setores

intensivos em tecnologia e capital. O setor de material e a aparelhos eletrônicos e de


272

comunicação, por exemplo, passou de um coeficiente de 12,6%, em 1989, para um de

160,7% em 1998; e o setor de máquinas e equipamentos industriais de 14,2% para 100,8%.

Também sofreram durante o período os setores de elementos químicos e petroquímicos,

com substanciais aumentos dos índices. Em média, os setores intensivos em capital tinham

um coeficiente de importação sobre produção de 8,75 em 1989 e de 24,2% em 1998;

enquanto os setores intensivos em tecnologia apresentavam médias de 6,9%, em 1989, e

44,1%, em 1998 (Idem.).

Tabela 11 – Coeficientes de Penetração e Abertura (%) – 1990-1998

Categoria de uso 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Coeficiente de penetração (importações/produção %)
Bens de consumo não duráveis 2,5 2,8 3,8 3,1 3,4 4,2 7,0 6,7 7,7 7,9
Bens de consumo duráveis 7,4 8,9 12,3 10,1 11,2 12,2 17,5 19,5 26,6 29,3
Bens intermediários elaborados 4,9 6,1 8,0 8,1 9,6 11,8 16,9 18,0 20,4 21,9
Bens intermediários 2,1 2,7 4,6 5,3 8,6 7,1 10,0 11,5 12,5 10,5
Bens de capital 11,9 19,8 33,3 26,8 27,2 33,2 54,0 71,5 94,0 100,3
Equipamento de transporte 1,9 3,0 5,6 5,9 8,4 11,4 15,8 13,2 17,0 23,2
Total da Indústria 4,3 5,7 7,8 7,4 8,9 10,4 15,5 16,3 19,4 20,3
Coeficiente de abertura (exportações/produção – %)
Bens de consumo não duráveis 6,9 7,9 9,1 10,4 10,2 9,2 10,3 10,4 10,2 10,7
Bens de consumo duráveis 12,6 12,7 16,6 17,7 14,8 13,2 12,4 14,3 19,8 32,7
Bens intermediários elaborados 10,1 10,9 14,9 15,9 14,7 15,1 16,8 16,9 16,6 16,5
Bens intermediários 7,0 7,6 8,5 10,0 10,6 11,8 12,5 10,6 10,4 10,1
Bens de capital 7,7 7,9 14,7 13,6 13,1 14,5 15,3 18,9 22,6 24,2
Equipamento de transporte 10,5 10,8 15,7 17,1 14,4 12,5 9,6 11,1 14,3 20,4
Total da Indústria 8,8 9,4 12,3 13,3 12,5 12,2 12,7 13,0 13,7 14,8
Fonte: Moreira (1999).

109
Moreira (1999) dá seqüência à análise já desenvolvida em Moreira e Correa (1997), para a primeira metade
da década. A tese da especialização e da desindustrialização regressiva não é partilhada por esses autores.
273

Menos afetados pelas importações foram os setores intensivos em mão-de-obra,

como têxteis, calçados e material plástico, dentre outros. Em média, esses setores variaram

de um coeficiente de 1,5% em 1989 para um de 11,7% em 1998. Os setores mais afetados

foram os de fiação e tecelagem de fibras naturais, artificiais e sintéticas, o que justifica as

recorrentes reclamações do setor. A variação foi ainda menor nos setores intensivos em

recursos naturais, nos quais se fazem presentes os segmentos produtores de commodities,

que passaram de uma média de 2,9% para uma média de 8,1%. Como é sabido, em vários

desses setores o Brasil possui vantagens competitivas absolutas, mas mesmo aqui alguns

foram particularmente afetados pela abertura, como o de moagem de trigo e metalurgia de

não ferrosos.

Durante a década de 1990, também houve uma significativa expansão do coeficiente

de abertura (exportação/produção) da economia brasileira. Aqui, os maiores ganhos foram

registrados pelos setores intensivos em tecnologia, que saltaram de um coeficiente médio

de 9,3%, em 1989, para 23,2%, em 1998. Mas em todos os casos, a variação no coeficiente

de penetração superou, no período analisado, aquela verificada no coeficiente de abertura

(Idem, p. 306.).

A análise das categorias de uso acrescenta importantes detalhes ao quadro. As

empresas de uso intensivo de capital e tecnologia afetadas pela abertura dos mercados e

pela valorização cambial, localizam-se nos setores de bens de capital, de bens

intermediários elaborados e de bens de consumo duráveis (ver Tabela 11). Uma parcela

reduzida dos setores dessas categorias conseguiu uma melhor inserção no mercado

internacional, com freqüência os de menor conteúdo tecnológico. A exceção está no

elevado aumento do coeficiente de abertura do setor de fabricação de outros veículos, que

passou de 24,0%, em 1989, para 71,5% em 1998, concentrando o crescimento nos anos de
274

1996, 1997 e 1998. Esse resultado foi em grande parte devido ao sucesso comercial da

Embraer que se transformou, depois de sua privatização, em uma das maiores empresas

exportadoras do país (Moreira, 1999, p. 305).

O resultado desse processo de abertura na década de 1990 foi, assim, uma

especialização regressiva. Com a exceção da produção e exportação de material de

transporte, onde alguns resultados positivos foram obtidos, ocorreu uma redução da

diversidade e uma concentração da atividade econômica em segmentos de pouco

dinamismo, intensivos no uso de recursos naturais e mão-de-obra. A Tabela 12 permite

comparar a participação relativa das classes e atividades no valor adicionado total da

economia brasileira durante a década de 1990. Como é possível verificar, a combinação da

abertura comercial com a valorização cambial produziu uma sensível redução do peso da

indústria na economia nacional. Esse processo de desindustrialização afetou,

particularmente, os setores mais intensivos em capital e tecnologia, com as exceções da

indústria automotiva e da petroquímica

O processo de desindustrialização da economia brasileira foi acompanhado por uma

importante desnacionalização. No cenário internacional, o investimento externo direto

(IED) havia ultrapassado o comércio exterior como vetor de internacionalização da

economia na década de 1980 (Cf. Chesnais, cap. 2.). A partir da década de 1990, essa

expansão do IED atingiu os países em desenvolvimento. No Brasil, a abertura de mercado e

a desregulamentação da economia, canalizaram os fluxos de investimento externo para a

onda de fusões e aquisições da década de 1990.


275

Tabela 12 – Participação das Classes e Atividades no Valor Adicionado a

Preços Básicos - 1990-1999 (em %)

Classes e atividades 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Var.%
Indústria 38,69 36,16 38,70 41,61 40,00 36,67 34,70 35,21 34,58 -10,62
Extração de petróleo e combustíveis 1,12 0,91 0,87 0,63 0,54 0,43 0,58 0,54 0,31 -72,05
Indústria têxtil 1,56 1,21 1,08 1,09 0,93 0,85 0,73 0,62 0,58 -63,05
Vestuário e acessórios 1,08 0,78 0,73 0,70 0,65 0,60 0,55 0,46 0,43 -59,72
Material eletrônico 1,17 0,96 0,77 0,84 0,95 1,05 0,94 0,83 0,61 -48,03
Calçados e de artigos de couro 0,44 0,41 0,51 0,52 0,40 0,33 0,31 0,27 0,24 -44,83
Material elétrico 0,93 0,79 0,84 0,76 0,71 0,73 0,59 0,57 0,55 -41,11
Químicos diversos 1,24 1,28 1,14 1,09 0,94 0,79 0,81 0,78 0,76 -38,83
Metalurgia dos não-ferrosos 0,54 0,52 0,46 0,40 0,51 0,48 0,41 0,39 0,35 -35,40
Extrativa mineral 0,59 0,72 0,74 0,54 0,49 0,44 0,37 0,37 0,38 -35,37
Indústrias diversas 0,70 0,68 0,66 0,72 0,69 0,57 0,49 0,47 0,46 -34,54
Material plástico 0,80 0,66 0,59 0,67 0,57 0,59 0,61 0,58 0,54 -32,79
Indústria do açúcar 0,23 0,24 0,24 0,25 0,25 0,18 0,15 0,16 0,16 -31,92
Papel e gráfica 1,20 1,47 1,16 0,91 0,91 1,11 0,98 0,89 0,82 -31,66
Borracha 0,42 0,39 0,42 0,43 0,41 0,37 0,33 0,31 0,29 -29,80
Madeira e mobiliário 0,99 0,92 0,78 0,93 0,95 0,89 0,80 0,76 0,70 -29,61
Outros veículos, peças e acessórios 1,15 0,97 1,08 1,20 1,23 1,14 0,95 0,93 0,83 -28,10
Outros produtos metalúrgicos 1,44 1,42 1,26 1,38 1,44 1,29 1,17 1,15 1,04 -27,88
Siderurgia 0,97 1,05 1,29 1,23 1,08 0,97 0,80 0,83 0,76 -21,59
Máquinas e tratores 2,33 1,96 2,38 2,76 2,53 2,15 1,98 2,02 1,92 -17,51
Minerais não-metálicos 1,32 1,37 1,27 1,24 1,30 1,15 0,98 1,08 1,13 -14,15
Abate e preparação de carnes 0,50 0,52 0,51 0,65 0,61 0,59 0,58 0,48 0,44 -11,64
Benef. de produtos vegetais 0,78 0,91 1,07 1,02 0,92 0,73 0,74 0,80 0,76 -3,42
Elementos químicos 0,80 0,93 1,01 1,34 1,14 0,83 0,75 0,89 0,78 -1,94
Serviços ind. de utilidade pública 2,67 2,56 3,03 3,11 3,03 2,67 2,75 2,75 2,77 3,83
Refino de petróleo e petroquímica 2,86 2,26 3,50 5,01 3,80 2,75 2,23 2,43 3,03 5,82
Leite e laticínios 0,26 0,25 0,25 0,25 0,23 0,27 0,29 0,28 0,29 12,87
Outras ind. Alimentares 1,06 1,19 1,33 1,31 1,26 1,21 1,19 1,18 1,20 13,44
Automóveis, caminhões e ônibus 0,60 0,66 0,63 0,76 0,84 0,96 0,88 1,02 0,73 21,47
Farmacêuticos e de perfumaria 0,73 0,55 0,80 0,97 0,85 0,77 0,73 0,87 0,92 25,78
Construção civil 7,76 7,12 7,63 8,26 9,15 9,22 9,52 9,91 10,15 30,68
Indústria do café 0,17 0,19 0,15 0,25 0,31 0,25 0,21 0,20 0,24 43,09
Óleos vegetais 0,28 0,34 0,53 0,38 0,38 0,30 0,29 0,37 0,42 48,02
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais.

Segundo Siffert Filho e Silva, dentre as principais motivações das fusões e

aquisições destacar-se-iam a penetração em novos mercados em um curto período de


276

tempo; a consolidação do market share em nível global; as oportunidades de investimento

devido à desregulamentação dos mercados; e a alteração do padrão tecnológico,

proporcionando economia de escala e redução de custos; a obtenção de sinergias

tecnológicas, financeiras e organizacionais; além dos possíveis ganhos financeiros (1999, p.

381). Mas é bom lembrar, como faz Carneiro, que as razões essenciais dizem respeito ao

processo de centralização dos capitais inerente ao próprio capitalismo, implicando na

redução do número de produtores por ramos da economia e da concorrência (2002, p. 336).

Segundo estudo da consultoria KPMG, de um total de 175 fusões e aquisições em

1994, o Brasil chegou a 353 operações no ano de 2000, depois de um pico de 372, em 1997.

A maior parte dessas fusões e aquisições envolveram operações transfronteiriças (cross

borders) envolvendo capitais estrangeiros: das 2.100 operações realizadas entre 1994 e

2000, 1.254 delas foram transfronteiriças (Cf. KPMG Corporate Finance, 2001, p. 7).110

Estudo realizado por Miranda identificou que entre 1991 e 1999, a compra de empresas

privadas brasileiras por estrangeiras, concentrou-se nos setores de indústrias farmacêuticas,

higiene e limpeza, eletroeletrônica, química, alimentar, autopeças e comércio varejista. A

aquisição por parte de empresas privadas brasileiras concentrou-se nos setores têxtil,

vestuário e calçados, mecânica, papel e celulose, petroquímico, construção civil e comércio

atacadista (Miranda, 2001, p. 23).

As privatizações realizadas a partir de 1995, intensificaram esse processo. Ao longo

da década, particular importância tiveram as privatizações dos setores siderúrgicos e

petroquímico, levadas a cabo entre 1990 e 1994, e de mineração, energia e

telecomunicações, realizadas entre 1995 e 2002. Enquanto nos primeiros quatro anos da
277

década a participação do capital estrangeiro nas privatizações foi de apenas 5%, entre 1995

e 2002, a participação dos investidores estrangeiros chegou a de 53% (Cf. BNDES, 2002).

Os setores privatizados lideraram em volume de transações o ranking de fusões e

aquisições. No levantamento feito por Miranda nas operações realizadas entre 1991 e 1999,

o setor de energia elétrica foi responsável por 28,53% do valor total negociado, seguido

pelo setor financeiro, com 12,78%; pelo setor de telecomunicações, com 12,42%; e pelo

setor de siderurgia e metalurgia, com 8,51%. Nas transações envolvendo o setor privado, o

destaque pertenceu ao setor de alimentos e bebidas, com 6,27% do valor total negociado

(2001, p. 24).

A combinação da abertura do mercado com o processo de fusões e aquisições que

teve lugar nos anos 1990 resultou em um intenso processo de desnacionalização da

economia. Segundo Siffert Filho e Silva, a presença do capital internacional nas cem

maiores empresas estrangeiras pulou de 27 empresas em 1990 para 34 em 1998. A

comparação na participação dessas empresas na receita total das cem maiores mostra o grau

de centralização da economia nas mãos do capital internacional. De uma participação de

26% na receita total, em 1990, passaram a 40% da receita em 1998 (1999, p. 402). O

levantamento de Siffert Filho e Silva também indica a redução da participação do Estado na

economia: o número de empresas sob controle estatal entre as cem maiores caiu de 38 para

doze no período assinalado (Idem.).

Os processos de desindustrialização e desnacionalização acima descritos

promoveram uma profunda reorganização da indústria e uma recomposição social que

alterou a relação de forças entre as classes e no interior da própria burguesia. Essas

110
Os dados sobre os processos de fusão e aquisição diferem muito, por isso, mais importante do que os
278

mudanças no próprio ser das classes se fizeram sentir no interior do complexo Fiesp-Ciesp.

Conforme discutido nos parágrafos precedentes esses processos repercutiram de maneira

setorialmente diferenciada. Não deixa de chamar a atenção que aqueles setores industriais

que se faziam representar melhor na chapa de Emerson Kapaz para as eleições no complexo

Fiesp-Ciesp de 1992 foram duramente atingidos nesse processo. Os setores de máquinas e

equipamento, alimentos e autopeças não só foram fortemente afetados pelas importações,

como, também, acentuadamente desnacionalizados.111

Importantes lideranças empresariais da Chapa 2 venderam suas empresas ao longo

década de 1990. A Cofap, de Abraham Kasinski, foi adquirida para a italiana Magneti

Marelli; e a Lacta, de Adhemar de Barros Filho, foi comprada pela Philip Morris. Outros

empresários tornaram-se acionistas minoritários, como a família Penteado, cuja empresa, a

Dako Fogões, teve o controle assumido pela General Eletric (Gonçalves, 1999, p. 143).

Houve, também, os que venderam suas participações para os sócios brasileiros e

abandonaram a atividade empresarial, como Oded Grajew, da Grow e Nelson Aparecido

Silva, da Frango Sertanejo.

Em contrapartida, o setor de papel e papelão, solidamente representado na Chapa 1,

conseguiu suportar a concorrência e expandiu sua participação no mercado internacional.

Essas afirmações devem, entretanto, ser tomadas com muito cuidado. Nem todos os

perdedores estavam na Chapa 2 e nem todos os ganhadores na situação. A Chapa 1 também

teve suas vítimas. A Impressora Paranaense de Max Schrappe, por exemplo, passou para as

mãos da Dixie Toga, em dezembro de 1996. E, no caso mais conhecido de todos, a Metal

números absolutos são, sempre, as proporções entre eles.


111
Ver, além de Miranda (2001), o estudo comparativo dos setores de autopeças e alimentos de Rodrigues
(1999) e Gonçalves (1999, cap. 7.)
279

Leve, de José e Sérgio Mindlin – o primeiro da situação e o segundo da chapa oposicionista

–, foi vendida para a multinacional alemã Mahle (Folha de S. Paulo, 13 jun. 1996, p. 2-

1).112

O desenvolvimento desses processos se fez sentir de maneira mais aguda na

sucessão de Moreira Ferreira, em 1998, do que na sua reeleição, em 1995. O apoio

conquistado pelo presidente da Fiesp ao longo de sua primeira gestão realizada em uma

conjuntura na qual a economia ainda crescia, lhe permitiu organizar uma segura reeleição.

Aproveitou para incorporar a sua chapa alguns dos oposicionistas de 1992, como Paulo

Setúbal Neto, Ricardo Lerner, Nildo Masini, Laodse Duarte, Andras Ranschburg, Carlos

Buch Pastoriza e João Carlos Basílio da Silva.

Em seu segundo mandato, Moreira Ferreira procurou aliviar a pressão interna na

entidade, diminuindo o peso dos reformadores aglutinados no grupo Novo Ciesp – Adauto

Ponte e Mario Bernardini, dentre outros. A extinção do Grupo Permanente de Política

Industrial da Fiesp-Ciesp, em julho de 1996, foi um duro golpe nos renovadores e em

Roberto Nicolau Jeha que o coordenava (Folha de S. Paulo, 16 jul. 1996, p. 2-2).

A tranqüilidade no interior da pirâmide da Avenida Paulista não durou muito tempo.

Depois de um fraco desempenho em 1995, a indústria de transformação voltou a crescer

nos dois anos seguintes, mas a queda da participação da indústria no PIB nacional não foi

revertida e o impacto da desnacionalização já havia feito suas primeiras vítimas. A partir de

1996, a insatisfação aumentou no interior do complexo Fiesp-Ciesp e não eram poucos os

que acusavam a gestão de Moreira Ferreira de imobilista. Ricardo Semler, foi dos

primeiros. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, Semler afirmava que a Fiesp se

112
Para uma lista, embora incompleta das principais aquisições, ver Gonçalves, 1999, p. 143.
280

encontrava em “estado de coma” (1996). Segundo o empresário, “o futuro não está mais na

manufatura. O poder se exercerá por meio das áreas empresariais mais malrepresentadas do

Brasil: serviços, telecomunicações, mineração, agroindústria, mídia e informação.” (Idem.)

Coube ao vice-presidente da Fiesp, Horácio Lafer Piva, responder ao artigo de

Semler: “estado de coma, não, no máximo uma gripe, cuja receita já vem sendo aviada”,

afirmou. Segundo Piva, no limite “a sociedade do futuro é mesmo uma sociedade de

serviços”. Entretanto era “esta indústria de hoje a que alavanca todos os outros setores e

que quer, sim, ser representada. Com conceito e pragmatismo, é certo, mas com rosto e

endereço.” (1996.)

Lafer Piva, não deixava de perceber os problemas, mas eles não se encontravam na

estrutura burocrática da Fiesp, como afirmava Sempler e sim no “risco da

desindustrialização e da desnacionalização provocada por uma política econômica perversa

e pela globalização, que privilegia o fluxo de grandes capitais.” (Idem.) Era, sem dúvida um

contraponto crítico a uma visão neoliberal extremada presente também no interior da Fiesp.

Roberto Nicolau Jeha ia ainda mais longe na crítica. Em um acalorado debate sobre a

globalização realizado na Fiesp no mês de novembro, Roberto Nicolau Jeha chegou a

afirmar, de acordo com participantes da reunião, que a Fiesp aplaudia a destruição da

indústria (Folha de S. Paulo, 17 nov. 1996, p. 2-2.)

Foi nessa conjuntura que, janeiro de 1997, a imprensa noticiou que cinco industriais

estariam na lista dos presidenciáveis da Fiesp e do Ciesp, Joseph Couri, Max Schrappe,

Horácio Lafer Piva, Roberto Nicolau Jeha e Luiz Fernando Furlan (Folha de S. Paulo, 26

jan. 1997, p. 2-9). A preocupação da imprensa estava com Jeha, apontado como um

nacionalista convicto, contrário à abertura dos mercados. “Sou nacionalista mesmo,

keynesiano e social-democrata. Não faço coro com os neoliberais. Sou coerente. Tenho
281

idéias'”, disse na ocasião. Mas apesar de suas idéias afirmava que em “hipótese alguma”

iria se lançar candidato à sucessão na Fiesp. “O Couri (Joseph, do Simpi) é um candidato

irreversível, em plena campanha. Provavelmente surgirá um outro no segundo semestre”,

previa Jeha (Folha de S. Paulo, 16 mar. 1997, p. 2-2.)

Couri era mesmo candidato e desde meados de 1996 se encontrava em campanha,

visitando delegacias do Ciesp no interior do estado. Mas na Fiesp, sua candidatura,

considerada “polêmica”, não era bem vista. Moreira Ferreira, juntamente com seus

apoiadores mais próximos, decidiu não dar tempo ao presidente do Simpi e acelerou a

escolha de seu sucessor. No final de maio de 1997, mais de um ano antes da eleição, todos

já sabiam nos corredores da pirâmide da Avenida Paulista que Horácio Lafer Piva seria o

candidato da situação.

As duas candidaturas eram como a água e o vinho. Joseph Couri era sócio da

Mecânica Balancins, empresa solenemente ignorada pelo Balanço Anual Gazeta Mercantil

1997. Piva, por sua vez, era membro do Conselho de Administração da Klabin Irmãos e

Cia, controladora do grupo Klabin, o 23º maior grupo privado nacional com um patrimônio

líquido de US$ 1,35 bilhões em 1997. Não era apenas o patrimônio que os distinguiam.

Suas trajetórias eram também diversas.

Em 1997, Couri tinha 46 anos e vinte dos quais no sindicalismo patronal. Foi um

dos fundadores do PNBE, entidade da qual se afastou posteriormente. Em 1988 criou o

Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi), que encontrou forte oposição por parte do

então presidente da Fiesp, Mário Amato. Mas o Simpi lhe deu uma tribuna na opinião

pública que, de outro modo dificilmente teria. Um acordo eleitoral com Moreira Ferreira,

em 1994, garantiu a representação do Sindicato e sua participação na estrutura da Fiesp.


282

Horácio Lafer Piva, por sua vez, era de uma família com longa trajetória no

comando da Fiesp. Horacinho, como era conhecido na Fiesp, fez sua carreira no complexo

Fiesp-Ciesp, ingressando em 1992 na chapa de Moreira Ferreira e ocupando a vice-

presidência da Federação em 1995. Era filho de Pedro Piva, várias vezes diretor da entidade

e senador da República pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), a

agremiação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Seu avô materno, Horácio Lafer foi

fundador o Ciesp, em 1928, ministro da Fazenda durante o segundo governo Vargas e

chanceler durante o governo de Juscelino Kubitschek. Se Couri era um outsider, Lafer Piva

era um representante do establishment empresarial

Com essa trajetória, não era difícil para Lafer Piva aglutinar forças em torno de sua

chapa, costurando os diversos grupos que se articulavam subterraneamente na Fiesp e no

Ciesp para as eleições. Não era difícil mas também não foi fácil. As críticas à gestão de

Moreira se tornavam mais agudas, à medida em que o ano avançava. Quando o presidente

da Fiesp anunciou a construção de um centro cultural no térreo da pirâmide, houve quem

protestasse: “a atual presidência da Fiesp, de forma ditatorial, acabou com o Grupo

Permanente de Política Industrial e se dispõe a gastar R$ 5 milhões em um centro cultural”,

criticava Roberto Nicolau Jeha (Folha de S. Paulo, 13 jun. 1997, p. 2-2).

Além do apoio de Jeha, o candidato da situação teve que costurar as adesões dos

pré-candidatos preteridos por Moreira Ferreira, Luiz Fernando Furlan e Max Schrappe. Mas

ao invés de atribuir a primeira vice-presidência a um deles – Furlan era o nome mais cotado

–, Lafer Piva indicou um empresário do interior para o cargo, Carlos Roberto Liboni. O

objetivo era conter o avanço de Couri entre as empresas que votariam no Ciesp. O grupo

Novo Ciesp, também integrou a chapa, com Mario Bernardini integrando a lista para o

Centro. Compunham a nominata outras importantes lideranças da indústria, como Paulo


283

Butori, da Fupresa; Nildo Masini, da Ipiranga Aços; Emerson Kapaz, do PNBE; e José

Carlos da Silveira Pinheiro Neto, da General Motors. A chapa de Joseph Couri, não obteve

o mesmo êxito e ficou reduzida a pequenos e médios empresários

A marginalização de sua candidatura na Fiesp obrigou Couri a deslocar sua

campanha quase exclusivamente para o Ciesp. Mas ao contrário da candidatura de Kapaz,

em 1992, que apostava na capacidade dos votos das empresas pressionarem os sindicatos,

Couri apostava na possibilidade de divisão das entidades:

“A divisão das casas não seria nova entre nós” – afirmava. “Vejamos

o caso do comércio, no qual existem a Federação do Comércio e a

Associação Comercial. A primeira vive de impostos compulsórios,

recolhidos pelo governo; a segunda é mantida pelo dinheiro de seus

associados. Entre as duas, quem mais consegue vitórias para seus

representados? A Associação Comercial, por possuir independência e não

correr o sério risco de ficar sem mesada no final do mês.” (Couri, 1998.)

Apesar da disparidade das forças, a disputa eleitoral no complexo Fiesp-Ciesp foi

intensa. Na briga, Couri se recusou a aprovar as contas da Fiesp e do Ciesp, alegando a

existência de irregularidades no Serviço Social da Indústria (Sesi), sob investigação pelo

Tribunal de Contas da União (Folha de S. Paulo, 31 mar. 1998, p. 2-2). A situação reagiu

com um dossiê onde afirmava que as empresas de Couri eram controladas pela Dirbach

Inc., “com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal”. Couri defendeu-se

dizendo que as operações internacionais das empresas eram “legais e estão declaradas no

Imposto de Renda” (Folha de S. Paulo, 5 mai. 1998, p. 2-5).


284

Marcelo Mesquita, da chapa de Couri, pediu então a impugnação de Nildo Masini,

um dos promotores do dossiê, alegando que ele estaria ainda sob investigação devido às

irregularidades ocorridas durante sua administração no Banespa. Mesquita também

argumentava que Masini não era mais industrial (Folha de S. Paulo, 11 jun. 1998, p. 2-2.).

Couri por sua vez, abriu um inquérito policial alegando “crime contra a honra” e

convocando Nildo Masini e Synésio Costa para deporem (Folha de S. Paulo, 12 jun. 1998,

p. 2-2).

Nem o inquérito avançou, nem a candidatura de Masini foi impugnada. Apesar das

estripulias, a estratégia não deu certo e Couri foi derrotado nas duas entidades. Na Fiesp,

sentiu-se mais uma vez a força da máquina e o candidato apoiado por Moreira Ferreira

venceu por 108 votos contra apenas onze de Couri. Surpreendente para Couri foi,

entretanto, o tamanho da derrota no Ciesp, Lafer Piva venceu no Centro por 2.842 votos

contra 853 (Revista da Indústria, 31 ago. 1998, p. 6).

A eleição aconteceu em um momento no qual a entidade se encontrava debilitada. O

impacto dos processos de desindustrialização e desnacionalização sobre o complexo Fiesp-

Ciesp foram fortes. A redução da combatividade do movimento sindical dos trabalhadores

também fez sua parte. Sem um forte antagonista até mesmo o caráter sindical da Fiesp era

debilitado. O próprio Departamento de Relações do Trabalho, por exemplo, foi extinto por

Lafer Piva, logo após sua posse. “A Fiesp não tem de se meter no embate das campanhas

salariais. Tem que tratar as relações do trabalho sob uma ótica de médio e longo prazos”,

afirmou o presidente da Fiesp, expressando uma visão muito diferente daquela que havia

levado Amato a criar o Departamento (Folha de S. Paulo, 28 set. 1998, p. 3-1).

Lafer Piva assumiu com um programa que visava reposicionar as entidades dos

industriais paulistas no cenário nacional. Segundo o presidente do complexo Fiesp-Ciesp,


285

“a vontade da maioria [dos industriais] é a seguinte: a Fiesp/Ciesp precisa fortalecer-se,

para se tornar importante centro de decisões de âmbito nacional.” (Piva, 1998a) Tratava-se,

também, de uma importante mudança política. “No Brasil”, afirmava Lafer Piva, “a

indústria nacional tem sido ignorada por tempo demais, e seus empreendedores têm sido

desencorajados além do razoável.” Mas não era a hora, completava, de lamentar as razões

desse desprezo e relembrar apenas o tempo no qual a indústria era sinônimo de

modernidade e o progresso:

“Mas cabe afirmar que essa tarefa de resgatar o papel crítico da

indústria, com seus aspectos de curto e longo prazo, pertence, por dever

histórico, à Fiesp e ao Ciesp, unidos. Para isso foram fundados, há 70 anos,

por Roberto Simonsen, José Ermírio de Moraes, Horácio Lafer e seus jovens

companheiros.” (Idem.)

A menção a Lafer não era acidental, pois ela colocava o novo presidente como o

herdeiro natural de uma tradição. Um passado que as entidades dos industriais paulistas

procuravam resgatar, transformando-se em um novo centro de gravidade “nos mecanismos

decisórios de nossa democracia representativa multipolarizada.” (Idem.) O novo presidente

da Fiesp anunciava, assim, a intenção de influir nos rumos da disputa presidencial em

curso. Sua candidatura era, sem dúvida, a de Fernando Henrique Cardoso, mas seu projeto

político, de corte liberal-desenvolvimentista, não era o mesmo que havia predominado no

primeiro mandato do presidente da República. Conquistada a estabilidade monetária era,

segundo Lafer Piva, chegada a hora de abandonar o programa monetarista que havia guiado

a equipe econômica. “Tornou-se possível no Brasil proteger a moeda e, ao mesmo tempo,

defender a indústria, o emprego e a atividade econômica.” (Piva, 1998a.) Para defender


286

esse projeto, a indústria por intermédio do presidente do complexo Fiesp-Ciesp, pedia a

palavra.

Um novo ciclo de mobilização empresarial se sucedeu à posse de Lafer Piva. Os

industriais paulistas protestaram contra as taxas de juros, reivindicaram a desvalorização do

real e demandaram a criação de um Ministério do Desenvolvimento. Sofreram derrotas,

mas também marcaram pontos a seu favor, como a criação do Ministério do

Desenvolvimento, Indústria e Comércio e a nomeação de Celso Lafer, primo do presidente

da Fiesp para o cargo, no qual permaneceu até julho de 1999. Surpreendentemente, a Fiesp

parecia despertar do coma e ocupava novamente um ponto importante na política nacional.

Não foi, entretanto, nesse segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que a

Fiesp conseguiu imprimir seu novo projeto liberal-desenvolvimentista. Ao contrário do

esperado pelos industriais em 1998, o curso da política econômica não sofreu inflexões em

suas diretrizes mais gerais. Ao final do segundo mandato presidencial, o empresariado

encontrava-se em choque aberto com a equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso.

Durante o ano de 2002, o tom do discurso empresarial foi sendo elevado a cada choque,

chegando ao ápice por ocasião da divulgação pelo governo de uma proposta da mini-

reforma tributária. No começo de agosto de 2002, foi lançado na sede da Fiesp um

manifesto empresarial contra a proposta do governo. Além da Fiesp e da CNI, participaram

do lançamento representantes da Confederação Nacional do Comércio (CNC),

Confederação Nacional do Transporte (CNT) e da Confederação Nacional da Agricultura

(CNA), além de um grande número de associações e sindicatos patronais.

Na mesma semana que era lançado o manifesto empresarial contra a reforma, o

presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o paulista Carlos

Eduardo Moreira Ferreira, disparava contra uma possível candidatura do ministro da


287

Fazenda, Pedro Malan, à presidência: “não gostaria sequer de imaginar esse governo”

(Jornal do Brasil, 10 ago. 2001, p. 14). As críticas à condução da economia pelo governo

foram acompanhadas por uma crescente politização do discurso dos industriais, que

incorporaram a sucessão presidencial a sua agenda.

Intensificaram-se, então, os contatos com os candidatos da oposição. Na Fiesp,

Roberto Nicolau Jeha, que em março já havia mostrado sua simpatia pela candidatura de

Itamar Franco, criticou a ausência de um posicionamento do empresariado no debate

sucessório. Eugenio Staub, da Gradiente, Paulo Villares, da Villares e Jacques Rabinovitch,

do grupo Vicunha, todos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi),

organizaram reunião com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, para este apresentar

seu programa. E Ciro Gomes, por sua vez, participou de jantar com a presença de cerca de

vinte dirigentes empresariais, entre os quais os presidentes da Fiesp, Horácio Lafer Piva, e

da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), Gabriel Jorge Ferreira.

Os acenos à oposição não indicavam uma adesão do empresariado a Lula, Ciro

Gomes ou Itamar Franco, como chegaram, de maneira apressada, a ser interpretados.

Evidentemente o nível de conflitos do empresariado industrial com o governo era superior

àquele existente entre este e a burguesia financeira e os acenos à oposição ocorriam, como

era de se esperar, com maior intensidade entre os primeiros. Tomado em seu conjunto, o

empresariado apareceria como mais governista do que suporia a ênfase nos industriais. É o

que indica pesquisa realizada pelo instituto DataFolha junto a executivos que assistiram, em

julho, palestra do ex-presidente norte-americano, Bill Clinton. Na pesquisa de intenção de

voto estimulada, 45% afirmaram preferir José Serra; 22%, Ciro Gomes; 12% votariam em

Lula; 3% em Anthony Garotinho; e 2% em Itamar Franco (Folha de S. Paulo, 12 jul. 2001,

p. 1-7).
288

Em pesquisa mais abrangente, realizada pela empresa de consultoria Boucinhas e

Campos, apenas 21% não se identificavam com nenhum dos possíveis candidatos

governistas, enquanto 44% consideravam que os candidatos da oposição não tinham estofo

para ocupar a presidência (Jornal do Brasil, 10 ago. 2001, p. 14.). Mesmo entre os

industriais, o setor empresarial mais afastado do governo, era possível identificar apenas

uma minoria alinhada com a candidatura de Lula, como apontava Horácio Lafer Piva: “não

conheço muita gente que vote no Lula” (Folha de S. Paulo, 19 ago. 2001, p. 1-6). Como

interpretar, então, a crescente aproximação do empresariado, particularmente o industrial,

em relação à oposição? Três dimensões, precisam ser aqui analisada para responder a esta

questão.

Em primeiro lugar, tal aproximação pode ser interpretada como um complexo jogo

de forças com o objetivo de abrir negociações com o governo de Fernando Henrique

Cardoso em torno da condução da política econômica e, particularmente da taxa de juros e

da mini-reforma tributária. Esses atritos apontavam, de acordo com o empresariado, para

uma política econômica na qual a indústria continuaria a ocupar um lugar de segunda ou

terceira ordem. A artilharia empresarial começou a surtiu efeito e, a partir de agosto de

2002, no apagar das luzes, o tema da política industrial entrou na agenda governamental

depois de estar ausente durante toda a era FHC.

Em segundo lugar, o objetivo de tal aproximação era, também, enfraquecer a pré-

candidatura de Pedro Malan e fortalecer, por sua vez, outras opções no bloco governista. A

rejeição do nome de Malan no empresariado industrial era conhecida de longa data e

aparecia tanto nas declarações de Moreira Ferreira, como também nas de destacados

membros do Iedi, entre os quais seu ex-presidente Eugenio Staub. No bloco governista,
289

José Serra e Tasso Jereissati, vinculados à corrente liberal-desenvolvimentista, dividiam as

preferências do empresariado industrial.

Em terceiro lugar, o grau de conflitividade, do empresariado com as candidaturas da

oposição e, principalmente, com Lula era substancialmente menor do que nas eleições

anteriores. A pesquisa DataFolha divulgada em julho, indicava que dentre os entrevistados,

59% consideravam Lula uma candidato “mais aceitável” do que nas eleições anteriores e

apenas 18% consideravam que seu programa era péssimo.

A reduzida conflitividade não estava, entretanto, apoiada em uma agenda de

fomento à industria materializada na candidatura Lula. A rigor, o candidato do Partido dos

Trabalhadores foi portador de tal agenda em 1994 e 1998 sem conseguir, entretanto,

estabelecer pontos de contato muito sólidos com o empresariado. Para a elevação do índice

de aceitação dessa candidatura era chave a percepção que o empresariado tinha da crescente

moderação do discurso dos dirigentes petistas e de Lula. Tal moderação era interpretada

como um “amadurecimento” do partido e de seu líder, como explicitava Horácio Lafer

Piva, em entrevista: “Houve um processo de amadurecimento do empresário e houve um

processo de amadurecimento do Lula. As pessoas reconhecem hoje o partido mais disposto

a negociar” (Folha de S. Paulo, 19 ago. 2001, p. 1-6.)

O baixo grau de conflitividade do empresariado com a candidatura de Lula

representava a confiança de que sua eleição não significaria uma ameaça à propriedade

privada nacional e estrangeira, por um lado, e, por outro, não produziria uma

descontinuidade radical da política econômica. O limite de difícil transposição entre o

empresariado e Lula eram os movimentos sociais identificados com a história do Partido

dos Trabalhadores e seu candidato à presidência. Paradoxalmente, depois da eleição de

Lula à presidência de República, esse limite foi transposto, com a crescente dissociação do
290

governo dos movimentos sociais. Mas a política econômica liberal-desenvolvimentista

esperada pelos industriais até então não veio...


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