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PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA

PDT – DIRETÓRIO NACIONAL

EXECUTIVA NACIONAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL


FEDERAL.

PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA – PDT, pessoa jurídica de direito


privado, inscrita no CNPJ sob o nº 00.719.575/0001-69, com sede na SAFS - Quadra 02
- Lote 03 (atrás do anexo do Itamaraty), Plano Piloto - Brasília/DF, CEP: 70042-900, neste
ato representado por seu presidente nacional, CARLOS ROBERTO LUPI, brasileiro,
solteiro, administrador, portador da cédula de identidade nº: 036289023, expedida pelo
IFP/RJ, inscrito no CPF/MF sob nº 434.259.097-20, com endereço eletrônico:
clupi@uol.com.br, vem, respeitosamente, por seus advogados in fine assinados,
constituídos mediante instrumento procuratório que segue em anexo (doc. 01), perante
Vossa Excelência, com fundamento no art. 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição
Federal, bem como nos dispositivos da Lei nº 9.868/1999, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR DE URGÊNCIA

em face do inteiro teor da Lei Federal nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019 e dos


arts. 106, II-A, “b” e § 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980 alterados
pelo art. 2º da Lei Federal nº 13.954/2019, dada a iniludível ofensa aos arts. 6º, caput,
37, § 6º, 69 e 142, § 1º, da Constituição Federal de 1988, conforme será demonstrado
nos tópicos a seguir alinhavados:
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I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
I.I DA LEGITIMIDADE

Nos termos do artigo 103, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988, podem
propor a ação direta de inconstitucionalidade partido político com representação no
Congresso Nacional. O telos subjacente à legitimidade ativa conferida aos partidos
políticos é o de assegurar às minorias parlamentares o direito de zelar pela supremacia
constitucional e para incentivar o desenvolvimento da cidadania ativa na população.
Atualmente, o requisito para que os partidos políticos possam impetrar ações de controle
abstrato de constitucionalidade é aferido somente no momento do ingresso da ação
devida, mesmo que durante a tramitação processual não mantenham sua representação
no Congresso Nacional. Desse modo, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) conta
com representação no Congresso Nacional, sendo, por isso mesmo, legitimado à
propositura da presente ADI. 1

I.II DO CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

O controle de constitucionalidade deita as raízes na necessidade de conferir


harmonia ao princípio dos checks and balances. É do Professor Pinto Ferreira a lição de
que o princípio da separação dos poderes ostenta o escopo ético e espiritual de uma
distribuição genérica das funções Executiva, Legislativa e Judiciária pelos seus órgãos
respectivos, mediante uma técnica restrita (presidencialismo) ou flexível

1
“O reconhecimento da legitimidade ativa das agremiações partidárias para a instauração do controle
normativo abstrato, sem as restrições decorrentes do vínculo de pertinência temática, constitui natural
derivação da própria natureza e dos fins institucionais que justificam a existência, em nosso sistema
normativo, dos Partidos Políticos”. (ADIMC 1.096, rel. Min. Celso de Mello).
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(parlamentarismo) de independência e equilíbrio dos poderes estatais. 2 No sistema de


freios e contrapesos, cada um dos poderes estabelecidos tem obrigação de mitigar as
ações do outro quando houver excesso de suas prerrogativas, com o objeto de manter a
harmonia e a independência dos poderes, de modo a preservar o conteúdo da Lex
3
Legum. Esse tipo de controle tem como missão precípua a defesa da Constituição, e
como consequência a estabilização das normas que indicam determinada estrutura da
sociedade, uma visão ideológica consentânea com as forças políticas que obtiveram
legitimidade para elaborar o Texto Maior. É uma tentativa de estabilizar as relações
sociais aos padrões normativos que apresentem certa constância, essencial para o
aprimoramento da força normativa dos mandamentos constitucionais.

O controle de constitucionalidade advém, basicamente, da supremacia e da


supralegalidade de que goza a Constituição. 4 Parte-se da premissa de que a Lei Ápice
5
é a lei mais importante do ordenamento jurídico. Pondera Carl Schmitt que a lei
fundamental é uma norma absolutamente inviolável e suas regulamentações não podem
6
ser desobedecidas pelo legislador infraconstitucional. Uma das funções precípuas do
controle de constitucionalidade é a garantia dos direitos fundamentais, para que os
cidadãos possam usufruí-los na sua inteireza. Jorge Miranda ensina que o controle de

2
FERREIRA, Pinto. Princípios gerais do direito constitucional moderno. 6. Ed. São Paulo: Saraiva,
1983. p. 705.
3
AGRA, Walber de Moura. Aspectos controvertidos do controle de constitucionalidade. Salvador:
JusPodvim, 2008. p. 13.
4
OTTO, Ignacio de. Derecho constitucional. Sistema de fuentes. 6. Ed. Barcelona: Ariel, 1998. p. 24.
5
COLAUTTI, Carlos E. Derecho constitucional. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1998. p. 54.
6
SCHMITT, Carl. Teoría de la constitucíon. Tradição de Francisco Ayla. 2. Ed. Madrid: Alianza, 1992. p.
63.
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constitucionalidade é também uma norma que expressa função constitucional - função


de garantia. A defesa dos direitos fundamentais abrange a proteção contra
inconstitucionalidades materiais e formais e a não concretização das normas de eficácia
limitada. 7

Para Zagrebelsky, o controle de constitucionalidade possui duas características, a


saber: uma de natureza jurídico-formal, que ressalta a Constituição como norma jurídica,
e a outra de natureza política, que enfatiza o pluralismo político como força social. A
8
primeira é a condição teórica da justiça constitucional e a segunda, a condição prática.
O controle atinge tanto as leis, espécie genérica que representa as proposições
normativas, como os atos normativos (art. 101 da CF). São passíveis de controle de
constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal as espécies normativas elencadas no
artigo 59 da Constituição Federal de 1988, a saber: emendas à Constituição, leis
complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos
legislativos e resoluções.

Os diversos acintes à Carta Magna narrados nesta petição inicial de ação direta
de inconstitucionalidade são perpetrados pela Lei Federal nº 13.954/2019, que reforma
diversas disposições legais relativas ao sistema de previdência social dos militares, razão
pela qual deve sujeitar-se ao controle concentrado de constitucionalidade exercido por
este Egrégio Supremo Tribunal Federal.

7
MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Coimbra: Coimbra Editora,
1996. p. 225.
8
ZAGREBELSKY, Gustavo. La giustizia costituzionale. Bologna: II Mulino, 1998. p. 14.
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II. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO.

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu a obrigatoriedade da prestação do


serviço militar por todo cidadão brasileiro, do sexo masculino, bem como suas condições
(art. 143, caput e § 2º). A prestação do serviço militar temporário tem o objetivo de
preparar e qualificar uma reserva de cidadãos aptos para serem mobilizados e
convocados quando ocorrerem os motivos constitucionais e legais que justifiquem essas
medidas.

A Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375/1964) estabelece que o serviço militar


obrigatório tem duração regular de 12 (doze) meses. Durante esse período, o brasileiro
nato ou naturalizado, após ser selecionado por Comissões de Seleção e convocado a
incorporar em Organização Militar da Ativa ou a matricular-se em Órgãos de Formação
da Reserva9. Uma vez extrapolado o prazo de 12 (doze) meses a que se refere o serviço
militar obrigatório, o militar incorporado poderá solicitar prorrogação, que, uma vez
deferida, investe-o na condição de servidor público, chamado pelo Estatuto dos
Militares (Lei nº 6.880/1980) de “militar temporário”.

Com efeito, o “militar temporário”, que pode ser oficial ou sargento, é definido
como quele que ingressa no Exército por meio de uma seleção conduzida pelas Regiões
Militares, que estabelece o período e as vagas para cada área de interesse necessária.
Nos termos do art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), com redação
dada pela Lei nº 13.954/2019, os militares temporários não adquirem estabilidade e
passam a compor a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem
desligados do serviço ativo.

9
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Tem-se, portanto, na lição de LUIZ DANIEL ACCIOLY BASTOS10, que os


militares federais na ativa classificam-se em: (I) efetivos: os que ingressam nas Forças
Armadas por meio de concurso público, tem incorporação efetiva e passam por um
estágio inicial, ou seja, sua estabilidade, no mínimo é presumida; e (II) temporários: os
militares que ingressam por meio diverso ao concurso público, “e só há hipótese de
estabilidade nos casos previstos na Seção III, do Capítulo II do Título IV da Lei 6.880/80,
ou seja, reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças
Armadas, em consequência de: enfermidade, acidente em serviço, etc.”.

Os militares temporários representam cerca de 55%11 do efetivo total das


Forças Armadas (cerca de 150 mil oficiais e praças). Saliente-se que as atividades
militares diferem de forma significativa das demais atividades profissionais, seja pelo
risco inerente por essência já voltados à guerra, seja pelo grau de exigência física e
psicológica requisitada desde o ingresso e durante todo o período de permanência no
serviço ativo, devendo, portanto, ter tratamento diferencial e prioritário de outras
obrigações civis.

Após o ingresso em plenas condições nas Forças Armadas, caso o servidor sofra
algum acidente ou seja acometido por alguma doença que limite o exercício pleno das
atividades, será classificado como apto com restrição (se militar efetivo) ou incapaz
temporariamente (se militar temporário), existindo ainda, para ambos, a classificação
de “incapaz definitivamente”, quando, para os dois casos, não houver a
possibilidade de recuperação das condições mínimas exigidas para o exercício

10
http://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/distincaoentremilit.pdf
11
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-03/efetivo-das-forcas-armadas-sera-reduzido-
nos-proximos-10-anos
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pleno da atividade militar. As hipóteses de incapacidade definitiva, que levam à reforma


do militar, estão enumeradas no art. 108 do Estatuto dos Militares:

Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em consequência de:


I - ferimento recebido em campanha ou na manutenção da ordem pública;
II - enfermidade contraída em campanha ou na manutenção da ordem
pública, ou enfermidade cuja causa eficiente decorra de uma dessas situações;
III - acidente em serviço;
IV - doença, moléstia ou enfermidade adquirida em tempo de paz, com
relação de causa e efeito a condições inerentes ao serviço;
V - tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia
maligna, cegueira, lepra, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave,
mal de Parkinson, pênfigo, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave e
outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina
especializada; e (Redação dada pela Lei nº 12.670, de 2012)
VI - acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, sem relação de causa e
efeito com o serviço.

Ocorre que a Lei nº 13.954/2019 incluiu um parágrafo primeiro no art. 109 do


Estatuto dos Militares, dispondo que a reforma por incapacidade permanente só se
aplica ao militar temporário nas hipóteses dos incisos I e II do art. 108 da Lei nº
6.880/1980. Previsão de igual teor foi encampada no art. 102, II-A, “b”, do Estatuto,
também inserido pela Lei nº 13.954/2019. Nas demais hipóteses dos incisos do art.
108, conforme o art. 109, § 2º, a reforma com qualquer tempo de serviço só se aplica ao
militar temporário se, concomitantemente, for considerado inválido por estar
impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou
privada.

Outrossim, o militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses


previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 da Lei nº 6.880/1980 mas não for
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considerado inválido por não estar impossibilitado total e permanentemente para


qualquer atividade laboral, pública ou privada, será licenciado ou desincorporado na
forma prevista na legislação do serviço militar (art. 109, § 3º, do Estatuto dos Militares,
também incluído pela Lei nº 13.954/2019). Eis a transcrição, in litteris, dos dispositivos
ora inquinados no ato normativo em comento:

Art. 106. A reforma será aplicada ao militar que:


I-A. se temporário: (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
a) for julgado inválido; (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
b) for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas, quando
enquadrado no disposto nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei; (Incluído pela
Lei nº 13.954, de 2019)
III - estiver agregado por mais de 2 (dois) anos por ter sido julgado incapaz, temporariamente,
mediante homologação de Junta Superior de Saúde, ainda que se trate de moléstia curável;
IV - for condenado à pena de reforma prevista no Código Penal Militar, por sentença transitada
em julgado;
(...)
§ 2º O disposto nos incisos III e IV do caput deste artigo não se aplica ao militar
temporário. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019).

Art. 109. O militar de carreira julgado incapaz definitivamente para a atividade militar por uma das
hipóteses previstas nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei será reformado com
qualquer tempo de serviço. (Redação dada pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 1º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das
hipóteses previstas nos incisos I e II do caput do art. 108 desta Lei. (Incluído pela Lei nº
13.954, de 2019)
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se ao militar temporário enquadrado em uma das
hipóteses previstas nos incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei se,
concomitantemente, for considerado inválido por estar impossibilitado total e
permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou privada. (Incluído pela Lei
nº 13.954, de 2019)
§ 3º O militar temporário que estiver enquadrado em uma das hipóteses previstas nos
incisos III, IV e V do caput do art. 108 desta Lei, mas não for considerado inválido por não
estar impossibilitado total e permanentemente para qualquer atividade laboral, pública ou
privada, será licenciado ou desincorporado na forma prevista na legislação do serviço
militar. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
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Percebe-se, pois, que a Lei nº 13.954/2019 descortinou os militares


temporários, que representam 55% do efetivo total das forças armadas, de um
regime isonômico e suficiente de proteção diante de contingências sociais.
Conforme será melhor detalhado adiante, houve iniludível lesão aos postulados da
igualdade, em virtude da criação de injustificável situação discriminatória no âmbito das
Forças Armadas.

III. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DA LEI FEDERAL Nº 13.954/2019.


III.I DAS INCONSTITUCIONALIDADES FORMAIS.
III.I.I. DO STATUS DE LEI COMPLEMENTAR DO ESTATUTO DOS MILITARES (ART.
69 C/C ART. 142, § 1º, DA CF/88).

O devido processo legislativo pode ser compreendido como a deferência a um


encadeamento preordenado de atos atinentes à produção de atos normativos pelo
Parlamento, cujas formalidades são essenciais a um funcionamento adequado das
engrenagens de poder, sem que haja afronta aos princípios da separação de poderes,
da segurança jurídica12 e da legalidade. Corroborando esse ensinamento, o Supremo
Tribunal Federal entende que uma violação à concepção de devido processo legislativo
importa em acinte aos arts. 1º, caput e parágrafo único, 5º, caput e LIV, da Constituição
Federal13.

Com efeito, no que se refere ao vício de iniciativa no processo legislativo, a


jurisprudência deste Egrégio STF é firme no sentido de que a sanção, pelo Chefe do

12
MODESTO, Paulo. Fraude no devido processo legislativo e seu controle jurisdicional. Conjur. 1 jul.
2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jul-01/interesse-publico-fraude-devido-processo-
legislativo-controle-jurisdicional>.
13
ADI 5127, Relatora: ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
15/10/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-094 DIVULG 10-05-2016 PUBLIC 11-05-2016.
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Poder Executivo, não tem o condão de sanar vício de iniciativa reservada ao


mesmo14, quando presente alguma das hipóteses do art. 61, § 1º, da Constituição
Federal. Recentemente, o Pretório Excelso alargou seu entendimento, enunciando que
a sanção pelo Chefe do Executivo não é capaz de convalidar, afinal, qualquer vício
de inconstitucionalidade formal verificado no processo legislativo em questão:

EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL.


PROCESSO LEGISLATIVO NO ÂMBITO ESTADUAL. ART. 70, § 2º,
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS. VÍCIO DE INICIATIVA DE
PROJETO DE LEI. SANÇÃO DO PODER EXECUTIVO. AUSÊNCIA DE
CONVALIDAÇÃO PROCESSUAL DO VÍCIO DE INICIATIVA. PRECEDENTES.
PROCEDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA REGRA DO ART. 27 DA LEI 9.868/99.
MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. SITUAÇÃO DE TUTELA DA
SEGURANÇA JURÍDICA E EXCEPCIONAL INTERESSE SOCIAL. 1. Sanção
executiva não tem força normativa para sanar vício de
inconstitucionalidade formal, mesmo que se trate de vício de usurpação de
iniciativa de prerrogativa institucional do Chefe do Poder Executivo. O
processo legislativo encerra a conjugação de atos complexos derivados da
vontade coletiva de ambas as Casas do Congresso Nacional acrescida do
Poder Executivo. Precedentes. 2. Os limites da auto-organização política não
podem violar a arquitetura constitucional estruturante. O processo legislativo
encerra complexo normativo de edificação de espécies normativas de
reprodução obrigatória. Nesse sentido, a interpretação jurídica adscrita ao art. 25

14
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. LEI 751/03, DO ESTADO DE AMAPÁ. ALTERAÇÃO DA
JORNADA DE TRABALHO DE CIRURGIÕES-DENTISTAS. REGIME JURÍDICO FUNCIONAL.
MATÉRIA SUJEITA A RESERVA DE INICIATIVA LEGISLATIVA. NORMAS DE APLICAÇÃO
OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI
DECORRENTE DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO IMPASSÍVEL DE CONVALIDAÇÃO PELA
SANÇÃO DO PROJETO. 1. Ao alterar a jornada de trabalho de categorias específicas, a Lei 751/03, de
iniciativa parlamentar, cuidou do regime jurídico de servidores estaduais, e, com isso, incursionou
indevidamente em domínio temático cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos
do art. 61, II, § 1º, c , da CF. Precedentes. 2. O sancionamento tácito do Governador do Estado do
Amapá em exercício ao projeto que resultou na Lei estadual 751/03 não tem o condão de convalidar o
vício de iniciativa originário. Precedentes. 3. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente
conhecida e, nesta parte, julgada procedente. (STF - ADI: 3627 AP, Relator: Min. TEORI ZAVASCKI,
Data de Julgamento: 06/11/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-
234 DIVULG 27-11-2014 PUBLIC 28-11-2014).
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da Constituição Federal ( ADI 4.298, ADI 1.521, ADI 1.594. ADI 291). 3. Norma
originária de conformação do processo legislativo estadual com vigência há mais
de três décadas. A modulação dos efeitos da decisão, no caso, apresenta-se
como necessária para a tutela adequada da confiança legítima que resultou na
prática de atos com respaldo em autoridade aparente das leis publicadas e
observa a boa-fé objetiva enquanto princípio geral de direito norteador das
decisões judiciais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade procedente, com
atribuição de modulação dos efeitos da decisão. (STF - ADI: 6337 DF, Relator:
ROSA WEBER, Data de Julgamento: 24/08/2020, Tribunal Pleno, Data de
Publicação: 22/10/2020).

In casu, tem-se que, nos termos do art. 142, § 1º, da Constituição Federal, “lei
complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no
preparo e no emprego das Forças Armadas”. Tais normas gerais foram delineadas,
justamente, pela Lei nº 6.880/1980 (Estatuto dos Militares), recepcionada na atual
ordem jurídico-constitucional com status de Lei Complementar.

Iniludível, outrossim, que a Carta Magna conferiu à União a prerrogativa de editar


normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação,
mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros
militares (art. 22, XXI). Contudo, especificamente quanto aos militares das Forças
Armadas (União), o Constituinte reservou a edição das referidas normas gerais à
lei complementar, sendo essa a conclusão mais adequada advinda do cotejo entre o
art. 22, XXI, o art. 142, § 1º e o art. 142, § 3º, inciso “X”, todos da CF/88.

Ao dispor sobre a reforma dos militares temporários por meio de lei ordinária, a
norma ora inquinada afrontou, a um só tempo, o disposto nos artigos 69 e 142, § 1º, da
Lei Fundamental. Imperiosa, portanto, a declaração de inconstitucionalidade, in totum,
da Lei Federal nº 13.954/2019, visto que apresenta, conforme demonstrado, vício forma
insanável.
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III.II DAS INCONSTITUCIONALIDADES MATERIAIS DA LEI FEDERAL Nº


13.954/2019.

III.II.I. DO DIREITO FUNDAMENTAL À PREVIDÊNCIA E À ASSISTÊNCIA SOCIAL


(ART. 6º, CAPUT, DA CF/88). DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO
(ART. 37, § 6º, DA CF/88).

Os direitos fundamentais abarcam a existência de várias dimensões que


correspondem a uma evolução temporal de afirmação e acumulação de novos direitos
conquistados, que surgiram –como explanado alhures- gradualmente na proporção das
carências do ser humano, nascidas da mudança das condições sociais.15 Neste espeque,
insta anotar que essas dimensões, por possuírem um caráter de complementaridade,
não se encerram em si mesmas, promovendo, per si, um aprimoramento da anterior,
formando um conglomerado das prerrogativas concretizadas. Tal fato corrobora no que
se pode designar por “constitucionalismo cumulativo”, a saber: um constitucionalismo
crescentemente superavitário a ponto de poder se afirmar que, graças a ele, o Estado de
Direito termina por desembocar em um Estado de Direitos. 16

17
Classificados como direitos de segunda dimensão, os direitos sociais fazem
parte dos direitos fundamentais do homem, classificando-se como normas de ordem
pública, portanto, invioláveis e indisponíveis, devendo ser obrigatoriamente observadas
dentro de um Estado Democrático de Direito. Sua finalidade é a de garantir direitos

15
DA CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Constitucional. 5.ed. Salvador: Jus Podvim, 2011. p.
597.
16
BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como Categoria Constitucional. 2ª reimpressão. Belo
Horizonte: Fórum, 2012. p.23.
17
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 476.
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mínimos para a coletividade, propiciando condições para o estabelecimento de um


Estado Social de Direito. Os direitos sociais que estão inseridos como direitos e garantias
fundamentais são direitos dos trabalhadores, de forma individual ou coletiva. A ordem
social, mais abrangente, contém: a seguridade social, a educação, a cultura, a saúde, a
previdência social, a assistência social, o desporto, a família, a criança, o adolescente, o
idoso, os índios, o meio ambiente, a comunicação social e a ciência e tecnologia.

Se a finalidade dos direitos individuais é dotar o cidadão de condições para que


ele não tenha sua liberdade cerceada pelo Estado, os direitos sociais tencionam
incrementar a qualidade de vida dos cdadãos, munindo-os das condições necessárias
para que eles possam livremente desenvolver suas potencialidades. 18 De forma bastante
genérica, pode-se dizer que o fator teleológico dos direitos sociais é a proteção dos
hipossuficientes estatais, a redistribuir os ativos materiais para que a população possa
ter uma vida condigna, e criar um Welfare State, forcejando a criação de uma justiça
equitativa. A concretização diferenciada dos direitos sociais de acordo com seus
demandantes enquadra-se perfeitamente com o princípio da igualdade que serviu como
standard indelével para a formação de todos os direitos de segunda dimensão. Sua
incidência multiforme impede o incremento de desigualdades. Isso dito, tem-se, na
jurisprudência do STF, consolidada a possibilidade de manejo da jurisdição
constitucional para a efetivação, em caráter estrutural, de direitos de segunda
dimensão, conforme a paradigmática decisão da ADPF nº 45 (Rel. Min. Celso de Mello,
Inf. 345/2004).

18
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 3. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. T. IV. P.
386.
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A Lei nº 13.954/2019, de modo inconstitucional, mantém o amparo em relação


aos militares temporários apenas quando classificados em incapazes temporariamente
ou definitivamente para o serviço militar nas hipóteses dos incisos I e II do art. 108 da Lei
nº 6.880/1980. Isto é, somente quando a lesão, doença ou enfermidade tiver relação
direta com situações de guerra (campanha) ou operações de garantia da lei e da
ordem (GLO) estará amparada a sua proteção assistencial, excluindo-se, por
decorrência, todas as demais hipóteses (incisos III, VI e V do art. 108), que representam
a grande incidência das hipóteses de incapacidade – mormente o inciso III, que trata
do acidente em serviço.

É fato notório que as situações de guerra (campanha) e as operações de garantia


da lei e da ordem (GLOs) são situações excepcionais, e que, quando presentes,
envolvem um contingente diminuto do total dos militares temporários existentes
no país. De se recordar que, no atual regime constitucional (pós-1988), o Brasil não se
envolveu em nenhuma campanha militar ativa.

Outrossim, restaram excluídas da proteção previdenciária todas as demais


atividades do cotidiano da caserna: treinamentos físicos, com explosivos, saltos
de paraquedas, corridas, natação, lutas, funções administrativas, deslocamento de
veículos, etc. Em suma, a maior parte das atividades corriqueiras dos militares
temporários em tempo de paz não está mais protegida pela União, mesmo em se
tratando de risco constante e elevado por essência.

Em analogia com as atividades civis, pelo regime da CLT, a situação inaugurada


em favor da União pela Lei nº 13.954/2019 equivale à da empresa que despedir o
empregado que sofreu um acidente durante o serviço, quando ainda em tratamento ou
mesmo quando convivendo com sequelas definitivas, sem qualquer remuneração ou
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amparo previdenciário, tendo que arcar, exclusivamente, com os custos desse


tratamento.

Tem-se, portanto, que o militar temporário que sofreu acidente em serviço


terá sua subsistência indubitavelmente prejudicada, visto que, ainda que possa,
em tese, exercer algum outro labor civil, terá que arcar solenemente com os custos
de seu tratamento, num processo de readaptação que o submeterá,
invariavelmente, ao desemprego e à perda temporária de renda.

Deve-se recordar que, embora se assemelhe, o ato de reforma do militar não


se equipara a uma aposentadoria de servidor civil. Veja-se: no caso do militar
temporário, se este ingressar, prestar sua atividade durante um período de 08 (oito)
anos e não sofrer nenhuma das situações previstas no art. 108 da Lei nº 6.880/1980,
será simplesmente licenciado, saudável, para retomar a vida civil. A reforma não se
confunde, pois, com a aposentadoria, pois é um ato que promove a efetiva reparação de
danos causados ao indivíduo (militar concursado, voluntário ou em serviço obrigatório)
decorrente da proteção objetiva da União.

O que a Lei nº 13.954/2019 acaba por encampar é uma derrogação parcial do


art. 37, § 6º, da CF/88 (cláusula de responsabilidade objetiva do Estado). Isso porque
o princípio informador de tal sistemática de responsabilização é pautado pela reparação
integral do dano, independentemente da pessoa lesada. O que importa é o nexo
causal entre o eventum damni e alguma atividade precípua da pessoa jurídica de
direito público, o que é o caso inequívoco do serviço militar, seja ele temporário,
obrigatório ou em carreira (efetivo).

Contudo, o ato normativo ora inquinado trata desigualmente agentes que


prestaram serviço ao Estado em iguais condições fáticas, adotando para uma categoria
uma ficção legal que a beneficia (a reforma por incapacidade permanente, ainda
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que, em tese, possa o militar de carreira injuriado exercer alguma atividade civil),
enquanto ao temporário é previsto, apenas, o licenciamento da vida militar, sem
qualquer amparo assistencial por parte das Forças Armadas.

III.II.II. DO ACINTE AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA (ART. 5º, CAPUT, DA CF/88).

Quando se discorre acerca do princípio da isonomia, a igualdade almejada é a


jurídica, em que a lei não pode discriminar cidadãos que estejam em semelhantes
situações. Sua exceção somente pode ser amparada em uma racionalidade que tenha
por finalidade que este tratamento diferente amenize uma disparidade fática. Muitas
vezes, a quebra da igualdade jurídica tem o escopo de realizar uma igualdade fática,
pois, do contrário, tratar de forma isonômica pessoas, bens ou situações desiguais seria
ensejar o aumento de desigualdades já existentes19.
O princípio da legalidade pode ensejar desequiparações, desde que motivado
por uma finalidade que esteja consentânea com as estruturas do ordenamento jurídico,
na busca de concretizar o princípio da justiça. É a desigualdade como ferramenta do
princípio distributivo. O que se veda são discriminações gratuitas, destituídas de qualquer
sentido. Não basta qualquer motivo, mas uma razão palpável, justa20.

É o que ensina a Ministra Cármen Lúcia, no sentido que convém ressaltar, “não
se aspira uma igualdade que frustre e desbaste as desigualdades que semeiam a riqueza
humana da sociedade plural, nem se deseja uma desigualdade tão grande e injusta que
impeça o homem de ser digno em sua existência e feliz em seu destino”. 21

19
AGRA, Walber. Curso de direito constitucional. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, pp. 209 – 212.
20
Ibidem.
21
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio constitucional da igualdade. Belo Horizonte: Jurídicos
Lê, 1991. P. 118.
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Para que as discriminações sejam condizentes com o princípio da isonomia são


necessários quatro requisitos: a) que a desequiparação não atinja de modo atual e
absoluto um só indivíduo; b) que as situações ou pessoas desequiparadas pela regra de
direito sejam efetivamente distintas entre si, ou seja, possuam características, traços,
nelas residentes, diferenciados; c) que exista uma simetria entre o fator de discriminação
e a diferenciação produzida pelo dispositivo jurídico; d) que o resultado produzido pela
discriminação seja adequável aos interesses constitucionais protegidos, adequando-se
ao caráter sistêmico do ordenamento jurídico.22

Os critérios acima esposados são plenamente aplicáveis quando a controvérsia


posta envolve um embate entre a situação jurídica de categorias profissionais inteiras,
como na hipótese em apreço. In casu, de modo a deixar ainda mais clarividente a quebra
do princípio da isonomia, cumpre transcrever trecho do Decreto nº 57.252/65, que
enumera as hipóteses consideradas “acidentes de serviço” pelas Forças Armadas:

Art 1º Considera-se acidente em serviço, para os efeitos previstos na legislação em vigor relativa
às Fôrças Armadas, aquêle que ocorra com militar da ativa, quando:
a) no exercício dos deveres previstos no Art. 25 do Decreto-Lei nº 9.698, de 2 de setembro
de 1946 (Estatuto dos Militares);
b) no exercício de suas atribuições funcionais, durante o expediente normal, ou, quando
determinado por autoridade competente, em sua prorrogação ou antecipação;
c) no cumprimento de ordem emanada de autoridade militar competente;
d) no decurso de viagens em objeto de serviço, previstas em regulamentos ou autorizados
por autoridade militar competente;
e) no decurso de viagens impostas por motivo de movimentação efetuada no interêsse do
serviço ou a pedido;
f) no deslocamento entre a sua residência e a organização em que serve ou o local de
trabalho, ou naquele em que sua missão deva ter início ou prosseguimento, e vice-
versa. (Redação dada pelo Decreto nº 64.517, de 15.5.1969)

22
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Princípio jurídico da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 41.
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§ 1º - Aplica-se o disposto neste artigo aos militares da Reserva, quando convocados para
o serviço ativo.

Já se discorreu nesta ação direta acerca da situação discriminatória ora versada,


em que mesmo quando preenchidos os critérios para ser classificado como
acidente de serviço, e dessa injúria sobrevier incapacidade temporária ou definitiva
(deficiência física), ainda que não inabilite inteiramente para o trabalho, o militar
temporário – e apenas ele – será licenciado sem qualquer direito remuneratório ou
indenizatório, mantendo-se apenas o chamado “enconstamento”.

Tem-se, portanto, que o ato normativo ora inquinado legalizou situações como a
hipotética a seguir: imagine-se que, durante um acidente de trânsito com uma viatura
militar em serviço, dois militares, um efetivo e o outro temporário, ambos percam um
membro (perna, braço). No caso do militar efetivo, ainda que este possa, em tese,
exercer alguma atividade civil, ele será julgado incapaz definitivamente e
reformado com remuneração integral, ao passo que o militar temporário será
licenciado, sem remuneração, sem indenização, sem assistência plena do Fundo
de Saúde do Exercito, Marinha ou Aeronáutica.

A concreção de hipóteses como a acima exemplificada expõe, de maneira


verossímil, a miríade de situações inconstitucionais que podem emergir da aplicação
prática da desigualdade inaugurada pela Lei nº 13.954/2019, razão que, sob o ponto de
vista material, mais uma vez apela para a sua inconstitucionalidade.

III.II.III. DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL OU EFEITO


“CLIQUET”.
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Consiste até em um truísmo trazer à baila a importância que os direitos


fundamentais insculpidos nas Constituições hodiernas têm em um Estado Democrático
de Direito, principalmente pelo fato de o seio social ser tão fluido e plural a ponto de
propiciar o império da maioria sobre a minoria; ter um direito fundamental equivale a ter
um trunfo em um jogo de cartas. 23 Nesse sentido, a preponderância dada a esses direitos
inatos ao homem, decorre principalmente da premissa de que são considerados como a
raison d’etrê do indivíduo, ao erigi-lo como pilar essencial na construção de um Estado
Democrático de Direito. 24 Esses direitos não foram sempre os mesmos e, sim, evoluíram
no decorrer do tempo, haja vista que as necessidades do homem são infindas e,
mediante isso, foram travadas intensas batalhas a fim de que houvesse uma plena
aquisição de direitos e, por consequência, uma maior guarida no que urge à devida
aplicação no ordenamento jurídico de determinada época.

A evolução no contexto de aquisição e materialização de direitos foi bastante


árdua, no que não eclodiu de forma uniforme na história constitucional da humanidade.
Os direitos sedimentados no Ordenamento Jurídico devem ser dotados de máxima
eficácia para que os mandamentos constitucionais adentrem bruscamente o plano da
facticidade. Para tanto, um dos postulados que informa a teoria dos direitos
fundamentais, a proibição do retrocesso, ou o efeito cliquet dos direitos fundamentais,
busca conferir uma maior efetividade das normas definidoras dos direitos fundamentais,
do princípio da proteção da confiança e da própria noção do mínimo existencial. 25 Para

23
NOVAIS, Jorge Reis. Direitos fundamentais. Trunfos contra a maioria. Coimbra: Coimbra Editora,
2006. p. 8.
24
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense,2010. p. 169.
25
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5.ed. Rio de
Janeiro, Renovar, 2001. p. 138.
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Ana Paula de Barcellos, a vedação do retrocesso social é a possibilidade de invalidação


da revogação de normas que, regulamentando o princípio, concedam ou ampliem direitos
fundamentais, sem que a revogação em questão seja acompanhada de uma política
substitutiva equivalente. 26

Pontua Joaquim José Gomes Canotilho que a ideia designada como proibição
de contra revolução social ou da evolução reacionária significa dizer que os direitos
sociais e econômicos, uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir
simultaneamente uma garantia institucional e um direito subjetivo. Na hipótese dos autos,
resta configurada uma denegação ampla e silenciosa do direito de acesso aos benefícios
da previdência e da assistência social, diante da persistente e calamitosa problemática
da “fila do INSS”. Tal contexto fático denota, inequivocamente, a supressão, no campo
da realidade, de um direito social assegurado aos cidadãos brasileiros e já implementado
no passado, mas cuja execução, no presente, foi obnubilada pela progressiva
dilapidação e sucateamento do Instituto Nacional do Seguro Social.

Denota-se, à toda evidência, que os dispositivos ora atacados, caso não venham
a ser extirpados do ordenamento jurídico por este Egrégio Supremo Tribunal Federal,
pode vir a causar intenso retrocesso social, em uma total afronta ao princípio em
comento, uma vez que cerca de 55% do efetivo das Forças Armadas corresponde a
militares temporários, que passam, com o advento da Lei nº 13.954/2019, a
consistir verdadeira “subcategoria”, hipossuficiente de proteção e
responsabilidade estatal diante de danos sofridos no exercício da atividade.

26
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da
dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p 62.
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Iniluídvel, pois, o rebaixamento do padrão protetivo da categoria dos


militares temporários, de modo que diversas contingências sociais passaram a ser
descortinadas do sistema de responsabilidades das Forças Armadas, em afronta,
assim, ao postulado da vedação ao retrocesso social.

IV. DA MEDIDA LIMINAR DE URGÊNCIA.

Já não é novidade que o interstício temporal consubstanciado entre a instauração


do processo e o proferimento de provimento definitivo apresenta demasiados percalços,
em ordem a inviabilizar a efetiva realização de direitos. Para Fernando Horta Tavares, “o
tempo teria um fluir vagaroso, que é incompatível com o virtuoso acesso à ordem jurídica
27
justa”. Existem situações em que o tempo utilizado para obtenção da certeza
processual com a tutela final é tão grande que o próprio titular do direito terá sucumbido.
Em outros casos, o jurisdicionado que buscou amparo no Poder Judiciário apenas
observa inerte o perecimento do direito que buscou tutelar. Partindo dessas premissas,
Marcelo Abelha assevera que o tempo é amigo da estabilidade da situação lamentada,
no que quanto mais o processo demora para efetivar o resultado pretendido, tanto mais
tempo permanecerá de pé a situação injusta, causando danos ao longo do seu curso. 28

Desse modo, as situações de urgência precisam ser rapidamente debeladas, sob


pena, de o risco que surge iminente deixar de ser abstrato e passar a ser concreto,
tornando inútil e sem razão de ser uma proteção tardia. A teor do comando inscrito no
§3º do artigo 10º da Lei 9.668/99, em caso de excepcional urgência, poderá o Tribunal

27
TAVARES, Fernando Horta. Tempo e processo. In: TAVARES, Fernando Horta (Coord.). Urgências de
Tutela: processo cautelar e tutela antecipada. Curitiba: Juruá, 2007. P. 111.
28
ABELHA, Marcelo. Manual de direito processual civil. 6. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. P. 382.
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deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou autoridades das quais emanou
a lei ou o ato normativo impugnado.

In casu, a extrema urgência emerge do vácuo protetivo originado das


disposições da Lei nº 13.954/2019, que deixam os militares temporários (repita-se,
55% do efetivo das forças armadas), em situação de inferioridade protetiva diante
de contingências ínsitas aos serviços prestados ao Exército, à Marinha e à
Aeronáutica.

Ademais, a probabilidade do direito emana de todo o acima exposto, e,


especialmente, da flagrante e injustificada lesão ao princípio da isonomia, à cláusula
de responsabilidade objetiva do Estado, à vedação ao retrocesso social, e, ainda,
à reserva do tratamento da matéria por lei complementar (art. 142, § 1º, da CF/88).

V. DOS PEDIDOS.

Pelo fio do exposto, requer a Vossa Excelência o seguinte:

I. A concessão de medida cautelar ad referendum do Plenário, nos termos


do artigo 10, §3º, da Lei nº 9.868/99, a fim de que se suspenda, in totum, a eficácia
dos arts. 106, II-A, “b” e § 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980
alterados pelo art. 2º da Lei Federal nº 13.954/2019.

II. Em não sendo o caso deste Egrégio Supremo Tribunal Federal entender
pela excepcional urgência a que alude o artigo 10, §3º, da Lei nº 9.868/99, pugna ao (à)
Excelentíssimo (a) Ministro (a) Relator (a) pela aplicação do rito descrito no artigo 12 da
Lei nº 9.868/99;
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III. Seja oficiado, no prazo de 30 (trinta) dias, o Excelentíssimo Senhor


Presidente do Congresso Nacional, nos termos do artigo 6º, da Lei nº 9.868/99;

IV. Seja citado o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, nos


termos do artigo 103, §1º, da Constituição Federal, para atuar como custos legis, bem
como o Advogado-Geral da União, para defender o ato impugnado, a teor da
determinação vertida do artigo 103, §3º, da Constituição Federal de 1988, ambos no
prazo de 15 (quinze) dias (artigo 8º, da Lei nº 9.868/99);

V. Seja a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada


procedente para declarar a inconstitucionalidade total da Lei Federal nº 13.954/2019,
por violação aos dispositivos da Constituição Federal apontados no decorrer desta
exordial;

VI. Se não acolhido o pleito de declaração de inconstitucionalidade total da Lei


Federal nº 13.954/2019, que sejam declarados inconstitucionais os arts. 106, II-A, “b” e
§ 1º e art. 109, §§ 1º, 2º e 3º, todos da Lei nº 6.880/1980 alterados pelo art. 2º da Lei
Federal nº 13.954/2019.

Nesses termos, pede deferimento.

Brasília (DF), 09 de março de 2022.

WALBER DE MOURA AGRA MARA HOFANS


OAB/PE 757-B OAB/RJ 68.152
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IAN RODRIGUES DIAS MARCOS RIBEIRO DE RIBEIRO


OAB/DF 10.074 OAB/RJ 62.818

ALISSON LUCENA LUCAS GONDIM


OAB/PE 37.719 OAB/PB 29.510

MANOEL PEREIRA DE ANDRADE ANTÔNIO LEÃO DE JONAS


OAB/SP 98.289 OAB/RJ 130.134

MÁRCIO SILVA DOS SANTOS


OAB/SP 252.326

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