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15 de Janeiro de 2020

Contratos de transferência de tecnologia

A interferência do INPI na autonomia da vontade das partes

1. DEFINIÇÃO, CLASSIFICAÇÃO E TIPOS


DE CONTRATO DE TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA
Este trabalho tem por finalidade a análise do contrato de propriedade
industrial e transferência de tecnologia, e, mais precisamente, as formas de
atuação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em sua
regulação, averbação e registro.

Ao observar o desenvolvimento econômico mundial, impulsionado pelo


fenômeno da globalização, que estreitou os laços entre os países por meio
do aperfeiçoamento de tecnologias como o da comunicação, permite
classificar, na primeira metade do século XX, um pais como desenvolvido e
forte àquele detentor de maior volume de indústrias pesadas e de base, ou
seja, aquele detentor de mais quantidade de bens materiais.

Já, nas últimas décadas do século XX, com a extraordinária valorização dos
bens imateriais - ou seja, aqueles bens que possuem ou podem vir a possuir
um valor intrínseco substancial, independentemente de qualquer suporte
material ou cujo valor intrínseco seja superior ao valor do meio físico no
qual estão gravados; alterou-se a classificação dos países desenvolvidos,
passando das fundições e indústrias pesadas para o know-how, com cada
vez menor quantidade de equipamentos pesados.
Desta forma, com o intuito de acompanhar o crescente fluxo de pesquisas e
desenvolvimento de tecnologia, bem como a transferências destas, no
âmbito do Direito, os institutos jurídicos e estudos da propriedade
intelectual despertaram maior interesse e preocupação.

Os contratos de transferência de tecnologia almejam a proteção dos bens


imateriais da empresa, por exemplo, a proteção de patentes, desenhos
industriais, know-how e franquias. Tendo como a possibilidade de
transferência a titularidade do direito de propriedade intelectual (contrato
de cessão), o licenciamento do uso do direito de propriedade intelectual, de
forma exclusiva ou não (contrato de licenciamento), e o fornecimento de
informações não aparadas por direitos de propriedade intelectual e serviços
de assistência técnica (contrato de transferência de tecnologia).

A nomenclatura dos contratos de transferência de tecnologia varia na


legislação e doutrina brasileira. Com base nos entendimentos do INPI ao
longo dos anos e hoje cristalizados em sua Instrução Normativa nº
16/2013, bem como no § 1º do Art. 2º da Lei 10.168/2000 (que criou a
CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre
Royalties), os contratos de transferência de tecnologia e correlatos são
classificados basicamente, quanto ao seu objetivo e para fins de averbação,
nas seguintes categorias de contratos:

(i) de licença para exploração de patente – autorização de exploração por


terceiros do objeto de patente, regularmente depositada ou concedida no
pais;

(ii) de licença para uso de marca – autorização do uso efetivo por terceiro
de marca regularmente depositada ou registrada no pais;

(iii) de serviços técnicos especializados – contrato com fim de estipular as


condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento e
programação, ou seja, estipula a aquisição de conhecimento não
patenteados, denominado, know how;

(iv) de franquia – contrato que envolve tecnologia e transmissao de


padrões, alem de uso de marca e patente.
Outrossim, vale destacar a existência dos contratos de cessão de patentes e
marca. Nestes contratos, haverá a transferência da titularidade do direito.

2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A partir da década de 70 os países em desenvolvimento, como o Brasil,
passaram a ver os fornecedores de tecnologia como verdadeiros
impedidores de desenvolvimento tecnológico interno, pois esses
exploravam as receptoras com a cobrança excessiva de royalties, por longos
períodos, por tecnologias obsoletas e mediante clausulas restritivas à sua
liberdade de comercialização. Para impedir a contratação de licenças ou
transferência de tecnologia desvantajosas os países criaram legislações que
mediante intervenção direta estatal controlavam os contratos nesta área.

O INPI foi criado pelo pela Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970, e com
a promulgação do Código de Propriedade Industrial 1971 (Lei 5.772, de 21
de dezembro de 1971), passou a regular não só a licença de marcas e
patentes, como também a averbação dos contratos de transferência de
tecnologia. Anteriormente a sua criação era responsabilidade do
Departamento Nacional de Propriedade Industrial a averbação dos
contratos de patentes e marcas e os contratos de transferência de
tecnologia ficavam sujeitos à Superintendência da Moeda e do Crédito –
Sumoc, substituída pelo Banco Central do Brasil.

Em meio a essa política protecionista, de substituição das importações pelo


desenvolvimento e capacitação das industrias nacionais, o INPI adquiriu
um papel importante no controle às praticas abusivas cometidas pelas
multinacionais. Entre 1972 e 1975 passou a aplicar uma série de normas
restritivas, porém não escritas, que trouxeram uma enorme insegurança
jurídica para as partes contratantes que nunca sabiam quais seriam as
exigências para a aprovação dos contratos. Em 11 de setembro de 1975, o
INPI publicou o Ato Normativo nº 15, que apesar de ser bastante restritivo
e autoritário, regulamentava cinco tipos de contratos, o licença de marcas,
licença de patentes, contratos de fornecimento de tecnologia industrial,
contratos de cooperação técnico-industrial e contratos de serviços técnicos.
Ao longo dos 15 anos em que vigorou o ato normativo passou por inúmeras
mudanças, necessárias para a sua adequação ao novo cenário politico.
Com a crise econômica da década de 1980, que deixou os países em
desenvolvimento em posição desfavorável, pois estes precisavam atrair
capital estrangeiro, o INPI acabou por flexibilizar a averbação dos
contratos. E em 1990, com a mudança de governo foi adotada uma posição
diametralmente oposta a adotada na década de 1970 e diante disso o INPI
emitiu a Resolução nº 22 que não só cancelava o Ato Normativo nº 15 como
também, após ser regulamentada pela Instrucao Normativa nº 1 de julho de
1991, trouxe uma maior flexibilidade para o pagamento de royalties e taxas
de assistência técnica.

Com a entrada em vigor da Lei de Propriedade Intelectual, Lei nº 9.279 de


14 de maio de 1996, seu artigo 240 alterou o artigo 2º da Lei nº 5.648, lei
de criação do INPI, passou a vigorar com nova redação, “Art. 2º O INPI
tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que
regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social,
econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à
conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções,
tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.” e esse novo
texto retirou do INPI a competência para regular a transferência de
tecnologia.

Em março de 2013, o INPI emitiu a instrução normativa nº 16/2013 que


tem por finalidade a normalização dos procedimentos de averbação ou
registro dos contratos de transferência de tecnologia, relacionando qual a
documentação necessária para o pedido, o que devem conter os contratos,
porém não traz nenhuma menção sobre o percentual de royalties ou o
prazo do contrato, não justificando portanto sua interferência.

3. DISCIPLINA ATUAL DOS CONTRATOS


DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Na esteira do artigo 211 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9279/96),
para que os contratos de transferência de tecnologia produzam efeitos
perante terceiros, faz-se necessário a apresentação de tais contratos para
registro e averbação junto ao INPI:
Art. 211. O INPI fará o registro dos contratos que impliquem
transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para
produzirem efeitos em relação a terceiros.

Ademais, os outros efeitos da averbação dos contratos são (1) a legitimação


para envio de divisas ao exterior para o pagamento da tecnologia negociada
nos referidos contratos e (2) a obtenção de benefícios fiscais e deduções
relacionados ao pagamento dos royalties.

O processo de averbação e registro destes contratos é regido pela já


mencionada Instrução normativa n. 16/2013 do INPI, a qual, como já dito,
define como contratos de transferência de tecnologia aqueles que têm como
objeto a exploração de patentes e/ou desenhos industriais, a licença de uso
de marcas, a aquisição de conhecimentos tecnológicos (fornecimento de
tecnologia stricto sensu), a prestação de assistência técnica e a franquia
empresarial.

O procedimento para requerimento de averbação e registro dos contratos


segue os seguintes passos: apresentação do formulário de averbação
disponibilizado pelo INPI em duas vias, apresentado por qualquer das
partes contratantes, instruído com (1) original ou cópia autenticada do
contrato e/ou fatura ou do instrumento representativo do ato, devidamente
legalizado, bem como tradução quando redigido em idioma estrangeiro, (2)
comprovante de recolhimento da taxa devida (GRU), (3) carta justificando
o pedido de averbação em duas vias, (4) ficha-cadastro da empresa
receptora/franqueadora (modelo INPI), com detalhamento sobre a
vinculação acionária das partes, quando houver - devendo ser apresentada
relação de acionista/cotistas e (5) procuração.

Uma vez protocolado o pedido de averbação, o prazo para emissão de


decisao é de 30 (trinta) dias contados da data do protocolo, cabendo pedido
de reconsideração à Diretoria de Transferência e Tecnologia e Recurso ao
Presidente do INPI, nos casos de indeferimento do pedido.

A averbação dos contratos de transferência de tecnologia é facultativa para


contratos internos, e necessária para contratos cujos franqueadores são
domiciliados no exterior e há cláusula estabelecendo pagamento pela
transferência. Ademais, a averbação torna-se de extrema importância em
face da legislação tributária, haja vista que a dedução de royaltiestem como
condição indispensável o registro dos contratos junto ao INPI. As quantias
devidas a titulo de royalties poderão ser deduzidas até o limite máximo de
5% da receita liquida, dependendo da atividade exercida, conforme
disposto na Portaria 436/58 do Ministério da Fazenda.

Os prazos de validade dos contratos averbados pelo INPI são: (a) 5 (cinco)
anos para os contratos de transferência de tecnologia não patenteável,
sendo possível prorrogação deste prazo por tempo igual nos casos em que
for demostrado ao INPI sua necessidade, mediante justificativa. Ressalta-se
que o critério utilizado pelo INPI não está baseado em qualquer lei, mas
decorre de uma extensão analógica do prazo estabelecido pela Lei n.
4.131/62, onde se permite a dedução das remunerações pagas, para fins de
cálculo do Imposto sobre a Renda; (b) até a data de expiração da patente no
Brasil, para os contratos de exploração de patentes; e (c) até a data de
expiração do registro da marca, para os contratos de licença de uso de
marcas, havendo possiblidade de prorrogação por períodos iguais e
sucessivos nos casos de prorrogação do registro da marca junto ao INPI.

4. ARGUMENTOS CONTRÁRIOS À
ATUAÇÃO DO INPI NA DISCIPLINA
ATUAL DOS CONTRATOS DE
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
A nova Lei da Propriedade Industrial de 1996 preocupou-se expressamente
em limitar as funções do INPI, devendo este restringir-se a averbar ou
registrar contratos de licenciamento ou transferência de tecnologia,
verificando simplesmente as normas aplicáveis.

Entretanto, atualmente ainda se observa que, apesar das novas


regulamentações, o INPI entende continuar autorizado a controlar os
contratos de transferência de tecnologia quanto a aspectos de propriedade
industrial, assim como os relativos a tributação, cambiais e
anticoncorrenciais. Desrespeitando o princípio da legalidade e da liberdade
de contratar das partes.
O INPI vem consolidando certos entendimentos não previstos ou
regulamentados em qualquer preceito legal.

Conforme já mencionado, a atividade de averbação de contratos prevista ao


instituto tem as seguintes finalidades: produção de efeitos contra terceiros;
tornar pagamentos dedutíveis para fins de Imposto de Renda; e Permitir
remessa de royalties para o exterior.

Significa dizer que a averbação não se presta a estipular royalties, que


inclusive não é finalidade do INPI arbitrar, conforme se nota a partir da
nova redação do Art. 2º da Lei nº 5.648/70. Além disso, também não está
previsto ao órgão em questão outras definições de preceitos não
regulamentados dos quais se tem observado aplicações a casos reais tais
como: estabelecimento de data de protocolo da averbação como termo
inicial da averbação, independente da data prevista no contrato como prazo
inicial; ampliação de teor da legislação fiscal para aplicação de
dedutibilidade fiscal; não garantia de manutenção de sigilo mesmo após o
término do contrato; não consideração de know-how como direito passível
de licença; exigência de definição de preço líquido de venda ou respectiva
base de cálculo dos royalties do contrato; etc.

Tais atos trazem não só a insegurança dos contratos, afugentando


fornecedores estrangeiros de fornecer produtos ou sistemas ao nosso país,
como também inviabiliza o crescimento de empresários brasileiros que
dependem dessas tecnologias para incrementar seus negócios. Tal situação
evidencia manifesto abuso de poder e limitação injusta e ilegal do princípio
da livre concorrência e da preservação e repressões a infrações contra a
ordem econômica que conforme estabeleceu a Lei 8.884/94 como
responsável o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e a
Secretaria de Direito Econômico (SDE), deixando claro que não cabia ao
INPI a função de julgar, decidir ou alterar unilateralmente clausulas
contratuais que pudessem infringir a ordem econômica.

Vale ainda ressaltar que tais impedimentos criados pelo INPI tem aspecto
pejorativo para a economia nacional, pois de um lado não promovem o
crescimento de empresas nacionais que dependem da utilização de
tecnologias estrangeiras como também criam barreiras que simplesmente
não incentivam de maneira direta com que as empresas nacionais
produzam tais tecnologias que são buscadas no exterior, não contribuindo
assim com o desenvolvimento do país além de gerar insegurança
normativa. Representando atentado direto ao princípio da legalidade dos
atos administrativos.

Entende-se que depois de uma série de Atos Normativos que buscavam


regular a atuação do INPI e ao mesmo tempo atender a situação econômica
de contratantes brasileiros, não cabe a ele estender suas atividades legais
previstas, fato que inclusive vem sendo fortemente condenado pela maioria
da doutrina, vez que não se admite que se possa sem lei impor obrigações
ou restringir direitos.

5. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À
ATUAÇÃO DO INPI NA DISCIPLINA
ATUAL DOS CONTRATOS DE
TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA
Um primeiro argumento favorável recai sobre a igualdade, que, antes tida
como proibição de privilégios, tem hoje novo significado, qual seja: de
amparo jurídico, atenuando efeitos da desigualdade econômica. Dentre
inúmeros institutos que tutelam a autonomia privada, evitando
desigualdades (hipossuficiência) e protegendo as empresas nacionais,
existe o INPI. Conforme pesquisa no site do INPI,

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passou por uma


reforma profunda, que mudou os rumos da instituição e a preparou
para os desafios a serem enfrentados no século XXI. Caminhar com
firmeza na direção de conceder direitos com agilidade e qualidade, e
promover a mais ampla atenção às necessidades da indústria brasileira
foram os balizadores da atuação do Instituto nos últimos anos.[1]

Como instrumento da política de desenvolvimento tecnológico adotada


pelo Governo Federal no combate à hipossuficiência supracitada, posições
estratégicas, estímulos à capacitação interna e tributação foram revistas
com o escopo de adequar o país à concorrência com o estrangeiro.
Portanto, com alterações momentâneas, circunstanciais, econômicas e
políticas, a tendência (e deve ser assim) é a variação. Sobre esse assunto diz
Ana Valéria Araújo:

O INPI torna-se, desta forma, um instrumento da política de


desenvolvimento tecnológico adotada pelo Governo Federal. Como já
vimos, o Governo Federal, e portanto também o INPI, adotaram em
várias ocasiões posições estratégicas como a política de substituição de
importações, de estímulo à capacitação interna das empresas
nacionais, de controle da evasão de divisas.[2]

Com função política atuante, o INPI, vale destacar, visa a proteção aos
licenciados ou receptores de tecnologia nacionais, objetivando extinguir
cláusulas prejudiciais à livre concorrência (principalmente cláusulas
abusivas envolvendo pagamento em moedas estrangeiras) buscando
patamares de equilíbrio e acesso a recursos.

Empresas nacionais que registram contratos de fornecimento de tecnologia


perante o INPI possuem validade dos contratos perante terceiros, além de
ser conditio sinequa non para a dedutibilidade dos pagamentos. Não
obstante, o registro eletrônico do contrato perante o Banco Central do
Brasil possibilita a aquisição de moeda estrangeira para remessas de
royalties e remuneração para o exterior. Consignando esse assunto,
segundo Denis Borges Barbosa:

(...) persistem, na forma da legislação tributária e cambial, as


competências delegadas ao INPI de atuar como assessor, ex ante, da
Receita Federal e do Banco Central na análise das questões atinentes
àquelas autoridades, relativas aos contratos que importem em
transferência de tecnologia. Também persistem as competências do
INPI no tocante à análise de legalidade intrínseca e o dever de suscitar
a necessidade de pronunciamento do órgão de tutela de concorrência
em casos em que o contrato, na forma apresentada ao INPI, seria
suscetível de violação das normas concorrenciais em vigor.[3]

Por fim, a Constituição Federal, em seu art. 172, planta raízes para uma
regulamentação. Há, indubitavelmente, uma importância vital da missão
de desenvolvimento econômico e de integração global, vinculado à proteção
dos direitos de propriedade industrial por meio do equilíbrio, assegurada a
igualdade de direitos, obrigações e oportunidades.

6. COMENTÁRIOS SOBRE O CASO


PRÁTICO ESCOLHIDO
A apelação em mandado de segurança 200651015041578 ilustra de forma
dramática a intervenção do INPI na esfera da autonomia da vontade das
partes, bem como mostra o antagonismo existente nos argumentos a favor
e contra a atuação do INPI neste sentido.

Na referida apelação, as partes eram: o Recorrente Koninklijke Philips


Eletronics N V; e o Recorrido INPI. O Apelante celebrou acordo de
licenciamento de patentes e realizou dois pedidos de patente com a
empresa, na atualidade denominada Novodisc Mídia Digital Ltda., foi
firmado a título de royalty o montante de US$0,06, por cada mercadoria
licenciada, podendo ser possivelmente reduzido para US$0,045, se o
licenciado arcar plenamente com suas obrigações contratuais. Sendo que
nenhum limite fora preestabelecido para remessa.

O acordo foi apresentado para averbação perante o INPI e este


estabelecera, no certificado de averbação, um patamar máximo de 5%,
baseando-se na razoabilidade e correta relação de balanço contratual,
elementos essenciais para perfeita manutenção e desenvolvimento das
atividades envolvidas no acordo.

Com base nas contrarrazões expostas pelo INPI, o acesso às mídias de


música pela internet ocasionou uma enorme baixa nas vendas de discos no
formato CD-R, e consequente diminuição nos preços. Com isso, a firmação
de um royalty embasado exclusivamente num valor concreto influenciando
sobre o comércio de cada disco resultou uma cláusula abusiva, sendo
cabível a interferência do INPI, nas condições do acordo em beneficio da
empresa brasileira licenciada.

A desembargadora Federal Liliane Roriz, argumentou que a interposição do


Estado no mérito econômico é justificada pelo zelo ao particular nacional,
que no caso, era notório o desequilíbrio de forças entre as partes. Versou
ainda, ser incabível a invocação do principio constitucional da livre
concorrência, uma vez que o mesmo é delimitado à unidade da
constituição, de fato cedendo a outros limites como a ordem pública,
função social da propriedade, tal como a função fundamental da República:
garantir o desenvolvimento interno. Se manifestou como o exposto a
seguir:

“Destaque-se ainda que é prática usual dos Estados a instituição de


normas cogentes na esfera dos contratos, podendo ser pouco restritiva,
quando se trata de Estado exportador de tecnologia, ou muito
restritiva, quando se trata de um importador.

Ressalta-se, também, que o art. 40.2 do TRIPs – acordo que foi


colocado em vigência no Brasil pelo Decreto n. 1.355, de 30/12/94 –
faculta às legislações nacionais a adoção de medidas para controlar ou
impedir práticas de licenciamento abusivas, que tenham efeitos sobre a
concorrência, o que é a hipótese dos autos.”

Dessa maneira foi interpretado pela Desembargadora Liliane Roriz, como


eficaz a interferência, e firmou a margem percentual em conformidade com
o máximo permitido para dedução fiscal em conciliação com o artigo 12 da
Lei nº 4.131/62:

“O INPI tem legitimidade para estabelecer limites para a remessa de


royalities, ao averbar ou registrar contratos internacionais de
licenciamento ou de transferência de tecnologia; no caso concreto,
havia nítido desequilíbrio financeiro entre as partes, o que autorizava o
INPI a intervir nas condições contratuais; e o limite estabelecido foi
razoável e adequado, a fim de restabelecer a relação de equilíbrio
contratual entre as partes”.

Pela maioria dos votos, a Segunda Turma decidiu, que o INPI não atuou de
forma abusiva ou equivocada, eis que tal intervenção fora necessária,
desprovendo recurso.

7. CONCLUSÃO
Os contratos de transferência de tecnologia são ferramentas de grande
relevância para a sociedade, pois permitem o acesso de tecnologias atuais,
mesmo em países ou em mercados que ainda não possuem tal
adiantamento técnico. Adicionalmente, independentemente do nível
tecnológico do mercado ou país, tais contratos possibilitam que elementos
novos, trazidos por novas ideias, novas técnicas, novas marcas ou novos
“designs”, sejam inseridos no contexto da competitividade e, mais
precisamente, da concorrência. Consequentemente, em função das
novidades trazidas pelas novas tecnologias, os demais atores (ou “players”)
de um dado mercado são quase que forçados a também buscarem novas
técnicas e formas de fazer seu negócio, propiciando, assim, ganhos ao
destinatário de seus produtos ou serviços, que, em muitos casos, é o
próprio consumidor.

A relevância de tais contratos é incontestável nos tempos atuais, tempos


estes de intensa globalização, de intercâmbio de dados, de troca de
informações, em suma, tempos nos quais a comunicação, em quase todos
os seus aspectos, deixou de ser barrada pela geografia, pela distância.
Assim, como uma consequência da maior integração entre as pessoas do
globo, o comércio e os contratos sofreram também acentuado aumento em
quantidade e em complexidade. Uma técnica desenvolvida e,
eventualmente, patenteada hoje, em um dado país do globo, pode ser
objeto de um contrato de licenciamento de patente ou de cessão de know-
how em outro país, diverso e distante de onde a técnica foi desenvolvida.
Resta claro, desse modo, que a riqueza decorrente destes contratos já não
vê fronteiras, de forma que tanto a parte licenciante quanto a parte
licenciada podem extrair frutos promissores da troca havida em torno da
tecnologia. Exemplo recente que pode ser dado é o contrato envolvendo os
novos jatos para a Força Aérea Brasileira, firmados entre o Governo
Federal do Brasil e a empresa Saab da Suécia.

Neste diapasão, de forte fluência dos contratos e do comércio internacional,


é difícil encontrar razões críveis que justifiquem a postura demasiadamente
protecionista e intervencionista do INPI. Tal postura poderia até ter certa
lógica no contexto vivido na década de 1970 em pleno regime militar, no
qual a política pública para a economia era voltada à substituição das
importações e o fortalecimento de indústria de base. Porém, nos tempos
atuais, não é possível compreender que há um retorno a este pensamento
dos anos 1970, mesmo depois da longa caminhada rumo à abertura
econômica feita pelo Brasil, iniciada durante os governos militares e que
culminou nos anos 1990 com a mudança das leis que regem a propriedade
intelectual, como a Lei 9.279/96, por exemplo.

Adicionalmente, tão danoso quanto o retorno ao intervencionismo tem sido


a falta de base legal para que o INPI atue como vem atuando. Sendo o INPI
uma autarquia federal ligada ao Poder Executivo, seus atos devem seguir os
ditames do direito administrativo e, sobretudo, os comandos e princípios
postos na Constituição Federal de 1988. De forma mais resumida e
objetiva, seus atos devem seguir o princípio da legalidade, pois sem seguir
qualquer lei que defina precisamente seus atos, surge a figura temida por
qualquer investidor: a insegurança jurídica. Desse modo, o INPI vem
prestando um grande desserviço ao comércio internacional do Brasil, à
incorporação de novas tecnologias e técnicas ao mercado brasileiro e à
atração de investimentos estrangeiros.

Por fim, cabe ainda ressaltar que a lacuna legal sobre a qual se baseiam os
atos do INPI, em muitos casos, acaba por ter que ser resolvida pelo
Judiciário, o qual pode, ainda, agravar a situação, anuindo com a
ilegalidade do INPI, como pôde ser visto no julgado aqui discutido.
Contudo, sendo assim manifesto o desejo do INPI de intervir e “proteger”
os nacionais, por que, então, não mover esta pauta para o Legislativo e,
desta forma, iniciar uma discussão com a sociedade? Com
intervencionismo e protecionismo aliados à insegurança jurídica, o Brasil
só tem a perder.

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1995, São Paulo. Anais... Curitiba: ABPI, 1995.

XX SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 90.,


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XXVII SEMINÁRIO NACIONAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL, 167.,


2007, Rio de Janeiro. Anais... São Paulo: ABPI, 2007.

[1]Disponível em:
http://www.inpi.gov.br/images/stories/downloads/pdf/INPI_Relatorio_C
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Acesso em: 20 abril 2014.

[2]ARAÚJO, Ana Valéria. Contratos de Propriedade Industrial e


Novas Tecnologias. 2 Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. P. 179.

[3] ARAÚJO 2009, apud BARBOSA 2003, p.167.

Disponível em: https://gustavosartori.jusbrasil.com.br/artigos/334796035/contratos-de-transferencia-


de-tecnologia

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