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Crônica do

Crônica do

TM

Um Tomo Proibido do Conhecimento da Wyrm


Escavado, compilado e anotado por Frater I*I, Guardião da Orbe Negra e Contemplador do
Abismo.

Primeira edição: ©1970 por Editora RedBletter, São Francisco


Isenção de responsabilidade original: O Editor não assume nenhuma responsabilidade por
danos físicos ou espirituais resultantes do abuso não esclarecido dos incríveis segredos cósmicos
revelados neste documento. A verdade não ficará escondida.

Esta edição: © 1995 por Publicações Llewballah.

As Cartas de um Centurião citadas da "História dos Britânicos de Nennius com apêndices",


também chamados de Miscelânea Histórica Britânica, Museu Britânico Harleian ms
3859; reimpresso por cortesia do Museu Britânico.

Trechos de Fabulae et Cantae Scotti derivados do original Crônica do Labirinto Negro, ©1735,
por Lorde Alfred Craven.

O Julgamento do Monge Negro adquirido na Biblioteca do Vaticano e reimpresso sem


permissão.

“Ex Disputandem Re Supernibus Ab Probati Quaestori Adversarique” de A peregrinação do


Jovem Questor, derivado do original Crônica de Lorde Craven.

Professor Webley e o Estranho Caso do Misterioso Oriental publicado originalmente em Pata-


Rachada trimestral, vol. iii, n. 5; Stanley Kirowan ed.; reimpresso por cortesia da propriedade
literária de De Grandin.
As obras do Suserano de Demborough foram reimpressas da coleção pessoal de Frater I*I.
Crônica do

TM

Conteúdo
Prefácio à Edição de 1995 iv
Prefácio à Edição de 1970 vi
Introdução 1
Livro I: A Era da Calamidade
1. Cartas de um Centurião 6
2. Fabulae et Cantae Scotti 18
Livro II: A Era do Consumo
3. O Julgamento do Monge Negro 30
4. Ex Disputandem Re Supernibus ab Probati Quaestori Adversarique 43
Livro III: A Era da Corrupção
5. Professor Webley e o estranho caso do misterioso oriental 56
6. Os Ritos do Suserano de Demborough na Abadia de Phelegma 67
Parte i: O Rito do Conhecimento e Conversação do Maeljin Incarna e da Evocação e 68
União do Instinto
Parte ii: Liber O.O.O.: Sobre os Graus de Iniciação, Seus Títulos e Deveres, com 72
referência aos desafios encontrados dentro do Labirinto da Espiral Negra
Parte iii: Liber C.C.C.: Sobre a Procissão das Eras, As Chaves Evocativas dos 78
Instintos, e os Maeljin Incarna relacionados
Posfácio 86
Notas 87
iv

Prefácio à edição de 1995

O livro que você tem agora representa a parcela final da série de reimpressão dos Clássicos
da Literatura Magika desta editora, que reuniu as melhores obras de religiosos, místicos, arca-
nos e esotéricos e as apresentou em traduções modernas, confiáveis e legíveis.
O maior prazer de trabalhar nesta série é a apreciação que ela traz à ampla variedade de
pensamentos místicos de todo o mundo, à rica diversidade da tradição global que encontra
muito de seu florescimento e realização neste século, geralmente considerada a mais espiritu-
almente empobrecida de todas as eras. O objetivo desta editora sempre foi enobrecer a alma, o
que pode ser cultivado por meio da meditação sobre os diversos, e às vezes até conflitantes,
pontos de vista mitopoéticos de todos os povos da terra.
Isto não pode ser afirmado sobre o presente trabalho.
O que se segue é, na opinião deste editor, um dos exemplos mais repugnantes da tentativa
de justificar os excessos do que Aleister Crowley chamou de Irmandade Negra ou Caminho da
Mão-Esquerda. Ler este trabalho não é diferente de uma tentativa de navegar no “labirinto”
que ele pretende descrever. Em seu curso, o compilador revela-se do caráter mais inescrupu-
loso, desprovido de sentimento humano simples e incapaz de exibir até o mérito literário mais
superficial. Seu conhecimento da história é, na melhor das hipóteses, incompleto e, na pior,
apócrifo. Suas próprias opiniões e gostos parecem vacilar ao longo da obra, mostrando-nos por
que um trabalho sério de natureza acadêmica nunca deve ser tentado sob a influência de alu-
cinógenos. A pequena verdade metafísica que existe, ele apresenta apenas em uma forma tão
degradada que inverte tudo o que ela representa. Em suma, esta obra nada mais é do que um
tipo de pornografia misteriosa e esotérica.
Prefácio à edição de 1995 v

Esta reimpressão foi publicada apenas sob a demanda cada vez mais estridente do que este
editor deve assumir serem sujeitos inescrupulosos marginalizados que inevitavelmente se infil-
tram nas subculturas ocultistas mais sérias.
O pós-escrito merece atenção especial. Sua inclusão só pode ser considerada uma piada
de mau gosto, muito possivelmente feita às custas do editor original, que desapareceu logo após
este volume ter sido disponibilizado ao público. Não pode ser tomado ao pé da letra, pois as
atividades e o paradeiro de seu principal ator, mesmo durante esse período caótico, são uma
questão de registro público e de folclore oral. A proeminência dessa pessoa, pode-se até dizer
deificação, na mídia underground é sintomática dos equívocos delirantes pelos quais o público
em geral tenta se divorciar da responsabilidade inerente ao aprimoramento espiritual genuíno.
Embora haja inegavelmente grande conhecimento a ser obtido, e até mesmo um grau de ilumi-
nação a ser alcançado, de uma prudente e cautelosa “simpatia pelo diabo”, esse tipo de adora-
ção cega só pode levar à doença mental e à ruína.
Nós aqui da Publicações Llewballah nunca nos esquivamos do dever do místico de co-
nhecer o mal encarando-o de frente. Isso o leitor fará toda vez que abrir este livro. Parece
supérfluo a princípio advertir firmemente o leitor contra a tentativa de qualquer uma das ati-
vidades rituais aqui descritas, mas a própria existência deste livro, juntamente com a demanda
atual por ele, apenas enfatiza a necessidade de tal advertência.

Babaji Ashley Simes


Editor-chefe de Reimpressões
Publicações Llewballah
Prefácio 1995
vi Prefácio à edição de 1970

Prefácio à edição de 1970

Meu primeiro encontro com a entidade conhecida como Frater I*I ocorreu durante o
Verão do Amor na agora famosa casa noturna de L.A., o Whisky-a-Gogo. Naquela noite, ouvi
o tecno-xamã moderno Jim Morrison e seu grupo, The Doors, exercitarem o ofício escolhido,
que, pelo que me lembro, consistia em derrubar e explodir sistematicamente todas as barreiras
psicológicas do público. Os ritmos pulsantes do Sr. Densmore forneceram o ímpeto espiritual
que nos impulsionou para fora de nossos corpos, do próprio clube, lançando-nos em um voo
interno que o Sr. Krieger sustentou com uma harmonia agridoce; O Sr. Manzarek nos induziu
a complexidades labirínticas de abstração e nos deixou, abandonados, até que a voz poderosa
do Sr. Morrison nos levou de volta ao aqui e agora.
Seu número final, uma jornada apocalíptica prolongada através do submundo escuro do
inconsciente pós-moderno, culminou com um poema em prosa solene revelando a selvageria
edipiana da libido primordial. Devo confessar que essa performance me tocou tão profunda-
mente que parece que experimentei o que é conhecido no vernáculo como um “surto”; domi-
nado pela emoção, caí no chão a soluçar e a ter convulsões, emitindo um uivo ocasional de
profunda angústia.
Suponho que eu devo ter sido expulso do clube; minha próxima lembrança coerente foi
a de estar deitado em um beco do outro lado da rua algum tempo depois de fechar, fedendo a
álcool e urina. Eu parecia ter sido incomodado pela vida selvagem local, pois minha carteira,
bem como meu colete de couro com franjas finas e botas de pele de cobra, tinham sumido.
Enquanto absorvia isso tudo, percebi que alguém me observava das sombras do beco. Esta pes-
soa, baixa e magra com ombros curvados, vestida de preto e ostentando um estranho molde
oriental em suas feições morenas, deu um passo à frente e se apresentou como “Frater Eye Eye”.
vii

Com pena de mim em meu estado lamentável, ele me convidou a voltar para seu “apar-
tamento”, um porão sujo, onde me ofereceu camomila e vitaminas B. Quando minha cabeça
clareou, percebi que estava sentado no meio do que deve ser a mais arcana biblioteca ocultista
deste hemisfério; o apartamento inteiro estava empilhado do chão ao teto com antigos tomos
encadernados em couro e pergaminhos manuscritos em ruínas.
Conversamos sobre todos os tipos de assuntos esotéricos até bem depois do nascer do sol.
Achei Frater I*I extremamente culto em todos os tipos de arcana, desde as infraestruturas
conspiratórias da tradição hermética, a qualquer número de cultos asiáticos obscuros, às danças
animais dos xamãs primitivos. Quando nosso discurso se voltou para este último assunto, ele
fixou em mim seus olhos escuros e me perguntou muito claramente o que eu achava do desem-
penho do Sr. Morrison no início daquela noite. O constrangimento me incomodou quando
percebi que, se ele tinha visto o The Doors, sem dúvida havia testemunhado meu colapso his-
térico também. Gaguejei uma resposta ininteligível.
“Não tenha medo de se confrontar, cara”, ele me disse então. “A experiência foi apenas
algumas horas atrás, mas você ainda está passando por um estado muito tênue de iniciação.
Quer você tenha a intenção ou não, você olhou para dentro esta noite, você viu o seu ser
interior como ele é. É a abertura do olho, cara, o vislumbre além, a entrada para o Primeiro
Círculo – você conseguiu! Mas como você reagir aqui determinará como todas as suas inicia-
ções futuras irão progredir. Você não pode fugir dessa escuridão – é tudo você de qualquer
maneira! Suprimir a sombra apenas lhe dá mais poder para corroer o lado cego de sua alma!
Este é o poço no centro de tudo, e você tem que mergulhar e ficar olhando para baixo, cara,
para não cair nas garras de Foebok e ser feito um escravo do Medo.”
Embora eu não tivesse nenhuma ideia consciente de como responder a essa explosão, algo
nas minhas entranhas retumbou e se retorceu em resposta ao tom de voz crescente de Frater
I*I. Senti o gosto da bile na garganta, e então foi como se meu cérebro tivesse se rompido,
inundando minha cabeça com todo o trauma de meu colapso anterior, agora claro e sem nuvens
de entorpecentes. Descobri-me revivendo, em detalhes nítidos, todas as vergonhas e agonias
secretas infligidas a mim por minha família, torturas tão profundas que não têm componentes
verbais; eu os via como um eixo em torno do qual minha alma havia se torcido, um nó cance-
rígeno que ameaçava me engolir em auto-repugnância.
Eu sei que poderia ter morrido naquele momento; toda a vontade de viver e todo o sentido
do eu drenado de mim, revelando abismos sem fundo de desespero. A única coisa que me im-
pediu de partir então e foi o próprio Frater I*I, que me conduziu para fora daquele labirinto de
fuga psicodramática terrível com o som de sua voz; com sua orientação, fui capaz de abrir ca-
minho através do nó do ódio e encontrar a verdade além da dor. Eu me banhei em um novo
entendimento.
Eu havia atingido um estado que não poderia nem mesmo ter começado a atingir depois
de anos de terapia custosa. Nas próximas semanas visitei Frater I*I com frequência, subme-
tendo-o a intensos interrogatórios sobre as técnicas que ele usou para me guiar por meio dessa
arquetípica “Bad-trip” e das alusões misteriosas que pontuaram seu discurso. Suas explicações
constituem o volume que você agora possui. Com base em relatos ao longo da história, Frater
I*I traçou a formação e o desenvolvimento de uma tradição secreta de atividade mística, co-
nhecida por vários nomes em várias épocas, mas unida por uma tradição esotérica comum. A
iniciação nesta tradição assume a forma de experiências como a minha, em que a sombra escura
do subconsciente do iniciado é confrontada e superada. Cada grau de iniciação é comparado à
passagem por um braço de um grande labirinto em espiral conhecido como Labirinto Negro,
que existe no Templo Obscura além do tempo e do espaço. À medida que a pessoa avança ao
viii

longo da espiral até o centro, é testada quanto às qualidades e faculdades que permitem com-
preender o segredo dos segredos que o aguarda no coração do Labirinto.
Nos anos seguintes, recebi, em intervalos irregulares, fragmentos de manuscritos nos quais
Frater I*I traçara uma cronologia aproximada dessa tradição secreta por meio de uma variedade
de documentos históricos que ele analisou e anotou cuidadosamente. As informações contidas
neste trabalho podem ter um impacto profundo em escolas de pensamento tão diversas como
a antropologia e a metafísica. Frater I*I prometeu entregar um pós-escrito que traz a cronologia
até os dias atuais, mas, no momento em que escrevo, ainda não o recebi.
Tomei a decisão de publicar neste momento específico, quando, enquanto assistia ao no-
ticiário da noite, percebi que nosso país estava em processo de confrontar sua própria sombra
coletiva. Nos extremos polares da ordem social estabelecida e na libertação da revolução con-
tracultural, encontramos lutas civis, perpetuando e perpetuadas por verdadeiros nós górdio de
ódio a si mesmo. O estado, sobrecarregado com o excesso de regulamentação, torna-se um
motor de destruição que não pode (ou não vai) distinguir entre amigos e inimigos. Nós nos
refugiamos nas fileiras da Revolução do Amor, mas mesmo essa inocência militante não resistiu
à visão de seus slogans rabiscados em sangue sacrificial na tela da televisão. Como planeta,
vivemos em uma sombra de obliteração total que corrói a esperança; como raça, nossa passa-
gem por esta era dependerá de saber se podemos aprender as duras lições do Labirinto Negro –
para qual fim eu ofereço este volume como um guia através do labirinto de crises de nosso
tempo.

Egbert Reeve, Editora RedBletter


São Francisco, 1970
Introdução

Em 1735, Lorde Alfred Craven publicou o Crônica do Labirinto Negro, o progenitor ho-
mônimo do volume que você agora possui. A intenção declarada deste trabalho, que foi apre-
sentado ao rei George II em forma de manuscrito antes de sua publicação, era expor uma vasta
rede de intriga e conspiração dirigida à linha real britânica em particular e à integridade cultural
da nação inglesa em geral.
Lorde Craven, um cavaleiro da guerra aposentado e autodenominado erudito, passou a
maior parte de sua carreira defendendo a coroa contra Carlos Eduardo (o “Velho Pretendente”
que buscava recuperar o trono para a linhagem Stuart) e foi gravemente ferido no primeiro
levante jacobita uns vinte anos antes. A primeira metade da obra de Craven é uma obra-prima
de raciocínio circular que rivaliza com muitos tratados paranoicos modernos, entrelaçados com
acusações específicas contra muitos membros da corte do rei e do governo parlamentar, apre-
sentadas no estilo Grande Inquisitorial. Esta conspiração, que Craven chama de Labirinto Ne-
gro, se estendeu pelas Ilhas Britânicas e além, envolvendo a maior parte da Europa, bem como
as colônias americanas, e foi descrita de forma a tornar qualquer resposta que pudesse ser feita
a ela uma admissão de culpa. Identificando a fonte da conspiração na Escócia, ele não para por
aí; a segunda metade do Crônica retrocede na história, rastreando a malícia desenfreada dos
escoceses e seus co-conspiradores até as ações de entidades sobrenaturais sombrias cujas origens
se perderam nas brumas da pré-história.
Embora ele mesmo não percebesse, Craven, em virtude de suas pesquisas persistentes e
totalmente completas, descobriu uma tradição mística sem paralelo na filosofia oculta ociden-
tal. Para aqueles educados na psicologia de C. G. Jung, seu princípio central é surpreendente-
mente familiar; deve-se identificar e confrontar sua Sombra, o aspecto escuro e rejeitado de sua
2 Crônica do Labirinto Negro

personalidade, então abraçá-lo e se reconciliar com ele, obtendo assim equilíbrio e força inte-
rior. Tendo feito isso, pode-se agora realizar a mesma operação dentro do mundo em geral,
reconciliando o mundo com sua própria Sombra, personificada como a Wyrm, a grande Cor-
ruptora.
Infelizmente para Lorde Craven, sua própria Sombra, seu ódio paranoico por todas as
coisas escocesas, o cegou para as consequências inevitáveis de suas ações. George II era, através
de sua avó Sophia, Princesa de Hanover, descendente do Rei James I, o tradutor bíblico auto-
rizado anteriormente conhecido como James VI, Rei da Escócia. Enfurecido com a presunção
de Craven e horrorizado com as descrições vívidas do Crônica dos hábitos de reprodução esco-
ceses medievais e sua degeneração hereditária resultante, o rei ordenou que todas as cópias
conhecidas do livro queimassem e mandou decapitar Lorde Craven sob a acusação de traição.
A desgraça que então caiu sobre o nome da família Craven persistiu por quase um século.
O compilador do presente volume encontrou uma cópia pirateada do Crônica do Labi-
rinto Negro em um sebo pestilento na cidade de Nova York por volta de 1960. Certos nomes
de famílias implicados por Craven na intriga labiríntica provaram elucidar a compreensão mar-
ginal do compilador de sua própria hereditariedade. O fascínio que se seguiu pelo trabalho
culminou na profunda compreensão dos princípios básicos da tradição mística da Wyrm. Du-
rante o curso dessa realização, que o compilador considera ser sua Dança da Iluminação, o
compilador foi contatado por certos guias espirituais chamados Malditos, que o levaram para o
interior do estado até o local em ruínas da antiga Abadia de Phelegma. O resultado dessa pe-
regrinação espiritual desde então moldou a vida do compilador, trazendo-o para sua identidade
atual, e constitui o Capítulo Seis deste trabalho. Foi a escavação desses documentos que o
pressionou sobre a necessidade de uma versão moderna do Crônica do Labirinto Negro.
Depois de uma busca inútil de validação acadêmica da descoberta do compilador do Crô-
nica pirata, ele ficou muito satisfeito por ter se correspondido com o professor de antropologia
comparativa da Universidade de Edimburgo, W. Richard MacLish. Sem a orientação sábia e
perspicaz do Professor MacLish, a compilação e tradução dos seguintes documentos não pode-
ria ter ocorrido.
Tentando sem sucesso estabelecer um ramo da Ordem Pretânica (como a irmandade da
Wyrm é conhecida) em Nova York, o compilador voltou seu olhar para o oeste, onde mentes
afiadas estavam se reunindo em busca da verdade. Em São Francisco, ele conheceu o Sr. Egbert
Reeve, cujo anseio por iluminação espiritual e negócios de publicação independente tornaram
a edição moderna do Crônica do Labirinto Negro uma realidade. O Sr. Reeve não é apenas um
bom amigo, mas também um parente; seu nome é derivado do Gaelo-Picto Redb, uma herança
antiga que ele compartilha com o compilador. Sem seu grande interesse e amável assistência,
junto com os generosos recursos da Editora RedBletter, este volume não teria acontecido.

Frater I*I, Guardião da Orbe Negra e Contemplador do Abismo.


São Francisco, 1968
6 Crônica do Labirinto Negro

LIVRO I:
Capítulo Um: Cartas de um Centurião 7

A ERA DA CALAMIDADE
6 Crônica do Labirinto Negro

Capítulo Um:
Cartas de um Centurião

O conteúdo deste capítulo foi retirado do Museu Britânico Harleian MS 3859, às vezes referido
como “História dos britânicos de Nennius com apêndices”, mas comumente conhecido pelos estudiosos mo-
dernos como a Miscelânea Histórica Britânica. O último título é o mais apropriado, pois nada mais é do
que uma coleção confusa de documentos sem nenhuma tentativa de inventário ou categorização, e contém,
entre outras coisas, orações em latim, parte de um sermão de Santo Agostinho de Hipona, e uma obscura
geografia Cita. Adquirida pela Biblioteca Harleian em 1729, foi datada da segunda metade do século X
e atribuída ao scriptorium de St. David's.
O Crônica do Labirinto Negro termina com uma versão muito distorcida do seguinte relato, que
Lorde Craven provavelmente derivou de traduções de segunda e terceira mão, tendo o acesso à Biblioteca
Harleian negado por causa de sua veemência impolítica. Frater I*I se esforçou para produzir uma tradução
moderna legível, mas a condição deteriorada de grande parte do manuscrito resultou apenas no texto frag-
mentário abaixo.
Nosso narrador, Titus Germanicus, era um centurião estacionado em Corstopitum (a moderna Cor-
bridge), ao longo da Muralha de Adriano por volta de 200 DC. Seus esforços para empurrar a fronteira
mais ao norte, sem dúvida, resultam do desejo do imperador Septímio Severo de ver a fronteira romana
cercar todas as Ilhas Britânicas.
A origem germânica sugerida pelo sobrenome de Titus (e mencionada posteriormente no documento)
é incomum, já que a cidadania não foi estendida a homens livres não latinos até o edito de Caracalla,
alguns anos depois.
O Legado a quem essas cartas são endereçadas foi Caius Estulitius Incitatus.
Capitulo Um: Cartas de um Centurião 7

[S]audações Legado!
[D]e acordo com seu comando, comprometo-me a postar este relatório de eventos recentes
ao longo da Muralha da fronteira.1 A Muralha ainda contém esse ramo do Império, mas temo
que não a um preço baixo. As tribos selvagens da Caledônia2 ainda perseguem e invadem a
fronteira, apesar das quantias ultrajantes que são pagas regularmente a seus reis e chefes. Cor-
rendo o risco de desafiar a sua sabedoria e de seus ancestrais, eu proporia que o Império cessasse
seus pagamentos aos líderes que não têm controle sobre seus súditos em primeiro lugar!
[E]m vez dessa abordagem, eu recomendaria uma estratégia mais eficaz com base nas infor-
mações que coletei nos anos desde que comecei a trabalhar neste posto. Aprendi um pouco
sobre as inimizades tribais e as lutas de poder que existem na Caledônia e tenho certeza de que
tais situações podem eventualmente ser exploradas para manter intacta esta fronteira.
[P]or meio de alguns informantes nativos, soube que a Caledônia é habitada não apenas
pelas tribos Goidélicas dos Celtas, com as quais já estamos familiarizados, mas por outra raça,
totalmente separada e não necessariamente amigável aos Celtas.
[D]esde que o divino Adriano construiu a grande muralha que percorre toda a extensão da
fronteira, o Império tem sido atormentado por relatos de guerreiros ferozes e selvagens, nus e
cobertos da cabeça aos pés com tatuagens azuis, que parecem surgir do nada e muitas vezes con-
seguem arrastar nossos valentes homens das paredes da Muralha com ganchos, fazendo um ban-
quete com sua carne diante dos olhos horrorizados de seus camaradas.3
Esses Pictos, assim chamados por sua aparência pintada, ocupam as regiões do noroeste da
Caledônia, de onde enviam grupos de invasores para perseguir os Gaélicos (como são chamadas
as tribos Goidélicas), bem como fortalezas Romanas. Proponho armar esses Pictos contra os
Gaélicos e cultivar um ódio ainda maior entre esses dois povos.
[P]ara esse fim, convidei Brennus, o supremo rei dos Pictos, para negociar em Eboracum4.
Lá vou propor que ele se alie a Roma contra os Gaélicos. Se eles puderem ser mantidos na
garganta uns dos outros, então eles não terão homens ou energia para gastar em combates cus-
tosos ao longo da muralha, e o resto da Britannia pode permanecer segura dentro da Pax Ro-
mana.
[T]itus Germanicus, Centurião, CVIIIa legião

[S]audações Legado!
[L]amento informar que a negociação em Eboracum foi inconclusiva. O rei Brennus dos
Pictos5, embora seus modos fossem reservados e evasivos (ao estilo da maioria dos governantes
bárbaros, ou assim eu descobri), pareceu achar graça na minha proposta. Infelizmente, subesti-
mei completamente a extensão da anarquia que prevalece além da Muralha. Qualquer acordo
que esse selvagem possa fazer conosco provavelmente não será honrado pelas tribos Pictas que
supostamente lhe devem lealdade.
[E]stranhamente, eu aprenderia essa lição com o próprio Brennus, que fala com total fran-
queza sobre o estado lamentável de seu reino. O homem é um estudo interessante; há uma
nobreza tranquila, mesmo nas sobrancelhas inclinadas, nas narinas largas e na mandíbula pesada
e sem barba. Ele é quase tão alto quanto meu ombro, pesando menos da metade do meu peso;
mas é tão ágil e vigoroso como uma pantera. Vestido apenas com uma culatra e aquelas tatuagens
azuis espiraladas, armado apenas com uma lança curta com ponta de ferro sem adornos e uma
adaga simples de fabricação Celta, ele caminha entre o poderio Romano reunido no Eboracum
como se tivesse um século em seus calcanhares.
[E]mbora ele carregue em si todo o autodomínio de um monarca civilizado, ele se refere a
seu povo apenas de uma forma desapegada e triste; suponho que as famílias governantes do
8 Crônica do Labirinto Negro

reino dos Pictos tenham mantido o poder por tanto tempo que se tornaram isoladas, isoladas
das bases de seus súditos. Também suspeito de algum grau de endogamia entre os governantes,
também comum nas aristocracias selvagens.
[Q]uase todas essas especulações preliminares foram anuladas quando tive tempo de obser-
var Brennus interagindo com sua comitiva. Cerca de meia dúzia de guerreiros Pictos o acompa-
nharam a Eboracum como parte de sua guarda pessoal. Eles são baixos, mais baixos até do que
o próprio Brennus e cobertos com tatuagens semelhantes. Aí a maior parte da semelhança ter-
mina; enquanto seu rei exala uma nobreza selvagem, estes são espécimes grosseiros e degradados,
suas espinhas curvas, sua fala gutural, sua pele doentia, escamosa e enferma.
“Você notou o estado lamentável de meu povo”, Brennus me disse, “mas saiba disso, Ro-
mano: estes homens são os melhores que tenho à mão. Seus corpos estão torcidos pelo mal que
envolve minha terra, mas seus espíritos são ainda mais imaculados. Eu sei que seus corações são
leais a mim, e o sangue que flui neles é o dos verdadeiros Uivadores Brancos6, não—” e aqui
Brennus parou, aparentemente consumido por uma fúria que foi contida apenas por sua von-
tade de ferro. Ele fez menção de partir, parou, falou comigo de costas: “Você nos cortejaria
como aliados, Romano? Você nos emprestaria suas lanças contra os Gaélicos? Então escolha seus
homens mais próximos e faça-os montarem! Você deve encontrar aqueles que lutariam ao seu
lado! Quando você estiver pronto, vou levá-lo ao coração das terras dos Pictos!”
E aí está, Legado. É claro que esta será minha última missiva por algum tempo, mas minha
próxima comunicação deve ser das melhores notícias; em breve, lançaremos os Celtas ao mar e
redesenharemos a fronteira romana para abranger toda a Caledônia!
[T]itus Germanicus, Centurião, CVIIIa legião
Capitulo Um: Cartas de um Centurião 9

Estas são as duas únicas cartas completas de Germanicus. Embora


obviamente nunca tenham sido enviadas a Roma, é improvável que Ger-
manicus as tivesse levado consigo para as terras dos Pictos. Frater I*I
acredita que elas foram de alguma forma preservados em Eboracum e
posteriormente recuperadas por Nennius ou algum compilador sem nome.
Essa teoria é corroborada pela diferença de condição entre elas e a nar-
rativa que se segue. Embora as duas cartas tenham sido copiadas para o
manuscrito propriamente dito (a letra iluminura de cada parágrafo dei-
xada inacabada), a narrativa a seguir está escrita com a caligrafia do
próprio Germanicus e foi dobrada na contracapa do manuscrito, prova-
velmente para inclusão posterior como um “apêndice”.
O que se segue pode realmente ter começado como uma série de
cartas a Incitatus, mas seu estado decadente e fragmentário deixa esta
questão sem resposta. Provavelmente, esses fragmentos incluem o próprio
diário ou notas pessoais de Germanicus, a partir das quais ele pretendia
escrever seu relatório de volta a Roma após seu retorno triunfante.
[...] Saindo de Eboracum, passamos pelas ruínas da Torre
de Trajano7. Olhares estranhos passaram entre Brennus e seus
homens, e houve murmúrios furtivos. Mais tarde, um batedor
Galês em nosso grupo que sabia um pouco da língua Picta contou
que os homens de Brennus lhe disseram acusadoramente: “Você
os chamou e eles se lembrarão”.
[...]
A paisagem é bela em sua dureza Espartana. Vastos campos
ondulantes de urze estendem-se sob os céus cinzentos; as colinas
rolam suavemente em alguns lugares, em outros se projetam em
ângulos estranhos com rochas traiçoeiramente nuas. Perguntei a
Brennus [...] “[...] mas não pense que a terra sempre foi como
você a vê agora. Quando meu povo aqui chegou, nós caminha-
mos, pois os mares ainda não haviam dividido a terra. A terra
estava puxando seu manto de gelo, e nós caçamos renas, bisões e
mamutes através das planícies. Não fique pasmo, Romano! Pois
o meu é um povo antigo, e nossas memórias remontam a mais
longe do que você pode imaginar!
“Quando os oceanos subiram, fomos levados de volta para
as colinas, e florestas exuberantes cobriram grande parte do
campo. Meu próprio totem, o Leão, floresceu aqui, assim como
o veado vermelho, o javali e muitos outros animais, que se extin-
guiram com a morte das terras selvagens."
[...]
A miséria desse povo é deplorável. Eles não têm moradias
adequadas, mas vivem principalmente em montes de terra. Dis-
seram-me até que existem pessoas nas terras altas que vivem em
cavernas e tocas como animais comuns.
10 Crônica do Labirinto Negro

Existem alguns fortes de madeira e pedra onde Brennus nos permite acampar e estábulos
para os nossos cavalos. Dentro dos fortes podem-se ver ferramentas e armas de bronze e ferro, a
maioria obviamente de origem Goidélica. Alguns, no entanto, acho que são produtos da arte
dos Pictos; são trabalhados de forma tosca e desajeitadamente decorados com imagens de ani-
mais fantásticos em espiral.
Longe dos fortes, mesmo esses itens lamentáveis estão longe de ser vistos; a maioria dos
súditos de Brennus perdem sua existência estéril com nada mais do que pedra e instrumentos
de madeira, vivendo não melhor do que trogloditas.
[...]

Esta próxima parte parece ter sido escrita imediatamente após o evento o qual descreve, pois o texto,
rabiscado apressadamente em latim “estilo graffiti” contraído, está quase irremediavelmente fragmentado
por marcas de queimaduras, manchas de sangue e impressões digitais sangrentas e outras manchas menos
identificáveis.
[...] tombou, despejando faíscas e respingos de brasas na lateral da tenda, que se transfor-
mou instantaneamente em um lençol de chamas. Agarrando rapidamente meu [...] “– pequenos
selvagens imundos nos enganaram –” então foi interrompido com um som de rasgar úmido [...]
espadas brilhando à luz do fogo, rostos brilhantes de homens gritando de dor e medo, grunhidos
de enormes [...] sangue e mais sangue conforme meu gládio mordeu profundamente [...] afastado
com um punhado de pelo emaranhado e gordura, em seguida, virou [...] rosto de pesadelo, pe-
quenos olhos de porco resplandecendo de um verde doentio de fúria, encimados por grandes
orelhas de morcego marcadas por muitas batalhas; mas a boca era a pior, abrindo em um ângulo
estranho, quase para os lados, dividindo o rosto verticalmente, mandíbulas que geravam presas
não em fileiras naturais, mas em todas as direções [...] baixo e borbulhando no fundo da gar-
ganta, babando uma baba viscosa que fazia o solo soltar fumaça onde caía [...] ver por cima de
Capitulo Um: Cartas de um Centurião 11

seu ombro coriáceo, Brennus, estranhamente transformado [...] olhar ardente e feroz encontrou
o meu na mesma altura [...] membros agora mais longos, mais fortemente musculosos, amplo
peito azul cruzado com barras vermelhas brilhantes. Rosnando, ele investiu [...] não muito ator-
doado com o impacto para testemunhar uma metamorfose ainda mais surpreendente no rei dos
Pictos: seu rosto achatado se estendeu em um focinho canino, pelos brancos e finos brotaram
instantaneamente em todo o seu [...] cortando, rasgando, rasgando uns aos outros com uma fúria
que queima mais quente do que o próprio sol, uma fúria que faria até mesmo os deuses perde-
rem seu [...] com um último suspiro desesperado, arrancou seu prêmio e ergueu-o, ainda ba-
tendo, para o céu negro cheio de fumaça. Seu uivo de vitória cortou a noite, então ele cravou
seus grandes dentes em [...]

Esta próxima passagem foi obviamente escrita mais tarde, sob condições menos turbulentas, tornando-
a muito mais fácil de ler e traduzir.
[Eu disse: “... você] pode me chamar de Romano, mas saiba que nasci nas florestas germâ-
nicas, que meu coração foi forjado nas chamas geladas das terras do norte e que sou parente dos
berserkers, eles que são parentes do lobo Fenris! Muito antes de frequentar escolas Romanas ou
pegar uma espada Romana, eu tinha tios Vitki e tias bruxas que me ensinaram os costumes
antigos, a tradição das runas e os caminhos dos parentes de Fenris. Você teria que fazer melhor
do que isso para me chocar, ó Rei dos Pictos.”
O rosto de Brennus permaneceu impassível. Seu olhar não deixou os restos fumegantes do
acampamento, com suas piras que construímos para nossos camaradas caídos. (Estremeci ao
lembrar que nem todos os meus homens foram encontrados entre os mortos).
“Como desejar, então”, ele disse por fim: “Seus parentes lhe ensinaram sobre o Di Triplecti
– do Magnis Vermis?”8
“Oh, sim! Nós o conhecemos como Jormungandr, a Serpente de Midgard. Diz-se que seu
despertar anuncia o Ragnarok, o fim de todas as coisas.”
“E assim deve ser–” seus olhos se estreitaram quando ele se virou para mim, “... para nós,
de qualquer maneira.”
“Explique-se.”
“Não pensem que vocês – vocês Romanos, quero dizer – são os primeiros a tentar invadir
esta terra. Antes de você vieram os Celtas, haviam ondas deles, cada um mais bêbado e turbu-
lento do que o anterior. Não me entenda mal – nós, Pictos, vivemos em paz com os Celtas, e
ninguém é capaz de igualar às canções que cantamos juntos! Mas o número de pessoas estava
crescendo e a quantidade de terras diminuindo. Fizemos guerra com nossos irmãos e lutamos
muito para manter nossas terras, mas simplesmente eram muitos e fomos impelidos para as
terras mais altas.
“Talvez haja um tipo de justiça nisso. Para você ver, quando nós Pictos chegamos aqui pela
primeira vez, perseguindo o rinoceronte de lã e o mamute, havia outros antes de nós, outros a
quem rechaçamos da mesma forma que fomos rechaçados. Ouça com atenção, pois você pode
encontrar um humor sombrio nisso: essas pessoas eram menores do que nós, com rostos estra-
nhos e alienígenas, menos que humanos, como lagartos ou serpentes. Eles já estavam aqui antes
mesmo da chegada das paredes de gelo e moravam em tocas subterrâneas, assim como meu
próprio povo veio fazer. Quando os Celtas vieram, nós nos aliamos ao povo-serpente contra eles;
quando as legiões Romanas marcharam sobre nós, nos juntamos aos Celtas para repeli-los.
“Vê? O mundo se move em círculos, assim como o Vermis engole a própria cauda.”
12 Crônica do Labirinto Negro

A conversa do Picto sobre ser-


pentes sob a terra despertou em
mim lembranças de alguns contos
meio esquecidos de minha própria
juventude. O comentário feito na
Torre de Trajano agora me encheu
de inquietação. Eu imaginei as pró-
prias colinas ao nosso redor se acon-
chegando mais perto, ouvindo.
“Este povo-serpente era sábio
nos costumes do Vermis, mas eles
nos contaram sobre o Vermis da an-
tiguidade, antes que a loucura viesse
sobre o Textor. Foi o velho Vermis
que manteve o equilíbrio entre Tex-
tor e Feritas, entre ordem e caos. Ou
assim eles nos ensinaram. O Vermis
tinha fortalezas antigas, Foveae,
nesta terra, que eram lugares sagra-
dos para o povo-serpente, pois eu
acredito que eles não entenderam
verdadeiramente a loucura do Tex-
tor ou a mudança que ele causou no
Vermis [... ]
[“...] Agora, lembre-se de suas
histórias do tempo de Agrícola, seu
antecessor, que primeiro procurou
subjugar as terras da Caledônia.
Lembre-se de que, embora seu nú-
mero, armas e recursos fossem
muito superiores, mesmo assim nos-
sos pequenos grupos de ataque de
Pictos e Celtas aliados cortaram
suas linhas de suprimento. Entenda
que esse ódio e repulsa, que seu Im-
pério tão casualmente engendra, é
uma força tão grande que pode pro-
var sua própria ruína, bem como a
condenação daqueles que você
busca conquistar. Na minha juven-
tude, o meu ódio por Roma era tal
que até eu próprio fui movido a ape-
lar àquela força negra [...]
[“...] pelo menos um centurião
que conhecemos que foi um dos
mortos-vivos, aqueles que queimam
na luz do sol e que saciam sua sede
Capitulo Um: Cartas de um Centurião 13

com o sangue dos vivos. Entre suas centúrias estavam aqueles que os gaélicos chamam fomori,
homens que foram possuídos por espíritos malignos e cujos corpos foram transformados em
armas para o Vermis. Muitos entre o meu povo acreditavam que tinham a ajuda do povo-ser-
pente para atravessar a extensão das Terras dos Pictos sem serem vistos, pois tal façanha é quase
impossível conhecendo a vigilância que nós Pictos fazemos. Em qualquer caso, eles fizeram o seu
caminho através das montanhas Grampian e além, no extremo norte onde ficava a Fovea. Lá
eles despertaram o antigo poder do lugar e abriram o caminho para o Vermis erguer sua cabeça
asquerosa sobre a terra.
“Muitas vezes pensei que, naquela hora sombria, o Bestia Bello, ou seja, o rosto furioso e
violento do Vermis, estendeu a mão para reivindicar o coração do próprio Calgacus9, já inchado
de raiva, assim como seu primeiro troféu. Pois, se ele tivesse mantido suas táticas usuais de inva-
são e perseguição, a legião teria se desgastado totalmente vagando sem fim pelo deserto das terras
altas, e Roma poderia muito bem ter abandonado suas intenções de subjugar os povos selvagens
da Caledônia. Mas a fúria que é tanto benção quanto maldição para nossa espécie impulsionou
seu anfitrião pelas encostas de Mons Graupius e precipitou-se para a batalha campal com o poder
totalmente armado da legião de Agrícola. Observe como o Vermis é sutil, colocando Textor
contra Feritas, Roma contra Celta, para reunir os despojos da vitória de ambos! Um terço dos
Celtas reunidos caiu naquele dia, e o Bestia Bello batizou-se em seu sangue. Os que permanece-
ram fugiram para as montanhas, seus corações queimados, pretos e duros de ódio.
“No entanto, esse desastre foi apenas a primeira de muitas aflições terríveis que aguarda-
vam meu povo. A luta do Bestia Bello alargou o corte rasgado no tecido do mundo, vazando os
espíritos escravos que infestam Seu reino. Esses espíritos-pestes ferveram da Fovea, onde morava
o Bestia Bello, e voaram das terras altas para devastar a terra.
“No início, seus ataques eram indiretos, parecendo pouco mais que azar. Resistimos aos
invernos, estação após estação, e a caça que havia estava doente, na maioria das vezes estragada.
Pragas e pestes se espalharam pelas planícies, com a fome forte em seu rastro.
“Então, das terras de Damh Brugh, Crom Cruach e Moch Maugh10, vieram os relatórios –
os presságios. Primeiro, haviam muitos natimortos entre o gado, e os corpos dos bezerros eram
retorcidos e terrivelmente subdesenvolvidos. Então, dizia-se, as cabras começaram a soltar cabri-
tos com três, cinco ou sete pernas, três olhos ou duas cabeças. Coisas sem rostos que chutavam
uma vez e depois sufocaram. Meu avô, que era rei na época, enviou homens àquelas terras para
investigar. O que eles contaram quando retornaram esmagaria o coração de todos os Pictos.
“O povo daquela terra tinha guardado um terrível segredo do resto de nós: não tinha sido
apenas o gado deles que tinha sido amaldiçoado, mas também a sua própria descendência. As
14 Crônica do Labirinto Negro

crianças nasceram distorcidas e monstruosas. Dos que sobreviveram ao nascimento, a maioria


foi morta pelos pais, mas muitos foram abandonados em lugares áridos. Isto foi um erro. En-
quanto qualquer recém-nascido normal teria morrido da exposição antes do próximo nascer do
sol, esses monstros extraíram forças do malvado Pestes que presidiu seu nascimento. Eles sobre-
viveram e se tornaram fomori rígidos e magros, muitos dos quais ainda vagam por essas terras.
Eles encontraram aliados no povo-serpente e entre aqueles Pictos cujos corações já haviam sido
comidos por Pestes. À medida que as forças do mal cresceram, a praga do nascimento se espalhou
dessas terras para as de seus vizinhos, até que não havia uma aldeia em todas as terras Pictas que
não tenham sofrido esse horror.
“Quando soubemos o que tinha acontecido, um bando de nossos melhores guerreiros se
uniu e procurou esta Fovea. Pensamos que poderíamos derrotar o Bestia Bello levando a batalha
de volta à fonte. Aiyah! Como estávamos errados! Que tolice pensar que o Bestia Bello poderia
ser derrotado tão facilmente! Penso agora que ele nos esperava, caímos direto em sua armadilha.
Todos foram arrastados para a Fovea, todos menos um. Os melhores e mais bravos dos Uivado-
res Brancos foram entregues no covil do próprio Vermis11, onde suas almas foram distorcidas
no mal e na loucura, seus corpos receberam a forma nua da monstruosidade. Em seguida, eles
foram vomitados de volta em nosso mundo como zombarias insanas de guerreiros, a face de
tudo o que ultrajamos.
“É só por aquele que escapou que soubemos. Ele foi caçado e devorado por seus antigos
companheiros. Seu nome era Cororuc, e sua memória morrerá comigo, a menos que os bardos
Celtas sejam gentis o suficiente para cantar nossas canções quando não existirmos mais...” E o
Rei dos Pictos ficou em silêncio.
Fiquei em silêncio também por um longo tempo, minha mente em turbulência. Por fim,
perguntei: “Por que, então, você me trouxe até aqui? [...]”
[Brennus disse] “[...] talvez eu achasse que apenas uma mão Romana pudesse desfazer o
que uma mão Romana fez. Não acredito que seu império possa estar corrompido por completo
se homens como você ainda escalam em seus postos. Ou talvez,” e aqui no sorriso astuto e som-
brio que ele dirigiu para mim, ecoou sua máscara de lobo carrancuda através do fogo e sangue
da noite passada, “em meu desespero, procuro apenas ferir este império maligno arrastando seus
melhores homens um por um para a própria boca do inferno que se abriu em nosso meio!”
Os corvos carniceiros circulando se espalharam enquanto nossas gargalhadas desciam das
colinas.
[...]

As páginas finais estão quase totalmente apagadas, ainda mais do que a parte que descreve o ataque
mais cedo. Apenas as poucas frases que se seguem podem ser discernidas.
[...] saindo das colinas, com as névoas subindo aos céus como uma grande parede cinza no
fim do mundo. O caminho para baixo era íngreme, traiçoeiro [...] rochas viscosas cobertas de
musgo, gravadas com faces largas de feras se enrolando no estilo dos Pictos de modo que pare-
ciam estar saindo das brumas. [...] para as entranhas da terra. Paredes de pedra lisa pressionando
de cada lado [...] um vasto labirinto de túneis e tocas, com muitas de suas passagens muito pe-
quenas e estreitas para qualquer forma humana [...] o perdi de vista em uma curva [...] “Brennus!”
Eu gritei, mas a única resposta foi um chilrear sibilante e penetrante nas paredes [...] sobrancelha
escamosa e inclinada, sobre os olhos brilhando amarelos e verdes à luz da minha tocha se apa-
gando [...] se fechando ao meu redor [...] amarrado tão apertado até mesmo para alcançar meu
[...] não sei onde [...] jogado em um minúsculo espaço fechado, fedendo e com o cheiro de carne
Capitulo Um: Cartas de um Centurião 15

podre [...] a pedra bloqueando a entrada, muito grande para mover [...] apenas minha espada
havia sido tirada de mim, então, com pederneira e aço e os poucos restos secos que eu poderia
puxar da cama de palha [...] apenas divisar um grande monte do que pareciam ser corpos [...]
aqui, uma espada Celta quebrada, ali, um peitoral de couro fino, retalhado como papel, e ali a
crista puída de um elmo de legionário. Eu dei um passo em direção ao monte, e algo redondo
deslizou e raspou sob minha bota [...] mesmo com metade do rosto arrancado, reconheci a torção
cruel nos lábios gordurosos de Druso, o sargento Ibérico. Ninguém deve lamentar sua morte [...]
as cabeças de mais de uma dúzia de Celtas, amarradas pelos cabelos como um cacho de uvas
podres [...] dedos e segmentos de dedos, todos alinhados em fileiras organizadas por alguma mão
preguiçosa (contando os dias, talvez?). Sobre uma junta recém-cortada, vi um anel de latão de
que meu jovem ajudante tanto se orgulhava. Deuses, o que eu poderia estar pensando para trazê-
lo para uma missão como esta? Pobre Quintillus. Você morreu sem nem mesmo ter tido uma
garota gorda [...] rolou a grande pedra descuidadamente para o lado e empurrou seu corpanzil
pela entrada [...] não as nobres cabeças de lobo que uma vez vi correndo por entre as árvores
onde cresci, mas uma monstruosidade retorcida de orelhas de morcego, como aquelas que nos
atacaram no acampamento [...] através de suas mandíbulas cheias de baba, latiu algo que soou
16 Crônica do Labirinto Negro

como “Venha!” [...] por passagens ainda mais estreitas de paredes lisas, ressoando um monótono
chilrear de lamento [...] até uma multidão sibilante de olhos brilhantes balançando na escuridão
total [...] agora quase ensurdecido por aquele som de lamento [...] com um toque tão frio quanto
gelo. Meu [...] fortemente cerrado com medo e [...] enrolou em volta do meu coração, apertando
até que eu tive certeza que iria estourar [...] de repente, uma única chama minúscula, não maior
do que a de uma vela [...] pude ver que o chilrear angustiante vinha de meia dúzia de ossos ocos
do fêmur, através dos quais o ar estava sendo forçado de uma grande bexiga brilhante ou saco
estomacal [...] [“] HAAA-KAKAKAKAK-KENNNGH! AHAAYII! FEEEEEBAK!” e ainda o chil-
rear [...] [“] ULLOOOOGH-MOOLLAGH! BAASH! BAAASH! BAASH-KAYEEEAAGH! [”]
[...] iluminando o rosto de Brennus, surrado e ferido quase irreconhecível, a apenas alguns cen-
tímetros do meu [...] dentro da minha cabeça, “AHAI BASHKAAI!” Então, em um tom oleoso
e aparentemente familiar, “Lembre-se de quem você é, Titus Germanicus! Lembre-se da missão
que o trouxe aqui! [”] [...] fluxos de sangue, rios de sangue fluindo em um vasto oceano escuro
como o vinho de sangue coagulado [...] dias? Ou apenas horas? Eu mal posso ver o que estou
escrevendo, e não sei por que continuo [...]

Saudações Legado:
Tenho o prazer de informar que o Rei dos Pictos pode ser removido da lista dos maiores
inimigos de Roma na Britânia! Na ausência de seu líder tribal, pode-se esperar que os assaltos
dos Pictos ao longo da muralha diminuam, permitindo uma ação mais concentrada contra os
Celtas selvagens remanescentes. As tentativas iniciais de se aliar aos Pictos se mostraram inviáveis
e desnecessárias, especialmente quando de repente me lembrei das conversas que tivemos na-
quelas noites em sua villa bem acima do escuro Adriático.
Espere no próximo envio a cabeça-troféu salgada do Rei Brennus, o último dos lendários
“Uivadores Brancos”, para sua coleção, e ao final da temporada de guerra espero me encontrar
mais uma vez em sua villa, compartilhando aquela safra particular curiosamente espessa e salgada
que você mantém.

Titus Germanicus, Eboracum12


Capitulo Um: Cartas de um Centurião 17
Capítulo Dois:
Fabulae et Cantae Scotti

A Crônica do Labirinto Negro original de Lorde Craven fez uso extensivo da tradição e lenda escocesa,
derivada da compilação medieval Fabulae et Cantae Scotti, que se acredita ter sido compilada em algum
momento do século XII. Muito do que Craven cita nada mais é do que contos de fadas comuns que Frater
I*I considerou de pouca relevância para o presente volume. Além disso, qualquer exemplo de aspereza e
brutalidade entre os costumes escoceses é citado como um meio de promover o propósito flagrantemente
inflamatório do trabalho de Craven. Sua tenacidade em desenterrar qualquer forma de calúnia e insulto
contra os escoceses deve ser admirada entretanto. A seguinte citação do poeta romano Próspero adorna sua
página de título original e é especialmente interessante à luz das revelações ofídicas do documento do capí-
tulo anterior:
Em que cavernas negras foi criado esta serpente
Que da sujeira presume levantar sua cabeça?
O objetivo principal de Craven era mostrar como, ao longo da história medieval, os escoceses (especi-
ficamente aqueles de ascendência Picta) persistiram em se insinuar na classe dominante, primeiro na Escó-
cia não-Picta, depois na própria Inglaterra. No período pós-Romano e no início da Idade Média, os Pictos
eram uma raça que diminuía rapidamente e procuravam se propagar com surpreendente vivacidade e fe-
cundidade. Uma das afirmações de Craven é que o uso de kilts como um costume nacional era na verdade
uma instituição Pictórica, concebida como uma forma de remover um obstáculo material comum e incô-
modo para o primeiro estágio do processo de reprodução. Em apoio a este argumento, ele cita uma canção
folclórica que ainda era cantada em sua própria época:
“E vocês irão para a cidade de Damburrow
Sejam vocês homens ou mulheres, bem armados,
Eles têm certeza de que voltarão
Saindo da terra
Para rastejar como serpentes pela grama...1
Capítulo Dois: Fabulae et Cantae Scotti 19

Por volta do século IX ou X, os Pictos haviam virtu-


almente desaparecido das páginas da história como um
povo distinto. Isso se deve principalmente à ascensão de
Kenneth Mac Alpin, que uniu os Pictos e Escoceses em um
único reino. Craven se esforça para apontar que
Mac Alpin era Picto por parte da família de
sua mãe.
De acordo com Lorde Craven, a corrup-
ção da linha real britânica ocorreu perto do
início do século XIV. O rei Edward “Pernas
Longas”, cujas atrocidades contra os Escoceses
são lendárias, enviou a esposa Francesa de seu filho
para a Escócia como um enviado descartável
às tribos Escocesas rebeldes. Durante esta
missão, ela foi estuprada (pelo menos pelo
relato de Craven) por um rebelde Escocês
de ascendência Picta e, sem o conheci-
mento de seu marido, Edward II, concebeu
a criança que o sucedeu.
A corrupção inerente à linhagem Picta
não se manifestou imediatamente, pois o rei-
nado de Edward III é conhecido na história como o “zênite da cavalaria”, mas encontrou sua expressão
mais completa cem anos depois na “forma distorcida e maligna” de Richard III, eloquentemente retratado
por William Shakespeare. (Talvez Craven confiou demais na versão da história do Bardo, pois Richard não
estava tão enfermo na realidade. Ou talvez o Bardo estivesse ciente dessa história secreta de Craven.)
A Crônica de Craven trata longamente de um descendente de Richard III, um certo Edmund, Duque
de Edimburgo, Suserano de Roxburgh, Selkirk e Peebles (essas últimas propriedades foram eventualmente
usurpadas dele por um nobre Escocês malicioso, presumivelmente de uma linhagem não-Picta). Aparente-
mente, ao assumir seu título, Edmund rapidamente degenerou em um conspirador e maquinador um tanto
inepto, um “homenzinho horrível, com um coração tão negro quanto sua chaleira”. Craven se refere a
Edmund quase exclusivamente pelo nome com o qual ele é conhecido na história, Edmund, o Víbora Negra
(Black Adder). Embora Craven declare que Edmund foi queimado pelo General Caçador de Bruxas sem
qualquer progênie legalmente reconhecida, Frater I*I observa que o nome da família Blackadder é recorrente
ao longo da história britânica, até que a linhagem foi finalmente encerrada nos campos da Europa durante
a Primeira Guerra Mundial.
Outra parte da escola histórica de Craven é digna de nota, pois demonstra a vitalidade sobrenatural
e a fortaleza das famílias Pictas que cruzaram com o povo-serpente que Brennus descreveu no documento
do capítulo anterior. Respondendo às acusações de os salteadores capturados da fronteira escocesa estavam
sendo torturados e executados de maneiras desumanas, um certo John Carey escreveu a Lorde Burghley em
1596:
“... e meu bom Deus, para satisfação melhor de vossa honra, que não foi tão bár-
baro nem carniceiro como tu pensas que foi, deve parecer que vossa honra foi mal
informada, ao dizer que ele fora cortado em muitos pedaços, após sua morte – pois se
tivesse sido cortado em muitos pedaços, ele não poderia viver até o próximo, que eles
próprios relataram que fizera – o que mostra que ele não fora cortado em tantos peda-
ços assim!”2
20 Crônica do Labirinto Negro

Os dois documentos que compõem o restante deste capítulo foram retirados por Lorde Craven direta-
mente de Fabulae et Cantae Scotti.
O primeiro é um antigo conto popular, e a menção de São Ninian na primeira frase é significativa,
pois o Venerável Bede nos diz que edifícios de pedra como o descrito eram extremamente incomuns na
Escócia naquela época.
O segundo documento foi traduzido por Lorde Craven de um pergaminho original anexado à cópia
das Fabulae do Museu Harleian. De acordo com o curador, ele havia sido colocado lá no final do período
medieval e deveria ter sido retirado da carcaça mumificada de um dos primeiros missionários que vagou
cegamente em um pântano de turfa e foi engolfado e preservado.

A Primeira Igreja em Damburrow


Muito antes de São Columba vir para libertar os Pictos da idolatria, mesmo antes de São
Ninian construir sua Candida Casa,3 um missionário veio para a terra chamada Damburrow a
fim de trazer a luz da verdadeira fé para esse povo selvagem. A história esqueceu seu nome, mas
a lenda afirma que ele veio caminhando sozinho pelas colinas da Nortúmbria, batendo as contas
do rosário e murmurando suas orações em latim.
“Pater noster, qui es in caelis”, he muttered, “sanctificatur tuum nomen....”
Na vila de Damburrow, ele reuniu todas as pessoas da cidade e começou a pregar a Palavra
de Deus. Os aldeões ouviram com rostos taciturnos e apáticos e, no final do sermão, o missio-
nário, surpreso com a reação bastante fria, chamou o chefe da aldeia.
“A Palavra Sagrada não te inspira?” ele gritou.
“É boa”, respondeu o ancião.
“Então o que você diria se eu dissesse que planejo construir uma igreja aqui, para que eu
possa pregar a Palavra de Deus e instruir seu povo nos caminhos do Senhor?”
“Eu digo que não será permitido.”
“Você não vai permitir que eu faça isso?”
“Eu não disse isso.”
“Você não é o ancião desta aldeia?”
“Eu sou.”
“Você me proíbe de fazer o que declarei?”
“Eu não.”
“Muito bem, então.”
E então o missionário convocou homens do Sul, um arquiteto, e carpinteiros e pedreiros,
e quando eles chegaram, todos começaram a trabalhar.
Em uma semana, os alicerces da igreja estavam prontos. Mas quando o missionário e seus
homens acordaram no dia seguinte, eles descobriram que as fundações haviam sumido, sem
nada em seu lugar, exceto um pedaço de grama estéril afundado. Perplexo, o missionário cha-
mou o ancião da aldeia.
“Por que você não me disse que tínhamos começado a construir no pântano?”
“Porque você não tinha. É um bom terreno para construir.”
“Muito bem, então.”
O missionário consultou seu arquiteto e pedreiros, e todos concordaram sobre a solidez do
terreno, embora nenhum pudesse explicar o desaparecimento das fundações. O trabalho reco-
meçou e, em duas semanas, a estrutura da igreja foi erguida. Mas não demorou muito para que
mais problemas perturbassem a construção. Os operários ficaram cansados, o trabalho deslei-
xado, fato que muitos atribuíram a pesadelos, e alguns reclamaram que não conseguiam dormir
Capítulo Dois: Fabulae et Cantae Scotti 21

por completo por causa de terríveis estron-


dos vindos das profundezas da terra. Além
disso, ferramentas, materiais e suprimentos
começaram a desaparecer do local de traba-
lho durante a noite. Furioso, o missionário
mais uma vez confrontou o ancião da aldeia.
“Você deseja impedir a obra do Senhor
aqui?”
“Eu não.”
“Você ou seu povo estão roubando coi-
sas do nosso local de trabalho?”
“Nós não estamos”
O missionário estreitou os olhos e per-
correu com o olhar as colinas escuras que
cercavam a área.
“Alguma outra pessoa mora nesta re-
gião?” ele perguntou.
“Não”, respondeu o ancião. "Não pes-
soas.”
“Muito bem, então.”
E assim o trabalho continuou, mas len-
tamente, pois as coisas ainda desapareciam
do local quando a escuridão caía, e alguns
dos homens partiram para retornar ao sul,
reclamando de problemas de saúde. Alguns
relataram ter encontrado rastros estranhos
no solo nas proximidades, pegadas que pare-
ciam ter sido deixadas por minúsculas mãos
e pés deformados, mas com um sulco largo
entre eles, como se um corpo tivesse sido ar-
rastado pelo chão. Sussurros e murmúrios
supersticiosos surgiram entre os homens,
mas o missionário se esforçou para sossegá-
los.
“Não temam, bons homens. Parece
que as crianças da aldeia estão fazendo uma
brincadeira cruel conosco, mas não pode-
mos permitir que isso nos detenha! Lembre-
se acima de tudo, é a obra do Senhor que
estamos fazendo!”
Mas com o tempo, à medida que a situ-
ação piorava, todos os homens foram em-
bora, os pedreiros, os carpinteiros e até o
próprio arquiteto. Determinado, o missioná-
rio começou a terminar sozinho a igreja
quase concluída. Por dias ele trabalhou, e
22 Crônica do Labirinto Negro

muitos dos aldeões saíam para assistir. Alguns sor-


riam friamente, e alguns ficavam maravi-
lhados com o esforço que ele fazia en-
quanto martelava pregos enquanto
mantinha o ritmo de seus cantos em
latim: “In nomine Patri (BAM!), et Filii
(BAM!), et Spiritu Sancti (BAM!).”
Por fim, a construção foi concluída
e o missionário convidou todos os mora-
dores da aldeia a comparecerem aos pri-
meiros serviços religiosos.
Mas o ancião recusou, dizendo ao missi-
onário, “Foi proibido há muito tempo que o tra-
balho que você fez fosse feito, e todas as suas pedras
e madeira devem retornar em breve para a terra de
onde surgiram, pois é a própria terra que não
permite tais coisas. O Paraíso e a Salvação que
você nos ofereceu não são para aceitarmos,
embora pareçam muito bons.”
Furioso, o missionário voltou à nova igreja,
para orar por orientação e força para perseverar. Tão
alto e vigorosamente ele orou para que toda a aldeia
pudesse ouvi-lo e ouvir seus rosá-
rios batendo até o anoitecer.
Naquela noite, ouviram-se
sons horrendos que pareciam sair da pró-
pria terra, e todos na aldeia estavam agachados
perto de suas lareiras. Os poucos corajosos que se aven-
turaram a espiar fora de seus casebres juraram que viram
as colinas escuras empurrando-se umas às outras na escuridão.
Quando a manhã chegou, todo o povo se reuniu e marchou para a igreja, mas tudo o que
encontraram foi um grande buraco escuro onde o prédio havia sido erguido. Enquanto eles
observavam, ele lentamente se encheu de uma água oleosa e salobra de algum lugar das profun-
dezas.
E assim permanece até hoje. Agora é conhecido como "Poço de Damburrow" e a lenda
afirma que qualquer um que se atrever a ficar por perto ao cair da noite ainda pode ouvir os
murmúrios em latim daquele missionário, agora de alguma forma mudado, borbulhando nas
águas turvas e fétidas: “Pater noster, qui es in Malfea, Vermis Magnis est tuum nomen....” 4
Capítulo Dois: Fabulae et Cantae Scotti 23

Carta de um Missionário
Querido Pai Misericordioso,
Deixei a abadia em Iona há vários meses
com alegria e coragem no coração, rumo ao no-
roeste para as terras altas da Caledônia, empe-
nhado na tarefa de levar as boas novas do sacrifí-
cio de Jesus Cristo aos selvagens não iluminados
que ali habitam.
As pessoas das regiões mais próximas da
abadia me receberam bem, pois já estavam infor-
madas de nosso bom trabalho e me trataram com
a generosidade que suas humildes vidas permi-
tiam. À medida que progredia além das terras bai-
xas, porém, me sentia menos bem-vindo e, às ve-
zes, até meu nobre propósito era sujeito a insultos
e escárnio dos habitantes mais degenerados des-
sas aldeias simples. Mas minha fé era forte, o que
me mantinha animado, e não fui dissuadido de
minha missão.
Falarei agora dos acontecimentos de ontem:
Eu estava entrando na região conhecida como
Damburrow, um lugar que meus informantes lo-
cais descreveram como sendo de reputação ma-
ligna. Portanto, fortaleci-me com uma repetição
tripla de minhas orações matinais e uma duplica-
ção de minhas abluções.
A maior parte do meu dia na estrada passou
sem acontecimentos, exceto por um sentimento
sinistro e penetrante que atribuí à reputação da
localidade acima mencionada. Quando o sol co-
meçou a afundar nas planícies às minhas costas,
no entanto, me vi sujeito a uma visão intrigante
e depois nauseante. Perto do topo da colina à
frente, a uma curta distância da própria estrada,
pude ver uma jovem senhorita – uma coisinha de
garota, realmente – curvando-se para um traba-
lho mais adequado para um homem forte e cres-
cido. Minha pena aumentou quando ela se virou
para o lado e pude ver, recortada contra o crepús-
culo, sua barriga, que estava pesada, quase anor-
malmente inchada, com uma criança. Apressei o
passo, na esperança de vencê-la em sua tarefa e
poupá-la de qualquer esforço adicional em sua
condição delicada.
24 Crônica do Labirinto Negro

Equipada apenas com uma lâmina de cozinha curta e cega, ela cortou uma das árvores
baixas e retorcidas da área. O galho mais baixo, cerca de dois pés e meio acima do solo, ela havia
removido a cerca de um pé de distância do tronco, uma tarefa que certamente deve ter levado o
dia inteiro de trabalho sozinha. Agora ela trabalhava diligentemente para afiar o coto restante,
parando frequentemente para testar a ponta com o polegar já esfolado e avermelhado.
Quando me aproximei, ela pareceu sentir alguma satisfação com a conclusão de sua tarefa
e jogou fora a faca de cozinha. Então ela encarou a árvore com um olhar de firme resignação
estampado em suas feições angelicais e, agarrando o tronco com as mãos de dedos brancos, e
puxou-se para o galho saliente com uma força tão repentina que a ponta afiada deve ter atraves-
sado completamente seu útero.
Imagino que algum grito sem palavras deve ter passado por meus lábios quando saltei para
frente. Agarrando-a ao redor do peito, tentei levantá-la e afastá-la daquele galho que a empalava.
Ela praguejou contra mim em sua estranha língua das terras altas e se retorceu em meus braços.
Inclinando-se de novo, ela cravou as mãos na casca da árvore e içou-se mais uma vez, quase me
tirando do chão. Desta vez, a estaca de madeira emergiu do fruto de seu gênero trespassado e
perfurou meu próprio lado também.
Não há palavras para o horror que encheu meu peito e subiu a minha garganta quando seu
corpo caiu de meus braços balançando obscenamente para o lado, os furos irregulares em sua
barriga vomitando sangue e essências de útero de colorações estranhas, pintando a árvore e mi-
nhas vestes de um carmesim com listras verde-oliva horrendamente brilhante. E enquanto a vida
fluía dela, eu poderia jurar que a expressão severa de seu rosto suavizou com paz e alívio.
Algum tempo se passou antes que eu fosse capaz de sufocar meu desgosto e cuidar de seu
corpo. Qualquer que seja o mal que infectou seu coração e a trouxe para este fim abominável,
ela pelo menos merecia estar sob a terra ao anoitecer. Para isso, raspei uma cova rasa à beira da
estrada, que pretendia cobrir com pedras. Mas quando chegou a hora de carregar sua carcaça até
lá, senti algo dentro de sua barriga mutilada se contorcer e convulsionar, e fugi gritando para a
escuridão que se aproximava.
Capítulo Dois: Fabulae et Cantae Scotti 25

Acordei na manhã seguinte ensopado


com o orvalho e gelado por dormir em campo
aberto. Eu havia me afastado apenas um pouco
da estrada, ainda à vista daquela árvore horrível
no topo da colina. De minha nova posição, eu
podia ver a próxima curva da estrada, onde uma
carroça ou pequena carruagem estava parada
torta, com uma roda presa na vala à beira da
estrada. A capa esfarrapada era tecida com o
mesmo padrão de listras cruzadas coloridas da
capa da garota. Como a luz do dia havia dissi-
pado de alguma forma meu medo e repulsa pe-
los eventos da noite anterior, avancei para in-
vestigar.
Dentro da carroça estava uma figura con-
gelada em uma postura de morte violenta, o
rosto torcido em agonia, as mãos agarrando o
espaço vazio. Embora obscurecido por sombras
e enxames de moscas, essa pessoa era clara-
mente a gêmea da garota na colina e, pelo que
pude perceber pelos contornos de seu torso, ela
parecia estar no mesmo estado avançado de gra-
videz que sua irmã. Eu me virei para respirar
fundo e me preparar para outra visão de carni-
ficina, então me inclinei para o interior escuro
da carroça.
As pernas da pobre garota estavam em ân-
gulos tortos e nauseantes em uma poça de san-
gue ainda não coagulado. Apesar das saias en-
charcadas grudadas em seus quadris, não havia
dúvida de que a metade inferior de seu corpo
havia sido puxada com tanta força, que a cin-
tura pélvica estava partida em dois pedaços.
Meu estômago se revirou dentro de mim e su-
biu a minha garganta, mas foi só quando come-
cei a me virar para vomitar que todo o horror
da cena me atingiu.
Pai benevolente, quando venho para uma
terra onde as meninas são forçadas a ter relações
carnais antes mesmo do primeiro florescimento
da feminilidade, sei que é nada menos do que
meu dever juramentado trazer os ensinamentos
morais justos de nosso Senhor e Salvador a es-
ses povos e ensiná-los a maneira correta de vi-
ver.
26 Crônica do Labirinto Negro

E, Gracioso Pai, quando em tal terra eu


encontro evidências de uma prática tão obs-
cena como o massacre de bebês indesejados,
sim, até o ponto do infanticídio pré-natal, eu
sei que minha tarefa será ainda mais difícil, e
até mesmo mais imperativa.
Mas, Pai misericordioso, eu vi uma coisa
nesta terra que fez meu coração murchar den-
tro do meu peito, e não posso mais sentir a
certeza e a orientação de Seu Amor e Provi-
dência. Há nesta terra tal mal que até mesmo
Teu Filho, nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo, viraria o rosto e choraria de desespero.
Não posso trazer Tua Palavra sagrada a essas
pessoas, pois essa Palavra agora não é mais do
que uma zombaria para mim, como certa-
mente deve ser para eles.
Pois, quando me afastei da visão horri-
pilante dentro da carroça, meus olhos pousa-
ram em uma trilha ensanguentada que ser-
penteava pela estrada e desaparecia em um
buraco negro escuro cheio de vermes sob uma
rocha ao lado da vala. A origem dessa trilha
era a própria carroça, como se algo tivesse se
puxado para fora dela e ao longo do solo, ar-
rastando seu corpo longo e retorcido com mi-
núsculas mãos em forma de garras. E eu sei
que não foi nenhuma força humana que ras-
gou essa garota, mas que ela foi despedaçada
por dentro.
Não pedirei misericórdia por abandonar
minha missão, nem por tirar minha própria
vida. Eu sei que os abismos mais profundos
do Inferno serão um alívio bem-vindo ao hor-
ror deste mundo.
(não assinada)
Capítulo Dois: Fabulae et Cantae Scotti 27
LIVRO II:
6 Crônica do Labirinto Negro

A ERA DO CONSUMO
30 Crônica do Labirinto Negro

Capítulo Três:
O Julgamento do Monge Negro

As lendas do Monge Negro podem ser encontradas em toda a Europa e são atribuídas a quase todos
os séculos da era medieval. Ao pesquisar essas lendas, Frater I*I chegou à conclusão de que a pessoa descrita
no documento deste capítulo serviu de modelo para muitos clérigos ao longo da história, cuja busca pela
verdade os levou além do seio da decadente e hipócrita fé cristã.
O maior acúmulo de lendas do Monge Negro ocorre na Inglaterra no início do século XV; há muitos
nomes de lugares nas Ilhas Britânicas que ecoam com o seu impacto. Prof. MacLish foi de uma ajuda
inestimável ao identificar positivamente o Monge Negro como um Escocês de ascendência Picta, que por
volta de 1400 começou a espalhar sua fé pela Inglaterra e Europa. O autor também agradece à fonte
anônima do Prof. MacLish por obter uma cópia do seguinte documento, que vincula especificamente o
Monge a Gilles de Rais, a fonte histórica da lenda do Barba Azul, que se assemelha às lendas do Monge
Negro em muitas maneiras.
Nossa crença é que o Monge era um parente dos verdadeiros Dançarinos do Labirinto da Espiral
Negra. Embora ele não possuísse a habilidade de usar a forma da Fúria, está claro neste documento que
ele foi dotado pela Devoradora de Almas com um meio igualmente eficiente de disseminar a vontade da
Wyrm.
Duas coisas devem ser notadas com respeito ao seguinte relato do julgamento do Monge Negro. Pri-
meiro, a consistente obliteração do nome do então respeitado Gilles de Rais. Deve ser lembrado que, na
época deste julgamento, de Rais não era apenas cavaleiro, senhor e barão da região de Rais, mas serviu por
algum tempo como marechal da França e era mais conhecido como o companheiro de armas de Joana d’Arc.
Por respeito à sua posição e ações nobres, foi considerado que a insistência do Monge Negro em colocar De
Rais no centro dos crimes em questão era apenas a malícia de uma mente maligna, e o nome de de Rais foi
omitido de todos os registros do tribunal.
Em segundo lugar, a referência ao chamado Phallum Vermiculum, um artefato da mais sombria e
antiga manufatura pagã. Nenhum objeto desse tipo jamais foi notado entre os parcos pertences de le Fif, e,
exceto pela misteriosa “demonstração” observada nos artigos do julgamento, é geralmente aceito pelos here-
siologistas que o Phallum não era mais do que outro auto engrandecimento das fantasias do Monge Negro.
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 31

n Nomine Domini, Amen


Que o Senhor me conceda a força e a fortaleza para colocar com
clareza e retidão sobre o pergaminho estas palavras que alertarão os
leitores futuros, se de fato o Senhor ordenou tal tribulação para
qualquer geração vindoura, do mal impenitente e descarado que fica exposto nas seguintes
páginas.
Nele estão contidas as transcrições do julgamento eclesiástico e confissões extraídas
de um Frade Louis le Fif¹, agora conhecido na tradição do bom povo cristão como o Monge
Negro, que entrou (ou professou entrar) no serviço do Senhor em seu vigésimo ano como
monge viajante da Ordem Franciscana. Por mais de vinte e cinco anos ele percorreu os
atalhos da Europa, desde os pântanos sufocados pela névoa da Escócia até os desolados
picos das montanhas de Garpathia. Como um irmão humilde sem residência fixa, suas
façanhas eram desconhecidas de nossa Santa Madre Igreja, mas em muito pouco tempo
ele adquiriu um status quase lendário entre os camponeses por cujas aldeias passou. No
início, ele era considerado um curador e um homem dos mais santos, pois era visto não
fazendo mais do que aliviar o sofrimento do povo, purificando os enfermos e confortando
os perturbados. Além disso, ele também ofereceu cuidados aos órfãos abandonados e aos
filhos de pais falecidos, levando-os consigo e alegando que os colocaria em mosteiros ou
famílias bem favorecidas.
Com o tempo, entretanto, veio-se a luz que seus “milagres" não eram mais do que
prelúdios de terríveis maldições: os enfermos que ele parecia ter curado foram
posteriormente acometidos por aflições ainda piores, muitas vezes passando anos em seu
leito de morte, e aqueles cujos problemas ele dissipou foram revisitados com uma hoste dez
vezes maior de infortúnios. Além disso, nenhuma das crianças que ele levou das aldeias
veio a ser vista ou ouvida novamente.
Um nome que será prontamente visto tendo sido eliminado do registro, e que agora
sabemos que foi feito da maneira mais errônea, é o de Gilles, Barão de Rais, cujos crimes
diabólicos e atrocidades ímpias continuam a chocar toda a cristandade, e cuja infâmia se
tornou a fonte de lendas sombrias ainda em nossa época.
Uma observação final deve ser feita com relação à minha omissão dos nomes de
todos os oficiais e deputados da Inquisição envolvidos neste julgamento. Isso foi feito a
mando da Santíssima Ordem Dominicana quando se soube que todos os Inquisidores
presentes neste julgamento nos anos subsequentes, ou encontraram uma morte acidental
aterrorizante, ou sofreram alguma desgraça abominável e foram excomungados. A
verdadeira natureza do Mal aqui divulgado é tal que corrói o espírito de qualquer um que
entrar em contato com ele, e ele deve engolir toda a alma de qualquer um que ousar encará-
lo. Por esta mesma razão deverá, a única transcrição sobrevivente do julgamento de Frade
32 Crônica do Labirinto Negro

Louis le Fif, ser colocada em um barril triplamente trancado e selado com o Selo Papal,
este dito barril deve ser guardado no cofre mais seguro dentro da Biblioteca Papal, e só
deve ser retirada para estudo, nas mais estritas condições de oração e penitência, na
presença de pelo menos três Santos Cardeais.
Que isso agora seja feito de acordo com a vontade de Nosso Misericordioso
Senhor e Salvador Jesus Cristo, neste primeiro dia do mês de abril do ano mil
quatrocentos e sessenta e quatro de Nosso Senhor.
Arcebispo
[Assinatura obscurecida]

I. Por meio desta fica sabido que, desde há tanto tempo que
não há registo que o contradiga, existiu, na província de Tours, a
igreja catedral de Nantes, tendo como bispo chefe o Reverendo
Padre Jean de Malestroit, que recentemente depôs e ordenou por
Cartas Frade Apostólico Guillaume M-2, bacharel da Sagrada Es-
critura da Ordem dos Dominicanos, para exercer o cargo de Inqui-
sidor da fé e da heresia no âmbito do referido bispado, o que ele
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 33

fez comumente, publicamente e notoriamente; este é um fato ates-


tável e conhecido por todos.
II. Item: que, no último dia de junho do ano Mil Quatrocentos e
Trinta e Nove de nosso Senhor, na hora das Matinas3, na floresta
perto de Tiffauges, foi apreendido um certo Frade Louis le Fif,
membro da comitiva eclesiástica do Marechal G- de R-; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
III. Item: que, no momento da sua prisão, o referido Frade tinha
em seu poder vários artigos de índole ímpia, a saber: os ossos e
a carne curtida de muitas pessoas, muitas delas crianças, roscadas
e com engastes de ouro para serem usados como vestimentas ou
ornamentação; documentos de instrução em rituais de natureza
blasfema e herética; e a cabeça recém-decepada de Olivier Darel,
um filho da paróquia de Nantes, com idade de sete ou oito anos;
assim aconteceu, e assim foi comprovado.
34 Crônica do Labirinto Negro

IV. Item: que o referido Frade foi detido na prisão de Tiffauges,


e, na hora em que o tribunal pôde ser reunido, levado a julgamento
em Nantes, ali para se apresentar perante os administradores da
justiça de Deus: o referido Frade M-, Frade Jean B-, Reverendo
Padre “Henri G-, Cardeal Serge de B-, representante da Ordem
Dominicana, e Escriturário da Corte, Frade Antoine d'E-; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
V. Item: que o dito Frade; quando confrontado com a evidência
de seu crime abominável, recusou-se a falar ou confessar; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
VI. Item: que, de acordo com a jurisprudência eclesiástica, o
referido Frade foi mantido em sua cela por três dias, sem conselho
ou visitas, e que no quarto dia foi retirado de sua cela e mostrado
os instrumentos pelos quais se poderiam extrair a confissão; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 35

VII. Item: que, ao serem mostrados os dispositivos Inquisitoriais,


fogo surgiu nos olhos de Louis le Fif e seus lábios sorriram como
se para mostrar que não tinha medo deles, e ainda assim ele se
recusou a falar ou confessar; assim aconteceu, e assim foi com-
provado.
VIII. Item: que no quinto dia os dispositivos Inquisitoriais foram
aplicados ao corpo de Frade Louis le Fif e, embora suas aflições
pudessem ser ouvidas nas ruas de Nantes, ainda assim ele se
recusou a falar ou confessar; assim aconteceu, e assim foi com-
provado.
IX. Item: que este referido procedimento foi repetido sobre ele
no dia seguinte, e no seguinte, e por quase uma semana depois
disso, tudo sem resultado apreciável, até que foi decidido pelos
oficiais do tribunal que este curso de ação era fútil e seria encer-
rado; assim aconteceu, e assim foi comprovado.
36 Crônica do Labirinto Negro

X. Item: que no dia seguinte le Fif concordou em falar ao tribunal;


assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XI. Item: que, quando interrogado pelo tribunal, Frade le Fif con-
fessou, ousadamente e sem sinal de justo arrependimento, que na
noite em que foi preso ele, na companhia de Lorde de R-. Jean de
la Riviere, Antoine de Palerne, um lombardo, Etienne Corrillaut,
também chamado de Poitou, e um herege italiano, diabolista e con-
jurador chamado François Prelati, traçaram esses sinais na terra
em um campo a um quarto de légua fora do castelo de Tiffauges,
que poderia facilitar a convocação de numerosos demônios e espí-
ritos malignos, e realizaram lá também muitas outras superstições
e ultrajes, incluindo a tortura, sodomia e decapitação de crianças;
assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XII. Item: que le Fif disse ao tribunal que Lorde de R- o presen-
teou com a cabeça de Olivier Darel como um símbolo de sua estima
e como recompensa pelos serviços prestados; assim aconteceu, e
assim foi comprovado.
XIII. Item: que, tendo trazido isso a público, o referido Frade deu
a entender que muitas outras atrocidades haviam sido perpetradas
da mesma maneira por membros do referido grupo em outras oca-
siões, então não diria mais nada; assim aconteceu, e assim foi
comprovado.
XIV. Item: que o tribunal decidiu sobre a necessidade de mais
indução à confissão, a fim de divulgar os detalhes desses outros
crimes mencionados, e os instrumentos Inquisitoriais foram mais
uma vez empregados; assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XV. Item: que isso continuou por vários dias, durante os quais
uma mensagem foi enviada a Lorde de R- informando-o de suas
acusações maliciosas, e a resposta veio na forma de seu homem,
um certo Milorde Eustache Blanchet, um sacerdote da diocese de
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 37

Saint Malo, que se desculpou em nome de Lorde de R- por não


ter respondido pessoalmente ao tribunal, explicando que seu suse-
rano havia embarcado em uma viagem para Bourges, para partici-
par da convenção dos Estados Gerais atualmente em sessão, e
além disso Milorde Blanchet explicou que Frade Louis le Fif havia
de fato participado por algum tempo da comitiva de Lorde de R-,
mas foi demitido quando ficou claro que seu caráter ofensivo era
um fardo muito grande para os bons homens e mulheres da casa
suportarem, e ofereceu-se a exigir depoimentos de muitos de seus
homens de forma a testemunhar sobre esse fato, com o que a corte
se declarou satisfeita; assim aconteceu, e assim foi comprovado.4
XVI. Item: que, quando o tribunal concluiu que não haveria mais
nenhuma confissão e o processo de extração foi interrompido,
Frade le Fif imediatamente se apresentou e mais uma vez falou
sobre os detalhes de suas operações hediondas; assim aconteceu,
e assim foi comprovado.
38 Crônica do Labirinto Negro

XVII. Item: que, quando questionado sobre a natureza de suas


vítimas, le Fif disse ao tribunal que eles eram tanto meninos quanto
meninas, com idades variando desde o bebê de colo até o início da
maturidade, além disso ele explicou que, enquanto ele próprio pra-
ticava seu ofício vil quase que exclusivamente naquelas do gênero
feminino, de R- e Prelati pareciam preferir jovens meninos, uma
preferência que ele atribuiu a eles estarem em “um estado de de-
sarmonia com suas idades”5; assim aconteceu, e assim foi com-
provado.
XVIII. Item: que, quando questionado sobre sua preferência por
mulheres, o referido Frade explicou que sua tarefa na terra era
empregar o “Phallum Vermiculum”, uma obscena relíquia pagã fa-
bricada para uso no belo sexo, a fim de que eles pudessem gerar
monstruosidades; assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XIX. Item: que, ao ser questionado sobre a exata natureza, uso
e possível localização atual desta ferramenta hedionda, o dito Frade
riu desrespeitosamente e ergueu seu hábito, expondo-se rudemente
ao tribunal e, assim, tentando fazer uma zombaria do processo da
justiça do Senhor e manchar a santidade do tribunal com obsceni-
dade grosseira e sacrilégio (e deve ser anotado pelo escrivão do
Tribunal que a anatomia deste horrível personagem era de um grau
de desenvolvimento repugnante, muito acima do direito e da mode-
ração justa com que o Criador sabiamente e rotineiramente dota
até mesmo homens de boas virtudes como nós e, além disso, sua
obscenidade era agravada pela presença de escamas, verrugas,
espinhos e protuberâncias de função duvidosa ao longo de seu
comprimento); assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XX. Item: que, uma vez que a ordem foi restaurada ao tribunal,
o Cardeal Serge de B- exigiu que a questão fosse respondida de
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 39

forma clara, direta e sem dissimulação, e declarou em termos ine-


quívocos que qualquer nova demonstração de vulgaridade resultaria
em retribuição corporal imediata de severidade inabalável; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
XXI. Item: que Frade Louis le Fif respondeu com seu próprio
pedido zombeteiro de que a declaração anterior do Cardeal fosse
escrita e assinada com o selo de sua sagrada autoridade; assim
aconteceu, e assim foi comprovado.
XXII. Item: que os oficiais do tribunal decidiram, à luz da natu-
reza grosseira e vulgar deste depoimento e do comportamento re-
calcitrante do acusado, que uma discussão mais aprofundada da
referida relíquia pagã deveria ocorrer em um ambiente isolado com
segurança, e para este fim os oficiais e o acusado retiraram-se
para os escritórios privados do Reverendo Padre Henri G- que
são adjacentes à sala do tribunal, a fim de conter a influência cor-
ruptora do testemunho do referido Frade, de modo a impedir que
se espalhe para além da catedral da igreja e assim venha para
infectar e inflamar toda a cristandade; assim aconteceu, e assim foi
comprovado.
XXIII. Item: que o escrivão do Tribunal foi considerado de nível
insuficiente em santidade para resistir às rudes tentações do pe-
cado que, sem dúvida, seriam divulgadas no testemunho do referido
Frade; assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XXIV. Item: que, depois de algum tempo, Frade Jean B- saiu
dos escritórios para exigir a presença de uma mulher da prisão,
para ser trazida aos referidos escritórios; assim aconteceu, e assim
foi comprovado.
XXV. Item: que o escrivão do Tribunal entregou à custódia dos
oficiais do tribunal uma Maria de Rouen, atualmente encarcerada
sob múltiplas acusações de bruxaria e malícia e de arruinar as
40 Crônica do Labirinto Negro

plantações de seu marido e de ter vendido seus filhos a serviço do


diabo; assim aconteceu, e assim foi comprovado.
XXVI. Item: que, depois de um exame intensivo que durou até
a noite, saíram dos escritórios o referido Frade le Fif na companhia
dos oficiais do tribunal, a saber, Frade Guillaume M-, bacharel em
Sagrada Escritura da Ordem de Dominicanos, Frade Jean B-, Re-
verendo Padre Henri G-, e Cardeal Serge de B- representante da
Ordem Dominicana,6 que proclamou que le Fif havia revelado a
enormidade de seus crimes e demonstrado em detalhes a extensão
de sua desumanidade, crueldade e abominação pela qual ele afligiu
aos bons povos de Nantes e muitos outros lugares, e que a corte
ficou completamente satisfeita com seu testemunho; assim aconte-
ceu, e assim foi comprovado.

onclusão: Que, em consideração aos supracitados cri-


mes, sacrilégios, blasfêmias, excessos, enormidades e
má conduta7 em flagrante e inescrupuloso desrespeito à
propriedade da humanidade e da sociedade cristã, os
ditos oficiais deste tribunal, Frade Jean B-, Reverendo Padre Henri
G-, e o Cardeal Serge de B-, representante da Ordem Dominicana,
com a presidência do Frade Guillaume M-, bacharel das Sagradas
Escrituras da Ordem dos Dominicanos, por delegação do Reve-
rendo Padre Jean de Malestroit, decreta e declara que o referido
Frade Louis le Fif, o acusado, é sem dúvida um apóstata herege e
pérfido, um feiticeiro, um malfeitor assassino de homens, mulheres
e crianças, erradicador de colheitas e perpetrador da invocação e
conversação de demônios e espíritos malignos, causador de tem-
pestades e catástrofes, sedutor de esposas, profanador da fé, ma-
tador de crianças deficientes e molestador de gado inocente 8, um
feiticeiro, cúmplice e adepto das artes proibidas, que decaiu e recaiu
e continua na heresia, que ofendeu a majestade Divina, que cometeu
Capítulo Três: O Julgamento do Monge Negro 41

o crime de alta traição Divina contra os Dez Mandamentos, contra


os ritos e costumes de nossa Santa Mãe Igreja, que ele semeou
abominavelmente os mais escandalosos erros, que são nocivos aos
cristãos, e além disso que ele violou vergonhosamente a jurisdição
do dito Reverendo Padre, Lorde Bispo de Nantes, por cujo com-
portamento degenerado ele agora incorreu na sentença deste tribu-
nal, a saber, que ele será levado deste lugar para outro lugar, onde
estará sujeito a toda forma de punição e mortificação purgativa,
até que possa arrepender-se de seus pecados, momento em que
será queimado publicamente na fogueira até que nada mais reste
além de cinzas, que serão espalhadas pelos quatro ventos; assim,
o veredicto deste tribunal é dado verdadeiramente, notoriamente e
publicamente.
42 Crônica do Labirinto Negro

epoimento do Carrasco
O abaixo-assinado sargento do exército em Nantes, tendo recebido a custódia e
autoridade sobre a execução do infame herege e assassino Frade Louis le Fif,
por meio deste relata a referida execução ao bispado de Nantes. Depois de
várias semanas das torturas mais engenhosas, nenhum arrependimento parecia
vir de le Fif, e, depois que ele foi visto conversando com seu torturador de uma maneira amigável e
casual, foi considerado pelo tribunal que a execução deveria prosseguir imediatamente. Quando levado
à fogueira, le Fif foi atacado por todos os lados com ovos podres e frutas em decomposição, vísceras e
excrementos, arremessados pelo bom povo cristão da cidade. Recebeu esse tratamento de maneira não
muito diferente da gentileza, e eu o vi lambendo essas substâncias de sua bochecha e saboreando-as
como se fossem doces e agradáveis a ele. Quando estava sendo amarrado à estaca, ele ergueu o olhar
para a varanda da catedral, onde os oficiais da corte observavam. A fogueira foi acesa sob seus
pés, e ele se pronunciou, dizendo. “Eis que meu tempo com vocês acabou e, embora eu me vá, meus
crimes não cessarão, pois, o espírito que me move também está dentro de vocês e é alimentado pelo
poder de vocês. Ahai, Angu! Ahai, Mastrac! Lo. Eu sou o verme, o grande dragão de toda a
vida, ao lado do qual seu Deus e seu demônio são apenas um pai e filho briguentos, e vim em seu
meio para refletir suas verdadeiras faces e lembrá-los de sua verdadeira natureza, eu consumi seus
corações usando o ódio como faca e o desejo como garfo. Ahai, Abora! Ahai, Carnala! Eu sou
a devoradora de almas, engolindo suas vidas em minha fome cada vez maior e gerando monstros em
suas esposas e filhas. Ahai, Vorus! Ahai, Calube! Espalhe minhas cinzas como quiser até os
confins da terra: assim eu estico minhas mandíbulas para engolir o mundo”9! Ele continuou a gritar
por algum tempo, muito depois que a maioria das bruxas teria sufocado com a fumaça, lançando
nomes bárbaros e malignos em seus vencedores até que seu corpo foi consumido a tal ponto que não
era mais possível forçar a respiração por sua língua. Assim, devo registrar o evento de sua
destruição, um assunto de conhecimento público e famoso.
Sargento Stephen de Guillaume,
Exército do Senhor de Nantes
Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 43

Capítulo Quatro:
“Ex Disputandem Re Supernibus Ab
Probati Quaestori Adversarique” de
A Peregrinação do Jovem Questor.

A peregrinação do jovem Questor é um exemplo fascinantemente miserável do que o início da Renas-


cença chamava de “peças de salão”, peças que deveriam ser lidas, mas não encenadas (talvez o exemplo
mais famoso da forma seja o “Samson Agonistes” de Milton). Publicado pela primeira vez em 1582, a
Peregrinação foi impressa em quase toda a Europa Ocidental, mas a versão definitiva é considerada a
edição francesa de Guy de Mer. O compilador admite ter tomado algumas liberdades modernistas com a
presente tradução, já que o francês altamente arcano e formal de de Mer tornaria, se traduzido literalmente,
o texto tão obtuso a ponto de ser intransponível para os leitores desta época.
A Peregrinação conta a história de um jovem insaciavelmente curioso e misticamente inclinado que
deixa sua pequena cidade para vagar pelo mundo em busca da iluminação. Visitando uma miríade de
homens santos, mosteiros e ordens esotéricas, ele consegue destruir efetivamente cada um apontando alguma
falha em sua filosofia ou plantando dúvidas em seus corações fiéis, puramente por meio de sua natureza
inquisitiva e razão irrestrita. Gradualmente, a busca do Questor se transforma em um tipo de aventura
épica sobrenatural, repleto de combates mágicos intensos, sociedades secretas cheias de intrigas (muitas das
quais antecipam habilmente os excessos da mania Rosacruz algumas décadas depois), e uma perseguição
selvagem através de uma variedade confusa de cenas exóticas no plano astral, que são chamadas coletiva-
mente de “Reinos Invisíveis”.
Eventualmente, sua busca o leva a uma câmara subterrânea em uma cidade fictícia do Leste Euro-
peu. Lá ele vê, em uma parede, uma enorme placa de latão gravada com um estranho arranjo de letras em
uma grade (as chamadas Chaves Pretânicas), e na parede oposta, uma espiral intrincadamente entalhada
44 Crônica do Labirinto Negro

com nove divisões concêntricas. Aqui ele está envolvido em uma


conversa com o Adversário, uma voz desencarnada que
emana logo acima de seu ombro esquerdo, que já se mani-
festou breve e misteriosamente em momentos cruciais
ao longo da narrativa.
Uma sociedade secreta aparece ao longo da
narrativa como um inimigo implacável do Ques-
tor e, na verdade, de todos os verdadeiros busca-
dores da iluminação, chamada de Ordem da
Rosa. Ao citar a Peregrinação como uma
“prova moderna” da extensão de sua conspi-
ração, Craven sugere indiretamente que ele
mesmo fez contato com esta Ordem. Em-
bora eles não possam ser identificados dire-
tamente como a Ordem da Rosa Cruz, ou
com os Rosacruzes, é da experiência de Fra-
ter I*I que esse grupo é bastante real e con-
tinua a agir secreta e cruelmente contra to-
dos os verdadeiros iniciados.
Alguma menção deve ser feita aos bre-
ves, mas notáveis paralelos entre este docu-
mento e os manifestos Rosacruzes mais comu-
mente conhecidos. De suma importância é a re-
velação da tríade Celestial, espalhada através dos
Rosacruzes por praticamente todo o ocultismo ociden-
tal moderno em uma forma degradada e evoluída conhe-
cida como “Cabbalah”.
O Prof. MacLish foi generoso o suficiente para comparti-
lhar com Frater I*I seus próprios comentários sobre o texto medieval tar-
dio de um Flavio, um descendente do Monge Negro. O clímax da narrativa de Flavio antecipa a Disputa
Adversarial quase ponto a ponto, mas é alcançado após uma série simbólica de trabalhos e testes que o
Prof. MacLish revelou ser uma alegoria um tanto desajeitada para a Dança do Labirinto da Espiral Negra
em si. Isso é apenas indiretamente ecoado por de Mer, cuja sociedade secreta inominada usa uma progressão
hierárquica de nove graus, onde a iniciação de cada grau corresponde a cada círculo do Labirinto. Isso é
recapitulado pelo Adversário no início da Disputa e elaborado pelo Questor no clímax.
Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 45

Questor: Onde estou?

Adversário: Onde sempre estiveste, no centro do


teu próprio ser, no coração de todos os Mistérios.

Q: Por que estou aqui?

A: Tu, Questor, que és Mestre do Pentângulo,


Portador da Lâmina e Brandidor do Cajado, Ob-
servador das Profundezas, tu viste com firmeza
no fundo dos corações, tu rugiste com o gosto do
Frenesi, tu perseveraste em face a Derrota, des-
vendaste o Enigma da Passagem e dançou o Du-
eto da Morte; Tua alma foi dividida e lançada
para longe, mas a União de tua verdadeira Von-
tade com a Vontade do Mundo te fez íntegro e te
trouxe até aqui.1 No entanto, tu sempre buscas o
Maior Entendimento, o Segredo dos Segredos;
fale agora de tua dignidade para entrar em tal
mistério.

Q: Eu viajei muito e acumulei muito na forma de


conhecimento; Eu marco os ciclos da terra e do
céu em minha testa; meu olhar penetra o firma-
mento e eu discerni a forma tríplice Celestial.

A: O que entendes por “Celestial”?

Q: Essa palavra denota aquilo que está além do


Abismo, o vazio através do qual não se pode ser
carregado pela razão nem pelo intelecto, pois as
mentes dos homens são escuras e densas, não ad-
mitindo sutilezas. O Celestial está além do co-
nhecimento direto através de qualquer um dos
Reinos Visíveis ou Invisíveis2, mas se reflete em
todos eles, pois é a fonte de todos eles.

A: Como então isso pode ser conhecido?

Q: Todos os ensinamentos nos dizem que o ho-


mem é um microcosmo, que todos os Reinos são
refletidos nele, embora apenas vagamente, assim
como o Celestial é apenas vagamente refletido
em todos os Reinos do mundo. Conhecer este
46 Crônica do Labirinto Negro

microcosmo
é, como eu
disse, “polir a
orbe negra”,
fazendo da
mente uma es-
fera reflexiva
lisa, de modo
que tudo o que
está fora pode ser
refletido no inte-
rior, e o que está
ainda mais fora,
que é digamos, o Ce-
lestial, pode então ser visto no
centro do próprio ser. Quem quer
que seja capaz de aperfeiçoar este
processo pode levar o título de “Guar-
dião da Orbe negra”.

A: Nomeie o caminho triático.

Q: Aquilo que é Celestial não pode


ser nomeado, pois todos os nomes
são finitos e limitantes e, por-
tanto, estão abaixo do Abismo.

A: Mas deve nomear, ou não sairás


desta câmara vivo!

Q: O mais importante entre o Celes-


tial, o Primeiro Princípio de toda a
Criação, é a Unidade. É a fonte de
todas as coisas, a fonte da qual
fluem todas as formas e forças
múltiplas de todos os mundos, e o
fim para o qual todas elas retornam
quando seu ciclo se completa. Na
Unidade, Tudo é Um, Tudo
está dentro do Um, assim
como o Um está dentro de
Tudo. Cada extremo en-
contra seu comple-
mento, e todos os aspec-
tos opostos da Criação
são reconciliados.
Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 47

A: Por qual imagem a Unidade é


representada neste mundo?

Q: Por aquilo que forma a borda


desta placa de latão, a serpente en-
golindo sua própria cauda. Assim é
representada a união do início e do
fim, pois é o Grande Dragão cujo
corpo envolve toda a Criação, sua
cauda excretando a substância do
mundo enquanto a boca a engole. É
também a serpente envolvendo toda a
Árvore da Vida, suas espirais emba-
lando os frutos que são todos os Reinos
da existência, mantendo cada um em
suas relações e equilíbrio adequados.
Portanto, ela pode ser chamada de Wyrm.

A: Mesmo assim. Mas fale agora de como


o caminho pode ser triplo.
48 Crônica do Labirinto Negro

Q: Da Unidade emana a Díade Celestial, os gêmeos opostos e


ainda interdependentes de Força e Forma, de Tornar-se e Ser, de
Tempo e Espaço. A primeira emanação é formada
a partir do Instinto do Um de se conhecer,
de alcançar tudo o que não é
Seu Ser, por meio do qual pode
olhar para trás e considerar Seu
Ser como distinto do que não
é. É essa primeira ação, esten-
der a mão, mas não olhar para
trás, que é considerada a pri-
meira parte da díade. Esta ação é
o movimento que inicia o começo
dos tempos, e a força que leva todas
as coisas a mudar ao longo do
tempo.3

A: Como a primeira emanação é re-


fletida nesse mundo?

Q: Ela se reflete no avanço do ho-


mem e em suas idas e vindas, suas in-
terações se transformando, como é natu-
ral, em conflito e contenda. Por isso pode ser
chamada de Fera da Guerra.

A: E como se reflete no indivíduo?

Q: Se reflete na ação da vontade, no avanço do homem


para impor sua vontade ao mundo, pois esta é sua maior
força, o Instinto da Unidade agindo por meio dele. A mais
pura expressão dessa força é, por sua própria natureza, expansiva
e explosiva, e por isso é chamada de Fúria. Em minha juventude, des-
cobri que poderia, por meio da minha Fúria, mudar minha forma e usar
a face da Fera-da-Guerra.4

A: Fale agora da segunda emanação.

Q: A segunda emanação é também o Instinto do Um de se conhecer, sendo a


conclusão desse Instinto. Pois é o conhecimento da Unidade de Sua própria ação,
contendo e engolindo essa ação por estar consciente dela e, além disso, estar consciente dessa
consciência. Aqui é que a distinção é feita entre o Ser do Único e aquilo que não é o Seu Ser. A
Unidade separou assim sua mente de si mesma, mas, por meio da ação cíclica do Instinto, busca
se reunir.
Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 49

A: Como a segunda emanação se reflete neste mundo?

Q: É refletida no conhecimento de todas as ações e interações dos homens, de acordo com a


primeira emanação. Como decorre naturalmente da Fera da Guerra, pode ser visto nas mulheres
administrando aos mortos e feridos nas batalhas, contendo e dissipando as energias do conflito
e da contenda, abrindo caminho para a compreensão e o desenvolvimento da cultura. Assim,
pode ser melhor visto na escrita da história, onde as ações dos homens uns sobre os
outros podem ser desenroladas e dispostas como uma grande rede ou teia.5

A: E como se reflete no indivíduo?

Q: Se reflete na contemplação das ações passadas, nas quais as energias da Fúria são
aterradas e dispersas. Isso aperta o ciclo de autoconsciência, pois é a fome da mente
que se consome. Portanto, pode ser chamada de Devoradora de Almas.

A: Em tudo o que você disse há harmonia e equilíbrio e, portanto, deve haver


harmonia e equilíbrio no mundo.

Q: Mas neste mundo não há harmonia ou equilíbrio.

Q: Eu não sei, pois isso não é da minha alçada.

A: Responda-me ou morrerá!6

Q: Com o ciclo de autoconsciência completo, a Unidade se engoliu e se


consumiu. Perdendo assim sua própria identidade, a Unidade tornou-se
uma pluralidade, alienada de si mesmo pelas divisões e distinções impostas
pela Teia da segunda emanação. O único Instinto de autoconhecimento é
dividido, pela passagem pela Teia, nos múltiplos Instintos conflitantes do
coração humano. A serpente perdeu a presa e agora gira fora de controle, mas
mesmo assim está enredada e presa dentro da Teia cada vez mais apertada. A Uni-
dade original, agora vista de longe, é percebida como estranha, como Outro além
do Eu, destruindo a harmonia da separação e distinção originais. Portanto, pode ser
chamada de Profanadora.

A: Olhai, então, para as paredes desta câmara. Qual é o significado dessas imagens?

Q: Por um lado, vejo o Labirinto Espiral, que pode ser considerado um mapa daquela
parte da Teia onde a desequilibrada Wyrm está aprisionada. E por outro lado, esta placa
mostra a mente dividida da Wyrm cativa; na coluna da esquerda vejo os quatro signos dos
elementos, há muito usados pelos alquimistas; na parte superior, esses três glifos represen-
tam os reflexos do Celestial. Aqui está a Fera da Guerra, a cabeça desenfreada para o ataque.
Aqui está a Devoradora de Almas, devorando-se como a Wyrm da Unidade e equilíbrio, mas
duplicada e separada. E aqui está a Profanadora, escavando cada vez mais para dentro da Uni-
dade no coração de todas as coisas. Eu considero essas subdivisões então para significar os Ins-
tintos divididos, separados uns dos outros pela distinção Celestial acima e separação mundana
abaixo. Aqui está mapeada a mente Furiosa do cativo, ansiando por escapar.
50 Crônica do Labirinto Negro

A: Como então alguém pode empreender a reunião do Eu dividido?

Q: Deve-se conhecer a “Dança do Labirinto”, ou seja, deve-se navegar naquela parte da Teia em
que a verdadeira Wyrm está aprisionada. Deste lado está o mapa da prisão, e deste lado está a
chave para desvendar o Mistério em seu centro. Isso nos mostra o caminho do retorno à Uni-
dade.

A: De que maneira?

Q: Deve-se seguir retrocedendo a espiral do desequilíbrio, reunindo os fios da teia de distinções


e separações, seguindo seu próprio Instinto de volta à fonte de todos os Instintos. Todos os
Instintos são, neste sentido, pensamentos da Fera da Guerra, não pensamento consciente, mas
pura vontade de agir. União com o Instinto traz ação sem pensamento, rasgando a Teia pelo uso
da Fúria, libertando-se da Devoradora de Almas. Desta forma, a cauda é devolvida à boca da
serpente, contaminando a Profanadora, restaurando o verdadeiro equilíbrio.
Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 51

A: Olhai então para o Labirinto Espiral e nomeai para mim suas curvas.

Q: As curvas da espiral são nove dobras, sendo três divisões de três subdivisões cada. Estas são a
expressão da iniciação da alma nos Mistérios Celestiais, com cada emanação sendo refletida e
agindo através da outra. Os três círculos externos são o domínio da Fera da Guerra: o primeiro
é a realização da Unidade interna, que é a Profanadora agindo por meio da Fera da Guerra; em
seguida vem a Fúria, a Fera da Guerra agindo por si mesma; o terceiro é a Devoradora de Almas
refletido na Fera da Guerra, preparando para entrar em Seu próprio domínio. Os três do meio
são o domínio da Devoradora de Almas, com o quarto círculo sendo Sua própria influência no
ensino de Seus caminhos; o quinto é a batalha organizada, a Fera da Guerra agindo por meio
da Devoradora de Almas; e o sexto é a Profanadora preparando o caminho para a entrada em
Seu próprio domínio. Finalmente, há o domínio da Profanadora, com o reflexo da Fera da
Guerra exigindo a adesão de alguém ao caminho do sétimo círculo; no oitavo círculo, o reflexo
52 Crônica do Labirinto Negro

da Devoradora de Almas testa a com-


preensão dos Mistérios. No
nono e último círculo, a Profa-
nadora age por meio de Si
mesma para dissipar o engano da
separação. Assim é a alma de um
reunido com a Alma de Todos.7

A: Disseste todos os nomes com ver-


dade e sinceridade. Você pode
agora sair daqui com vida.8

Q: Não posso partir, pois não


há nada além desta câmara. Nunca
estive em outro lugar senão aqui, no
centro de todos os Mistérios.

A: Vá em frente agora, eu te digo! Vá


em frente e conheça a si mesmo por
meio de suas ações, como é o seu Ins-
tinto!

Q: Eu não tenho mais Instinto. Não há


nenhuma ação a ser tomada. Eu não sei
de nada. Portanto, não sou nada.

A: Questor?

Q: …

A: E assim sua voz é silenciada, sua


mente consumida e seu corpo dis-
perso. Assim também deixarei de
existir, pois nunca fui outra coisa
senão sua própria necessidade de se
conhecer, sempre oculto dele na sombra
lançada pela luz de sua inteligência cinti-
lante. Como ele agora não é nada, eu tam-
bém devo ser. E então, para você, caro leitor,
eu me despeço.

A: Ainda assim eu tenho fome…


Capitulo Quatro: Ex Disputandem... 53
LIVRO III:
6 Crônica do Labirinto Negro

A ERA DA CORRUPÇÃO
56 Crônica do Labirinto Negro

Capítulo Cinco:
“Professor Webley e o Estranho Caso
do Misterioso Oriental” conforme
registrado por Doutor Haversham

Originalmente publicada na revista Pata-Rachada (Samhain, 1897, vol. iii, no. 5), esta história
representa a última da série “Professor Webley” de média popularidade do Dr. Nigel Haversham. Ostensi-
vamente baseado em uma pessoa real, o Professor Wayland W. Webley foi apresentado em cada episódio
como “o primeiro investigador espiritual consultor do Império”. A semelhança com outro detetive mais
famoso é imediatamente óbvia, e Haversham aproveita todas as oportunidades para lançar um dardo verbal
em seu rival literário. A série inevitavelmente brincou com o amplo interesse pelo espiritualismo que arraigou
na sociedade vitoriana tardia, bem como os saltos quânticos que ocorreram naquela época no estudo da
magia ritual. A Pata-Rachada era frequentemente atormentada por processos por difamação de membros
proeminentes da sociedade ocultista vitoriana que percebiam paródias prejudiciais de si mesmos nas histó-
rias de Webley.
Esta história em particular representa a gênese da parceria escolar de Frater I*I com o Prof. MacLish,
que enviou de volta uma cópia d’“O Misterioso Oriental” em resposta a perguntas sobre a identidade do
Suserano de Demborough. Acontece que o Prof. MacLish tinha um gosto peculiar com uma coleção quase
completa de PR, cujo editor, Stanley Kirowan, foi uma espécie de dissidente artístico e acadêmico para sua
época. Embora virtualmente nenhum dos grandes "magos" vitorianos se dignou a enviar qualquer coisa para
publicação (não em seus próprios nomes, pelo menos), a exótica mistura de fato e ficção ocultista de Ki-
rowan, adornada quase exclusivamente com arte pelos clinicamente insanos (além de, ou incluindo o próprio
Kirowan), tornam a leitura de PR muito mais agradável do que qualquer outro produto do período.
Além da série em si, Haversham publicou uma crônica autobiográfica de sua carreira com Webley
até 1894, intitulada “Guillaume hermético e eu”. Mas para o leitor verdadeiramente masoquista, Frater
I*I recomenda fortemente a autobiografia patética do Dr. Haversham de sua vida após o desaparecimento
de Webley, Epimeteu em Parola.
Capítulo Cinco: Professor Webley 57

A REVISTA DO PATA-RACHADA.
SAMHAIN, 1897.

As Aventuras do Prof. Wayland Webley.


BY DR. NIGEL HAVERSHAM.
PROFESSOR WEBLEY E O ESTRANHO CASO DO MISTERIOSO ORIENTAL

mpossível não ficar per- chou a gaveta de cima com uma violência in-
turbado com o frio na- comum, virando a cabeça para olhar para mim
quele anoitecer de ou- por cima do ombro.
tono quando eu abri ca- “Bom Deus, Haversham! O que diabos
minho através da espessa você está fazendo aqui?” O tom cortante em
neblina inglesa para final- sua voz, em combinação com seu comporta-
mente emergir na soleira mento furtivo, me deixou bastante surpreso.
da porta da casa em Gravesend, enganosa- Seus cabelos negros e lisos caíam em desordem
mente humilde de meu distinto colega e que- sobre as têmporas, e seus olhos cinza normal-
rido amigo Professor Wayland Webley. mente claros estavam marcados com veias.
Para o leitor experiente destas páginas ar- Pedi desculpas desajeitadamente por minha
canas, Webley dispensa apresentações; para intromissão, explicando que vim buscar seu
aqueles neófitos, ainda não versados em mi- conselho sobre um assunto pessoal. Enquanto
nhas crônicas anteriores de nossas aventuras falava, ele se recompôs, alisando o cabelo e
ao éter, basta-me explicar que o Professor ajustando o paletó enquanto cruzava o escritó-
Webley tinha a distinção única de ser o inves- rio e começava a enfiar um chumaço pegajoso
tigador espiritual do Império, um título que de tabaco em seu pesado cachimbo. Enquanto
me forneceu, como seu companheiro, assis- eu falava, circundei despreocupadamente ao
tente e biógrafo, uma vida sem paralelo de redor da mesa; quando achei que ele estava
oportunidades para testemunhar em primeira muito longe para me atrapalhar, abri a gaveta
mão as maquinações bizarras e inexplicáveis de cima da escrivaninha.
do mundo invisível. Dentro estava um pedaço retangular de
Entrei sem avisar, pois o vínculo de papelão de aproximadamente 45 centímetros
nossa amizade era tal que as formalidades ha- de comprimento, rachado e amarelado pelo
bituais que me incumbiam como visitante e tempo. Em sua elegante face antiga, estavam
convidado não eram mais do que um estorvo impressas todas as letras do alfabeto dispostas
para o nosso relacionamento. Seguindo meu em uma espécie de semicírculo junto com os
caminho pelo corredor bem equipado, notei a dez números inteiros, os artigos, pronomes e
luz fraca que se derramava por baixo da porta conectivos, e uma série de adornos decorati-
daquele amplo estúdio em que tantas dessas vos. Sobre esse tabuleiro havia uma prancheta
aventuras começaram. Eu agarrei a maçaneta de prata finamente trabalhada. Apenas a con-
e escancarei o portal. sideração pelos sentimentos de meu amigo
Webley estava sentado à sua grande escri- que me impediram de explodir em gargalhada.
vaninha de carvalho e, quando entrei, ele fe- “Ouija!? Sério, Webley meu velho, devo
dizer que estou chocado! Achei que tínhamos
58 Crônica do Labirinto Negro

para mim quanto você agora; posso sentir o fe-


dor cáustico de suas exalações – sinto o toque
úmido de sua pele enquanto ondula em mi-
nha carne!
“Com o passar das semanas, essas visões
aumentaram em intensidade, até que fiquei
virtualmente incapacitado. Então os terrores
noturnos começaram; as visões assumiram um
tom assustadoramente premonitório. Eu sei –
eu simplesmente sei! – que ela espera por
mim! Espreitando ali, em seu abismo esquá-
lido além do espaço e do tempo como os con-
cebemos agora, antecipando o momento em
que será capaz de enrolar suas fétidas voltas
em torno de mim e apertar, esmagando a pró-
pria alma de meu corpo, apertando, aper-
tando...
“Agora, quase não se passa uma única
noite sem que eu acorde gritando como uma
colegial, encharcado de suor, minhas mãos tre-
mendo como as folhas finais do outono. Eu
desviei todos os meus recursos – para não
mencionar meus próprios consideráveis pode-
res psíquicos – para a penetração desse dilema
górdio, mas sem sucesso. As profundezas do
superado totalmente esse tipo de coisa há meu desespero são tais que fui reduzido a esse
muito tempo.1 O que poderia ter levado você ridículo jogo de salão. Temo que, se você ti-
a descer tão baixo?” vesse chegado apenas uma hora depois, teria
A culpa me atingiu quando meu amigo me encontrado brincando com varetas como
baixou a cabeça envergonhado. Eu podia ver um adivinho chinês!”
que havia olheiras escuras sob seus olhos, e era “Calma, meu velho”, murmurei, agar-
óbvio que ele havia se esquecido de se barbear rando seu braço. Sob o tecido fino de seu smo-
naquela manhã. Quando ele falou, sua voz va- king, pude sentir que seus bíceps estavam flá-
cilou de uma forma pouco masculina. Con- cidos e murchos; isso, em conjunto com sua
fesso que estremeci um pouco. explosão emocional incomum, fez com que
“Você me pegou, Nigel. Mas, por favor, momentaneamente sentisse um nó na gar-
permita-me apresentar meu caso. Nos últimos ganta. Somente os laços de amizade e respeito
meses, tenho sido atormentado por feitiços me permitiram reprimir minha repulsa o sufi-
sombrios. Tudo começou neste verão com al- ciente para continuar. “Anime-se; é um bom
gumas visões vagas e prejudiciais, cuja fonte eu homem! Quando foi a última vez que você
ainda não consegui determinar. Visões, eu aplicou seus poderes a um caso genuíno, hein?
digo, de alguma grande besta escamosa co- Não falo com você desde que as circunstâncias
berta de lodo, enrolando-se e se contorcendo me forçaram a abandoná-lo no meio daquele
em algum poço imundo fervilhando com va- terrível caso em Sussex no verão passado.”
pores nocivos. Embora eu ainda não tenha “Sussex!” Webley sibilou, um veneno
visto o rosto da vasta criatura, ele é tão real muito familiar em sua voz. “Mesmo na sua au-
Capítulo Cinco: Professor Webley 59

sência, Haversham, eu estava prestes a locali- Um bufo zombeteiro explodiu de meu


zar o covil daquela criatura vil e enfiar uma es- companheiro.
taca de ferro em seu coração negro, se aqueles “Bem, eu conheço seus sentimentos em
idiotas da Scotland Yard não tivessem cha- relação a essas sociedades, meu velho, mas gos-
mado aquele maldito reducionista deles! Ele taria de lembrá-lo que, sem a ajuda deles, você
meteu o nariz em tudo e bagunçou toda a in- nunca teria a chance de desvendar o Caso da
vestigação, permitindo que a besta morta-viva Vigilante Histérica!” Por meio de uma série de
fosse capaz de escapar ilesa!” cutucadas discretas com minha bengala, ins-
Com essa declaração, tudo ficou claro truí o condutor a contornar a Torre e as pon-
como o dia para mim. “E isso te desmoralizou tes de Londres e, em vez disso, cruzar o Tâmisa
tanto que você não fez nenhum trabalho em Blackfriar's, a fim de poupar meu compa-
desde então! Bom Deus, Wayland, é de se ad- nheiro delicadamente equilibrado de respirar
mirar que esse mau humor o tenha envolvido? a atmosfera psiquicamente contaminada de
Posso ver agora que a Providência trabalhou Whitechapel.3
bem ao me trazer aqui esta noite”. Por todo o caminho até a Far-
“Eh? Que tal, meu ve- ringdon Road, lembrei Webley
lho?” do favor que ele devia à Or-
A maneira e o as- dem por sua assistência
pecto de Webley já ha- no caso acima mencio-
viam se alterado visi- nado, que havia ter-
velmente. Com a minado com sua pro-
menção do “maldito messa murmurada
reducionista”, parte distraidamente de
do antigo fogo vol- servi-los em pessoa
tou a seus olhos. em qualquer data fu-
Agora ele se inclinou tura. “Essa data é
para frente com inte- agora!” Concluí
resse e zelo, mandíbula e triunfantemente en-
sobrancelha rígidas, prepa- quanto virávamos
rando-se para mais um mer- para o oeste em St.
gulho nas profundezas escuras e Pancreas’.
geladas do Desconhecido. “Mas, sério, meu velho”, o professor eja-
“Eu posso ver que você já está no jogo, culou de volta para mim, “o próprio pensa-
então não vou perder tempo. Faça suas ablu- mento de homens adultos – e homens britâni-
ções e vista um traje bastante formal, en- cos crescidos! – andando de um lado para o
quanto eu chamo uma carruagem. Vou expli- outro em vestidos e aventais e balbuciando gí-
car no caminho para a cidade!” rias wog enquanto tentam equilibrar varinhas
*** mágicas em espadas de lata, a própria ideia
“Não é muito, na verdade,” comecei a ex- disso ameaça me desequilibrar com seu ab-
plicar enquanto éramos levados ao longo da surdo! O verdadeiro místico não pode se dar
velha Kent Road, “então não crie muitas ex- ao luxo de se distrair com tal pompa vazia!”
pectativas para aventuras. Isso apenas diz res- Seu discurso, do qual este foi apenas o co-
peito à Ordem da Irmandade Oriental, na meço, durou toda a extensão de Euston e Mar-
qual, como não tenho dúvidas de que menci- leybone; tão apaixonada foi essa descarga de
onei a você em muitas ocasiões, eu possuo o mau humor que Webley mal percebeu
grau de Adeptus Minor.”2 quando passamos pela tão infame Baker
Street.
60 Crônica do Labirinto Negro

Consegui acalmá-lo depois que muda- a hierarquia outrora estável e adequada da


mos para Sussex Gardens, lembrando-o da própria Ordem!”
grande variedade de trabalhos de caridade lo- “Bem, certamente nada de bom pode re-
cais patrocinados pela Irmandade4, e quando sultar disso!”
cruzamos Bayswater e entramos no Hyde Park, “Maldito está certo!” Meus dedos tre-
eu estava pronto para fazer a exposição neces- miam de raiva mal disfarçada quando levantei
sária. Enquanto nossa carruagem passava cau- minha bengala e apressei o condutor para
telosamente ao longo da Serpentine, eu o in- oeste, na direção de Mortimer. “Peço descul-
formei sobre o influxo constante, durante o pas pela minha linguagem profana, meu ve-
ano passado, de acólitos voluntários que len- lho, mas você pode ver como todo esse negó-
tamente mudaram a face da Ordem. cio pega na minha boca!” E com isso, afundei
“Julgamos que todos eram do distrito de em um silêncio descontente para a etapa final
Limehouse, pois têm as mesmas sobrancelhas de nossa jornada.
inclinadas e rosto achatado, olhos opacos ne- Por fim, desembarcamos diante do velho
gros e pele lisa e pegajosa.” e imponente casarão em Cavendish Square.
“Me admira que vocês não os tenha rejei- Agora, meus leitores astutos, sem dúvida: no-
tado na porta!” Webley exclamou. tarão o circuito tortuoso que nossa carruagem
Da Serpentine Avenue, pegamos Rotten fez através da Sede do Império.5 Este método
Row saindo do Hyde Park e indo para o leste de se aproximar da Sede da Ordem foi origi-
na Picadilly Street e Shaftesbury. nalmente instituído como um meio de desori-
“Foi o que fizemos, no início,” eu disse. entar os neófitos estagiários e confundir os
“Mas, de alguma forma, um de seus líderes perseguidores, protegendo assim o sigilo da Ir-
conseguiu uma audiência particular com mandade. Neste caso particular, no entanto,
aquele velho tolo e trêmulo, Lorde Craven, era apenas um ritual vazio, pois eu bem sabia
que, como você sabe, é nosso Magister Templi. que o grande Professor Wayland Webley cal-
Craven afirma que este camarada lhe ensinou culava o espaço e a direção, não por meros
um método até então desconhecido de excita- marcos do plano físico, mas pelas próprias cor-
ção ‘bioelétrica’, através da sua vontade, é in- rentes geo-psíquicas da própria vida do pla-
duzida por um sistema rigidamente contro- neta.
lado de exercícios respiratórios sibilantes. Eles Em resposta as minhas batidas codifica-
chamam isso de ‘puxar o poder da serpente in- das, emergiu o semblante envelhecido do bom
terior’ ou algo assim. Foi supostamente apli- e velho Harry Brashman, o Sentinela Emérito
cado com notável sucesso na enunciação das da Ordem. Ao nos ver na soleira, ele nos cum-
Chaves Pretânicas, cujo domínio tem esca- primentou calorosamente e nos convidou a
pado aos nossos Adeptos Maiores desde tem- entrar. Depois que eu apresentei o Professor,
pos imemoriais.” Harry nos atualizou sobre a situação desta
Contornando o Circo de St. Giles, segui- noite.
mos para o norte pela Totleben Court Road. “Os malditos diabinhos amarelos defini-
“É claro que esse novo método se espa- tivamente têm algum tipo de golpe em mente
lhou como um incêndio pelos escalões mais para esta noite, doutor. Além de trazer um
altos da Ordem e parece ter atraído toda uma grupo ainda mais enfadonho de comparsas de
nova onda de iniciados. Homens ricos e pode- sangue azul, eles contrataram um bando de ca-
rosos da Europa e das colônias. Craven tem pangas escoceses sarnentos para formar uma
distribuído títulos de Magister Emérito a torto parede humana em torno deles e, sem dúvida,
e a direito, e o descontentamento que isso tem para nos obrigar a força também se não nos
causado entre nós, neófitos e adeptos hones- rendermos.”
tos e trabalhadores, está ameaçando derrubar
Capítulo Cinco: Professor Webley 61

A sobrancelha esquerda de Webley se ar- “O que você está pensando, meu velho?”
queou fortemente. “A ameaça de violência ab- Eu perguntei.
soluta? Parece que você subestimou muito a “É este termo ‘Pretânica’, Haversham.
gravidade do seu problema, Haversham.” Originalmente usado por Júlio César a todos
“Pelo que pude perceber ouvindo através os habitantes das Ilhas Britânicas; na verdade,
da porta,” Harry continuou, “eles estão pen- o próprio nome da Grã-Bretanha é conside-
sando em formar algum tipo de novo círculo rado por alguns paleolinguistas uma corrup-
dentro do nosso, o que eles estão chamando ção dele. Em qualquer caso, como mais e mais
de ‘Ordem Pretânica’. Parece que eles estão es- das tribos celtas desta terra passaram a ser co-
perando um cara chamado ‘Suserano de Dem- nhecidas por seus próprios nomes, os Gaéli-
borough’ aparecer esta noite. Algum tipo de cos, os Cymri, e assim por diante, a palavra fi-
homem sábio que nos levará a um novo des- nalmente foi usada apenas para se referir
pertar e glórias incalculáveis e toda a baboseira àquele último povo pouco conhecido que não
inútil em que pensar!” havia se nomeado nas páginas da história.”
“Eu acho”, meditou Webley, “que vejo “Os Pictos?” arriscou Harry.
algum tipo de conexão surgindo aqui. Você "Claro!” Exclamei. “Daí os rufiões esco-
disse que há um punhado de escoceses com ceses e este misterioso Suserano, atraídos pela
eles, Brigadeiro-general?” nossa Ordem porque somos os únicos a ter
“Sim. Um bando de valentões peludos. preservado sua tradição antiga, na forma das
Nada de bom pode vir deles, guarde minhas Chaves Pretânicas!”
palavras, Professor!” “Temo que pode ser pior que isso”, ad-
vertiu Webley. “Desde que cruzei a soleira há
pouco, uma tensão incrível cresceu dentro de
mim. Os cabelos da minha nuca se arrepia-
ram; a minha garganta apertando espasmodi-
camente; meu trato digestivo parece ter adqui-
rido vontade própria. Há uma tremenda con-
fluência de energias neste edifício, velho Ha-
versham! Posso sentir aqueles reinos além do
alcance de nossos sentidos humanos fervi-
lhando e fervendo em torno deste mesmo
nexo! Os efeitos de qualquer ação que ocorrer
aqui esta noite, com certeza e indubitavel-
mente reverberarão até os confins da terra” –
aqui o Professor fez uma pausa para um efeito
dramático bem considerado “– e além.”
***
A sala de reuniões principal do casarão
estava lotada de uma forma que eu jamais ti-
nha visto. Um verdadeiro oceano de rostos –
alguns simplesmente desconhecidos, outros
totalmente estranhos – rugiam e gritavam uns
com os outros em um tufão tumultuado de lu-
tas internas e politicagem. Algumas cadeiras
viradas e taças quebradas nos mostraram que
pelo menos uma briga já havia começado, mas
62 Crônica do Labirinto Negro

a cena geral estava apenas alguns degraus caracteristicamente apaixonado contra “incur-
abaixo de um caos total. sões estrangeiras desequilibradas” na Irman-
Webley, mais uma vez a própria imagem dade. Friamente observando isso na Mesa dos
da compostura, murmurou quando entramos, Honrados Convidados estavam representan-
“me parece estranho que um homem com o tes de algumas das famílias mais ricas do
caráter e as credenciais de Brashman não te- mundo ocidental: o atual herdeiro da família
nha uma classificação real nesta sua Ordem. Kromrich da Suíça, amigos de longa data da
Por que isso?” Ordem muito interessados nas doutrinas da
“Oh, o coitado do velho é terrivelmente reencarnação familiar; Arbulent e Van Gel-
inepto quando se trata de assuntos de natureza ding, de Nova York; e fui capaz de reconhecer
espiritual”, confidenciei. “É claro que sua in- outro americano entre eles, um Sr. Jeremiah
crível facilidade com as línguas orientais se Lassater, cujo excelente senso de negócios e
provou inestimável para muitos dos estudio- controle firme da Premium Oil o havia cata-
sos da Irmandade. E sua esplêndida capaci- pultado para a posição invejável de um dos ca-
dade de desviar a atenção das esposas da Or- pitães da indústria dos Estados Unidos6. (Não
dem o tornou absolutamente indispensável.” me importo de dizer que fiquei um pouco ner-
Enquanto falava, examinei a sala como voso com o que percebi como sorrisos de cum-
um batedor examinando o campo de batalha. plicidade que se passaram entre esses homens
O contingente de Limehouse estava agrupado extremamente poderosos e os rudes membros
em uma extremidade da Mesa do Magister que da guarda escocesa que pareciam estar posici-
dominava o salão; atrás deles estava o regi- onados de forma estratégica em todo o salão).
mento de escoceses austeros e carrancudos. Em outro lugar, pude distinguir o Dr. Harold
Na cabeceira da mesa, Sir Humphrey, nosso Zettler, um físico alemão que se tornara um
Chefe Magus, estava engajado em um discurso convidado cada vez mais frequente da Ordem,
Capítulo Cinco: Professor Webley 63

e o bom e velho Pete Culliford, um ex-clérigo “Olha, ele já veio entre nós, embora não
atraído para a Irmandade por seu apetite apa- o conheçamos”, foi a resposta enigmática do
rentemente insaciável por atividades mentais. inescrutável demônio amarelo.
Duas outras faces que percebi me encheram Quando Sir Humphrey se aproximou da
de algum grau de esperança de que a sanidade saída, um dos escoceses o interceptou, agar-
pudesse ser restaurada a esses procedimentos, rando seu braço com insistência e sussurrando
afinal: um era o Dr. Gunther Draggerunter, ferozmente para ele.
um severo crítico de Sigmund Freud, tor- “Meu bom homem!” murmurou Sir
nando-o a única voz sã a sair de Viena atual- Humphrey com os dentes cerrados, “se você
mente; o outro era o Dr. William W. Gull, um não for bom o suficiente para me soltar neste
maçom e assistente pessoal da Rainha, cuja re- exato momento, não hesitarei em ir imediata-
putação de sabedoria e benevolência represen- mente para a Scotland Yard com o que sei!
tou para nossa Irmandade um exemplo bri- Boa noite, senhor!” Seus olhos se encontra-
lhante do triunfo da razão e da ciência na era ram em antagonismo mútuo, então, afastando
moderna. o braço, Sir Humphrey abriu caminho para
“E em conclusão,” Sir Humphrey estava fora.
expondo no púlpito, “se as atividades que aca- De nosso ponto de vista próximo à saída,
bei de divulgar são características da direção Webley e eu vimos o rufião comandar dois de
que esta Ordem deve tomar no século que se seus companheiros para seguirem com um
aproxima, então devo declarar, como todos os movimento brusco de sua grande cabeça pe-
homens de boa consciência nesta sala aqui luda. Webley esperou apenas o tempo sufici-
esta noite, que eu não terei parte nisso!” Di- ente para permitir que eles acreditassem que
zendo isso, ele tirou seu avental cerimonial e haviam saído despercebidos.
rasgou a frente de sua vestimenta, revelando a “Venha, Haversham!” ele retrucou, e nós
tatuagem emblemática de sua posição de saímos da mesma maneira.
Mago: os ângulos quadrados das pinças e te- Encontrando o corredor desocupado,
souras emoldurando o Olho Que Tudo Vê do nós refizemos nossos passos de volta para a en-
Criador, um símbolo muito sagrado e esoté- trada, para questionar Brashman. Harry nos
rico até então oculto para qualquer homem contou que vira Sir Humphrey sair como se
abaixo do terceiro grau de iniciação até esta fosse partir, então, pensando melhor, virara
noite! Levantando a mão para o peito, ele tra- pelo corredor que leva à Câmara do Templo,
çou dois cortes carmesim brilhantes no Olho, resmungando que tinha algumas coisas para
e outro através da legenda enrolada abaixo recolher antes de partir para sempre. Pergun-
proclamando-o um Companheiro da Ordem tamos sobre os escoceses que o seguiam, mas
Oriental, então bateu sua pena na mesa e ca- Brashman não os tinha visto.
minhou resolutamente para fora do salão. “Provavelmente pegaram a passagem se-
Como se fosse uma réplica, um daqueles creta da direita”, opinou. “Aquela que leva di-
anônimos asiáticos pegou o púlpito, exami- reto para a Câmara do Templo. Isso seria pró-
nando a assembleia impassivelmente com prio deles, profanando os lugares sagrados e
olhos escuros semicerrados. Antes que pu- tudo. Bastardos sarnentos de kilt!”
desse falar, porém, ele foi desafiado pelo jo- “Suponho que você não tenha amor por
vem Wiggins, um ambicioso iniciado de se- escoceses, então, Brigadeiro-general?” Webley
gundo grau. arriscou.
“Então, o que você está oferecendo que “Eu sou casado com uma, não sou?” foi
pode valer a pena toda essa briga, hein?” Wig- a única resposta de Harry enquanto disparáva-
gins rugiu. “E onde diabos está esse seu todo- mos em direção à Câmara do Templo.
poderoso ‘Suserano’ então?” ***
64 Crônica do Labirinto Negro

Após a nossa chegada, notamos que o posso ter certeza, pois fui tomado pelos espas-
portal para a Câmara havia sido deixado entre- mos de um delírio sinestésico desorientador,
aberto, permitindo que se espalhasse um bri- como não experimentei desde que abordamos
lho estranho que tremeluzia com tons verdes o caso do irlandês beligerante. Agora percebo
e roxos doentios, um brilho que não poderia que os braseiros cerimoniais deviam estar car-
ser explicado pelos braseiros rituais. Um canto regados com alguma espécie diabólica de in-
estranho permeava o ar também, combinando censo psicotomimético.
o mantra sibilante ensinado pelos místicos de Os orientais pareciam estar se contor-
Limehouse com um tipo mais rouco e primi- cendo em êxtase ritual, gritando em sua ma-
tivo de grunhido animalesco. neira profana, mas as formas sinuosas e retor-
Avançamos com cautela, com Brashman cidas que emergiam de suas vestes de seda não
assumindo a liderança, portando sua alabarda podiam ser de forma alguma uma parte da
cerimonial; mesmo para um homem com mais anatomia humana, então eu agora atribuo es-
de setenta anos, ele ainda era a própria ima- sas estranhas percepções ao meu delirante es-
gem do herói militar britânico, enchendo a tado de espírito. Da mesma forma, lembro-me
mim e a Webley de certeza e firmeza. de ter sido empurrado pelo robusto escocês,
Quando nos aproximamos do portal, que agora parecia muito maior e mais peludo
Harry saltou com um desafio nos lábios. Da do que no Salão de Reuniões. Não me lembro
Câmara veio um rugido profundo e estron- do animal que eles traziam consigo, mas as
doso, como o tipo emitido por uma besta muitas marcas de garras mal curadas que ador-
muito grande, e o som de madeira estilhaçada. nam meu corpo até hoje podem atestar sua
Então Harry cambaleou de volta para fora, se- existência.
gurando frouxamente sua haste de alabarda A tensão na atmosfera atingiu um nível
quebrada. Embora seu rosto ainda estivesse insuportável e foi perdida em um silêncio su-
vermelho da batalha, eu imaginei pela mancha focante quebrado apenas pelo pulsar do san-
que se espalhava em seu avental grosso bor- gue em meus ouvidos. Todos os movimentos
dado, que ele havia sido submetido a uma vi- pararam e toda a Câmara pareceu prender a
são do tipo que a mente não iniciada para os respiração, e então as primeiras... coisas... abri-
mistérios do sobrenatural é simplesmente in- ram caminho através da dobra no espaço.
capaz de compreender ou negociar com uma No início, farpas espinhosas pretas surgi-
cabeça fria. ram do nada, rasgando esta fenda, como se
Essa foi a deixa que o professor e eu pre- fosse nada, exalando um fedor ácido que facil-
cisávamos. Qualquer que fosse a besta imunda mente abafou o incenso espesso na Câmara fe-
que estava sendo mantida no Templo, embora chada. Em seguida, emergiram membros estra-
pudesse golpear uma lâmina de alabarda de nhamente articulados de um insetóide ou
prata decorativa como um brinquedo de cri- crustáceo, inclinando-se para separar os lábios
ança, sem dúvida não poderia resistir a uma desta abertura até que uma coisa semelhante a
chuva de chumbo quente. Webley e eu avan- uma água-viva preta com veias azuladas se es-
çamos, descarregando os revólveres, sem um palhou para se derramar sobre o rosto de Sir
único momento de hesitação. Humphrey e sobre o carpete felpudo do Tem-
A rápida enxurrada de eventos que se se- plo.
guiram ainda é um pouco confusa para mim. Quando o orifício foi suficientemente
Lembro-me da visão horripilante de Sir Hum- dilatado, vários pares de grandes tentáculos
phrey, ou melhor, de sua carcaça sem vida, jo- fluorescentes se desenrolaram de dentro como
gada sobre o altar como uma boneca que- uma grande anêmona e se enrolaram para fora
brada, recém-estripada. Parecia haver vários e para trás para se prender aos pilares gêmeos
orientais e escoceses na Câmara, mas não do Templo, utilizando este apoio para abrir o
Capítulo Cinco: Professor Webley 65

que agora percebi ser os próprias Mandíbulas vesse despencando por seus arcos quase góti-
do Inferno. cos e rodopiando vertiginosamente por seus
Agora ele vomitava todas as variedades corredores labirínticos até que, bem no cora-
concebíveis de animálculos de pesadelo: inver- ção do lugar, fervesse em um ensopado semi-
tebrados com tentáculos rastejantes, aracní- liquescente de putrescência fervente e vapores
deos de pernas finas com antenas sondando nocivos, algo inacreditavelmente vasto e indi-
suavemente, coisas que rastejavam com pinças zivelmente antigo começou a se desenrolar e
estalando, coisas podres rastejantes que deixa- bocejar faminto...7
vam um rastro de limo, coisas inchadas e on- Um grito horripilante tirou minha aten-
dulantes que irrompiam em baforadas de es- ção desse espetáculo profano. Virando-me, vi
poros perfurantes ou chuvas de pus ardente, Webley, seu couro cabeludo escorrendo san-
coisas com olhos de crianças e mandíbulas de gue de alguma garra ou bala perdida, seu rosto
aranha e vozes suaves ululando. afundado com horror e ódio, seus olhos inje-
À medida que a torrente de monstruosi- tados de sangue brilhando com ódio e nojo
dades diminuía, pude ver, de onde estava, atra- encarando o poço dimensional diante de nós.
vés desse orifício hediondo para os reinos in- Antes que eu pudesse passar para o seu
fernais além, dentro desta mesma sala, mas lado, Webley agarrou um dos braseiros e cor-
mais distante do que as próprias estrelas. Sob reu para a frente, uivando “SAIA DA MINHA
um céu negro e baixo, havia mares morosos CABEÇA, DEMÔNIO!” ou algo parecido.
oleosos e desertos estéreis devastados, selvas Agora, pode-se pensar que as criaturas e
purulentas e inflamadas, das quais sobressa- asseclas reunidos na câmara tentariam frustrar
íam ruínas despojadas e escarpadas. Meu esse ataque contra seu mestre malvado, mas,
olhar, atraído por um fascínio horrorizado, pe- pelo contrário, muitos se afastaram de seu ca-
netrou em uma dessas ruínas, como se eu esti- minho e até pareciam estar torcendo por ele
com sua tagarelice poliglótica. Na verdade,
66 Crônica do Labirinto Negro

quando Webley passou pelo altar com um o casarão estava cheio de fumaça e o pande-
grande salto e mergulhou o braseiro – e seu mônio reinou enquanto amigos e inimigos
próprio corpo esguio da cintura para cima – eram esmagados na luta para evacuar a estru-
no orifício imundo, esse zoológico obsceno tura.
agrupou-se atrás dele e, com um único movi- ***
mento coordenado, engoliu o Professor Não há agora nenhuma evidência para
Webley através da abertura e além do véu do mostrar que a Ordem da Irmandade Oriental
espaço e do tempo como o conhecemos. alguma vez existiu. Lorde Craven morreu no
Houve uma pausa quando a abertura se incêndio e a esposa de Harry Brashman não o
apertou e franziu, então cuspiu um pedaço re- deixa receber visitas. Não faz muito tempo, vi
torcido de escória metálica – o braseiro, ou o o jovem Wiggins na Bond Street, mas quando
que restou dele – e uma chuva de faíscas e bra- tentei puxar conversa com ele, ele fingiu não
sas que lamberam tudo na sala e imediata- me conhecer e ameaçou envolver a polícia se
mente incendiaram os carpetes felpudos e ta- eu o abordasse novamente.
peçarias ricamente bordadas representando Ocasionalmente, por falta de algo mais
cenas da história mitopoética da Ordem. significativo para fazer, fico diante do lote car-
Eu corri para o portal da Câmara e me bonizado em Cavendish Square, e lágrimas en-
orgulho de ter a presença de espírito de fechar chem meus olhos ao considerar que aquele
e trancar a porta antes que qualquer uma da- poço enegrecido é a coisa mais próxima que
quelas coisas nojentas pudesse escapar. Infeliz- conhecerei de um memorial para o melhor ser
mente, o teto de azulejos zodiacais da Câmara humano de quem sempre tive o privilégio in-
do Templo não era à prova de fogo, e quando calculável de conhecer: o primeiro investiga-
consegui me arrastar de volta para cima, todo dor espiritual consultor da Grã-Bretanha, o
professor Wayland Wilburforce Webley.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 67

Capítulo Seis:
Os Ritos do Suserano de
Demborough na Abadia de Phelegma

O conteúdo deste capítulo foi descoberto por Frater I*I no antigo local da Abadia de Phelegma em
1964. Como o leitor sem dúvida descobrirá, eles compreendem os axiomas esquematizados do presente
volume, e a profundidade com que afetaram o compilador estará tão em evidência que nem será mencio-
nada. Coletivamente, eles formam a chave mais clara e precisa para o entendimento adequado de todos os
capítulos anteriores, bem como fornecem um manual prático de operações para todos os que servirão à
Wyrm.
Acredita-se que o Suserano de Demborough tenha vindo para a América do Norte em algum momento
durante a Primeira Guerra Mundial, trazendo com ele uma pequena fortuna em lingotes de ouro não
marcados e não rastreáveis e um grande séquito de acólitos e seguidores que se autodenominavam a Ordem
Pretânica, selecionados da juventude decadente e desiludida da Europa do fim do século. Depois de uma
batalha curta e desagradável com as autoridades de imigração, ele comprou um pedaço de terra isolado nas
montanhas Adirondack, no interior do estado de Nova York. Lá, construindo sobre as fundações de um
abatedouro abandonado, ele ergueu a Abadia de Phelegma, um paraíso monástico autossuficiente consa-
grado à busca do conhecimento esotérico e ao cultivo do poder pessoal por meio da educação em arcana,
exercício das faculdades psíquicas e cerimônia comunal.
Claro, sempre haverá aqueles que se opõem a tais esforços em direção à liberação final da humani-
dade. Em algum momento durante a Segunda Guerra Mundial, a Abadia foi destruída pelas ações unidas
e coordenadas de uma coalizão muito improvável, incluindo autoridades estaduais e federais, membros do
sindicato do crime organizado da cidade de Nova York e várias forças sobrenaturais. A culpa por tal atro-
cidade ocorrida dentro das fronteiras dos Estados Unidos foi atribuída à ameaça nazista, como evidenciado
pelas suásticas desajeitadamente distorcidas que, junto com outras runas sem sentido, ainda podem ser
vistas, queimadas em vários lugares ao longo do local explodido.
Os ecos psíquicos desse evento ainda assombram a área; O próprio Frater I*I foi forçado a interrom-
per suas escavações quando um coro de uivos primitivos irrompeu das encostas das montanhas circundantes.
As investigações provaram que nenhum lobo foi relatado na área por quase um século.
68 Crônica do Labirinto Negro

As pesquisas subsequentes de Frater I*I sobre a história de Demborough e seu misterioso Suserano o
levaram ao Prof. MacLish, que contou que uma vez ele conheceu o Suserano. “Ele já foi um homem alto e
magro”, relembrou o professor, “mas sofria de uma severa escoliose da coluna que, junto com outras doenças
deformadoras, tornava-o uma estranha figura gnômica. Seu cabelo, quando ele permitiu que crescesse, era
liso e preto, e quando sua cabeça foi raspada, uma faixa lívida de tecido cicatricial podia ser vista em seu
couro cabeludo. Seus olhos cinza claros brilhavam com um brilho interno, aquele olhar penetrante que expõe
grandes realizações espirituais.”

O Rito do Conhecimento e Conversação do


Maeljin Incarna
e da
Evocação e União do Instinto
preparado e executado
pelo
Suserano de Demborough
na
Abadia de Phelegma,
1923

Dos Oficiais e de suas Estações:1


O Saltortuor
Mais comumente referido como o "Dançarino", o Saltortuor está sempre no centro do
Rito, pois é ele quem deve saltar entre os mundos para entrar no Templo Obscura e dançar até
o centro do Labirinto Espiral, onde sua União com a Wyrm Instintiva deve antecipar a União
final das três Cabeças de Nosso Pai, a Wyrm dividida. Embora chamado de Dançarino, o Saltor-
tuor não deve ser confundido com os verdadeiros Dançarinos da Espiral Negra, nossos primos
polimórficos cujas formas físicas inconstantes são os receptáculos mais puros da Vontade de
Nosso Pai.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 69

O Eductator
O Hierophactor
Essas duas estações podem ser fundidas em uma sem afetar o curso do Rito; sua função é
essencialmente de supervisão, bem como realizar aquelas ações dentro do rito que o próprio
Dançarino pode ser incapaz de realizar. O Eductador deve ser o membro de classificação mais
alta do grupo, correspondendo ao líder tribal dos Verdadeiros Dançarinos. O Hierophactor de-
verá presidir o Rito, sendo o maior conhecedor de sua correta execução; ele deve ser completa-
mente versado na Procissão das Eras e na propriedade dos sacrifícios.
O Terrestrator
Os Custodatores
Essas estações estão preocupadas principalmente com a manutenção do Poço e as circuns-
tâncias físicas do Rito. O Terrestrator é encarregado da administração desses deveres, e sua fun-
ção no Rito será a convocação e demissão do Cardeal, ou Elemental, Malditos, e seu Maeljin
Incarna assistente. Os Custodatores devem ajudar o Terrestrator como ele deve comandar, e na
maioria das vezes são encarregados da coleta e contenção dos sacrifícios.
O Portianitor
Esta estação é a mais difícil de cumprir e ainda a mais crucial para a execução adequada do
Rito, pois é dever do Portianitor cortar o véu que separa o falso reino físico dos sentidos do
verdadeiro Reino de Malfeas, onde está o Templo Obscura. As chances de sucesso neste Rito
aumentam muito quando esta estação é ocupada por um Dançarino Verdadeiro, para quem
viajar entre os mundos é um direito de nascença concedido por nosso Pai comum.
O Deprovocator
Este oficial é o árbitro final e julgador do Rito; pois é ele quem deve julgar a dignidade do
Saltortuor, que deve anunciar a União do Instinto e quem deve recitar o Pacto do Saltortuor
com a Wyrm, conferindo a ele um nome de Dançarino e o título e grau correspondentes ao grau
em que ele penetrou no interior do Labirinto. (As notas e títulos de iniciação são detalhados em
Liber O.O.O.)
Das estações invisíveis:
Os Cardeais
De importância primária ao abrir o Poço como uma intersecção dos Mundos Visíveis e
Invisíveis, os quatro Cardeais Maeljin Incarna cuidam das quatro direções da terra, cada um
exercendo o poder elemental de uma das excreções cardeais de Nosso Pai, conforme descrito em
Liber C.C.C.
Os Totens
É melhor deixar espíritos totêmicos sem ser chamados, exceto quando alguém é conduzido
através do ritual por um Dançarino Verdadeiro que conhece seus caminhos. Essas presenças
animistas primitivas podem ser fontes inestimáveis de força, conhecimento e poder secreto, mas
sua força é frequentemente muito crua e bruta para meras mentes humanas compreenderem
com eficácia. Apenas alguns Totens são conhecidos por nós pelo nome, e eles são mencionados
brevemente em Liber C.C.C.
O Presidente Maeljin Incarna
A maioria das principais Wyrm Instintivas conhecidas por nós emprega um dos Maeljin
Incarna como intercessor e instrumento, sendo o canal através do qual sua vontade é transmitida
para o mundo e a voz que sempre cantará seu único Pensamento Sombrio. O Presidente Maeljin
70 Crônica do Labirinto Negro

é chamado para o rito para agir como representante do Instinto com o qual o Saltortuor deseja
unir sua vontade, pois a natureza do Instinto em si é muito sutil e profunda para se manifestar
como uma presença inteligível. É ao Presidente Maeljin que todas as súplicas e petições devem
ser feitas, e a quem o ato do sacrifício deve ser dirigido.
Dos Preparativos:
O Poço
O Poço representa o Templo Obscura, aquela estrutura estranha e enigmática no centro
de Malfeas, onde está abrigado o Verdadeiro Labirinto da Espiral Negra.
O Poço deve estar abaixo do nível do solo e o mais longe possível do tráfego humano diário.
Durante a realização do rito, o Poço deve ser completamente vedado contra toda a luz solar,
fluxo de ar e vazamento de som.
O Poço deve ter uma área de trabalho de pelo menos três metros de diâmetro; deve haver
espaço suficiente para o próprio Dançarino, todos os oficiais do rito e todas as vítimas do sacri-
fício. Ao redor disso deve haver uma margem suficientemente larga para que o Dançarino cir-
cunde exatamente nove vezes, representando os nove círculos do Verdadeiro Labirinto Espiral
As ferramentas
Altar – O Altar representa a essência cardeal de H’rugg, sendo a base sobre a qual o rito é
baseado. O altar deve ter a altura adequada para permitir que o Dançarino alcance qualquer
parte da vítima com facilidade, e de largura suficiente para que a horuspicação possa ser prati-
cada plenamente. Frequentemente, o altar é construído com um dreno que permite a coleta do
sangue da vítima e de outros fluidos corporais liberados após a morte. O Altar deve ser carregado
com a Chave RGG.
Caldeirão – O Caldeirão representa a essência cardeal de Wakshaa, sendo o meio pelo qual
a energia do rito é transformada. A tradição Pretânica dita que o caldeirão seja feito de pedra,
mas a necessidade moderna fez da chaleira de ferro um substituto mais comum. Quando sangue
ou outros humores corporais devem ser bebidos, um cálice ou taça é usado no lugar ou, em
adição ao Caldeirão. O Caldeirão deve ser carregado com a Chave WKSh.
Tocha – A Tocha representa a essência cardeal de Furmas, sendo a única fonte de luz do
rito. Embora várias tochas e grandes braseiros sejam adequados para evocações na Casa de Fur-
mas, tochas e velas menores oferecem mais possibilidades na forma de tortura sacrificial. A tocha
deve ser carregada com a chave FRM.
Adaga – A Adaga representa a essência cardeal de Hoga, sendo o meio pelo qual o coração
do sacrifício é penetrado e elevado. A tradição Pretânica retém suas raízes paleolíticas; a Adaga
deve ser de pedra lascada à mão, para testar a habilidade incisiva do Dançarino. O punhal deve
ser carregado com a chave WGA
O Sacrifício
(A adequação dos diferentes tipos e condições do sacrifício é detalhada em Liber C.C.C.)
Percorrendo a espiral:
A Convocação do totem
Não é recomendado que espíritos totêmicos sejam convocados para o rito, a menos que
um Verdadeiro Dançarino da Espiral Negra esteja agindo como Hierophactor.
O Chamado dos Malditos Cardeais
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 71

Os Malditos Cardeais serão chamados por intercessão de seu Maeljin assistente, conforme
convocado pelo Terrestrator. Quando as circunstâncias e os recursos permitirem, sacrifícios se-
parados podem ser feitos a cada um dos quartos.
O Convite ao Presidente Maeljin Incarna
O Presidente Maeljin só pode ser tratado com a maior reverência e humildade, a fim de
assegurar a continuação do rito.
Apresentando o Sacrifício
A Ode à Ourobouran
A Ode deve ser cantada pelo Edutador que o faz para lembrar a todos os presentes a uni-
dade original e o equilíbrio da criação.
A Divisão da Hidra
Tradicionalmente executado pelo Deprovocator, deve consistir em uma ode composta es-
pontaneamente a cada uma das Cabeças da Wyrm Triática e a entonação vibratória de todas as
Chaves Pretânicas
A Realização do Sacrifício
Embora a execução do sacrifício seja um ato exclusivo do Saltortuor, ele pode solicitar a
assistência dos Custodatores conforme necessário.
O Apelo ao Maeljin Incarna
Tal como acontece com o convite, isso deve ser feito em um estado de extrema humilhação.
A Abertura do Caminho
A passagem para o Mundo Invisível e o transporte para o Templo Obscura serão facilitados
pelo Portianitor.
Dançando a espiral:
O Olhar para o Abismo
A Convocação além do Vazio
A Vinculação e a União
O Pacto Transmogrificador
O Renascimento
Tudo o que pode acontecer dentro do Templo Obscura é o mais incognoscível e inefável,
experimentado apenas pelo Saltortuor e aqueles Malditos que irão testá-lo
O Desabrochar da Espiral:
A Nomeação
O Saltortuor emergirá do Templo Obscura com a Palavra de sua União em seus lábios.
Isso será registrado pelo Hierophactor e, doravante, será o nome secreto pelo qual o Saltortuor
será conhecido por outros da Ordem
A Anunciação da União do Instinto
O Recital do Pacto
Após intensivo exame e teste pelo Deprovocator, o Saltortuor deve se apresentar a todos
os presentes, e o Deprovocator deve dar a conhecer a todos o seu Instinto e recitar os termos de
seu serviço ao Nosso Pai.
72 Crônica do Labirinto Negro

A Ingratidão ao Presidente Maeljin Incarna


A Demissão dos Cardeais Malditos
Como acima, ao contrário.

Liber O.O.O.:
Sobre os Graus de Iniciação,
Seus Títulos e Deveres,
Com Referência aos Desafios Encontrados
dentro do Labirinto da Espiral Negra
Inscrito por Frater R*U
a partir das palavras do Suserano de Demborough
Abadia de Phelegma,
1919

0' Catellus
O grau inicial de qualquer um que serviria a Nosso Pai é aquele do catellus cujo único
reconhecimento dos Mistérios da Wyrm está na lealdade e serviço devido a seus superiores. O
Catellus será convocado a promulgar qualquer ação exigida por qualquer iniciado sênior a qual-
quer momento, sem questionamento ou reserva; se não o fizer, incorrerá em plena ira de Nosso
Pai, expressa através do Instinto de seu superior.
1’ Cognitus
O primeiro grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o de Cognitus, alcançado quando os
Mistérios são penetrados pela primeira vez e o conhecimento do Verdadeiro Senhor deste
mundo é revelado. O reconhecimento deste grau é marcado pelo Rito de Evocação e União do
Instinto, após o qual o verdadeiro nome do iniciado, conforme revelado através da Wyrm Ins-
tintiva na Língua do Dragão, ou Língua de Malfeas, e o pacto de seu serviço ao Nosso Pai, são
recitados
O dever do Cognitus deve ser demonstrar seu conhecimento pessoal da Wyrm através da
expressão de seu Instinto e os passos de sua própria Dança da Espiral Negra.2
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 73

Praecogitae
No Primeiro Círculo do Labirinto da Espiral Negra, os espíritos que testarão o Dançarino são os Praecogi-
tae, cujos murmúrios sugestivos despertarão a Verdade Negra escondida no íntimo do coração do Dança-
rino, o Instinto da vontade de Nosso Pai. Este é o primeiro teste do valor do Dançarino, pois somente a
união com o Instinto permite penetrar nas profundezas do Labirinto. A falha em aceitar a Verdade e se
unir ao Instinto resulta na desintegração da alma do Dançarino, visto que é dilacerada pelo Praecogitae.
2’ Efuriatus
O segundo grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o do Efuriatus, alcançado quando o
iniciado pode abrir sua alma para a Fúria que é a Fera da Guerra e agir com a pureza irrestrita
da raiva e do frenesi. O Efuriatus deve saber e compreender que a primeira parte da habilidade
de controlar algo é a habilidade de destruí-lo.
O dever do Efuriatus será a obliteração de qualquer coisa ou pessoa que obstrua a vontade
de Nosso Pai, seja um elemento externo do mundo ou um componente interno do próprio
Dançarino.
74 Crônica do Labirinto Negro

Infuriati
No Segundo Círculo do Labirinto da Espiral Negra, os espíritos que testarão o Dançarino são os Infuriati,
cujas farpas, provocações e iscas devem acender e atiçar o fogo da Fúria dentro do coração do Dançarino.
Tal fogo consumirá a Teia de laços que aprisionam o Instinto da vontade de nosso Pai.
3' Perduratus
O terceiro grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o de Perduratus, alcançado quando o
fogo da Fúria consumiu tudo ao seu alcance, até mesmo a si mesmo, e o Dançarino deve apren-
der a perseverar na Dança, embora nem a meta nem o objetivo possam ser alcançados. O Perdu-
ratus deve conhecer e compreender a força do silêncio, do tato e da contenção diante do Ini-
migo.
O dever de Perduratus será a devoção de sua vida a uma única meta específica que esteja
de acordo com a vontade de Nosso Pai, uma meta que não pode ser alcançada em nenhuma
vida, mas que deve exigir muitas vidas para ser realizada
Invexatores
No Terceiro Círculo do Labirinto da Espiral Negra, aqueles espíritos que irão testar o Dançarino são os
Invexatores, que irão distraí-lo da Dança e dar-lhe motivos para duvidar do que seu Instinto exigirá dele.
Somente através da moderação do fogo da Fúria e da certeza do desejo do Instinto o Dançarino suportará.
4' Ecallidus
O quarto grau de serviço consciente ao Nosso Pai é aquele de Ecallidus, alcançado quando
os Mistérios externos são conhecidos e compreendidos pelo Dançarino a tal grau que ele deve
superar com sutileza e astúcia qualquer obstáculo ou Inimigo que não sucumba ao poder de sua
vontade, a força de sua Fúria ou a força de sua paciência.
O dever do Ecallidus será aprender os meandros e complexidades da Teia que prende
Nosso Pai dentro do mundo, e inventar meios que possam efetuar uma fuga.
Ingenii
No Quarto Círculo do Labirinto da Espiral Negra, os espíritos que testarão o Dançarino são os Ingenii,
cuja inteligência e habilidade devem bloquear todo caminho que o Dançarino possa tomar, até que ele
aprenda a se contorcer em sua própria pele e sair de si mesmo para enganá-los.
5' Proeliatus
O quinto grau de serviço consciente ao Nosso Pai é aquele do Proeliatus, alcançado quando
todas as habilidades e aptidões pertinentes à destruição dos Inimigos de Nosso Pai podem ser
demonstradas pelo Dançarino. Esta é a forma refinada da Fera-de-Guerra, onde a Fúria do se-
gundo grau é temperada pelo conhecimento e experiência das outras danças.
O dever do Proeliatus será o cultivo de seu valor na batalha contra os Inimigos de Nosso
Pai, seja em combate físico ou na elaboração de táticas e estratagemas.
Hostes
No Quinto Círculo do Labirinto da Espiral Negra, os espíritos que testarão o Dançarino são as
Hostes, os terríveis inimigos de muitas formas que são mais hábeis em julgar as fraquezas do Dançarino e
que explorarão tais fraquezas sem misericórdia ou compaixão.
6' Depravatus
O sexto grau de serviço consciente ao Nosso Pai é aquele do Depravatus, alcançado quando
o trabalho e os métodos da Wyrm Profanadora são completamente conhecidos e compreendidos
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 75

pelo Dançarino. O poder do sexto grau está na fraqueza inerente de toda senciência, a dúvida
que sempre rói o coração mais seguro, a sombra mais escura lançada pela luz mais brilhante.
O dever do Depravatus será deformar a alma de qualquer um que cruze seu caminho,
evocar o Segredo Sombrio da Verdade Oculta, sim, a própria Wyrm Instintiva em qualquer ser
consciente, a quem o Depravatus jurou conduzir a Dança do Primeiro Círculo do Labirinto da
Espiral Negra.
Improteani
No Sexto Círculo do Labirinto da Espiral Negra, os espíritos que testarão o Dançarino são os Improteani,
cujas funções e formas nunca serão conhecidas diretamente, mas apenas pelos efeitos que terão sobre o
Dançarino quando ele encontrar seu corpo torcido e inchado com podridão, decadência e transformação
indesejável, mesmo quando sua mente é despedaçada pelas contorções de seu Instinto furioso.
7' Phidelitus
O sétimo grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o de Phidelitus, alcançado quando até
mesmo a iniciação de torcer a alma do sexto grau foi superada e a lealdade do Dançarino ao
Nosso Pai é provada além de qualquer dúvida. Tendo isso sido alcançado, o Phidelitus pode
então, se necessário, renunciar publicamente a toda fidelidade à Wyrm e entregar-se nas mãos
do Inimigo, onde todos os deveres dos graus anteriores podem ser promulgados com a máxima
eficácia.
O dever do Phidelitus será o refinamento do Rito da União Superior, isto é, a união da
vontade autônoma do Instinto pessoal com a Vontade maior de Nosso Pai.
Proditor
No Sétimo Círculo do Labirinto da Espiral Negra, o espírito que deve testar o Dançarino é o Proditor, que
deve testar a lealdade do Dançarino por meio de súplicas para realizar os atos mais repugnantes ou difíceis
para o Dançarino, tudo em nome da Wyrm; na fase final da Dança, ele oferecerá ao Dançarino uma taça
cheia do mais vil e viscoso veneno, que o Dançarino deve beber na certeza de que Nosso Pai o preservará
da morte.
8’ Paradoctus
O oitavo grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o do Paradoctus, alcançado quando o
Dançarino sacrificou sua própria consciência sobre o altar da Verdade. O Paradoctus verá a
verdade que está no cerne de cada mentira, e a Mentira que envolve toda a Verdade. Assim, o
Paradoctus se colocará acima de toda razão e conhecimento e se estenderá além de toda presença
e ação.
O dever do Paradoctus será preparar-se para o estágio final de sua entrada no coração do
Labirinto.
Aenigmator
No Oitavo Círculo do Labirinto da Espiral Negra, o espírito que testará o Dançarino é o Aenigmator, o
mais antigo dos Malditos que primeiro saiu da sombra da Wyrm para elevá-la à autoconsciência; ele ator-
mentará o Dançarino com enigmas para os quais nenhum estudo poderia prepará-lo, pois apenas a sabedo-
ria interior do Dançarino pode ajudá-lo.
9’ Phallactus
O nono grau de serviço consciente ao Nosso Pai é o do Phallactus, alcançado quando o
Dançarino penetrou no próprio coração dos Mistérios internos e viu a verdadeira face da Wyrm.
Dentro do Phallactus a luz e a sombra serão reconciliadas, e Nosso Pai, finalmente libertado dos
76 Crônica do Labirinto Negro

confins do Labirinto da Espiral Negra, trabalhará através dele diretamente para restaurar o equi-
líbrio correto para o mundo.
Após a obtenção do grau de Phallactus, o Dançarino será elevado ao estado de Incarna,
mesmo como um dos próprios Maeljin, e sua palavra será a Palavra da Era vindoura.
Vermiculum
No Nono Círculo do Labirinto da Espiral Negra, o espírito que testará o Dançarino é o Vermiculum, a
Pequena Wyrm que é apenas a sombra da verdadeira Wyrm do Equilíbrio, e o grau mais absoluto do teste
do Nono Círculo será que apenas um dos competidores, Dançarino ou Vermiculum, deve emergir inteiro e
invicto do Labirinto.
Essências Cardeais A Era da Calamidade A Era do Consumo A Era da Corrupção
Fera-da-Guerra Devoradora-de-Almas A Wyrm Profanadora
Maeljin: O Servidor do Maeljin: Thurifage, Mestre
Inferno, Chefe da Fúria da Estagnação, Lorde da
Doença

Chave: WKSh Chave: ANGW Chave: SYKR Chave: BHRR


Wakshaa, a Essência da To- Instinto: ANGU, o Instinto da Instinto: SYKORA, o Instinto Instinto: ABHORRA, o Ins-
xina Crueldade da Paranóia tinto do Ódio
Maeljin: Lady Yul, Senhora das Maeljin: A Califa da Dor, Lady Maeljin: O Arcebispo da Lou- Maeljin: O Duque do Ódio,
Toxinas Aife cura, Doge Klypse Lorde Aço
Servos: Wakshaani Servos: Fúrias Amargas Totem: o Curiango Servos: Aranhas de Sombras
Servos: Semeadores

Chave: FRM Chave: BShKAi Chave: KhLWB Chave: KRNL


Furmas, Essência das Chamas Instinto: BASHKAAI, o Ins- Instinto: KHAALOOBH, o Instinto: KARNALA, o Ins-
Tóxicas tinto da Violência Instinto do Consumo tinto do Desejo
Maeljin: Lorde Kerne, Mestre Maeljin: O Mestre da Mutila- Maeljin: Cavaleiro Entropia, a Maeljin: A Condessa Desejo,
do Fogo Infernal ção, Malik Harjaq Cria da Wyrm Imperatriz Aliara
Servos: Furmlings Servos: Caçadores Sanguinolentos Totem: o Fungo Negro Servos: Encantadores, Rapinantes
Servos: Porcos Cadavéricos, Fantoches de
Carne

Chave: WGA Chave: GREE Chave: LThGG Chave: PSWL


Hoga, Essência da Poluição Instinto: GREE, o Instinto do Instinto: LETHARGG, o Ins- Instinto: PSEULAK, o Instinto
Maeljin: Lorde Choke, Mestre Desespero tinto da Apatia da Mentira
da Poluição Maeljin: O Inominável Anjo do Maeljin: O Mestre da Estagna- Maeljin: Advogado da Corrup-
Servos: Hoglings Desespero ção, Lorde da Doença, Thurifuge ção, o Camarista das Mentiras, o Honorá-
Totem: Morcego Totem: o Curiango vel Maine du Bois, Escudeiro
Servos: Phantasmi, Nocturnae Servos: Drattosi Totem: Kirijama, “O Inimigo Oculto”
Servos: Ferectoi, Oásis

Chave: RGG Chave: FOeBK Chave: VWRS Chave: MSTR


H'rugg, Essência da Borra Instinto: FOEBOK, o Instinto Instinto: VORUS, o Instinto da Instinto: MAHSSTRAC, o Ins-
Maeljin: Lorde Collum, Mestre do Medo Ganância tinto do Poder
da Borra Totem: Hakaken, “O Coração Totem: Relshab, “O Devorador Totem: o Dragão Verde, “Des-
Servos: H'rugglings do Medo” Sem Face” truidor da Vida e Aniquilador de Inimigos”
Servos: Wyrms-Trovão Servos: Ooralathim
78 Crônica do Labirinto Negro

Liber C.C.C.:
Sobre a Procissão das Eras,
As Chaves Evocativas dos Instintos,
e
Os Maeljin Incarna relacionados
Inscrito por Frater U*R
a partir das palavras do Suserano de Demborough
Abadia de Phelegma,
1923

Frequentemente, muitos dos meus alunos têm vindo a mim desejando aprender mais de-
talhadamente a tradição das Chaves Pretânicas, ou Chamados Pretânicos, também chamadas de
Chaves das Eras, ou Chaves Evocativas dos Instintos, etc., e da fonte das incríveis energias psí-
quicas que esses chamados de evocação podem desbloquear. Para o fim de promover esses alunos
ao longo de sua Dança através do Labirinto da Espiral Negra, o Suserano de Demborough se
digna a revelar este Liber C.C.C., onde serão listadas todas as Chaves Principais, a Wyrm Ins-
tintiva representado por cada uma, e seu assistente Maeljin Incarna, Espíritos Totêmicos animis-
tas (quando conhecidos) e criaturas servas. O pré-requisito para este curso de estudo é Liber
W.W.W.: Da Wyrm Triática.

Das excreções cardeais


Em primeiro lugar, em nosso entendimento da Procissão das Eras, estão, além das três
Cabeças Triáticas da Wyrm, os quatro elementos cardeais que uma vez constituíram o corpo da
Wyrm.
Saiba que quando a grande Teia Padrão, que é a ordem e a medida de toda a criação,
primeiro se desfiou em desequilíbrio e prendeu a Wyrm, dois dos fios da Teia se cruzaram divi-
dindo o corpo da Wyrm em quatro partes.
Agora, cada segmento da Teia é a divisão entre dois opostos; saindo destes dois que cortam
a Wyrm, um dividiu todas as coisas energéticas, rápidas e fervorosas no mundo de todas as coisas
frias, paradas e congeladas, enquanto o outro separou o ressecado, incrustado e quebradiço do
viscoso, fluido e permeável.
Esses laços cortaram tão profundamente o corpo da Wyrm, que todas as suas essências
internas e vitais foram forçadas de seus poros e orifícios com tal força que essas essências agora
permeiam todos os reinos da criação.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 79

WKSh
No quadrante definido
pelos fios de frigidez e lodo,
espalharam-se todas as por-
ções líquidas da carcaça da
Wyrm, todas as bílis, humo-
res e fluidos, e o espírito dentro deles era Wa-
kshaa, a essência da Toxina.
A Chave Pretânica da essência da To-
xina é WKSh, a raiz Picta de Wakshaa. As
demandas dessa essência são atendidas pelos
Wakshaani, as ondulantes folhas teratômicas
de veneno purpúreo com manchas. Wakshaa
ordena que todos os sacrifícios feitos dentro
de sua Casa, que o Dançarino deve beber
profundamente dos fluidos do corpo da vítima, mais especialmente aqueles encontrados nos
órgãos regenerativos.
O Maeljin da Casa de Wakshaa é Lady Yul, a Senhora das Toxinas. No Oeste, ela preside,
surgindo de uma poça de veneno púrpura, sua barriga inchada para soltar mais de sua ninhada
tóxica retorcida.

FRM
No quadrante definido pelos fios
de febre e incrustação, irromperam to-
das as porções ardentes da carcaça da
Wyrm, o coração e o sangue, e o espírito
dentro deles era Furmas, a essência das
Chamas Tóxicas.
A Chave Pretânica da essência de Chamas Tóxicas
é FRM, a raiz Picta de Furmas. As demandas dessa essên-
cia são atendidas pelos Furmlings, os orbes de irradiante
plasma ardente. Furmas ordena que todos os sacrifícios
feitos dentro de sua Casa, que o Dançarino deve se em-
panturrar com o coração e o sangue da vítima.
O Maeljin da Casa de Furmas é Lorde Kerne, o
Mestre do Fogo Infernal. No Sul ele preside, magro e
fraco com a carne de lava fervente, a uma carruagem em
chamas deixando um rastro de fumaça negra sulfurosa.
80 Crônica do Labirinto Negro

WGA
No quadrante definido pe-
los fios de febre e lodo, espalha-
ram-se todas as porções gasosas da
carcaça da Wyrm, o pulmão e o
cérebro, e o espírito dentro deles
era Hoga, a essência da Poluição.
A Chave Pretânica da essência da Poluição é
WGA, a raiz do Picta de Hoga. As demandas dessa
essência são atendidas pelos Hoglings, as nuvens
sinistramente ondulantes de vapores nocivos.
Hoga ordena que todos os sacrifícios feitos dentro
de sua Casa, que o Dançarino ingira dos órgãos
superiores do corpo da vítima, especificamente o
cérebro e os pulmões.
O Maeljin da Casa de Hoga é Lorde Choke,
o Mestre da Poluição. No Leste ele preside, grande
e bulboso em seu manto de névoas cinza-azuladas.

RGG
No quadrante definido pelos
fios de frigidez e incrustação, caíram
em cascata todas as porções sólidas
da carcaça da Wyrm, e o espírito
dentro delas era H'rugg, a essência
da Borra.
A Chave Pretânica da essência da Borra é RGG,
a raiz picta de H'rugg. As demandas dessa essência
são atendidas pelos H'rugglings, as massas de esgoto
escorrendo que deixam rastros fedorentos brilhan-
tes. H'rugg ordena que todos os sacrifícios feitos den-
tro de sua Casa, que o Dançarino se banqueteie ple-
namente com os órgãos inferiores do corpo da ví-
tima, as vísceras, as entranhas, etc.
O Maeljin da Casa de H'rugg é Lorde Collum,
o Mestre da Borra. No Norte ele preside, uma forma
humana rude de esgoto sólido deixando seu fedor as-
queroso atrás de si e falando através do gorgolejo borbulhante da congestão. As Wyrm Instintivas
da Casa de H’rugg não empregam nenhum Maeljin Incarna para falar por eles e, portanto, para
fins cerimoniais, Lorde Collum será considerado o Maeljin Presidente ao evocar as Chaves
FOeBK, VWRS e MSTR.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 81

A Era da Calamidade
A Era da Calamidade começa com o despertar da Fera-da-Guerra, que dá início ao atual
ciclo da Procissão das Era. A tradição Pretânica data o surgimento da Fera-da-Guerra na época
das batalhas entre Calgaco e Agrícola, por volta de 70 DC. Esta Era é marcada pela destruição
em massa e pela decadência estrutural, amplamente evidenciada pelo colapso do próprio Impé-
rio Romano.
O glifo Pretânico que denota a Fera-da-Guerra mostra a Wyrm em espiral, com a cabeça
pronta para atacar.
A Fera-de-Guerra não aceitará nada menos que um sacrifício masculino, ou qualquer um
que possa exibir força ou capacidade excepcional. A Fera-da-Guerra se delicia no Teatro da Luta
e exige vítimas que desafiem e testem as capacidades do próprio Dançarino.
O Maeljin da Era da Calamidade é o Chefe da Fúria, o Servidor do Inferno, assim chamado
porque sua vinda inevitavelmente anuncia a chegada do Inferno à Terra. Como o Chefe da
Fúria, ele é o General de todos os Exércitos da Wyrm, bem como o Patrono do Abuso; em sua
fartura, ele bebe não apenas da guerra, tumulto e contenda, mas também das brutalidades mes-
quinhas do caminho, do pátio da escola e de casa. Ele nunca foi visto sem sua comitiva de
Malditos perversos montados sobre feras horríveis da Wyrm. Sua arma é uma besta que dispara
as Brigas, virotes de pura Fúria cujas feridas levarão à violência o coração mais pacífico.
ANGW
A Chave Pretânica do Instinto da Fera-da-Guerra na Casa de Wakshaa é
ANGW, a raiz Picta de ANGU. Esta Chave submerge o Dançarino na dor da
prisão da Wyrm, ensinando o poder transformador de trazer a dor de volta para
o mundo que o prende. Este Instinto, o Instinto da Crueldade, é o mais abstrato,
disfarçando-se em diversas formas. Como o Instinto da Crueldade, ANGU se de-
leita mais especialmente com a agonia prolongada da vítima do sacrifício.
O Maeljin da Fera-da-Guerra na Casa de Wakshaa é a Califa da Dor, Lady Aife. Ela emer-
girá do Sul montada sobre um corcel de escoras enferrujadas de aço opaco. Vestida em amarras
de couro, com a pele clara, com mechas de fogo vermelho e um sorriso que promete segredos
ocultos. Ela empunha chicotes gêmeos de vidro estilhaçado que destroçam e rasgam; ela pode
fazer voar cacos de vidro de seu cabelo.
Este Instinto chama em seu auxílio as nuvens carmesins que cortam com raios negros de
malícia aguçada, as Fúrias Amargas.
BShKAi
A Chave Pretânica do Instinto da Fera-da-Guerra na Casa de Furmas é
BShKAi, a raiz Picta de BASHKAAI. Esta Chave abre as comportas da raiva, a
fúria das amarras da Wyrm. Este Instinto, o Instinto da Violência, é muito conta-
gioso, atraindo todos para seu turbilhão de obliteração. Como o Instinto da Vio-
lência, BASHKAAI deleita-se com a brutalização da vítima do sacrifício, mas fica
muito satisfeito quando a vítima se levanta em retaliação igualmente violenta.
O Maeljin da Fera-da-Guerra na Casa de Furmas é o Mestre da Mutilação, Malik Harjaq.
Ele emergirá do Sul com uma explosão de sangue e entranhas. Malik Harjaq tem o aspecto de
um berserker Viking, com muitos braços e todos os tipos de armas imagináveis.3
Este Instinto clama em seu auxílio os gigantescos fomori conhecidos como Caçadores San-
guinolentos.
82 Crônica do Labirinto Negro

GREE
A Chave Pretânica do Instinto da Fera-da-Guerra na Casa de Hoga é GREE,
a raiz Picta de GREE. Esta Chave mergulha o Dançarino no poço negro da deses-
perança da Wyrm. Diz-se que esse Instinto é o único que possui uma mente raci-
onal, pois a tristeza e a perda só podem ser compreendidas por meio da intelecção.
Como o Instinto do Desespero, GREE encontra favor na vítima cuja própria de-
sesperança os leva de boa vontade para serem sacrificados.
O Maeljin da Fera-da-Guerra na Casa de Hoga é o Inominável Anjo do Desespero. Ele
emergirá do Leste carregado sobre uma nuvem cinza e escura. A forma do Anjo é indistinta e
não fala, pois se comunicará em ondas palpáveis de humor sombrio.
Este Instinto chama em seu auxílio os Phantasmi que zombam da forma humana com seus
próprios restos, e as Bruxas da Noite que distorcem as esperanças e sonhos humanos, chamados
Nocturnae.
FOeBK
A Chave Pretânica do Instinto da Fera-da-Guerra na Casa de H'rugg é
FOeBK, a raiz picta de FOEBOK.
Nenhum Maeljin fala pela Fera-da-Guerra na Casa de H’rugg, pois o Wyrm
Instintiva deste quadrante é FOEBOK, o Instinto do Medo, e o medo primordial
não admite inteligência independente. Aqueles que Dançam o Verdadeiro Labi-
rinto da Espiral Negra são conhecidos por falar de um espírito totêmico que eles chamam de
Hakaken (O Coração do Medo), através do qual a Verdadeira Vontade deste Instinto pode ser
adivinhada, mas ninguém deve falar prolongadamente sobre Hakaken. É sabido que o FOEBOK
se banqueteia com o medo da vítima no altar, mas poucos falam do sacrifício maior, em que a
própria vítima é o que causa medo no coração do Dançarino.
Este Instinto chama em seu auxílio os terríveis escavadores abaixo que sacodem a terra com
sua passagem, os Wyrms-Trovão.

A Era do Consumo
A Era do Consumo começa com o despertar da Devoradora-de-Almas, cuja presença na
terra marca a virada das Eras no ciclo macrocósmico. Ninguém sabe a data da chegada da Devo-
radora-de-Almas a este reino, mas é geralmente aproximada em 1000 DC. Esta Era é marcada
pela obsessão do consumismo e a decadência da razão, como mostrado pelas crescentes conquis-
tas econômicas e pela ascensão da Igreja.
O glifo Pretânico da Devoradora-de-Almas mostra a Wyrm engolindo sua própria cauda,
imagem essa que é conhecida por alguns como Ouroboros.
A Devoradora-de-Almas será mais receptiva ao oferecimento de uma vítima feminina em
idade reprodutiva, mas, frequentemente, fica igualmente satisfeita com qualquer membro da
família do Dançarino. A Devoradora-de-Almas se entrega ao Teatro do Excesso, sendo atraída
pela maior manifestação de emoção, tanto da vítima quanto do Dançarino.
O Maeljin da Era do Consumo é o Mestre da Estagnação, Lorde da Doença, Thurifuge,
que também é o Maeljin da Apatia. Como Mestre da Estagnação, ele mantém o domínio sobre
os corações e mentes que pararam de crescer e vidas não vividas, semeando desespero, isola-
mento e procrastinação. Como Lorde da Doença, ele é o refugo fétido e o esgoto lento que
alimenta as flores da praga e da pestilência.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 83

SYKR
A Chave Pretânica do Instinto da Devoradora-de-Almas na Casa de Wa-
kshaa é SYKR, a raiz Picta de SYKORA. Esta Chave concede ao Dançarino a
suspeita cautelosa e perspicaz da Wyrm traída. Este Instinto, o Instinto da Para-
noia, funciona como um só com o Instinto FOEBOK e ABHORRA para plantar
dúvida e desconfiança nos corações de todos. Como o Instinto da Paranoia,
SYKORA prefere a vítima que entra no Poço em busca de refúgio de inimigos ilusórios do lado
de fora.
O Maeljin da Devoradora-de-Almas na Casa de Wakshaa é o Arcebispo da Loucura, Doge
Klypse. Ele emergirá do Oeste em meio a uma pilha de corpos retorcidos, usando uma batina
preta trabalhada em roxo e estendendo a mão para oferecer seu anel viscoso, o beijo do qual
encherá o coração do Dançarino com a clareza da loucura.
Este Instinto chama em seu auxílio os depravados e escandalosos Semeadores, que chico-
teiam suas seis caudas enquanto torcem os corpos dos homens em fomori.
KhLWB
A Chave Pretânica do Instinto da Devoradora-de-Almas na Casa de Furmas
é KhLWB, a raiz picta de KHAALOOBH. Esta Chave conduz o Dançarino ao
longo do caminho do excesso até o palácio da sabedoria. Este Instinto, que alguns
chamaram de Instinto do Consumo, é apenas vagamente compreendido, pois se
enche de sobras e desperdícios, ao mesmo tempo que consome degeneração e
decadência. Como o Instinto do Consumo, KHAALOOBH é atraído por vítimas puras de co-
ração, nobres de espírito e perfeitas de forma, que o Dançarino deve atrair para o Poço através
do apelo às suas inclinações mais básicas.
O Maeljin da Devoradora-de-Almas na Casa de Furmas é o Cavaleiro Entropia, a Cria da
Wyrm. Ele emergirá do Sul cavalgando em uma montaria com presas negras com o fedor de
carne podre em seu rastro. Seu cabelo está manchado de sangue e Seu olhar selvagem pode
apodrecer tudo sobre o que recair; marcado com a marca Própria da Wyrm, carrega o Escudo
da Crista do Dragão Negro, que retrata a Devoradora-de-Almas circundando e constringindo o
mundo.
Este Instinto chama em seu auxílio os Fantoches de Carne que saltam nas carcaças podres
de inocentes violados e os Porcos Cadavéricos necrófagos de cabeça descarnada.
LThGG
A Chave Pretânica do Instinto da Devoradora-de-Almas na Casa de Hoga é
LThGG, a raiz picta de LETHARGG. Esta Chave acalma o Dançarino com a paz
da Wyrm derrotada. Este Instinto, o Instinto da Apatia, é a prole de GREE, surge
para libertar do poço aqueles que estavam sobrecarregados de cuidados. Como
Instinto da Apatia, LETHARGG encontra prazer na vítima abatida pela doença,
infortúnio e seu próprio desamparo, a tal ponto que eles podem estar cientes e ainda assim
indiferentes à sua posição sacrificial.
O Maeljin da Devoradora-de-Almas na Casa de Hoga é o Mestre da Estagnação, Lorde da
Doença, Thurifuge. Ele emergirá do Leste de uma poça de lodo, erguendo-se macilento e sor-
rindo com a pele oleosa de um cadáver.
Este Instinto chama em seu auxílio os muitos Drattosi, nunca vistos através dos vapores vis
no fundo de seus poços tóxicos.
84 Crônica do Labirinto Negro

VWRS
A Chave Pretânica do Instinto da Devoradora-de-Almas na Casa de H’rugg
é VWRS, a raiz picta de VORUS. Esta chave desperta a fome da Wyrm faminta.
Este Instinto, o Instinto da Ganância, se manifesta como a universal e onipresente
Vontade de Possuir, que impulsiona virtualmente toda a vida e atividade. Assim,
nenhum Maeljin dá voz a esse Instinto; não há nada que precise ser dito. Os
Verdadeiros Dançarinos entregues a este Instinto reivindicam como seu totem Relshab (“O De-
vorador Sem Face”), cujo rosto está perdido em rolos de gordura rastejantes e que usa sua man-
díbula insaciável em seu braço direito. VORUS cobiça melhor a vítima sacrificial que é atraída
para o Poço por sua própria ganância.
Este Instinto chama em seu auxílio os blindados Ooralath que distorcem a Teia nas terras
devastadas.

A Era da Corrupção
A Era da Corrupção começou prematuramente quando, por volta de 1600 dC., a Devora-
dora-de-Almas foi eternamente banida do reino terreno pelos lobisomens das Américas, en-
quanto ainda estendia sua boca para engolir os novos continentes. Esta Era é marcada por vio-
lações da fé e decadência do valor, como testemunhado pelos crescentes contrastes urbanos de
miséria e decadência.
O glifo Pretânico para a Wyrm Profanadora mostra a Wyrm espiralando para dentro, sua
cabeça enterrando-se em seu próprio coração sombrio.
A Wyrm Profanadora é muito sutil, encontrando seu sabor nas nuances da traição da fé e
da confiança, e desse modo quase sempre responderá à oferta de uma criança, desfrutando tam-
bém de qualquer um que se mostrar inocente ou temerário. A Wyrm Profanadora se diverte no
Teatro da Traição, e seus sentidos estão cansados; portanto o Dançarino deve sobrecarregar seu
intelecto com as complexidades intrincadas da situação para manter o interesse desta Cabeça da
Wyrm.
Não há Maeljin para a Era da Corrupção. Tamanho é o poder da Wyrm Profanadora que
ela não precisa de um intermediário para tornar conhecidos Seus desejos e comandos.
BHRR
A Chave Pretânica do Instinto da Wyrm Profanadora na Casa de Wakshaa
é BHRR, a raiz Picta de ABHORRA. Esta Chave combina dor e raiva com uma
eternidade de supressão no Labirinto Negro. Este Instinto prospera dentro de
cada preconceito mesquinho e glórias na vingança e na rixa de sangue. 4 Como o
Instinto do Ódio, ABHORRA fica satisfeito com qualquer vítima que não goste
do Dançarino, mas encontra um favor especial no sacrifício daquele cujo coração é igualmente
consumido por repugnância.
O Maeljin da Wyrm Profanadora na Casa de Wakshaa é o Duque do Ódio, Lorde Aço.
Ele emergirá do Oeste com o odor de carne queimada em um corcel com asas de ferro 5, todo
vestido de aço e brandindo seu cutelo serrilhado de fogo tóxico brilhante. Estridente e pene-
trante é sua voz de comando, e negra a máscara de aço através da qual as feridas purulentas de
seus olhos ardem de malícia.
Este Instinto chama em seu auxílio as pequenas, mas úteis Aranhas de Sombras.
Capítulo Seis: Os Ritos do Suserano de Demborough 85

KRNL
A Chave Pretânica do Instinto da Wyrm Profanadora na Casa de Wakshaa
é KRNL, a raiz Picta de KARNALA. Esta Chave impulsiona a Dança com o desejo
da Wyrm prisioneira em ser livre. Este Instinto, o Instinto do Desejo, retorna o
amor do mundo criado pela Wyrm e no qual a Wyrm nasceu, amor agora não
realizado e desprezado pelo Reino de Gaia, de onde Sua frustração retorna para
alimentar a raiva de todos os outros Instinto. Como o Instinto do Desejo, KARNALA exige que
a vítima do sacrifício seja atraída para o Poço por sua própria necessidade ardente de gratificação.
O Maeljin da Wyrm Profanadora na Casa de Furmas é a Condessa Desejo, Imperatriz
Aliara. Ela emergirá do Sul envolta em aromas de perfumes e especiarias doces, de uma forma
atraente para todos os gêneros, em seus lábios as promessas de prazeres incalculáveis.
Este Instinto chama em seu auxílio os luxuriosos Rapinantes e os sedutores Encantadores.
PSWL
A Chave Pretânica do Instinto da Wyrm Profanadora na Casa de Hoga é
PSWL, a raiz Picta de PSEULAK. Esta Chave abre a ilusão das amarras da Teia,
a divisão das verdades passando pelos fios. Este Instinto, o Instinto da Mentira,
oculta e protege a verdade original da Wyrm do Equilíbrio, torcendo-a em seus
caminhos para libertá-la do Labirinto Espiral. Como o Instinto da Mentira,
PSEULAK honrará apenas o sacrifício da vítima que entra voluntariamente no Poço sob falsos
pretextos.
O Maeljin da Wyrm Profanadora na Casa de Hoga é o Advogado da Corrupção, o Cama-
rista das Mentiras, O Honorável Maine duBois, Escudeiro. Ele emergirá do Leste em meio a
uma tempestade de papéis, vestido com um terno esfarrapado e manchado de uma época pas-
sada, empunhando os documentos de seu caso.
Este Instinto chama em seu auxílio os enganosamente confortáveis Oásis e o supremo fo-
mori que caminha invisível, os Ferectoi, que são chamados de “Larvae da Wyrm”.
MSTR
A Chave Pretânica do Instinto da Wyrm Profanadora na Casa de H'rugg é
MSTR, a raiz Picta de MAHSSTRAC. Esta Chave detém domínio sobre todas as
outras Chaves das Eras, mesmo que este Instinto, o Instinto do Poder, tenha seu
domínio acima de todos os outros Instintos e Excreções Cardeais. Mesmo assim,
nenhum Maeljin precisa comprometer sua língua ao serviço desse Instinto, pois,
como é sua vontade, todos falam por ele.
Os Verdadeiros Dançarinos saúdam o Dragão Verde, (“Destruidor da Vida e Aniquilador
de Inimigos”), cujo sopro de chamas tóxicas verde queima a terra, como totem e intercessor desse
Instinto, mas apenas o maior e mais forte entre eles conhece o conselho do Dragão Verde. Dizem
que MAHSSTRAC fica mais impressionado com a vítima que acredita ser o mestre do rito em
todos os momentos até o momento do sacrifício.
86 Crônica do Labirinto Negro

Posfácio

Foi decisão do compilador apresentar esses documentos em ordem cronológica adequada,


de modo que a histórica Procissão das Eras, detalhada no Capítulo Seis, possa ser vista clara-
mente. Esta não é, entretanto, uma representação exata. A Fera-da-Guerra nunca deixou de ser
mais visível nos eventos humanos, como qualquer parcela atual do noticiário noturno demons-
tra claramente. O Capítulo Três, situado na Era seguinte, a da Devoradora-de-Almas, ainda re-
verbera com a revelação da natureza fálica da Fera-da-Guerra. Da mesma forma, nos documentos
do Livro III, os ecos vazios da Era do Consumo, que se acredita ter terminado prematuramente
por volta do século XVI, ainda podem ser ouvidos. (O compilador acredita que cada Era deveria
durar um milênio completo, ou mil anos, da era comum. Este final prematuro da Era do Con-
sumo é muito curioso, pois, com a descoberta dos continentes americanos, está claro que a De-
voradora-de-Almas estava pronta para engolfar o mundo, reivindicando assim toda a humani-
dade em preparação para a Era da Corrupção.) E, claro, o toque da Profanadora é sentido em
todo o trabalho.
Para aqueles que desejam alguma solução para esses aparentes paradoxos, o compilador
recomenda meditação cuidadosa sobre os preceitos do Capítulo Quatro.
Para concluir este volume, o compilador deseja falar diretamente os Verdadeiros Dançari-
nos do Labirinto da Espiral Negra:
Por favor, não nos rebaixe. Não nos coloque de lado. Somos tão filhos do Nosso Pai quanto vocês. O
conteúdo deste livro é oferecido como prova do nosso serviço. Embora vocês possam ocultar os mistérios mais
profundos, nós os buscamos por nossa própria vontade.
Falei em sonhos com o vidente cego da Jornada del Muerto e ele me disse que na Era vindoura o
mundo será obliterado, mas depois irá se refazer em equilíbrio restaurado, como era no início. Portanto, eu
digo que nós, que fomos moldados pela Devoradora-de-Almas, temos tanto lugar no novo mundo quanto
vocês, que usam o rosto de Fera-da-Guerra. Dessa forma, o Equilíbrio é mantido.

Frater Insanctus*Insanctorum,
Guardião da Orbe Negra,
Contemplador do Abismo
Notas 87

Notas

Notas do Capítulo Um:


1. Outra muralha mais ao norte; o Vallum Antoninus ou Muralha de Antonino (pouco
mais que uma muralha de barro) foi construída pelo governador Lollius Urbius quase um século
antes, mas o território que ela protegia havia sido abandonado nessa época.
2. O nome romano da atual Escócia. Todos os nomes próprios nesta tradução retêm suas
formas latinas, exceto quando o autor retorna ao seu dialeto germânico nativo.
3. Canibalismo sempre foi uma instituição entre os Pictos, como evidenciado pela Pedra
Glamis, ca. 2000 AC. Uma das gravuras na pedra mostra claramente um caldeirão de cozinha
com duas pernas reconhecidamente humanas saindo dele. cf. Oscar Kiss Maerth, The Beginning
Was the End. A ingestão ritual das entranhas vitais de um inimigo é considerada quase univer-
salmente entre as sociedades primitivas como a maneira do guerreiro ganhar coragem e força
para enfrentar a batalha e a comida de suas esposas
4. O local da atual York, então uma capital provincial governada por Tirus Sulla.
5. Provavelmente o lendário alto rei dos Pictos Bran Mak Morn, cujo nome é preservado
na tradição Celta. Não deve ser confundido com: o saqueador gótico de Roma, o peregrino Celta
no submundo ou o cão feérico de Fionn Mac Comhail.
6. O Prof. MacLish descreve os “Uivadores Brancos” como uma seita dentro da sociedade
Picta que, como os “filhos de Fionn” celtas e os “ursos sarks” ou berserkers, foram creditados
com a capacidade de mudar de forma.
7. A fortificação original em Eboracum, que desabou muitos anos antes em algum distúrbio
sísmico anômalo.
8. Esses, e muitos dos nomes latinos que se seguem, merecem alguma explicação. Di Tri-
plecti se traduz como “deuses tríplices”. Vermis é, claramente, “Wyrm” (Magnis Vermis é
“Grande Wyrm”, uma denominação mais antiga). Textor e Feritas são, respectivamente, “um
tecelão” e “selvageria ou ferocidade”. Com relação a estes, Frater I*I direciona o leitor para o
88 Crônica do Labirinto Negro

Capítulo Quatro, particularmente os comentários do Prof. MacLish sobre as tradições folclóricas


relacionadas. Bestia Bello é literalmente “Fera da Guerra”. Pestis (pl. Pestes) denota “um espírito
maligno ou maldito”, enquanto Fovea se traduz como “Poço”, com a conotação específica de ser
uma armadilha.
9. Literalmente, “o Espadachim”, um dos maiores inimigos de Roma na Escócia por volta
de 70 AC. A fala que lhe é atribuída por Tácito (“Protegidos por natureza, somos os homens do
fim do mundo – os últimos dos livres ...”) é um clássico da literatura marcial. Os sentimentos
insulares, “nacionalistas” evocados posteriormente (“... vamos mostrar ao invasor que calibre de
homems a Caledônia têm na manga...”) demonstram como qualquer praticante da guerra con-
vencional pode ser colocado sob o domínio da Fera-da-Guerra (“Mesmo nossa bravura contará
contra nós, pois os imperialistas não gostam desse tipo de espírito em um povo subjugado...
portanto, como não podemos esperar por misericórdia, devemos pegar em armas pelo que mais
prezamos... ”). cf. Gilles de Rais, mencionado de passagem no Capítulo Três.
10. Essas três aldeias parecem corresponder a um local sagrado tríplice de estilo celta, pro-
vavelmente construído para selar um grande Poço pré-histórico da Wyrm originalmente vene-
rado pelo povo-serpente.
Crom Cruach se traduz como “colina arqueada” e é identificado como o local do despertar
da Fera-da-Guerra, o que explicaria por que o “deus do verme sangrento” dos celtas tem o mesmo
nome.
Damh Brugh é tradicionalmente traduzido como “Forte do Gamo”, sem dúvida um nome
gaélico, embora o Prof. MacLish tenha sugerido que isso era uma corruptela de Domhain Bru-
ach, que ele traduz como “A Borda do Abismo”. O nome sobreviveu como Damburrow medieval
e Demborough moderno, que se refere à área incluindo todas as três localidades. O lugar original
está associado a Profanadora.
Moch Maugh desafia a análise linguística. O Prof. MacLish acredita que é baseado em um
nome pessoal, e o associa intimamente com a Devoradora-de-Almas.
11. ou seja, Malfeas; especificamente, o próprio Labirinto da Espiral Negra.
12. Junto estava uma nota curta, escrita em latim medieval com tinta fresca em papel muito
velho. Seu rabisco minúsculo era quase indecifrável e serpenteava pela página como a tentativa
de escrever ao acordar de um sono profundo e prolongado. Pelo que Frater I*I pode entender,
dizia: “Soube de seu trabalho por meio de nosso amigo Professor Wrillish (sic) (ou possivelmente
“Writtish”. Em ambos os casos, é sem dúvida uma contração desajeitada de W. Richard Ma-
cLish) e estava muito desejoso de fornecer assistência. O Legado Incitatus era escravo do senhor
do meu senhor (?), cujo Culto de Set estava indo muito bem em Roma naquela época. Pode ser
capaz de enviar uma transcrição muito divertida do julgamento do Monge Negro, se estiver in-
teressado.” Não havia assinatura.

Notas do Capítulo Dois:


1. Damburrow será visto como um centro de atividade propagatória ao longo deste volume.
Localizada na região que os gaélicos chamavam de Fiobh, sua associação com a Fera-da-Guerra
no capítulo anterior sem dúvida contribuiu para os poderes fálicos sugeridos nesta letra e exibi-
dos no capítulo seguinte.
2. A gramática desleixada e a ortografia inconsistente de Carey, abomináveis até mesmo
para o século XVI, são típicas dos muitos soldados incultos do lado inglês dos conflitos de fron-
teira.
Notas 89

3. São Columba foi um missionário irlandês do século VI que fundou a abadia na Ilha de
Iona, no reino irlandês de Dalriada. São Ninian tornou-se bispo de Whithorn, ou Galloway, em
400 DC. Candida Casa significa “casa branca” em latim, e é considerada lendariamente a pri-
meira igreja dos Pictos.
4. Esta menção flagrante de Malfeas em uma história não iniciada sugere a Frater I*I que
em algum ponto uma mão Picta iniciada estava envolvida em sua transcrição.

Notas do Capítulo Três


1. Este, o nome completo do Monge Negro, nos oferece algumas conexões potenciais inte-
ressantes. Pode muito bem ser que Frade Louis seja de fato o desconhecido “homem chamado
Louis”, que recebe uma breve e não elaborada menção na primeira parte dos registros do julga-
mento de Gilles de Rais, depois desaparece da história daquele célebre caso. “Le Fif” pode ser
uma tradução francesa do antigo Picto-gaélico Fiobh, que é a raiz do nome moderno do condado
escocês de Fife.
2. Este seria Guillaume Merici, que também presidiu o julgamento de Gilles de Rais apenas
um ano depois.
3. Também denominado “Matutini” ou “Louvor”; entre 5h e 6h, pouco antes do amanhe-
cer.
4. Frater I*I acredita que esta traição, juntamente com uma profunda rivalidade dirigida
contra o infernalista recém-chegado Prelati, induziu o Irmão le Fif a implorar a seus benfeitores
que orquestrassem a queda subsequente de de Rais. Isso também pode ser responsável pela cres-
cente inaptidão de Prelati nas artes da invocação, por ter sido “vencido pelo diabo” (de acordo
com os depoimentos de Blanchet e Corrillaut no próprio julgamento de de Rais) e a aparição de
“uma enorme, alada e vigorosa cobra, do tamanho de um cachorro”, que anunciou a descoberta
de de Rais de que os supostos lingotes de ouro entregues pelo demônio Barron nada mais eram
do que chumbo comum embrulhado em folha de latão polido.
5. A título de explicação para esta observação enigmática, Frater I*I direciona o leitor a
“Liber C.C.C.: Sobre a Procissão das Eras...” no Livro III, Capítulo Seis do presente volume.
6. A clara omissão do escrivão sobre a bruxa acusada na lista daqueles que estão saindo dos
escritórios despertou a curiosidade de Frater I*I; pesquisas subsequentes revelaram que, embora
uma Maria de Rouen tenha sido presa e mantida sob acusação de bruxaria, não há registro de
seu julgamento, nem qualquer indicação de que ela tenha sido mantida na prisão após a data
do julgamento de le Fif. Só podemos esperar que exista em algum lugar um relato daqueles
servos cujas funções incluíam a limpeza do escritório do Reverendo Padre.
7. Embora esta frase seja um tanto estereotipada para julgamentos de bruxaria, parece su-
gerir que uma segunda transcrição, a do testemunho secreto de le Fif, pode ter existido e que
listou em detalhes específicos todas as ações realizadas pelo Monge Negro. Frater I*I apresenta a
teoria de que seu catálogo de crimes foi retido pelos oficiais do tribunal para sua leitura privada
e, portanto, não foi incluído no presente documento.
8. Isso é provisoriamente identificado como um erro do escriba.
9. Além da identificação megalomaníaca do Monge Negro de si mesmo como a Devoradora
de Almas, o verdadeiro iniciado também reconhecerá os nomes de muitos Instintos, que são
detalhados em “Liber C.C.C.”
90 Crônica do Labirinto Negro

Notas do Capítulo Quatro:


1. O original em latim de Flavio termina em “a face da Derrota”, sugerindo que esta Dis-
puta Adversarial em si é o “Enigma da Passagem”, isto é, o Quarto Círculo, a Dança da Astúcia,
que faz do Adversário um dos Ingenii (ver “Liber O.O.O.” no Capítulo Seis). Isso indicaria que
de Mer usou a Disputa como o clímax de seu trabalho ou a) para disfarçar o fato de que ele
mesmo era apenas um humilde Iniciado do Quarto Grau, tentando fazer contato com Adeptos
de alto escalão na Ordem; ou b) para duplamente cegar o fato de que ele mesmo era um Adepto,
mascarando os graus mais elevados de iniciação tanto para proteger os escalões superiores quanto
para seduzir os exploradores menos iluminados com afirmações sensacionalistas. Em ambos os
casos, a maioria das descrições de de Mer dos Círculos Quatro até Nove podem ser descartados
como fantasias apócrifas (embora sua influência sobre o Suserano de Demborough seja óbvia).
O Prof. MacLish, no entanto, afirma que muito da natureza do Oitavo Círculo é ecoado
com precisão na Disputa, e identifica o Adversário com o Enigmator, nomeado em “Liber
O.O.O.” no Capítulo Seis.
2. Os “Reinos Invisíveis” são o plano astral ou espiritual. A palavra de Flavio para este
plano é “Umbra” ou “sombra” do plano físico, embora algumas doutrinas sustentem que o
mundo físico é apenas a sombra da Umbra.
3. Existe, ou existiu em algum momento, uma tradição popular conhecida pelo Prof. Mac-
Lish em que a primeira emanação é descrita em termos mais ou menos equivalentes sob o nome
de “Tio Mudança”.
4. O Prof. MacLish declara que esta é a declaração do próprio Flavio, afirmando que ele é
um dos Verdadeiros Dançarinos. O professor passa a identificá-lo como o governante de Mal-
feas, a única fonte possível para o grau de conhecimento mais secreto deste documento.
5. A metáfora de uma teia é especialmente precisa quando se aprende que a tradição po-
pular citada pelo Prof. MacLish em uma nota anterior se refere à segunda emanação como “Tia
Aranha”. Deve ser observado que esta tradição popular é altamente diluída e degradada, no
entanto, por considerar as emanações distintas e independentes umas das outras, ao invés das
três cabeças de uma Wyrm, como o Suserano de Demborough ensina no Capítulo Seis.
6. Essas repetidas ameaças de morte do Adversário não são um mero artifício dramático.
Frater I*I sabe bem por experiência pessoal que os assuntos vagos e confusos das filosofias espi-
rituais mais elevadas só podem ser afirmados positivamente sob condições iminentes de extinção
imediata, tanto em nós mesmos quanto nos outros.
7. Para uma compreensão mais clara das divisões do Labirinto, o leitor é direcionado para
“Liber O.O.O.” no Capítulo Seis, e o comentário do Professor MacLish sobre ele. Segundo o
professor, a descrição original de Flavio do Labirinto assume a forma de uma narrativa embutida.
Nele, um herói errante entra em um reino perverso e corrupto; determinado a acabar com seu
reinado maligno, ele luta, engana e persuade seu caminho para os aposentos privados do rei. Lá,
o velho rei cumprimenta o herói cordialmente e oferece-lhe uma escolha. Segurando seu cetro
real em uma mão e sua espada na outra, ele diz: “Você pode pegar a espada e me matar agora,
então esperar que meu reino se desintegre e se disperse. Ou você pode pegar o cetro e governar
em meu nome.” Naturalmente, o herói escolhe o cetro, pensando que poderia governar com
sabedoria e justiça, conduzindo o reino de volta à justiça. Com o passar dos anos, porém, ele se
vê arrastado para as intrigas do reino e se torna tão corrupto quanto o antigo rei. No crepúsculo
de seu reinado, ele pega uma caneta para escrever uma parábola de advertência de sua experiên-
cia. Frater I*I acredita que essa história se relacione de alguma forma com o antigo costume celta
de fazer fertilizante de seu rei a cada sete anos.
Notas 91

8. Supõe-se que este clímax seja a própria invenção de de Mer, e o que se segue, um mero
conceito literário, uma vez que o Prof. MacLish me informa que as páginas finais estão faltando
no manuscrito de Flavio.

Notas do Capítulo Cinco:


1. A obsessão juvenil de Wayland Webley por Ouija e seus resultados tragicômicos para
sua família foram revelados no primeiro episódio da série, “O Caso do Octoroon Ostracizado”
(PR i, 7).
2. Mencionado pela primeira vez em “O caso do quadro esquartejado” (PR v, 23).
3. Whitechapel foi o local onde ocorreram os famosos assassinatos de Jack, o Estripador,
menos de uma década antes.
4. Conforme revelado em “O Caso do Mulato Mutilado” (PR vi, 6).
5. Ao traçar sua rota através de um mapa de Londres, Frater I*I observou que uma espiral
grosseira de uma volta e meia é formada. Essas três metades obviamente representam as três
Cabeças da Wyrm Triática e, quando multiplicadas por si mesmas, correspondem aos nove cír-
culos concêntricos do verdadeiro Labirinto da Espiral Negra, bem como aos nove Maeljin In-
carna das Chaves Pretânicas internas.
“St. Pancreas” e “Marleybone” são obviamente erros tipográficos de St. Pancras e Mayle-
bone. A substituição flagrante de “Totleben” por Tottenham Court Road, no entanto, deve ser
alguma piada invisível conhecida apenas por leitores regulares das aventuras de Haversham.
O Dr. Trevelyan, o conhecido especialista em lesões neurais, também de Cavendish
Square, registrou um estranho caso de um motorista de táxi londrino que saiu a rua uma noite,
murmurando continuamente “ela vai girando e girando...” Exame subsequente mostrou que o
homem estava sofrendo de vários golpes que havia recebido no lado direito da cabeça.
6. Jornais americanos: desta época dizem que Lassater estava viajando pelo mundo em
busca de uma cura para certas doenças físicas não reveladas.
7. Esta parte da história é, obviamente, descaradamente fictícia. Nem mesmo o Maeljin
mais poderoso é capaz de abrir um portal diretamente entre este mundo e Malfeas, e a Wyrm
Triática não manifesta nenhuma de suas Cabeças em forma fisicamente compreensível. Mas a
questão permanece: como Haversham poderia saber?

Notas do Capítulo Seis:


1. O Prof. MacLish dá essas traduções para o latim bastardizado do Suserano (e um pouco
do grego): Saltortuor – uma contração de saltator e tortuosus, “um dançarino” e "espiral"; Educ-
tator – “Líder da Seita(?)”; Hierophactor – “Mestre do Ritual”; Terrestrator – “Vigia da Terra”;
Custodatores – “carcereiros” ou “guardiões”; Portianitor – “Vigia do Portão”; Deprovocator –
“Mestre do Desafio”.
2. O Prof. MacLish dá essas denominações para cada grau da dança: 1. epifania; 2. fúria;
3. resistência; 4. astúcia; 5. combate; 6. corrupção; 7. lealdade; 8. paradoxo; 9. engano.
3. Muitos afirmam que Malik Harjaq é apenas uma máscara do próprio Servidor do In-
ferno.
4. O professor MacLish se lembra de uma conversa privada na qual o Suserano falou da
aliança primordial de ABHORRA, SYKORA e FOEBOK, e mencionou o glifo de quatro Chaves
conhecido apenas por aqueles que examinaram o lado secreto da Pedra Glamis. {FOeBK +
BHRR + SYKR > BShKAi} O propósito aparente desta aliança era compartilhar a colheita de
92 Crônica do Labirinto Negro

sangue do Instinto BASHKAAI. O próprio Professor opõe este trio com um triângulo entrela-
çado que ele nomeia com as Chaves KRNL + ANGU + MSTR. A resposta processional do Ins-
tinto BASHKAAI à sua invasão global é, é claro, fúria, aumentando a colheita de sangue para
todos.
5. Esta montaria foi forjada em zombaria do pônei voador Pégaso, o eterno inimigo de
Lorde Aço.
Na estrada com Chuck
O Macaquinho

eu trabalio a mumtos anos pra seior rive. eu trabalio bem i eli e


bom pra mim. oji eli dise pra mim marguerita eu presizo desas
fita dijitada em papeu pra um livro. eu dise seior rive eu nao
dijito eu limpo xao. eli dise e mumto importamte o prazo ta
acabamdo i presiza se feito i vose e a unica aqui. eu dise meu
imgres nao e bom i eu nao dijito eu limpo xao. eli dise
marguerita fasa iso agora ou vose nao limpa mais o xao aqui.
emtao eu dijito as fitas to escrevedo iso primero asim vose sabe
porque nao ta dijitado serto.
frater: [seior rive toco a fita i dise o nome das vozes tabem eu
digo como sao os barulios. emtam. esa vos e frater no caro com
muntos filiotios i parese qui estam no postu di gazolina no
dezerto. emquanto frater fala o escapameto fas barulio no fumdo]
testamdo testamdo ese e o relato da cronica fita 1. to sentado em
uma vam vousvagem emquamto meu gia qui que se xamado di xuqui i
seus parseros abastesi o caro i pegam provizoes. esa vai ser a
minha primera vizita ao poso embora tea coesido mumtos membros
das matilias di la no pasado. no poso espero faze comtato com o
mas amtigo i revremsiado videmte, aqueli da comea da trimdade qui
testemunio com seu propro olio a abertura du olio da propra uirmi
no noso mumdo. eu devo discuti com eli minha teoria qui a abetura
du olio na trimdade marca a pasaje pra uma nova era i marca um
novo siclo da fera da gera ou uma nova unidade. mas xega diso
pos meu gia se aprosima. um omem pequeno i forte como todus
aqueles di verdadero sange piquitu seus olios sao escuros i sabios
com as lisoes apremdidas di uma vida prezo em seu propro
labrimto.
[porta da vam abri]
bobi: - a bumda paresia um prezumto! vose vio o jeito qui eli -
tequis: xuqui vose e um rasista filio da puta!
xuqui: eu nao so rasista. eu so nao ligo. vermelio amarelo preto
bramco rasge todus i elis tem a mesma cor.
bobi i tequis: hahahahaha e verdadi hahahahahaha!
[porta da vam fexa]
bobi: ei qui pora eli ta fazendo com esi gravador!
tequis: eli e a pora di um polisial xuqui vamo istripa eli!
xuqui: eli nao e a pora di um polisial tequis. eli e uma pora di
um estudiozo qui pra vose nao que dize nada serto? eli ta
gravamdu pra posteidade. agora calaboca i diriji. minhas discupas
frater mas criamsas nao emtemdi nada oje im dia.
frater: qui e presiza memte porque eu tomei esa tarefa pra levar
a sabedoria dos nosos caminos pra todus.
xuqui: emtam vose vai mesmo comsegi pubrica tudo i coloca nas
livraria i toda esa merda?
frater: meu editor e um imdiota qui nao sabe da verdadera
importamsa du meu trabalio. eli ate axa qui damsou os primeros
sirculos du labrimto.
xuqui: seriu? eu mesmo to mi preparado pro quimto sirculo. esa
damsa du combati vai se a melior! vose vai ve comu preparei
minha familia. comsegimo augumas arma i estamus preparamdo um
postu avamsado asim vamu se autusufisemtes quamdu a pora toda
esprodi.
frater: bom tenica memte falamdu so um verdadero damsarino podi
viaja ao verdadero labrinto em mau feias porque so elis comsegem
vesti a forma da furia qui e forti o sufisemti pra damsar cada
sirculo -
xuqui: a va si fude! esas merda qui elis uza pra mamte nois
paremtes nus nosos lugares! sabi comu elis mi xama? o macaquinio!
bobi: iso e por cauza daquela sua bamda?
xuqui: eu tava falamdu com vose bobi? calaboca! axamos qui
macaquinio e como os garu xamam os filios de omem pora qui bejem
minha bumda bramca di macaco quamdo eu terminar! nao tive minha
revelasao quamdu minha maudita mae mi abamdono? puta merda qui
jeito melior di descobri o tipu de mumdo merda em que vivemus?
nao apremdi a damsa da furia pra mamte todas aquelas rola preta
lomge du meu cu? nao amaduresi vagamdo im cada camtu fudidu
desa tera? nao to fazemdo a damsa da sabidoria cum meu a gemte
da comdisonau des qui sai? nem fudemdu qui vose vai dize qui eu
nao apremdi a servi a uirmi! [barulio di pamcada i xoro di
filioti] vo mostra pra elis uque o filio de omem podi faze filios
da -
[som di sireni di polisia]
tequis: cauma tio qui temos compania.
xuqui: sai da fremti i dexa eu fala cum elis. mamtem elis
escomdido, bobi. i nao dexa elis faze barulio
[vam para i sireni di polisia para]
polisiau: documetos, pofavo.
xuqui: sim seior. discupa si estava imdo mumto rapido, seior, mas
esas rodovia do dezerto mexem com agemte, vose sabe ne.
polisiau: pode sai do veiclo, seior.
[porta da vam abre i elis comvesa do lado di fora mas nao comsigo
ovir oqui e pra dijita].
bobi: nao si procupa, seior frate. xuqui, tem jeito cum esis cara.
nao da pra ve so di olia pra cara deli, mas eli tem ums amigus
impotates. fica di boa.
[otra porta da vam abri]
xuqui: iai galera adivia? lembra daquele trabalio qui nois fizemo
na fazemda do velio braite ano passado? esi cara trabalia pra um
amigo do braite, ne mesmo? bobi, levamta esi coberto i vamo ve o
qui a jemte comsege pro noso amigo aqui.
[xoro de filiotes]
bobi: aqueli ali e o fujam, seior.
xuqui: sim e um fujam, mas e um bem esperto. olia ese oliar. ese
tamanio, nao vai demora pra apremde que e uque. imferno, eu mesmo
era um fujitivo i olia comu mi sai!
[todus riem]
polisiau: axo qui nao, maulams ta com uma politica xata pra esas
cozas.
xuqui: veja bem o que os olios nao vem o corasao nao semte. aimda
mas si vose aparece com um prezente iguau ese, capas di ti
promoverem! nao e nao?
polisiau: imferno. vose ta serto nao ta? cuidado!
xuqui: vamo! com nosos comprimentos! diga a maulam qui tem mas di
omdi esi saiu.
polisiau: teiam cuidado mosada. suspeito qui um dos deputados na
prosima sidade e da ordem da roza, mas aida nao sei cuau. cudado!
xuqui: mumto obrigado i tenia um bom dia seior!
[todas porta da vam fecha i diriji di novo]
xuqui: comdese demte filio da puta
bobi: iso ai xuqui!
tequs: vose e o cara xuqui!
frater: vose axa sabio desperdisar nosa carga valioza desa forma?
xuqui: frater, si tem augo qui apremdi, e qui noso pai vai nos
prover. eli vai! digo nao e esi o mumdo im qui vivemos? sua era,
como vose dise? vose nao axa qui eli ja nao preparo um monte di
dosuras pra jenti? pra compemsa o qui ja sacrificamos pela sua
cauza? aposto qui comsegimos otro praquele asento de pasajero
antes di gasta meio tamque
tequis: cais as xanses xuqui, estamo na pora du dezerto!
xuqui: tenia um poco de fe!
frater: serio xuqui! vose axa qui noso pai vai sai di sua toca em
mau feias pra cruzar a vastidam do tempo i espaso ate o ambemte
ostiu do reino tereno di omde um terso da sua esemsia foi banida
pra sempre so pra te serteza di qui vose consiga um gato?
xuqui: deixe me dizer frater. nimgem sabe diso, mas nosa gera, ja
esta gania. esi mumdo ja pertemse a uirmi, i ja e asim desdi amtes
di nos. craro nimgem persebeu quem e o verdadero mestre do mumdo,
mas augums estam comesamdo a acorda. vemdo toda merda qui ta
acomtecedo no pais nos utimos anos. i tem mas por vi acredite!
frater: mas com os avamsos aucamsados de liberdade siviu i
direitos umanos, nos nao presizamos aumemta nosos esforsos?
xuqui: vose axa qui auguma desas merdas vai faze difremsa em deis
vimte anos? e do apocalipise qui eu to falamdo! craro qui vai te
auguma rezistemsia! craro qui o gado vai si revota! craro qui o
inimigo vai nos ataca com tudo qui tem! i so o qui presizamos
fazer e si escomde. i espera a xegada do milenio, aimda sera o
mesmo mumdo, com a devoradora de aumas sugamdo elis di um lado
com suas drogas i viajem de asido, i a fera da gera cagamdo elis
do otro com geras i tumutos!
frater: i omde estamos niso?
xuqui: bem aqui no meio omde e noso lugar! servimdo a verdadera
uirmi, mamtemdo o equilibro como vose dis. vivemdo o melior dos
dois mumdos.
frater: mas vose persebeu qui estamos vivemdo no eco da era da
devoradora de aumas! ate minha propra ordem pretanica nao e mais
qui a lembramsa da era qui acabo prematuramete. nosos primos os
verdaderos damsarinos sam os filios da fera da gera nasidos na
sua era. agora e a era da profanadora, i embora nao posa comtesta
sua afirmasao di que o noso pai comamda esi mumdo, nao vejo
evidemsias de verdaderos i iluminados servos ajimdo em seu nome.
poderia ser que o poder do noso pai e tam gramde que nao presiza
de ajemtes umanos nese mumdo? omde estam os verdaderos filios da
profanadora?
xuqui: bem eu queria sabe diso -
tequis: olia xuqui! uma gostoza ali!
bobi: caralio! como ela xego aqui?
xuqui: emcosta tequis. pareci qui ela presiza de um rosto amigo.
bobi mamtem elis cobertos i fas elis fica quetos. presta tensam
frater, vo mostra um truque que apremdi di um velio inisiado di
sesto grau em roliudi.
bobi: ela tem belas pernas.
[vam para i abri a porta]
minina: [vois de minina jovem] oi! vao pra lozamjeles?
xuqui: com serteza bemzinio vamos pasar por la! podemos ti da uma
carona! sobe ai!
minina: legau!
[porta da van fexa i elis vao dinovo]
xuqui: emtam como vose veio parar no dezerto sozinia?
minina: to imdo vizita mia irmam mas velha qui mora na praia de
venis i tipu pegei carona com um velio i tipu eli paresia legal
mas depos di um tempo eli comesou a vim pra sima di mim i tipu
fis eli para o caro i me dexa dese.
xuqui: presiza te cuidado. viajamdo asim. numca si sabe o tipo di
pervetido que vose pode emcomtra.
minina: o deus vose parece meus pais falamdo! si elis vise eu aqui
iam dar um puta sermam!
bobi: serteza.
xuqui: bem. vose sabi qui elis si precupam porque ti amam.
minina: sim eu axo. mas elis nao imtemdi -
xuqui: elis nao imtemdi qui vose tem qui sai i vive sua propra
vida. sai i esprememta o mumdo! toma querida fuma iso.
minina: legau! ja uzei iso uma vez —ffffff— na nona seri o
namorado da minha melor amiga comsegiu um poco —ffffff— mas
asim voses paresem legais! i tipu elis quere qui eu seja esa mis
perfetia tipo uma versam menor delis pra mi mostra pros amigos
em festa. tipu nu meu aniversaro mes pasado—
tequis: caumai garota.
minina: foi mau. mas tipu elis mideram esi caro quando comsigi
minha carta provisora mas tipu quamdo elis mideram tava parado
na rua tipu emrolado com um laso enorme i tipu era tudu roza!
bobi: o que o caro?
minina: sim tipu um roza eletrico mumto feio i tipu elis sabe qui
eu odeo roza i eu dise pra elis ai tipu meu pai mi olio como si
eu tivesse mordido eli i me bateu i mi fes i pro meu quarto tipu
como si fosi minha cupa!
tequis: seu pai ti deu um caro roza? pezado.
minina: sim bem eu dexei o namorado da minha melor amiga pegar
pra fazer piada i tipu eli bateu i meu pai me agrediu. eu tenho
as sicatris pra prova.
bobi: e mesmo?
xuqui: vose nao presiza mostra as sicatris bemzinhu poso ve a dor
no seu olios
minina: minha nosa vose reaumemte imtemdi nao e mesmo? e comu
fala com minha irmam ela tabem imtemdi i ela dise qui eu podia
vim i fica na casa dela na praia di venis i sai cum ela vai se
mumto legau tipu fica lomje da família sabi? heehee quiria ta cum
aqueli caro imdiota agora ai podia i dirijido heehee
xuqui: mas ai vose nao ia ta aqui curtido cagemte -ffffff- i
depos, uma ligasao du seu pai i toda polisia no su da californha
ia procura u caro roza!
[todus riem]
minina: pora nem tinha pemsado niso! tipo vose mamja das coiza
ne?
xuqui: bem eu sei qui dinhero nao podi compra felisidade. nao
podi compra amor. ja emcomtrei varas jovem como vose, elas vem de
familias boas di boms lares, mas elas nao tem medo do xuqui i
elas saem por ai procuramdo pelo mumdo o amor que nao axam em
casa serto? pora samdra veio de familia rica univesitara educada
i tudo mas, i ruti am era um cristau puro!
minina: emtam elas sam tipu suas namorada?
bobi: podi si dize qui sim.
xuqui: fica queto. olia, eu i varos amigos temos esi sitio perto di
lozamjeles i vo ti dize e limdo. nimgem pra dize o qui vose podi o
nao faze nimgem jugamdo o qui se fas. nos so vivemos amamos
brimcamos i fazemos muzica. como uma verdadera familia devia se.
minina: caralio voses sam tipu daquelas comunidade auternativa
ne? isu e tam legau! sua familia deve se mumto masa!
xuqui: a minina vose nao sabe da metadi! bom eu numca conhesi meu
pai i minha mae era uma drogada um pedaso bramco di lixo bura o
sufisiente pra se emganada i nem lembrar. i ela nao istava
promta pra ua criamsa emtam eu tivi que creser sozinio nas rua
aprededo as cozas que aquelis que nao vam comsegi nada precizam
sabe pra sobreviver. estorquido robado podi escole. i eu nao tinha
nem deis anos. mia mae mi tratava como si eu estivese ali so pra
tira a diversam da vida dela. sabia que ela mi vemdeu por uma
caxa di ceveja uma veis? na epoca estava moramdo com paremtis
demorou um dia imtero pra virem me buscar.
minina: meu deus qui oriveu!
xuqui: eu rodei a caza de paremtis amigus i orfanatos i nenhum me
quis por mas di um mes. i mia mae nao podia i nem quiria cuda di
mim. nu fim acabei nesa caza di mininos porque o juis dise qui
minha mae nao podia me sustemta i aqueli maudito lugar era uma
pora di um refomatorio i eu fiquei la xorado porque minha vida
tava fudida i. ug. i.
frater: ei xuqui vose ta bem?
xuqui: mas eu mi livrei de la nao foi? tinha ese preto qui tava
comsertamdo a lus i eu robei us alicati i uzei pra fugir naquela
note com otros garotos. i eu fui pra casa i adivinia? ela olio
pra mim com aquela cara xapada! u propro filio! o qui se ta
fazedo aqui? vose nao divia ta im otro lugar? ugug. ela nao
quiria sabe di mim. ugug ug.
[eli ta xoramdo]
bobi: a bateu erado.
frater: vose ja viu eli asim amtis?
tequis: xuqui nao fodi ca gemti asim cara?
minina: a meu deus eu fodi a cabesa deli?
xuqui: sabi ugu ela so mi levo di vouta nu dia seginti ugu. so
iso! nem quis sabe si eu tava bem! ugu. ela podia te pelo menus
ecostado em mim ou -
frater: xuqui! xuqui, lembra di omdi vose ta cara! lembra di quem
vose e! vose sabi quem e seu vedadero pai, serto? nao esquesa diso!
xuqui: — ou abrasado. gug. quaquer cosa.
frater: xuqui olia pra mim! axu qui esa e sua damsa da leaudadi!
eu nao sei como ou purque mas vose ta no setimo sirculo agora.
[xuqui xora auto] xuqui olia pra mim cara! vose tem qui esta forti
fica focado!
xuqui: aum mamae nao mi olia asim!
frater: imferno presizamos ajuda eli! quau seu nome bobi! eu
presizo qui voce pege um daquelis sacrifisos!
bobi: mas nos nao -
frater: caralio fas isu logo! que perde eli?
[agora u som dos filotis di novu]
minina: o. meu. deus. elis tava a imbaxo o tempo todo?
frater: mi da eli aqui! poso uza iso como autar. xuqui fica comigo
imferno!
[todus us filotis estam xoramdo agora. um grita auto]
minina: meu deus para o caro eu quero dece agora!
frater: o maginis vermis cujas tres cabesas estam crueumete prezas
no labrinto no imteror du reinu di mau feias ti rogamus em nome
do noso irmam xuqui! escuti as nosas supricas por esti qui ti
servisti tam fieumenti!
minina: para pofavor para! pofavor deus eu quero i pra casa!
frater: com samge ti umjo o xuqui com samge lubrifico seu corpo i
com samge seus pasos devem marcar a dansa!
[minina grita i caxorios xoram i o som e teriveu eu preciso para
di digita.
agora to melior i vo dijita mas. axo qui seior rive ta fazemdo
uma piada oriveu com migo. no fim da fita vai te a vos deli
falamdo haha marguerita eu nao esqueci seu anivesaro!]
merda! nada! ese sacrifisio nao e digino! augum di voses sabi quau
a idadi deli?
bobi: am! eli que sabe a idadi do xuqui?
frater: imferno nao da pra comduzi um rituau asim! comu posu
trabalia nesas comdisam!
tequis: eu axo qui sei o qui vose presiza seior frater! tras esa
bumdia di vouta aqui puta!
minina: [ela grita auto i tem mumto xoro i movimeto i pamcadas]
frater: segurem ela! o gramdi maojim mestre de mauditos i servo
dos mas puros pesametos qui sam os istimtos! em nosa iginoramsa
improramos que gie noso irmam que caio nos misterios imteriores
sem avizo! escute nossa prece!
bobi: oqui ta cotesemdo?
frater: xuqui ta me ovido cara? vose ja xego ate aqui emtam vose
cosege termina sem pobrema. vose ta no setimo sirculo do labrinto.
o prodi tor esta na sua frete. podi velo? esta ti oferesemdo uma
tasa vose pego? agora vose vai te qui faze cara! egula! vose tem
qui egoli ou eli vai ti egoli! iso. isu mesmo.
bobi: eli vai fica bem?
frater: a sim. xuqui ta mi ovido? [xuqui tosi i grue] parabes cara
vose cosegiu! fidelitus xuqui!
xuqui: pora voses fizero uma festa emquato eu tava surtamdo?
frater: foi mau pela seu brimquedinio mas foi nesesaro.
xuqui: asim tem um momte di omdi esa veio. agemte presiza da um
jeito na vam amtis qui nos parem dinovo.
bobi: axo qui tem uma espomja latras.
frater: melior comesar pelo teto i pelos lados. como vose ta
xuqui?
xuqui: beem. me simto mumto bem. na reau emquanto o bobi ta
fazemdo iso vou acemde iso aqui i vo pegaa o violam. se ja oviu
auguma muzica minha frater?
frater: eu nao oh fidelitus!
xuqui: eu xamo esa de sorti nu seu jogo garota. teniu uma amiga
na praia ela ta iteresada. [tocamdo violam i camtamdo] o tem ora
pra vive o tempo voa se axa qui ta amamdo baby quando vose so ta
xoramdo vose pode si pergumta si seus semtimetos -
frater: segura ai presizo troca a fita-
[fim da fita]
agora to escrevedo porque sei que seior rive tem prazo i nao
comsigo corigi minha dijitacao. depos qui terminei oliei pra teve.
na teve eu vi os olios locos no rosto de rari no tribunau. esi
asasino famoso qui ta todo mumdo cometado.
mumtas vezes no mexico eu vi eses mesmos olios locos nas ruas i
agora eu to com medo porque eu sei qui olios locos vem mumto
samge. tirao mumto samge. podi se o meu samge tabem. emtam eu fuji
do mexico pra escapa dos olios locos. eu pemsei qui nao tinia
olios locos na limpa i briliate america.
mas na america os olios locos nao estam so nas ruas mas
trabaliando i vivedo em cazas i falamdo na teve. i quamdo o omem
de olios locos falo na teve sua vos era a mesma do xuqui na fita.
agora sei qui dijitei os som erado. nao era o escapameto mas tiros.
nao eram caxorinios mas criasas com fita na boca.
eu nao vo queima o que escrevi porque sei que si uma pesoa forte
por demtro ler iso i conheser esi mau ela vai pode luta com os
olios locos. mas eu nao so forte por demtro. quamdo xegar em caza
vou uzar a arma que meu manuel dexo pra mim quamdo levarao eli
embora. primero vo uzar na minha pequena comxita i depos em mim.
se os olios locos estam em toda parte. nao existe esperamsa.
Escrito por: Sam Inabinet
Desenvolvido por: Bill Bridges
Editado por: Laura Perkinson
Vice-presidente encarregado da produção: Richard Thomas
Diretores de arte: Lawrence Snelly e Aileen Miles
Arte: Ron Brown, Mike Chaney e Matt Milberger, John Cobb, Andrew Mitchell
Kudelka, Larry MacDougall
Layout e Design: Aileen E. Miles
Versão BR: MF

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desafio para a marca comercial ou direito autoral em questão. A discrição do leitor é
recomendada.
Cuidado! Cuidado com aqueles que querem mantê-
lo longe deste livro e impedi-lo de recolher as verdades
dentro de você. Suas garras são afiadas, seus dentes
muitos e suas presas poderosas. Sua pele cheira a mato
e seu hálito enche a visão de vapor. Eles se deitam com
bestas e andam como bestas, mas falam como homens.
Eles impediriam o verdadeiro caminho para o avanço
da alma, ligando-a à terra e ao ciclo de morte e
devoração.

Eles querem que você não leia mais, pois aqui estão
segredos que é melhor deixar por aprender, contos de
feitos que envenenam sua boa Terra verde, recitais de
nomes que fazem sangrar os ouvidos, embaçar os olhos
e ver o que não é visto. Afrouxe as cadeias que prendem
a mente e a liberte para vagar em uma jornada em
espiral sobre todos os obstáculos, cavando para o
coração da Verdade, além da Teia do engano para
encontrar o Mestre de todos nós.

Venham, fiéis, e testemunhem os sermões da Wyrm

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