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Banca Examinadora:
Prof. Dr. Sebastião Carlos Velasco e Cruz (orientador)
Prof. Dr. Armando Boito Junior
Prof. Dr. Brasílio Sallum Junior
Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes
Prof. Dr. Ruy Gomes Braga Neto
CAMPINAS
Março 2004
ii
AGRADECIMENTOS
Algumas pessoas tornaram esta Tese possível e a elas gostaria de expressar meus
agradecimentos. Meu orientador, o Prof. Dr. Sebastião Velasco e Cruz foi, ao longo dos
últimos anos, uma fonte de estímulo intelectual. Foi, também, um guia seguro e paciente,
presença do Prof. Dr. Brasílio Sallum Jr. e o Prof. Dr. Reginaldo Carmello Corrêa de
O Prof. Dr. Ruy Braga foi um amigo sempre presente, um leitor atento e um
interlocutor constante. Com o Prof. Dr. Henrique Carneiro e com a historiadora Sílvia
Miskulin também tive a oportunidade de discutir alguns temas presentes neste trabalho e
outros bastante distantes dele em longas e agradáveis conversas. Valério Arcary, Waldo
Mermelstein e Fernando Silva, pelas mesmas razões, também devem ser lembrados.
Foi sob a orientação da Prof. Drª. Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins,
brasileiro e com o Prof. Dr. Edmundo Fernandes Dias, durante o Mestrado, que essa
professores universitários que entendiam tanto das relações da burguesia com o Estado,
quanto eu de pitagorismo. Nem por isso o ambiente intelectual deixou de ser menos
vi
O sr. Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para
sra. Celeste Giolo franqueou-me o acesso a importantes documentos. A eles registro minha
gratidão. O mesmo digo dos funcionários do Arquivo do Estado de São Paulo e das
RESUMO
contexto de crise orgânica. Para tal focaliza a trajetória da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), ao
longo das décadas de 1980 e 1990. Nessa análise, é adotado um enfoque relacional que
eleições de 1980 e de 1992 para a Fiesp e o Ciesp, a pesquisa identifica as forças sociais em
presença e o embate projetivo que nelas se verificou. O estudo permitiu revelar o processo
na sua formatação.
viii
ABSTRACT
This Thesis discusses the relationships between the businessmen and the State in the
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP- Federation of Industries of the State of São
Paulo) and Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP – Center of the State of
São Paulo Industries) in the 1980’s and 1990’s. In the present analysis, a relational
approach is adopted focusing the making of the collective actors and its hegemonic projects
by conflicts between classes, its fractions and institutional forms. The examination of the
1980 and 1992 elections for the FIESP and CIESP identified the existing social forces and
the projecting contest within them. This study allowed to unfold the building process of a
neoliberal project and the role of the businessmen from São Paulo State on its formulation.
ix
AGRADECIMENTOS V
ÍNDICE DE TABELAS XI
INTRODUÇÃO 1
BIBLIOGRAFIA 291
ARTIGOS E DOCUMENTOS EMPRESARIAIS 307
x
xi
ÍNDICE DE TABELAS
ÍNDICE DE GRÁFICOS
Gráfico 15 – Intenção de Voto dos Sindicatos para a Diretoria da Fiesp em 1992 .. 257
Gráfico 16 – Intenção de Voto das Empresas para a Diretoria do Ciesp em 1992... 259
1
INTRODUÇÃO
uma reflexão sobre o empresariado brasileiro que é levada a cabo já há alguns anos. (Seis?
esse percurso para dar-lhe uma unidade nem sempre tão assumida, a definição mais
sintética do tema sobre o qual tal reflexão gravitou seria a seguinte: as relações dos
nauseaum. Com o passar dos anos as fronteiras espaciais e temporais do projeto foram
sendo alargadas e suas dimensões teóricas e analíticas refinadas, em parte porque esse é o
percurso próprio de toda pesquisa, em parte porque esse é o caminho percorrido por todo
pesquisador que ambicione dar inteligibilidade a seu objeto. Assim, o que começou como
um estudo sobre uma pequena associação empresarial, o Pensamento Nacional das Bases
Empresariais (PNBE), e suas relações com o governo Fernando Henrique Cardoso, acabou
representativas, logo vem à mente a Federação paulista. De tal modo que não poucas vezes
1
Uma crise é orgânica, quando afeta o conjunto das relações sociais e é a condensação das contradições
inerentes à estrutura social. Para a eclosão dessa crise orgânica é preciso a coincidência dos tempos de uma
crise de acumulação do capital com o acirramento dos choques entre as classes, e no interior delas próprias
entre suas frações. Sobre o conceito gramsciano de crise orgânica ver Bianchi (2002).
2
ela foi tratada como “le parti des patrons”, para resgatar a expressão com a qual Henri
também na sua gênese histórica, um partido é uma “fração”, ou seja, “um número de
cidadãos, quer a maioria ou a minoria do conjunto, unidos e atuando de acordo com algum
impulso comum de paixão ou interesse” (Madison, Hamilton e Jay, 1987, p. 123). Nessa
de um partido. E se essa aproximação foi aqui feita não é para nela insistir e sim para passar
pela fresta que abre e pensar a Federação patronal em suas relações com os grupos sociais
Antonio Gramsci fornece a chave teórica que guiou, em grande medida a presente
determinado grupo social. Mas este grupo não é isolado; tem amigos, afins,
E é isto o que a pesquisa ora em curso objetiva: escrever sobre a história recente do
Brasil a partir de “um aspecto característico”. Cabe justificar mais uma vez a escolha do tal
impedir que ele se fixe com mais vagar sobre esse objeto. Vale lembrar o influente projeto
pesquisa era anunciado e justificado ao mesmo tempo, para evitar a perplexidade que o
próprio poderia causar: “Por que estudar as associações empresariais?”, perguntavam então
ainda fazer sentido se for refinada, decantando seu caráter justificativo. Os últimos trinta
anos viram um tal desenvolvimento dos estudos sobre o empresariado que tornam
de estudo.
investigação. Mas não é esse o objetivo aqui. Como já foi dito trata-se de argumentar a
favor de uma escolha temática. O que justifica, pois, a renovada atenção que o
Não está entre as maiores virtudes dos cientistas sociais o poder de antecipação.
Com mais freqüência, o olhar dos investigadores recai sobre fenômenos sociais que já são
4
uma realidade presente. Mas a compreensão desse presente parece ser o que em primeiro
portanto, no presente e não no futuro. O que tem chamado a atenção dos cientistas sociais é
início a partir da década de 1970 e que ganhou impulso nos conturbados anos 1980. No
Brasil esse impulso também se fez notar. Cabe destacar que foi a emergência do
em 1974 que o colocou no centro das preocupações de número pequeno mas relevante de
pesquisadores.
núcleo temático foi partilhado por essas pesquisas: a própria campanha contra a estatização,
prática de seu programa. Em sua maioria, esses estudos, debruçando-se sobre os últimos
2
Escrito originalmente em 1981, o projeto de pesquisa sobre a organização dos interesses empresariais rodou
o mundo sob a forma de fotocópias passadas de mão em mão. Em 1999, o Max-Planck Institute publicou
novamente o texto sob a forma de Discussion Paper e o disponibilizou na Internet. O projeto desenvolvido
por Schmitter e Streeck não chegou a se materializar em livro, muito embora tenha dado origem a um grande
número de estudos, principalmente no continente europeu, contribuindo para dar ao empresariado o status de
objeto de pesquisa. Dentre as pesquisas que se desenvolveram nos marcos desse projeto ver os estudos
monográficos de Coleman (1988), Coleman e Grant (1988) e Streeck (1992).
5
vinte ou trinta anos, procuraram reconstituir a trajetória da ação coletiva empresarial e suas
representação empresarial. Assim como em 1978, esse ativismo, que se estendeu pelos anos
1980 e 1990 atravessando ondas de fluxo e refluxo repercutiu de maneira intensa no interior
da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). De maneira intensa, mas não
políticos e econômicos.
Este é o tópico a partir do qual foi formulado o problema que guiou a presente
econômica com uma crise política, quais são as saídas para essa situação que se desenham
no interior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo? Quais são os suportes
projetos em confronto. E não poderia ser diferente. A crise divide, fraciona. Tais situações
de projetos. Situações de crise fazem emergir uma pluralidade de respostas. Mas nem todos
os projetos nascidos no interior da crise têm uma vocação hegemônica. É possível perceber
3
Por exemplo, Boschi, Diniz e Santos (2000), Bianchi (2001), Codato (1997), Cruz (1995, 1997, 1997a),
6
seja, que ao invés de procurar uma solução global para uma crise também global
apresentam projetos pontuais que têm como objetivo diminuir as perdas de um determinado
de reformas econômicas compatível com tal revalorização. Tal programa mínimo inclui a
tal consenso empresarial deixa ainda muito espaço para o conflito projetivo. Projetos
interior do empresariado. Daí que seja possível identificar ao longo desse período diferentes
diferentes projetos existentes. É preciso perceber quais eram as forças sociais em confronto
durante esse período, ou seja, quais as bases sociais desses projetos. Isso implica perceber
meio de dirigentes empresariais. Tais líderes empresariais são tomados, aqui, como
cunho neoliberal. Setores com vínculos mais fortes com o mercado interno tendem a se
opor à abertura comercial, por exemplo, enquanto setores dominados por empresas
tal maneira que suas soluções permitam avançar novas questões de pesquisa que sirvam de
aproximadamente vinte anos – colocou alguns obstáculos que deveriam ser contornados:
O design da pesquisa deveria levar em conta esses obstáculos formulados aqui sob a
forma de perguntas. E não era a interrogação, ela própria, um obstáculo perante o qual a
reflexão se detinha para recobrar fôlego e assim prosseguir? Antes de avançar vale a pena,
olhar para trás e ver para que direção o problema de pesquisa e as hipóteses apontavam.
estavam construídas. O foco não estava na ação empresarial, nem na crise orgânica, e muito
menos no assim chamado projeto neoliberal. Para perceber de maneira mais precisa os
contornos daquilo que era até este ponto um grosseiro rascunho era necessário focalizar as
relações que se estabeleciam entre essas três dimensões em uma dada situação.
desses quase vinte anos dois momentos nos quais a renovação do ativismo empresarial
eleições de 1980 e 1992 para a diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo.
Toda seleção é arbitrária, mas esta tinha a vantagem de não ser aleatória. Foi nessas
situações que o debate empresarial ganhou tonalidades mais fortes, embora possam ser
escritas e pesadas tradições, a diretoria da Fiesp foi disputada por mais de uma chapa,
programas políticos.
9
Foi com este foco que a pesquisa analisou as publicações periódicas da Fiesp –
publicações como importante fonte de pesquisa não devia, entretanto, levar a uma atitude
acrítica ou ingênua. Cotejar minuciosamente as informações obtidas com outras fontes não
é praxe entre os jornalistas, mas deveria ser entre os cientistas sociais. Duas observações a
esse respeito.
Primeiro, é de se perguntar, como mais de uma vez foi feito, a relevância dessas
diretores técnicos envolvidos na sua elaboração? Ora, muito embora não possa ser atribuído
ao empresariado tudo o que é produzido por esse corpo de assessores, existe entre estes e
aqueles uma relação na qual se pode identificar uma “dupla hermenêutica”, ou seja, uma
formação da opinião empresarial, nunca é demais lembrar que ele é contratado e também
demitido por esse mesmo empresariado a partir de suas próprias opiniões. Pode-se, assim,
esperar um grau de identidade elevado – embora não absoluto – entre o que é expressado
vozes oficias da diretoria da Fiesp não dão conta da riqueza do debate que se desenvolve
10
em seu interior durante o período estudado. Elas dizem respeito, geralmente, apenas às
encontravam nelas lugar. Mas tais publicações forneciam uma linha de referência a partir
da qual outras fontes eram acessadas de modo a permitir a comparação e o confronto entre
as diferentes opiniões.
As mesmas observações feitas anteriormente cabem com maior ênfase aqui. Afinal,
imprensa de negócios sem nunca se perguntarem sobre a adequação prática dessa fonte.
A pergunta, explicitada por Beth Mintz e Michael Schwartz (1985) em seu estudo
sobre a estrutura de poder das empresas norte-americanas, recebeu, por parte desses
serviriam como fonte de pesquisa entre aqueles que, além de apresentar a cobertura mais
informações publicadas por essa imprensa de negócios em alguns episódios chave, sobre os
quais haviam recolhido informações por meio de outras fontes, chegaram à conclusão de
que ela era mais confiável do que a maioria dos meios de comunicação de massa.
recursiva existente entre essa imprensa e seus leitores: sua principal audiência eram os
Fiesp, ao longo das décadas de 1980 e 1990, se fazia necessário montar um banco de dados
trajetória dessas lideranças na conjuntura, bem como a dos diversos projetos das quais elas
problemas sentidos de maneira mais imediata pelos empresários. Isso não quer dizer que as
respostas a eles sejam imediatistas. Um mesmo problema podia suscitar respostas que se
metodológicas que foram mobilizadas na presente pesquisa. O texto que o leitor tem em
mãos, é uma reconstrução sintética dessa trajetória. Reconstrução por duas razões.
existente entre os meios materiais da pesquisa científica e as relações sociais das quais o
financiadoras e o escrutínio dos pares – ou dos ímpares – exercem aqui seu poder
coercitivo, definindo expectativas e impondo limites. Segundo, porque ele é, também, uma
4
Teste similar foi realizado nesta pesquisa, comparando a cobertura das revistas Isto É e Exame das eleições
de 1992 na Fiesp. Mais sóbria e menos engajada na campanha de uma das chapas, a revista Exame não se
impressionou com as pesquisas que apontavam para uma vitória da chapa de oposição no Ciesp, como fez a a
Isto É. As fontes de Exame lhe indicavam que no fim das contas, prevaleceria o peso da máquina situacionista
e um desejo de renovação moderada. Acertou, como será visto na Parte IV.
12
recriação. Ele ordena o material de pesquisa, de acordo com critérios científicos e/ou
A presente obra está dividida em quatro partes, que podem, muito bem, ser lidas de
maneira independente, muito embora o sentido subjacente só possa ser apreendido por
quem passar pelo calvário da Parte I, na qual são explicitadas as opções teóricas que
capital (e dos capitalistas) são o resultado de relações de forças sociais que motivam a
Existem riscos inerentes a essa primeira parte do trabalho. Um deles referente a seus
propósitos. Não se trata de uma revisão bibliográfica sobre o tema, muito embora ela seja
empresarial que demarca fronteiras com influentes teorias. O outro é o de transformar esses
capítulos iniciais, em uma declaração de princípios que depois seria abandonada ao longo
do texto. Para enfrentar esses riscos, era necessário que as partes seguintes nas quais se
final da década de 1920, destacando as intrincadas relações dos industriais paulistas com as
complexo Fiesp-Ciesp tornava-se necessário porque nela foram definidos certos arranjos
As eleições de 1980 para a Fiesp e o Ciesp serão discutidas nas Parte III. Primeira
disputa para o comando das duas entidades realizada entre duas chapas, a eleição tem sido
importante, entretanto, colocar a prova essa afirmação, revelando as forças sociais que se
faziam presentes nessa disputa e os projetos dos quais elas eram portadoras. As estratégias
de investigação e exposição adotadas nessa Parte, mostrarão que não bastava revelar as
ação..
capitalismo. A análise das forças sociais articuladas em cada uma das chapas concorrentes
complexo jogo de forças que resultou na adesão, em dado momento, dos industriais
ASSOCIATIVISMO
“ ‘Os associados se querem bem? Convém uns aos outros?’ – eis o que
sempre e em primeiro lugar se deve perguntar”
(Jules Michelet. O povo.)
16
17
lógico e poderiam ser reduzidos a uma série de afirmações tautológicas: os empresários têm
poder político porque são organizados; são organizados porque assim têm poder político;
são organizados porque têm consciência de seus interesses; têm consciência porque..., e
outras tantas.
São afirmações tautológicas, mas não são banais. Elas remetem a um problema que
surge na tentativa de explicar a relação existente entre o primeiro termo, colocado no plural,
e o último, no singular. Para tanto o recurso utilizado consiste em recorrer à mediação dos
E, no entanto, o número dos substantivos deveria mostrar que o que parece ser auto-
evidente de fato está longe de sê-lo. Muitos empresários, vários interesses, múltiplas
associações indicam uma pluralidade sobre a qual é importante refletir. Quem diz vários,
dissolvendo no ar aquilo que pareceria ser um dado sobre o qual a reflexão poderia se
erguer. A existência de uma heterogeneidade empresarial não parece ser algo que possa ser
localização, no seu tamanho, nas relações que mantém com fornecedores, no tipo e na
aparentemente intransponível que separa duas empresas. Ela não só produz a diferença
como a justifica.
O que faz com que esse fosso seja transposto e se produza a ação coletiva
influente a essas perguntas foi dada por Mancur Olson em seu clássico The logic of
collective action (1971). O ponto de partida desse autor foi a afirmação corrente de que
Mas essa afirmação, segundo Olson, estaria equivocada: “a idéia de que os grupos
agirão para atingir seus objetivos é uma seqüência lógica da premissa do comportamento
racional centrado nos próprios interesses não é verdadeira” (1971, p. 2). O autor assinala
que os indivíduos que pertencem a uma organização têm interesses comuns, mas, ao
mesmo tempo, têm motivações individuais diferentes dos interesses dos demais indivíduos
benefício coletivo, pode ser racional para um indivíduo não contribuir para sua obtenção.
restringir sua produção a fim de talvez obter um preço mais alto para o
produto de seu setor industrial, não lhe pareceria racional sacrificar seu
tempo e dinheiro para apoiar um lobby que luta pela ajuda do governo a esse
Assim, quando o grupo for tão grande que a ausência de qualquer contribuição
individual não faria nenhuma diferença, o benefício coletivo simplesmente “não será
provido a menos que haja coerção ou alguma indução externa que faça os membros do
grande grupo agirem de acordo com seus interesses comuns” (Idem, p. 44). Situação oposta
apareceria quando o número de indivíduos do grupo é tão pequeno que seus membros
facilmente percebem que seu ganho pessoal com o benefício coletivo excederia seu custo
total ou que a contribuição ou falta de tal por parte de um indivíduo produziria um efeito
É a partir dessa distinção entre os grupos grandes e pequenos, que Olson afirma a
maneira voluntária e fariam fluir “natural e necessariamente” o poder político para as mãos
capacidade organizativa manifestada pelos setores industriais, justamente porque não seria
empresarial seria possível apenas se seus membros fossem levados a aderir por meio de
Offe e Helmut Wiesenthal (1984) formularam a crítica mais citada a ela. No ensaio “Duas
20
lógicas da ação coletiva: notas teóricas sobre a classe social e a forma de organização”
esses autores rejeitam uma “teoria geral da ação coletiva” destacando a necessidade de
sindicatos de trabalhadores, Friedrich Engles havia achado por bem diferenciá-los das
estão sempre organizados: “Seu número restrito, comparativamente aos operários, o fato de
constituírem uma classe particular e manter relações sociais e comerciais permanentes, lhes
em uma dada região é necessária uma organização formal” (Engels, 1976, p. 250).
Esta fugaz passagem, referente a um tema sobre o qual Marx e Engels não
retornarão, servirá como alavanca para Offe e Wiesenthal desenvolverem sua conhecida
distinção sobre as lógicas de ação coletiva do capital e do trabalho. Para além das
input (o que precisa ser organizado) e a natureza dos outputs (condições de sucesso
(“trabalho morto”), o outro é força de trabalho como potência presente. Combinar este
último, que não é separável dos portadores da força de trabalho, com os demais “fatores de
O trabalho somente pode ser feito pelo trabalhador, apesar dele “pertencer”,
trabalho que a vende sob condições de concorrência com outros trabalhadores que fazem o
mesmo. A força de trabalho viva é simultaneamente viva e não divisível (possui uma
discretos).
O capital, por sua vez, compreende muitas unidades de trabalho “morto” sob um
integrada do trabalho “morto”, cria uma relação de poder. O capital de cada firma está
capital.
personifica uma força social previamente concentrada e centralizada, o capital. Partindo dos
pressupostos até aqui expostos, os autores afirmam que o capital poderia recorrer a três
formais deveriam tratar, o que permitiria uma melhor definição dos interesses verdadeiros,
organização.
acumulação privada, fica evidente que as formas não associativas de ação bastariam para os
22
mais poderosa do que qualquer outra decisão que possam tomar. Amparada na obra de
Charles E. Lindblom (1979) essa análise dos outputs organizacionais, realizada por Offe e
o relacionamento entre este e o Estado estaria centralizado não na atividade política de suas
aparelho estatal possuiria em relação ao capital não pressuporia uma dependência da classe
capitalista em relação ao Estado ou do Estado com relação aos trabalhadores. Ela seria
expressão de uma assimetria estrutural que não é criada pelas associações empresariais,
classistas, em grande medida em oposição a Olson e sua teoria da ação coletiva baseada na
5
Clauss Offe desenvolverá este tema sem mencionar a obra de Lindblom em um conhecido artigo publicado
juntamente com Volker Ronge (Offe e Ronge, 1984). Uma crítica consistente ao argumento da posição
privilegiada desenvolvido por Lindblom pode ser encontrada em David Marsh (1983).
6
A expressão veto, embora sintetize a versão aqui apresentada pertence, na verdade, a Fred Block (1987, p.
58).
23
o governo. Franz Traxler (1993, p. 676-677) mostra que essa convergência é paradoxal, na
medida em que são apontadas razões contraditórias para tal capacidade. Olson indica que
“indústrias” (setores), de tal maneira que não haveria, praticamente, interesses empresariais
sem representação. Offe e Wiesenthal, por sua vez, argumentam que ela é o produto de uma
capital.7
Olson e nas distinções classistas de Offe e Wiesenthal partilham também um mesmo viés
1993). O utilitarismo dessas teorias é uma conseqüência de seu essencialismo. São teorias
da ação coletiva que constróem seus argumentos logicamente a partir de pressupostos que
remetem à essência dos atores, unidades básicas da pesquisa científica. Para Olson, tais
seus benefícios e minimizar os custos necessários para obtê-los. Para Offe e Wiesenthal, os
atores são as classes sociais, entendidas como a soma de indivíduos que personificam um
7
Traxler indica que as noções de capacidade organizativa e de heterogeneidade de interesses indicam
diferentes realidades para essas teorias, o que não invalida o argumento de que os resultados encontrados por
elas são contraditórios (1993, p. 676-677).
24
Olson, Offe e Wiesenthal tomam como dado aquilo que deveria ser objeto da
que medida o são, é algo que só a pesquisa histórica poderá responder. Homogeneidade e
Considerar o capital como uma força social concentrada pode ser o óbvio no início
do século XXI, mas não o é do ponto de vista histórico. E o mesmo poderia ser dito a
realização de uma essência do próprio capital e sim o resultado de conflitos e lutas que
opuseram o capital e o trabalho, por um lado, e as diferentes frações do capital entre si por
outro.
históricas que esse processo assume, sua plasticidade e mutabilidade indicam a necessidade
forças sociais.
configurações particulares das próprias essências. Em Olson este problema aparece sob a
potenciais políticos e organizativos que se erguem sob estas, como bem alertaram Offe e
25
Wiesenthal. Nestes últimos autores, o problema aparece sob uma dissolução dos capitais
Mas os capitais particulares não são idênticos entre si. Eles diferem das mais
variadas formas – função, ramo de atividade, tamanho, localização, etc. – ocupando lugares
diferentes lugares ocupados pelos capitais particulares que permitem falar de frações deste,
portanto compartilham interesses. Por um lado, essas diferentes frações são parte
constitutiva do capital em geral, realizando nele sua unidade. Por outro, elas são partes
coletiva do capital” deve levar em conta essa unidade contraditória no movimento geral do
capital, dos diferentes capitais particulares e das frações por eles formadas (Cruz, s.d.).
intercapitalistas. É Marx que lembra isso já em Miséria da filosofia: “se todos os membros
da burguesia moderna têm o mesmo interesse, enquanto formam uma classe frente a outra
classe, eles têm interesses opostos, antagônicos, enquanto se defrontam entre si. Esta
oposição de interesses decorre das condições econômicas da sua vida burguesa.” (1982, p.
internos ao capital em geral, como aqueles que se estabelecem entre capital e trabalho.
Qual seria, então, o interesse básico capaz de unificar esses diferentes capitais
funcionamento regular dos mercados. Mas para além desse consenso básico as coisas
funcionamento” são objeto de divergências e poderiam ser enumeradas as muitas vezes que
até mesmo o sagrado direito à propriedade foi violado pelo próprio capital.
privados indicam que eles não são dados atemporais e sim construções históricas
e pré-definidas. Nelas, as relações entre essas essências são relações de exterioridade, nas
quais a interação não provoca a alteração dos conteúdos. Metaforicamente, tais relações
podem ser assemelhadas aquelas que bolas de bilhar estabelecem sobre uma mesa. Colisões
podem mudar trajetórias e comportamentos sem que ocorram, entretanto, alterações no ser-
8
Para uma crítica das concepções “substancialistas” nas ciências sociais, ver Emirbayer (1997).
27
prever com exatidão as posições futuras – políticas e organizativas - que essas unidades
assumirão. E no entanto, a história não deixa de nos guardar surpresas. Há uma elevada
nos conflitos sociais. Por isso mesmo, tais sujeitos, e isso é importante, só fazem sentido
como expressão nas relações e condições nas quais se encontram reciprocamente situados.9
Eles apenas existem nas relações recíprocas que estabelecem entre si e na conflitualidade
inerente a estas. Só existem em movimento, o que parece escapar aos autores citados. É,
portanto, a partir da ação coletiva que é construído o ator coletivo (Cf. Eder, 2002, p. 87).
influenciar. As formas organizativas que essas classes assumem não reagem sobre a
9
Ver, por exemplo, Marx, 1987, v.1, p. 204-205.
28
29
O enfoque que será aqui esboçado aponta para a necessidade de pensar a ação
evitar tais situações. Historicamente, essa coordenação dos empresários como produtores
Tais organizações podem ter suas origens encontradas na tradição das corporações
10
Schmitter e Streeck também destacam as relações dos empresários entre si e aquelas que mantêm com os
trabalhadores e o Estado, definindo-as como os imperativos políticos do associativismo empresarial (1999).
11
Os pesquisadores franceses farão referência às organizations économico-politiques (Dufour, 2001, p. 3).
30
exercer representações autônomas e/ou concorrenciais umas com as outras (Dufour, 2001,
p. 3).
firmas que delas participam. Também não garante um resultado que tenha um impacto igual
em todos os seus membros. Pelo contrário, não sendo iguais os membros dessas
políticas.13
são expressão das relações existentes entre os empresários e a ação coletiva dos
suas ações como resposta às tentativas dos trabalhadores de defender seus interesses por
meio da ação coletiva. Aqui os empresários não aparecem como produtores, comerciantes
12
Robert J. Benett tem demonstrado, de maneira convincente, que o tamanho das empresas em um dado setor
interfere na decisão de agir coletivamente (1999).
13
Ver a esse respeito Scheneider e Maxfield (1997).
14
Na literatura de inspiração francesa, tais organizações são denominadas de organisations sociales (Cf.
Dufour, 2001, p. 4).
31
estudos empíricos levados a cabo por Streek (1992) e Traxler (1993) indicam que para um
interior do empresariado.
locus da regulação econômica, de modo a exigir uma ação coordenada dos empresários
para intervir efetivamente no modo da ação estatal. Quanto mais o Estado intervém na
estatal na economia como uma ameaça aos interesses empresariais pode, assim, ser um
Mas o Estado pode não ser uma ameaça e sim um indutor da ação coletiva
empresarial. Arranjos políticos nos quais são enfatizados os papéis da representação dos
15
A percepção da ação estatal como uma ameaça é apontada para o caso latino-americano por Fernando
Durand e Eduardo Silva (1998); Leigh Payne e Ernest Bartell (1995); e Schneider e Maxfield (1997).
Analisando a politização empresariado norte-americano e inglês, na década de 1970, Michel Useem (1984)
chega a conclusão similar.
32
entre si, com a ação coletiva dos trabalhadores e com o Estado – só é possível com fins
empresários e destes com os trabalhadores e o Estado não são de tipo unívoco. Empresários
trabalho e as relações com o aparelho estatal podem variar muito, produzindo impulsos de
determinados atores. A análise poderia ser, assim, deslocada para o próprio modo de
constituição dessa ação. É sobre esse movimento, o movimento da história e dos conflitos
conflito social tem nelas seu lugar, então elas são relações de forças.
Como estudar essas relações de forças? O esquema que aqui será proposto,
fortemente influenciado pela obra de Antonio Gramsci, destacará três momentos de análise
16
Conforme Streeck (1983) e Offe (1987).
33
que se deslocariam gradativamente de níveis mais abstratos para aqueles mais concretos.17
relação de forças objetivas existente entre as diferentes frações do capital e entre o conjunto
destas e o trabalho. Tal relação de forças diz respeito ao grau de desenvolvimento das
geral e à materialidade dos grupos sociais. É sobre essa relação que se erguem os grupos
sociais, cada qual representando uma função e ocupando uma posição dada na produção.
Neste nível, o que está sob o olhar do pesquisador é a materialidade das classes e de
suas frações. Nele, as classes existem objetivamente como capital ou trabalho (Gramsci,
1977, p. 1583). Localizada no nível da estrutura, a análise revelará o lento tempo da longa
em questão.
2) Relação de forças político-ideológicas: Vale lembrar que, até aqui foi feita
com um capitalista típico-ideal, mero suporte das relações sociais que condensa em sua
pessoa. Dessa forma, capital e burguesia seriam sinônimos. De fato, a análise da burguesia
e de suas frações tem como base a determinação das frações nas quais se divide o capital,
17
Seguem-se aqui as indicações de Antonio Gramsci em seu conhecido texto sobre a análise de situações e as
34
determinadas, as classes e suas frações são cruzadas pelas relações políticas e ideológicas
grupo social e das formas institucionais e projetivas que esta assume. Três são as dimensões
todos os membros da classe mas ainda não há identidade política entre eles.
estabelecem entre as diferentes classes sociais e, no interior destas entre suas frações. O
ideologia. Esses três níveis, nunca é demais ressaltar, não são indicativos de um percurso
concretos.
À medida em que a análise das relações de forças conduz para níveis cada vez mais
concretos, fica evidente que o indivíduo que personifica o capital não é um mero suporte
biológico de sua realização. Além de músculos ele lhe fornece uma consciência e uma
O que define o empresário, o agente da ação coletiva do capital, é, desse modo, uma
valorização desse capital (Cruz, 1981, p. 6). O empresário que aqui é definido não é,
função de intelectual do capital, havendo aqueles que apesar de serem proprietários apenas
usufruem do resultado desse processo de valorização ou aqueles que mesmo não sendo
O desenvolvimento pleno de uma classe pressupõe que esta seja capaz de dotar-se
própria função não apenas no campo econômico, como também nos terrenos da política e
36
da ideologia.18 Gramsci considera intelectual todo aquele que realiza uma função
dirigente e técnica (ou seja intelectual): deve ter uma certa capacidade
pode-se dizer portanto; mas nem todos os homens têm, na sociedade, a função de
intelectuais” (Idem, p. 1516), pode-se afirmar que todo empresário é um intelectual e todos
tem a função de intelectuais de seu próprio capital. Mas é verdade, nem todos tem a
que existam aqueles que sejam capazes de organizar a sociedade em geral, do ponto de
sociedade.
18
Ver, por exemplo, Gramsci (1977, p. 1513). Todo o chamado Quaderno 12 está, na verdade, dedicado a
esse tema. (Idem, p. 1512-1551)
37
necessidades. Não é possível, portanto, falar de um interesse geral desse capital sem
econômicos.
existência de projetos que aderem, em maior ou menor medida, aos diferentes níveis destas.
Haveria, assim,
ramos ou esferas da produção que construíam uma identidade econômica comum mas
que não são ainda capazes de afirmar um projeto de direção do conjunto da sociedade.
3) Projetos hegemônicos globais. Por meio dos quais um grupo social afirma sua vocação
19
Pierre Muller (1983) falara de mediadores globais e setoriais. Tal perspectiva influenciou o estudo de
Sebastião Velasco e Cruz sobre a política industrial brasileira (1997).
38
(Jessop, 1983).20
Tais projetos não são mutuamente excludentes. Para conquistar o necessário apoio
necessário que o interesse do capital em geral apareça como o interesse, no mínimo, dos
capitais particulares e unifique o circuito do capital sob a hegemonia de uma fração (Idem,
portanto à mera dominação, na qual uma das frações simplesmente impõe seus projetos
ou interesses destas.
Fica claro, pois, o lugar dos intelectuais na construção da hegemonia. Mas tal lugar
não deixa de ser ambíguo. Personificação de um capital particular, encontram-se com sua
ponto de vista do capital em geral, ele não deixará de lhe oferecer resistência
se com ela seu setor ou sua empresa forem negativamente afetados. Isto
20
Muller (1985) fala, de maneira análoga, em referenciais setoriais, referenciais globais e elementos de
39
trajetória descrita pela unidade particular de capital que ele encarna” (1997,
p. 27).
mas também, algumas vezes impossibilidade de tradução. A viabilidade de tais projetos não
apropriadas para tal. As formas de associação do capital não são o resultado de uma
de forças sociais que motivariam a agregação de interesses antes dispersos e, até mesmo,
relações de forças verticais, aquelas que se estabelecem entre diferentes classes sociais, e
forças permitiram perceber como o empresariado formula seus projetos e como estes se
empresarial.
formas de ação, consciência e organização dos diferentes grupos sociais. O que elas podem
trazer de significativo para a análise da ação coletiva empresarial é uma percepção dessas
Para o estudo das associações empresariais elas são relevantes na medida em que permitem
pensar tais associações como o resultado desses conflitos e o lugar dos mesmos.
41
Quando Jorge Schvarzer planejou realizar seu estudo sobre a Unión Industrial
Argentina (UIA), não esperava encontrar tanta dificuldade para acessar as fontes
a defesa do livre mercado feita pela entidade empresarial e o repasse de parte de suas
apimentada por uma dessas ironias históricas próprias dos trópicos: a Biblioteca Roberto
impor sua vontade a quem quer que fosse. Restariam, assim, aos homens de negócios de
remeter-lhe as bibliotecas.24
Tais apreciações não foram desprovidas de méritos. Dentre seus maiores está o fato
de terem jogado por terra uma visão, alimentada por intelectuais vinculados aos partidos
naqueles países com um grau maior de desenvolvimento industrial entre os quais o Brasil
americano não como aquilo que ele era, e sim como o que deveria ser. Oscilando entre o
23
Ver a descrição do episódio na “Nota metodológica y bibliográfica” de Schvarzer (1991).
24
Uma versão dessa visão do empresariado pode ser encontrada na obra clássica de Fernando Henrique
Cardoso, Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil (Cardoso, 1972).
25
Ver, por exemplo, Hélio Jaguaribe (1972)
43
Para a perspectiva que norteia o presente trabalho é importante acrescentar que essas
visões são fortemente essencialistas. Elas remetem a atributos inatos, específicos dos
próprios sujeitos, tal qual uma teoria da predestinação que indicaria os indivíduos fadados a
político.
colocaram em xeque essas apreciações.26 Elas revelam que um novo ativismo político teria
sido protagonizado pelo empresariado no último terço do século XX. Mobilizando seus
pares, homens de negócios teriam saído de seus gabinetes e dos corredores palacianos para
cúpula surgiram durante os últimos trinta anos, dando um registro vivo de uma nova atitude
empresarial.
novos arranjos políticos e econômicos foi demonstrada pelo empresariado trazendo à tona
uma capacidade de negociação e articulação política até então não manifestada plenamente.
26
No Brasil, poderíamos apontar como precursores os estudos históricos realizados por Eli Diniz e Maria
Antonieta Leopoldi identificando uma atividade política empresarial na primeira metade do século XX, muito
maior do que se supunha (Diniz, 1978 e Leopoldi, 2000).
44
Não se pretende, aqui, analisar todos os aspectos dessa nova atitude. Mas para
registrar sua dimensão serão destacados seus aspectos organizacionais. De fato, um de seus
cujos objetivos são a distribuição de benefícios para seus associados, sob a forma de
interesses setoriais novos ou até então marginalizados. É o caso do grande crescimento das
década de 1980. Assumindo as mais variadas formas, tais associações procuravam aglutinar
interesses que até então eram colocados à margem pela estrutura tradicional de
em 1992 na Nicarágua. Não se trata, aqui, de demandas que tenham ficado à margem da
comércio e sistema financeiro com o objetivo de participar dos novos arranjos institucionais
ideologia empresarial. Os exemplos são inúmeros, mas vale ressaltar, no Brasil a criação do
Estudos para o Desenvolvimento Industrial (1989). O mesmo fenômeno pode, ainda, ser
encontrado na América Central e no Caribe, onde foram criados centros de pesquisa com o
27
Em alguns casos o governo encontra-se representado. No CIE nicaragüense, a Junta Diretiva é formada por
representantes do Consejo Superior de la Empresa Privada (Cosep), Ministerio de Economía y Desarrollo,
Fondo Nicaragüense de Inversiones (FNI), Cámara de Comercio Americana de Nicaragua (Amcham),
Asociación Nicaragüense de Productores y Exportadores de Productos No-Tradicionales (Apenn) e da
Asociación de Bancos Privados (Asobanp).
28
Entre 1974 e 1976 o número de membros do Inde pulou de 89 para 523 associados (Spalding, 1998, p. 152).
29
A Fusades contribui decisivamente para a renovação da liderança empresarial salvadorenha (Johnson,
1998).
46
associations). Pelo menos sete países criaram organizações abrangentes de cúpula a partir
da década de 1970: Nicarágua, Costa Rica, México, Uruguai, Equador, Peru e Colômbia
Empresario de América Latina (Ceal), todos fundados a partir do final dos anos 1980.30
por exemplo, a Coece nasce por meio da iniciativa do Consejo Nacional Empresarial, logo
Tratado de Livre Comercio. Criada com o objetivo de participar das negociações do TLC, a
Coece aglutinou os grandes grupos econômicos nacionais por meio das associações de
muito do espaço que até então era exclusividade do CNE mas com um grau de
uma vez que revela uma estrutura interassociativa que super-representa os grandes grupos
econômicos que ocupariam os principais postos tanto no CCE como na Coece. Tal sobre-
30
Muito embora tenha crescido significativamente a bibliografia existente sobre as organizações empresariais,
47
estimativas, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (Schneider, 1997, p. 201). Também
Arranjos de tipo horizontal também são possíveis. Na maioria dos casos, os centros
pacífica. Desenvolvem, assim, uma atividade paralela e própria que não pode ser
lado a lado processos organizativos de dimensões muito variadas. Nesse esquema merece
de outros grupos sociais. Representam, assim, uma força social que se caracteriza pelo
controle privado sobre importantes recursos econômicos Para alguns autores, a agregação
debilidade econômica das empresas privadas em nosso continente (Durand, 1995, p. 142-
143).
americano nas últimas décadas do século XX, naturalmente coloca-se a pergunta: quais as
razões deste impulso associativo? Apresentado de maneira abrupta tal interrogante não
esse processo se desenvolve são portanto, muito variados. São múltiplos, também, os
tempos, os ritmos, nos quais ele ocorre, bem como as formas que assume e seus resultados
finais, como foi possível perceber na enumeração das várias tendências a ele associadas.
Faz sentido, então unificar essas diferentes realidades sob uma etiqueta continental?
trabalhar com uma escala temporal que permita dar conta dos diferentes ritmos nacionais
existentes e perceber os traços distintivos comuns daquilo que nos permite falar de uma
situação latino-americana.
organização dos interesses empresariais exige que sejam contextualizadas nas mudanças
políticas do jogo. Essa reação, por sua vez, foi possível porque uma nova geração de
50
autores, não há dúvidas de que as lideranças empresariais incrementaram seu poder político
para essas novas estratégias eram dadas pelo fim dos regimes autoritários e a conseqüente
seus interesses” (Bartell e Payne, 1995, p. 268). O resultado foi a criação de novas
31
Um estudo abrangente do novo papel desempenhado pelos grupos econômicos na América Latina pode ser
encontrado em Durand, 1996.
32
Payne (1994) desenvolve teoricamente o enfoque adaptativo em sua obra sobre os industriais brasileiros.
51
econômico e pelo fim dos regimes autoritários são catalisadas, segundo Bartell e Payne pela
investem na ação coletiva quando se sentem ameaçadas.33 Tais ameaças podem ser
discricionário do Estado.
impulso à ação empresarial não garantem sua manutenção a longo prazo. Luna e Tirado
organizações, uma vez que cessa a tensão, tendem a desativar-se” (Idem). Assim, muito
Maxfield, 1997, p. 28). O Estado pode reduzir os obstáculos para a ação coletiva
Segundo Schneider, seria preciso distinguir entre uma lógica política de uma lógica
empresarial com a finalidade de administrar a crise e gerar apoio político para a nova
estratégia. Em tempos mais normais os atores estatais seguiriam uma lógica de políticas e
33
Schneider e Maxfield (1997) referem-se às ameaças percebidas não apenas pelas elites empresariais como,
53
forma, muito embora o surgimento de associações possa ser o resultado não intencional da
seu foco nas relações que os empresários estabeleceriam com o Estado. Este, por sua vez, é
expulsando para fora do Estado as classes sociais. Daí a relação de exterioridade que é
estabelecida entre Estado e sociedade e, para precisar ainda mais, entre Estado e burguesia
(classes dominantes).
Cindida a unidade existente entre Estado e sociedade, o primeiro deixa de ter seu
campo de ação marcado por uma relação de forças sociais historicamente constituída e
adquire uma plena independência perante o conjunto das classes, monopolizando a política
aparece como o demiurgo perante o qual restaria apenas a adaptação, reduzindo ao Estado a
protagonismo do Estado permite falar apenas de uma autonomia relativa das classes perante
um poder que manifesta sua completa independência perante as forças sociais presentes.
Mas aquém dos paradoxos teóricos aos quais tais enfoques conduzem é importante apontar
regime político, seja à aplicação de políticas neoliberais por parte dos governos dos países
assume o comando, também é preciso destacar que o empresariado pode ter um papel
Esse é o caso, apontado por Eduardo Silva (1996) que conclui ter existido no Chile
uma interação estreita entre capitalistas e Estado nos processos de mudança econômica e
constatados em Equador, Peru e Bolívia, por Conaghan, Malloy e Abugattas (1990). Nesses
colocando no seu centro o recuo do Estado das posições por ele ocupadas até então.
forças dos empresários com o Estado, deixando de lado aquelas que os empresários
estabeleceriam entre si no ato da concorrência, bem como aquelas que existiriam entre estas
55
e as classes subalternas. Durand e Silva alertaram que a definição de ameaças utilizadas por
autores como Bartell e Payne, dentre outros, é muito estreita e não consegue explicar o
surgimento e a expansão das associações de cúpula desde a década de 1930. Para Durand e
Silva:
vínculos com um Estado mais autônomo dos grupos privados são tão importantes
São identificadas, assim, ameaças políticas que emanam tanto do Estado como
econômicas, tais como hiperinflação, recessão ou depressão para ter um quadro mais
preciso das situações que podem dar o impulso inicial à organização empresarial (Idem, p.
8).
composição mais homogênea que no caso mexicano e com canais de comunicação com as
atuarem como uma voz unitária do setor privado. Por outro lado, os casos de Chile e Peru
cúpula.37
novo enfoque sobre o associativismo empresarial e suas relações com o Estado. Indicar
uma pluralidade de causas para a gênese e consolidação da ação coletiva empresarial, abre
a porta para pensar essas causas de um ponto de vista relacional, enfatizando a relação de
35
Para o caso do CCE ver Tirado (1998); Tirado e Luna (1995); Luna e Tirado (1993).
36
Para o caso de El Salvador ver Johnson (1998); para Nicaragua, Spalding (1998).
37
A recente criação da Confinep no Peru e sua consolidação é analisada por Durand (1995). A trajetória do
empresariado chileno pode ser acompanhada em Bartell (1995); Montero (1997); Silva (1995); Silva (1997 e
1998).
57
ser o resultado de uma reação à ação estatal externa e passa a ser analisado a partir das
relações de forças acima mencionadas. Tais relações têm lugar em uma situação marcada
pela convergência, nos anos 1980 e 1990, de uma profunda crise econômica e uma crise
que lhes serviam de suporte político. A própria situação de crise colocou para os diferentes
para a criação e recriação de projetos. A convergência histórica das últimas décadas teria
favorecido as forças internas e externas favoráveis a resolver a crise por meio “da
que muito embora tal convergência histórica tenha afetado o conjunto dos países latino-
país para país.38 Mas, mesmo no interior de cada país, coexistiam apreciações diferentes
Tais discursos podem ser explicados pela existência de uma divisão entre os
importações e aqueles que são negativamente afetados. Situações de crise fazem emergir
uma pluralidade de respostas. Mas nem todos os projetos nascidos no interior da crise têm
uma vocação hegemônica. É possível perceber uma gama de respostas à crise que não
global para a crise global apresentem projetos pontuais que têm como objetivo diminuir as
chegou a conclusões semelhantes. Segundo a autora, seu estudo concluiu que “essas
38
Ver, por exemplo, a comparação entre Chile e Brasil em Bartell (1995).
59
estar porque tem sido uma modernização um tanto forçada (‘uma abertura dirigida’,
Mas é sabido que compromissos abstratos com concepções de mundo não são
das diferentes frações do empresariado entre si vieram a tona logo que tais princípios
Concentrando sua análise nos grandes grupos de poder econômico (GPE) Durand
às novas regras do jogo (...) Os GPE não são pois a vanguarda dessa
políticas liberais eram adotadas.” (Durand, 1995, p. 145) Mas a existência de tal
foco desse estudo, entretanto, não pode ser o Estado compreendido no sentido estrito como
coletiva empresarial e sua consolidação. Ele deve ser colocado no fazer-se dessa ação e na
complexa articulação das forças sociais que se encontram presentes no ato e com as formas
institucionais destas.
concebido como condensação institucional das relações de forças sociais, ao mesmo tempo,
um campo de conflito e o resultado desse conflito. Nessa perspectiva, a ação coletiva das
ação estatal deixa então de ser considerada plenamente independente das classes sociais e
passa a ser considerada como o resultado de uma autonomia relativa exercida em uma
gerada produz uma força social superior à soma das forças particulares alternando o
contexto no qual ela se faz presente. Nos próximos capítulos, esse enfoque será colocado á
prova.
62
63
DOS INDUSTRIAIS”
Nos capítulos precedentes, foi definido o enfoque teórico que guiaria a presente
Paulo, antecede em muito o período acima apresentado e aquele sobre o qual versa o
presente trabalho. No entanto, a análise de sua gênese é de extrema importância para que
sejam explicitadas as formas institucionais que adquirirá a ação coletiva dos industriais
paulistas.
classes dominantes, suas diferentes frações e classes subalternas no começo do século XX.
Nessa época, conforme Boris Fausto assinalou, a indústria brasileira tinha como
base, a baixa capitalização e o grau incipiente de concentração (Fausto, 1970, p. 19). Tal
dependência do setor agrário exportador não deve ser entendida com uma identidade física
entre os dois setores, como chegou a fazer Caio Prado Jr. (1966). Apenas um setor pequeno
Carlos Bresser Pereira, apenas 15,7% dos empresários paulistas pertenciam a famílias
residentes no Brasil há mais de três gerações, enquanto que 34,8% pertenciam a famílias
italianas e 12,8% a famílias alemãs e austríacas (1994). Warren Dean, em sua obra clássica
De acordo com o censo de 1920, citado por Boris Fausto (1970) e Warren Dean
(1971), dos 13.336 estabelecimentos industriais recenseados, apenas 482 tinham mais de
100 operários. A média era de apenas 21 trabalhadores por estabelecimento. A situação não
era diferente durante os acontecimentos de 1930. Ainda em 1940 ela não tinha se
modificado: de um total de 40.860 indústrias, havia somente 1.236 com mais de 100
trabalhadores e a média era até mesmo menor que em 1920 – 19 trabalhadores por
estabelecimento.
detendo 31,5% da produção industrial nacional. Ele também permite identificar os ramos
27,6%; vestuário e toucador, 8,2%; químicos e análogos, 7,9%; e outros setores, 16,1%. Na
expansão de seus negócios. Assim, muito embora os industriais do Rio de Janeiro tenham
organizado o Centro Industrial do Brasil, em 1904, é apenas 24 anos mais tarde que os
paulistas fundarão o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). Ao invés de
Associação Comercial de São Paulo, durante as primeiras décadas do século XX. Essa
Paulo, de desenvolvimento mais recentes que seus congêneres do Distrito Federal, e pelo
67
fato da Associação não ser o canal de organização do comércio importador com os quais os
com relação à indústria” reclamava o industrial Otávio Pupo Nogueira, um dos fundadores
1920, ao mesmo tempo em que alterava a relação de forças objetiva entre industriais e
bases para uma ação política autônoma. Em janeiro de 1929, estatísticas oficiais citadas por
Fausto apontavam, no Distrito Federal, a existência de 1.937 fábricas, com um capital total
1970, p. 23).39
fundamentalmente a paulista, era um setor social com um peso na economia muito inferior
los publicamente.
março de 1928 é, assim, expressão dessa nova relação de forças objetiva e do lugar
entidade, por ocasião da posse da diretoria, não deixou de expressar essa relação. Segundo
68
Simonsen, a indústria brasileira “nasceu das necessidades locais, cresceu e evoluiu entre as
maiores dificuldades, e apesar disso já tem em seu ativo assinalados serviços à nação.”
(1973, p. 53).
problemas que lhes interessam” e anunciava o papel do Ciesp, nessa conjuntura: promover
seu alcance, pelo estudo, propaganda e ação”. Para a realização de seu programa, o Ciesp
deveria contar “com o necessário apoio dos Governos da União e do Estado, na exata
65.)
O Ciesp se constituía como uma associação civil, com registro em cartório com o
poderes públicos “e com elles collaborar sempre que desta collaboração resulte o progresso
industrial do Estado de São Paulo (Fiesp, 1928, p. 3.). Assumia a forma, comum à época,
39
As estatísticas do período são meras aproximações e torna-se necessário, sempre, cotejar várias fontes.
69
de uma entidade aberta a todos aqueles que concordassem com esse programa, não sendo
uma exigência que fossem empresários. Poderiam, desse modo ser membros as
industrializante por meio do Ciesp. As metas definidas pela entidade em seus estatutos
existir no Estado de São Paulo” (Fiesp, 1928, p. 3). Para tal, a entidade pretendia organizar
uma rede de serviços que permitisse que as empresas “trabalhem com segurança e
Nos primeiros meses de gestão da nova diretoria também ficou clara a proximidade
nas eleições de março, como chefe do governo provisório em novembro de 1930, alterou
Quatro meses após a posse, Vargas, por meio do Decreto 19.770, de 19 de março de
como Oliveira Viana, mas também participaram de sua formulação técnicos do Ministério
do trabalho que mantinham laços com os grupos socialistas da Primeira República, como
Evaristo de Moraes e João Pimenta (Cf. Hall, 2002, p. 18 e Araújo, 2002, p. 36). O novo
decreto trazia os sindicatos para uma esfera estatal ampliada, tornando obrigatório o
decisório.41
40
Ver Panitch (1986, p. 136) e Jessop (1983, p. 157). Ângela Maria de Castro Gomes destaca que ao poder
público, depois de 1930, não interessa apenas o controle do movimento operário mas, igualmente, a
mobilização de uma nova base de apoio social (1979, p. 239).
41
Ver o tratamento dado ao tema por Costa (1998, p. 54); Costa (1991, p. 119-122) e Gomes (1979, p. 237-
252).
71
propósito de reordenar as relações entre as classes e destas com o Estado. Criava, para tal,
canais que permitiam uma inserção ativa das classes dominantes na esfera estatal, ao
mesmo tempo que incorporava passivamente classes subalternas (Cf. Araújo, 2002).
decreto não foi homogêna. No Rio de Janeiro, o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem
pelo Decreto 1.637 de 5 de janeiro de 1907, que estabelecia como sete a quantidade mínima
presentes no Artigo 13º do Decreto, à demissão de trabalhadores pelo fato destes serem
Era evidente a preocupação dos industriais com a questão operária. Tal preocupação
os levou a apoiar a proibição “no seio das organizações sindicais, de toda e qualquer
propaganda de ideologias sectárias, de caráter social, político ou religioso” (Art. 1º, alínea
f) e a sugerir ao ministro Collor que fosse incluído um artigo que vedasse, também, “a
A atitude dos industriais paulistas, entretanto, foi outra. Apesar das ressalvas que
faziam a nova lei, estas não impediram que o Ciesp se adaptasse rapidamente à nova
estrutura corporativa. Apenas dois meses depois da promulgação do novo Decreto, o Centro
Paulo (Fiesp, 1934). A criação da Fiesp não é apenas uma mudança de nome. Ela simboliza
Os desafios organizativos para tal adaptação eram grandes. O Ciesp era uma
associação de empresas, mas a Fiesp se constituía como uma entidade mista com o objetivo
comitês da Fiesp para a sindicalização dos vários ramos industriais permitiu à entidade
A análise dos sindicatos filiados à Fiesp em 2003 permitirá verificar a força desse
junto à Confederação Nacional da Indústria (CNI), aos sindicatos e à própria Fiesp, foi
foram fundados entre 1931 e 1940, totalizando cerca de 22,6% do total (ver Gráfico 1).
42
No Rio de Janeiro, o Centro Industrial do Brasil já possuía uma estrutura federativa que será preservada nos
novos estatutos da Federação.
43
Uma associação de primeira ordem organiza unidades básicas, no caso empresas. Associações de segunda
ordem são associações nos quais as unidades são as associações de primeira ordem. Nas de terceira ordem, as
unidades são as de segunda ordem.
74
participação neste das entidades que não se encontrassem reconhecidas de acordo com o
40,0%
34,8%
35,0%
30,0%
25,0% 22,6%
20,0%
15,0% 13,0%
9,6% 9,6%
10,0% 7,8%
5,0% 2,6%
0,0%
1931 a 1940 1941 a 1950 1951 a 1960 1961 a 1971 1971 a 1980 1981 a 1990 1991 a 2000
do Rio de Janeiro; Horácio Lafer, da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; A.
Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais. De modo a garantir a criação dos
reduziu o número de sócios necessários para cinco empresas, “legalmente constituídas, sob
inexistir na localidade o número de empresas indicado” (Art. 5º, inc. I), e permitiu a
mesmo nacional (Art. 12, § 1º).44 Com tal permissão, o Ministério, criava as condições para
a construção dessa nova estrutura sindical por meio da oficialização das associações civis
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Mas é a partir de 1933 que o
Em 1934, ano que foi reconhecida pelo governo federal como órgão de utilidade
44
A legislação, era, entretanto, draconiana com os sindicatos de empregados e exigia de, no mínimo, “um
terço dos empregados que exerçam a mesma profissão na respectiva localidade” (Decreto-lei 26.694/1934,
Art. 5º, inc. II-a).
76
filiadas à federação ficava, entretanto, muito aquém das trinta exigidas pelo texto legal em
entidades patronais.
O Decreto de 1934 teve outros efeitos que importa mencionar. A nova legislação
instituiu a pluralidade sindical, facultando para cada setor industrial a criação de mais de
duas entidades: a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, associação civil que
segunda ordem reconhecido pelo Ministério do Trabalho “que funciona na mesma sede,
legislação sindical que reconhecia a Federação sindical como “órgão de colaboração com o
45
Os estatutos aprovados em 1936, definiam a Fiesp como “sociedade civil de intuitos não lucrativos” criada
com o objetivo de congregar “em seu quadro social as emprezas, sociedades, companhias e firmas que
explorem qualquer ramos de indústria, ou serviços de interesse collectivo”. (Fiesp, 1936, p. 3. grifos meus).
77
Estado” (Decreto 24.694/1934, Art. 2º), ao mesmo tempo em que, por meio da Federação
civil era mantida uma estrutura representativa paralela e autônoma. O estatuto da Fiesp,
criava, por sua vez, as condições institucionais para a superposição da associação civil e da
sua defesa muitas vezes não coincidem com o interesse geral. Devemos,
de sua ação política junto ao governo: uma reforma que resultou em um aumento das tarifas
dos produtos importados (Leopoldi, 2000, p. 114-120). A força organizativa dos industriais
78
desde que Celso Furtado anunciou sua tese, em Formação econômica do Brasil.
meus.)
“choque adverso” que afetando o setor externo aumentaria os preços relativos das
São conhecidas as objeções que Warren Dean levanta a essa tese. Para este autor,
haveria uma relação direta entre a expansão das exportações do café e o desenvolvimento
partir de 1929 teriam paralisado as indústrias de São Paulo, ao invés de criado as bases para
seu desenvolvimento (Dean, 1991, p. 194.) Do mesmo modo, Dean enfatiza que a
(Idem, p. 17.)
sim discuti-la naquilo que é relevante para a ação dos industriais paulistas e sua relação
com o Estado. Chama a atenção que a tese de Furtado é, em grande medida, compatível
com a análise que Roberto Simonsen realizou em seu conhecido estudo de 1939, Evolução
p. 29.)
80
Simonsen desenvolve nesse texto uma versão extremada da “teoria dos choques
adversos”, atribuindo à Primeira Guerra Mundial o impulso decisivo (Idem, p. 48. Ver
também Suzigan, 2000, cap. 1.2.1 e, para a crítica da tese, Dean, 1991, cap. VI). A
econômico” (Idem). Para suprir essa carência, vital para a evolução industrial seria
(2003). Embora a Aliança Liberal não tivesse um projeto industrializante, fato destacado
por Dean (1991, cap. X), ao longo da década de 1930 este projeto foi sendo construído, em
parte como resultado da pressão dos próprios industriais. Se ao invés de fixar unicamente o
fiscal – a atenção recair também sobre as instituições criadas pelo governo Vargas, será
de certo modo esse projeto, na medida em que criava um espaço no qual ele se
2003, p. 144).
lembrar, como comprovante dessa asserção que todas as grandes nações, que
“que exploram productos de exportação e que têm os olhos fitos exclusivamente nas
82
indústria e lavoura ao mesmo tempo que afirmavam o papel dirigente da primeira: “Os
reivindicações e advogar uma política protecionista mais eficiente, que visasse a defesa do
proteção à indústria nacional constitutiva desse projeto é determinada pela ação das classes,
das frações e de sua instituições, bem como pelo lugar ocupado nesse processo pelos
46
O texto também pode ser encontrado em Simonsen (1978).
47
Drawback é o mecanismo que permite a devolução de impostos de importação aos industriais que
produzem para o mercado externo. Para a discussão das reivindicações protecionistas dos industriais
brasileiros nas décadas de 1930 e 1940 ver Leopoldi (2000).
83
oscilar nos primeiros momentos de constituição desse projeto é porque a própria conjuntura
sindical era livre. Mas apenas os sindicatos regularmente reconhecidos pelo Estado teriam
proteção do Estado, são órgãos destes e exercem funções delegadas de Poder Público.” A
reconhecidos em lei”, que indicariam pessoas “qualificadas pela sua competência” (Art.
57º).
permitida àquelas organizações patronais reconhecidas pelo Estado, ou seja, que tivessem
mantê-lo, era, portanto, vital para a participação política. Os poderes legislativos atribuídos
ao CEN pela Carta estadonovista abriam, assim, aos sindicatos, federações e confederações
48
“São atribuições do Conselho da Economia Nacional: a) promover a organização corporativa da economia
nacional; b) estabelecer normas relativas à assistência prestada pelas associações, sindicatos ou institutos; c)
editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho entre os sindicatos da mesma categoria da
produção ou entre associações representativas de duas ou mais categorias; d) emitir parecer sobre todos os
projetos, de iniciativa do Governo ou de qualquer das Câmaras, que interessem diretamente à produção
nacional; e) organizar, por iniciativa própria ou proposta do Governo, inquérito sobre as condições do
trabalho, da agricultura, da indústria, do comércio, dos transportes e do crédito, com o fim de incrementar,
coordenar e aperfeiçoar a produção nacional; f) preparar as bases para a fundação de institutos de pesquisas
que, atendendo à diversidade das condições econômicas, geográficas e sociais do País, tenham por objeto: I -
racionalizar a organização e administração da agricultura e da indústria; II - estudar os problemas do crédito,
da distribuição e da venda, e os relativos à organização do trabalho; g) emitir parecer sobre todas as questões
relativas à organização e reconhecimento de sindicatos ou associações profissionais; h) propor ao Governo a
criação de corporação de categoria” (Art. 61).
49
Dizia o texto constitucional: “A todo tempo podem ser conferidos ao Conselho da Economia Nacional,
mediante plebiscito a regular-se em lei, poderes de legislação sobre algumas ou todas as matérias da sua
competência.” (Art. 63.). “Todos os projetos de lei que interessem à economia nacional em qualquer dos seus
ramos, antes de sujeitos à deliberação do Parlamento, serão remetidos à consulta do Conselho da Economia
Nacional.” (Art. 65.)
85
mais íntimas relações entre elas e o Poder Público. Daí a gratidão que votam
corporativos. O CEN nunca foi instalado, mas em 1938 o Conselho Federal de Comércio
produção nacional (Diniz, 1978). Além dessa reformulação cabe destacar a criação do
50
Ver uma lista abrangente dos órgãos, conselhos e institutos criados pelo primeiro governo Vargas em
Fonseca, 2003, p. 144.
86
indústria com 3.032 firmas associadas, constituindo, hoje, a maior organização patronal
sindicalizada do país.” (Fiesp, 1939a, p. 4). Mas as entidades empresariais ainda estavam
longe de serem consolidadas. Um embate decisivo ainda estava por vir, como será visto no
capítulo seguinte.
87
Como visto, ocorreu a partir de meados da década de 1930, uma aproximação dos
corporativista, aglutinando as entidades de classe por ramos de atividade e não por regiões
eram fortes e tinham sua origem no poderoso Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
objetivo adaptar a estrutura sindical brasileira à nova forma estatal (Vianna, s/d, p. 225-
228). A proposta de Vianna enfatizava uma organização sindical vertical baseada nos
procurou isolar o ataque em Vianna e seus colegas de Ministério, ao mesmo tempo em que
Vargas.
Comércio.” (Fiesp, 1940, p. 174) Segundo Lodi, Vianna não estaria capacitado a legislar
Decreto. Quatro eram os pontos que opunham os empresários ao projeto de Vianna: 1º) a
exigência de associação de um terço da base para a constituição dos sindicatos (Art. 5º); 2º)
o veto à reeleição dos dirigentes sindicais ; 3º) a situação jurídica das associações civis
(Art. 48º); e 4º) a constituição das associações de segundo grau (federações) (Art. 24º)
reeleição.
funções não apenas de coordenação (representação), previstas pelo decreto 19.770 de 1931,
89
econômica (organização corporativa da produção), que lhes são concedidos pela nova
constituição [de 1937]” (Vianna, s/d, p. 81). Na exposição de motivos do Decreto, Oliveira
207.)
Para tal, uma série de preceitos legais eram criados para “preservar a vida interna
dos sindicatos da contaminação dos maus elementos sociais”, bem como era instituído “um
controle mais estreito do Estado no tocante à constituição dos sindicatos, de modo a torná-
Queriam os industriais preservar suas associações civis inscritas apenas no Registro Civil
das Pessoas Jurídicas, ou seja, que continuassem a ser regidas pelo direito privado.
percebido pelos industriais: “Do ponto de vista patronal, têm-se a impressão de que o
estatuto foi elaborado com o espírito de um sevéro contróle sobre as massas trabalhadoras”
(Fiesp, 1940, p. 37). Mas não era contra esse controle sobre as “massas trabalhadoras” que
90
patronais:
categoria profissional dentro de um ramo de produção.” As associações civis, por sua vez,
tinham por objetivos a defesa de interesses mais abrangentes. “As associações civis, como
as acima citadas, ao contrário, têm por finalidade precípua a defesa de interesses coletivos
de vários ramos da produção e, muitas vezes, a defesa do bem público municipal, estadual
ou nacional. Não estão, não podem estar subordinadas às regras estabelecidas por lei
especial para associações sindicais, como no caso do decreto lei 1402, de 5 de julho de
Vianna argumentava que estas deveriam se constituir baseadas nos princípios de identidade,
aos cosméticos e rouges das damas. Êste tipo de associação sindical é uma
(Idem, p. 262.)
representava seu fim. Por último, para a Confederação Nacional da Indústria (associação de
transformação em uma entidade que reuniria, de acordo com os empresários, mais de 300
A reação dos empresários foi unitária, abarcando além dos industriais, a Associação
primeiros, por meio da Fiesp e da CNI, que assumiram a liderança do movimento. Para os
industriais paulistas o problema residia em que a combinação do Artigo 24º com o 48º
impedia a oficialização das federações estaduais das indústrias. No caso de São Paulo, o
Art. 24º abalava as bases da FIP, enquanto o 48º esvaziava a Fiesp. O alvo de Vianna era
explícito. Rejeitando a proposta patronal de emenda que visava retirar do âmbito da lei as
estão obrigadas ao registro. Nem mesmo deviam ser admitidas nele, não só
51
Ver a esse respeito as várias declarações empresariais em Fiesp (1939 e 1940a).
52
Para a participação da Associação Comercial no debate sobre a legislação sindical ver Costa (1988, 47-78).
93
A campanha levada a cabo pelos industriais foi intensa. Estes, entretanto, não se
intelectuais orgânicos dos industriais – mobilizados pela Fiesp para emitirem parecer sobre
a questão, aparece a acusação de que Vianna não teria sido um intérprete fiel do
permitiria a cooperação social baseada nos interesses e funções sociais dos indivíduos.
Como organismo social, o Estado era a síntese dos múltiplos corpos sociais, derivado, e não
constitutivo, destes. A função estatal seria a de vigilância e arbitragem entre esses corpos,
póde ser feliz se for de acordo com os modos e os meios que essa classes
Mas é da associação dos industriais que os empresários estão falando. Somente esta
teria sua legitimidade decorrente do lugar na produção ocupado por seus membros. O lugar
reivindicado para a indústria nacional por esses empresários tem como contrapartida um
lugar especial para os próprios industriais e para suas entidades representativas. Na mesma
ocasião, em que Percival de Oliveira fez sua defesa da autonomia, Octávio Pupo Nogueira,
meio da sua atividade poderiam produzir a riqueza de todos, seriam também as únicas que
sindical. Era “crítica construtiva, procurando cooperar com o poder público, para a solução
dos problemas nacionais”, nas palavras dos líderes da Fiesp (1940a, p. 38).
como firmes opositores de uma legislação sindical autoritária e do Estado Novo está,
portanto, muito longe dos fatos. A defesa das federações regionais e das associações civis
p. 152.)
ser incompatível com o regime sindical corporativo “a existência, como órgãos consultivos
96
profissão” (Decreto 1.402/1939, Art. 3º, al. e), às associações civis sem inscrição no
53
“O imposto sindical é devido, por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica
ou profissional, em favor da associação profissional legalmente reconhecida como sindicato representativo da
mesma categoria” (Art. 2º). A contribuição sindical era prevista nas alíneas a do Art. 38 e f do Art. 3º do
Decreto-lei 1.402/1939.
97
tempo que definiram melhor várias das atividades produtivas, razão porque
Mas importante ainda foi a permissão, prevista no mesmo Decreto 2.381/1940, para
organização corporativa” (Art. 4º, § único). Vianna, que considerava esse o ponto central da
reforma, reconheceu sua derrota: “Fui vencido neste ponto; não convencido.” (Vianna, s.d.,
vitória. O Relatório dos trabalhos realizados em 1940, publicado pela Fiesp, comemorou:
“E hoje, podemos constatar com satisfação, que a maioria de nossas sugestões foram,
aceitas pelo Ministério do Trabalho e incluídas no texto legal.” (Fiesp, 1940a, p. 38.)
intuitos não lucrativos e duração ilimitada” criada com o objetivo de “congregar em seu
serviços de interesse coletivo” (Fiesp, 1940a, p. 234 e 235. Grifos meus). Imediatamente
54
Segundo Vianna, “Este item constituiu o clímax dos debates e importou uma longa controvérsia que se
estendeu por muitos meses. Neste ponto, os elementos do grupo paulista, apoiados pelos elementos mais
prestigiosos da grande indústria do país, representados pela Confederação Nacional da Indústria, do Rio,
desenvolveram uma ação intensa e poderosa – e ganharam a partida. Quebraram uma das linhas principais do
sistema que eu havia planejado e que se objetivara na primeira redação do decreto 1.402, de 1939. O dec.
2.381, de 1940, no parágrafo único do seu art. 5º (art. 573, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho) lhe
consagrou a doutrina, embora sob uma redação diferente da que haviam proposto.” (Vianna, s.d., p. 68.)
98
o nobre programa que se traçou e que tem procurado realizar, com uma fôlha
95.)
julho de 1941, que concedia, à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo a
ela defendidos e coordenados” (Art. 1º). Tendo o reconhecimento estatal, a Fiesp retomou a
seguir seu antigo nome de Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, assumindo a
Federação das Indústrias Paulistas (FIP), órgão sindical de segundo grau, a denominação de
previamente aprovada, firmando, assim, a vitória patronal. Seus traços mais gerais foram
definidos naqueles embates dos anos que transcorreram entre 1930 a 1941. Fundava-se,
organização sindical de segunda ordem partilhava a representação dos industriais com uma
representação dual” no qual associações civis setoriais convivem com a estrutura sindical
corporativa oficial (Ver, por exemplo, Diniz e Boschi, 1978 e 2000). Em seu trabalho, esses
autores têm em mente a emergência de associações civis setoriais a partir do início dos anos
1950 e a coexistência destas com os sindicatos e federações patronais. Para Diniz e Boschi,
início da década de 1940, antecipa muitos dos problemas levantados por Diniz e Boschi
para os propósitos deste trabalho na medida em que oculta as demais dimensões existentes
dessa representação, bem como os processos de integração vertical e horizontal entre essas
dimensões. Por essa razão, neste trabalho será utilizada a noção de complexo associativo.
Um complexo associativo é uma articulação horizontal e/ou vertical, por meio de processos
100
determinados pela direção que os conflitos entre as classes sociais e no interior delas
nessa luta. Já foi visto até aqui, como os conflitos do empresariado industrial com o Estado,
com as classes subalternas e com as demais frações da burguesia, foram moldando sua
propriamente organizacionais dessa estrutura. Duas são as dimensões que precisam ser
interorganizacionais que conformam, por um lado as relações entre a Fiesp e o Ciesp e, por
outro, um complexo associativo do qual fazem parte além dessas entidades, os sindicatos
intersetoriais.56
55
Schmitter e Streeck (1999) utilizam a expressão sistema associativo. Mas ela tem o inconveniente carregar
a forte conotação harmonicista que lhe foi atribuída pela moderna teoria dos sistemas.
101
permite uma especialização seletiva da entidade para atender as demandas das diferentes
de interesse comum do conjunto dos capitalistas privados. A integração hierárquica, por sua
vez, viabiliza a coordenação das diferentes subunidades por meio de uma cadeia de
processos podem ocorrer nas dimensões horizontais e verticais. Assim, nos processos de
responsáveis pela coordenação de unidades associativas de ordem inferior. Por sua vez, os
que não são hierarquicamente diferenciadas, enquanto que nos processos de integração
vertical diferentes unidades associativas são afiliadas a ou controladas por uma associação
56
Para o tratamento dado às estruturas associativas intra-organizacionais e interorganizacionais ver Schmitter
e Streeck (1999).
102
Fiesp-Ciesp. Desde seu surgimento, a independência e autonomia das entidades foi sempre
contraditória e a divisão de papéis nem sempre clara. Muito embora as entidades fossem
No início dos anos 1940, era ao Ciesp que cabiam as funções de construção e
A integração horizontal não deixava de ser, entretanto, problemática, como pode ser
constatado nos estatutos da Fiesp (associação civil) de 1941. Ao mesmo tempo que o artigo
1º afirmava ser objetivo da entidade Congregar “firmas e empresas que exploram qualquer
verticalmente pela Federação sindical (associação de segunda ordem). Tais sindicatos eram
57
Certamente essas estruturas organizativas também articulam processos de produção de tarefas e autoridade,
mas propositalmente não serão analisados aqui esses processos.
103
de vez à diretoria do Ciesp por meio da realização de reuniões mensais conjuntas que
tinham por objetivo superar os impasses criados pela complexidade do sistema.59 O mesmo
arranjo encontrava-se previsto nos estatutos do Centro das Indústrias do Estado de São
para o associativismo empresarial. Era uma solução própria de uma fração industrial
regional. A sobreposição das diretorias das entidades não foi, por exemplo, o caminho
São Paulo após a criação da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, na década de
1930 (Costa, 1998 e 2003). Resta, agora, analisar mais de perto as formas institucionais
assumidas por esse complexo associativo, o que será feito no próximo capítulo.
58
Ver a respeito da possibilidade de Personalunion em sistemas de associações empresariais, Schmitter e
Streeck, p. 75-76.
59
Diz o Relatório anual de 1940: “Não obstante a existência da Federação das Indústrias Paulistas,
perfeitamente irmanada com a orientação que é imprimida à Federação civil, e se bem que nossos estatutos
sociais criaram o Conselho Consultivo da Federação composto pelos presidentes de Sindicatos Patronais da
Indústria, a experiência levou a diretoria à conclusão da necessidade de um mais íntimo contato, da
administração com o Conselho, motivo pelo qual foi estabelecida, como praxe, a sugestão proposta pelo
diretor sr. Morvan Dias de Figueiredo, para que, mensalmente, uma das reuniões da diretoria fosse realizada
em conjunto com o Conselho Consultivo.” (Fiesp, 1940a, p. 59.)
104
105
não houvesse uma integração vertical formal entre o Ciesp e a Fiesp, a relação entre as
entidades não deixava de ser assimétrica e de expressar o papel dominante exercido pelo
Centro no interior do sistema. É apenas a partir da década de 1950 que essa relação se
(Ciesp). Tal predomínio se consolidou, quando as duas diretorias foram fundidas com o
objetivo de participar dos novos órgãos de planejamento econômico criados pelo segundo
governo Vargas e pelo seu sucessor, Juscelino Kubitschek (cf. Caldeira, 1998, p. 19-20).
Não é o objetivo da presente pesquisa analisar atentamente essa inversão, mas vale a
pena destacar que a legislação sindical que culminou na CLT criava condições
imposto sindical, que criava para essas entidades uma fonte segura de recursos.
reservado nesse processo aos industriais, bem como os crescentes conflitos trabalhistas que
tiveram lugar a partir de então, serviram, desse modo, para ressaltar o papel da Federação
adaptará a entidade a essa nova realidade, eliminando das atribuições do Centro a alínea k
106
do estatuto de 1943 – “pleitear a representação das indústrias junto aos órgãos públicos”
natureza” (Ciesp, 1968, p. 6). Muito embora os estatutos de 1971 atribuíssem à Fiesp a
tal afirmação e sua limitação às entidades sindicais permitem supor que no processo de
Ciesp e 1971 para a Fiesp, tornou supérfluo o Conselho Consultivo que aglutinava as
em 1968 suprimiram o Conselho (Ciesp, 1968). Era assim anulando legalmente um arranjo
institucional que – senão de jure, de fato – há muito não se fazia mais necessário. Um novo
estatuto do Ciesp, aprovado em abril de 1975 alterou a definição dos possíveis sócios da
entidade retirando o último resquício daquela estrutura original. A nova redação eliminava
(Ciesp, 1975.)
os mecanismos que mantivessem a unidade desse complexo. Para tal foram combinadas,
além de uma precisa engenharia estatutária, soluções ad hoc que garantiam a unidade das
seus estatutos (não há neles referências mútuas) estão longe de ser autônomas. Três são os
partilhadas.
no final dos anos 1970, colocou um problema não previsto pelos estatutos: a presidência
das duas entidades pode pertencer a indivíduos diferentes? A solução implementada para
esta questão na primeira eleição disputada entre duas chapas, em 1980, foi a realização da
realização do pleito do Centro, onde votam todas as indústrias filiadas. Com uma diretoria
eleita na Federação por meio de um colégio eleitoral reduzido, a pressão por uma chapa
Trata-se de uma solução extremamente instável e foi por essa razão que a questão
foi retomada no final dos anos 1980, quando a gestão de Mario Amato, questionada por
apenas 25% dos votos e os restantes caberiam a eleitores nomeados pelos presidentes dos
2001, p. 74.)
candidatar novamente de acordo com os estatutos em vigor (Fiesp, 1986, p. 12). Nessas
Centro ocorresse antes do pleito na Federação. O pleito não foi, entretanto, antecipado e
ambas aconteceram concomitantemente, padrão que se manteve desde então. Mesmo assim,
a ameaça de uma divisão entre a associação civil e a federação sindical beneficiou a chapa
da situação e fez com que esta vencesse nas duas eleições (Ver o Capítulo 12).
mesmo tempo, ela funciona como mecanismo de controle da máquina da Fiesp e dos
Ciesp, a instância máxima de deliberação é uma assembléia geral. Para a maior parte do
Diretoria Executiva, formada por 37 diretores; a Diretoria Consultiva, integrada por 120
diretores eleitos; e a Diretoria Plenária, composta por cinqüenta diretores das Delegacias do
Fiesp, por sua vez, tem como instância superior um Conselho de Representantes, integrado
(ver Gráfico 2). A reforma estatuária de 1994 na Fiesp e no Ciesp extinguiu a Diretoria
Responsáveis pela gestão das entidades, as diretorias executivas são as que, de fato,
concentram o poder no interior desse complexo associativo. Tanto na Fiesp como no Ciesp,
essas diretorias executivas têm uma simetria institucional e são compostas de presidente,
regra mas uma possibilidade. Na gestão de 1980-1983, por exemplo, verificou-se sua
Fiesp Ciesp
Presidente Presidente
4º Vice-presidente
4º Vice-presidente
16 vice-presidentes
11 vice-presidentes
10 Diretores
6 Diretores
Diretoria consultiva
28 Suplentes
120 Diretores eleitos
Conselho Fiscal
Diretoria Plenária
3 Conselheiros
3 Suplentes
hierárquica por meio da distribuição vertical de poder no interior das associações. Tais
dito, a presidência era comum, assim como vários dos cargos – mas não todos – da
Diretoria Executiva da Fiesp e da Diretoria Executiva do Ciesp. Era, entretanto, por meio
Diretorias dos Sindicatos ou dos seus Conselhos Fiscais, ou dos quadros de associados de
Sindicatos filiados, cujo concurso seja reputado necessário.” (Fiesp, 1971, p. 12 e Fiesp,
1986, p. 16.)
industrial passível de ser nomeado membro de uma dessas comissões, o que permitiria a
cooptação para posições algumas vezes chaves de industriais que não pertençam ao quadro
do presidente designar diretores para colaborarem com a Diretoria Executiva, “na execução
dos serviços dos diversos Departamentos do Centro ora existentes e daqueles criados”
(Ciesp, 1968, p. 14. Versões similares são encontradas nos estatutos posteriores, cf. Ciesp,
1975, p. 9; 1982, p. 10; 1985, p. 10; 1986, p. 10; e 1988, p. 8). Não há, entretanto,
112
Centro e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.” (Cf. Fiesp/Ciesp, 1978, p. 181.)
conselhos, departamentos, serviços especializados e órgãos técnicos por meio dos quais as
ao lado da hierarquia estatutária das instâncias descrita acima, uma hierarquia funcional
operacional.
Esse arranjo institucional não foi criado, entretanto, de um único golpe. Ele foi se
constituindo ao longo das décadas. Alguns destes órgãos, como a Divisão de Serviços
60
Sobre a divisão de tarefas entre membros e administradores em associações empresariais ver Coleman,
(1988, p. 33).
113
como aparelhos burocráticos, esses departamentos foram responsáveis por uma maior
Fiesp (1980)
Fiesp Ciesp
Presidente
Secretaria Assistente
Decon Dejur
Des Deprov
DAS
115
ordem limitava a participação ao reduzido número de sindicatos filiados. Por sua vez, o
elevado número de diretores do Centro e sua estrutura de associação de primeira ordem lhe
pela Federação. Assim, muito embora o Ciesp ficasse em segundo plano quando comparado
estudos (Cf. Leopoldi, 2000; Costa, 1996; e Vianna, 1976, dentre outros), sua forma
representação definida pelo Estado. Tal abordagem, para os propósitos deste trabalho era
insuficiente, e por isso procurou-se destacar o próprio modo por meio do qual o
empresariado brasileiro em meados dos anos 1970 e seu impacto no complexo Fiesp-Ciesp.
Muita atenção tem sido dada à emergência do chamado “novo sindicalismo” dos
trabalhadores a partir do final dos anos 1970. Mas a contrapartida patronal mereceria igual
destaque. Também por estas paragens pode se encontrar um renovado impulso associativo e
Renato Boschi (1979 e 2000), indicaram a persistência daquilo que denominaram “padrão
associações civis criadas a partir da década de 1950. Analisando os dados recolhidos para o
oficiais, e uma nova onda associativa durante o “milagre econômico”, na qual embora os
(IBGE), mapeando o universo dos sindicatos brasileiros, nos permite acompanhar esse
2001 e agregando os dados decenalmente, a pesquisa constatou que entre 1971 e 2001
proporção para o mesmo período chega a 60,9%; no comércio, 66,2%; nos transportes
cultura, 74,7%; e na agricultura, 40,7% (IBGE, 2002, p. 141. Ver, Tabela 4).61
Muito embora no período 1971-1980 exista uma queda abrupta nos índices de
criação de novos sindicatos, o mesmo não ocorre na indústria que verifica uma tendência
ascendente acelerada a partir de 1971, ao contrário do indicado por Diniz e Boschi. Mesmo
o período 1981-2000, com a exceção dos sindicatos da agrícolas (Ver Tabela 4).
Classificados por grupos econômicos, verificamos que nos anos de 1981 a 2000, em
sete deles o número de sindicatos criados, foi superior a 50% do total: vestuário; construção
61
A pesquisa agrega os dados dos sindicatos de empregadores em dez grandes grupos econômicos, que se
subdividem, por sua vez, em grupos econômicos e categorias. No caso da indústria, há 18 grupos e 157
categorias. Ver IBGE, 2000, p. 230-239.
121
E se trabalharmos com os anos de 1971 a 2000, verificaremos que o índice de 50% não é
atingido apenas pelos grupos de alimentação; fiação e tecelagem; artefatos de couro; papel,
Sindicatos de empregadores
Total Período de reconhecimento
1931 % 1941 1951 % 1961 % 1971 % 1981 % 1991 %
a a a a a a a
1940 1950 1960 1971 1980 1990 2000
Brasil 3420 12 0,4% 403 11,8% 156 4,6% 948 27,7% 417 12,2% 584 17,1% 900 26,3%
Indústria 840 4 0,5% 189 22,5% 68 8,1% 67 8,0% 102 12,1% 169 20,1% 241 28,7%
Comércio 887 7 0,8% 166 18,7% 67 7,6% 60 6,8% 69 7,8% 148 16,7% 370 41,7%
Transportes 25 1 4,0% 5 20,0% 1 4,0% 2 8,0% 2 8,0% 1 4,0% 13 52,0%
marítimos, fluviais
e aéreos
Transportes 117 0 0,0% 8 6,8% 9 7,7% 8 6,8% 7 6,0% 36 30,8% 49 41,9%
terrestres
Comunicações e 42 0 0,0% 5 11,9% 2 4,8% 3 7,1% 5 11,9% 12 28,6% 15 35,7%
publicidade
Empresas de 51 0 0,0% 14 27,5% 2 3,9% 4 7,8% 2 3,9% 9 17,6% 20 39,2%
crédito
Estabelecimentos 75 0 0,0% 15 20,0% 3 4,0% 1 1,3% 8 10,7% 13 17,3% 35 46,7%
de educação e
cultura
Agricultura 1362 0 0,0% 1 0,1% 4 0,3% 803 59,0% 220 16,2% 191 14,0% 143 10,5%
Outras categorias 21 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 9,5% 5 23,8% 14 66,7%
Fonte: IBGE, 2002. Não estão computados os sindicatos sem declaração (N = 114).
importantes. O crescimento dos sindicatos nas últimas décadas, certamente estimulado pelo
novo texto constitucional de 1988, pode não ter produzido, pelo menos até o momento, um
62
A exceção é a indústria de papel e papelão, que acompanhou os ritmos de desenvolvimento da economia.
122
Pelo menos esse é o caso da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, dos 115
sindicatos cuja data de fundação foi possível precisar, apenas 20% foram criados entre 1971
anos 1970 não pode ser medido apenas quantitativamente. Ele é, também, qualitativo e se
esferas de decisão das políticas econômicas pelo regime autoritário, o empresariado elevou
siderurgia, a campanha ocupou boa parte do ano de 1974. A crítica era dirigida ao modelo
como alvo apenas às diretrizes econômicas. Também visavam a excessiva centralização das
mobilizou todo o empresariado, é verdade. E logo o tom crítico foi sendo amenizado. Mas a
atividade empresarial naquele ano chave de 1974 sinalizou que os empresários não
63
Para os dados da região Sudeste ver IBGE, 2002, p. 144.
123
aceitariam mais o papel subalterno ao qual, juntamente com suas entidades representativas,
Sindicatos de empregadores
Total Período de reconhecimento
1931 % 1941 % 1951 % 1961 % 1971 % 1981 % 1991 %
a a a a a a a
1940 1950 1960 1971 1980 1990 2000
Brasil 3420 12 0,4% 403 11,8% 156 4,6% 948 27,7% 417 12,2% 584 17,1% 900 26,3%
Indústria 840 4 0,5% 189 22,5% 68 8,1% 67 8,0% 102 12,1% 169 20,1% 241 28,7%
Da alimentação 183 0 0,0% 62 33,9% 18 9,8% 17 9,3% 23 12,6% 20 10,9% 43 23,5%
Do vestuário 84 0 0,0% 14 16,7% 8 9,5% 5 6,0% 8 9,5% 22 26,2% 27 32,1%
Da construção e 203 3 1,5% 33 16,3% 11 5,4% 11 5,4% 23 11,3% 52 25,6% 70 34,5%
do mobiliário
Urbanas 2 0 0,0% 1 50,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 5 250,0%
Extrativas 47 0 0,0% 7 14,9% 7 14,9% 2 4,3% 8 17,0% 9 19,1% 14 29,8%
Da fiação e 27 0 0,0% 10 37,0% 1 3,7% 3 11,1% 4 14,8% 4 14,8% 5 18,5%
tecelagem
De artefatos de 14 0 0,0% 5 35,7% 2 14,3% 3 21,4% 0 0,0% 2 14,3% 2 14,3%
couro
De artefatos de 7 0 0,0% 1 14,3% 1 14,3% 0 0,0% 0 0,0% 1 14,3% 4 57,1%
borracha
De joalheria e 6 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 1 16,7% 0 0,0% 4 66,7% 0 0,0%
lapidação de
pedras preciosas
Química e 61 1 1,6% 15 24,6% 5 8,2% 5 8,2% 6 9,8% 16 26,2% 13 21,3%
farmacêutica
Do papel, 14 0 0,0% 6 42,9% 1 7,1% 1 7,1% 0 0,0% 3 21,4% 3 21,4%
papelão e cortiça
Gráficas 48 0 0,0% 8 16,7% 3 6,3% 4 8,3% 8 16,7% 6 12,5% 19 39,6%
De vidros, 12 0 0,0% 4 33,3% 0 0,0% 2 16,7% 2 16,7% 1 8,3% 3 25,0%
cristais,
espelhos,
cerâmica de
louça e
porcelana
Metalúrgica, 119 0 0,0% 18 15,1% 11 9,2% 12 10,1% 19 16,0% 29 24,4% 31 26,1%
mecânica e de
material elétrico
De instrumentos 3 0 0,0% 1 33,3% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 2 66,7%
musicais e
brinquedos
Cinematográfica 1 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 100,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
De 4 0 0,0% 3 75,0% 0 0,0% 0 0,0% 1 25,0% 0 0,0% 0 0,0%
beneficiamento
Artesanato em 0 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0% 0 0,0%
geral
Fonte: IBGE, 2002. Não estão computados os sindicatos sem declaração (N = 114).
124
Estado de São Paulo se fazia ouvir. O tom era certamente mais moderado. O presidente da
discurso de posse de seu quarto mandato, em novembro de 1977 voltou ao tema pela
enésima vez: “ao ver a Pátria à beira do abismo e do caos, não vacilei em alinhar-me entre
os ideais revolucionários, que até hoje pautam minha ação como brasileiro.” (Fiesp, 1978,
p. 49.)
afirmou na mesma ocasião, para, a seguir explicitar sua reivindicação – quase uma súplica
afirmou que: “É imprescindível que suas posições e pontos de vistas cheguem aos órgãos
governamentais antes das decisões básicas, afim de propiciar ação coordenada entre
De Nigris ecoava aquilo que Sebastião Velasco e Cruz denominou uma “demanda
(Cruz, 1995, cap. 7). Em junho de 1978, oito importantes empresários, eleitos como líderes
um ano antes por 5 mil empresários, em consulta realizada pelo jornal Gazeta Mercantil,
José Mindlin, diretor da Fiesp e diretor-presidente da Metal Leve; Laerte Setúbal Filho,
O Documento dos Oito, como ficou conhecido, tinha como ponto de partida a
social e mesmo política” de tal atividade (Idem). Mas, as abordagens eram diferentes.
convencidos de que estes são, no essencial, os anseios mais gerais da sociedade brasileira.”
(Idem.)
destacados. Primeiro uma renovada preocupação com a chamada questão social que ecoava
política salarial justa, que leve em conta, de fato, o poder aquisitivo dos
(Idem).
Desenvolvimento Empresarial do Rio Grande do Sul (Veja, 5 jun. 1978). O peso político e
econômico dos “oito” e a repercussão do documento não foram suficientes para unificar a
Desenvolvimento, disparava contra a proposta dos membros do “grupo dos oito”, acusando-
interior da Federação paulista pelo seu comando. Theobaldo De Nigris procurava seu
quarto mandato, mas encontrou forte oposição. Desde 1979, Luís Eulálio de Bueno Vidigal
disputa tornou-se ainda mais intensa com o anúncio da candidatura de Laerte Setúbal,
128
que juntos ficaram quase trinta anos à frente da Fiesp, cumpriam esse requisito. Apoiados
pela máquina política montada pelo irmão de Morvan, o empresário Nadir Figueiredo,
sem Contestação” de Vidigal Filho por 54 votos a 52 não lhe deu entretanto a vitória
imediata. Houve um voto anulado, que a chapa da situação reivindicou como sendo o voto
proclamar um “empate”.
64
A influência de Nadir Figueiredo nos processos eleitorais na Fiesp, apesar de não ocupar cargo na entidade,
é constatada em Exame, 30 jan. 1980, p. 22 e Veja, 27 ago. 1980, p. 98. O próprio filho de Nadir, Jorge
Duprat Figueiredo, era indicado como provável sucessor de Theobaldo De Nigris, mas faleceu antes das
eleições, em 1978.
129
de 55 votos para evitar o segundo turno. A vitória no primeiro turno provocou rumores
Moraes Filho, Dilson Funaro e Manoel da Costa Santos, que se recusariam a participar de
nova eleição retirando suas candidaturas. Os rumores foram alimentados pelos próprios
candidatos. Logo após a apuração, José Ermírio de Moraes afirmava: “O melhor, agora, é
uma composição entre os dois. Mas como Luís Eulálio foi quem obteve o maior número de
votos, é natural que a composição deverá partir dele; temos que ser justos e sinceros nesta
hora: Eulálio foi quem teve mais votos.” (O Estado de S. Paulo, 21 ago. 1980, p. 30.)
Antonio Ermírio de Moraes foi ainda mais longe, defendendo que a chapa
persistir: sua derrota seria maior ainda em setembro (...) José [Ermírio de
que estavam comprometidos com eles a votarem novamente em De Nigris. Sergio Ugolini,
Ferrosos rapidamente anunciou que votaria desta vez na chapa da oposição. O mesmo
65
O aparecimento do marketing político na vida da Fiesp chamou a atenção das revistas Exame (10 set. 1980,
p. 17) e Veja (10 set. 1980, p. 110).
130
De Nigris reagiu aos rumores publicando em O Estado de S. Paulo uma lista dos
afirmou De Nigris numa nota dirigida “aos companheiros da indústria e ao povo de São
A tentativa de conciliação foi capitaneada pelo empresário Mario Garnero, que teria
para o Luís Eulálio Vidigal e os demais cargos, num total de 27, seriam
Vidigal Filho deu também sua versão: “Na verdade, houve uma proposta de
conciliação, mas implicaria na renúncia das duas chapas, o que não considero moralmente
aceitável” (O Estado de S. Paulo, 28 ago. 1980, p. 30). No dia seguinte à rejeição do acordo
pela oposição, José Ermírio de Moraes Filho, Luiz Rodovil Rossi, Manoel da Costa Santos
131
e Dílson Domingos Funaro participavam com De Nigris de uma reunião com a imprensa na
Fiesp – “pôr fim às especulações de que a Chapa 1 seria retirada, por termos ouvido
Logo após o anúncio, José Ermírio de Moraes Filho viajou para o exterior,
ausentando-se até mesmo do segundo turno das eleições. Duas semanas depois do primeiro
escrutínio, Vidigal Filho vencia o segundo turno com 61 votos contra 45. O resultado foi
da vitória.
conduzidos de maneira molecular, o que levou alguns autores a ressaltar uma “tendência à
oligarquização dos postos de direção” das associações empresariais (Diniz e Boschi, 2000,
p. 47). Desta vez, entretanto, a renovação se deu por meio de uma ruptura: dos 28 membros
da antiga Diretoria Executiva, apenas quatro foram reconduzidos a seus cargos pelo pleito
66
A versão de De Nigris foi confirmada por Garnero (Folha de S. Paulo, 2 set. 1980, p. 16.)
132
frações que se faziam representar nas duas diretorias. Para viabilizar tal estratégia a
que a empresa pertencia a um grupo econômico, optou-se por indicar a maior empresa do
grupo, com base nas informações da publicação Visão: Quem é quem na economia
brasileira 1980.
as empresas com os dados do Balanço Anual Gazeta Mercantil 1980 e de Exame Melhores
e Maiores 1980, tais empresas foram ordenadas de acordo com os grupos de atividades
bastante preciso dos setores econômicos representados. Sua utilização não deixa,
treze diretores – do que na gestão de Vidigal Filho – dez diretores (Cf. Tabela 6).
134
não será menos paradoxal. Enquanto a gestão 1977-1980 tinha 17 representantes de setores
diretorias executivas não indica, desse modo, uma alteração significativa dos interesses
justifica em grande parte essa continuidade. Eleitas com os votos dos representantes dos
sindicatos, as chapas para a Fiesp deveriam aglutinar o maior número possível de entidades
para garantirem suas vitórias nos pleitos. Daí a diversidade de setores representados e os
Uma vez levada a cabo a análise dos setores é possível passar a outras variáveis:
tamanho da empresa e utilização da força de trabalho. Com base no anuário Visão: Quem é
quem na economia brasileira 1980, foi estabelecido o patrimônio líquido (em Cr$ de
que as empresas não listadas eram pequenas firmas. Para minimizar as distorções que essa
67
Foram considerados tradicionais as divisões extrativas, da construção, energia, alimentos e bebidas, fumo,
têxteis e vestuário, couro, madeira, papel e celulose, editorial e gráfica. As divisões modernas incluem
produtos químicos, borracha e plásticos, produtos de minerais não-metálicos, metalurgia, máquinas e
equipamentos, material elétrico, veículos e autopeças e equipamentos de transporte.
68
Não esquecer que há empresários que estiveram em duas gestões, por isso o número menor de empresas.
135
para cada gestão - vinte empresas na gestão 1977-1980 e 19 empresas na seguinte - o que
funcionários, ou seja, é mais exato afirmar que as empresas não listadas possuem um
patrimônio inferior do que aquelas listadas, do que asseverar que possuem um número de
funcionários inferior. Por outro lado, a análise de correlação entre patrimônio e número de
empregados, revelou um coeficiente de correlação de 0,84 que pode ser considerado, dado
30% 29%
25%
% de Empresas
25%
21%
20%
15%
11%
10% 7% 7% 7% 7% 7%
5% 4% 4% 4% 4%
0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-
Posição
1977-1980 1980-1983
136
Brasil, representada por Newton Chiaparini, com um patrimônio de Cr$ 6.426,6 milhões e
22.280 funcionários, ocupando o 69º lugar na classificação da Visão. A menor firma foi a
Cr$ 52,4 milhões e 480 funcionários, ocupando a 6024º posição. Ao invés de estabelecer
critérios classificatórios arbitrários para definir o que são empresas grandes, médias e
utilizados para registrar empresas de grande porte tem uma amplitude de 500 e os demais
de 1.000.
50%
45%
40%
% de Empresas
30%
24% 24%
20%
14% 15% 14% 15%
10% 10% 10%
10%
5% 5% 5% 5%
0% 0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-
Nº de Empregados
1977-1980 1980-1983
gestão Vidigal Filho. Dos 28 diretores, da gestão 1977-1980, mais de um terço tinham suas
empresas classificadas entre as mil maiores pelo Quem é quem da revista Visão. Na gestão
1980-1983, embora o número de empresas entre as 500 maiores seja significativo (cinco
empresas), dois terços das empresas estão acima da posição de número 2.000 (Ver Gráfico
3).
situação. Desta vez foram suprimidas em empresas que não constavam do Quem é quem da
revista Visão para evitar as distorções acima mencionadas. De acordo com os resultados
obtidos, um número maior de empresas representadas na gestão Vidgal Filho têm menos de
500 funcionários, enquanto cinco empresas na gestão De Nigris tem mais de 6 mil
A análise quantitativa das diretorias executivas da Fiesp não revela uma ruptura nas
frações representadas, seja no que diz respeito ao setores, seja no que se refere ao tamanho
das empresas. Houve, entretanto, uma ruptura? E se houve, onde ela pode ser localizada de
maneira mais precisa? Tais questões remetem a um importante problema teórico. Trata-se
aqui tratados ou se ela nada teria a dizer para o estudo das mudanças ocorridas no interior
da Fiesp.
O problema da análise quantitativa que aqui foi tentada é que ela ao mesmo tempo
fetichismo dos números o impede de perceber que essa articulação se revela plenamente
apenas na prática política. O fosso existente na análise da relação que se verifica entre as
138
frações e a política só poderá ser transposto por intermédio da análise dos intelectuais
dessas frações.
Uma análise do lugar ocupado por esses intelectuais nas instituições de organização
e representação do empresariado pode ajudar a esclarecer aspectos que foram até então
diretoria da Federação ou até mesmo a acomodação em uma mesma chapa para o Centro de
candidatos de duas chapas para a Federação. Assim, a mesma eleição que elegeu Luís
Eulálio de Bueno Vidigal Filho para a presidência das duas entidades, garantiu a
Fiesp.
diretorias dos departamentos especializados eram partilhadas pela Fiesp e pelo Ciesp, em
das entidades. A funcionalidade desse mecanismo fica evidente com a indicação, logo após
69
No organograma da Fiesp para o ano de 1982 encontram-se o Conselho Superior de Economia, criado no
final de 1980, e o Conselho Superior de Orientação Jurídica e Legislativa, criado ao longo do ano de 1981,
revelando de maneira mais precisa o mecanismo de incorporação de lideranças empresariais à estrutura de
comando da Fiesp. Os nomes indicados para os departamentos em dezembro de 1981, com mandato até 31 de
dezembro de 1982, são, em grande medida os mesmos nomeados logo após a eleição de Vidigal Filho para a
presidência. Há apenas a ausência de Nildo Masini, antigo diretor do Desin.
139
Presidente
Não era apenas o diretor-presidente da Metal Leve que garantia assim sua presença.
apontadas pelo Balanço Anual Gazeta Mercantil como líderes setoriais como Jamil Nicolau
Aun, da Papel Simão; Einar Alberto Kok, da Máquinas Piratininga; Carlos Ramos Villares;
das Indústrias Villares; Paulo Guilherme Aguiar Cunha, do grupo Ultra; e Eugênio Staub,
representados na Fiesp, a nova arquitetura institucional adotada pela gestão Vidigal Filho
consideradas essenciais para o novo papel que a Fiesp deveria assumir na conjuntura.
Filho permite identificar de maneira mais nítida esses processos. Se a análise quantitativa
dos setores representados não revelava uma ruptura entre as duas gestões é nesta
comparação dos postos chaves da gestão da máquina do complexo Fiesp-Ciesp que ela fica
importantes da entidade – Decon, Decex e Decad – que esses empresários ocupam seus
empresas nessa gestão das entidades. Na gestão 1980-1983, apenas três empresários
ocupando postos de direção no departamentos não têm suas firmas listadas no Quem é
141
quem da revista Visão. E terceiro, uma concentração maior de poder no interior da diretoria
Fiesp.
Depar Celso Madueño Silva Indústrias Elétricas Carlos Eduardo Comlux Metalurgia
Sintex Uchoa Fagundes
Decex José Ephin Mindlin Metal Leve José Ephin Mindlin Metal Leve
Defin Homero Villela de Pancron Paulo Affonseca de Brasinca
Andrade Barros Faria Jr.
Desin Luis José Monteiro F. Vicente Blanes Roberto Della Manna Tubozin
S/A
Decor Waldemar de Oliveira Cirasa Comércio e Salvador Firace Proteindus Ind. e
Verdi Indústria Riopretense Com.
de Automóveis
Decad Felipe Fiasco Naufal S/A Paulo Francini Radio Frigor
Decon Osvaldo Palma Fresinbra Industrial Cláudio Bardella Bardella
DES Eduardo Garcia Rossi Novo Norte Corretora Mário Amato Springer
de Valores
Dejur Wilson de Souza Indústrias Eternit Carlos Eduardo Companhia Paulista
Campos Batalha Moreira Ferreira de Energia Elétrica
Deprov Aristides Pileggi Balloon Comestíveis Luis Américo Lanofício Anglo
Medeiros Brasileiro
O ano de 1980 terminou, assim, com a incorporação do espírito do “grupo dos oito”
novos homens fortes da Fiesp, representavam, em sua maioria, o setor mais dinâmico da
desbancando do comando da entidade setores com menor peso na economia. Era, também
Vidigal Filho tinha 41 anos e seus escudeiros Paulo Francini e Cláudio Bardella, 39 e 42
anos, respectivamente.
mais intensa com o Executivo, procurando uma solução negociada para a crise econômica e
anos 1970 o leitmotiv de um rico debate acadêmico. De um modo geral, a pergunta chave
Ou, colocada a questão nos termos em que Fernando Henrique Cardoso (1983) o fez: pôde
hegemonia burguesa?
durante o governo Geisel (1974 – 1978) e o início do governo Figueiredo (em 1979),
É da análise dessas oscilações que Cardoso concluiu que não surgia, à época, uma
sociedade civil a fonte do poder, nos partidos políticos sua instrumentação e no regime
desenvolvidas por Luiz Carlos Bresser Pereira.70 Para este autor, as críticas do
política (1979).71
Cardoso não é o único a contestar Bresser Pereira. Eli Diniz e Renato Boschi,
autores que nas últimas duas décadas têm se dedicado ao estudo do empresariado brasileiro,
1970 e início da de 1980. Mesmo tendo identificado no empresariado uma das fontes de
contestação ao regime militar, tais autores destacaram que não havia indícios de que a
70
Ver, por exemplo, O colapso de uma aliança de classes (Bresser Pereira, 1978) e o artigo “Seis
interpretações sobre o Brasil” (Bresser Pereira, 1982).
71
Não é de se estranhar que o prefácio seja do próprio Bresser Pereira.
144
Tanto nos trabalhos de Bresser Pereira, como de Cardoso, Diniz e Boschi é possível
encontrar com o traço comum uma imprecisão conceitual que obscurece a possibilidade de
intercambiáveis, na obra dos autores citados, sendo usados de forma indistinta (Cruz,
1995). Ao proceder dessa maneira, perde-se a especificidade que cada um deles possui. O
denomina “os setores modernos” da economia, por oposição aos “setores tradicionais”.72
extremamente importantes que não podem ser deixadas de lado. Tome-se o caso da
72
Para uma abordagem recente desta maneira, ver Boschi, Diniz e Santos (2000).
145
associadas ao Sindipeças, elas são responsáveis por 77,2% do capital total; 73,3% do
meramente cronológica e, portanto, artificial. Artificial por que congela no tempo um dado
setor da economia, criando dele uma imagem estática de um passado muitas vezes
indústria de papel e celulose, uma das mais modernas e competitivas do país acaba sendo
industrial paulista, setores importantes da burguesia são deixados de lado. É o caso, por
exemplo, do setor financeiro, que não encontra na análise dos autores citados, espaço
no próprio empresariado industrial torna-se evidente na análise que Diniz e Boschi fazem
da campanha contra a estatização, em 1974. Ao contrário desses autores, Cruz revela que
essa campanha foi levada a cabo por apenas uma parcela do empresariado, ficando boa
73
Sobre a competitividade da indústria do papel e celulose ver Coutinho e Ferraz (1994).
146
1995, p. 29). A construção de uma nova hegemonia é vista, então, como uma reação
adversa a seus negócios. É interpretada tomando como ponto de partida a oposição entre
sociedade civil – lugar dos negócios privados – e sociedade política – o Estado. Gramsci já
sociedade civil, que de distinção meramente metodológica passava a ser assumida como
que ocorrem entre as classes e frações em presença e a forma estatal da classe dominante
(Dias, 1996, p. 114). Procura-se o projeto burguês, a realização de sua hegemonia, mas não
próximo capítulo.
147
A eleição de Vidigal Filho para a presidência da Fiesp significou uma ruptura com o
passado. É preciso, entretanto, dimensionar essa ruptura identificando os elos que são
para a análise, está longe de ser uma ruptura de relações do empresariado com o regime
militar. Quando de sua campanha eleitoral, Vidigal Filho fazia questão de mostrar à
imprensa as fotos que ostentava em seu gabinete na Cobrasma com os presidentes Ernesto
Geisel e João Figueiredo (Veja, 10 set. 1980, p. 107). “Está chegando a hora da geração dos
empresários surgidos depois de [19]64. Nós, jovens empresários, somos todos frutos da
Revolução de [19]64”, afirmou durante a campanha (Exame, 30 jan. 1980, p. 21). E para
não deixar dúvidas disparava: “Governista? Somos todos. Quem não é” (Veja, 27 ago.
1980, p. 96).
considerava que a liberdade partidária, assim como a democracia, tinha lá seus limites.
“Inimigo se liquida, com adversário se compete. E os comunistas são todos inimigos”, disse
à revista Veja (10 set. 1980, p. 107). E mesmo sua adesão à abertura política passava muito
favorecidos. Enfim, meu pai pode jogar com a fechadura. Ele está velho.
148
Mas eu tenho 41 anos e meu filho 16. Temos ainda muitos anos pela frente
regime militar eram sólidas e entremeadas de interesses mútuos, o que é evidenciado pela
Criado às vésperas do golpe de 1964, o GPMI tinha por objetivo apoiar politicamente os
militares. Depois do golpe, o Grupo passou a operar como um canal de comunicação entre
as Forças Armadas e a indústria. Em maio de 1981, diretores da Fiesp, juntamente com seu
presidente reuniram-se com 24 oficias das três armas, dentre os quais o ministro-chefe do
Estado maior das Forças Armadas, general José Ferraz da Rocha, para revitalizar as
atividades do GPMI.
Vidigal Filho traçou, então, um histórico do Grupo, ressaltando seu novo papel:
uma mobilização geral. Toda mobilização militar tem que ser fundamentada
pelas Forças Armadas e organizou visitas de civis e militares ao parque industrial paulista,
envolvendo 730 pessoas e onze empresas. Os vínculos criados desde 1964 entre o
empresariado e os militares iam, portanto, muito além das afinidades ideológicas. Não é de
se estranhar que Vidigal Filho mesmo ao fazer sua profissão de fé democrática faça questão
149
A ruptura com o passado não era, portanto, uma ruptura com o governo ou com os
militares. Era, entretanto, uma ruptura com o modus operandi existente nas gestões
anteriores da Federação e se fazia notar de maneira mais nítida na busca de uma maior
marcados por intensas articulações políticas e por uma presença constante de Vidigal Filho
governador Paulo Maluf e o prefeito de São Paulo, Reynaldo de Barros, além de um grande
cargo fez questão de não deixar dúvidas sobre suas filiações políticas e ideológicas,
Federação ao regime.
empresariado nos órgãos estatais responsáveis pela execução política, teria se esgotado com
“a efetiva implantação de uma estrutura industrial no país, que chegou a seu ponto
culminante no fim da década de 1950”, disse em seu discurso Vidigal Filho (Idem, p. 31).
novos tempos. Tempos de incerteza. Tratava-se de construir um programa que desse conta
“por uma séria crise, motivada por vários fatores, entre eles o
A percepção da crise exigiria um papel mais ativo por parte do empresariado: “Se o
Brasil optou por um regime capitalista, há necessidade de a classe industrial exercer o seu
papel, não ficando a reboque da História” (Idem). Tal exigência, imposta pela realidade
reivindicação de serem ouvidos parece ser a única que o empresariado, de fato, faz. Há no
discurso de Vidigal Filho, é verdade, um apelo por um novo “projeto de nação” sob a
junho de 1984, por exemplo, durante palestra a empresários baianos em Salvador, essa
classe empresarial não fugiu a essa dominação. A tal ponto que, até hoje, ela
152
médias urbanas e os trabalhadores teriam constituído uma frente, “que não foi liderada
como se poderia esperar, pelo empresariado nacional, mas pelo Estado.” (Idem.)
teria sido evidenciada no começo dos anos 1970, teria demonstrado ao empresariado que
não necessitava mais da tutela que havia lhe sido imposta: “E embora timidamente, nascia
qual se poderia participar do poder político, que até então lhe fora negado” (Idem. Ver,
deixa de ser sintomático: a) dos laços que se constituem entre a nova diretoria da Fiesp e o
discurso aparece quimicamente puro, quatro anos antes, durante a solenidade de posse
153
Vidigal Filho não ia muito além de uma reivindicação de um novo papel para o
empresariado.
nova recessão era rejeitada e se falava em uma estratégia nacional assentada na redução da
programáticos.
economia de mercado e a livre empresa, anunciada no discurso, para evitar “uma luta de
1980, p. 31). Esta é, entretanto, uma defesa dos valores da livre empresa, que não se traduz
seguir nas páginas do jornal Indústria e Desenvolvimento, com espaço nos grande meios de
ficavam um pouco mais definidos. Muito embora não fosse um projeto oposicionista,
74
Vidigal Filho continuará fazendo profissão de fé parlamentarista até o final de seus dois mandatos na Fiesp
(Ver Vidigal Filho, 1986d, p. 32).
154
Era isso, e não mais, o que foi anunciado no discurso de posse. É preciso muita
capaz agora de realizar na sociedade civil seus potenciais de direção política e ideológica de
Justiça seja feita, é anunciado um projeto, ou pelo menos a intenção de tê-lo. Não
tem o alcance ou a profundidade que Vidigal Filho ao lado de alguns analistas mais
entusiasmados declaravam. Mas anunciar por meio da Fiesp que o empresariado deseja
de definir contornos mais nítidos a esse novo projeto. Com a criação de um Conselho
brasileira”, a nova diretoria sinalizou uma intervenção mais incisiva no debate econômico
O Conselho seria presidido por Vidigal Filho, fazendo também parte dele os novos
Eduardo Moura e Silva, Luiz Gonzaga Belluzzo, Celso Lafer e Luiz Carlos Bresser Pereira.
Antonio Ermírio de Moraes, festejou na época da nomeação: “Não tinha e nem tem
ninguém melhor do que ele”, afirmava, referindo-se a Delfim (Veja, 22 ago. 1979, p. 22).
comemorava: “Simonsen era o [Cláudio] Coutinho, aquele que chegava no quadro e traçava
estratégias que os jogadores não entendiam. Delfim é o [Oswaldo] Brandão, cuja meta
Corinthians (Idem). A metáfora parece ter agradado Vidigal Filho, que a repetiu:
Em seu discurso de posse, Delfim Netto anunciou sua estratégia de ataque: rejeitou
primeiros meses de sua gestão, o novo ministro lançou mão de uma série de mecanismos
mesmo tempo em que procurava diminuir o déficit público aumentando a capacidade fiscal
as medidas do pacote conseguissem resolver aqueles que eram considerados os “dois graves
Temor de que o setor industrial fosse atingido por essas medidas e empurrado para a
pacote foi apresentado avaliou-o positivamente: “O Brasil entrou numa fase de verdadeira
120). Mas nem todos os empresários viram com bons olhos essas medidas. Aldo Lorenzetti
previu uma paralisação dos investimentos: “Para o setor elétrico, por exemplo, a situação
ficou problemática, pois boa parte dos componentes é importada. Se não houver exceções,
esperança. As novas medidas não só tiveram um impacto negativo sobre os preços, que
afetado foi o da indústria de bens de capital, que desde 1979 amargava a redução das
encomendas estatais (ver Gráfico 6). E, para completar o pior dos mundos possíveis, a
o comando da economia, tal como vem fazendo na área política” (Veja, 17 dez. 1980, p.
79). Ou seja, pediram que Delfim Netto tivesse seus poderes esvaziados substancialmente
(%)
95
90
85
80
75
70
65
60
1978 1978 1978 1978 1979 1979 1979 1979 1980 1980 1980 1980 1981 1981 1981 1981
T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4 T1 T2 T3 T4
ocasião, a rejeição ao ministro da Economia era ainda maior: 57,8% consideravam sua
moderada e a proposta de Setúbal não encontrou apoio explícito, mas nem por isso
deixaram os empresários de externar suas preocupações. Bardella, como sempre, era o mais
incisivo. Analisando as perspectivas para o ano de 1981, o industrial dizia: “o que gera
(Apud Rocha Filho, 1981, p. 6). Mais comedido José Mindlin destacava que a situação não
Foi nessa conjuntura que o Conselho Superior de Economia recém instituído, fez
assim, “a expressão normal dessa anormalidade conjuntural muito mais ampla em que ela
está inserida.” (Idem.) Definidos os estrangulamentos externos e internos aos quais o país
75
Ver o tratamento dado por Brasílio Sallum Jr. (1996, p. 78-81) á análise da popularidade do governo através
159
estaria submetido, o documento afirmava que a recessão não era nem inevitável, nem
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
jul. 1979 jan. 1980 jul. 1980 jan. 1981 jul. 1981 jan. 1982 jul. 1982 jan. 1983 jul. 1983 jan. 1984
Excelente/Bom 47,7% 40,5% 22,4% 21,6% 23,9% 31,5% 28,9% 38,4% 13,1% 6,1%
Regular 46,5% 49,7% 57,8% 51,6% 48,2% 49,6% 53,3% 45,9% 37,4% 25,0%
Ruim/Péssimo 5,8% 9,8% 19,8% 26,7% 27,9% 18,9% 17,8% 14,2% 42,8% 68,4%
Fonte: Exame, 2 jul. 1980; 28 jan. 1981; 29 jul. 1981; 13 jan. 1982;
11 ago. 1982; 12 jan. 1983; 18 ago. 1983; e 11 jan. 1984. Excelente/Bom Regular Ruim/Péssimo
partida a crise mundial, repercutindo, assim, o discurso de posse de Vidigal Filho: “Desde o
início dos anos [19]70 a economia mundial vem se caracterizando por seu desempenho
cada vez mais instável e sempre mais distante dos padrões de normalidade que
discurso de posse da nova diretoria da Fiesp. Mas, a rigor, tal diagnóstico não faz senão
dívida externa como condicionantes dos desequilíbrios internos. Condicionantes esses que
haviam sido explicitados por Delfim Netto na conhecida entrevista aos jornalistas Celso
Ming, Antônio Carlos de Godói, Milano Lopes e José Márcio Mendonça, já em 1979
(Netto, 1979, p. 30), e que ainda eram repetidos na palestra do ministro na Escola Superior
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
jul. 1979 jan. 1980 jul. 1980 jan. 1981 jul. 1981 jan. 1982 jul. 1982 jan. 1983 jul. 1983 jan. 1984
Excelente/Bom 68,4% 69,3% 39,5% 22,0% 28,6% 43,1% 32,0% 32,5% 11,9% 9,2%
Regular 25,6% 25,4% 32,2% 37,0% 34,0% 34,2% 41,9% 37,4% 21,9% 16,7%
Ruim/Péssimo 6,0% 5,2% 28,3% 41,0% 37,5% 22,7% 26,1% 27,9% 60,0% 73,3%
A novidade, então, está no que vem depois do diagnóstico, muito embora ele seja
mercado doméstico para o externo. E sugerem que estas poderiam negociar a conversão de
focalizadas nos setores produtivos, constituindo uma clara aliança entre a indústria e o setor
agrícola, aliança alimentada pela política governamental que priorizava desde setembro de
76
A proposta de conversão estava sendo, na época, discutida em alguns círculos oposicionistas. Ver, por
exemplo, o artigo de Pedro Malan na coletânea promovida pelo Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro
(1982, p. 20)
162
Dentro dessa estratégia há ainda um espaço considerável para a ação estatal. Caberia
bens e serviços por meio de uma política cambial mais realista, que descartasse nova
o Fundo Monetário Internacional, na medida em que este órgão não teria se mostrado
interessa apenas aos países altamente industrializados” (Idem, p. 18). Mesmo aqui, não
oportunidades, dentre as quais a referida palestra na ESG, o ministro Delfim Netto havia
clara, definindo a democracia “como o meio mais adequado para que o controle do Estado
77
“Se fôssemos ao Fundo seria o fundo mesmo. Se tivéssemos ido ao FMI, teríamos que reajustar muito mais
dramaticamente a taxa de crescimento, porque não poderíamos escolher nem o caminho nem a velocidade do
ajustamento” (Netto, 1981b, p. 62).
163
renda, estabelecer tributos justos e enfrentar o problema agrário.” Para Vidigal Filho,
p. 9.)
foram das mais variadas e denunciavam as filiações políticas dos editorialistas. O Jornal do
Brasil, por exemplo, afirmava que o que a Fiesp propunha não era o que o governo estava
fazendo (11 dez. 1980, p. 2), enquanto O Estado de S. Paulo, sustentava que o texto dos
uma política econômica alternativa, o documento delineava alguns temas sobre os quais
deveria recair a atenção dos governantes e negava alguns dos caminhos que eram afirmados
o recurso ao FMI.
78
Ver, por exemplo: “No fundo, fica-se com a impressão de que os princípios enunciados são corretos e
merecem aplausos, mas as soluções propostas não chegam ao nível de medidas práticas capazes de aliviar as
pressões que se exercem sobre a economia e a sociedade.” (O Estado de S. Paulo, 11 dez 1980, p. 3.)
164
cronológica nem sempre é a mais adequada e geralmente é a mais entediante. Mas a leitura
retração das encomendas estatais e pela ausência dos pagamentos de compras efetuadas
pelo governo também é destacado por Rocha Filho em análise na revista Indústria e
por uma questão de inércia do que pela política econômica em vigor” (Idem, p. 6).
mês em que Milanesi festejava o caminho aplainado, uma “perspectiva sombria” para a
privada, contra a saída recessiva para a crise, a verdade é que ela se apresenta como ameaça
constante que paira sobre nossas cabeças” (Vidgal Filho, 1981, p. 47).
crescimento intenso e, mais ainda, auto-sustentado para a economia brasileira nos próximos
anos” (Idem). A mesma esperança inercial era ainda alimentada em setembro de 1981 e
Alegre. “A médio e longo prazos temos todas as condições necessárias para atingir o status
caminhando para qualquer desastre. Penso que com a participação dos mais
não lhe impedia de apontar algumas “medidas corretivas para superar as presentes
constantemente pelos industriais ao longo do ano: o pagamento das dívidas com o setor
transportes urbanos de massa. Medidas que teriam o fito de “evitar que a atual recessão,
constatava o óbvio. Com a única exceção do setor de alimentação, todos os demais gêneros
(queda de 16,9%).79 O conjunto da indústria paulista, por sua vez, apresentava uma queda
Bruto Industrial, medido pelo IBGE, era, por sua vez de 8,9%, a primeira queda desde 1965
existência incontornável a essa altura, de uma profunda recessão, mas o otimismo persista.
inflação, que terminou o ano em 97% depois de atingir a marca de 120%, e um saldo
79
O Indicador de Atividade Industrial é calculado pela própria Fiesp. A metodologia do cálculo é especificada
no suplemento “Levantamento de Conjuntura – Índices Fiesp”, publicado na revista Indústria e
Desenvolvimento.
167
15
10
-5
-10
-15
1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985
PIB - indústria - transformação 3,81 12,12 2,27 6,11 6,86 9,11 -10,38 -0,18 -5,85 6,17 8,34
PIB - indústria 4,90 11,74 3,14 6,44 6,80 9,25 -8,84 -0,04 -5,92 6,31 8,27
previsto, por técnicos e empresários, senão pelo próprio Governo, que por
motivos óbvios, nem sempre revela suas projeções mais realistas para não
agravar ainda mais a situação (coisa que, aliás, nós também somos obrigados
a fazer com certa freqüência e, por isso mesmo, recebemos criticas nem
empresarial é extremamente parecido com aquele desenvolvido pelo ministro Delfim Netto
168
(Netto, 1981). Os maus momentos vividos pela economia em 1981 seriam o preço a pagar
Economia) que permitiria redirecionar a economia brasileira para seus novos objetivos:
agricultura, energia e exportações. Um preço que o empresariado quer diminuir por meio de
Quando o assunto era o papel do Estado na economia, o tema colocado em discussão pelos
exportação, foi a demora na liberação dos incentivos e a burocracia da Cecex (Netto, 1981,
Nos documentos empresariais desenhava-se assim, uma estratégia que tinha por
objetivo participar do novo arranjo produtivo nacional, evitar uma estagnação econômica
duradoura bloqueando trilhas que poderiam levar a ela mais rapidamente e minimizar as
80
Esses temas reapareceram, ainda, na entrevista do diretor da Cecex, Benedito Moreira, à mesma revista
(Moreira, 1981, p. 13-19) e no documento encaminhado por Bardella, Ferreira e Mindlin, sumariando as
sugestões da Fiesp para o aumento das exportações (1981).
169
de 1980, teria, assim, um duplo papel. Por um lado daria legitimidade ao posicionamento
empresarial, demonstrando preocupação com o bem estar social e, por outro, evitaria um
atenção. Ela poderia ser indicativa de um desenho projetivo que ultrapassaria as fronteiras
de uma hegemonia restrita e se voltaria sobre toda a sociedade, procurando nela consolidar
a posição dirigente dos industriais. Estudar atentamente essa dimensão é portanto de grande
81
“O documento entregue na terça-feira pela diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp) ao ministro do Planejamento Delfim Netto, distingue-se de todas as demais manifestações do
empresariado nacional por ter colocado em primeiro lugar um postulado social: a necessidade de manutenção
dos níveis de emprego” (Gazeta Mercantil, 12 dez. 1980, p. 3).
170
171
com a eclosão do movimento grevista no ABC. As reações do empresariado foram das mais
dúbias. Entre os anos de 1978 e 1980 é possível perceber claramente dois discursos no
movimento grevista de 1978 “de modo geral, desenrola em clima de grande disciplina e
Destacando o impacto das greves sobre os salários, o colunista apontava, no início de 1979,
“Seria ilusório supor ser possível voltar atrás no que se refere a uma
impactos benéficos para o conjunto da economia. Mas como estratégia política, estimular a
contra-senso. O fortalecimento dos sindicatos só pode ser benéfico para o capital se eles
172
sindical havia, nas greves de 1979, mostrado que embora de maneira limitada, carregava
para que tenhamos uma sociedade mais justa para todos e de paz
Manna exigia um recuo das demandas levantadas pelo movimento dos trabalhadores:
(Idem.)
A posição que prevalecia na Fiesp estava mais próxima da esboçada pelo industrial
do que daquela defendida por Appy. Antecipando-se a uma nova onda de greves no ABC
173
sugerindo não pagar as horas paradas, demitir grevistas e impedir que os trabalhadores
É com estas medidas que se encontra afinada a opinião externada por Heitor Feitosa
patronal nas greves e denunciava “a escalada política” dos líderes sindicais (1980, p. 18).
absurdas” (Idem). Reclamava, também da exigência pelos grevista do pagamento das horas
paradas e advogava uma reforma sindical que fracionasse os sindicatos metalúrgicos. Por
fim, Feitosa, indo muito além do esboçado por Della Manna e verbalizando o acirramento
dos ânimos na greve daquele ano, pedia a aplicação do rigor da lei – da mais rigorosa lei
sindicais que incitavam seus companheiros à greve ilegal, deve ser encarado
É com esta posição, e não com a primeira, que De Nigris se encontra alinhado.
Appy no artigo citado, De Nigris ponderava: “em princípio todos são favoráveis a ela,
Desenvolvimento, v. XIII, n. 1, jan. 1980, p. 42). Mas não temendo as acusação que
poderiam lhe ser dirigidas, afirmava ser a negociação direta “uma proposta de conluio de
interesses a dois, com desprezo e dano de terceiro – o público consumidor, o povo, enfim –,
que dela não participa, mas é chamado, sem alternativa, a pagar-lhe o preço” (Idem).
Seus membros haviam passado pela prova de fogo das greves de 1978 e 1979 dentro de
suas fábricas e não nos confortáveis gabinetes da Avenida Paulista. Foi nessas greves que
Nildo Masini construiu sua imagem de duro negociador e que Vidigal Filho formou um
juízo negativo do líder sindical de Luiz Inácio Lula da Silva.82 Mas foi também nesses
82
Para Vidigal Filho, “Ele [Lula] e o Jânio são muito parecidos. Ambos são especialistas em aglomerar
pessoas, em mobilizar multidões. Só não aprenderam a colocar um ponto final nas manifestações que
articulam”. (Veja, 10 set. 1980.)
175
1981, p. 9.). Os sindicalistas signatários do acordo também não pouparam adjetivos. Para o
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Joaquim dos Santos Andrade, o
acordo era “o início de uma nova era no relacionamento entre Capital e Trabalho” (Idem).
deterioração no diálogo mantido entre as partes, que poderia levar esse tipo
continuar cada vez mais forte, em face da maturidade alcançada por ambas
9-10.)
Em março de 1981, foi a vez do Grupo 14 fechar o acordo com os sindicatos dos
metalúrgicos do ABC e interior. O acordo foi considerado por Vidigal Filho como “o
momento mas importante (...) desde a eleição como presidente da Fiesp” (Indústria e
Desenvolvimento, v. XIV, n. 3, mar. 1980, p. 49). Os empresários tinham seus motivos para
comemorar. Era a primeira vez em três anos que os acordos salariais eram concluídos “sem
governo. Novamente, era Masini, quem dava o tom: “Eu acho que a negociação de março,
nos termos em que foi colocada, serve de parâmetro para o Brasil todo. Ela vai, sem
176
nenhuma dúvida, ajudar para a obtenção do tão falado pacto social” (Apud Vasconcellos,
1980, p. 8.)
Frederico Vasconcellos:
Em uma conjuntura recessiva o pacto social era levantado pelo empresariado como
uma saída para a criação de mecanismos de controle social mais eficazes que pudessem
mesmo barco – não interessa à empresa a aflição do trabalhador e vice-versa.” (Idem, p. 7.)
Muito embora o acordo com os metalúrgicos do ABC e do interior seja citado como
modelo, o interlocutor privilegiado da Fiesp no movimento sindical não era o Sindicato dos
Vasconcellos, “pode-se dizer que há entre os dirigentes sindicais mais radicais aqueles que
assim, da visão do ministro do Trabalho, Murilo Macedo, para quem havia “o sindicalismo
vê no empresário um parceiro de jogo com o qual ele deve e pode transacionar, enquanto
O parceiro já estava escolhido pela Fiesp. Era Joaquim dos Santos Andrade, o
conservador presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo. Não era o escolhido
pacto social não tinha essa intenção. Seu objetivo era o de neutralizar a ação dos sindicatos
Andrade era, para tanto, a figura ideal. Fazendo coro à proposta do pacto, o líder dos
metalúrgicos de São Paulo não perdia a ocasião para vociferar contra seus adversários na
dissemos que não fugiremos do diálogo. Quer a ‘esquerdinha’ queira ou não, a gente vai
tentar se opor. Mas eu acho importante dizer que qualquer negociação deve
contenção dos parceiros escolhidos pela Fiesp era bastante reduzida. Mais eficaz para a esse
propósito foram as táticas agressivas adotadas pelos industriais contra as greves de 1980 e a
metalúrgicos da região do ABC paulista surtiram efeito, criando uma relação de forças que
patronal.
específicas. Mas não se constituiu, entretanto, em peça que alargue o alcance da política
importância no discurso empresarial é função, portanto, de sua capacidade de, em uma dada
O que a presença do pacto revela, portanto, é que o conflito existe como uma
ameaça presente ou potencial. Revela, também, e isto é o mais importante para esta
são contemporâneos de seu presente e reagem ativamente aos imperativos desse tempo de
EMPRESARIAL
de 1970 foi a reação patronal a uma crise que já se vislumbrava no horizonte. Nas seções
entretanto, os primeiros movimentos perante uma crise que ainda se agravaria muito, como
despertaram em alguns a ilusão alimentada pelo governo de que o pior já havia passado.
Mas ainda havia muito por vir. O ano de 1981 pode ser considerado decisivo. Com a
exceção de 1930 e 1964, dois períodos que dispensam maiores comentários, a economia
abrupta queda do PIB em 1981, teve assim entre os empresários o impacto de um trauma
histórico.
O governo bem que tentou minimizar tais indicadores, afirmando repetidamente que
Delfim Netto voltou a essa questão negando a existência de uma recessão. Ainda em junho
de 1981, durante palestra na Escola Superior de Guerra, Delfim reiterava: “Nós estamos
muito longe de estar em uma recessão. Nós estamos, isto sim, com um nível de atividade
durante todo o ano de 1981 uma avaliação cada vez mais positiva da ministro do
pela revista Exame para o Painel de Executivos consideravam Delfim Netto excelente ou
bom (ver Gráfico 8). Mas a crise cobrou se preço. A partir desse ponto, à medida em que o
marcado pela segunda crise do petróleo e a elevação das taxas de juros internacionais. O
324-328).
contração salarial, controle das despesas públicas e dos investimentos das estatais; aumento
enxugamento violento da liquidez real e do crédito baseado na liberação das taxas de juros
dos empréstimos bancários – com a exceção daqueles destinados para a agricultura, energia
Modiano, 1992).
das exigências do FMI sem o acesso ao crédito que um acordo formal permitira. Mas o
ajuste voluntário promovido pelo governo não solucionou o problema da dívida externa e o
empurrão que faltava para o governo recorrer ao FMI. Em setembro daquele ano, a equipe
vistas nas eleições de novembro, continuasse a afirmar que não fazia sentido recorrer a ele.
Mas apenas cinco dias após o pleito, o governo anunciou que submeteria um programa de
ajuste econômico ao FMI. Durante os dois anos seguintes o governo subordinou-se à rígida
protegendo suas margens brutas de lucro por meio de sua capacidade de afetar a formação
alcance, porém, das pequenas e médias empresas que foram profundamente afetadas pela
ano de 1981 foi gradativamente deixado de lado. Quando em junho de 1982, a revista da
Fiesp publicou o balanço do ano anterior, o que se tem é uma interessante reconstrução que,
dos juros e impostos elevados (Indústria e Desenvolvimento, v. XV, n. 6, jun. 1982, p. 31-
42).
entre o empresariado privado e o governo” (Sallum Jr., 1986, p. 78). Dissociação parece ser
a palavra mais adequada – e precisa – para explicar o que ocorre então. As divergências do
empresariado com o governo Figueiredo eram menores do que as que manifestava com seu
Exame permite acompanhar esse processo. Entre os dados de desempenho de Delfim Netto
passam de 32,5% para apenas 11,9% e os de ruim/péssimo pulam de 27,9 para 60% (ver
Gráfico 8).
constituição do projeto burguês. É por meio desses intelectuais orgânicos do capital que o
debate econômico.83 Desde o famoso debate entre Eugenio Gudim e Roberto Simonsen,
esse tem sido o modo de procedimento das diferentes frações da burguesia brasileira.
clara a nova opção do empresariado. O resultado dos debates promovidos pelo Fórum foi o
livro que levou o sugestivo nome de Brasil x FMI: a armadilha da recessão (Silva et alli,
1983). Com introdução assinada por João Manuel Cardoso de Mello e por Luiz Gonzaga
Garcia Munhoz, Luciano Coutinho, Paulo Nogueira Batista Jr., Pedro Malan, Carlos Lessa,
Edmar Bacha, Paulo Rabello de Castro, Rogério Furquim Weerneck, Adroaldo Moura da
Silva, Cláudio Salm, José Marcio Camargo, Luz Aranha Corrêa do Lago, Paulo Renato
total com a política do Fundo Monetário Internacional, pela recuperação dos instrumentos
1983, p. 24). A crítica à política econômica do governo Figueiredo era radicalizada nesse
livro, mas estava ausente uma alternativa explícita mais abrangente, ou como era comum se
dizer já naquela época o que faltava era uma proposta de “modelo de desenvolvimento”
Não que essa alternativa não existisse entre os “economistas de oposição”. Ela foi,
por exemplo, explicitada por Maria da Conceição Tavares e Carlos Lessa. Diziam eles:
83
Para o lugar dos economistas como mediadores globais do projeto burguês, ver Cruz (1997). Para o lugar
186
com novas prioridades sociais explícitas; por outro, se trata de travar lutas
As “linhas de ataque” dessa nova frente de expansão iam direto aos pontos críticos
explicitada por todos. Não é de se estranhar, pois, que a ponte entre esses economistas e a
alternativa aprecia diluída, quase apagada. De fato, o economista evitava entrar na questão.
Interrogado sobre o qual seria sua alternativa, ele responde: “Acho que estamos metidos
receita técnica é uma aventura, digamos assim, perigosa e seria muito presunçoso fazer
importantes nuances que merecem ser registradas, também havia um eixo projetivo em
torno do qual era construída a unidade do grupo e deste com o empresariado: a defesa de
importante papel, seja nas funções de planejamento, seja nos investimentos estratégicos.
Não era essa a única alternativa que se apresentava naquela quadra histórica. No
reproduzindo temas em voga desde a ascensão de Margaret Thatcher e Ronald Reagan aos
governos da Inglaterra e dos Estados Unidos. Grosso modo, tal alternativa, aplicada à
da tutela estatal (Sallum Jr. e Kugelmas, 1993, p. 281 e Sallum Jr., 1996, p. 82).84
Os neoliberais tinham uma sólida base social e uma numerosa audiência composta
Também tinha seus intelectuais, vários com passagem pelos governos militares. Em sua
Janeiro.
Foi para dar visibilidade e difundir essa alternativa que, em 1983, foram criados por
difusão da concepção de mundo liberal e seus valores: em primeiro lugar a primazia das
leis de mercado sobre a ação estatal, a liberdade como fundamento do estado de direito, a
Para marcar essa diferença, essas entidades não se apresentava como associações de
empresários e sim como associações civis, muito embora fossem empresários a maior parte
84
Sobre o neoliberalismo, ver a influente descrição traçada por Anderson (1995). Para a análise da política
neoliberal no Brasil, Boito Jr. (1999).
189
como Jorge Gerdau Johannpeter, participavam dos Institutos Liberais, mas a adesão
encontrada por essa corrente no meio empresarial era, nos seus primeiros anos, ainda
reduzida.
mas não é possível afirmar se a maioria (Cf. Cruz, 1995) – chegaram até mesmo a utilizar
aliança com os “economistas de oposição” foi soldada pelo documento divulgado pelos
O Documento dos Doze (Diniz et alli, 1983), como ficou conhecido, era assinado
por um conjunto respeitável de lideranças empresariais: Abílio dos Santos Diniz, Antônio
85
Dentre as empresas que contribuíram financeiramente com a entidade em 1989, estavam alguns dos mais
poderosos grupos econômicos do país. Com o Instituto Liberal de São Paulo, por exemplo, contribuem nove
grandes empresas estrangeiras em operação no Brasil (Alcoa Alumínio, Carrefour, Ciba-Geigy, Citibank,
Dow Química, Gessy Lever, Hoechst, Nestlé, e Rhodia) e quinze dos maiores grupos econômicos nacionais
(dentre os quais Bradesco, Banco Itaú, Banco de Crédito Nacional, Indústrias Villares, Paranapanema
190
Ermírio de Moraes, Cláudio Bardella, Jorge Gerdau Johannpeter, José Ermírio de Moraes
Filho, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Manoel da Costa Santos, Olavo Egydio Setúbal,
Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Fagundes Gomes. Várias desses lideranças eram
signatárias do Documento dos Oito, que tanto furor havia causado cinco anos antes (Moraes
et alli, 1978).
Embora menos conhecido que seu antecessor, o Documento dos Doze estabelecia
Assim como o Documento dos Oito, no novo texto os empresários afirmavam seu
reinstitucionalização do País”. Não eram feitas menções à sucessão presidencial, tema que
já era amplamente debatido. Mas a ausência pode ser creditada à tradicional prudência
demonstrada pelo empresariado quando o assunto eram os militares. Neste caso, mais
importante do que a ausência do tema é o que nele está explícito: o projeto anunciado pelos
empresários não era partilhado pelo governo. Era o projeto defendido pelos “economistas
de oposição”.
O novo projeto empresarial teve que esperar algum tempo para poder ser colocado
em prática. Foi apenas com a vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que os
veio a frustrar, em certa medida, esse programa. Dornelles, sobrinho de Tancredo Neves e
Frente Liberal (PFL), teria para acomodar interesses e projetos divergentes. A aliança era
uma solução conciliatória criada em uma conjuntura ainda marcada pela intensa agitação
política e social organizada por ocasião do movimento pelas Diretas Já. Sua constituição
procurava pôr um fim à crise política, bloqueando a ativação política das classes
linguagem codificada. Na primeira semana de maio, a Fiesp manteve uma audiência com o
programa econômico de José Sarney”, como narrou Vidigal Filho em palestra realizada na
Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, na semana seguinte (1986a, p. 85). O que o
industrial apoiava era o controle dos gastos públicos, por meio de um efetivo controle do
(Idem). Mas Vidigal não tinha acordo com a repressão à demanda e indicava suas
ocasião o empresário:
Neves.” (Idem.)
combativo movimento sindical, que retomava suas ações depois do refluxo vivido após a
Dornelles encontrou o apoio ao seu diagnóstico sobre a escalada inflacionária, mas uma
profunda oposição às terapias recessivas (Diniz, 1997, p. 57). Como antecipado por Vidigal
Filho, a retomada dos investimentos era considerada crucial pelos empresários para a
superação da crise.
Dornelles foi substituído pelo empresário Dilson Funaro, dono da Trol, ex-diretor da
alcançada e que a política econômica a ser estabelecida – já que ela não está
235% segundo o IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas, 264% para o ICV-Dieese. Não era
só a inflação que incomodava. A dívida externa havia atingido a marca de US$ 105,1
bilhões e a taxa de juros bruta real dos títulos federais chegou ao ápice da década: 9,9%
anuais. Por sua vez, as taxas de investimento, que indicavam as perspectivas de crescimento
empresários desejavam: 16% do PIB, um ponto abaixo do que o pior ano da recessão
passada.
194
como Plano Cruzado, com o objetivo de combater a inflação sem reduzir a taxa de
crescimento. Suas principais medidas eram a criação de uma nova moeda, o cruzado,
dos últimos seis meses como base de conversão; fixação do salário mínimo mensal em Cz$
800 (U$ 58); criação do seguro desemprego; e reajuste automático dos salários cada vez
majoritariamente, dos líderes industriais das federações industriais de São Paulo e Rio de
Janeiro. Nomes como os de Luiz Eulálio de Bueno Vidigal, Cláudio Bardella, Paulo
Francini, José Mindlin e Antônio Ermírio de Moraes, estavam desse lado das trincheiras.
manifestou o apoio às medidas adotadas, ao mesmo tempo em que afirmava que o êxito do
Plano dependeria do apoio popular e da canalização dos recursos do sistema financeiro para
preços tivesse uma curta duração (Cf. Costa, 2003, p. 122.) Mas os cuidados das
cada vez mais duras, juntamente com Henry Maksoud, que dos editoriais da revista Visão
abria fogo contra o que considerava ser um ataque contra a economia de mercado.
195
com o fim do mecanismo da correção monetária, viram esvair-se uma cômoda fonte de
rendas. Mas não era apenas o fim do “imposto inflacionário” que incomodava os
revista Exame: na primeira pesquisa divulgada após a edição do Plano, o governo foi
considerado excelente ou bom por 82,1% dos empresários entrevistados e o ministro Dílson
Funaro era considerado da mesma maneira por 94,1% dos empresários. Há, entretanto, uma
conformidade.
Cruzado reproduziu o estilo tecnocrático de gestão próprio dos governos anteriores. Todas
as afirmações a favor da união nacional e ao pacto social realizadas por Tancredo Neves
liderada por Dornelles, de feição ortodoxa, como os heterodoxos, chefiados por Funaro,
conclamando à mobilização e a sua defesa, este só tinha a oferecer como atrativo seus fins e
contenção da inflação e ao apoio popular que o Plano havia despertado em seus primeiros
momentos. Mas essa era uma base frágil para um compromisso engajado com o futuro da
descontentamento no meio empresarial (Diniz, 1997, p. 63). Mas quando a Fiesp, por meio
Para Vidigal Filho, tudo decorria das diferenças existentes entre a região Centro-Sul
empresas estão vendendo mais e não têm problemas de custo tão sérios como nós”,
afirmava (Vidigal Filho, 1986d, p. 34). Para o industrial, “a única posição estranha é a da
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, que também está sofrendo na pele problemas
A explicação para essa “posição estranha” adotada por muitos empresários era dada
logo a seguir pelo presidente da Fiesp: “estamos em ano eleitoral e temos cinco presidentes
demandas setorizadas e por contatos diretos com as diferentes esferas estatais, sem a
legislativas e estaduais.
197
o congelamento até depois das eleições para, a seguir, anunciar outra ampla reforma
econômica, conhecida como Plano Cruzado II. O novo plano econômico reajustava
alcoólicas, açúcar, leite e derivados. Ao mesmo tempo, aumentava a carga tributaria, criava
minidesvalorizações cambiais.
A reação da Fiesp ao novo plano foi imediata. Nas páginas da revista Indústria e
economia brasileira.” (Amato, 1986, p. 50.) Mas isso não o impedia de localizar aquilo que
congressual.” (Idem.)
Como esperado por Lorenzetti, a inflação reagiu às novas medias com um salto. Em
dezembro foi de 7,3%, passando a 16,2%, em janeiro de 1987 e 14,4% no mês seguinte. A
evidência de que o novo Plano não conseguiria cumprir seus objetivos levou os empresários
caminhos.
enviados a José Sarney por meio de uma carta assinada pelo presidente da Fiesp, e também
por Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo; Fábio
Queiroz, presidente do Sindicato dos Bancos do Estado de São Paulo; Flávio Telles de
O texto começava com um lamento, lembrando o apoio dado pelo “setor produtivo”
com paz social” haviam motivado esse apoio (Amato et alli, 1987, p. 4. Grifos meus).
meus)
fev. 1987, p. 14). As críticas ao governo eram mais atenuadas, como conviria a um senador,
mas o sinal estava dado. Dílson Funaro e sua equipe não resistiram muito mais à frente do
Ministério da Fazenda. Em abril de 1987, o comando da economia era assumido por Luiz
Não é lugar, aqui, de analisar as razões do fracasso do Plano Cruzado. Basta apontar
que tal fracasso se deve não só a razões econômicas como também à incapacidade
brecha aberta pela expansão do consumo e pelo aquecimento da atividade econômica para
empresários dessa corrente político-intelectual. Não eram apenas esses intelectuais que
partir de então, o empresariado se voltará para aquela que parecia ser a única alternativa
é o resultado de um conflito projetivo que se desenvolveu por vários anos, seguindo uma
que está muito longe da versão quimicamente pura preconizada pelos textos doutrinários de
Friedrich Hayek, Milton Friedman e James Buchanan ou mesmo pelos Institutos Liberais.87
começou a desenhar sua alternativa neoliberal. Mas também aqui essa alternativa não
aparecia acabada. Tome-se, por exemplo, a palestra proferida na Federação das Indústrias
do Estado de Minas Gerais, pelo presidente da Fiesp, Luís Eulálio Vidigal Filho. Ali ao
“constituição econômica”:
86
Segundo o Desep da CUT, ao longo do ano, houve 1.267 greves e um total de 8,3 milhões de grevistas, 4,5
milhões dos quais no setor privado.
87
Para o neoliberalismo como corpo doutrinário ver Moraes (2001) e Gros (2002).
201
do Estado. Aqui aparece o discurso liberal conhecido de todos. Mas é bom não se precipitar
deveria ter por objetivo a satisfação das necessidades humanas e o bem estar de todos,
direitos do trabalhador:
Grifos meus.)
discurso do empresário há uma demanda pela fixação dos limites da ação do Estado na
economia mas não uma supressão dessa ação. A questão é esclarecida em uma passagem
pela iniciativa privada, ou por motivos de segurança nacional. Mas não serão
nacional.” (Idem.)
anterior. O leitor atento, entretanto, deve ter notado que esse discurso é anterior ao fracasso
do Plano econômico de Dilson Funaro e sua equipe. E foi nesses debates que o
empresariado foi forjando sua nova alternativa, afastando-se, em certa medida, daquelas
diretrizes fixadas por Vidigal Filho apenas um ano antes (1986b, 1986e e 1986f).
Fiesp se engajou em uma luta corpo a corpo pela “permanência de um sistema onde impera
a mais ampla liberdade para a livre iniciativa”, nas palavras do diretor geral do Instituto
Roberto Simonsen, Ruy Martins Altenfelder (Apud Moreira, 1987, p. 4.) Essa luta se
burguesia industrial, comercial, agrária e financeira em torno desses princípios. Dois são os
momentos chaves.
27 de abril de 1987 (1987b). Em sua alocução, o presidente da Fiesp, define suas bandeiras:
No segundo, poucos dias após, era entregue aos poderes Executivo, Judiciário e
anteriormente aventadas por Amato, mas assinada também pelos presidentes da Associação
dos Bancos dos Estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e da
Vidigal Filho sobre a Constituinte (1986b, 1986e e 1986f). Mas há temas novos, como a
econômica da primeira metade do governo Sarney. Para muitos daqueles que tinham nos
88
Para o debate sobre a isonomia das empresas estrangeiras à época da Constituinte, ver Cruz (1997, cap. IV);
para a questão da desregulamentação, a posição de Ruy Martins Altenfender (Revista da Indústria, a. 1, n. 1,
set. 1987, p. 20-21) e Francini, (1987).
204
planejamento estatal. Por muitos, mas não por todos e, de qualquer forma, não da mesma
maneira.
205
Desenvolvimento Industrial (Iedi). A crise teve por efeito alimentar o surgimento de novas
1998) e Weyland (1998). Mas, além das raízes institucionais, é preciso perceber o contexto
1998). A reunião foi convocada com objetivo de debater as propostas a serem apresentadas
Uma nova reunião foi realizada poucos meses depois, com a presença do ministro
Luiz Carlos Bresser Pereira, que havia sucedido a Funaro. Desta vez, a oposição da
206
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) à organização desses empresários
foi forte. O presidente da Fiesp, Mário Amato, chegou a ser convidado para liderar o
evento, mas rejeitou a proposta, interpretando a reunião como uma disputa “pelo poder” na
entidade. As animosidades atingiram seu ápice quando Mário Amato destituiu, da diretoria
propostas mobilizadoras endereçadas aos empresários, como pessoas físicas, com o duplo
principalmente paulistas, mas não só. Entre elas merecem destaque pela sua importância
89
Ver Kingstone (1998) e Valente (2002).
208
1997, p. 1-4.)
lugar comum no final dos anos 1980 – da crise estrutural decorrente do esgotamento do
de 1940 e da ausência de um projeto alternativo para a década de 1990 (Iedi, s.d., p. 10).
think tank de política industrial. Como tal, ele não almejava representar o empresariado ou
uma parcela deste. Seu objetivo era elaborar uma política empresarial: “o objetivo da
criação do Iedi era ambicioso: promover estudos visando revelar as novas questões
cenário nacional. A Constituinte foi um espaço importante desse debate, mas, como foi
visto, a maior parte das frações da burguesia comparece nessa arena unificada em torno de
inflacionário, 1989 era, também, a ocasião da primeira eleição direta para a presidência da
Inácio Lula da Silva, que disputaram o segundo turno apresentavam-se como uma ruptura
O presidente da Fiesp, Mario Amato, renomado gafeur, fez história com a ameaça de fuga
Collor era a que restava como viável para derrotar Lula e afirmar um novo projeto
neoliberal. Essa não era, porém, a primeira opção do empresariado paulista, que preferia
políticos como Orestes Quércia e Mário Covas, além do sempre lembrado Antonio Ermírio
de Moraes.91
seus ataques fez da Fiesp um de seus alvos prioritários. Era natural que os industriais
paulistas resistissem a seu nome. Na pirâmide da Avenida Paulista, apenas Sylvio Tuma
Salomão, diretor presidente da Açotécnica e aliado de primeira hora, tinha trânsito livre
90
A reação da imprensa às declarações de Amato incomodaram profundamente o empresariado, que
partilhava com seu líder o temor. Na ocasião do debate realizado pelo Conselho Superior de Orientação
Política e Social (Cops), o empresário Manoel Gonçalves Ferreira Filho interrompeu a ordem inicial dos
debates para fazer a seguinte declaração: “não posso deixar de passar esta oportunidade de manifestar
solidariedade ao presidente Mário Amato. Sua Excelência não tem sido apenas um grande líder empresarial
como visão social, mas também um sustentáculo do Estado de Direito e da democracia no Brasil. Assim, não
merece ele a incompreensão dos meios de comunicação de massa, que não têm colocado suas observações no
devido contexto. Suas declarações, que refletem o bom senso e a experiência, fazem jus ao maior respeito e à
profunda meditação de todos os brasileiros.” (Apud Figueiredo e Figueiredo Jr., 1990, p. 166.)
91
Sobre as preferências do empresariado, ver a pesquisa encomendada pela Fiesp para definir o perfil do
candidato dos industriais – o Projeto Leader – em Figueiredo e Figueiredo Jr. (Idem, p. 157-164), bem como
o debate pré-eleitoral no Conselho de Orientação Política e Social (Cops) da entidade (Idem, p. 165-217).
210
Collor foi por que mantinha afinidade com seu programa e por que era esta a única que
aguda os últimos anos da década de 1980 e do equilíbrio das forças em presença, Collor
era, ao mesmo tempo, o chefe carismático que se colocava acima das classes e de suas
primeiras medidas tomadas pela equipe econômica do governo Fernando Collor para conter
agressiva por parte do Planalto, uma mudança de estilo. Atuando em nome da “vontade da
anunciavam os novos tempos.93 Collor não foi o primeiro a apropriar-se dessa tradição
delegativa no Brasil. Antes dele, o presidente José Sarney havia gerido a política
econômica – lembre-se, leitor, do Plano Cruzado, por exemplo – por meio de decretos-lei.
92
Ver a entrevista do empresário ao assessor da Fiesp Ney Lima Figueiredo (Idem, p. 151-156).
211
Mas a delegação recebida por Sarney era de um Colégio Eleitoral e, na verdade, sequer era
Eram os 35 milhões de votos obtidos o que dava legitimidade a Collor para deslocar
ocupado na política nacional. Nos últimos anos da década de 1980, a crise do Estado havia
parte, para a sociedade civil e seu poder de veto o centro da vida política. Os sindicatos e
sindicais e, com força inusitada, à Fiesp não eram apenas demagógicos. Eles estavam
comando da política.
(Vianna, 1991, p. 54). O fato da Fiesp, por intermédio de seu presidente Mário Amato, ter
explicitado seu apoio eleitoral a Collor no segundo turno das eleições não mudou a
situação. Os industriais não perceberam a princípio que o jogo estava mudando. Olavo
Setúbal, Antonio Ermírio de Moraes, Jorge Gerdau Johannpeter, José Mindlin e Cláudio
Bardella, tentaram indicar o nome de José Serra para o novo Ministério da Economia. Mas
cariocas, que apostaram nas relações pessoais e familiares com o novo presidente para
93
Para a conjuntura do curto governo Collor é insubstituível a minuciosa narrativa de Rodrigues (2000).
Escrito no calor dos acontecimentos, embora mais analítico que o anterior, está o livro de Vianna (1991) sobre
o primeiro ano do governo
212
colocar na mesa os nomes de Daniel Dantas, apadrinhado por Olavo Monteiro de Carvalho,
Mas para viabilizar seu projeto, Collor deveria se afastar desse tipo de pressões e
de Zélia Cardoso de Mello, uma até pouco desconhecida professora de História Econômica
atendia a esse propósito. Distanciada de pressões, a nova equipe econômica pôde atacar em
três esferas simultâneas e articuladas entre si: na primeira, o governo promoveu uma
desregulamentação financeira.94
neoliberalismo mobilizava forças sociais diferenciadas para cada uma das três esferas. Na
sociais, arregimentava um amplo apoio da maior parte das frações burguesas. Mas nas
esferas mais internas, o menor número de beneficiados implicava em uma apoio menor. A
análise dos conflitos entre as classes, suas frações e formas institucionais é, assim,
94
A metáfora dos círculos concêntricos da política neoliberal é desenvolvida por Boito Jr. (1999, p. 50-57).
Para uma análise bastante condescendente do Plano Collor ver Bresser Pereira (1996).
213
relação de forças entre as classes por meio da reorganização do capitalismo brasileiro. Era,
assim, uma política de confronto com as classes subalternas e, principalmente, com seu
ativo movimento sindical. Era, ao mesmo tempo, uma política de reconfiguração da própria
governo anunciava uma política industrial na qual a competição comercial, criada pela
(Sindmaq), foi um dos que se mostrou preocupado: “Não estamos preparados para competir
com o mercado externo”, afirmou. Segundo Michielin, “se houver uma redução das
tarifários e cambiais como base de uma política industrial, ao mesmo tempo que eliminava
organização da produção e da gestão do trabalho” (Apud Baptista, 1993, p. 238). Com esse
alíquota modal de 35%, com uma amplitude de 105%, chegaria a 20% em 1994, com uma
promovido na década de 1970 uma radical política de redução tarifária que resultou em um
José Mindlin, a abertura ao exterior apontava “na direção correta”, mas ponderava: “O
importante é que o governo não baixe as tarifas de uma hora para outra para que não se
de 1992, o governo pretendia criar as condições básicas para a viabilização dessa nova
310-318).
Há nessa nova política econômica, nas articulação de suas três esferas, um aparente
esvaziamento das funções estatais Estado e revalorização do mercado, é levado a cabo por
um Estado que para tal deve maximizar suas funções políticas e mesmo econômicas.95 A
mercado e sim por um ato de força levado a cabo pela única instituição que tem o
O paradoxo é apenas aparente porque ele é derivado do erro teórico que consiste em
distinguir radicalmente o Estado de sociedade civil. “Na prática, a teoria é outra”, diz a
automática das leis do mercado. Para transformar essa vontade em prática política torna-se
95
Ver, por exemplo, a discussão sobre o “paradoxo ortodoxo”, em Haggard e Kaufman (1993).
216
A distinção metódica entre sociedade civil e Estado levou muitos analistas a apagar
insulada. Mas mesmo afastado do aparelho governativo e dos círculos internos de decisão
Assim, em agosto de 1990, a Fiesp divulgou o livro Livre para crescer, no qual
sintetizava sua proposta para a discussão. O livro era o resultado de debates realizados entre
intelectuais convidados. A lista da equipe mostra quão longe estava o tempo da aliança com
os “economistas críticos”. A equipe responsável pelo livro havia sido coordenada por Maria
Evaristo Teixeira Lanzana, Carlos Alberto Longo, Celso Luiz Martone, Eduardo Giannetti
da Fonseca, Guilherme Leite da Silva Dias, José Pastore e Simão Davi Silber.
cotejar o texto da Fiesp com o livro, publicado poucos meses antes sob os auspícios do
Yoshiaki Nakano, o livro é muito mais contido em suas propostas liberalizantes do que
aquele patrocinado pelos industriais. Estranha alteridade, pois era justamente o comércio
217
quem menos tinha a perder e mais a ganhar com essa abertura e a indústria quem possuía as
verificarmos que os autores da obra patrocinada pelo Grupo Pão de Açúcar são, em sua
A comparação foi apontada aqui não para desenvolve-la, mas porque ela permite
alertar o leitor para o fato de que não há uma identidade absoluta entre os intelectuais
orgânicos e aqueles que estes deveriam representar. A relação desses intelectuais com as
classes e frações de classe são mediadas pelas posições que ocupam nas superestruturas das
quais eles são “funcionários” (Cf. Gramsci, 1977, p. 1518). É necessário avançar, pois com
cuidado nos parágrafos seguintes que analisarão o projeto apresentado em nome dos
industriais.
Como narrado na apresentação assinada por Mario Amato ao projeto publicado pela
Fiesp, essa era a segunda vez que a entidade procurava responder à crise do modelo de
naufragou por total ausência de consenso interno. Os tempos, entretanto, eram outros, e
96
A lista de consultores é a seguinte: Adroaldo Moura da Silva, Alkimar Ribeiro Moura, Antôno Augusto de
Mesquita Neto, Antônio Barros de Castro, Décio Kadota, Edmar Bacha, Fernão Bracher, Francisco Lopes,
Guilherme Dias da Silva, José Roberto Mendonça de Barros, José Tavares de Araújo Júnior, Luiz Carlos
Bresser Pereira, Marcos Cintra de Albuquerque, Mario Henrique Simonsen, Paulo Nogueira Batista, Paulo
Rabello de Castro e Regis Bonelli.
218
Como projeto hegemônico restrito ele é voltado à construção da unidade interna das
diferentes frações da burguesia em torno de um modelo. Nada que permita pensar em uma
capacidade da burguesia dirigir outros grupos sociais na construção desse projeto aparece
presente trabalho. Quem quer que compare o livro de 1990 com o discurso de Vidigal Filho
(1986b) sobre a Assembléia Constituinte em 1985 não pode deixar de ficar impressionado.
Haviam se passado apenas cinco anos entre um e outro, mas a distância era abissal. Em
grande medida, muitas das opiniões tratadas em Livre para crescer eram as mesmas que
era partilhada. Os acordos iam além e se situavam nas próprias causas da crise, o
Pode-se dizer que naquele ano de 1990, poucos seriam os que discordariam daquele
diagnóstico, muito embora os houvesse. Mas é de se notar que concordar com a diagnosis
não implicava para muitos a mesma prognosis. Não é o caso aqui. Tanto o governo como o
Parte II).
fim do monopólio estatal para os serviços públicos (“liberdade de escolha”) (Idem, p. 116).
privatização, assim como a valorização máxima dos ativos a serem privatizados, exige a
presença de todo capital interessado, seja nacional ou estrangeiro.” (Idem, p. 119.) Cabe
mercado de trabalho, onde o Estado deveria intervir fixando unicamente o valor do salário
estrutura produtiva do país: “associada à diminuição dos níveis médios de proteção nas
vendas ao mercado interno, à eliminação das restrições não tarifárias e à redução drástica
para a abertura comercial, poderia indicar uma resistência prática por parte da entidade
econômica do governo Collor. Mas as frentes de atrito com o governo persistiam e eram
consideráveis e se fizeram sentir desde março de 1990. O bloqueio de 70% dos ativos
financeiros do setor privado logo no primeiro dia do mandato de Collor alimentou parte
desses atritos; o congelamento dos preços, outra parte. Na imprensa, Mario Amato e Paulo
acusados de crime contra a economia popular (Exame, 4 abr. 1990, p. 22-23). Mas,
realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo (27 mai. 1990, p. Política-8), com quarenta
grandes empresários mostrava que a esmagadora maioria estava otimista com relação a ele
221
e dispostos a apoiá-lo. Apenas dois dos entrevistados consideravam que o Plano faria água
Mas quando a nova política industrial foi anunciada, começaram a se ouvir vozes
(Abimaq), Einar Kok, foi a das mais fortes, alertando para os riscos que uma abertura do
mercado poderiam trazer para a indústria nacional (O Estado de S. Paulo, 27 jul. 1990, p.
autopeças. Cada setor apresentava suas demandas específicas. Para Edmundo Klotz,
deveria estabelecer “um sistema de tarifas caracterizado por uma graduação, de forma a se
poder contemplar, com uma tarifa menor, a matéria prima, e com tarifas maiores os
produtos industrializados.” (Klotz, 1990.) A demanda por uma maior redução das tarifas
Automotores (Sindipeças), Pedro Eberhardt, por sua vez, alertava para a necessidade de
importados por vezes recebem em seus países de origem, nem sempre compensados pelas
222
alíquotas fixadas pelo governo, o que torna a concorrência – nesse caso – desleal e
sinalizar onde pretende investir e onde o setor privado poderá atuar”, afirmava Paulo
Cunha, presidente do Iedi e do Grupo Ultra (Exame, 25 jul. 1990, p. 20). No documento
Mudar para competir, divulgado pelo Iedi em junho, ficava claro que para a entidade, a
economia. Para o Instituto, o Estado deveria atuar menos nas atividades produtivas, mas
A voz do Iedi repercutia demandas que eram mais fortes, principalmente, nos
indústria de bens de capital, teve na ocasião apenas 48% de sua capacidade em utilização, o
respectivamente.
ambiente político e econômico que restabelecesse a normalidade nos negócios. Não eram
ao Plano Collor chamou a atenção dos observadores mais atentos. A ausência de reação era
apoio do empresariado ao governo. Passado o choque inicial dos meses de março e abril, a
224
Clube Pinheiros em São Paulo, para homenagear as lideranças empresariais do ano, que o
distanciamento entre empresários e o governo começou a ficar mais nítido. Até então, eles
Mas a volta da inflação e os indícios de uma recessão mudaram os humores. Collor, como
de hábito, não percebeu nada e manteve o estilo agressivo em seu discurso na solenidade,
continuar a ter as taxas de rendimento mais altas do mundo”, vociferou (Exame, 19 set.
1990, p. 31).
para suportar mais uma acusação. O presidente havia comparecido ao evento acompanhado
de três ministros – Zélia Cardoso de Mello, Ozires Silva e Bernardo Cabral – do secretário
Homem de Carvalho; e do porta-voz, Cláudio Humberto Rosa e Silva. Era um claro sinal
da importância dada ao contato com o empresariado. Mas com seu discurso, ao invés de
Antonio Ermírio de Moraes não vestiu o chapéu das altas taxas de rendimento e o
97
Partindo de um índice de produção industrial de 82,4 em abril de 1990, de acordo com as séries históricas
225
empresas. Mas não torçam para que os bancos quebrem ou tenham prejuízos, pois a
economia brasileira não sobrevive sem os bancos”, ameaçou. E Abílio Diniz, do Grupo Pão
Plano Collor, pois não houve tablita, o que provocou uma transferência de renda muito
A equipe de Collor não deixou por menos e voltou à carga contra o empresariado,
Amato reagiu afirmando que “os empresários apoiaram Collor e o seu plano, que prometia
inflação zero e juro baixo. Os empresários acreditaram e investiram e a coisa deu errado.”
A temperatura subiu ainda mais quando Antonio Ermírio de Moraes insinuou, logo
Brasil: “não posso dizer que no governo só tem ladrões, porque é injustiça, embora tenha
ladrões no governo, mas não são todos” (Apud Rodrigues, 2000, p. 128). O governo reagiu
um amplo leque de informações das maiores empresas do país, muitas das quais já de posse
do governo, enquanto outras, como o nome e os endereços dos parceiros comerciais, não
ainda mais tensas, até que, em meados de janeiro de 1991, o Planalto tentou uma
Mello, reuniu-se com dez empresários, para captar sugestões para o Programa de
Iedi (Folha de S. Paulo, 22 jan. 1991, p. 2-3). Apesar dos protestos, os empresários se
mostravam otimistas com a nova postura do governo. Segundo Walter Sacca, diretor do
produtivo e profícuo. Trabalhar com a sociedade é melhor do que errar sozinho” (Gazeta
Collor II. O novo pacote congelava preços e salários, reajustava as tarifas, desindexava os
preços e unificava as datas base dos dissídios dos trabalhadores. Tudo o que o empresariado
Senhor, 13 fev. 1991, p. 22). A nota redigida pela entidade era cautelosa e Mário Amato,
gato escaldado, ainda mais: “Após combativas conversas estamos fechados com a idéia de
227
que, por princípio, somos contra o congelamento, mas não é hora de discussão se o plano é
válido e sim de colaborar para que ele dê certo”, afirmou relatando a reunião (Idem).
empresariado já dava sinais de que não tolerava mais essa gestão econômica. Nenhuma das
cumprido. Mas mesmo esta se processava em contexto que não era aquele esperado pelo
empresariado. O que já fazia aparecer as primeiras críticas diretas. Dentre essas vozes
Foi só com a queda de Zélia Cardoso de Mello e a posse do novo ministro, Marcílio
declarações. Para Abraham Kasinski, do Iedi, “Daqui para a frente o empresariado poderá
tem um diálogo mais amplo com o governo.” (Exame, 15 mai. 1991, p. 24). Na mesma
228
que sai começava a adquirir a experiência que lhe faltava no início, mas a que entra, com
de Uso
150
140
130
120
110
100
90
80
70
60
50
1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992
Bens de capital 142,6 114,9 97,9 79,1 90,7 102,0 124,3 122,1 119,5 119,9 101,3 100,0 93,1
Bens intermediários 96,7 85,9 88,4 86,3 95,1 102,0 110,6 111,8 109,4 112,1 102,3 100,0 97,6
Bens de consumo 89,7 86,2 88,8 85,1 85,4 93,1 103,4 103,5 99,9 103,5 98,0 100,0 94,6
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Indústria, Pesquisa Industrial Mensal: Produção Física 1975-2000.
desempenho da economia durante todo o ano de 1991, apesar das expectativas iniciais não
8,2% no PIB industrial. E o ano de 1991, terminou com um índice de -1,8%. No pior dos
mundos possíveis, a recessão não havia colocado sob controle a inflação, que encerrou o
229
Getúlio Vargas.
visíveis já no ano de 1991, foi ainda mais significativo por que se manifestou sobre uma
produção física anual durante o período de 1980 a 1992 a indústria de bens de capital
arrochou sua produção em mais de um terço. Caminho similar foi seguido pela indústria de
bens duráveis, que reduziu o volume da produção em 13,5% (ver Gráfico 11).
1992. Estimaram que a inflação ficaria entre 250% e 450% e previram, em sua maioria, um
crescimento zero no PIB e nas vendas de suas próprias empresas com relação a 1991.
inflação deve cair, mas a um custo social muito grande, e ainda assim continuar maior do
que nós e o próprio governo gostaríamos que fosse.” A conclusão de Jeha não era nada
otimista. A meta do empresariado em 1992 deveria ser sobreviver. “Quem conseguir isso,
Sobreviver era algo que parecia impossível para muitos empresários. A combinação
dessa política recessiva com a abertura comercial teve um impacto extremamente negativo
era, entretanto, agravado pela recessão existente. Quando a Fiesp discutiu a questão em
O governo, entretanto, não parecia muito sensibilizado pela questão. Dois eram os
Baptista, 1993). Quando em fevereiro de 1992, o governo decidiu antecipar em seis meses
o cronograma de redução das tarifas em meio a uma profunda recessão ficou mais do que
das industrias. Ocupando posições de destaque nas entidades, desde a histórica eleição que
conduziu Luiz Eulálio Vidigal Filho pela primeira vez a presidência, Ferreira conhecia
como poucos o funcionamento da máquina. Mas sua candidatura não era consensual.
Desde maio de 1991, um influente grupo de empresários passou a se reunir cada vez
Paulo Cunha, Paulo Francini e Eugênio Staub, todos do Iedi, estavam entre os
quais vários associados do PNBE, como Adauto Ponte, também presidente do Sindicato da
em 1989, por ocasião da reeleição de Mario Amato, Emerson Kapaz, Oded Grajew e outros
associados do PNBE haviam levantado a bandeira das eleições diretas na Federação, onde
Clube Nacional defendiam que as eleições na Federação fossem antecipadas pelas eleições
no Ciesp, para que a votação das empresas influenciasse posicionamento dos sindicatos.
Pesava contra Ferreira o fato dele, não ser considerado um industrial por muitos de
seus pares. Acionista minoritário de uma empresa prestadora de serviços por intermédio de
concessão estatal, o vice-presidente de Amato era visto com desconfiança por seus pares,
Amato não aceitou o convite e um estranho debate teve lugar: Roberto Simonsen foi
eleito por um colégio de sindicatos ou pelo voto direto das empresas? Amato afirmou que
em 1931, Simonsen havia sido escolhido pelos sindicatos, o que comprovava que as
eleições diretas não só produziam bons resultados, como faziam parte da cosmogonia
industrial. Os empresários do MRI afirmavam que Simonsen havia sido eleito pelo voto
direto das empresas no Ciesp, fundado em 1928 e que a eleição da Fiesp em 1931 havia
associações de classe industrial existentes ou que venham a existir no Estado de São Paulo”
(Fiesp, 1934, p. 3). A Federação era “administrada por uma directoria e por um Conselho
geral era a reunião de todos os sócios, o que contemplava, portanto, as indústrias associadas
(Idem, p. 13).
a sua interpretação dos estatutos em vigor. Para rejeitar a proposta de antecipação do pleito
da Fiesp, Amato recorreu aos estatutos. Segundo ele, deveria alterá-los para mudar a data
dos pleitos. Mas Nildo Masini, que estava com o texto em mãos esclareceu a questão: a
definição das datas das eleições era prerrogativa do presidente e não havia nada que a
impedisse, a não ser a própria vontade de Amato (Folha de S. Paulo, 1 dez. 1991, p. 7).
Amato eram fortes. Argumentava que a antecipação do pleito do Ciesp poderia dar um
poder excessivo às pequenas e médias empresas. E fazendo jus a sua fama de frasista
que a decadência do esporte havia começado quando os clubes pequenos entraram para a
direção dessas entidades. Amato também comparou a eleição na Fiesp às realizadas para a
presidência da República argumentando contra o voto direto: “Não sei se o voto direto é a
salvação do país. Tivemos uma eleição: um teve 35 milhões de votos, o outro quase isso e,
hoje, você faz uma avaliação e não sabe se votou bem ou mal.” (Idem.)
234
noticiava que Kapaz estava interessado em concorrer com Ferreira à sucessão da Fiesp:
“Estou estudando esta possibilidade desde que haja uma conjugação de forças empresariais
neste sentido”, afirmou na ocasião (Jornal do Brasil, 8 jan. 1992, p. 11). A “conjugação de
declarou que “veria a candidatura de Kapaz com bons olhos.” Ao lado de Kapaz também se
A oposição foi reforçada por uma pesquisa publicada em janeiro de 1992 no jornal
O Estado de S. Paulo (25 jan. 1992, p. Economia-1 e 5). A pesquisa revelava a força da
candidatura de Moreira Ferreira na Fiesp, com o apoio de mais da metade dos sindicatos.
Mas no Ciesp, Moreira Ferreira era indicado como preferido apenas por 21,5% dos
Emerson Kapaz e Paulo Francini. A pesquisa também revelou que Nildo Masini, apesar de
ter lançado informalmente sua candidatura, perderia de Moreira Ferreira tanto na Fiesp
como no Ciesp.
resultados pareceram contraditórios. As eleições diretas para a Fiesp eram defendidas por
69,6% das empresas e 59,1% dos sindicatos, mas 61,3% das empresas e 68,2% dos
sindicatos achavam que as eleições para o Centro e a Federação deveriam ser simultâneas,
ao contrário do defendido pela oposição. Outros temas foram abordados pela pesquisa,
dentre eles é importante destacar a abertura da economia: para 41,4% das empresas e 38,6%
dos sindicatos, a abertura da economia deveria ser total; mas 39,6% das empresas e 45%
235
dos sindicatos reivindicaram proteções setoriais e 15,1% das empresas pediram proteção
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Moreira José Ermírio Emerson Paulo Pedro Eugênio Paulo
Nildo Masini
Ferreira de Moraes Kapaz Francini Eberhardt Staub Cunha
Ciesp 21,5% 61,3% 39,8% 28,0% 21,5% 20,4% 19,9% 15,6%
Fiesp 52,3% 36,4% 29,5% 22,7% 22,7% 15,9% 15,9% 11,4%
peso das eleições para uma ou outra entidade de acordo com seus cálculos eleitorais. Assim
beneficiava a situação. Dentre os 121 sindicatos filiados, havia oito do setor de vestuário e
Paulo, com seis empresas filiadas e escolhido para vilão pela oposição e pela imprensa, que
insistentemente o citava.98
diretorias dos sindicatos e com a realização de prévias entre os filiados das entidades de
primeira ordem. A própria definição da data da eleição passou a ser tema de disputa. Se as
eleições fossem realizadas em agosto, como em 1980, 65% dos sindicatos realizariam suas
fossem em julho, a percentagem de eleições sindicais cairia para 53%, o que beneficiaria a
Kapaz lançava sua candidatura à presidência da Fiesp e do Ciesp em uma almoço com 36
apoiadores no Clube Nacional. O candidato oposicionista era engenheiro civil com pós-
Avenida Paulista, Kapaz já estava no rol das lideranças empresariais nacionais listadas pelo
98
Os sindicatos eram os seguintes: Sindicato da Indústria da Alfaiataria e de Confecções de Roupas de
Homem; Sindicato da Indústria de Camisas para Homem e Roupas Brancas; Sindicato da Indústria de
Chapéus; Sindicato da Indústria da Confecção de Roupas e Chapéus de Senhoras; Sindicato da Indústria de
Guarda-Chuvas e Bengalas; Sindicato da Indústria de Luvas, Bolsas e Peles de Resguardo; Sindicato da
Indústria de Malharia e Meias; e Sindicato das Indústrias do Vestuário de Ribeirão Preto (Fiesp, 1987).
237
do país. Pelo seu peso, a Fiesp deveria ter uma voz muito mais forte do que tem hoje.
confrontos da Fiesp com o governo durante a gestão de Mario Amato teriam sido estéreis:
responder e criticar o tempo inteiro. Significa costurar uma parceria construtiva, elaborar
propostas e fazer com que o governo escute e possa até adotar essas propostas” (Idem).
Moreira Ferreira não estava tão distante assim desse diagnóstico.99 Para o candidato,
situacionista, tecendo críticas pontuais a Amato: “Há muitos erros” – afirmou. “O principal
presidente da casa. Eu já disse para o Mário Amato.” (Idem.) Apresentava-se, assim, como
dessa maneira pelos seus eleitores (O Estado de S. Paulo, 25 jan. 1992, p. Economia-5).
99
Segundo Peter Kingstone, os candidatos difeririam em apenas uma área crítica: como modernizar as
funções do Ciesp e da Fiesp (1999, p. 145). Como será visto a seguir, esse autor subestima as diferenças
projetivas existentes.
238
representatividade”, como gostavam de afirmar. Mas esse não foi o único tema que se fez
o país. É fragmentado, porque não apareceu de modo sistemático sob a forma de programa
acabado. Ele se manifesta nos discursos, nos artigos publicados na imprensa e nas
receberam para publicar seus programas na seção Tendências e Debates do jornal Folha de
S. Paulo (23 fev. 1992, p. 3), é o candidato da oposição quem leva a melhor. O ponto de
partida de seu artigo foi a constatação de que o país estava “sem rumo”:
1992a.)
239
empresários assumissem seu papel de “articulador de um novo rumo ao país”. Para tal, seria
necessário manter a independência perante o governo e estabelecer com este uma relação
Expressando os novos temores dos industriais com os rumos tomados pela abertura
governamental:
processo. Não podemos correr o risco de, sob o pretexto enganoso de uma
interno por meio de uma política de rendas, parte do ideário do PNBE (Grajew, 1991 e
competitividade do país:
(Idem.)
indústrias, prometendo ampliar a representação dessas empresas junto aos poderes públicos.
Duas eram as diretrizes apresentadas por Moreira Ferreira: uma ação política, voltada a
uma rede de serviços prestados pelo complexo Fiesp-Ciesp, voltados para elas (Idem.).
Poucos dias depois, Kapaz voltou à carga, atacando o texto de Moreira Ferreira no
mesmo jornal. Segundo o representante da oposição, seu contendor havia publicado no dia
confronto de idéias e o debate em torno dos grandes temas que afetavam o empresariado
(1992f). O texto de Moreira Ferreira, entretanto, estava longe de ser ingênuo. Apontado
como favorito nas eleições para a Fiesp, o candidato da situação procurava agora o votos
uma imagem pública de moderação. Kapaz, por sua vez, estava empenhado em se
“Renovação sem Contestação” – não era o mesmo de Kapaz, que procurava afirmar lado-a-
lado a renovação e a contestação. Os tempos, é claro, eram outros. Em 1980, a crise era
visível no horizonte, mas para a maioria dos industriais, ainda poderia ser evitada. Em
241
1992, a crise era uma realidade na qual o país estava submerso – apesar das emersões
subalterna e sua transformação em classe dirigente. Era nessa perspectiva que a questão da
democratização das entidades patronais eram condições para que o empresariado exercesse
representatividade era chave para que a Fiesp fosse “o grande fórum de discussão de
citados, ganhou o apoio de Paulo Setúbal Neto (Duratex), Jacques Rabinovich (Grupo
Vicunha), Eugênio Staub (Gradiente), Abraham Kasinski (Cofap), todos do Iedi, além de
Sérgio Mindlin (Metal Leve e PNBE) e de Nildo Masini (Ipiranga Aços Especiais).
Paulista haviam dela se afastado no final dos anos 1980: PNBE e Iedi. Enquanto o primeiro
introduzia na pauta empresarial a expansão do mercado interno por meio de uma política de
primeiro do capital produtivo: realizar mais gastando menos, para lucrar mais.” (Kapaz,
1992c.)
Para lucrar mais a receita seria ampliar o mercado e a participação dos salários na
governamental, pela geração de emprego, pela queda da inflação e, pela “negociação e pelo
interdependentes. Até este ponto é o discurso do PNBE que é anunciado.100 Mas há uma
empregos.” (Idem.)
100
A respeito da concepção das relações capital-trabalho do PNBE, ver Bianchi (2001, p. 103-127).
243
bandeira do Iedi, era para Kapaz uma prioridade. O tema foi desenvolvido em uma artigo
publicado no jornal Gazeta Mercantil em abril daquele ano (Kapaz, 1992d). A escolha do
Debates da Folha de S. Paulo, com aqueles que vão para as páginas do caderno de
discurso apela para os valores democráticos, conclamando o debate, é nos outros dois
veículos que o candidato se dirige aos seus pares e o projeto hegemônico é apresentado de
O programa apresentado por Kapaz nessa ocasião era uma versão da política
econômicas era bastante claro. Para o oposicionista o governo estava trabalhando com o
Segundo Kapaz, “a abertura da economia brasileira não pode ser buscada como um
novos tempos. Para uma nova política seria necessário definir como alvo principal a
“competitividade sistêmica”.
bem como uma política fiscal que deixasse de penalizar os investimentos e onerar os custos
das empresas, ou seja, aquilo que o Iedi denominava de “finanças industrializantes” (Iedi,
estavam haviam estado à altura desse programa. Segundo Hélio Mattar, coordenador do
deixar claro que a abertura deve ocorrer, mas desde que no momento certo,
levantaram à abertura de mercados, quando ela foi lançada em 1990 (Cf. Capítulo 11), e as
que aqui são apresentadas. Depois de dois anos, já eram evidentes seus efeitos na indústria.
A análise setorial permite ver a dimensão da retração industrial (ver Tabela 8). Com a
mineral, todos os demais viram sua produção cair. As quedas mais acentuadas foram
importações.
Mas a relação dos empresários que se articulam na chapa de oposição para a Fiesp e
o Ciesp com o projeto neoliberal era, entretanto, mais complexa do que suas críticas à
abertura do mercado poderiam dar a entender. Ao mesmo tempo em que era reivindicado o
próprio Emerson Kapaz, defendeu, durante a campanha eleitoral, a redução dos encargos
da MGM, que tinham feito parte do PNBE ao lado de Kapaz mudaram de lado e aderiram à
candidatura de Moreira Ferreira faltando apenas cinco dias para a inscrição das chapas.
Foram acompanhados por outros empresários, num total de vinte, que em maio declararam
seu apóio a Moreira Ferreira. Em troca do apoio desses industriais, o candidato da situação
esse grupo e promover mudanças nos estatutos das entidades (O Estado de S. Paulo, 7 mai.
1992, p. 5).
afinal não houve resposta e nós também acabamos considerando quem tinha chances reais
dia 20 de maio permite uma definição mais precisa das frações presentes e das forças que
elas mobilizam. Para um registro mais acurado, optou-se por fazer o levantamento da
composição das diretorias executivas de ambas as chapas para a Fiesp e o Ciesp, bem como
na Chapa 1, liderada por Moreira Ferreira e 48 na Chapa 2, com Emerson Kapaz à frente.
Em apenas dois casos, ambos da Chapa 2, não foi possível identificar a empresa dos
candidatos. A discrepância dos números se explica pelo fato de haver uma maior
Moreira Ferreira, com oito diretores, contra apenas um da chapa de Kapaz. As divisões de
mais detalhada. Para isso verificaremos a representação dos grupos e o tamanho das
empresas representadas.
101
No cap. 7 foi foram registrados apenas os membros das diretorias executivas da Fiesp.
248
Divisão Econômica
Código Divisão Nº de Nº de
CNAE diretores diretores
Chapa 1 Chapa 2
11 Extração de petróleo e serviços correlatos 0 1
15 Fabricação de produtos alimentícios e bebidas 5 8
17 Fabricação de produtos têxteis 4 2
18 Confecção de artigos do vestuário e assessórios 2 3
19 Preparação de couros e fabricação de artefatos de 1 0
couro, artigos de viagem e calçados
20 Fabricação de produtos de madeira 0 2
21 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 8 1
22 Edição, impressão e reprodução de gravações 3 0
24 Fabricação de produtos químicos 7 4
25 Fabricação de artigos de borracha e plásticos 5 0
26 Fabricação de produtos de minerais não-metálicos 3 1
27 Metalurgia básica 1 3
28 Fabricação de produtos de metal – exclusive máquinas 1 2
e equipamentos
29 Fabricação de máquinas e equipamentos 5 6
30 Fabricação de máquinas para escritório e equipamentos 1 1
de informática
31 Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos 4 0
32 Fabricação de material eletrônico e de aparelhos e 3 1
equipamentos de comunicações
33 Fabricação de equipamentos de instrumentação 1 0
médico-hospitalares, instrumentos de precisão e
ópticos, equipamentos para automação industrial,
cronômetros e relógios
34 Fabricação e montagem de veículos automotores, 8 7
reboques e carrocerias
36 Fabricação de móveis e indústrias diversas 3 4
40 Eletricidade, gás e água quente 1 0
45 Construção 2 0
63 Atividades anexas e auxiliares do transporte e agências 0 2
de viagem
Total 68 48
249
Apenas esta última, a Lorenzetti S/A, encontrava-se entre as 6 mil maiores empresas do
Brasil, segundo dados de Visão: Quem é quem na economia brasileira 1991 e do Balanço
Fogões – faziam parte da lista das 6 mil maiores empresas do país de acordo com as
(código 34.2); cinco do grupo de peças e assessórios (código 34.4); e uma recondicionadora
de motores (código 34.5). Quatro das empresas estão entre as 500 maiores do pais e apenas
autopeças (código 34.4). Cinco empresas da divisão estão entre as 500 maiores e apenas um
250
entretanto, é também na chapa da oposição que o peso desta divisão é mais forte.
preferida das empresas estrangeiras: sete candidatos (10% do total) eram executivos de
empresas multinacionais. Uma dessas empresas era fabricante de máquinas para escritório e
de pequeno porte.
número de empregados, revelam que a chapa da oposição tinha uma maior presença das
representadas na chapa da situação, localizadas entre as mil maiores do Brasil seis delas,
102
Algumas empresas (duas da Chapa 1 e quatro da Chapa 2) que não haviam mandado informações de seu
balanço anual para a Visão, o fizeram para a Gazeta Mercantil. Os valores do patrimônio líquido, devido a
metodologia de correção eram diferentes, mas não alteravam o posicionamento das empresas. Assim como no
capítulo 7, as empresas que não constavam em ambas as publicações foram consideradas como se estivessem
abaixo da posição 6 mil e computadas para os cálculos percentuais. Mas as mesmas empresas não foram
computadas para a distribuição por número de empregados devido à maior distorção que isso poderia
provocar no levantamento. A classificação de acordo com o patrimônio líquido é, portanto, mais precisa do
que por número de empregados.
251
45% 42%43%
40%
35%
31%
% de Empresas
30%
25%
25%
20% 18%
15% 12%
9%
10% 7%
4% 3% 2%
5% 1% 2% 1%
0% 0%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-
Posição
Fonte: Visão. Quem é quem na economia brasileira 1991 e Balanço
Chapa 1 Chapa 2
Anual Gazeta Mercantil 1991.
empresas representadas é complementada, como foi visto no caso das eleições de 1980, por
uma análise qualitativa que indique a ocupação dos postos chaves nas entidades. Para as
eleições de 1992, optou-se comparar as posições que concentram maior poder na estrutura
Ciesp que os cargos são indicados, o que nos permitiria comparar a chapa vencedora, para a
qual há informações sobre a composição na Fiesp, com a chapa derrotada, para o qual essa
pequeno porte) do que na chapa da situação (três empresas, duas de pequeno porte).
Quando os resultados desse levantamento qualitativo são cruzados com os dados referentes
ao desempenho industrial após a abertura de mercado, constata-se que a chapa liderada por
Por sua vez, a chapa de Moreira Ferreira, contava, proporcionalmente, com um número
maior de empresas com fortes laços com o mercado externo – como a divisão de papel e
35%
29%
30%
25%
% de Empresas
22%
20%19%
20%
17%
16%
15%
15%
10% 10%10% 10%
10%
6% 6%
5%
5% 3% 2%
0%
1-500 500-1000 1001-2000 2001-3000 3001-4000 4001-5000 5001-6000 6000-
Empregados
Fonte: Visão. Quem é quem na economia brasileira 1991 e Balanço
Chapa 1 Chapa 2
Anual Gazeta Mercantil 1991 .
corporativa no interior de cada uma delas. Aqui não há lugar a dúvidas, a chapa de Moreira
Ferreira era a que aglutinava a maior parte dos representantes de sindicatos patronais. Na
253
inscrição das chapas, no dia 20 de maio, ficou claro que a maioria dos sindicatos estava
mesmo com a situação. Somente entre os candidatos de sua lista, Moreira Ferreira havia
garantido 58 dos 62 votos sindicais necessários para sua eleição na Fiesp. Kapaz ironizou:
(Isto É, 22 jul. 1992, p. 52.) Mas não havia muito que a ironia pudesse fazer contra o bruto
clube Monte Líbano para homenagear o ministro Marcílio Marques Moreira. Collor
compareceu ao evento procurando capitalizar para seu governo o apoio ao ministro. Mas o
empresariado reagiu. “Este não é um jantar de apoio ao presidente. Apesar das restrições à
103
Sobre a preocupação da burguesia com as dimensões estratégicas da crise ver Cruz (1997a, p. 413-414).
254
política recessiva, Marcílio deve ser preservado no meio desse tiroteio”, afirmou Kapaz na
Uma pesquisa realizada pelo jornal Folha de S. Paulo durante o jantar mostrou ao
presidente a dura realidade: 94% dos empresários apoiava Marcílio e 63% não estavam
com o presidente Collor. Poucos dias depois, Mario Amato sintetizou em um artigo na
isso, como acontece nas nações do Primeiro Mundo, o País não pode parar,
(Amato, 1992.)
A crise politizou o debate eleitoral na Fiesp e no Ciesp. Kapaz não deixava passar
nenhum escorregão de Amato, já em campanha aberta para eleger seu sucessor. Em maio,
Amato havia dado início a uma série de intervenções desastradas na crise, com a afirmação
“todos temos um Pedro na família. É uma briga de família.” (Gazeta Mercantil, 26 mai.
1992, p. 4.). Menos de um mês depois Amato sentenciava “Todos nós somos corruptos.
Ninguém pode atirar a primeira pedra”. Amato foi mais longe e completou: “Todos os
empresários têm rabo preso, têm caixa dois e quem não sonega, quebra”. “O crime
Havia, é claro, o temor da divisão entre as entidades que seria o resultado de vitórias de
sustentar o complexo seria dissolvida por tal resultado. Sequer salas para dois presidentes
temor e Adauto Ponte, da Chapa 1, chegou mesmo a blefar e propor a criação de uma
256
terceira entidade caso os resultados fossem diferentes para a Federação e o Centro (Folha
Mas o temor da divisão não foi o único medo explorado pela chapa situacionista. A
Moreira Ferreira era clara. Segundo ele, a crise era uma realidade incontornável, mas se
estabilidade sócio-econômica:
retrocesso, que só interessa aos radicais. A crise não pode ser usada como
implementadas pelo governo Collor deveria ser, segundo Moreira Ferreira o objetivo do
empresariado:
(Idem.)
1992
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Jan. Abr. Jul. (início) Jul. (final)
Moreira Ferreira 58,0% 65,4% 70,5% 68,2%
Emerson Kapaz 24,6% 25,5% 20,0% 18,0%
não será um impasse para seu desenvolvimento nem ameaça às conquistas realizadas”,
política que não comprometesse o passado. Juízo era, segundo a chapa da situação, o que
publicado pelos situacionistas no jornal O Estado de S. Paulo (24 jul. 1992, p. Política-8).
Destacando a afirmação de Emerson Kapaz em 1989 de que um governo Lula iria “ajudar a
dar todas essas declarações?”. A tática situacionista deu resultados. Às vésperas da eleição
as pesquisas de opinião indicavam que Moreira Ferreira estava virando o jogo no Ciesp,
A realização de prévias nos sindicatos não deu resultados melhores para a oposição.
de São Paulo (Sinpesp) o apoio a Moreira Ferreira foi unânime. Mesmo onde tinha apoio da
maioria da base, a oposição ganhava mas não levava. No Sindicato da Micro e Pequena
Moreira Ferreira. Uma pesquisa entre os associados do Sindicato havia apontado Kapaz
como o favorito, com 29,2% dos votos. Mas Couri alegou que maioria era de indecisos,
No final de julho, a distância entre Moreira e Kapaz, que havia sido de 30% no
início do mês havia caído para 9%. A mesma pesquisa, publicada pelo jornal O Estado de
S. Paulo, mostrava que o temor da divisão das entidades era menor do que se pensava: 33%
Indústrias; e para 23% o racha não alteraria o poder de representação das indústrias de São
1992
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Jan. Abr. Jul. (início) Jul. (final)
Moreira Ferreira 21,9% 26,8% 21,0% 28,0%
Emerson Kapaz 40,6% 54,1% 51,0% 37,0%
Fiesp: Moreira Ferreira venceu com 95 votos contra apenas 24 de Emerson Kapaz. Para
muitos, a surpresa estava no resultado do Ciesp, onde a situação obtinha maioria de 1.731
Moreira Ferreira analisou o resultado: “Kapaz fez campanha para a platéia. (...) Ele tinha
um programa para a sociedade. Eu falava para meus eleitores”, afirmou (Exame, 19 ago.
1992, p. 68.).
de vista dos industriais. Para Moreira Ferreira, o país havia passado por importantes
mas desta vez de modo desfavorável à burguesia. Apesar dos fluxos e refluxos da
261
conjuntura, a crise orgânica que havia se constituído no início dos anos 1980 ainda não
havia sido superada. Mas o governo Collor havia representado uma alteração da correlação
sociais não tinham mais a mesma intensidade de 1989. As batalhas travadas durante o
economia brasileira por meio da abertura de mercados das privatizações fizera suas vítimas
A vitória de Moreira Ferreira era uma resposta empresarial à crise. Sua chapa
reorganização societária que havia sido lançado pelo governo Collor. Solidamente
organizadas nos sindicatos patronais, essas forças souberam utilizar a seu favor a forma
A TÍTULO DE EPÍLOGO
desenvolvido até então para destacar traços de continuidade e pontos de ruptura. Para
São Paulo, ao longo das décadas de 1980 e 1990, indagando sobre as forças sociais
complexo jogo de forças envolvendo as classe sociais, suas frações e formas institucionais.
Focalizando os anos de 1980 e 1992, ocasiões nas quais mais de uma chapa
esses projetos diziam respeito a diferentes formas dos industriais responderem às diferentes
articulação entre capitais locais e internacionais e a crise entre setor público e privado.104
104
A respeito dessas três dimensões da crise, ver Sallum Jr. (1996).
264
Foi nesse processo que pôde ser identificada a formação da alternativa liberal. Ao
estritamente doutrinário e passou a se apresentar como programa político. Nos últimos anos
dessa década, à medida em que a crise orgânica assumiu contornos mais agudos, essa
capaz de alterar a relação de forças entre as classes por meio de reorganização econômica e
burguesia foi diferenciado. Ao lado desse projeto hegemônico restrito, coexistiam também
subalternas.
fastidiosa do que já foi escrito. Cabe agora apresentar, mesmo que sumariamente, os
composição das classes e a relação de forças objetiva entre elas. O impacto dessas
mudanças sobre a estrutura de emprego e as formas do trabalho são conhecidos (ver Boito
Jr., 1999, cap. II). Mas não são apenas as classes subalternas as atingidas por esse processo
A acelerada redução tarifária levada a cabo pelo governo Collor teve continuidade
transformação puxando a fila. A economia continuou crescendo, por mais alguns anos, mas
Plano Real, depois de mais de uma década de crônico descontrole dos preços provocou uma
“festa da estabilidade” que fez disparar as vendas, mas a abertura das importações nesse
Foi sob a égide do Plano Real, capitaneado pelo ministro da Fazenda do governo
sustentavam o Plano Real, combinaram-se com a redução das tarifas para os produtos
contra as novas reduções tarifárias anunciadas pelo governo. Quando o ministro da Fazenda
Ciro Gomes começou a falar em um “choque de oferta” por meio das importações, os
industriais reagiram duramente. Alguns mais incisivos, como Max Schrappe, presidente da
105
É importante lembrar que a estabilidade econômica era sempre apresentada pelos documentos empresariais
como uma condição essencial para a abertura de mercados. (ver, p. ex., Fiesp, 1990). Uma descrição do Plano
Real por um de seus idealizadores pode ser encontrada em Bacha (1997). Para uma consistente crítica ver
267
governo Collor que o seu vice, agora, leva ao limite máximo.” (1994)
conjuntural.106 Para o industrial, o objetivo das medidas era aumentar a oferta de bens e a
demanda por dólares, o que contribuiria para elevar a taxa de câmbio. Mas a política de
para a busca de ganhos de eficiência no setor produtor doméstico. Não faz sentido,
portanto, sua utilização para combater eventuais problemas de caráter conjuntural.” (1994.)
candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Só havia uma alternativa empresarial, a oferecida
por Fernando Henrique Cardoso. A visita do candidato petista à sede do complexo Fiesp-
Ciesp, em setembro de 1994 deixou isso claro. Lula fez um discurso para agradar a platéia,
moderou suas reivindicações políticas e atacou a redução das tarifas de importação. Mas o
resultado foi nulo para sua candidatura. “Se dependesse de declarações de empresários e
votos nem teria vindo ao debate”, afirmou na saída (Folha de S. Paulo, 20 set. 1994, p.
Especial-4).107
embora suas críticas ao plano Real, mesmo moderadas, repercutissem mal na pirâmide da
Fiesp. Eram os movimentos sociais identificados com a história de seu partido o que lhes
porto seguro, superando a crise de hegemonia que desde o começo da década de 1980 se
A adesão não veio sem sua cota de sacrifícios. Poucos meses antes das eleições, a
bandeiras das reformas tributária e da previdência. A nova estratégia foi desenhada por
Para Bernardini, a vitória de Fernando Henrique Cardoso no primeiro turno era certa e
tratava-se de jogar de acordo “com as novas regras”. Segundo o industrial, “com a vitória
106
No setor comercial o apoio à abertura das importações era, evidentemente, entusiástico. Ver, por exemplo,
o artigo do presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo Abram Szajman (1994).
269
mundial, esboçado no Plano Real, deve agora tomar contornos definitivos.” (Folha de S.
Nesse jogo, as empresas brasileiras deveriam verificar quais os produtos que, apesar
das ineficiências sistêmicas internas, ainda eram competitivos. Para sobreviver, as empresas
deveriam “importar e eventualmente fazer parcerias e fusões, fora ou dentro do país, para
positiva” composta por três pontos: a reforma tributária e fiscal, a redução dos juros e a
fizeram uma intensa agitação em prol das reformas tributária e fiscal. Aceitando o
107
Pesquisa DataFolha indicava que 78% do empresariado considerava negativa a eleição de Lula e 65% se
dizia favorável à candidatura de Fernando Henrique Cardoso (Folha de S. Paulo, 19 jul. 1994, p. 1-13). Nas
eleições de 2002 o empresariado não estava tão arredio à candidatura Lula, mas também não foi generoso
270
sociedade.” (Ferreira, 1996.) Não era apenas a morosidade das reformas alardeada pelo
pela CNI para o dia 22 de maio de 1996, em Brasília. O mote eram as reformas e os juros
Câmara dos Deputados. Mas havia, também, a pressão por medidas de proteção a setores
industriais como têxteis e brinquedos, fortemente ameaçados pelas importações, além das
demandas pela redução dos juros e por linhas de financiamento para pequenos
produtores.108
A pressão sobre o Congresso não surtiu efeito e o governo sofreu duras derrotas nas
votações daquele dia (Folha de S. Paulo, 23 mai. 1996, p. 1-10). Mas a partir de junho, os
empresários puderam sentir o efeito de sua ação sobre o governo. O setor de brinquedos foi
beneficiado pela elevação da tarifa de importação para 70% e novas linhas de crédito foram
jun. 1996, p. 2-5). Na Fiesp, as medidas foram bem recebidas: “o que é bom para os
(Sallum Jr., 2000, p. 32). As manifestações empresariais tendiam, assim, a dar munição
para esta última fração, representada no interior do governo pelos ministros José Serra e
Luiz Carlos Bresser Pereira; pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros;
regressiva da economia (Carneiro, 2002, p. 320). A ampla pesquisa realizada por Moreira
(2001) permite ter uma idéia mais precisa desse processo.109 Tomando como indicador da
com substanciais aumentos dos índices. Em média, os setores intensivos em capital tinham
Categoria de uso 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
Coeficiente de penetração (importações/produção %)
Bens de consumo não duráveis 2,5 2,8 3,8 3,1 3,4 4,2 7,0 6,7 7,7 7,9
Bens de consumo duráveis 7,4 8,9 12,3 10,1 11,2 12,2 17,5 19,5 26,6 29,3
Bens intermediários elaborados 4,9 6,1 8,0 8,1 9,6 11,8 16,9 18,0 20,4 21,9
Bens intermediários 2,1 2,7 4,6 5,3 8,6 7,1 10,0 11,5 12,5 10,5
Bens de capital 11,9 19,8 33,3 26,8 27,2 33,2 54,0 71,5 94,0 100,3
Equipamento de transporte 1,9 3,0 5,6 5,9 8,4 11,4 15,8 13,2 17,0 23,2
Total da Indústria 4,3 5,7 7,8 7,4 8,9 10,4 15,5 16,3 19,4 20,3
Coeficiente de abertura (exportações/produção – %)
Bens de consumo não duráveis 6,9 7,9 9,1 10,4 10,2 9,2 10,3 10,4 10,2 10,7
Bens de consumo duráveis 12,6 12,7 16,6 17,7 14,8 13,2 12,4 14,3 19,8 32,7
Bens intermediários elaborados 10,1 10,9 14,9 15,9 14,7 15,1 16,8 16,9 16,6 16,5
Bens intermediários 7,0 7,6 8,5 10,0 10,6 11,8 12,5 10,6 10,4 10,1
Bens de capital 7,7 7,9 14,7 13,6 13,1 14,5 15,3 18,9 22,6 24,2
Equipamento de transporte 10,5 10,8 15,7 17,1 14,4 12,5 9,6 11,1 14,3 20,4
Total da Indústria 8,8 9,4 12,3 13,3 12,5 12,2 12,7 13,0 13,7 14,8
Fonte: Moreira (1999).
109
Moreira (1999) dá seqüência à análise já desenvolvida em Moreira e Correa (1997), para a primeira metade
da década. A tese da especialização e da desindustrialização regressiva não é partilhada por esses autores.
273
como têxteis, calçados e material plástico, dentre outros. Em média, esses setores variaram
recorrentes reclamações do setor. A variação foi ainda menor nos setores intensivos em
que passaram de uma média de 2,9% para uma média de 8,1%. Como é sabido, em vários
desses setores o Brasil possui vantagens competitivas absolutas, mas mesmo aqui alguns
não ferrosos.
de 9,3%, em 1989, para 23,2%, em 1998. Mas em todos os casos, a variação no coeficiente
(Idem, p. 306.).
empresas de uso intensivo de capital e tecnologia afetadas pela abertura dos mercados e
intermediários elaborados e de bens de consumo duráveis (ver Tabela 11). Uma parcela
reduzida dos setores dessas categorias conseguiu uma melhor inserção no mercado
passou de 24,0%, em 1989, para 71,5% em 1998, concentrando o crescimento nos anos de
274
1996, 1997 e 1998. Esse resultado foi em grande parte devido ao sucesso comercial da
Embraer que se transformou, depois de sua privatização, em uma das maiores empresas
transporte, onde alguns resultados positivos foram obtidos, ocorreu uma redução da
abertura comercial com a valorização cambial produziu uma sensível redução do peso da
economia na década de 1980 (Cf. Chesnais, cap. 2.). A partir da década de 1990, essa
Classes e atividades 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Var.%
Indústria 38,69 36,16 38,70 41,61 40,00 36,67 34,70 35,21 34,58 -10,62
Extração de petróleo e combustíveis 1,12 0,91 0,87 0,63 0,54 0,43 0,58 0,54 0,31 -72,05
Indústria têxtil 1,56 1,21 1,08 1,09 0,93 0,85 0,73 0,62 0,58 -63,05
Vestuário e acessórios 1,08 0,78 0,73 0,70 0,65 0,60 0,55 0,46 0,43 -59,72
Material eletrônico 1,17 0,96 0,77 0,84 0,95 1,05 0,94 0,83 0,61 -48,03
Calçados e de artigos de couro 0,44 0,41 0,51 0,52 0,40 0,33 0,31 0,27 0,24 -44,83
Material elétrico 0,93 0,79 0,84 0,76 0,71 0,73 0,59 0,57 0,55 -41,11
Químicos diversos 1,24 1,28 1,14 1,09 0,94 0,79 0,81 0,78 0,76 -38,83
Metalurgia dos não-ferrosos 0,54 0,52 0,46 0,40 0,51 0,48 0,41 0,39 0,35 -35,40
Extrativa mineral 0,59 0,72 0,74 0,54 0,49 0,44 0,37 0,37 0,38 -35,37
Indústrias diversas 0,70 0,68 0,66 0,72 0,69 0,57 0,49 0,47 0,46 -34,54
Material plástico 0,80 0,66 0,59 0,67 0,57 0,59 0,61 0,58 0,54 -32,79
Indústria do açúcar 0,23 0,24 0,24 0,25 0,25 0,18 0,15 0,16 0,16 -31,92
Papel e gráfica 1,20 1,47 1,16 0,91 0,91 1,11 0,98 0,89 0,82 -31,66
Borracha 0,42 0,39 0,42 0,43 0,41 0,37 0,33 0,31 0,29 -29,80
Madeira e mobiliário 0,99 0,92 0,78 0,93 0,95 0,89 0,80 0,76 0,70 -29,61
Outros veículos, peças e acessórios 1,15 0,97 1,08 1,20 1,23 1,14 0,95 0,93 0,83 -28,10
Outros produtos metalúrgicos 1,44 1,42 1,26 1,38 1,44 1,29 1,17 1,15 1,04 -27,88
Siderurgia 0,97 1,05 1,29 1,23 1,08 0,97 0,80 0,83 0,76 -21,59
Máquinas e tratores 2,33 1,96 2,38 2,76 2,53 2,15 1,98 2,02 1,92 -17,51
Minerais não-metálicos 1,32 1,37 1,27 1,24 1,30 1,15 0,98 1,08 1,13 -14,15
Abate e preparação de carnes 0,50 0,52 0,51 0,65 0,61 0,59 0,58 0,48 0,44 -11,64
Benef. de produtos vegetais 0,78 0,91 1,07 1,02 0,92 0,73 0,74 0,80 0,76 -3,42
Elementos químicos 0,80 0,93 1,01 1,34 1,14 0,83 0,75 0,89 0,78 -1,94
Serviços ind. de utilidade pública 2,67 2,56 3,03 3,11 3,03 2,67 2,75 2,75 2,77 3,83
Refino de petróleo e petroquímica 2,86 2,26 3,50 5,01 3,80 2,75 2,23 2,43 3,03 5,82
Leite e laticínios 0,26 0,25 0,25 0,25 0,23 0,27 0,29 0,28 0,29 12,87
Outras ind. Alimentares 1,06 1,19 1,33 1,31 1,26 1,21 1,19 1,18 1,20 13,44
Automóveis, caminhões e ônibus 0,60 0,66 0,63 0,76 0,84 0,96 0,88 1,02 0,73 21,47
Farmacêuticos e de perfumaria 0,73 0,55 0,80 0,97 0,85 0,77 0,73 0,87 0,92 25,78
Construção civil 7,76 7,12 7,63 8,26 9,15 9,22 9,52 9,91 10,15 30,68
Indústria do café 0,17 0,19 0,15 0,25 0,31 0,25 0,21 0,20 0,24 43,09
Óleos vegetais 0,28 0,34 0,53 0,38 0,38 0,30 0,29 0,37 0,42 48,02
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Departamento de Contas Nacionais.
381). Mas é bom lembrar, como faz Carneiro, que as razões essenciais dizem respeito ao
1994, o Brasil chegou a 353 operações no ano de 2000, depois de um pico de 372, em 1997.
borders) envolvendo capitais estrangeiros: das 2.100 operações realizadas entre 1994 e
2000, 1.254 delas foram transfronteiriças (Cf. KPMG Corporate Finance, 2001, p. 7).110
Estudo realizado por Miranda identificou que entre 1991 e 1999, a compra de empresas
aquisição por parte de empresas privadas brasileiras concentrou-se nos setores têxtil,
telecomunicações, realizadas entre 1995 e 2002. Enquanto nos primeiros quatro anos da
277
década a participação do capital estrangeiro nas privatizações foi de apenas 5%, entre 1995
e 2002, a participação dos investidores estrangeiros chegou a de 53% (Cf. BNDES, 2002).
aquisições. No levantamento feito por Miranda nas operações realizadas entre 1991 e 1999,
o setor de energia elétrica foi responsável por 28,53% do valor total negociado, seguido
pelo setor financeiro, com 12,78%; pelo setor de telecomunicações, com 12,42%; e pelo
setor de siderurgia e metalurgia, com 8,51%. Nas transações envolvendo o setor privado, o
destaque pertenceu ao setor de alimentos e bebidas, com 6,27% do valor total negociado
(2001, p. 24).
economia. Segundo Siffert Filho e Silva, a presença do capital internacional nas cem
comparação na participação dessas empresas na receita total das cem maiores mostra o grau
26% na receita total, em 1990, passaram a 40% da receita em 1998 (1999, p. 402). O
economia: o número de empresas sob controle estatal entre as cem maiores caiu de 38 para
110
Os dados sobre os processos de fusão e aquisição diferem muito, por isso, mais importante do que os
278
mudanças no próprio ser das classes se fizeram sentir no interior do complexo Fiesp-Ciesp.
setorialmente diferenciada. Não deixa de chamar a atenção que aqueles setores industriais
que se faziam representar melhor na chapa de Emerson Kapaz para as eleições no complexo
década de 1990. A Cofap, de Abraham Kasinski, foi adquirida para a italiana Magneti
Marelli; e a Lacta, de Adhemar de Barros Filho, foi comprada pela Philip Morris. Outros
Dako Fogões, teve o controle assumido pela General Eletric (Gonçalves, 1999, p. 143).
Essas afirmações devem, entretanto, ser tomadas com muito cuidado. Nem todos os
teve suas vítimas. A Impressora Paranaense de Max Schrappe, por exemplo, passou para as
mãos da Dixie Toga, em dezembro de 1996. E, no caso mais conhecido de todos, a Metal
–, foi vendida para a multinacional alemã Mahle (Folha de S. Paulo, 13 jun. 1996, p. 2-
1).112
conquistado pelo presidente da Fiesp ao longo de sua primeira gestão realizada em uma
conjuntura na qual a economia ainda crescia, lhe permitiu organizar uma segura reeleição.
Aproveitou para incorporar a sua chapa alguns dos oposicionistas de 1992, como Paulo
Setúbal Neto, Ricardo Lerner, Nildo Masini, Laodse Duarte, Andras Ranschburg, Carlos
entidade, diminuindo o peso dos reformadores aglutinados no grupo Novo Ciesp – Adauto
Roberto Nicolau Jeha que o coordenava (Folha de S. Paulo, 16 jul. 1996, p. 2-2).
nos dois anos seguintes, mas a queda da participação da indústria no PIB nacional não foi
que acusavam a gestão de Moreira Ferreira de imobilista. Ricardo Semler, foi dos
112
Para uma lista, embora incompleta das principais aquisições, ver Gonçalves, 1999, p. 143.
280
encontrava em “estado de coma” (1996). Segundo o empresário, “o futuro não está mais na
manufatura. O poder se exercerá por meio das áreas empresariais mais malrepresentadas do
Semler: “estado de coma, não, no máximo uma gripe, cuja receita já vem sendo aviada”,
serviços”. Entretanto era “esta indústria de hoje a que alavanca todos os outros setores e
que quer, sim, ser representada. Com conceito e pragmatismo, é certo, mas com rosto e
endereço.” (1996.)
Lafer Piva, não deixava de perceber os problemas, mas eles não se encontravam na
e pela globalização, que privilegia o fluxo de grandes capitais.” (Idem.) Era, sem dúvida um
contraponto crítico a uma visão neoliberal extremada presente também no interior da Fiesp.
Roberto Nicolau Jeha ia ainda mais longe na crítica. Em um acalorado debate sobre a
Foi nessa conjuntura que, janeiro de 1997, a imprensa noticiou que cinco industriais
estariam na lista dos presidenciáveis da Fiesp e do Ciesp, Joseph Couri, Max Schrappe,
Horácio Lafer Piva, Roberto Nicolau Jeha e Luiz Fernando Furlan (Folha de S. Paulo, 26
jan. 1997, p. 2-9). A preocupação da imprensa estava com Jeha, apontado como um
keynesiano e social-democrata. Não faço coro com os neoliberais. Sou coerente. Tenho
281
idéias'”, disse na ocasião. Mas apesar de suas idéias afirmava que em “hipótese alguma”
considerada “polêmica”, não era bem vista. Moreira Ferreira, juntamente com seus
apoiadores mais próximos, decidiu não dar tempo ao presidente do Simpi e acelerou a
escolha de seu sucessor. No final de maio de 1997, mais de um ano antes da eleição, todos
já sabiam nos corredores da pirâmide da Avenida Paulista que Horácio Lafer Piva seria o
candidato da situação.
As duas candidaturas eram como a água e o vinho. Joseph Couri era sócio da
Mecânica Balancins, empresa solenemente ignorada pelo Balanço Anual Gazeta Mercantil
1997. Piva, por sua vez, era membro do Conselho de Administração da Klabin Irmãos e
Cia, controladora do grupo Klabin, o 23º maior grupo privado nacional com um patrimônio
líquido de US$ 1,35 bilhões em 1997. Não era apenas o patrimônio que os distinguiam.
Em 1997, Couri tinha 46 anos e vinte dos quais no sindicalismo patronal. Foi um
Sindicato da Micro e Pequena Indústria (Simpi), que encontrou forte oposição por parte do
então presidente da Fiesp, Mário Amato. Mas o Simpi lhe deu uma tribuna na opinião
pública que, de outro modo dificilmente teria. Um acordo eleitoral com Moreira Ferreira,
Horácio Lafer Piva, por sua vez, era de uma família com longa trajetória no
comando da Fiesp. Horacinho, como era conhecido na Fiesp, fez sua carreira no complexo
presidência da Federação em 1995. Era filho de Pedro Piva, várias vezes diretor da entidade
agremiação do presidente Fernando Henrique Cardoso. Seu avô materno, Horácio Lafer foi
chanceler durante o governo de Juscelino Kubitschek. Se Couri era um outsider, Lafer Piva
Com essa trajetória, não era difícil para Lafer Piva aglutinar forças em torno de sua
Ciesp para as eleições. Não era difícil mas também não foi fácil. As críticas à gestão de
Moreira se tornavam mais agudas, à medida em que o ano avançava. Quando o presidente
Além do apoio de Jeha, o candidato da situação teve que costurar as adesões dos
pré-candidatos preteridos por Moreira Ferreira, Luiz Fernando Furlan e Max Schrappe. Mas
ao invés de atribuir a primeira vice-presidência a um deles – Furlan era o nome mais cotado
–, Lafer Piva indicou um empresário do interior para o cargo, Carlos Roberto Liboni. O
objetivo era conter o avanço de Couri entre as empresas que votariam no Ciesp. O grupo
Novo Ciesp, também integrou a chapa, com Mario Bernardini integrando a lista para o
Butori, da Fupresa; Nildo Masini, da Ipiranga Aços; Emerson Kapaz, do PNBE; e José
Carlos da Silveira Pinheiro Neto, da General Motors. A chapa de Joseph Couri, não obteve
em 1992, que apostava na capacidade dos votos das empresas pressionarem os sindicatos,
“A divisão das casas não seria nova entre nós” – afirmava. “Vejamos
correr o sério risco de ficar sem mesada no final do mês.” (Couri, 1998.)
Tribunal de Contas da União (Folha de S. Paulo, 31 mar. 1998, p. 2-2). A situação reagiu
com um dossiê onde afirmava que as empresas de Couri eram controladas pela Dirbach
Inc., “com sede nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal”. Couri defendeu-se
dizendo que as operações internacionais das empresas eram “legais e estão declaradas no
um dos promotores do dossiê, alegando que ele estaria ainda sob investigação devido às
argumentava que Masini não era mais industrial (Folha de S. Paulo, 11 jun. 1998, p. 2-2.).
Couri por sua vez, abriu um inquérito policial alegando “crime contra a honra” e
convocando Nildo Masini e Synésio Costa para deporem (Folha de S. Paulo, 12 jun. 1998,
p. 2-2).
Nem o inquérito avançou, nem a candidatura de Masini foi impugnada. Apesar das
estripulias, a estratégia não deu certo e Couri foi derrotado nas duas entidades. Na Fiesp,
sentiu-se mais uma vez a força da máquina e o candidato apoiado por Moreira Ferreira
venceu por 108 votos contra apenas onze de Couri. Surpreendente para Couri foi,
entretanto, o tamanho da derrota no Ciesp, Lafer Piva venceu no Centro por 2.842 votos
também fez sua parte. Sem um forte antagonista até mesmo o caráter sindical da Fiesp era
debilitado. O próprio Departamento de Relações do Trabalho, por exemplo, foi extinto por
Lafer Piva, logo após sua posse. “A Fiesp não tem de se meter no embate das campanhas
salariais. Tem que tratar as relações do trabalho sob uma ótica de médio e longo prazos”,
afirmou o presidente da Fiesp, expressando uma visão muito diferente daquela que havia
Lafer Piva assumiu com um programa que visava reposicionar as entidades dos
para se tornar importante centro de decisões de âmbito nacional.” (Piva, 1998a) Tratava-se,
também, de uma importante mudança política. “No Brasil”, afirmava Lafer Piva, “a
indústria nacional tem sido ignorada por tempo demais, e seus empreendedores têm sido
desencorajados além do razoável.” Mas não era a hora, completava, de lamentar as razões
modernidade e o progresso:
indústria, com seus aspectos de curto e longo prazo, pertence, por dever
por Roberto Simonsen, José Ermírio de Moraes, Horácio Lafer e seus jovens
companheiros.” (Idem.)
A menção a Lafer não era acidental, pois ela colocava o novo presidente como o
herdeiro natural de uma tradição. Um passado que as entidades dos industriais paulistas
curso. Sua candidatura era, sem dúvida, a de Fernando Henrique Cardoso, mas seu projeto
segundo Lafer Piva, chegada a hora de abandonar o programa monetarista que havia guiado
palavra.
da Fiesp para o cargo, no qual permaneceu até julho de 1999. Surpreendentemente, a Fiesp
Não foi, entretanto, nesse segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso que a
esperado pelos industriais em 1998, o curso da política econômica não sofreu inflexões em
Durante o ano de 2002, o tom do discurso empresarial foi sendo elevado a cada choque,
chegando ao ápice por ocasião da divulgação pelo governo de uma proposta da mini-
Fazenda, Pedro Malan, à presidência: “não gostaria sequer de imaginar esse governo”
(Jornal do Brasil, 10 ago. 2001, p. 14). As críticas à condução da economia pelo governo
foram acompanhadas por uma crescente politização do discurso dos industriais, que
Roberto Nicolau Jeha, que em março já havia mostrado sua simpatia pela candidatura de
organizaram reunião com o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, para este apresentar
seu programa. E Ciro Gomes, por sua vez, participou de jantar com a presença de cerca de
vinte dirigentes empresariais, entre os quais os presidentes da Fiesp, Horácio Lafer Piva, e
àquele existente entre este e a burguesia financeira e os acenos à oposição ocorriam, como
era de se esperar, com maior intensidade entre os primeiros. Tomado em seu conjunto, o
empresariado apareceria como mais governista do que suporia a ênfase nos industriais. É o
que indica pesquisa realizada pelo instituto DataFolha junto a executivos que assistiram, em
voto estimulada, 45% afirmaram preferir José Serra; 22%, Ciro Gomes; 12% votariam em
p. 1-7).
288
Campos, apenas 21% não se identificavam com nenhum dos possíveis candidatos
governistas, enquanto 44% consideravam que os candidatos da oposição não tinham estofo
para ocupar a presidência (Jornal do Brasil, 10 ago. 2001, p. 14.). Mesmo entre os
industriais, o setor empresarial mais afastado do governo, era possível identificar apenas
uma minoria alinhada com a candidatura de Lula, como apontava Horácio Lafer Piva: “não
conheço muita gente que vote no Lula” (Folha de S. Paulo, 19 ago. 2001, p. 1-6). Como
em relação à oposição? Três dimensões, precisam ser aqui analisada para responder a esta
questão.
Em primeiro lugar, tal aproximação pode ser interpretada como um complexo jogo
2002, no apagar das luzes, o tema da política industrial entrou na agenda governamental
candidatura de Pedro Malan e fortalecer, por sua vez, outras opções no bloco governista. A
aparecia tanto nas declarações de Moreira Ferreira, como também nas de destacados
membros do Iedi, entre os quais seu ex-presidente Eugenio Staub. No bloco governista,
289
oposição e, principalmente, com Lula era substancialmente menor do que nas eleições
59% consideravam Lula uma candidato “mais aceitável” do que nas eleições anteriores e
Trabalhadores foi portador de tal agenda em 1994 e 1998 sem conseguir, entretanto,
estabelecer pontos de contato muito sólidos com o empresariado. Para a elevação do índice
de aceitação dessa candidatura era chave a percepção que o empresariado tinha da crescente
moderação do discurso dos dirigentes petistas e de Lula. Tal moderação era interpretada
representava a confiança de que sua eleição não significaria uma ameaça à propriedade
privada nacional e estrangeira, por um lado, e, por outro, não produziria uma
Lula à presidência de República, esse limite foi transposto, com a crescente dissociação do
290
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