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1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E ENSINO DE PÓS
GRADUAÇÃO- PPG
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V
SANTO ANTÔNIO DE JESUS - BAHIAPROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA REGIONAL E LOCAL.

ELIETE MARQUES DOS SANTOS VAZ

LAÇOS CATIVOS: RELAÇÕES FAMILIARES ENTRE


ESCRAVIZADOS, LIVRES E LIBERTOS EM SANTO ANTÔNIO
DE JESUS-BAHIA, 1870-1888.

SANTO ANTÔNIO DE JESUS-BA


2013
2

ELIETE MARQUES DOS SANTOS VAZ

LAÇOS CATIVOS: RELAÇÕES FAMILIARES ENTRE


ESCRAVIZADOS, LIVRES E LIBERTOS EM SANTO ANTÔNIO
DE JESUS-BAHIA, 1870-1888.

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do grau de
Mestre no Programa de Mestrado em
História Regional e Local do
Departamento de Ciências Humanas –
Campus V, Santo Antônio de Jesus, da
Universidade do Estado da Bahia, sob a
orientação da Professora Dra. Maria das
Graças de Andrade Leal.

SANTO ANTÔNIO DE JESUS-BA


2013
3

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA (UNEB)

Reitor: Lourisvaldo Valentim da Silva


Vice Reitora: Adriana dos Santos Marmori Lima

Pró-Reitoria de Pesquisa e Ensino de Pós-Graduação (PPG)


Pró-Reitor: José Cláudio Rocha

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V


Diretora: Claudia Pereira de Sousa

Programa de Pós-Graduação em História Regional e Local


Coordenadora: Sara Oliveira Farias

VAZ, Eliete Marques dos Santos. Laços cativos: relações familiares entre escravizados, livres
e libertos em Santo Antônio de Jesus-Bahia, 1870-1888. Dissertação/ Eliete Marques dos
Santos Vaz. - Santo Antônio de Jesus, UNEB, 2013.
4

ELIETE MARQUES DOS SANTOS VAZ

LAÇOS CATIVOS:
RELAÇÕES FAMILIARES ENTRE ESCRAVIZADOS, LIVRES E
LIBERTOS EM SANTO ANTÔNIO DE JESUS-BAHIA, 1870-1888.

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado


em História Regional e Local do Departamento de
Ciências Humanas – Campus V, Santo Antônio de
Jesus, da Universidade do Estado da Bahia –UNEB.

Aprovada em 22/10/2013

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________
Profª. Drª. Maria das Graças de Andrade Leal (Orientadora),
Universidade do Estado da Bahia- UNEB

_____________________________________________
Profª. Drª. Isabel Cristina Ferreira dos Reis
Universidade do Estado da Bahia- UNEB

_____________________________________________
Profª. Drª. Isnara Pereira Ivo
Universidade Federal do Sudoeste da Bahia –UESB
5

FICHA CATALOGRÁFICA

Sistema de Bibliotecas da UNEB

Vaz, Eliete Marques dos Santos

Laços cativos: relações familiares entre escravizados, livres e libertos em Santo Antonio de Jesus-Bahia, 1870-
1888. Eliete Marques dos Santos Vaz. – Santo Antonio de Jesus, 2013.

130f.

Orientador: Prof. Drª. Maria das Graças de Andrade Leal

Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de


Ciências Humanas. Campus V. 2013.

Contém referências.

1. Escravidão. 2. Relações familiares. 3. Santo Antonio de Jesus (BA) I. Leal. Maria da Graças de Andrade. II.
Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas.

CDD: 981.04

Escravidão; Relações familiares e de compadrio; história de Santo Antônio de Jesus.

Aos meus pais,

Mariano Nunes dos Santos

Elizete dos Santos Marques


6

AGRADECIMENTOS

A escrita de um trabalho acadêmico, principalmente uma dissertação, é algo que


geralmente não fazemos de forma solitária. Até o momento de conclusão do texto passamos por
momentos de angústia e incerteza que só são sanados quando conversamos, trocamos ideias e
recebemos o apoio de amigos, familiares e colegas. Ao longo do período de pesquisa, contei
com a colaboração, solidariedade, carinho e a amizade de várias pessoas.
Sendo assim, quero agradecer à minha orientadora, a professora Doutora Maria das
Graças de Andrade Leal, ao externar o meu muito obrigado pela sua paciência, profissionalismo
e competência. Obrigada também às professoras Isnara Pereira Ivo e Isabel Cristina Ferreira
Reis, que fizeram parte da banca de qualificação, pela leitura cuidadosa do texto, pelas críticas
e sugestões, visando sempre ao aprimoramento da dissertação.
Aos meus pais, Mariano e Elizete, que sempre estiveram ao meu lado, quero agradecer-
lhes pelo grande amor e zelo que sempre demonstraram para com todos os seus filhos. Pois sem
o carinho, sem o amor e grande dedicação dos meus pais, que são presentes de Deus para a
minha vida, não seria possível a realização desse trabalho.
Agradeço aos meus professores do Mestrado em História Regional e Local, verdadeiros
mestres da arte de ensinar. Entre eles, quero agradecer, principalmente, aos professores Wilson
Roberto de Mattos, Carmélia Miranda, Raimundo Nonato Moreira, Raphael Vieira Filho e
Gilmário Brito pelas dicas, sugestões de leituras e pelo incentivo.
Como também à secretária acadêmica, Ane Lobo, por ajudar e orientar sobre os
procedimentos burocráticos e nas solicitações feitas junto ao Programa. Agradeço também aos
funcionários do APEBA por sua dedicação e paciência em fornecer a documentação para
pesquisa e também a seu Augusto e demais funcionário do Arquivo Público da cidade de Santo
Antônio de Jesus.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos.
Durante o período da pós-graduação tive a honra de estar ao lado de pessoas
maravilhosas. Entre elas Gisely Barreto com quem sempre estive junta, nas pesquisas no
Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBA). A companhia de Gisely foi muito importante,
pois, sempre conversávamos sobre a pesquisa, as dificuldades e também os acertos. Ao meu
amigo Antônio Tadeu, companheiro de leituras, trabalhos, discussões teóricas; obrigada
também ao meu grande amigo Agnaldo Santana, que sempre me incentivou a prosseguir nas
pesquisas e me encorajou com palavras de ânimo.
7

Muito obrigada à família Oliveira, composta pelos meus grandes amigos André
Oliveira, Carmém Oliveira, Leo Oliveira e Nay Oliveria que sempre me receberam com muito
carinho na sua casa em Salvador, nas minhas idas ao Arquivo Público do Estado da Bahia.
Sou grata à minha família, que esteve sempre presente em minha vida em todos os
momentos. Obrigada ao meu amado esposo William Vaz pelo apoio e companheirismo. E
também aos meus irmãos e irmãs, Marilane (Lane), Eliene (Ane), Noel e Gilmário. E os meus
sobrinhos Natã e Edilá. Pois, o interesse em pesquisar sobre família, também está ligado ao
grande valor e importância que concedo à minha família. Família essa que independe da cor,
do status jurídico e da condição social, mas muito valiosa de sentimento de amor e pertença que
envolve os seus membros.
8

RESUMO

Este trabalho busca identificar formas ou tipos de relações familiares estabelecidas entre
escravizados, livres e libertos em Santo Antônio de Jesus-Bahia, no período de 1870-1888. Essa
época foi marcada por secas periódicas e depressão econômica. No entanto, em 1880 a
Freguesia de Santo Antônio de Jesus conquistou a sua autonomia política, ao ser elevada à
categoria de Vila, desmembrando-se de Nazaré (Bahia). No âmbito nacional, ocorreu a
intensificação do tráfico interprovincial, a criação da Lei 2040 de 28 de setembro de 1871, e da
Lei dos Sexagenários, promulgada em 28 de setembro de 1885, e em 13 de Maio de 1888 foi
sancionada a Lei que abolia a escravatura no Brasil. Procuramos, aqui, também problematizar
as estratégias empreendidas pelos cativos para criarem relações familiares entre si e quais os
mecanismos utilizados para manterem estáveis essas relações. Esta pesquisa vem contribuir
para os estudos regionais e locais, em consequência das significativas informações sobre a
escravidão em Santo Antônio de Jesus que, no século XIX, uma das regiões do Recôncavo de
grande importância econômica e com um número considerável de escravos. Inventários,
processos cíveis, livros de registro de casamento, nascimento e assentos de batismos, livros de
notas de compra e venda e cartas de liberdades formam o conjunto das fontes principais deste
trabalho, que estão localizadas no Arquivo Municipal de Santo Antônio e no Arquivo Público
do Estado da Bahia. Através da análise dessas fontes, identificamos várias famílias escravas e
a ampliação das relações sociais através do compadrio, além das estratégias utilizadas por
escravos para se desvencilharem do cativeiro através das cartas de liberdade, como uma
iniciativa de resistência ao sistema escravista.

Palavras- chaves: Escravidão; Relações familiares e de compadrio; história de Santo Antônio


de Jesus.
9

ABSTRACT

This paper seeks to identify shapes or types of family relationships established among slaves,
free people and freed slaves, in Santo Antônio de Jesus, Bahia, in the period from 1870 to 1888.
This era was marked by periodic drought and economic depression. However, in 1880 the
Parish of Santo Antônio de Jesus won its political autonomy, to be elevated to the category of
Villa, dismembering up in Nazareth (Bahia). Nationally, there was an intensification of
interprovincial trade, the creation of Law 2040 of September 28, 1871, and the Law of
Sexagenarian promulgated on September 28, 1885, and May 13, 1888 was enacted law that
abolished slavery in Brazil. Try here also discuss the strategies undertaken by the captive to
create family relationships with each other and what the mechanisms used to maintain these
stable relationships. This research contributes to the regional and local studies, as a result of
significant information about slavery in Santo Antônio de Jesus, in the nineteenth century, one
of the regions of the Reconcavo of great economic importance and with a considerable number
of slaves. Inventories, civil, registry of marriage and birth, books buying and selling notes and
letters of freedoms form the set of the main sources of this work, that are located in the
Municipal Archive of St. Anthony and the Public Archives of the State of Bahia. Through
analysis of these sources, we identified several slave families and the expansion of social
relations through cronyism, and the strategies used by slaves to desvencilharem captivity
through the letters of freedom, as an initiative of resistance against slavery.

Key-words: Slavery, Family Relations and cronyism; history of Santo Antônio de Jesus.
10

LISTA DE ABREVIATURAS

APEBA- Arquivo Público do Estado da Bahia

APMSAJ- Arquivo Público Municipal de Santo Antônio de Jesus

AFCA- Arquivo do Fórum de Castro Alves

IAB- Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros

TRN - Tram Road de Nazareth


11

LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

QUADRO Nº 01: Escravos libertos por conta da 6ª quota do Fundo de Emancipação em


audiência de agosto de 1885 em Santo Antônio de Jesus.........................................................46

QUADRO Nº 02: Classificação de escravos por sexo, Santo Antônio de Jesus, 1870-1888..57

QUADRO Nº 03: Classificação dos escravos segundo estado matrimonial, Santo Antônio de
Jesus, 1870-1888.......................................................................................................................59

QUADRO Nº 04: Padrinhos e madrinhas de escravos na Vila de Santo Antônio de Jesus 1870-
1888...........................................................................................................................................68

GRÁFICO Nº 05: Classificação dos escravos em relação à cor, 1870-1888..........................77

QUADRO Nº 06: Oficio desenvolvido pelos escravos 1870-1888.........................................86

QUADRO Nº 07: Inventário de Joaquim Manoel da Silva, 1881...........................................87

QUADRO Nº 08: Preço médio de escravos em Salvador 1840-1888.....................................89

QUADRO Nº 09- Escravos pertencentes a Baltasar Rodrigues Bulhões, 1881.......................90

QUADRO Nº 10- Os bens materiais de Baltasar Rodrigues....................................................90


12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... ............13

CAPÍTULO I
1. A LEI DE 1871 E OS DIVERSOS ELOS FAMILIARES EM SANTO ANTÔNIO DE
JESUS. .................................................................................................................................... 24
1.1 As novas oportunidades diante da lei do Ventre Livre.........................................................25
1.2 O Fundo de Emancipação e os espaços de sociabilidades ................................................. 39

CAPÍTULO II
2.FORMAS DE PARENTESCO SOB O JUGO DO
CATIVEIRO............................................................................................................................52
2.1 Organização familiar nos limites da escravidão ................................................................ 53
2.2 Relações de compadrio: ampliação do parentesco através do batismo. ............................. 66

CAPÍTULO III
3. OCUPAÇÕES, POSSES DE ESCRAVOS E ACESSO À TERRA NA VILA DE SANTO
ANTÔNIO DE JESUS DO SÉCULO XIX. .......................................................................... 76
3.1 Valores e práticas de negociação de escravos no mercado local ........................................ 79
3.2 Laços desfeitos: a separação da família por compra e venda .............................................93

CAPÍTULO IV

4. A LIBERDADE CONQUISTADA ................................................................................ 104


4.1 Cartas de liberdade: alforrias voluntárias, condicionais, onerosas e devidas ao Fundo de
Emancipação .......................................................................................................................... 105
4.2 Batalhas pela liberdade .................................................................................................... 121

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 128

6. FONTES ........................................................................................................................... 131

7. BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................133
13

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo identificar os tipos de relações familiares que foram
possíveis aos escravizados de Santo Antonio de Jesus, 1 no período de 1870 a 1880, e a
importância dessas experiências nas lutas pela liberdade e pela conquista de espaços
econômicos e sociais. Além de tentar identificar as estratégias empreendidas pelos escravizados
para criarem e manterem os laços familiares.
Santo Antônio de Jesus é um município brasileiro do Estado da Bahia localizado na
região do Recôncavo Sul. O surgimento dessa cidade se deu em torno da capela, no local em
que hoje se encontra a Praça Padre Mateus, antiga da Matriz. Surgiu o arruamento inicial, por
algum tempo chamado e conhecido como a “Capela do Padre Mateus”, ou a “Capela de Santo
Antônio” ou, ainda, a “Capela de Santo Antônio de Jesus”, cuja expansão se deve a atual cidade
que conservou o nome do santo católico.2 Em 19 de junho de 1852, a Lei nº 448, sancionada
pelo Vice-Presidente da Província, Dr. Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, elevou à categoria
de Matriz a Capela de Santo Antônio de Jesus, desmembrando-a, ao mesmo tempo da Freguesia
de Nossa Senhora de Nazaré.
Como já mencionamos, Santo Antônio de Jesus fazia parte da comarca de Nazaré. O
processo de autonomia política do atual município se deu da seguinte forma: ele foi freguesia
em 1852; tornou-se Vila em 1880 ao ser desmembrado de Nazaré e, posteriormente, elevado à
cidade, em 1891. A historiadora Ana Maria Oliveira define as diferenças entre Vila e Freguesia
e seus respectivos atributos: as freguesias e as vilas, como modalidades de organização
especialmente administrativa, permaneceram com maior frequência no Brasil até o
estabelecimento do regime republicano em 1889. As freguesias caracterizavam-se pela
autonomia religiosa; as vilas definiam-se pela autonomia político-administrativa, pela
instalação das Câmaras Municipais.3
Predominava na Vila de Santo Antônio de Jesus as pequenas e médias propriedades
agrícolas, apesar da existência, em pequeno número, da grande propriedade. Santo Antônio de
Jesus também possuía uma agricultura de subsistência pertencente à zona do Recôncavo Sul.

1
Santo Antônio de Jesus é um município brasileiro do estado da Bahia localizado na região do Recôncavo Sul
está situada à margem da BR 101, distância de Salvador 187 km. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE,
vol. xxi. Rio de Janeiro, 1958.
2
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, vol. xxi. Rio de Janeiro, 1958. Antiga Igreja Matriz. p. 305
3
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX.
Salvador, BA: UNEB, 2002, p.111.
14

Entre os séculos XVII e XVIII, a então Vila de Santo Antônio de Jesus, começou a ser
ocupada quando duas correntes de colonizadores povoaram aquelas terras. A existência de
valiosas madeiras de lei e grande número de cursos d’água constituíram em fatores decisivos e
atrativos para a plantação de cana-de-açúcar e estabelecimento de pequenos engenhos.4
No período do século XIX, havia uma estimativa de que 20,2% da população de Santo
Antônio de Jesus era escrava. Segundo a historiadora Oliveira e considerando os aspectos
econômicos da região, a maioria da população sobrevivia do trabalho agrícola, utilizando-se da
mão-de-obra escrava, familiar, da “gente livre”, meeiros, rendeiros e pequenos proprietários.5
Santo Antônio de Jesus está localizada na região do Recôncavo baiano. A palavra
Recôncavo significa simplesmente “a terra em redor de uma baía”.6 No Brasil, a palavra está
vinculada à região que circunda a Baía de Todos os Santos. Ao redor dessa baía, os
colonizadores portugueses e seus descendentes criaram uma das mais duradouras sociedades
escravistas do Novo Mundo. Durante mais de três séculos, homens e mulheres escravizados,
trazidos da África e seus filhos nascidos no Brasil, trabalharam no Recôncavo nas mais diversas
ocupações. 7 Serviram a seus senhores como lavradores, artesãos, cozinheiras, carregadores,
vendedores, barqueiros, criadas, pescadores, feitores, marinheiros, etc.
Porém, no fim do século XVIII, o Recôncavo não era apenas uma das áreas de produção
de agricultura escravista do Novo Mundo, mas era também uma região de um grau notável de
diversidade física, social e econômica.8 Podemos apontar como exemplo, nosso local de estudo,
a Vila de Santo Antônio de Jesus, que se destacou pela sua grande produção agrícola, seu
comércio em expansão e sua diversidade social.

Segundo Ana Maria Oliveira, o Recôncavo baiano não possuiu um único sistema
produtivo. 9 Havia vários sistemas, estruturas e cultivos. Portanto, torna-se mais coerente
encontrar a unidade dentro de cada região e em seus sistemas internos, do que por inteiro. O
Recôncavo da subsistência apontado pela autora, também denominado Recôncavo Sul,
compreende os municípios de Jaguaripe, Nazaré, Maragogipe, São Felipe, Conceição do

4
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, vol. xxi. Rio de Janeiro, 1958, p. 304
5
OLIVEIRA, Op. Cit. p. 71.
6
BARICKMAN, B.J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 36.
7
Idem. Ibidem. p. 37.
8
Idem. Ibidem. p. 33.
9
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 57
15

Almeida, Castro Alves, Aratuípe, Muniz Ferreira, Varzedo, e Santo Antônio de Jesus. Estes
municípios também formam um conjunto denominado por Isaías Alves do sertão de baixo.10
A extensão de Santo Antônio de Jesus envolvia os atuais municípios de São Miguel das
Matas, parte de Laje, Dom Macedo Costa, Muniz Ferreira, Conceição do Almeida e Aratuípe.11
A proximidade de Santo Antônio de Jesus com Salvador, viabilizada pelo antigo porto de
Nazaré, e as diversas estradas que integravam Santo Antônio de Jesus às demais localidades,
facilitou o desenvolvimento das relações comerciais e a venda dos produtos da região nos
mercados regionais e da capital.
Também é importante ressaltar que em 7 de setembro de 1880, foi inaugurada a estrada
de ferro que ligava Nazaré a Santo Antônio de Jesus. Além de facilitar o transporte de pessoas
e de mercadorias, contribuiu para uma maior dinâmica do comércio. A implantação, no século
XIX, da estrada de ferro, ligando Jequié, no sertão, ao litoral, com ponto final na cidade, tornou
Nazaré um dos maiores entrepostos de comercialização e uma das cidades mais importantes da
Bahia, na época.12 Ana Maria Oliveira também informa que, entre 1860 – 1890 e nas décadas
seguintes, ocorreu a transição da mão de obra escrava para a mão de obra livre, que atinge o
seu ápice dentro do processo de modernização, que envolvia a sociedade brasileira do século
XIX. 13 Além disso, é necessário observar que foi também nesse período que a sociedade
brasileira recebeu os maiores investimentos do poder público, no sentido de implantar projetos
de modernização.
A escolha do local estudado, Santo Antônio de Jesus, se deu em virtude do papel
importante que a cidade exerceu durante século XIX para o Recôncavo baiano, no que se refere
à economia pautada no cultivo de cana-de-açúcar, café e mandioca. A produção econômica
local abastecia a cidade e também o centro comercial de Salvador. E, associada à importância
econômica regional e local, observa-se a utilização de uma expressiva mão de obra escrava
revelada na documentação do período.

10
ALVES, Isaías. Matas do sertão de baixo. - Salvador- BA: EDUNEB. 2010. Isaías Alves (1888-1968) foi um
educador baiano que teve papel central na fundação da Faculdade de Filosofia da Bahia, que hoje integra a Ufba.
Isaías Alves nasceu em 1888, em Santo Antônio de Jesus, cidade do interior da Bahia. Formou-se em direito em
1910, mas sua vida profissional direcionou-se para a área da educação.
11
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, vol. XXI. Rio de Janeiro, 1958, p. 307.
12
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, vol. XXI. Rio de Janeiro, 1958. A cidade de Nazaré fica no
centro sul do Recôncavo Baiano, as margens do Rio Jaguaripe. Pela fertilidade de suas terras e acesso fácil por
barcos a região foi povoada, logo no início da colonização portuguesa. Em 1560 ali já existia, em plena atividade,
um dos primeiros grandes engenhos de açúcar da Bahia. A criação de uma capela, em 1649, deu origem à cidade,
que cresceu em sua volta. Além da cana de açúcar a região se especializou na produção de farinha de mandioca,
que ainda hoje é considerada uma das melhores do Brasil. É uma farinha muito fina, o que deu à cidade o codinome,
“Nazaré das Farinhas”.
13
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 19.
16

O estudo sobre as relações familiares que se estabeleceram entre cativos, livres e libertos
em Santo Antônio de Jesus, entre 1870 e 1888, também deve levar em consideração as
mudanças nacionais ocorridas nesse período, tais como a criação da Lei 2.040 de 28 de
setembro em 1871, também conhecida como a Lei do Ventre Livre, a criação da Lei dos
Sexagenários em (1885) e a Abolição (1888).
Assim, o presente trabalho concentra um estudo atrelado a esses importantes
acontecimentos do século XIX. É nesse contexto econômico instável, devido às secas, à baixa
na produção agrícola, que estudamos a organização familiar dos cativos em Santo Antônio de
Jesus, buscando compreender como os negros escravizados dessa região, que viviam em
propriedades diferentes e distantes umas das outras, conseguiam construir e manter laços
familiares e de solidariedade entre si, entre livres ou libertos, e quais estratégias empreendidas
por esses cativos para manterem estáveis essas relações.
Existem alguns trabalhos acadêmicos sobre Santo Antônio de Jesus que abordam
aspectos econômicos, sociais, culturais, como o da historiadora Ana Maria Oliveira, e que trata
principalmente sobre as propriedades agrárias situadas no Recôncavo Sul, especificamente no
município de Santo Antônio de Jesus, durante a segunda metade do século XIX. A autora
identifica as formas de acesso às terras da região e os proprietários que nelas se fixaram, e
analisa também o perfil desses proprietários considerando os bens que aqueles possuíam, entre
eles, as terras e os escravos.14
A tese da professora Edinélia Souza, discute o pós-abolição a partir de experiências
vividas por negros e mestiços no Recôncavo Sul da Bahia, no período de 1888 até a década de
1930. A autora busca compreender como essa população de cor (africanos, crioulos, pretos,
cabras e pardos) agenciou estratégias cotidianas para se inserirem na estrutura social
configurada durante os primeiros tempos da República brasileira.15
Também, no trabalho de dissertação de Alex Costa, que analisa os “arranjos de
sobrevivência” construídos e postos em prática pelos escravos do Recôncavo Sul da Bahia na
segunda metade do século XIX, entre 1850 e 1888, o autor buscou identificar o impacto das
crises econômicas nas propriedades rurais – em especial na freguesia de Nazaré e outras cidades
aos arredores.16

14
OLIVEIRA. Op. Cit. 2002.
15
SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Pós-abolição na Bahia. Hierarquias, lealdades e tensões sociais nas trajetórias
de negros e mestiços em Nazaré das Farinhas e Santo Antônio de Jesus (1888/1930) - Rio de Janeiro: Tese
(Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social,
2012.
16
COSTA, Alex Andrade. Arranjos de sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo-Sul da
Bahia (1850-1888). Dissertação de Mestrado em História Regional e Local- UNEB/ Campus V, 2009.
17

O presente estudo, por sua vez, vem contribuir de forma significativa para a
historiografia da escravidão, buscando identificar quais os tipos de organização familiar que
foram possíveis aos escravizados de Santo Antônio de Jesus. Além de tentarmos compreender
quais as estratégias, utilizadas pelos cativos, para construir e manter seus laços familiares e os
mecanismos utilizados para se desvencilharem do cativeiro.
A historiografia brasileira recente apresenta um novo redimensionamento das reflexões
apresentadas pela história social, que apontam para a perspectiva de que, apesar de todos os
mecanismos de dominação e exploração, homens e mulheres são agentes de sua própria história
e cultura. Neste sentido, a cultura é reinterpretada do ponto de vista de suas transformações, os
grupos sociais são vistos como redes interligadas entre si, as identidades são repensadas como
construídas e até (inventadas) e a vida cotidiana é analisada a partir de diferentes perspectivas
(os laços familiares, a vadiagem, a festa, a sexualidade, o trabalho, etc.).17
Contribuições importantes têm sido utilizadas pelas novas perspectivas metodológicas,
temáticas e problematizadoras da história social e do cotidiano. Interessada na recuperação do
processo histórico, a abordagem social tem colocado à disposição dos historiadores o arsenal
teórico que tem balizado os novos estudos, propiciando uma renovação do conhecimento
histórico.
Dentre a variedade de questões que têm chamado a atenção dos historiadores
interessados na problemática da escravidão e sua superação no Novo Mundo, algumas têm sido
ressaltadas constantemente, afirmando-se como pontos centrais das discussões. Conceitos como
os de resistência e autonomia entre escravos têm sido reiteradamente apontados como núcleos
centrais para a reconstituição de uma história preocupada em revisar as perspectivas tradicionais
e integrar os grupos escravizados em seus comportamentos históricos, como agentes
efetivamente transformadores dos mecanismos de dominação escravista.18 Nesta perspectiva,
as organizações familiares e de compadrio estabelecidas entre escravizados, constituem-se em
temática de relevância para a compreensão das formas cotidianas de sociabilidade re-
organizadas nos limites da escravidão. Neste sentido, o presente trabalho propõe estudar sobre

17
MOTTA, José Flávio. Família escrava: uma incursão pela historiografia. História: Questões & Debates.
Curitiba: APAH, 9 (16): 104-159, jun. 1988.
18
Idem. Ibidem. p. 107. Sobre as relações de família escrava e compadrio ver também: OLIVEIRA, Maria Inês
Côrtes de. Viver e morrer no meio dos seus: nações e comunidades de africanos do século XIX. Revista da USP,
n. 28, p. 174-193, dez./fev. 1995/1996, p.184. MATTOS, Hebe Maria. O olhar do historiador: territórios e
deslocamentos na história social da escravidão no Brasil. Conferências dos XXIV Simpósio Nacional de História
da ANPUH. São Leopoldo: Oikos, 2008, p. 53.
18

os tipos de relações familiares que se formaram entre escravizados em Santo Antônio de Jesus,
bem como as redes de solidariedade formuladas no cativeiro.
A abordagem sobre a família escrava tem muito a ver com seu caráter dinâmico e
histórico e com a diversidade dos padrões familiares encontrados em diferentes sociedades e
culturas. Os estudos costumam discutir se a família é um fenômeno natural, biológico ou uma
instituição cultural e social. Mas, as ciências sociais compreendem que a família é um fenômeno
que ultrapassa a esfera biológica e ganha significados culturais, sociais e históricos.

Qualquer definição de família não deve tomar o modelo de família vigente na sua
própria sociedade como o “normal” e considerar os outros tipos “patológicos” ou de menor
importância. Pois, na definição, podem estar embutidas visões preconceituosas e ideológicas
acerca do que “deve ser uma família”.19 Também é fundamental compreender que uma mesma
família pode tomar diversas formas ao longo de sua existência, dependendo de muitos fatores
como morte de seus membros, migração, novos matrimônios, separação e uma infinidade de
situações relativas à história pessoal dos indivíduos que a compõem.
Sendo assim, algumas historiadoras, como Cristiane Jacinto, 20 utilizam em suas
pesquisas a expressão “organização familiar de sujeitos escravizados” e, Isabel Cristina Reis
utiliza o termo “Família Negra”21, apesar da categoria “família escrava” ainda ser amplamente
utilizada nos estudos que tratam das relações familiares dos sujeitos escravizados. As pesquisas
vêm demonstrando que essas relações incluíam sujeitos com condições jurídicas diferenciadas
e, portanto, podemos entender que a família dos escravos poderia incluir além do grupo
consanguíneo, pessoas livres e libertas.
Por isso, compreendemos, nesse trabalho, que a as relações formadas por sujeitos com
estatutos jurídicos diferentes também podem ser consideradas como famílias escravas. Isso
porque, na documentação analisada, identificamos, para Santo Antônio de Jesus, relações
familiares entre cativos, livres e libertos, simultaneamente. Diante disso, podemos pensar a
família de sujeitos escravizados de forma mais ampla e incluindo, além dos laços de sangue,
aqueles forjados pelo batismo cristão.

19
Famílias são grupos sociais estruturados por meio de relações de afinidade, descendência e consanguinidade e
se constituem em unidades de reprodução humana. SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos.
– 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2006. p. 136.
20
JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Relações de intimidade: desvendando modos de organização familiar de
sujeitos escravizados em São Luís no século XIX. – São Luís. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão, 2005.
21
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2007. p. 31.
19

As relações familiares entre cativos assumiram várias formas no Brasil escravista. Havia
as uniões legitimadas pela igreja católica, ou seja, o casamento “na forma da Igreja”, que era
um elemento da cultura Ocidental imposto aos africanos e descendentes, as relações
consensuais, o casamento de escravos com pessoas livres e também a família parcial (composta
apenas pela mãe e filhos). 22 Independente do estatuto jurídico dos indivíduos, se a união
matrimonial fosse consensual ou legitimada, fazer parte de uma família fazia muita diferença,
pois podia ser a garantia de amparo nos momentos de necessidade.23
Maria Inês C. Oliveira constata que as mulheres solteiras tendiam a possuir proles mais
numerosas. Este dado sugere a presença da chamada “família matrifocal”, aquela em que a
mulher assumia sozinha o encargo da criação dos filhos. O grande número de solteiros e
especialmente de solteiras que possuíam filhos − caracterizando a existência de uma família do
tipo matrifocal, onde os filhos viviam somente com um parente efetivo −, também sugere que
a transmissão da herança cultural africana entre os escravizados era basicamente tarefa da
mãe.24
Identificamos para Santo Antônio de Jesus o fenômeno da matrifocalidade, pelo fato de
haver, naquela freguesia, um número significativo de mulheres negras e mestiças na condição
de chefes de família, o que sugere a existência de adaptação de práticas culturais ancestrais na
formação de famílias chefiadas por mulheres africanas.
A mulher africana na Bahia foi responsável pela manutenção e preservação da família,
muitas vezes sem a presença do pai. Entretanto, só foi possível prover e manter a família através
da construção e manutenção de laços de solidariedade.25 Estratégias foram criadas e recriadas
no enfretamento da escravidão e da liberdade para a formação e manutenção da família,
algumas delas talvez herdadas da cultura africana.
Assim, para esse estudo, utilizamos o conceito de família defendido por Robert Slenes,
família essa, que não se reduzia a estratégias e projetos centrados apenas em laços de
parentesco, mas expressava um mundo mais amplo que os escravos criaram a partir de suas
“esperanças e recordações”, isto é, para a formação de memórias, projetos, visões de mundo e
identidades.26 Sendo assim, entende-se que a família escrava estava relacionada às relações de

22
OLIVEIRA, Maria Inês de. O Liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo. 1988, p. 67
23
REIS. Op. Cit. p. 84.
24
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 70
25
SOARES, Jane de Jesus. Mulheres chefes de família: família, maternidade e cor na Bahia do século XIX. –Feira
de Santana, 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade
Estadual de Feira de Santana, 2009.
26
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 49.
20

consanguinidade, mais também se entrelaçam entre a coabitação do casal, a parentela, as


relações de afeto e de compadrio, incluindo, principalmente, os laços de amizade e de
solidariedade.
Neste estudo utilizamos uma definição ampla de família escrava. Aquela que vai além
das legitimamente constituídas, ao demonstrar as presenças de mães e pais solteiros convivendo
com seus filhos. Segundo Robert Slenes e Stuart Schwartz, família seria “o casal (unido ou não
perante a Igreja), presentes ou não ambos os cônjuges, com seus filhos, caso houvesse”.27
Para a elaboração desse trabalho buscou-se referência em algumas obras que discutem
a temática, como o trabalho de Eduardo Spiller Pena que analisa a legitimidade da escravidão
questionada pelo discurso emancipacionista, a partir da criação de dispositivos legais referentes
à escravidão no Brasil, como A Lei 2.040 de 28/09 de 1871, também conhecida como a Lei do
Ventre Livre, quando travou-se um campo de lutas, conflitos e negociação entre senhores,
escravos e as autoridades públicas do Império, sobretudo a partir da segunda metade do século
XIX.28
A historiadora Joseli Mendonça aborda a Lei criada em 1871, chamando a atenção para
os diferentes discursos do Senado, dos advogados e dos abolicionistas que se constituíram na
criação dessa lei.29 A autora afirma que a Lei de 1871 foi um marco na história da escravidão,
caracterizada pela intensificação das lutas emancipacionistas entre os escravos pela busca do
auxílio jurídico, para conquista da liberdade.
Ainda sobre a Lei 2.040 de 1871, o autor Lucimar Santos ressalta que a distribuição do
Fundo de Emancipação e os demais artigos da lei foram regulamentados pelo Decreto 5.135 de
13/11/1872.30 Após a criação da Lei de 1871, houve um impacto na perspectiva do potencial
das novas organizações de família escrava.
Já o historiador B. J. Barickman, em uma abordagem sobre o Recôncavo baiano,
menciona que durante mais de três séculos, homens e mulheres escravizados trazidos da África
e seus filhos nascidos no Brasil, trabalharam no Recôncavo nas mais diversas ocupações.31

27
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia da Letras, 1988, p. 311.
28
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. –Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 2001.
29
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis. A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição
no Brasil. Campinas: Editora na UNICAMP, 1999.
30
SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os bastidores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista
de História, 1, 2 (2009), pp. 18-39.
31
BARICKMAN, B.J. Um contraponto baiano: açúcar, fumo, mandioca e escravidão no Recôncavo, 1780-1860.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
21

Maria de Fátima Pires aborda especificidades das experiências escravas na Bahia, nas
comarcas de Caetité e Rio de Contas.32 No seu trabalho, buscou perceber formas e estratégias
utilizadas por escravos e forros na organização da sobrevivência no Alto Sertão e os
significados das relações sociais para suas vidas. A autora ainda aborda que, em muitas
ocasiões, as chances que os escravos tinham de reagir às diversas formas de opressão e à
pobreza se ampliavam através das relações pessoais e de redes comunitárias.
Diante do tema exposto, as questões fundamentais que se colocam são as seguintes:
Quais os tipos de arranjos familiares que foram possíveis aos escravizados de Santo Antônio de
Jesus? Ocorreram casamentos entre escravos e pessoas livres e libertas? Qual padrão de
compadrio escravo predominou na freguesia? Seriam escolhidas pessoas livres como
padrinhos? Quem eram os padrinhos e madrinhas? Quais as estratégias utilizadas pelos cativos
para construir e manter seus laços familiares? Quais os mecanismos utilizados pelos
escravizados para se desvencilhar do cativeiro?
No intuito de buscar as respostas para as questões acima colocadas, foram consultadas,
para Santo Antônio de Jesus, documentos diversificados. As fontes utilizadas para a pesquisa
são compostas pelos inventários post-mortem, que laçam luz sobre o segmento da população
senhorial rural que possuía terras ou escravos. Os inventários constituem fontes valiosíssimas
de informação sobre as práticas agrícolas, o tamanho e o valor dos estabelecimentos rurais, a
escravidão e as condições de trabalho e de vida no campo. Outra fonte utilizada são os registros
de terras, através dos quais foi possível inferir algumas informações importantes como a
localização das propriedades, sua extensão e seus respectivos donos.
Nos processos cíveis, por sua vez, aparecem pedidos de desistência de tutoria, por parte
dos senhores, que depois da abolição da escravatura não desejavam mais serem os responsáveis
pelos filhos de suas ex-escravas.
Os livros de registro de casamento permitiram identificar alguns núcleos familiares de
escravos, revelando ainda outros aspectos da vida conjugal, como o casamento de escravos com
pessoas livres. Os assentos de batismos permitiram identificar as relações sociais que faziam
parte da vida dos cativos. Observamos que os laços sociais desenvolvidos pelos escravos foram
estendidos para além dos limites das propriedades onde viviam. Escravos estabeleceram laços
de compadrio com livres pobres, negociantes e lavradores, com companheiros de cativeiro e de
outras propriedades, situação que revelou a grande capacidade de mobilidade espacial.

32
PIRES, Maria de Fátima Novais. Fios da Vida: Tráfico Interprovincial e Alforrias- Escravos e ex-escravos nos
Sertõis de Sima- Rio de Contas e Caetité-BA (1860-1920). Tese de Doutorado, USP, 2005.
22

Os livros de registro de nascimento forneceram informações importantes sobre as


relações familiares dos cativos, a propriedade onde morava, o número de filhos, a condição dos
pais e também se eles pertenciam ao mesmo senhor, ou eram de propriedades diferentes.
Já nos livros de notas de compra e venda, identificamos os valores dos escravos e das
propriedades rurais, além de informações sobre os engenhos. Outra fonte, também muito
interessante, são as Cartas de Liberdade. Nelas, observamos os tipos de alforrias que eram
concedidas, se eram com condição ou incondicional. Identificamos também que a maioria das
Cartas de Liberdade foi concedida sem pagamento do valor do escravo alforriado.
Estas referências citadas formam o conjunto das fontes principais deste trabalho, a partir
das quais foram realizadas as análises propostas neste estudo. Alguns livros de notas e de
registro de casamento estão localizados no arquivo de Santo Antônio de Jesus. E nas demais
fontes, como os processos cíveis, os inventários e notícias de jornais locais da época,
relacionadas a assuntos do regime escravista - A Mocidade, A Tribuna e O Regenerador –
encontramos também avisos de fugas de escravos e denúncia de maus-tratos. Estes jornais estão
localizados no Arquivo Público do Estado da Bahia (APEBA).
Sobre as fontes, buscamos fazer um cruzamento entre as informações como a quantidade
de escravos, a origem desses cativos, o estado civil, a atividade, a idade, o preço e a cor. Além
disso, procuramos identificar os tipos de arranjos familiares que foram possíveis aos cativos. E
também, os meios utilizados para a conquista da liberdade. A partir desses dados, foi realizada
uma análise quantitativa e qualitativa dos documentos, no intuído de perceber não só as
dificuldades enfrentadas pelos cativos para construir e manter suas relações familiares, mas
também suas estratégias como uma iniciativa de resistência ao sistema escravista.
O presente trabalho está organizado em quatro capítulos. O primeiro tem como título A
lei de 1871 e os diversos elos familiares em Santo Antônio de Jesus, em que se discute os
impactos da lei nas estratégias de sobrevivência dos escravizados. Nesse capítulo, um dos
aspectos da documentação analisada de Santo Antônio de Jesus que chama a atenção, é a relação
existente entre escravos e pessoas livres. Além dessas questões, abordamos sobre a criação da
Lei de 1871 e as possibilidades de formação familiar que se ampliaram para os cativos, a partir
dessa lei.
O segundo capítulo nomeado Formas de parentesco sob o jugo da escravião trata
também das relações familiares entre cativos, livres e libertos dando ênfase às relações de
compadrio entre os cativos e pessoas livres. Nas fontes analisadas, identificamos que os negros
escravizados de Santo Antônio de Jesus tinham como padrinhos outros cativos, pessoas livres
e, até mesmo, senhores de outros escravos. Os escravos eram capazes de expandir os laços de
23

parentesco, também, por meio do compadrio. Percebemos então, a importância do compadrio


para os escravizados.
No terceiro capítulo intitulado Ocupações, posses de escravos e acesso à terra na Vila
de Santo Antônio de Jesus do século XIX, buscamos compreender o espaço do Recôncavo Sul,
o perfil econômico de suas propriedades, bem como o perfil demográfico e econômico dos
senhores e, principalmente, da população escrava que vivia naquelas terras. Abordamos ainda
sobre as práticas de comercialização de escravos em Santo Antônio de Jesus, as ocupações dos
cativos, as formas utilizadas para adquirir escravos e, também, as práticas de comercialização
de escravos no mercado local.
No quarto capítulo denominado A liberdade conquistada, algumas cartas de liberdade
são analisadas, com o objetivo de perceber, através das fontes consultadas, os mecanismos
utilizados pelos escravizados para comprar a sua alforria. Nesse particular, compreende-se que
a compra da própria liberdade, às vezes, poderia significar o sacrifício de toda uma vida de
trabalho e economia, no intuito de juntar o pecúlio correspondente ao seu valor no mercado de
compra e venda de escravos. Parentes, amigos, compadres e comadres compunham uma
intricada rede de relações sociais que os escravos e libertos construíam e alimentavam, e que
lhes serviam de apoio em momentos de maior necessidade. Além disso, inclui, entre os cativos
de Santo Antônio de Jesus, a utilização da fuga como uma das estratégias para conquistar a
liberdade.
24

CAPÍTULO I:

A LEI DE 1871 E OS DIVERSOS ELOS FAMILIARES EM SANTO ANTÔNIO DE


JESUS.

Em meados do século XIX, quando a legitimidade da escravidão passou a ser cada vez
mais questionada pelo discurso emancipacionista, dispositivos legais referentes à escravidão no
Brasil foram criados, como a Lei do Ventre Livre, também conhecida como a “Lei Rio
Branco”. Foi uma lei emancipacionista, promulgada em 28 de setembro de 1871, que
considerava livre todos os filhos de mulher escrava nascidos a partir daquela data.33
Posteriormente, a Lei dos Sexagenários, de 1885, vai conceder liberdade aos escravos
com idade igual ou superior a sessenta anos, apesar de obrigá-los a prestarem serviços por três
anos a seus ex-senhores, a título de indenização pela sua alforria.34 Mesmo sendo uma lei de
pouco efeito prático, já que libertava escravos, que por sua idade tinham uma força de trabalho
pouco valiosa, a Lei dos Sexagenários provocou grande resistência dos senhores de escravos e
de seus representantes na Assembleia Nacional. A Lei nº 3.270, foi promulgada em 28 de
setembro 1885, e ficou conhecida como a Lei Saraiva-Cotegipe ou Lei dos Sexagenários.
Após a criação da Lei do Ventre Livre, travou-se um campo intenso de lutas judiciais,
conflitos e negociação entre senhores, escravos e as autoridades públicas do Império.35 Diante
das percepções dos escravizados em relação à Lei 2.040 de 28/09 de 1871, houve reações mais
violentas, mas também a criação de uma rede de atitudes e estratégias de negociação foi tecida
pelos escravos, para buscar a aplicação da lei e a defesa do que consideravam serem seus
direitos.36 Nesse capítulo, serão analisados alguns aspectos sobre a criação da Lei de 1871 e, a
partir dela, as possibilidades de formação familiar que se ampliaram para os cativos.

33
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. –Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 2001.
34
Lei do Brasil nº 3.270 de 28 de setembro de 1885, (LEI DOS SEXAGENÁRIOS), Artigo de nº 10,
1885. A Lei dos Sexagenários concedeu liberdade aos escravos com idade igual ou superior a 60 anos.
Representou mais uma investida dos abolicionistas rumo ao fim definitivo da escravidão no país.
35
PENA. Op. Cit. p. 25.
36
THOMPSON, E. P. Senhores e caçadores: A origem da Lei Negra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
25

1.1 AS NOVAS OPORTUNIDADES DIANTE DA LEI DO VENTRE LIVRE

Portanto, além das práticas frequentes de resistência ao sistema escravista, por parte
dos escravizados, como os assassinatos, os roubos, a organização dos quilombos, o cultivo de
roças autônomas, as fugas, nas últimas décadas da escravidão os negros escravizados também
puderam contar com o auxílio jurídico prestado por curadores, solicitadores e advogados nas
aberturas de suas ações de liberdade. Segundo Eduardo Pena, muitos auxílios chegaram às vias
da militância política abolicionista, pois vários desses advogados sofreram ameaças e
perseguições dos fazendeiros escravistas, como o caso de Luiz Gama 37 que chegou a ser
advertido pelas autoridades provinciais.38
A historiadora Joseli Mendonça, assim como Eduardo Pena, ao analisarem a Lei do
Ventre Livre,39 chamam a atenção para os diferentes discursos do Senado, dos advogados e dos
abolicionistas que se constituíram na criação dessa lei. Mendonça afirma que a Lei de 1871 foi
um marco na história da escravidão. A partir dessa lei, houve o reconhecimento do pecúlio do
escravo e várias ações foram movidas para favorecê-los.40
Portanto, no Artigo de nº 4 da lei de 1871 lê-se: “É permitido ao escravo à formação de
um pecúlio com o que lhe provier de doação, legados e heranças, e com o que, por
consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O Governo providenciará no
regulamento sobre a colocação e segurança do mesmo pecúlio”.41 O pecúlio consistia em uma
espécie de economia acumulada pelo escravo, formado por legados, economias e doações, ou
então por meio do trabalho extra ao senhor, a terceiro ou “sobre si” em dias santos, domingos
ou reservados “para si”.42 Além disso, após essa data, intensificou- se, entre os escravizados, a
busca da liberdade perante a lei.
A criação da Lei de 1871 aumentou as possibilidades de formação familiar para os
cativos. A lei também concedia o direito de o escravizado recorrer a uma “ação de liberdade”.
O escravizado que se considerasse em “cativeiro injusto” poderia recorrer à justiça para

37
AZEVEDO, Elciene de. Orfeu de Carapinha: a trajetória de Luís Gama na imperial cidade de São Paulo-
Campinas: Editora da Unicamp- Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999.
38
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. –Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 2001. p. 27.
39
MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis. A lei dos sexagenários e os caminhos da abolição
no Brasil. Campinas: Editora na UNICAMP, 1999, p. 90.
40
MENDONÇA. Op. Cit. p. 30.
41
LEI Nº 2040 de 28.09.1871 – (LEI DO VENTRE LIVRE), Artigo de nº 4, 1871.
42
OLIVEIRA, Vinícius Pereira de. De Manoel Congo a Manoel de Paula: a trajetória de um africano ladino em
terras meridionais (meados do século XIX). São Leopoldo: EST, 2006.
26

conseguir sua liberdade. 43 Nas ações de liberdade, segundo Silvania Dias, o escravo
representado por um advogado ou curador, buscava a justiça porque acreditava que possuía
motivos suficientes para requerer a sua liberdade.

Muitas poderiam ser as razões, porém, uma das situações mais frequentes a
gerar esse tipo de demanda se dava quando o cativo provinha de antepassados
libertos. Outro caso, que também podia gerar uma ação de liberdade envolvia
as alforrias concedidas em testamentos.44

Os escravos procuraram, à sua maneira, acessar os meios legais que pudessem beneficiá-
los, o que não significava o cumprimento automático de tais medidas. O acesso dos escravos às
esferas jurídico-legais e o reconhecimento de seus direitos, por senhores e autoridades, não
pode ser percebido como um processo simples. Precisavam, geralmente, contar com a
participação/intervenção de um livre, geralmente na figura de um curador ou procurador. 45
Porém, apesar de se constituir em processo complexo, delicado, por envolver interesses muitas
vezes controversos, o fato de um escravizado ter acesso aos meios legais, era considerado uma
grande conquista para aquele período.
Para Walter Fraga Filho,46 a grande inovação introduzida pela Lei do Ventre Livre foi
permitir ao escravo acionar a justiça por meio de ações de liberdade, em caso de recusa dos
senhores em conceder alforria com a apresentação do pecúlio. O autor ainda ressalta que a Lei
de 1871 abriu perspectivas importantes para os escravos alcançarem a alforria no âmbito da
legalidade:

Ao ampliar o campo de disputas pela liberdade nos foros públicos, ela jogou
na arena dos embates forenses curadores, depositários, peritos, juízes,
advogados e testemunhas. Ampliavam-se, assim, as possibilidades de alianças
de escravos com setores diversos da sociedade que poderiam ser mobilizados
em favor das ações de liberdade.47

43
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2007. p, 31.
44
DIAS, Silvania de Oliveira. As ações de liberdade de escravos na justiça de Mariana 1850-1888. Dissertação
(Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação em História. Departamento de História, Instituto de Ciências
Humanas e Sociais, - Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, 2010.
45
GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de
Janeiro no século XIX. São Paulo: Civilização Brasileira, 1994.
46
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910).
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. p, 50
47
Idem. Ibidem. p, 50.
27

Ainda se tratando sobre as leis emancipacionistas do século XIX, Andrei Koerner, em


uma discussão sobre punição, disciplina e pensamento penal no Brasil, aborda que, nas relações
entre senhor e escravo, o proprietário tinha o direito e o dever de praticar todos os atos
necessários à preservação de sua “boa ordem”. 48 Isso inclui, evidentemente, a execução de
castigos corporais, necessários à intimidação dos subordinados e, no limite, cada proprietário
adotava seu próprio sistema penal, pois, segundo uma imagem da época, cada um definia o seu
próprio conjunto de delitos, graduava a sua gravidade, determinava os critérios de culpa,
adotava o seu processo penal particular, com procedimentos, sistema de provas e de penas.

Ainda segundo Koerner, a sociedade escravista impunha regras e comportamentos


diferentes para os sujeitos, de acordo com seu estatuto jurídico e outros critérios de
categorização social. Seu ponto de partida é a de uma sociedade dividida em duas ordens de
sujeitos com estatutos jurídicos contrapostos: os homens livres e os escravos. O que
caracterizava diferentes métodos adotados, mesmo diante de ações legais, para sujeitos social e
juridicamente submetidos às interpretações de quem as aplicava. Neste sentido, as leis
emancipacionistas representavam um exemplo de entrave quando os interesses eram
conflitantes.
Na análise de Spiller Pena, sobre as discussões do senado em relação à criação da Lei
do Ventre Livre, o jurisconsulto do IAB (Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros),
Azeredo Coutinho, criticava a existência de “abusos” feitos no comércio dos escravos e no
tratamento conferido a eles. Entretanto, advertia os senhores sobre a necessidade de correção
desses “abusos” e a “tratarem bem os seus escravos”. Dessa forma, seus interesses econômicos
e de segurança estariam garantidos, como também o do próprio Estado.49 As punições físicas
deviam, neste sentido, ser limitadas, pois, como afirmavam comumente os reformadores da
escravidão, castigos excessivos destruíam o patrimônio do proprietário e a produtividade do seu
estabelecimento.50
A advertência aos exageros senhoriais foi, portanto, acompanhada pela consideração de
um limite político claro: ela deveria ser contida e, de modo algum, dar margem a reivindicações
indevidas ou igualmente exageradas por parte dos escravos. O projeto de lei de Azeredo

48
KOERNER, Andrei. Punição, disciplina e pensamento penal no Brasil do século XIX. Lua Nova, São Paulo, v.
68: 205-242, 2006.
49
PENA, Eduardo Spiller. Pajens da casa imperial: jurisconsultos, escravidão e a Lei de 1871. –Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 2001, p. 154.
50
MARQUESE, Rafael. Feitores do corpo, missionários da mente – senhores, letrados e o controle dos escravos
nas Américas. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
28

Coutinho objetivou normatizar a prática escravista, preocupando-se mais com as obrigações


dos senhores do que com a fixação de direitos por parte dos escravos:

O meio de permitir que o escravo seja admitido em juízo a acusar ou a queixar-


se contra seu senhor é de perniciosíssimas consequências, pois que ou a queixa
seja justa ou injusta, não deixa de produzir uma desconfiança e até mesmo um
ódio, uma raiva e um desejo de vingança, que facilmente passará a ser fatal a
algum deles ou a ambos, e por consequência ao Estado, pela facilidade com
que tais crimes se podem cometer no íntimo de uma família ou num deserto
sem testemunhas, e para obrigar o senhor a vender o seu escravo em tal caso,
seria pôr na mão do escravo o mudar todos os dias de senhor, e, por
consequência, não servir a algum deles [...], ou chamá-los a juízo, ainda que
injustamente, e sem razão.51

A Lei de 1871 também permitiu ao escravo a possibilidade de denunciar perante a justiça


alguns abusos cometidos e maus-tratos perpetrados pelo senhor ou por autorização do mesmo.
Os castigos excessivos passaram então a ser denunciados. Pois, embora aos olhos da lei os
escravos fossem considerados uma propriedade, isso não significava que os senhores pudessem
castigá-los de forma arbitrária.
Segundo Silva Lara, o reconhecimento social da prática dos castigos de escravos, no
entanto, esbarrava na questão da justiça e da moderação, pois somente aplicado nessas
condições corresponderia ao que dele se esperava: a disciplina e a educação. A punição injusta
e excessiva provocava, por seu turno, descontentamento e revolta. Punir o escravo que houvesse
cometido uma falta, não só era um direito, mas uma obrigação do senhor. Isso era reconhecido
pelos próprios escravos, mas não quer dizer que os castigos fossem aceitos, ou seja, por
intermédio dos castigos caberia a tarefa de educar seus cativos para o trabalho e para a
sociedade.52
Como pontua Chalhoub, os escravos tinham concepções muito precisas a respeito da
legitimidade e dos limites do domínio exercido pelo senhor. Para Chalhoub, “a referência a
castigos excessivos era provavelmente a forma de um escravo ‘traduzir’ para a linguagem dos
senhores a sua percepção mais geral de que direitos seus não estavam sendo considerados ou
respeitados”.53

51
PENA. Op. Cit. p. 154. Azeredo Coutinho reconhecia a possibilidade do escravo manipular a justiça a seu favor.
Isto porque: 1) era permitido ao senhor castigar o escravo, sendo necessário apenas investigar se ocorreu ou não
excesso.
52
LARA, Silvia Hunold. “O Castigo Exemplar" em Campos da Violência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p.
60-61.
53
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. P. 65.
29

Em uma nota no jornal O Regenerador, de Santo Antônio de Jesus, foi anunciado que,
no dia 9 de dezembro de 1877, o preto Vicente, maior de 50 anos, pertencente a João Francisco
Lopes, senhor de engenho, apresentou-se ao doutor promotor público e ao delegado de polícia,
queixando-se de maus tratos e castigos excessivos por parte do feitor do engenho:

No dia 09 do andante apresentou-se ao Dr. Promotor Público e ao Delegado


de Polícia, O preto Vicente, maior de 50 anos, pertencente a João Francisco
Lopes, senhor de engenho deste termo da Freguesia de Santo Antônio de
Jesus, queixando-se de maus-tratos e castigos excessivos por parte do feitor
do engenho. O delegado procedeu á corpo de delito declarando os peritos que
eram leves os ferimentos. Sábado, 15 de Dezembro de 1877.54

Após a criação de leis emancipacionistas no século XIX, a exemplo da Lei do Ventre


Livre, os cativos recorriam às autoridades policiais para pedir proteção nas disputas judiciais,
interditar a venda para fora da província de parentes, mediar conflitos com os senhores e
denunciar maus-tratos. 55 No entanto, a partir da promulgação dessa lei, um dos benefícios
concedidos aos cativos foi o de reivindicar perante a justiça os excessos de castigos sofridos
pelo senhor. Como podemos observar na denúncia do escravo Vicente, em 1877.
Porém, após o procedimento do exame de corpo de delito solicitado pelo delegado, os
peritos declararam que os danos que o escravo havia sofrido eram apenas alguns ferimentos
leves. Como se pode perceber, apesar da existência da lei que proibia os abusos de castigos do
senhor contra seus escravos, havia, muitas vezes, por parte das autoridades, tendências
explícitas de evitar o confronto dos interesses dos proprietários. O objetivo da lei não era
beneficiar o escravo, mas proteger o senhor. Até mesmo nas situações em que o escravo
denunciava os castigos perante a lei, nem sempre as decisões da justiça eram favoráveis ao
escravo.
Walter Fraga Filho afirma que a observação de maior incidência de denúncias e maus-
tratos nos anos de 1880, não significa que os senhores recorressem mais aos castigos físicos do
que em períodos anteriores.56 O fato é que, naqueles anos, os escravos sabiam que podiam
contar com a interferência das autoridades policiais e judiciais, o que teria aumentado o número
de denúncias.

54
APEBA - Microfilmagem. Jornal O Regenerador, filme 7, flesh 41, 1877.
55
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910) -
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. P, 51.
56
Idem. Ibidem. p. 52.
30

Desde as discussões sobre a Lei de 1871, a promoção de libertações pelo poder público
foi alvo de críticas contundentes por parte dos parlamentares, muitos deles donos de escravos,
preocupados em preservar a escravidão. A própria libertação dos nascituros podia ser vista
como medida que comprometia a disciplina nas fazendas. Foi no sentido de apontar para tais
perigos que o visconde de Itaboraí se manifestou no Senado, avaliando tais medidas:

Não estão os escravos tão embrutecidos que não reconheçam, que o mesmo
direito que têm os filhos vindouros à liberdade, devem ter seus próprios pais;
que o mesmo princípio que determina a liberdade de uns, deve determinar o
de outros; que se há razão se é justo que seus filhos e os escravos da nação
sejam livres de ora em diante, a mesma razão, os mesmos princípios, a mesma
justiça exigem a liberdade de Todos [...].57

De acordo com Joseli Mendonça, o estabelecimento da liberdade para alguns escravos,


ainda que vindouros, poderia, como indicava o parlamentar, tornar muito mais problemática a
justificativa da permanência de outros em estado de escravidão.58
Por outro lado, o anseio senhorial em impedir que a liberdade fosse entendida como
ruptura absoluta dos elementos presentes na relação senhor- escravo foi contemplado pela Lei
de 1871, quando colocou nas mãos senhoriais a prerrogativa de decidir sobre o “destino dos
ingênuos”, uma vez que a lei estabelecia duas possibilidades para as crianças que nascessem
livres. Poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou serem entregues
ao governo. O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria aos senhores que poderiam usar
a mão-de-obra destes “livres” até os 21 anos de idade, em lugar de receber uma indenização
do Estado.
Sobre o destino das crianças ingênuas, Kátia Mattoso em seu artigo O filho da escrava,59
afirma que a Lei de 28 de setembro de 1871, ao colocar em poder e sob a autoridade dos
senhores os filhos de escravos nascidos ingênuos, obrigava aqueles a criá-los e tratá-los até a
idade de oito anos completos. Como se refere o artigo da Lei de 1871:

§ 1.º - Os ditos filhos menores ficarão em poder ou sob a autoridade dos


senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até
a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o
senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de
600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos

57
MENDONÇA, Joseli. Entre a mão e os anéis, 1999. APBCD, Anais do Senado, citado pelo deputado Aristides
Espínola em sessão de 13 de julho de 1884, vol. p. 185.
58
Idem. Ibidem. 1884.
59
MATTOSO, Kátia de Queirós. O filho da escrava: em torno da Lei do Ventre Livre. Revista brasileira de
História. São Paulo. V. 8 nº 16, PP. 37-55, mar. 88. Agosto de 1888 p. 42
31

completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino,


em conformidade da presente lei.60

Segundo Raquel Francisco, a tutela é o encargo dado a um indivíduo para administrar a


pessoa e bens de um menor. Ela pode ser imposta pela lei ou pela vontade própria de quem está
assumindo a função.61 Porém, ao se tratar sobre a tutoria de filhos e filhas de escravos, alguns
senhores, quando não eram beneficiados com os serviços das crianças ingênuas, acabavam
desistindo de ser o seu responsável legal. Como podemos compreender melhor no processo
cível de Manoel Vieira de Andrade Sala, que pede desistência da tutela de duas crianças do
sexo masculino, um de nome Estevão, de 9 anos de idade, e o outro chamado José, de 8 anos,
ambos filhos da escrava Maria:

Diz Manoel Vieira de Andrade Sala, que tendo assinado, em 08 de Agosto do


ano 1887, a tutela dos menores, Estevão com 09 anos e José com 08 anos,
mediante a soldada anual de 30$000. Quer desistir da mesma tutela visto como
o de nome José por ser muito pequeno ficou em poder de sua mãe, a escrava
de nome Maria, e nunca prestou serviço algum e o de nome Estevão só quer
retirar, e não presta serviço algum [...].62

Manoel Vieira A. Sala pedia desistência da tutela dos meninos Estevão e José, alegando
que os mesmos não lhe prestavam serviço algum. Percebemos que em alguns casos, quando
não era interessante para o senhor criar os filhos das escravas ou quando este não se beneficiava
dos serviços das crianças nascidas ingênuas (termo usado para denominar os legalmente livres,
mas ainda cativos), senhores abandonavam esses ingênuos à própria sorte.63 Esse fato vem
fortalecer o que já sabemos, de como foi perverso e desumano o sistema escravista e que muitos
senhores utilizaram das brechas deixadas pela lei de 1871 para tirar benefício dela. Esses
benefícios, no documento citado acima, se referem ao usufruto do trabalho desses ingênuos.
Por outro lado, observamos também uma das formas de resistência escrava, pois a
criança de nome José não estava sob os poderes do senhor Manoel Vieira de Andrade e sim na
companhia da sua mãe Maria, e a outra criança de nome Estevão, apesar de estar sob a tutoria
do senhor Manoel Vieira A. Sala, vivia se retirando para outro lugar, que provavelmente seria
para o local em que viviam sua mãe e seu irmão José. Os escravos também se utilizavam de

60
LEI Nº 2040 de 28.09.1871 – (LEI DO VENTRE LIVRE), Artigo de nº § 1.º , de 1871.
61
FRANCISCO, Raquel Pereira. Laços da senzala arranjos da flor de maio: relações familiares e de parentesco
entre a população escrava e liberta- Juiz de Fora (1870-1900). Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2007, p. 114.
62
APEBA - Processo Cível 20409/38/1345- Santo Antônio de Jesus, (1888-1889).
63
SCHWART, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes; trad. Jussara Simões. - Bauru, SP: EDISC, 2001, p.291.
32

estratégias de fugas, como veremos também, no exemplo a seguir, para ficarem próximos de
seus familiares, contrariando, assim, a vontade do senhor:

Felix de Andrade Nunes tutor das pessoas dos Orphãos de nomes Theresa com
15 anos e Maria com 14 anos, filhas da escrava de nome Martinha [...]. Diz
João Felix Andrade Nunes tutor das menores Theresa e Maria, que vivendo as
mesmas continuadamente a fugir de casa a conselhos de sua mãe para atirá-
las talvez à prostituição e à miséria e não querendo mais continuar, a exercer
o cargo de tutor das mesmas [...], 08 de agosto, Santo Antônio de Jesus de
1888.64

Segundo o que declara o tutor Felix de Andrade Nunes, as menores Theresa e Maria
viviam sempre fugindo da sua residência, a mando da sua mãe Martinha. Percebemos, mais
uma vez, que os cativos usavam também as estratégias de fugas para ficarem próximos de seus
familiares. Porém, Felix de Andrade Nunes alegava que a mãe de Theresa e Maria não era a
pessoa mais recomendada para cuidar das filhas, pois ela poderia “atirá-las talvez à prostituição
e à miséria”. Para o tutor, a companhia da mãe poderia ser má influência para as meninas,
alegando assim a incapacidade da mãe Martinha em cuidar das filhas.
No Brasil, no dia 13 de maio de 1888, finalmente foi sancionada a conhecida Lei Áurea.
Porém, mesmo após a Lei Áurea as classes senhoriais tentaram manter a posse dos filhos
ingênuos de suas ex-escravas. De acordo com Raquel Francisco, a partir da lei Rio Branco o
vínculo tutelar foi transformado num meio de controle social e econômico dos ingênuos pelos
senhores.65 Percebemos, assim, no documento citado acima, o discurso do senhor em tentar
manter a todo custo o domínio sobre as crianças ingênuas, querendo justificar a exploração e o
domínio senhorial como a melhor opção para os cativos e, até mesmo, para filhos nascidos
ingênuos.
Porém, os argumentos de Felix de Andrade Nunes parecem ter sido convincentes, pois,
em 15 de março de 1889, a mãe Martinha vai novamente até à justiça requerer as suas filhas
Theresa e Maria, que agora estavam sob a tutela de Manoel Pedro Bulhões Peixoto:

Diz Martinha de Jesus, ex-escrava de Manoel Pedro Bulhões, que tendo o seu
dito, ex-senhor assinado a tutela de suas filhas menores, Theresa e Maria, em
vez de tratá-las humanitariamente, conforme é obrigado pelo termo que
assinou, maltrata-as cruelmente, em vista disto, vem implorar a Vsa, que
atendendo a sua condição de mãe, que vê suas filhas, vitimas de desumanos

64
Grafia atualizada. APEBA- Processo Cível 54/1926/03, Santo Antônio de Jesus, (1888-1889).
65
FRANCISCO, Raquel Pereira. Laços da senzala arranjos da flor de maio: relações familiares e de parentesco
entre a população escrava e liberta- Juiz de Fora (1870-1900). Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2007, p. 114.
33

tratos, mande que lhe sejam entregues as menores, exonerando o dito tutor.
Santo Antônio de Jesus, 15 de março de 1889.66

Em 1889, Martinha já tinha alcançado a liberdade e era declarada no documento agora


como ex-escrava. Porém, o drama dessa mãe ainda se prolongara, pois as suas duas filhas
Theresa e Maria estavam então sob a tutela do seu ex-senhor Manoel Pedro Bulhões. E, segundo
o pedido de Martinha, “em vez de tratá-las humanitariamente, conforme é obrigado pelo termo
que assinou, maltrata-as cruelmente”, ou seja, o seu ex-senhor não cuidava bem das suas filhas.
Além disso, Martinha tinha conhecimento da Lei do Ventre Livre e sabia que cabia também aos
senhores criar e tratar os filhos de escravas que estivessem sob sua tutela. Entre idas e vindas,
esta história teve um final feliz. No dia 09 de Abril de 1889, em uma declaração expedida pelo
Juiz de Orphão, a mãe Martinha declarava que “já se achava em sua companhia as suas duas
filhas Theresa e Maria e que nada mais se tinha a declarar sobre as contendas das petições”.67
O processo de escravização dos negros foi, sem dúvida, muito violento e cruel. Porém,
para a criança negra, a crueldade teria sido maior ainda. Segundo Katia Mattoso, na passagem
do viajante Dugrivel pela Bahia em 1833,68 o francês dizia-se impressionado pelo espetáculo
de negras seminuas sentadas no meio das ruas da cidade a dar o seio a filhos completamente
nus69. O conjunto de obras deixadas pelos viajantes integra a chamada literatura de viagem e se
constitui numa literatura de testemunhos, cujos registros e observações ajudam a conhecer a
realidade do Brasil da época.70
Kátia Mattoso ainda ressalta que não sabemos quantos escravos vieram ainda criança da
África. Vários deles, já adultos, quando interrogados sobre a sua filiação, confessaram não mais
se lembrar do nome de seus pais, como se a violência com que foram arrancados de seus meios
e o esforço em adaptar-se num novo ambiente tivessem obscurecido toda e qualquer memória
da infância na África.

66
APEBA - Processo Cível 54/1926/03, Santo Antônio de Jesus, (1888-1889).
67
APEBA - Processo Cível 54/1926/03, Santo Antônio de Jesus, (1888-1889).
68
Os viajantes eram pessoas de ambos os sexos, de classes sociais variadas, profissão e formação intelectual
diversificada, que descreveram aspectos do Brasil, através de crônicas, relatos de viagem, correspondência,
memórias, diários, álbuns de desenhos. SILVA, Leonardo Dantas. Viajantes: a paisagem vista por outros
olhos. Ciência &Trópico, Recife, v.28, n.2, p.249-260, jul./dez. 2000.
69
MATTOSO, Kátia de Queirós. O filho da escrava: em torno da Lei do Ventre Livre. Revista brasileira de
História. São Paulo. V. 8 nº 16, PP. 37-55, mar. 88. Agosto de 1888. p. 40. Ver DUGRIVEL, C.M.A. Des bordes
de La Saône à la baie de San Salvador ou promenade sentimentale en France et au Brésil. Paris: Lacour, 1843.
70
A presença de viajantes estrangeiros e seus relatos publicados sobre o Brasil datam do século XVI. Existem
mais de 260 obras, em várias línguas, onde os autores falam dos habitantes, vida social, usos e costumes, fauna,
flora e outros aspectos da antiga colônia portuguesa, principalmente durante o século XIX, depois que Dom João
VI decretou abertura dos portos brasileiros, em 1808. Com abertura dos portos houve um incremento da navegação
e o consequente aumento da presença estrangeira no país. Fonte: GASPAR, Lúcia. Viajantes (relatos sobre o
Brasil, século XVI a XIX). Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em:
<http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/>. Acesso em: 09 de maio 2013.
34

As crianças escravas começavam a trabalhar desde cedo, desempenhando atividades


diversas. Aos sete e oito anos de idade iniciavam uma nova vida, começando a fazer trabalhos
mais pesados e regulares. A condição de criança não livrava os “escravinhos” dos maus tratos:
eram castigados, separados de suas famílias e trabalhavam duro. Após a Lei do Ventre Livre, a
situação não melhorou, pois muitos senhores abandonavam os filhos de suas escravas e as mães
eram alugadas como amas de leite. Porém, analisando a Lei 2.040 de 1871, Mattoso aponta que
aos oito anos de idade a criança negra já tinha dado provas de suas capacidades. Até os 21 anos,
são treze anos de trabalho, que nenhuma indenização oferecida pelo governo podia
compensar.71
Isabel Cristina Reis ainda aponta que, apesar do controle exigido pela lei, era do
conhecimento de todos que os ingênuos viviam, “em quase sua totalidade, na mesma condição
servil como os demais cativos”. Sua mão de obra continuou sendo utilizada como se ainda
fossem cativos. Muitos foram alvos de transações comerciais ilegais e muitos outros tiveram
sua condição de ingênuo negada através da fraude de documentos.72 E ainda, quando não era
do interesse do senhor manter o ingênuo sob sua tutela, ele simplesmente o abandonava.
O pedido de desistência de tutoria feito por João Francisco e Silva em 9 de agosto de
1888, ou seja, após a lei de 13 de maio, trata da sua responsabilidade de tutor sobre Maria de 9
anos e Margarida de 10 anos, ambas filhas da escrava de nome Valentina. João Francisco
também alegava que as duas meninas viviam frequentemente na casa da mãe, portanto, ele não
desejava mais ser o tutor delas:

Diz João Francisco da Silva, que tendo assinado, em 09 de Agosto do ano


1888, a tutela das menores Maria com 09 anos e Margarida com 10 anos,
mediante a soldada anual de 25$000 cada uma. Quer desistir da mesma tutela
visto que as duas meninas vivem frequentemente na casa da mãe. Portanto não
desejo mais ser o tutor delas [...].73

Possivelmente, pelo fato de já se ter proclamado a abolição da escravatura em 13 de


maio de 1888, a ex-escrava Valentina não estivesse mais sob os poderes do senhor. Talvez a
ex-escrava estivesse morando em um local fora da propriedade de João Francisco e que,
provavelmente, ao deixar a casa do seu senhor, Valentina tenha levado consigo as suas duas

71
MATTOSO. Op. Cit. p. 44.
72
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2007. p.260.
73
APEBA - Processos Cíveis 20593/38/13449- (1888-1889)
35

filhas, Maria e Margarida, pois, sem dúvida, seria muito difícil para essa mãe alcançar a
liberdade e continuar vivendo longe das suas filhas.
Esse caso demonstra a tentativa de manutenção do poder senhorial, após a libertação
das meninas. Ora, após obter sua liberdade, acreditamos que Maria e Margarida quisessem viver
juntas com sua mãe, caso contrário elas permaneceriam na companhia de João Francisco. A
documentação não revela, mas é provável que, após alcançar a liberdade, a ex-escrava tenha
ido morar com algum de seus familiares ou até mesmo com o pai de suas filhas, que talvez
pertencesse a outro senhor ou morasse em uma localidade próxima.
Outro tipo de drama enfrentado pela família escrava era a possibilidade da separação de
seus membros por venda ou doação. As inúmeras experiências de separação na perversa ordem
que impunha a mercantilização de pessoas foram, no contexto emancipacionista, tratadas pela
legislação com o intuito de coibir tais práticas. A primeira proibição de separação da família
escrava pelo comércio, como Isabel Reis analisa, se deu com a Lei nº 1.695, de 15 de setembro
de 1869, que proibia as vendas de escravos debaixo de pregão e em exposição pública. Em seu
artigo 2°, a lei dizia que “Em todas as vendas de escravos, ou seja, particulares ou judiciais, é
proibido, sob pena de nulidade, separar o marido da mulher, o filho do pai ou mãe, salvo sendo
os filhos maiores de 15 anos”.74
Certamente, após o decreto de 1869, as discussões sobre a separação da família escrava
foram cada vez mais ganhando espaço, provavelmente em virtude da fragilidade na sua
aplicabilidade, por ter sido a mesma questão mais uma vez reafirmada com a promulgação da
Lei de 1871, que trouxe mudanças positivas para os cativos. Podemos perceber essa mudança
no exemplo abaixo, envolvendo a cativa Theresa e seus dois filhos:

Escritura de doação em causa dotes que fazem Joaquim de Souza Lemos e sua
mulher Dona Felipina Maria de Jesus a sua filha Dona Maria Rosalina de
Jesus, na pessoa de seu genro Manoel José de Souza Lemos, da escrava
Theresa, de cor preta, com 32 anos de idade, do serviço da lavoura, que
acompanham dois ingênuos de nomes Sebastião e Benedicto, e um sitio de
terras próprias no lugar, Pedra Branca, dando pelo preço e quantia de (seis
contos de réis) 6:000$000. Em 29 de Junho de 1882, na Freguesia de Santo
Antonio de Jesus [...].75

O casal Joaquim Lemos e Felipina de Jesus doou, como dote, um sítio de terras e
escravos para a sua filha Maria Rosalina. Além da doação de um sítio, com um valor de

74
REIS. Op. Cit. p. 64.
75
APMSAJ- Escritura de doação em causa dotes que fazem Joaquim de Souza Lemos e sua mulher. Livro de
Notas Escrivão de Paz 1882, p.60.
36

6:000$000, bem acima da média, se comparado às outras propriedades que aparecem na


documentação consultada, a filha do casal, conhecida como Maria Rosalina, também recebeu
dos seus pais, como dote, uma escrava de nome Theresa com dois filhos ingênuos Sebastião e
Benedicto. O fato de Theresa ter sido doada juntamente com seus filhos, pode estar relacionado
à Lei de 1871. Essa hipótese se justifica pelo seguinte artigo da respectiva lei: “§ 7.º - Em
qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade,
separar os cônjuges e os filhos menores de doze anos do pai ou da mãe”.76 A lei proibia a
separação da família escrava e também que mãe e filhos fossem vendidos separados um do
outro. Na Lei de 1869 a proibição indicava sobre a sepração de filhos menores de 15 anos, ou
seja, na Lei de 1871 a idade foi diminuida para 12 anos.

Essa mudança no critério da idade, talvez tenha ocorrido por pressão de alguns
senhores de escravos, que não queriam perder a sua “propriedade”, em plena idade produtiva,
nesse caso crianças com idade superior a 13 anos. Temos alguns documentos para Santo
Antônio de Jesus que ainda revelam preços altos, mesmo alguns anos depois, já em 1882, de
escravos na faixa etária de 12 a 15 anos de idade, como o caso do escravo Paulo, com 12 anos
de idade, “cor preta, do serviço da lavoura, (…) pelo preço e quantia de 650$000”.77 E também
a escrava Maria:

Escritura de venda e compra [...] que faz Dona Maria Marcoelmia da Fonseca
à Dona Narcisa Maria de Jesus Fonseca, da Escrava Maria, criôla, solteira, do
serviço da lavoura, com 14 anos de idade. Pela quantia de quinhentos e setenta
mil réis 570$000. Em 21 de Abril de 1882, Freguesia de Santo Antonio de
Jesus, [...]”.78

Isso revela a tensão estabelecida no complexo campo de forças que envolvia interesses
divergentes e conflitantes em torno da emancipação e fim da escravidão.
Os dois casos que se seguem são de mães escravas que foram vendidas juntamente com
as suas crias:

Escritura de venda e compra paga e quitação que faz Galdino José Vieira, à
José Viriato da Silva da Escrava Joanna, de cor preta, solteira, com 40 anos
de idade, do serviço da lavoura. Acompanhada dos ingênuos, seus filhos de
nomes Maria e Paulino, pelo preço e quantia de 500$000 réis. Na Freguesia
de Santo Antônio de Jesus, em 05 de Janeiro de 1883[...].79

76
LEI Nº 2040 de 28.09.1871 – (Lei do Ventre Livre), Artigo de nº § 7.º , 1871.
77
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação 1882 a 1891.p. 13. “Escritura
de venda e compra paga a quitação que faz Candido da Costa Reis a Antonio Lino de Souza Barrêto… Em 1882,
na Freguesia de Santo Antonio de Jesus, em 13 de Dezembro”.
78
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação 1882 a 1891.p. 10.
79
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação, 1882- 1891.p. 22.
37

A escrava Joanna foi vendida com os seus dois filhos, uma menina de nome Maria e um
Menino de nome Paulo. No documento, a escrava é declarada solteira e não consta o nome do(s)
pai(s) de seus filhos. A venda dessa família escrava foi feita em 1883, após a criação da Lei do
Ventre Livre, que em um dos seus artigos dizia: “§ 8.º - Se a divisão de bens entre herdeiros ou
sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum deles preferir conservá-lo sob seu
domínio, mediante reposição da quota, ou parte dos outros interessados, será a mesma família
vendida e o seu produto rateado [...]”.80
As escravas Marias, isso é, mãe e filha, também foram vendidas juntas:

Escritura de venda e compra paga e quitação que faz Ramiro Suriano de Sousa
a Antonio Francisco de Oliveira, das Escravas Marias, pelo preço e quantia de
525$000 réis. Na Freguesia de Santo Antonio de Jesus, em 09 de Janeiro de
1883. Escrava Maria e sua filha também de nome Maria- a primeira
matriculada com o número 1103, preta, 37 anos de idade, serviço da lavoura
e a segunda, 03 anos de idade, cor cabra, solteira, do serviço da lavoura [...].81

Após a criação da Lei do Ventre Livre, que em um dos seus artigos, já citado acima,
proibia a venda de crianças menores separadas de seus pais, intensificou-se a possibilidade dos
escravos criarem e manterem seus laços familiares. Pois, se nos três casos citados acima as
mães escravas Theresa, Joanna e Maria fossem doadas ou vendidas, separadas de seus filhos,
certamente esse seria mais um sofrimento que essas famílias de escravizados teriam que
enfrentar, além do drama maior, que era a condição de viver em cativeiro.
Além disso, a Lei de 1871 também contribuiu para gerar novas alforrias. Em 10 de julho
de 1876, Antonio José dos Santos Sampaio registrou no cartório de Santo Antônio de Jesus a
carta de liberdade de Gregoria de apenas um ano e dois meses de idade:

Concedo à minha cria Gregoria parda, idade de quatorze meses (14 meses),
filha da minha escrava Flora, nascida depois do Decreto, dos direitos, partes
que me faculta a Lei; a qual ficará desde já gozando de sua plena liberdade, e
se faltar alguma clausula, [...] pela Justiça de sua Majestade, o Imperador que
a face suplico como é de Lei, e por ser verdade passe a presente tão somente
por mim assinada, [...], Antonio José dos Santos Sampaio. São Miguel 10 de
Julho de 1876.82

80
LEI Nº 2040 de 28.09.1871 – (Lei do Ventre Livre), Artigo de nº § 8.º , 1871.
81
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação, 1882- 1891.p. 27.
82
APMSAJ - Livro de Notas (Escrivão de Paz) compra e venda 1875-1877. Carta de Liberdade da escrava
Gregoria.
38

O trecho acima deixa claro que o motivo do proprietário Antônio José dos Santos
Sampaio conceder a liberdade a Gregoria foi o fato da menina ter nascido após a promulgação
da Lei do Ventre Livre. Pois, na carta de liberdade, o mesmo cita que a menina “nascida depois
do Decreto, dos direitos, partes que me faculta a Lei; a qual ficará desde já gozando de sua
plena liberdade”.83 Provavelmente, o Decreto e a Lei que o proprietário cita, se referem à Lei
2.040 criada em 28 de setembro de 1871 que considerava livre todos os filhos de mulher
escrava nascidos a partir daquela data. Apesar de já existir uma lei de 15 de setembro de 1869,
que proibia a separação da família escrava pelo comércio, como já abordamos anteriormente.
Além disso, Gregoria era filha de Flora, também escrava de Antônio José dos Santos
Sampaio. Porém, a Lei do Ventre Livre já deixava claro que todo filho ou filha de escrava
nascido a partir daquela data seria livre, sendo assim, eles nem poderiam ser chamados de
escravos. Mas, ao serem registradas em cartório, essas crianças eram declaradas como ingênuos.
Sendo assim, era desnecessária a emissão de uma carta de liberdade, já que as mesmas eram
livres desde o ventre. Contudo, o fato de Antonio José dos Santos Sampaio ter mandado passar
a carta de alforria da pequena Gregoria nos deixou várias indagações ainda sem respostas.
Provavelmente o proprietário quizesse enfatizar ou reafirmar a liberdade de Gregoria
por algum outro motivo que nos é desconhecido. Talvez fosse filha de Antônio José dos S.
Sampaio? Ou ainda, o proprietário estivesse registrando a carta na certeza de que Gregoria iria
permanecer na sua propriedade junto à mãe por tempo indeterminado e, quem sabe,
acompanhando a escrava Flora nos seus afazeres, eximindo-se da responsabilidade de cuidar
da criança, conforme a Lei. A intenção seria, nesta hipótese, manter mãe e filha juntas, sob a
responsabilidade da mãe. Ou mesmo seria o contrário – separá-las, já que uma era livre e a outra
escrava, o que poderia abrir uma prerrogativa de venda da escrava, por exemplo.
Verificamos assim que, após a criação da Lei de 1871, aumentaram-se as possibilidades
de formação familiar para os cativos. Em virtude dessa lei, os escravos passaram a ter alguns
direitos, sendo que as disposições mais importantes desta lei foram o direito de liberdade dos
recém-nascidos, o direito de acumular pecúlio, além do direito de recorrer a uma “ação de
liberdade”, aumentando, assim, as chances de conquista da carta de alforria. Isso não quer dizer
que os cativos não compravam suas alforrias antes da Lei de 1871. Pois, como aborda Silvia

83
APMSAJ - Livro de Notas Escrivão de Paz (compra e venda) 1875-1877. Carta de Liberdade da escrava
Gregoria.
39

Lara, o número de alforriados era grande antes mesmo de 1871, e antes desse período já havia
também o acúmulo de pecúlio por parte dos escravizados.84

1.2 - O FUNDO DE EMANCIPAÇÃO E OS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADES.

Em relação ao Fundo de Emancipação, o terceiro artigo da Lei do Ventre Livre


determinou a criação de um fundo para libertação anual e gradual dos escravos. “Art. 3.º - Serão
anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem
à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação[...]”. Evidenciando o
caráter conservador dessa lei, os legisladores procuraram evitar libertações em massa que
poderiam provocar uma enorme desordem social. Optaram, pois, pela máxima de que a
liberdade, preferencialmente, deveria ser indenizada, estimulando certos comportamentos.85
A distribuição do fundo e os demais artigos da lei foram regulamentados pelo Decreto
5.135 de 13 de novembro de 1872. O fundo seria composto pela taxa de escravos, impostos
sobre transmissão de propriedade dos escravos, produto de seis loterias anuais, multas
decorrentes da lei, quotas marcadas no orçamento geral e nos provinciais e municipais e
subscrições, doações e legados com esse destino.86
A distribuição equitativa dos recursos do fundo se dava pela proporcionalidade do
número de escravos residentes em cada província e no Município Neutro. O mesmo critério
deveria ser levado em conta nas distribuições nos municípios. Em cada província e no
Município Neutro seria instituída uma Junta Classificadora de Escravos, órgão que ficaria
responsável não só pela classificação e de exclusão dos escravos de acordo com suas categorias,
mas também pela divulgação dos resultados da seleção.87
O artigo 27 do decreto de nº 5.135 de 13 de novembro de 1872, versou sobre os critérios
de classificação e exclusão para as alforrias.88 A primazia era dada às famílias, seguidas dos

84
LARA, Silvia Hunold. Campos da Violência- Escravos e Senhores na Capitania do Rio de Janeiro 1750-1808.
Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1988.
85
DAUWE, Fabiano. “A libertação gradual e a saída viável: os múltiplos sentidos da liberdade pelo fundo de
emancipação de escravos” (dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2004).
86
SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os bastidores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista
de História, 1, 2 (2009), pp. 18-39 http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf.
87
Idem, Ibidem, p. 25.
88
SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os bastidores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista
de História, 1, 2 (2009). O Decreto de nº 5.135, 13 /11/1872 aprovava a regulamentação geral para a execução da
lei 2.040. Tratava primeiro dos procedimentos relativos aos ingênuos em consequência da lei e, em seu segundo
capítulo, sobre o Fundo de Emancipação.
40

indivíduos. Dentre os escravos com famílias constituídas, os seguintes critérios deveriam ser
respeitados. Sendo assim, o impacto da Lei 2.040 de 1871 se direcionou para o potencial de
organização de novas famílias escravas, por ser a família o primeiro critério de classificação
para as alforrias pelo Fundo de Emancipação: 1) cônjuges escravos de diferentes senhores;
2)cônjuges com filhos nascidos livres em virtude da lei e menores de oito anos; 3) cônjuges
com filhos menores de 21 anos; 4) cônjuges sem filhos menores; 5) mãe ou pai com filhos
livres; 6) as mães solteiras com filhos menores; 7) os de 12 a 50 anos de idade, começando
pelos mais moços do sexo feminino e pelos mais velhos do sexo masculino.89
Em Santo Antônio de Jesus, no dia 28 do mês de Abril de 1882, José Dias Barrêto
nomeou e constituiu como seu bastante procurador na cidade da Bahia e Geral o negociante
José Joaquim Magalhães, especialmente para assistir à avaliação do seu escravo Vicente, casado
com pessoa liberta, e assinar a Carta de Liberdade do mesmo, além de receber a importância da
mesma liberdade na cidade de Nazaré da Tesouraria da Fazenda da Bahia.90
Um dos critérios que pode ter facilitando a classificação do escravo Vicente junto ao
Fundo de Emancipação era o fato dele ser casado. Isabel Cristina Reis, ressalta em seu trabalho
que avisos posteriores ao Decreto 5.135, de 31 de novembro de 1872, garantiam a prioridade
de alforria ao cativo casado com pessoa livre ou liberta.91 Pois, para um escravo casado, as
possibilidades de conseguir a alforria pelo Fundo eram maiores do que para um escravo solteiro,
isso devido aos próprios critérios especificados pelo Fundo, que já citamos acima. Além disso,
o fato do escravo Vicente ser casado com pessoa liberta, assim como outros casos que
discutimos ao longo do texto, vem reforçar a ideia de que os escravizados também mantinham
relações familiares com pessoas libertas, ou seja, com pessoas de estatutos jurídicos diferentes.
Para o restante das situações, ou seja, para os escravos que não eram casados perante a
igreja católica, se ordenavam que fossem libertados as mães ou os pais com filhos livres, depois
os escravos de doze a cinquenta anos de idade, iniciando-se pelos jovens do sexo feminino e
pelos mais velhos do sexo masculino. Na ordem da emancipação das famílias e dos indivíduos,
dava-se preferência aos escravos que apresentassem algum pecúlio. 92 Este critério facilitou,
bem como estimulou, de certa forma, a acumulação de pecúlio por parte de escravos. Uma das

89
LEI Nº 2040 de 28.09.1871 – (LEI DO VENTRE LIVRE), Tal decreto aprovava a regulamentação geral para
a execução da lei 2.040. Tratava primeiro dos procedimentos relativos aos ingênuos em consequência da lei e, em
seu segundo capítulo, sobre o Fundo de Emancipação. O artigo 27 do decreto de nº 5.135 de 13 de novembro de
1872.
90
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escravo Vicente alforriado pelo Fundo de Emancipação.
91
REIS. Op. Cit. p.196.
92
SANTANA NETO, José Pereira de. A alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia
(1871-1888). Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2012, p. 39.
41

formas que revelam as iniciativas dos escravos para se apropriarem da lei, foi a quantidade
expressiva observada de pecúlios apresentados à junta com o intuito de melhorarem a suas
posições na fila.
No dia 26 de maio de 1882, compareceu no cartório de Santo Antônio de Jesus como
outorgante Aniceto Pereira Ribeiro nomeando e constituindo como seu bastante procurador, na
cidade da Bahia e Geral, o negociante José Joaquim Magalhães.
O motivo da procuração era especialmente para receber, da Tesouraria da Fazenda da
Bahia, a quantia de duzentos e dez mil réis (210$000), restantes da liberdade da sua escrava
Belmira, que fora alforriada pelo Fundo de Emancipação da cidade de Nazaré, pela quantia de
quinhentos mil réis (500$000). Aniceto Pereira Ribeiro, o proprietário da cativa Belmira,
declarou na procuração que já havia recebido “ele outorgante, […] da mesma escrava a quantia
de duzentos e noventa mil réis (290$000)”, enquanto requeria o que fosse necessário, “receber
a mesma importância de duzentos e dez mil réis (210$000) da quitação”.93
A alforria da cativa Belmira se deu através do Fundo de Emancipação pelo valor
de 500$000. Porém, a maior parte desse valor, 290$000, foi pago com o pecúlio de contribuição
da própria escrava. Apesar de Belmira ter contado com o auxílio do Fundo para alcançar a
liberdade, a própria escrava também já vinha se esforçando para juntar pecúlio referente à
compra da sua alforria.
José Neto Santana salienta que é possível inferir, a partir dos requisitos que habilitavam
um aspirante à liberdade por meio do Fundo, que a legislação emancipacionista legitimava as
visões senhorias do “bom escravo”: disciplinado e trabalhador, que não tivesse histórico de
participação em rebeliões e fugas dos domínios de seus senhores, nem passagens pela polícia e
justiça, além de não ter o costume de dedicar-se à embriaguez e aos vícios dela decorrentes. Os
escravos que fossem dotados de todas essas características e fossem casados, pais de família ou
solteiros portadores de alguma soma em dinheiro, seriam classificados pelas juntas.94
Aos 29 dias do mês de Agosto de 1882, em Santo Antônio de Jesus, o proprietário
Manoel Nunes de Souza nomeava e constituía como seu bastante procurador, na cidade da
Bahia e Geral, os negociantes Moraes e Farias:

Especialmente para que em meu nome dele outorgante como se presente fosse
para receber da Tesouraria Geral desta província a quantia de seiscentos e
quarenta mil réis (640$000), descontando o pecúlio de dez mil réis (10$000),
por quanto foi alforriado no dia cinco de maio do corrente ano, pela Quota do

93
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escrava Belmira alforriada pelo Fundo de Emancipação.
94
SANTANA NETO. Op. Cit. p. 39.
42

Fundo de Emancipação da cidade de Nazaré, seu escravo Ignacio, de cor


parda, com 47 anos de idade. Casado com a liberta Romana, e avaliado por
seiscentos e cinquenta mil réis 650$000.95

Provavelmente, o fato do escravo Ignacio ser casado com a liberta Romana tenha
contribuído de forma positiva para sua classificação no Fundo de Emancipação, pois um dos
principais critérios de classificação se referiam à família. Não sabemos se Romana, a esposa de
Ignacio, também conquistou a liberdade através do Fundo ou se ela pagou pela sua própria
alforria.
Se assim o fez, talvez tenha contado com a ajuda do seu esposo, e também de familiares
e amigos para comprar a sua alforria primeiro, depois conseguir a alforria de Ignacio.
Infelizmente a documentação não nos dá mais pistas de como Romana saiu da condição de
escrava para liberta. Porém, a historiografia da escravidão, através de vários trabalhos que
abordam a temática da família escrava, tem mostrado evidências das redes de ajuda mútua que
se estabeleceram entre escravos e seus familiares na mesma condição de cativeiro ou já libertos.
Além disso, Ignacio conseguiu juntar uma pequena parte do pecúlio para comprar a sua
alforria. Pecúlio esse, provavelmente conquistado com muito esforço e trabalho, ou até mesmo
através de laços mais estreitos, representados pela ajuda de familiares. Apesar do pecúlio de
Ignacio, declarado no valor de 10$000, corresponder a cerca de 1,5% do total avaliado em
650$000, pouco significativo se comparamos ao pecúlio pago por Belmira, citada acima, a
quantia que Ignacio possuía contribuiu, mesmo assim, para o Fundo de Emancipação que
também era formado pelo “pecúlio de contribuição do próprio escravo”.
Na alforria de Ignacio, o seu proprietário Manoel Nunes de Souza exigia a quantia de
640$000, descontando o pecúlio de dez mil réis, que o mesmo escravo possuía, cuja quantia,
provavelmente, já havia sido embolsado pelo seu senhor. Sendo assim, a oportunidade de
liberdade representada pelo Fundo de Emancipação foi muito importante para aqueles que não
dispunham de pecúlio suficiente para pagar por suas alforrias.
Porém, em Santo Antônio de Jesus também existiram exemplos de alforriados pelo
Fundo de Emancipação, de cativos cujo estado matrimonial não foi declarado e que não
apresentavam pecúlio. A escrava do senhor Francisco José de Melo, de nome Gertudes, de cor
preta, com 35 anos de idade, foi alforriada aos 15 dias do mês de Julho de 1882, pelo Fundo de
Emancipação. 96 Por não conter no documento qualquer dado que implicasse ser a escrava
casada, possuir família ou apresentar pecúlio, indica que, provavelmente, se tratasse de uma

95
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escravo Ignacio alforriada pelo Fundo de Emancipação.
96
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escrava Gertudes alforriada pelo Fundo de Emancipação.
43

escrava solteira. O regulamento de 13 de novembro de 1872 dizia que somente na falta de


famílias escravas no município poderiam ser libertos cativos pertencentes à ordem dos
indivíduos, que incluía os escravos solteiros e sem filhos com idades entre 12 a 50 anos. A
junta deveria tomar por base para classificação a matrícula desses cativos.97
Também foi alforriado pelo Fundo, Sabino, crioulo, escravo de Manoel Cyrillo Ribeiro,
de Antonio Francisco Ribeiro e de Dona Maria Rosa da Conceição, no dia 26 do mês de Junho
de 1882, pela quantia de quinhentos mil réis (500$000).98 Apesar de não ter sido declarado a
idade de Sabino, pelo seu valor, entedemos que ele estava em idade produtiva. Além disso, o
documento não faz nenhuma menção se Sabino era casado ou que possuía filhos. Isso indica
que, provavelmente, Sabino poderia ser classificado na 8ª Ordem (cativos solteiros entre 12 a
50 anos de idade). Além de Sabino, outros cativos também se encaixam nessa classificação,
como veremos a seguir.
Aos 07 dias do mês de Junho de 1882, na Freguesia de Santo Antônio de Jesus, Manoel
Francisco da Câmara nomeou e constituiu como seu bastante procurador, na cidade da Bahia e
Geral, o Senhor Bento José de Moura Guerra, especialmente para receber da Tesouraria Geral
da Bahia a quantia de setecentos mil réis (700$000), preço pelo qual foi alforriado pelo Fundo
de Emancipação da cidade de Nazaré, a sua escrava Severiana, de cor preta.99
Assim também, Francisco, escravo de Manoel José de Souza, foi alforriado pelo Fundo
de Emancipação no dia 31 de Maio de 1882, em Santo Antônio de Jesus, pela quantia de
quinhentos mil réis (500$000). 100 Os cativos citados acima como Sabino, Serveriana e
Francisco não se enquandram nos demais critérios de classificação do Fundo de Emancipação,
sendo os principais critérios: ser casado ou possuir filhos. Dessa forma, entendemos que esses
cativos foram classificados na ordem dos indivíduos solteiros e sem filhos.
De acordo com Isabel Cristina dos Reis, o trabalho de classificação dos cativos era de
responsabilidade de uma “junta de classificação”, composta do presidente da câmara, do
promotor público e do coletor de rendas. Porém, uma vez estabelecidos os critérios para a
classificação e posterior libertação dos escravizados, a dificuldade foi estipular a quota anual
para cada município das províncias do Império, que levava em consideração o número de
cativos existente em cada localidade.101 Questão que provocou, entre proprietários de escravos,
insatisfação geral. Para alguns a resistência residia na intervenção estatal em seu direito à

97
REIS. Op. Cit. p. 221.
98
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escravo Sabino alforriado pelo Fundo de Emancipação.
99
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escrava Severiana alforriada pelo Fundo de Emancipação.
100
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escravo Francisco alforriado pelo Fundo de Emancipação.
101
REIS. Op. Cit. p.196.
44

propriedade, demonstrando claramente certa imprevisibilidade relativa ao fim da escravidão.


Outros, contudo, que já vislumbravam o seu fim, tentavam tirar o máximo possível de vantagem
do instrumento libertador.
Assim, como proprietários, buscaram interferir na atuação do Fundo de Emancipação
para defender seus interesses. Nesse jogo de interesses individuais e sociais, os escravizados
também entraram em cena com suas estratégias para garantir a liberdade legal.
A entrada em cena dos cativos teria ocorrido de diversas maneiras, especialmente
aquelas relativas às brechas abertas pelas leis. Podemos destacar algumas atitudes adotadas a
partir da Lei 2.040, como as de acumular pecúlio, casar-se durante os trabalhos da Junta
Classificadora ou mesmo de ir residir em cidades com maiores possibilidades de classificação,
além de abrir recursos administrativos requerendo a inclusão de seus nomes, enviando petições
ao governo da Província, e estabelecer alianças com os abolicionistas. Essas eram algumas
estratégias escravas para melhorar sua situação entre as categorias prioritárias.102
Segundo Lucimar Felisberto Santos, a Lei de 28 de setembro de 1871 de fato pode ser
interpretada como uma forma de intervenção direta na relação senhor/escravo, significando,
para os senhores, a perda de certas prerrogativas, quando lhes é retirado o direito único de
concessão da alforria, e, para os escravos, a aquisição de alguns direitos. Porém, não se pode
perder de vistao principal objetivo da Lei, também observado na elaboração dos regulamentos
relativos à atuação do Fundo. Ao prever um valor indenizatório para os proprietários, preserva-
se o direito à propriedade, objetivo amplamente defendido nas arenas políticas imperiais.103
Porém, apesar da interpretação pertinente de Lucimar Felisberto Santos, de que Lei de
1871 continuou defendendo o direito dos senhores, não podemos esquecer os ganhos que essa
lei proporcionou aos escravizados, sendo um deles a conquista da liberdade através do Fundo
de Emancipação. Em Santo Antônio de Jesus também houve alforrias de escravos através do
Fundo de Emancipação, mantido por taxas pagas sobre a transmissão da propriedade dos
escravos, subscrições, donativos, legados, rendas e títulos da dívida pública, especialmente para
eles destinados, e pecúlio de contribuição do próprio escravo.104
Como já abordamos nesse capítulo, a Lei de 1871 abriu perspectivas importantes para
os escravos alcançarem a alforria no âmbito da legalidade. Em Santo Antônio de Jesus,
encontramos os cativos Anuacio, Luisa, Thomé, Rosa, Benedita e Antônio libertados pelo

102
GEBARA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil (1871-1888), São Paulo, Brasiliense, 1986, pp. 57-
60; DAUWE, Fabiano. “A libertação gradual e a saída viável”, pp. 26-27.
103
SANTOS, Lucimar Felisberto dos. Os bastidores da lei: estratégias escravas e o Fundo de Emancipação. Revista
de História, 1, 2 (2009), pp. 18-39 http://www.revistahistoria.ufba.br/2009_2/a02.pdf.
104
OLIVEIRA. Op. Cit. p.132.
45

Fundo de Emancipação somente em 1885.105 De acordo com Kátia Lorena Almeida, o uso do
Fundo de Emancipação deu-se com bastante atraso em todo o país.
Em Santo Antônio de Jesus identificamos apenas uma lista de seis escravos que foram
libertos e mais seis cartas de alforria concedidas através do Fundo de Emancipação, somando
um total de doze escravos libertos pelo Fundo. De acordo com Isabel Reis, foram libertos
através das sete quotas distribuídas pelo Fundo de Emancipação em Santo Antonio de Jesus,
um total de 20 cativos, somando um valor total das despesas de 7:410$000.106
O decreto 5.135, de 13 de novembro de 1872, estabelecia uma data para que fosse
iniciada a classificação dos cativos pelo Fundo pela junta responsável. Uma vez formada, era
de responsabilidade dos seus integrantes a classificação de todos os escravos residentes no
município, tendo por base as suas matrículas, nas quais constavam todas as informações sobre
os residentes. Essas informações eram prestadas pelos senhores no momento em que
registravam as suas propriedades nas coletorias. Os livros para classificarem os escravos seriam
enviados pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, na Corte. A junta deveria
se reunir anualmente no primeiro domingo do mês de Julho e seria anunciada por meio de
editais.107
Porém, em vários municipios os trabalhos de classificação das juntas do Fundo de
Emancipaçaõ se deram com bastante atrasso. José Neto salienta que já no ano de 1874, surgia
informações sobre a existência de problemas em diferentes localidades baianas que se
avolumavam na sala de despachos do governo da Bahia. Domingos de Souza Lima, presidente
da junta e da Câmara municipal da vila de Santo Antônio de Jesus, no recôncavo baiano,
comunicava ao governo da província que tinha marcado a primeira reunião da junta para 10 de
maio de 1874, com um ano de atraso, mas, mesmo assim não ocorreu. Justificou-se que não
existia coletor das rendas na Vila.108
Segundo José Neto, o Fiscal da Câmara Municipal, que se achava encarregado dos
trabalhos na coletoria, tinha sido demitido e não o substituíram. O presidente da junta concluía
afirmando que, como orientava o artigo 28 do decreto de 13 de novembro de 1872, a junta não
poderia funcionar sem “os três membros” e, por isso, adiou a reunião e marcou para o dia 17 de

105
APEBA - MAÇO 2594 EX. 839 DE 1885. Este documento se encontra na seção de Arquivo Colonial e
Provincial. Trata-se, portanto de uma relação de escravos libertos pela 6ª quota do Fundo de Emancipação.
106
REIS. Op. Cit. p.303.
107
SANTANA NETO. José Pereira de. A alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia
(1871-1888). Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2012, p. 38.
108
Idem. Ibidem. p. 40.
46

maio “mandando”, neste sentido, “afixar editais” informando a nova data109. Porém, apesar de
todas as dificuldades em relação ao Fundo de Emancipação, em Santo Antônio de Jesus, como
já citamos, observa-se a existência de cativos que conquistaram a sua alforria através do Fundo.
Apesar dos diversos tipos de problemas administrativos que marcaram a gestão do
Fundo e de seus limites enquanto política emancipacionista, ele fomentou a expectativa e
alimentou a esperança de muitas famílias escravas - e também os não casados ou solteiros - de
conseguirem as suas alforrias naqueles derradeiros anos da escravidão.110
Em suma, a alforria pelo Fundo não foi uma possibilidade que atendeu a uma quantidade
expressiva de escravos nos municípios e vilas do Império, mas a sua existência gerou
expectativas diversas e provocou movimentação no meio dos escravos para se libertarem com
os recursos que eram disponíveis.111
No quadro abaixo, pode-se observar uma relação de seis escravos libertados de acordo
com a 6ª quota do Fundo de Emancipação,112 no ano de 1885 em Santo Antônio de Jesus:

Quadro Nº 01 - Escravos libertados de acordo com a 6º quota do Fundo de Emancipação.


Nome Idade Estado Indenização valor do Nome Observação
Matrimonial escravo Senhor
Anuacio 23 Casado com pessoa 500$000 Antônio
livre Nobertino
Araujo
Luisa 26 Solteira 500$000 Antônia das 06 filhos
Virgens Martins menores de 08
anos
Thomé 35 Casado com pessoa 600$000 Álvaro Teófilo
livre de Oliveira
Rosa 49 Casada com escravo 300$000 Francisco
de outro Senhor Machado da
Silva
Benedita 35 Casada com pessoa 400$000 Theodoro Dias
livre Barreto
Antônio 45 Casado com pessoa 250$000 Reginaldo José
livre da Silva
Fonte: APEBA- Maço 2594 EX. 839 de 1885.

109
Idem. Ibidem. p. 43.
110
Idem. Ibidem. p. 162.
111
Idem. Ibidem. p. 163.
112
De acordo com o regulamento, cada município era contemplado com uma cota proporcional ao número de
escravos residentes. Para a Corte, foi destinado um total de seis cotas entre o período de 1873 e 1886.
47

Conforme o quadro acima, dos seis escravos citados, cinco eram casados e uma escrava,
de nome Luisa, solteira, apesar de possuir seis filhos menores de oito anos de idade.
Provavelmente, Luisa tivesse uma relação consensual, sem a coabitação do casal, ou mesmo
não tivesse parceiro. Ou seja, segundo a indicação das fontes, essa era mais uma das
possibilidades de relações familiares, seja com relacionamentos não legitimados pela igreja
católica, ou eventuais que geravam filhos. Segundo Isabel Reis,113 observou-se que em várias
regiões do Brasil a classe proprietária declarava como “casado” apenas o cativo que tinha a sua
união matrimonial legitimada pelo ritual católico.
No quadro acima, identificamos também a existência de uma família escrava, mantidas
através de relações tecidas entre a mãe Luisa e seus seis filhos menores. O documento analisado
é datado de 1885 e apresenta os filhos de Luisa com idades abaixo de oito anos. Nesse caso, a
cativa se classificava na 2ª Ordem (escravos com filhos livres menores de 08 anos).
Provavelmente, a criança mais velha tivesse nascido em 1877. Sendo assim, as crianças não
nasceram na condição de escravas, mas na condição de ingênuos ou livres, pois elas teriam
nascido depois da Lei de 1871.
Esses escravos classificados, tiveram como escolha investir em projetos familiares. De
acordo com Lucimar Santos, constituir família poderia significar uma “ascensão social”, pois
significaria “possuir sua própria residência, ter mobílias e utensílios domésticos ou mesmo
ostentar um ofício”. Santos, ainda salienta que para atuarem na nova estrutura social que ora se
apresentava, africanos e crioulos – escravos, libertos e livres – tiveram de (re)elaborar
estratégias de sobrevivência próprias, estabelecendo novas alianças, redefinindo suas relações
com senhores e ex-senhores e com as políticas públicas, tecendo novas redes de
solidariedade.114
Em relação às novas sociabilidades e às estratégias de sobrevivência citadas acima,
observamos para Santo Antonio de Jesus que os cativos também criaram arranjos familiares
com pessoas livres. Fato que a historiadora Isabel Cristina dos Reis também evidencia em sua
obra para Salvador e também para o Recôncavo:

[...] Boa parte dos libertandos faziam parte de famílias compostas por
indivíduos com estatutos jurídicos diferentes, e que muitos dos “libertandos”
faziam parte de famílias que vivenciaram a conflituosa dualidade cativeiro-
liberdade. Eram cativos casados com pessoas livres ou libertas e escravizados
com filhos nascidos depois da Lei do Ventre Livre ou já alforriados. Eles

113
REIS. Op. Cit. 2007.
114
SANTOS. Op. Cit. p. 18-39
48

tiveram que dividir com os seus familiares não cativos as agruras impostas
pelo regime de cativeiro.115

Segundo a autora, naquela conjuntura ampliou-se a interação entre indivíduos com


estatutos jurídicos diferenciados, ligados por laços de família, parentesco, relacionamentos
afetivos e comunitários. Em nosso trabalho, também comungamos com tais argumentos da
referida autora. Pois também identificamos para Santo Antônio de Jesus relações familiares
entre pessoas de estatutos jurídicos diferentes, o que nos leva a intilular esta dissertação
“Relações familiares entre escravizados, livres e libertos”.
Dessa forma, a historiadora amplia o campo conceitual de “família escrava” para
“família negra”. Conceito esse que não utilizamos em nosso trabalho, pois o maior número das
famílias identificadas nos documentos é de pessoas cativas, além disso, na maioria dos casos,
o documento suprime a cor desses indivíduos, não nos, assim, utilizar a categoria família negra.
Observamos, também, na documentação de Santo Antônio de Jesus, a existência de
laços familiares entre escravos e pessoas livres. Temos o exemplo no quadro acima da cativa
Rosa classificada, provavelmente, na 6ª Ordem (cativos casados sem filhos menores), e os
demais cativos classificados na 1º Ordem (cativos casados com pessoas livres). São eles
Anuacio, Thomé, Antônio e a cativa Benedita, por serem todos estes casados com pessoas
livres, tinha um perfil privilegiado na classificação do Fundo de Emancipação. Sendo assim,
esse documento comprova a presença de famílias constituídas por escravos com pessoas livres.
De acordo com o que dizia a legislação do Fundo de Emancipação, o escravo seria
liberto de acordo com a cota equivalente ao município em que foi classificado, sendo a divisão
feita a partir da matrícula especial dos escravos. A preferência primeira na classificação era
dada aos escravos que tivessem família (casados ou com filhos). Neste sentido, os escravos
citados se encaixavam nesse perfil pelo fato de serem casados formalmente. Além disso, o
envolvimento de cativos com pessoas livres poderiam gerar alforrias, não só pelo Fundo de
Emancipação, mas, também, pelas maiores possibilidades de juntar pecúlio, com o auxílio de
parentes que estivessem livres do cativeiro.
Porém, apesar de encontrarmos nas fontes pesquisadas evidências de relações familiares
de escravos com pessoas livres, ainda conservamos em nossa pesquisa o termo “laços cativos”,
isso porque a documentação analisada aponta para um número maior de laços familiares entre
escravizados.

115
REIS. Op. Cit. p. 27.
49

Ainda se tratando das relações entre escravos e pessoas de estatutos jurídicos diferentes,
a historiadora Maria de Fátima Pires aborda em seu livro intitulado “Fios da Vida”, para a região
do alto sertão da Bahia, a convivência de escravos com livres pobres em seus trabalhos e nos
seus lugares de moradia. Segundo a autora, as resistências cotidianas e arranjos de
sobrevivência aproximavam experiências de escravos, forros, ex-escravos e também pobres
livres, no final do século XIX e início do século XX. O convívio de escravos e forros com
moradores locais foi também intensificado pela estreita articulação entre vilas e roças.116
Além das vilas e das roças, em Santo Antônio de Jesus as feiras se constituíam em outro
local que articulava a sobrevivência sócio-econômica regional, não só pela venda de gêneros
agrícolas, como também pela troca de notícias, contato e experiências entre os indivíduos que
circulavam pelos espaços dinâmicos das feiras.
Os espaços das feiras eram locais públicos, destinados à venda de mercadorias. Nelas
eram encontrados gêneros alimentícios, como frutas, verduras, carnes, farinha, etc, além de
remédios, roupas e outros produtos de utilidade. Na região do Recôncavo Sul existiram várias
feiras que se destacaram na Bahia e no Brasil pelas suas particularidades e especificidades
culturais, como a feira do gado em Feira de Santana, a Feira dos Caxixis em Nazaré, e a Feira
do Porto em Cachoeira.117
De acordo com Pires, as feiras não se apresentavam somente como um lugar de trocas
comerciais, mas de contato e sociabilidade de grande parte da população. Ali era possível saber
das notícias, como obter informações dos mais variados acontecimentos passados na cidade e
pequenos lugarejos vizinhos.118 As pessoas trocavam informações e tinham notícias sobre o
cotidiano daqueles que haviam casado, nascido, falecido, o escravo fugido, o senhor falido ou
enriquecido, tudo era notícia. Sendo assim, as feiras eram locais onde se desenvolviam e
fortalecim laços de solidariedade, e até mesmo amorosos.119
Além disso, as possibilidades para encontros e conversas mais intensas extendiam-se
nas roças próximas umas das outras. Ou em uma vendinha (de cachaça e doces), nos jogos, e
também em suas casas, as conversas, amizades e encontros amorosos eram, algumas vezes,

116
PIRES, Maria de Fátima Novais. Fios da Vida: Tráfico Interprovincial e Alforrias nos Sertoins de Sima- Rio
de Contas e Caetité- BA (1860-1920). São Paulo: Annablume, 2009. p.188. Ver Também SANTANA, Napoliana.
Família e Microeconomia Escrava no Sertão do São Francisco (URUBU – BA, 1840 A 1880). Dissertação de
Mestrado História Regional- UNEB, 2012. NOGUEIRA, Gabriela Amorim. “Viver por si”, viver pelos seus:
famílias e comunidade de escravos e forros no “Certam de Cima do Sam Francisco” (1730-1790). 2011.
Dissertação (Mestrado em História Regional e Local) – Departamento de Ciências Humanas V, Universidade do
Estado da Bahia, Santo Antônio de Jesus, Bahia.
117
SANTOS, Hamilton Rodrigues dos. Vidas nas fronteiras: práticas sociais e experiências de feirantes no Recôn
avo Sul da Bahia: Santo Antônio de Jesus 1948-1971. Santo Antônio de Jesus, 2007.p. 205.
118
PIRES. Op. Cit. p. 97-98.
119
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 69.
50

embalados por sambas. 120 Provavelmente, esses seriam os vários espaços onde os cativos
estabeleciam suas sociabilidades e criavam outros laços, que poderiam ser familiares, de
amizades e também de compadrio.
Grande responsabilidade dessa aproximação devia ser proporcionada pelo contato entre
as vizinhanças e as feiras. Na feira livre de Santo Antônio de Jesus reuniam-se, ao menos uma
vez por semana, moradores das roças, sitiantes, pessoas que comercializavam a sua pequena
produção, transportada, na maioria das vezes, por animais, onde eram vendidos vários gêneros
agrícolas como feijão, farinha de mandioca, milho, além de frutas e verduras.121
Segundo Hamilton Santos, as relações sociais dos feirantes com seus pares ou com
outros indivíduos, no universo da feira e da cidade, envolviam vários aspectos da vida cotidiana
das pessoas, em um grau de intimidade, amizade, relações familiares, de compadrio e
vizinhança, ou seja, um conjunto de relações pessoais e ações estratégicas que podem ser
entendidas como um dos meios de solucionar os problemas e as dificuldades enfrentadas no
dia-a-dia.122
Apesar de o historiador Hamilton Santos analisar as relações de sociabilidades nas feiras
no século XX, observamos que no século XIX, em Santo Antônio de Jesus, as relações sociais
nas feiras eram estabelecidas com a presença marcante de pessoas escravizadas, lembrando que
a cidade possuía um percentual de mais de 20% de escravos. Sobre a história de Santo Antônio
de Jesus, o memorialista e educador Isaías Alves em Matas do Sertão de Baixo estuda a terra
que nasceu ressaltando acontecimentos que também compreendem o século XIX. Em relação
às feiras, ainda no período da escravidão, o autor menciona a presença dos negros nesses
espaços:

Em Santo Antônio de Jesus, do velho padre Mateus [...], entre os que vinham
às feiras públicas, que tomava conta da Cidade, a princípio nas sextas-feiras,
e depois aos sábados. Muitos hábitos e gestos eram; muitíssimos de filhos e
netos dos escravos africanos, entre os quais se acomodavam sem mesclar-se
[...].123

Compreendemos que, mesmo os escravizados, em sua condição de cativeiro que os


limitava, não estavam totalmente afastados e impedidos de compartilhar desse meio social tão
diversificado que eram as feiras livres. Além disso, como já nos referimos, a feira livre também

120
PIRES. Op. Cit. p. 226-227.
121
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX.
Salvador, BA: UNEB, 2002.
122
SANTOS. Op. Cit. 2007.
123
ALVES, Isaías. Matas do sertão de baixo. - Salvador- BA: EDUNEB. 2010, p. 123.
51

era um espaço propício às sociabilidades, à criação de laços de amizade e outras afetividades.


Assim, a feira em Santo Antônio de Jesus se constituiu, como nas demais, espaços importantes
para o estabelecimento de relações afetivas também entre escravizados e pessoas livres.
Walter Fraga também salienta que o fato de frequentar as feiras locais dava aos escravos
roceiros a oportunidade de ter acesso a dinheiro e a bens que não eram produzidos nos engenhos.
O autor ainda menciona que:

Nas feiras, os cativos estabeleciam relações com escravos e libertos de


engenhos vizinhos, criavam redes de amizades e comercializavam com gente
da cidade e com marinheiros dos portos que transportavam os produtos da roça
para os mercados urbanos. Essas relações poderiam ser acionadas no momento
em que decidissem fugir do domínio dos senhores.124

Silvia Lara, em seu trabalho sobre a região dos Campos dos Goitacases, na segunda
metade do século XVIII e início do XIX, identifica a circulação de escravos fora das unidades
de produção como prática comum. Segundo a autora, na documentação pesquisada aparecem
escravos que conversavam em casa de homens forros ou bebiam um pouco de aguardente antes
de continuar seu caminho ou que, até mesmo, deixavam a fazenda, passando o domingo na vila.
E ainda, algumas tarefas impostas pelos senhores implicavam, necessariamente, que os
escravos saíssem da fazenda, andando pelos caminhos e estradas.125
Percebemos então, que mesmo os escravos das áreas rurais tinham uma mobilidade
dentro desse espaço, o que poderia facilitar o estabelecimento de vínculos afetivos e de arranjos
familiares entre escravizados de diferentes propriedades e senhores e até mesmo com pessoas
livres ou libertas.
Dessa forma, compreendemos que as relações familiares e de solidariedade foram de
fundamental importância na vida dos escravizados. Mas, apesar das muitas dificuldades
impostas pelo sistema escravista, os cativos criavam e preservavam laços familiares. Nesse
sentido, entendemos que, entre outros mecanismos de resistência, a criação da Lei de 1871
impactou fortemente na luta pela preservação de novas organizações de família escrava.
Observaremos no item a seguir que, após a Lei do Ventre Livre, os negros escravizados também
puderam contar com o auxílio jurídico, para não serem apartados para longe dos seus familiares.

124
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910) -
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. P. 43.
125
LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 235.
52

CAPÍTULO II
2. FORMAS DE PARENTESCO SOB O JUGO DO CATIVEIRO

Os estudos sobre família tiveram, de início, como lugar privilegiado de análise, a


Europa, principalmente Inglaterra e França, a partir do século XVI, e restringiam-se às
genealogias, quase sempre de grupos da elite. Porém, a vida familiar da grande massa da
população não era contemplada. Foi a partir do desenvolvimento da demografia histórica,
basicamente francesa, na década de 1950, com a utilização dos registros de batizado, casamento
e óbito, e a criação de técnica de reconstituição de famílias, que os primeiros resultados
surgiram em Paris, com o historiador Michel Fleury, que em 1956, inseriu na historiografia uma
metodologia específica para o tratamento das fontes paroquiais. A partir daí, surgiram os
primeiros estudos de casos e trabalhos monográficos sobre família.126
Porém, a historiadora Sheila de Castro Faria ressalta que, ao estudar-se sobre família, é
importante fazer uma ressalva sobre o conceito de família. 127 Atualmente, no vocabulário
erudito ocidental, o termo, num sentido restrito, está ligado às relações biológicas, com ênfase
no trinômio pai, mãe e filhos, e vinculado à coabitação. No entanto, outra constatação é a
diversidade de tipos ou composição das famílias. Em relação ao Ocidente cristão, inexistiu um
sistema familiar único. A diversidade caracterizou a história da família ocidental, embora
alguns traços comuns possam ser identificados.
Nas análises historiográficas sobre família no Brasil, podemos observar que a família
sempre dava aos homens e mulheres estabilidade ou movimento, além de influir no status e na
classificação social dos indivíduos. A identificação de uma pessoa estava sempre relacionada
ao grupo familiar que pertencia. O termo “família” apareceu sempre ligado a elementos que
extrapolavam os limites da consangüinidade – entrelaçava-se com a coabitação e a parentela,
incluindo relações rituais e de aliança política.128

126
MOTTA, José Flávio. “Família escrava: uma incursão pela historiografia”. UNICAMP. Curitiba, 1988. p. 244.
127
FARIA, Sheila de Castro. História da Família e Demografia Histórica. In. FLAMARION, Ciro. VAINFAS,
Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997, p. 241.
128
FARIA, Sheila de Castro. História da Família e Demografia Histórica. In. FLAMARION, Ciro. VAINFAS,
Ronaldo. Domínios da História. Rio de Janeiro. Ed. Campus, 1997, p. 257. Sengundo Sheila Faria o termo família
no dicionário de Antonio de Moraes, está assim definido: “As pessoas, de que se compõe a casa, e mais
propriamente as subordinadas aos chefes, ou pais de família. Os parentes e aliados”. Silva, Antonio de Moraes.
Dicionário da língua portuguesa. Facsimile da 2ª ed. De 1813. Edição comemorativa ao primeiro centenário da
independência do Brasil. Lisboa: Typographia Lacérdina,1922.
53

2.1- ORGANIZAÇÃO FAMILIAR NOS LIMITES DA ESCRAVIDÃO

A historiografia atribuía pequeno significado à família escrava, baseando-se, sobretudo,


nos seguintes argumentos: a predominância de escravos do sexo masculino, provocando um
desequilíbrio entre os sexos que dificultava as uniões; a baixa taxa de fecundidade das cativas,
em função de vários fatores, entre os quais aqueles relacionados à própria escravidão (o
desalento em gerar um filho já privado da liberdade ao nascer); o repúdio ao cativeiro, ampliado
por práticas senhoriais arbitrárias; a falta de privacidade, materializada nas senzalas coletivas e
separadas por sexo, que constituíam grande obstáculo à organização da vida familiar.129
Autores que comungaram dessas ideias ficaram conhecidos, no campo da teoria literária
e das ciências sociais, como “a geração de 30”, cujas obras clássicas que lhe valeram esse título
foram Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire, publicado em 1933, e Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936. E também, Formação do Brasil
Contemporâneo, de Caio Prado Junior, publicado em 1942, completa este importante elenco de
“livros que inventaram o Brasil”. 130 Essas obras representaram um marco de mudança na
historiografia brasileira e que, a partir desse momento, se voltou para a redescoberta e o
entendimento do que seria o Brasil.
Por sua vez, a abordagem sobre a família escrava tem muito a ver com seu caráter
dinâmico e histórico e com a diversidade dos padrões familiares encontrados em diferentes
sociedades e culturas. Os estudos costumam discutir se a família é um fenômeno natural,
biológico ou uma instituição cultural e social. Na perspectiva das ciências sociais, a família é
compreendida como fenômeno que ultrapassa a esfera biológica e ganha significados culturais,
sociais e históricos.
Cristiane Jacinto131 discute em seu trabalho sobre a amplitude dessa categoria, o que é
acentuada por Burke, para quem família não é apenas uma unidade residencial, mas, muitas
vezes, também uma unidade econômica e jurídica. “E ainda mais importante, é uma

129
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis de. Escravidão negra em debate. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. P. 111. Ver também HOLANDA, Sérgio
Buarque de. Caminhos e Fronteiras (1º ed. 1957). 3. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. CARDOSO,
Cyro Flamarion S. Escravo ou Camponês – o protocampesinato negro nas Américas. São Paulo: Brasiliense, 1987.
130
FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal.
16. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil.18. Ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 1984. PRADO JÚNIOR, Caio. Sentido da Colonização. Formação do Brasil
contemporânea. 23. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.
131
J ACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Relações de intimidade: desvendando modos de organização familiar de
sujeitos escravizados em São Luís no século XIX. – São Luís. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão, 2005. P.31.
54

comunidade moral, no sentido de um grupo com o qual os membros se identificam e mantêm


envolvimento emocional”.132 Podemos afirmar, então, a grande importância social da família.
No Brasil, foram, sobretudo, os estudiosos da demografia histórica que agitaram a
questão, identificando numerosas famílias entre escravos. Robert Slenes e José Flávio Mota,
entre outros, depois de analisarem a população cativa em vários municípios brasileiros,
apontaram neles uma frequência expressiva de famílias escravas.133
José Flávio Motta, ao abordar o tema da família escrava, identifica na historiografia
brasileira três tendências básicas. A primeira enfatiza a inferioridade racial do elemento negro
à ação destruidora do regime escravista sobre a organização familiar e o desinteresse dos
senhores em estimular as uniões entre seus escravos. A segunda tende a enfatizar as relações
sexuais entre os senhores e suas escravas, sob a égide da promiscuidade e o predomínio da
devassidão. Cabendo à família escrava colocar-se como rara exceção.134
De início, no caso brasileiro, enfocava-se a interpretação segundo a qual pouca ou
nenhuma relevância era atribuída à família escrava, por enfatizar as relações sexuais entre
cativos em seu aspecto meramente instintivo, delineando-se um quadro de promiscuidade
generalizada. A terceira e última tendência observada, seria responsável por uma nova e
vigorosa vertente historiográfica que trazia à luz um entendimento das relações familiares entre
os cativos, pautadas na estabilidade e relativa autonomia.135 Motta, a partir de seus estudos,
identificou para o Brasil uma família cativa mais estável do que até então se pensava.
Os estudos mais recentes têm evidenciado a contínua presença de relacionamentos entre
escravos e que a família escrava teve uma relevância bem maior do que se acreditava. Família
essa que se mantinha com relativa autonomia, apesar da presença, sem dúvida muitas vezes
constrangedora, do proprietário e dos membros das muitas famílias de escravizados, lembrança
viva e permanente da existência em cativeiro. Neste sentido, a hitoriografia recente se distancia
cada vez mais daquela que duvidava da existência de relações familiares entre os cativos e
afirmava um decorrente comportamento sexual, classificado como promíscuo, construindo,

132
BURKE, Peter. História e teoria social. SP: Ed.UNESP, 2002. p. 81
133
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. MOTTA, José Flávio. Família escrava: uma incursão
pela historiografia. História: Questões & Debates. Curitiba: APAH, 9 (16): 104-159, jun. 1988. Ver também
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução Laura
Teixeira Motta. São Paulo: Companhia da Letras, 1988.
134
Sobre os estudos que ressaltam a precariedade de relações familiares e de parentesco entre cativos, ver entre
outros os trabalhos de: COSTA, Emilia Viotti da. (1989). FREYRE, Gilberto. (1975). GORENDER, Jacob. (1990);
FERNANDES, Florestan. (1978). MATTOSO, Kátia de Queirós. (2001). PRADO JÚNIOR, Caio. (1995).
FURTADO, Celso. (1976).
135
MOTTA. Op. Cit. p. 105
55

desta forma, uma imagem estereotipada do caráter libidinoso, pecaminoso, bárbaro, que
vigorou na sociedade brasileira por muito tempo.
Portanto, é de acordo com esta terceira tendência historiográfica que procuramos
analisar as relações familiares de escravos em Santo Antônio de Jesus e a importância dessas
experiências para suas vidas coidianas, afetivas e sociais, no período de 1870-1888, considerado
fundamental para a ampliação e consolidação das composições familiares e outras formas de
sociabilidade vinculadas.
Compreendemos que a vida familiar e a convivência entre parentes foram grandes
motivos que fizeram os escravizados lutarem, negociarem e também se rebelarem contra seus
senhores para que não fossem apartados para longe de sua família e parente.136 As várias formas
sociais e de afetividades construídas entre os escravos eram, sem dúvida, um consolo. Como
menciona Schwartz, para os escravos era importante não só as uniões legitimadas pela igreja
católica, como também a unidade familiar consensual vivenciada entre eles.
Stuart Schwartz destaca sobre a importância que os cativos atribuíam para as relações
familiares, ao compreender que procuravam criar formas sociais e culturais que lhes
proporcionassem apoio e consolo na vida tão miserável que viviam. Schwartz argumenta que
“a formação da família, em especial através do sacramento do matrimônio, e o nascimento
espiritual do indivíduo pelo sacramento do batismo eram dois momentos de extrema
importância para qualquer habitante do Brasil - colônia”.137 Prática que se manteve durante a
monarquia.
Já Robert Slenes138 argumenta que, para além do apoio e consolo emocional observados
por Schwartz, a família também dava para o escravizado um apoio material. Em sua obra “Na
senzala, uma flor”, Slenes lista três coisas importantes que o escravo conseguia ao casar-se: a
casa, o fogo e a roça. Segundo o autor, ao casar-se, o escravo ganhava um espaço melhor e
aquele que tinha choça separada podia ter fogo. O escravo que tinha fogo em casa tinha formas
de suplementar a sua dieta com peixes e animais que apanhava, além das rações que recebia do
senhor. O autor menciona que a vida em família dava mais sustentação para os escravos
enfrentarem a crueldade do cativeiro, pois “a família escrava provavelmente ajudou muitos
cativos a conservar sua identidade e a lidar eficazmente com as pressões psicológicas da

136
Parentesco determina as formas de sucessão e herança. É definido como o modo mais amplo de ordenar as
relações de afinidade, descendência e consanguinidade, regulando as relações entre famílias. SILVA, Kalina
Vanderlei. Dicionário de conceitos históricos. – 2. Ed. – São Paulo: Contexto, 2006. P. 137.
137
SCHWARTZ. Op. Cit. p. 310.
138
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 178.
56

escravidão”.139 O autor ainda ressalta sobre as vantagens para os cativos que tivessem uma
família, uma vez que aumentariam, dessa maneira, as chances de atingir certas finalidades
materiais e culturais, mesmo que limitadas, porém de maneira alguma desprovidas de
significado.140
No estudo desenvolvido por Manolo Florentino e José Roberto Góes na região agro-
fluminense no período de 1790-1830, a família escrava é entendida como um mecanismo que
estabelecia a “paz nas senzalas”. Florentino e Góes assinalam que as redes de parentesco
instituídas pelos cativos foram fundamentais tanto para senhores quanto para os escravos. Para
os escravos significava a possibilidade de solidariedades e, para os senhores, a pacificação de
suas escravarias.141
Porém, Slenes não compactua da opinião desses autores que consideram a família
escrava como condição estrutural de estabilidade do regime escravista. Segundo Slenes, era o
contrário, uma vez que as experiências e a criação de uma identidade entre os escravos em torno
da família contribuíam para desestabilizar o regime escravista.142
Slenes consegue perceber as limitações sofridas pela família escrava, mas também não
deixa de lado os significados que a mesma representava para os cativos. Schwartz, por sua vez,
também aborda sobre as limitações impostas às ações, escolhas e decisões dos cativos pelo
escravismo e pelo relacionamento senhor-escravo. As oportunidades de formarem famílias para
os escravos eram menores, especialmente em propriedades de pequeno porte, onde havia
poucos parceiros disponíveis ou onde podiam ser parentes consanguíneos.
Para o período colonial, Schwartz ressalta que, dado o desequilíbrio na razão entre os
sexos em muitas das pequenas propriedades, os cativos que desejassem encontrar
companheiros/as, sem dúvida encontravam dificuldade. Sendo assim, mesmo que as
propriedades apresentassem um número muito desproporcional entre homens e mulheres ou,
até mesmo, ficassem distantes umas das outras, os escravos se empenharam em criar
alternativas de fugas, entre outras estratégias, para conquistar seus afetos e/ou ficar perto de
familiares ou amigos distantes.143
Porém, com o tempo, o isolamento entre os escravos foi mudando. O autor ressalta que
também existiram em algumas regiões do Brasil, propriedades que ficavam próximas umas das

139
Idem. Ibidem. p. 180.
140
Idem. Ibidem p.180-181.
141
FLORENTINO, Manolo e GÓES, José Roberto. A paz das senzalas: famílias escravas e tráfico Atlântico. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. P. 36-37.
142
SLENES. Op. Cit. p. 48.
143
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia da Letras, 1988. p. 313.
57

outras, possibilitando, assim, um maior contato entre os negros escravizados. Como


demonstraram as revoltas do século XIX, a exemplo da revolta dos malês na cidade de Salvador
em 1835, que aconteceu em um ambiente urbano, demonstrando o poder de articulação
desenvolvida entre os cativos.144
Provavelmente, esses impasses também fizeram parte da realidade dos negros cativos
de Santo Antônio de Jesus, onde a média de escravos por cada senhor variava entre quatro a
seis escravos e havia uma maior predominância de pequenas propriedades, fato que certamente
se constituía em um dos obstáculos que dificultava a formação de famílias entre os escravos.145
Portanto, um dos nossos questionamentos é como os cativos em Santo Antônio de Jesus criavam
seus laços familiares, já que a documentação pesquisada e os autores consultados apontam para
a existência de um número de posse escravo baixo entre os senhores e para a existência de
pequenas e médias propriedades localizadas em áreas não tão próximas umas das outras.146
Mas, apesar das dificuldades e empecilhos, os cativos criavam suas estratégias de aproximação.
Para uma melhor compreensão do número de mulheres, homens e crianças em Santo
Antônio de Jesus foram consultados trinta e três inventários, correspondentes ao período de
1870 a 1888, nos quais foram arrolados uma quantidade de 102 cativos. O quadro abaixo
apresenta a média de escravos classificados de acordo com o sexo, analisando o número de
homens, mulheres e crianças.

Quadro Nº 02: Classificação de escravos por sexo, Santo Antônio de Jesus, 1870-1888.

Sexo Quantidade Percentual %

Homem 45 44,1%
Mulher 48 47,1%
Criança 09 8,8%
Total 102 100%
Fonte: APEBA- Seção Judiciário- Inventário de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.

Para Santo Antônio de Jesus, a documentação apresenta o percentual de homens de


44,1% e de 47,1% para mulheres, demonstrando uma quantidade de homens bastante

144
SCHWARTZ Op. Cit. p. 315
145
OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Recôncavo Sul: terra, homens, economia e poder no século XIX.
Salvador, BA: UNEB, 2002. p. 75.
146
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. IBGE, vol. xxi. Rio de Janeiro, 1958.
58

equilibrada em relação à quantidade de mulheres. O que significa a possibilidade de criação de


redes familiares, se considerarmos o equilíbrio entre os sexos.
O que detectamos ao longo das pesquisas é que em Santo Antonio de Jesus as redes de
informações e a capacidade de criação de vínculos afetivos entre os cativos se expandiram para
além das fronteiras das propriedades rurais de origem, seja através da livre circulação nos
espaços das feiras, por exemplo, ou de fugas ocasionais. Os negros escravizados foram capazes
de manter relações familiares e de compadrio com pessoas livres e com escravos de
proprietários diferentes.
Apesar de todos os empecilhos já citados, como a desproporção entre os sexos e a
política restritiva que limitava os horizontes sociais dos cativos que, além disso, sofriam a
intrusão direta do senhor em sua vida familiar, às vezes impondo até sua escolha na formação
de casais, houve a resistência dos escravos e a capacidade de criar e sustentar laços de
solidariedade, afetividade e de compadrio entre si, como aborda Isabel Cristina dos Reis, para
Bahia no século XIX.147 Em seu trabalho sobre família negra, a historiadora Reis, percebe não
somente estratégias, mas também os sentimentos subjacentes aos comportamentos de homens
e mulheres submetidos ao cativeiro, no intuito de criar e preservar vínculos de parentesco e de
afeto ao longo de suas vidas. 148 A autora também entende que a convivência de escravos com
os “parentes” e constituíram em elementos extremamente significativos na vida da comunidade
africana e afrodescendente.
Isabel Reis analisa não só as limitações impostas à vida familiar e afetiva dos escravos,
como também as estratégias empreendidas no sentido de preservar estas relações. A autora
investiga o tipo de vida familiar e afetiva possível ao negro submetido ao cativeiro, destacando
a importância que este atribuía à sua família e ao cultivo das relações de parentesco, sua
resistência à desagregação familiar, seus projetos, atitudes, comportamentos, papeis, valores,
costumes e sentimentos no que tange aos relacionamentos com familiares e parentes.149
Já sabemos que muitos foram os problemas enfrentados para a formação da família
escrava: as normas legais e tradicionais do casamento (africano), a vida em cativeiro, casais que
pertenciam a senhores diferentes. Schwartz aponta que a separação dos cônjuges por venda, ou
outra razão qualquer, era condenada como uma ofensa à caridade e à lei natural. Enquanto os
cativos permanecessem com suas uniões não sancionadas pela Igreja, tais restrições não podiam

147
REIS. Op. Cit. p. 91.
148
Idem. Ibidem. 2007.
149
Idem. Ibidem. 2007.
59

ser aplicadas com eficácia. Esse talvez fosse um dos motivos para os senhores não se
interessarem pelo casamento dos cativos.150
O casamento formal na Igreja não era comum entre os escravos, o que não significa que
eles não tivessem família ou que o parentesco não fosse importante em suas vidas. Em muitos
casos, na relação senhor-escravo, era mais fácil para o senhor cumprir um desejo do escravo do
que ignorá-lo, o que incluía também as uniões por escolha do próprio escravo. Isso se dava por
meio de acordos e concessões entre senhor-escravo.
A historiadora Cristiane Jacinto identifica a complexidade das formas de constituição
de famílias no mundo da escravidão no Brasil, uma vez que havia a mistura com o mundo do
escravo, dos livres e libertos. Apesar disso, vários estudos e pesquisas passaram a considerar
que o tipo familiar predominante entre os escravos era a família matrifocal, formada pela mãe
e seus filhos.151 Segundo a autora, tal constatação está pautada no fato de serem estas mais
presentes nos registros dos documentos históricos. Terezinha Bernardo, assim como Maria Inês
Oliveira, destaca que a família matrifocal encontra suas raízes na cultura africana e se
disseminou no Brasil, dadas as condições impostas pelo sistema escravista. 152 Porém, em
concordância com Jacinto, consideramos que a ausência do pai nos registros nem sempre é
sinônimo de sua ausência na vida de seus filhos.
Na documentação analisada, aparece, para Santo Antônio de Jesus, uma maioria de
escravos solteiros, que não tinham suas uniões legitimadas pela igreja. No quadro abaixo
podemos observar melhor esses números:
Quadro Nº 03: Classificação dos escravos segundo o estado matrimonial, Santo Antônio
de Jesus, 1870-1888.

Estado matrimonial Quantidade Percentual


%
Casados 09 8,8%
Solteiros 59 57,9%
Viúvos - 0%
Sem informações 34 33,3%
Total 102 100%
Fonte: APEBA- Judiciário/ Inventários de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.

150
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial, 1550-1835; tradução
Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia da Letras, 1988.
151
JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Relações de intimidade: desvendando modos de organização familiar de
sujeitos escravizados em São Luís no século XIX. – São Luís. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão, 2005. P.111.
152
BERNARDO, Teresinha. Memória em branco e negro: olhares sobre São Paulo: EDUC; Fundação Editora da
UNESP, 1998. p. 59.
60

Dos 33 inventários analisados referentes a Santo Antônio de Jesus, observa-se que, de


um total de 102 cativos referenciados, 09 eram declarados casados, representando 8,8%,
enquanto 59 (57,9%) eram declarados solteiros, e sem informações sobre o estado matrimonial
representavam 34 (33,3%). Estes dados indicam serem solteiros a maioria dos cativos
declarados entre os bens de seus senhores, o que não caracteriza que os mesmos tivessem
deixado de estabelecer relações familiares, tendo em vista que boa parte daqueles declarados
solteiros possuíam filhos.153
Apesar dos baixos índices de uniões matrimoniais na Igreja, observados nos documentos
eclesiásticos, não podemos negar a existência de vivências familiares entre aqueles que
estiveram submetidos ao regime de cativeiro. Tratava-se em muitos casos de uniões
consensuais, às vezes estáveis, entre um casal de pessoas cativas, e reconhecidas por todos154.
Em Santo Antônio de Jesus a maioria das relações familiares envolvendo escravos tomaram a
forma de uniões consensuais e, em muitos casos, sem a coabitação do casal.
Como já foi dito, é possível que esse índice revele apenas o descaso com relação à
legitimação das uniões, principalmente daquelas que envolviam escravos de propriedades
diferentes, ou a negligência na descrição da filiação paterna.
O senhor Manoel Primo Pimentel possuía uma escrava de nome Maria, de cor preta,
com dez anos de idade, pouco mais ou menos, solteira, do serviço doméstico, filha de Crispina,
matriculada na Coletoria Geral da Cidade de Nazareth em 24 de setembro de 1873, avaliada em
300$000.155 Em 1883, na partilha dos bens, a escrava Maria aparece já com 20 anos de idade,
solteira, com um filho ingênuo de nome Cyriaco.
Por ser Maria solteira e possuir um filho, pode significar que ela não tivesse uma união
legitimada pela Igreja católica, mas poderia ter um parceiro pertencente a outro senhor, já que
no inventário não está arrolado nenhum escravo do sexo masculino, fato que não desqualifica
a importância dessa família. Outro aspecto interessante é a palavra “ingênuo” (o nascido livre)
que aparece no inventário. Pela matrícula podemos notar que Cyriaco nasceu após a Lei do
Ventre Livre. E, como em muitos outros casos, Cyriaco vivia ainda na condição de escravo,
prestando serviços ao senhor da sua mãe. Outro dado importante é a informação do nome
Crispina, a mãe de Maria. Podemos perceber então mais um exemplo de uma família escrava
formada pela Avó (Crispina), a filha (Maria) e o neto (Cyriaco).

153
APEBA - Judiciário/ Relação de 33 Inventários de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.
154
REIS. Op. Cit. p.75.
155
APEBA - Inventário 04/1759/2229/16, Santo Antônio de Jesus, 1888.
61

As famílias matrifocais eram maioria em Santo Antônio de Jesus, as quais


prevaleceram sobre a nuclear em todo o período estudado. Por isso, buscamos aprofundar as
relações de afeto entre mães e filhos.
No inventário de Dona Isabella Candida de Sousa Costa, a escravizada Manoella “[...]
crioula, com 48 anos de idade, solteira, do serviço da lavoura, com valor de 200$000, visto ser
156
doente, tendo um filho ingênuo de nome Justino [...], é apresentada com preço
consideravelmente baixo, em consequência da sua condição de saúde”. Além disso, Manoella
tinha um filho ingênuo de nome Justino. Como o documento é datado de 1884, Justino deve ter
nascido após a promulgação da Lei de 1871. Porém, no inventário não é declarado o nome do
pai de Justino. Provavelmente a escrava citada acima, também não possuísse uma relação
legitimada pela igreja católica, pois é declarada solteira, apesar de ter um filho.
Outro caso semelhante, é de Delphina, também escrava de Dona Isabela Candida de
Sousa Costa: “[...] Delphina, crioula, com 53 anos de idade, solteira, do serviço da lavoura, com
dois filhos ingênuos de nomes Antonio e Agueda, por 300$00 [...]”.157 Delphina, assim como
Manoella, também é declarada solteira e tinha filhos ingênuos. Porém, apesar da escrava
Delphina ser mais velha que a escrava Manoella, a primeira possuía um valor maior, isso
porque, como declara o próprio documento, a condição de saúde de Manoella influenciava no
seu baixo preço.
Pelas fontes citadas acima, podemos perceber que a mulher chefe de família foi uma
realidade em Santo Antônio de Jesus, principalmente as mães solteiras. Essas mulheres eram
responsáveis pelo provento dos filhos.
A historiadora Kátia Mattoso observou que, para Salvador no período de 1870 a 1874,
penúltima década da escravidão, um percentual de 62% da população livre batizada era de
crianças que nasceram fora do casamento, e em 85 batismos de crianças escravas, todas eram
ilegítimas, ou seja, filhas de escravas solteiras. De acordo com Edinélia Souza, tal situação
sofrera poucas mudanças nos primeiros anos depois da abolição. Os registros de batismo e óbito
analisados pela autora permitiram perceber a margem de legitimidade e ilegitimidade entre as
crianças nascidas no município de Santo Antônio de Jesus. Entre os filhos naturais, foi
identificado que todos eles aparecem associados às mães solteiras, e em nenhum caso há
associação ao pai solteiro. Entretanto, a autora salienta que:

156
APEBA - Inventário 04/1719/2189/05, Santo Antônio de Jesus, 1884.
157
APEBA - Inventário 04/1719/2189/05, Santo Antônio de Jesus, 1884.
62

Não podemos afirmar que o número de filhos naturais esteja diretamente


relacionado à inexistência de companheiros na vida dessas mulheres. Isso
porque é possível que muitas delas estivessem envolvidas em relações de
concubinato ou uniões livres, não reconhecidas como legítimas pela Igreja
Católica.158

Nesse inventário, assim como em outros documentos, já aparecem algumas informações


básicas dos cativos, muitas delas exigidas após a criação da Lei do Ventre Livre, como aponta
o seguinte artigo: “Art. 8.º - O Governo mandará proceder à matrícula especial de todos os
escravos existentes do Império, com declaração do nome, sexo, cor, estado civil, aptidão para
o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida”. Através desses dados explicitados nos
documentos, fica mais fácil identificar se o escravo era casado ou não, e até mesmo identificar
as pessoas que faziam parte do seu universo familiar.
Após a Lei 2040 de 28 de setembro de 1871, os párocos também foram obrigados a
registrar o nascimento de todos os filhos de escravos, ainda conforme o artigo 8.º e § 5.º “Os
párocos serão obrigados a ter livros especiais para o registro do nascimento e óbitos dos filhos
de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de
100$000”. Localizamos no Arquivo da cidade de Santo Antônio de Jesus, dois livros de
registro de nascimento, do período de 1878-1886 e outro de 1877. Neles estão contidos os
registros de vários filhos de escravos da região. Além desses registros de nascimento, pudemos
também observar quem eram os pais dessas crianças, seu estado matrimonial e também
identificar algumas famílias, inferindo assim sobre as relações familiares e de compadrio dos
cativos, como está contido no registro a seguir:

Aos nove dias do mês de Novembro do ano do Nascimento do Nosso Senhor


Jesus Cristo, de 1879[...], em meu cartório compareceu Joaquim Ignácio de
Sousa Lemos, morador da Pedra Branca, lavrador. Declarou que no dia vinte
e oito de Outubro, às cinco horas da manhã, sua Escrava Lucia, casada com
também seu escravo Fabiano, Brasileiros, naturais desta Freguesia residindo
na mesma. Deu à Luz uma criança do sexo feminino, nasceu na sua residência,
sendo os avós desconhecidos, a recém-nascida foi hoje Batizada nesta
Paróquia com o nome de Teresa, sendo seus Padrinhos, Pedro Escravo de
Dona Ritta Maria Manoella, e Madrinha Nossa Senhora [...].159

158
SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Pós-abolição na Bahia. Hierarquias, lealdades e tensões sociais nas trajetórias
de negros e mestiços em Nazaré das Farinhas e Santo Antonio de Jesus (1888/1930) - Rio de Janeiro: Tese
(Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em História Social,
2012.
159
APMSAJ - Livro de Registro de Nascimento 1878-1886. P, 154. (Família escrava: pai, mãe, filha e padrinho).
63

No dia 28 de Outubro de 1879, a escrava Lúcia deu à luz uma criança do sexo feminino,
de nome Teresa, filha do seu esposo Fabiano. Talvez possamos pensar que este seja só mais um
exemplo de uma família composta pelo pai, pela mãe e a filha. Mas essa não é uma família
qualquer, pois se trata de uma família escrava, construída em circunstâncias de dificuldades e
com uma limitação imposta, que era a situação de viver em cativeiro. Os pais de Teresa eram
escravos de um mesmo senhor, de nome Joaquim Ignácio de Sousa Lemos, morador de uma
área rural chamada Pedra Branca. O casal Lucia e Fabiano tinha sua relação conjugal
provavelmente legalizada pela igreja, pois foram declarados casados.
Porém, qualquer ameaça de venda de algum dos membros poderia colocar em desespero
o sonho de viver em família para esse casal. A partir da Lei de 1871, houve um impacto na
perspectiva do potencial das novas organizações de família escrava, uma vez que a família era
o primeiro critério para a negociação de escravos. E este seria o caso da família citada acima.
Segundo a Lei do Ventre Livre, nenhum dos membros da família poderia ser vendido
separadamente. Portanto, não podemos afirmar que os senhores de escravos cumpriam
exatamente o que dizia a lei. Mas se isso viesse a acontecer, a família escrava tinha um respaldo
legal, até porque o documento citado é de 1878, após sete anos da criação da a Lei do Ventre
Livre.
Outra história parecida é a da família escrava composta por Lúcia, Florentino e Maria.
Foi uma das famílias registradas com o estado civil de casados e eram escravos de Joaquim
Ignacio de Sousa Lemos, o mesmo senhor citado no documento acima, vivendo assim, na
mesma propriedade:

Aos 04 dias do mês de Março do ano de 1877 [...], em meu cartório


compareceu Joaquim Ignacio de Sousa Lemos, brasileiro, de condição livre,
natural da Freguesia de Conceição do Almeida, lavrador [...]. E disse que no
dia 01 de Março às 04 horas da madrugada, Lucia, brasileira, Escrava dele do
declarante natural desta Freguesia do serviço da lavoura, casada com
Florentino, brasileiro, também escravo dele declarante, recebidos nesta
Paróquia, residente na Pedra Branca. Deu à Luz uma criança ingênua do sexo
feminino, que apresentou neste ato e nasceu na sua residência, ignorando ele
declarante seus Avós Paternos e Maternos, a recém-nascida foi hoje Batizada
com o nome de Maria, nesta Paróquia, sendo seus Padrinhos Vicente José de
Almeida, lavrador, moradores no Casco Grosso, e Nossa Senhora, não tendo
mais filhos de nome igual [...].160

Lúcia e Florentino, declarados casados, são exemplos de legalização da união de um


casal de escravizados, cuja iniciativa pode ter partido do próprio senhor, para incentivar a

160
APMSAJ - Livro Registro de Nascimento de 1877, (Casal de escravos Lucia e Florentino), p. 22.
64

reprodução natural da mão de obra escrava, ou ainda, pode ter sido também de interesse do
casal Lucia e Florentino legalizarem a sua união perante a igreja católica, pois, dessa forma,
eles estariam amparados pela Lei 2.040 de 1871 que condenava a separação dos cônjuges por
venda ou outra razão qualquer. Entendemos, dessa forma, que a família escrava não consistia
em um meio de pacificação da escravaria, mas um elemento de resistência por considerarmos
ser a família escrava um espaço importante para a garantia da sobreviência material, espiritual
e emocional no âmbito da escravidão, bem como um elemento que agregava ao potencial de
liberdade consubistanciada pela legislação emancipacionista, a partir do qual estimularam
muitos escravos a lutarem e se rebelarem para não serem apartados de seus familiares.
O registro a seguir é do nascimento de Felomênia, criança ingênua, nascida em 1877,
após a criação da Lei de 1871, filha da escrava Marcellina. Além, da mãe, do pai e da filha, o
documento nos fornece informações sobre outros membros dessa família:

Aos quatro dias do mês de março do ano de 1877, nesta Freguesia de Santo
Antonio de Jesus, termo da cidade de Nossa Senhora de Nazaré, província da
Bahia em meu cartório compareceu Francisco Telis dos Santos, proprietário,
residente num lugar denominado Macacos, nesta Freguesia. Disse que no dia
29 de janeiro, pelas oito horas da noite, a Escrava Marcellina, brasileira,
natural desta Freguesia, deu à luz uma criança ingênua do sexo feminino, filha
legitima de Silvestre, brasileiro, escravo dele de nascimento, do serviço de
lavoura, o qual apresentou neste ato sendo seus Avós paternos, Luisa, escrava
e maternos, Maria, também escrava. A menor nascida foi batizada no dia 15
de fevereiro, nesta Paróquia, com o nome de Felomênia. [...].161

Sobre este documento, observamos várias questões importantes. A escrava Marcellina


tinha uma relação estável com Silvestre, também escravo. Essa relação era conhecida de todos,
como declara o próprio senhor de ambos, Francisco Telis dos Santos. Da relação amorosa de
Marcellina e Silvestre nasceu um fruto, uma menina de nome Felomênia. Além do trinômio
pai, mãe e filha, essa família também era composta pela avó paterna Luisa e pela avó materna
Maria, todos vivendo na condição de escravos.162
O documento não declara se as avós de Felomênia também eram escravas do mesmo
proprietário Francisco Telis. Porém, como Silvestre era escravo de Francisco Telis desde o
nascimento, provavelmente sua mãe Luisa também fosse escrava do mesmo senhor e tenha
dado à luz seu filho Silvestre na mesma propriedade. O que pode ter se repetido com a sua nora
Marcellina que deu à luz sua neta Felomênia. E se as avós de Felomêmia fossem de proprietários

161
APMSAJ - Livro de Registro de Nascimento 1877, p. 05.
162
Desconhecemos os motivos pelos quais, nos documentos analisados, só aparecem os nomes das avós e nunca
os dos avôs.
65

diferentes, várias deveriam ser as estratégias criadas por esses cativos para manterem seus laços
familiares.
Joanna, solteira, escrava de Dona Anna Delfina Silveira de Sousa, também deu à luz a
uma criança do sexo masculino:

Aos vinte e sete dias do mês de maio do Ano Nascimento do Nosso Senhor
Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta (1870), [...], em meu cartório
compareceu José Nunes de Sousa Filho, morador no Jequitibá [...]. Declarou
que Joanna, natural desta Freguesia, solteira, escrava de Dona Anna Delfina
Silveira de Sousa, moradora no Jequitibá, lavradora, no dia vinte e sete de
Abril, deu à Luz uma criança do sexo masculino, nascido na sua residência,
sendo seus Avós desconhecidos [...].163

Joanna é mais um exemplo de relações familiares entre cativos, cujo documento faz
referência apenas à mãe e ao seu filho. Não sabemos se a mesma possuía outro vínculo familiar
com mais alguém. Esse também foi um exemplo típico de família matrifocal para Santo Antônio
de Jesus. O laço familiar entre mãe e filho caracteriza que, provavelmente, essa mãe se
encarregaria de cuidar sozinha do seu filho.
A formação das relações de família e de parentesco, assim como tudo o mais na vida
dos negros escravizados, era limitado pelo sistema escravista vigente. A vida cotidiana dos
cativos, as escolhas feitas eram continuadamente moldadas e restringidas pela penetração e pelo
poder do sistema escravista. Mesmo assim, apesar das muitas dificuldades, foi contando com a
solidariedade de parentes e familiares que muitos homens, mulheres e crianças conseguiram
conquistar a liberdade.
Percebemos através da pesquisa e das leituras sobre esse tema, que os escravos de Santo
Antônio de Jesus vivenciavam múltiplos tipos de organização das relações familiares. Enquanto
algumas famílias eram compostas apenas por mães e filhos, outras reuniam avós, netos,
padrinhos enfim, aqueles que conseguiram manter a unidade familiar, apesar da escravidão.
Observamos para Santo Antônio de Jesus que os arranjos familiares entre os cativos
foram diversificados. Houve situações em que os escravos possuíam um casamento formalizado
pela igreja católica, em outras os escravizados eram declarados nos documentos como solteiros,
mas possuíam relações consensuais, reconhecidas por todos. Houve situações em que as mães
eram quem assumiam a responsabilidade de cuidar dos filhos, sem a presença paterna. Também
existiram casos de escravos casarem com pessoas livres. Ou seja, as relações familiares entre
os negros escravizados se deram das mais variadas formas, o que vem atestar a capacidade que

163
APMSAJ - Livro de Registro de Nascimento 1878-1886. (Escrava Joanna deu a luz a uma criança do sexo
masculino), p. 210.
66

possuíam de criar arranjos familiares para além do estatuto jurídico, caracterizando, desta
forma, a importância dessas relações para sua vida e seu grupo social.

2.2 RELAÇÕES DE COMPADRIO: AMPLIAÇÃO DO PARENTESCO ATRAVÉS DO


BATISMO

Segundo Sidney Mintz e Richard Price, as culturas dos diversos grupos africanos
transportados à América pelo tráfico de escravos se transformaram para poderem se adaptar a
um novo contexto social, diferente dos contextos africanos. E, para recomporem as relações
desfeitas pelo sistema escravista, os africanos utilizaram vários mecanismos para se
ressocializarem.164
Para tanto, a utilização de formas de parentesco ritual, segundo Maria Inês C. de
Oliveira, 165 se constituiu em uma das soluções encontradas pelos africanos ao longo de seu
processo de ressocialização, para substituir os vínculos familiares desfeitos com o cativeiro.166
Paralelamente às irmandades religiosas e às famílias de santo, organizadas nas comunidades
dos terreiros, os africanos valeram-se também do compadrio como mais uma instituição
destinada a fortalecer os laços que os ligavam aos membros de sua comunidade e permitiam
tecer redes de proteção e apoio para os seus filhos.
Segundo Jonis Freire, mantendo seus padrões culturais ou reelaborando em terras
brasileiras os traços que lhes permitiam pertencer a uma identidade africana, não há dúvidas
que a experiência dos cativos africanos, bem como seu legado cultural, influenciou fortemente
as comunidades escravas, seja no interior das fazendas e dos sítios, na área rural ou urbana, no
nordeste ou no sudeste brasileiro. O autor ainda menciona que:

Os traços da herança africana, constantemente renovados pelo tráfico, se


fizeram sentir cotidianamente entre os escravos. Isto ocorreu por meio do
casamento, das práticas de nomeação e apadrinhamento de seus filhos, em sua
religiosidade, nas lutas contra a opressão senhorial e em tantas outras atitudes
tomadas por eles, na busca de um espaço de autonomia, mesmo que restrito,
dentro do sistema escravista.167

164
MINTZ, Sidney; PRICE, Richard. O nascimento da cultura Afro-Americana. Uma perspectiva antropológica,
Edição revista de 1992, trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro, Pallas - Universidade Cândido Mendes, 2003.
165
OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. Viver e morrer no meio dos seus: nações e comunidades de africanos do
século XIX. Revista da USP, n. 28, p. 185 dez. /Fev. 1995/1996.
166
Idem. Ibidem. p. 185. Parentesco ritual, através do batismo.
167
FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata Mineira oitocentista. - Campinas, SP: Tese
(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2009.
67

A instituição do compadrio foi criada pela Igreja católica e era entendida como o
momento de purificação do pecado original e baseada na vinculação espiritual entre padrinhos
e afilhados.168 Além disso, criava uma aliança entre “os pais reais e os pais espirituais”, que
passavam a se tratar como compadres e comadres. Segundo Côrtes de Oliveira, os efeitos
sociais do compadrio ultrapassavam seu significado religioso por estabelecer entre padrinhos e
afilhados, e entre compadres e comadres, direitos e obrigações que incluíam o amparo mútuo.
Manolo Florentino e José Roberto Góes compreendem que “o sacramento do batismo
foi uma oportunidade aproveitada pelos cativos para tecer laços de proteção e ajuda mútua”.169
Conforme os autores, os laços de compadrio e apadrinhamento, embora tivessem como ponto
de partida uma ligação de caráter religioso, atingiam o mundo secular e acabavam exercendo
importante papel junto à população escrava.
A relação do compadrio criava uma série de laços de parentesco espiritual entre o
afilhado ou afilhada e seu padrinho e madrinha. Para a igreja católica, o batismo representava
igualdade, humanidade e “libertação do pecado”. Entre os escravos, outros escravos, livres ou
proprietários de outros cativos serviam de padrinho. Sendo assim, o compadrio fazia parte da
rede de parentesco do escravo que ultrapassava o seu estatuto jurídico.
O compadrio pode ter sido encarado pelos cativos como uma forma de prover um
parentesco simbólico por necessitarem da formação de algum tipo de família.170 Sendo assim,
os padrinhos deveriam ser pessoas das relações dos pais que pudessem assumir a criação da
criança caso estes faltassem, mas também ajudá-la, no momento propício. Para Côrtes de
Oliveira, por esse motivo, a escolha dos padrinhos e madrinhas era sempre efetuada entre
pessoas que tivessem a mesma posição social dos pais ou superior.
Segundo Kátia Mattoso, era comum o fato dos próprios senhores terem por hábito
apadrinhar seus cativos.171 Porém, outros trabalhos que abordam sobre os laços de compadrio,
seguindo dados indicados pioneiramente por Gudeman e Schwartz, e discordando da
argumentação de Mattoso, demonstram ter sido extremamente raro o apadrinhamento de
cativos por seus senhores. Gudeman e Schwartz, trabalhando com o Recôncavo Baiano, no
século XVIII, não encontraram nenhum caso de apadrinhamento de escravos por seus

168
OLIVEIRA. Op. Cit. 1995/1996.
169
FLORENTINO, Manolo; GÓES, José Roberto. A paz das senzalas. Famílias escravas e tráfico atlântico, Rio
de Janeiro, c. 1790 – c. 1850, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997, p. 90.
170
Para os negros escravizados o compadrio teria a função de recompor simbolicamente seus “laços de família”.
OLIVEIRA, Maria Inês Côrtes de. Viver e morrer no meio dos seus: nações e comunidades de africanos do século
XIX. Revista da USP, n. 28, p. 174-193, dez. /Fev. 1995/1996.
171
MATTOSO, Kátia M. de Q. Ser Escravo no Brasil. SP, Brasiliense, 1982, p.132.
68

senhores.172 Ana Lugão Rios, analisando os batismos de cativos entre 1872 e 1888, em Paraíba
do Sul, encontrou cerca de 40% de padrinhos livres e mais de 57% de escravos, sendo os
padrinhos forros absolutamente minoritários. Ana Lugão Rios também identificou apenas
0,32% de escravos batizados por seus senhores.173
Em Santo Antônio de Jesus, a escolha de padrinhos e madrinhas se deu entre pessoas
com o mesmo estatuto jurídico dos pais da criança e também com estatutos diferentes, sendo
muito rara a incidência de casos onde o proprietário fosse ao mesmo tempo padrinho do cativo,
como podemos observar melhor no quadro abaixo:

Quadro 04: Padrinhos e madrinhas de escravos da freguesia de Santo Antônio de Jesus,


1870-1888.
Estatuto jurídico Padrinho Percentual Madrinha Percentual

Livre 21 41,2% 10 19,6%


O mesmo proprietário do/a 02 3,9% - 0%
escravo/a
Algum Santo Protetor - 0% 12 23,5%
Escravo (a) de outro proprietário 20 39,2% 18 35,3%
Escravo (a) de mesmo proprietário - 0% 02 3,9%
Liberto (a) - 0% - 0%
Indeterminado (a) 08 15,7% 09 17,7%
Total 51 100% 51 100%
Fonte- APMSAJ- Livros de Assentos de Batismo de 1877-1886

Para a região de Santo Antônio de Jesus, foi constatado que apenas em dois casos, ou
seja, 3,9% das crianças cativas, batizadas entre 1770 e 1888, foram apadrinhadas por seus
senhores. É interessante notar que, em relação às madrinhas, não houve, segundo demonstrado
na documentação de Santo Antônio de Jesus, casos de mulheres sendo proprietárias e ao mesmo
tempo madrinhas dos filhos, de sues escravizados.
Já o apadrinhamento de crianças cativas por homens livres foi 41,2% e de madrinha
livre foi bem menor, apenas de 19,6%. Considerando-se que em Santo Antônio de Jesus

172
GUDEMAN, S. & SCHWARTZ, S. Purgando o Pecado Original: Compadrio e Batismo de Escravos na Bahia
no século XVIII in REIS, João José. Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos sobre o Negro no Brasil. SP,
Ed. Brasiliense, 1988.
173
RIOS, Ana Maria Lugão. Família e Transição (Famílias Negras em Paraíba do Sul, 1872-1920). Dissertação
de Mestrado. Niterói, UFF, 1990.
69

tendiam a predominar unidades escravistas de pequeno porte, pode-se supor que esta seria uma
explicação viável para a escolha majoritária de padrinhos livres para os filhos de cativas.
Podendo haver também a pretensão de que esta divisão pudesse ser feita com homens situados
socialmente num patamar superior e que pudessem dispor de mais recursos – não só financeiros,
mas também políticos e de prestígio – para o cuidado dos afilhados.174
Observarmos para Santo Antônio de Jesus um percentual de 39,2% de padrinhos
escravos, um número bem próximo do percentual de madrinhas escravas que era de 35,3%.
Destaca-se, também, que esse número de madrinhas e padrinhos escravos correspondia a
cativos pertencentes a outros proprietários. Além disso, em 12 casos os filhos e filhas de cativos
tiveram sua madrinha substituída por Nossa Senhora. Porém, não foi identificado nenhum caso
de padrinhos ou madrinhas forros.
João Reis aborda de forma maravilhosa sobre o africano liberto e sacerdote Domingos
Sodré que chegou a ter 14 afilhados na Bahia do século XIX, dos quais nove eram escravizados
(cinco crioulos e quatro africanos) e os demais livres, sendo dois deles mestiços. 175 A
significativa participação do africano no ritual do batismo indicava que o mesmo devia esforçar-
se para manter os compromissos de proteção e promoção com os afilhados, sobretudo ajudando
os escravos a conquistarem suas alforrias, o que seria um forte ingrediente para a reafirmação
de seu prestígio na comunidade africana.176
Edinelia Souza, concordando com João Reis, salienta que nessa relação de compadrio
estabelecida através do batismo “o liberto não só ampliava alianças sociais com mães, pais e
senhores dos afilhados, além dos laços de proteção com estes, como também estendia de alguma
maneira seu compromisso com a religião hegemônica”. Sendo assim, o compadrio servia para
a construção de laços de solidariedade, expansão de redes sociais, formação de clientela, e
outras funções, inclusive para a promoção do catolicismo.177
Em relação à escolha de padrinhos, encontramos apenas dois casos entre os documentos
de registro de batismo analisados para Santo Antônio de Jesus, em que o proprietário do escravo
era padrinho de algum de seus filhos. A documentação aponta que raramente o proprietário de
escravo, era ao mesmo tempo padrinho de suas “crias”, confirmando o padrão constatado por
Gudeman e Schwartz de que os senhores resistiam em aceitavar servir de padrinhos a seus

174
BRÜGGER, S.M.J. Minas Patriarcal - Família e Sociedade (São João del Rei; Séculos XVIII e XIX). Tese de
Doutorado. Niterói, UFF, 2002.
175
REIS, João José. Domingos Sodré, um sacerdote africano: escravidão, liberdade e candomblé na Bahia do
século XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
176
SOUZA. Op. Cit. p. 160.
177
REIS. Op. Cit. p. 279.
70

próprios escravos, pela incompatibilidade existente entre este tipo de vínculo e sua autoridade
de proprietário. Além disso, para os escravizados, o compadrio teria a função de recompor
simbolicamente seus laços de família.178
No estudo de Gudeman-Schwartz sobre a região das lavouras de cana-de-açúcar no
Recôncavo baiano, foi constatado que era possível observar certos padrões na escolha de
padrinhos. Os escravos quase nunca serviam de padrinhos de crianças nascidas livres, mas, pelo
contrário, os filhos de escravos tinham padrinhos livres, libertos, como também escravos.179
Ainda segundo Stuart Schwartz, o processo pelo qual os padrinhos eram escolhidos
pelos escravos, ou pelos senhores, permanece desconhecido180. É certo que havia variações que
deixavam a iniciativa, às vezes, nas mãos do escravo e, outras vezes, nas dos senhores. Porém,
houve várias formas de escolhas dos padrinhos entre os escravos. Existiram casos em que o
filho de um escravo poderia ser batizado por outro escravo, sendo ou não pertencente ao mesmo
senhor.
Ricardo Pirola também considera ser a escolha de padrinhos e madrinhas ainda uma
problemática a ser resolvida. O autor ressalta que, em primeiro lugar, as escolhas de padrinhos
e madrinhas escravas dependeriam, certamente, de uma aprovação senhorial. Contudo, não
podemos pensar que todas as escolhas de padrinhos e madrinhas fossem decididas pelos
senhores ou que não existia lógica alguma nas relações de compadrio.181
Entre as fontes analisadas, encontramos o caso da escrava de Manoel Francisco Mattos,
chamada Maria, solteira, do serviço da lavoura, que no dia 12 de Maio de 1879 deu à luz um
filho do sexo masculino, sendo sua avó materna de nome Luisa. O menino foi batizado com o
nome de José pelos seus padrinhos Martinho e Luisa, ambos escravos de Dona Maria Joaquina
do Amor Divino:

Aos vinte e dois dias do mês de Maio, em 1879 nesta Freguesia de Santo
Antonio de Jesus, [...]. Em meu cartório compareceu Manoel Francisco
Mattos, lavrador, morador na Boa Vista, [...]. Declarou que no dia doze (12)
corrente, sua Escrava Maria, natural desta Freguesia, solteira, da lavoura. Deu
à Luz uma criança do sexo masculino, que apresentou neste ato, nasceu na sua
residência, sendo sua Avó Materna Luisa, o ingênuo foi hoje Batizado com o
nome de José nesta Paróquia, sendo seus Padrinhos Martinho e Luisa,
Escravos de Dona Maria Joaquina do Amor Divino, moradora no Taitinga
[...].182

178
S. GUDEMAN e S. B. SCHWARTZ. Op. Cit. 1988.
179
SCHWART, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes; trad. Jussara Simões. - Bauru, SP: EDISC, 2001. P.272.
180
SCHWART. Op. Cit. p. 292.
181
PIROLA, Ricardo Figueiredo. Senzala insurgente: malungos, parentes e rebeldes nas fazendas de Campinas
1832. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011, p. 126.
182
APMSAJ - Livro de Registro de Nascimento de 1878-1886, p. 85.
71

Percebemos que essa escrava não tinha uma relação matrimonial legalizada pela igreja
e, apesar de não constar no documento o nome do seu parceiro, isso não descarta a possibilidade
de que essa escrava podia ter uma relação consensual. A maioria desses relacionamentos não
eram oficialmente sancionados pela igreja católica. Muitas uniões eram consensuais, com a
coabitação do casal. A partir daí, a comunidade local reconhecia a existência desses
relacionamentos, assim como os outros escravos e também os senhores. 183 Além disso,
podemos observar uma relação familiar existente entre a mãe Luisa, a sua filha Maria e o seu
neto José.
Os padrinhos do recém-nascido José também eram escravos, ou seja, tinham a mesma
posição social de sua mãe Maria, porém eram de donos diferentes já que o proprietário da
escrava Maria era Manoel Francisco Mattos, enquanto a proprietária dos escravos Martinho e
Luisa, que batizaram José, se chamava Dona Maria Joaquina do Amor Divino. A avó de José e
a sua madrinha possivelmente fossem a mesma pessoa, considerando a semelhança dos nomes
– Luisa.
Podemos perceber que, mesmo sendo de proprietários diferentes, os escravos
mantinham relações entre si, pois os limites entre uma propriedade e outra não se constituíam
em barreiras intransponíveis para os cativos. Além disso, segundo Ricardo Pirola, o fato de
certos escravos serem escolhidos por outros parceiros de escravidão para batizarem seus filhos
demonstra consideração e o respeito que tinham dentro da comunidade em que viviam, e os
laços que foram construindo ao longo do tempo.184
Já sabemos que o compadrio fazia parte da rede de parentesco do escravizado. As
relações de compadrio podem ter sido encaradas pelos cativos como uma forma de prover um
parentesco simbólico a fim de garantirem algum tipo de amparo e proteção. Embora os
casamentos com pessoas de fora da propriedade fossem raros, os escravos eram capazes de
expandir seus laços de parentesco para além desse limite, por meio do compadrio. De acordo
com Sheila Faria, apesar do sentido religioso do compadrio, havia também ganhos nessa relação
que extrapolavam o sentido sagrado. Ele era um importante mecanismo para a criação de
solidariedades e relações sociais.185 De acordo com Herbert Klein e Francisco Luna os escravos

183
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. Histórias de vida familiar e afetiva de escravos na Bahia do século XIX.
149. ed. Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 2001.
184
PIROLA, Ricardo Figueiredo. Senzala insurgente: malungos, parentes e rebeldes nas fazendas de Campinas
1832. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011, p. 127.
185
FARIA, Sheila de Castro A colônia em movimento: Fortuna e Família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. P. 215-304.
72

não se esquivavam de usar o compadrio como tática para consolidar esses laços verticais,
especialmente com o grupo das pessoas livres de cor.186
No trecho do assento de batismo em 1877, a criança ingênua de nome José, foi batizada
por um casal de pessoas livres:

“Aos 04 dias do mês de Março do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus


Cristo de 1877, nesta Freguesia de Santo Antonio de Jesus [...], em meu
cartório compareceu Francisco José da Fonsêca, brasileiro, de condição livre,
lavrador, morador nesta Freguesia no lugar denominado Pedra Branca, [...]. E
disse que no dia 11 de Janeiro pelas 04 horas da tarde, Henriqueta, brasileira,
escrava dele do declarante, solteira, do serviço da lavoura, deu à luz uma
criança ingênua, do sexo masculino, no lugar de sua residência, sendo sua Avó
Materna a Escrava Felicidade, do serviço da lavoura, moradora na Pedra
Branca. O recém nascido foi Batizado no dia 25 de Fevereiro nesta Paróquia,
com o nome de José, sendo seus padrinhos Parcílo da Costa Ferreira lavrador,
morador na Pedra Branca e sua mulher Anna Maria de Jesus. [...]. Freguesia
de Santo Antonio de Jesus, 15 de Abril de 1877.187

No documento citado acima, a escrava Henriqueta deu à luz José e, sua mãe,
chamada Felicidade, vivia igualmente sob o cativeiro. Porém, os padrinhos de José, o lavrador
Parcílo da Costa Ferreira e sua esposa Anna Maria de Jesus eram livres, ou seja, de estatuto
jurídico diferente ao da mãe e da avó de José. Percebemos, então, uma ampliação das relações
escravas para além do estatuto jurídico. Os padrinhos, neste caso, poderiam residir em outra
propriedade ou domicílio, seja em área urbana ou rural. Não obstante fossem raros os
casamentos de escravos com escravos pertencentes a outro senhor, a capacidade que possuiam
de expandir seus laços de parentesco para além dos limites da propriedade se dava, também,
por meio do compadrio, instituição de grande importância na consolidação das sociabilidades,
levando-se em conta todos os benefícios dela decorrente para os cativos.
De acordo com o que já mencionamos sobre as relações de compadrio, elas se davam
de formas diversas, conforme foi evidenciado no registro de Maria, filha da escrava Lucia e do
escravo Florentino.188 A menina foi batizada por Vicente José de Almeida, uma pessoa livre,
que era um lavrador e morava em um local diferente, de onde residia o casal. Lucia e Florentino
eram moradores da Pedra Branca e o padrinho Vicente José de Almeida residia no Casco
Grosso, conforme documento citado anteriormente.

186
LUNA, Francisco Vidal; KLEIN, Herbert S. Escravismo no Brasil. – São Paulo: Edusp: Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2010.
187
APMSAJ - Livro Registro de Nascimento de 1877, (Criança batizada por pessoas livres), p. 06.
188
APMSAJ - Livro Registro de Nascimento de 1877, (Casal de escravos) P. 22.
73

Situação parecida foi registrada no assento de batismo de outra menina também


chamada Maria, em 1877. Observamos também, para esse caso, que a menina teve como
padrinho uma pessoa livre e Nossa Senhora como madrinha. Possivelmente, a criança teve
como madrinha uma santa talvez pelo fato dos pais não terem encontrado uma madrinha para
batizar sua filha:

Aos 04 dias do mês de Março do Ano do Nascimento de Nosso Senhor Jesus


Cristo de 1877, nesta Freguesia de Santo Antonio de Jesus, [...], em meu
cartório compareceu o Reverendo Cyrillo José Dias de Andrade, brasileiro, de
condição livre, natural da Villa de Jagoaripe, residente nesta Freguesia. E disse
que no dia 23 de Fevereiro, às 03 horas da madrugada, Escolastica, brasileira,
escrava dele do declarante, natural da Freguesia da Conceição do Almeida,
deu à luz uma criança ingênua do sexo feminino a qual apresentou neste ato,
nasceu nesta Povoação na residência dele do declarante, sendo seus Avós
Maternos Eugenia liberta, a recém nascida foi Batizada nesta Paroquia no dia
29 de Abril, com o nome de Maria, sendo seus Padrinhos, Antonio José
Cardoso, lavrador, morador no Gequitibá, e Nossa Senhora. E passa a constar
neste assentamento nesta em que assino com o declarante e testemunhas
depois de lido por mim Antonio José Camillo Filho [...].189

No dia 29 de abril de 1877, a pequena Maria, filha da cativa Escolastica foi batizada em
Santo Antônio de Jesus, tendo como padrinho um lavrador, livre, de nome Antônio José
Cardoso, e por madrinha Nossa Senhora. Esses escravizados, apesar de viverem sob o jugo do
cativeiro, mantinham relações com pessoas livres. Portanto, havia uma comunicação entre eles.
Porém, a madrinha da criança não era nenhuma escrava, mas uma santa.
A prática de substituir os padrinhos por santos de devoção ou pela Virgem era uma
fórmula encontrada para contornar a falta de um, ou de ambos os batizantes, o que foi
constatado por Gudeman e Schwartz também para a região do Recôncavo.190
Assim como Edinelia Souza observou para as cidades de Santo Antônio de Jesus e
Nazaré que a apresentação dos afilhados a Nossa Senhora, tornado-a madrinha dessas crianças,
conforme se observa nos registros de batismo, se caracterizava em ritual simbólico inserido na
tradição cristã católica, através da qual, além da proteção do padrinho humano, os batizandos

189
APMSAJ - Livro Registro de Nascimento livro de 1877, (Criança batizada por pessoa livre e Nossa Senhora),
p. 08.

S. GUDEMAN e S. B. SCHWARTZ. “Purgando o Pecado Original: Compadrio e Batismo de Escravos na


190

Bahia do Século XVIII”. In J.J. Reis (org), Escravidão e Invenção da Liberdade. Estudos sobre o Negro no Brasil.
São Paulo, Brasiliense, 1988. p. 55.
74

contavam ainda com a proteção da madrinha santa.191 Proteção material, representada por um
padrinho masculino, associada à proteção espiritual, representada pela mãe de Cristo, o que
significaria dupla força de proteção a um filho da escravidão.
Kátia Mattoso afirma que “os próprios negros africanos não se esquivam dele nem para
si próprios nem para seus filhos”. Segundo a autora “no campo, onde geralmente a comunidade
conta com maior número de homens que de mulheres, às vezes substitui-se a madrinha pela
virgem”. A cerimônia do batismo era seguida “daquela em que a criança é apresentada a Nossa
Senhora”. Tal apresentação geralmente era feita por uma mulher.192
Edinelia Souza, analisando os registros de batismo, listou que somente no mês de
novembro do ano de 1888, na igreja matriz da Freguesia de Santo Antônio de Jesus, ocorreram
70 batizados, dos quais 27 apresentaram Nossa Senhora como madrinha, através do toque à sua
Coroa durante o ritual de batismo. A historiadora menciona que os números sinalizam ainda
que em 39 batizados constava o nome do casal de padrinhos, enquanto 02 não tinham explícitos
os nomes dos padrinhos e 02 tinham padrinho e não tinham madrinha.193
Raquel Francisco observa em seu trabalho sobre a região de Juiz de Fora a ausência dos
padrinhos e das madrinhas nas cerimônias de batismo. A autora aponta que na falta de um dos
batizantes eram incorporados à cerimônia alguns santos protetores ou padrinhos espirituais
como Nossa Senhora, Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Carmo e um padrinho
espiritual, São Francisco de Paula que, segundo a autora, poderia ser o padroeiro da cidade. Na
ausência de padrinho e madrinha carnal, algumas vezes eram indicados padrinhos espirituais.194
Na análise dos registros de batismo de Santo Antônio de Jesus encontramos 12 (doze) casos em
que as madrinhas eram protetoras espirituais, nesses casos as madrinhas foram substituídas por
Nossa Senhora.
Nos documentos que dispomos sobre as relações de compadrio, não temos como saber
o estado civil dos padrinhos, a idade, a cor e a origem dos pais da criança e dos padrinhos.
Todavia, a falta de precisão das informações, referentes aos atores das relações de compadrio,
encontram-se compensadas pelas indicações sobre a qualidade do vínculo estabelecido entre os
mesmos. Os casos descritos acima mostram como o compadrio foi fundamental para ligar

191
SOUZA. Op. Cit. p. 166.
192
MATTOSO, Kátia Queirós. Família e sociedade na Bahia do século XIX. Bahia: Corrupio, 1988.
193
SOUZA. Op. Cit. p. 166.
194
FRANCISCO, Raquel Pereira. Laços da senzala arranjos da flor de maio: relações familiares e de parentesco
entre a população escrava e liberta- Juiz de Fora (1870-1900). Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, 2007. p. 86.
75

cativos pertencentes a diferentes fazendas e também para ajudar a criar uma grande rede de
parentesco entre eles.
76

CAPÍTULO III

3. OCUPAÇÕES, POSSES DE ESCRAVOS E ACESSO À TERRA NA VILA DE


SANTO ANTÔNIO DE JESUS DO SÉCULO XIX.

O Recôncavo baiano foi uma região que se destacou no século XIX como um espaço de
terras férteis que propiciaram a variedade dos cultivos agrícolas, com destaque para os cultivos
de cana-de-açúcar, mandioca e fumo, além do café.195 Também, como era comum em outras
regiões, o cultivo da lavoura era realizado através da mão de obra escrava. Muitos dos grandes
e pequenos proprietários de terra utilizavam-se do trabalho escravo para o cultivo de produtos
agrícolas para exportação, abastecer os mercados locais, bem como para a subsistência.
De acordo com Alex Costa, para conhecer os padrões de riqueza dos proprietários rurais
de Santo Antônio de Jesus no final do período escravista, é fundamental identificar as condições
de posse de escravos, bem como o uso que fizeram desses escravos e da terra que possuíam.196
Nesse capítulo, buscamos compreender o espaço do Recôncavo Sul, o perfil econômico
de suas propriedades, bem como o perfil demográfico e econômico dos senhores e da população
escrava que viviam naquelas terras, e também as práticas de comercialização de escravos no
mercado local.
Portanto, iniciaremos com uma abordagem sobre um fator importante na identificação
dos escravos, que era a sua classificação segundo a cor. De acordo com Isnara Pereira Ivo,
atualmente é consenso que a noção de brancos livres e negros escravos não se aplica para a
América portuguesa, nem para as terras de Espanha no Novo Mundo, do século XVIII. A autora
ainda salienta que:

Impossível também é estabelecer critérios objetivos para classificar, em


termos raciais, a população colonial das Américas portuguesa e espanhola.
Branco, preto, negro, mulato, pardo, cabra, mestiço ou crioulo dizem mais

195
APMSAJ- Livro de notas Escrivão de Paz 1881, P. 119. Na documentação pesquisada foram identificadas
diversas referências sobre o cultivo de café, a exemplo do documento; “Escritura de doação como dote fazem João
Neris dos Santos e sua mulher Dona Anna Maria de São José, a seu genro, Antonio Ignácio de Jesus, de um sitio
de terras próprias, com benfeitorias de caffé, casa de morar e de fazer farinha, com todos seus acessórios pela
quantia de dois contos de réis [...]”.
196
COSTA, Alex Andrade. Arranjos de sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo-Sul da
Bahia (1850-1888). Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Programa de Mestrado em
História Regional e Local, - UNEB/ Campus V, 2009. P. 35.
77

sobre a heterogeneidade cultural existente no Brasil Colônia que sobre as


especificidades “raciais” dos que aqui viviam.197

Sendo assim, Isnara Ivo ressalta que é impossível correlacionar a cor da pela à condição
social ou mesmo à condição legal de quaisquer indivíduos, já que os parâmetros de identificação
são imprecisos ou caracterizados por critérios que se desconhece. 198 Dessa forma, a autora
compreende que as categorias brancos ou negros são construções históricas que adquirem
significados específicos conforme os agentes sociais e os momentos históricos vivenciados.
Portanto, é importante salientar que as cores dos cativos declarados na documentação
podem ser relativizadas no que se refere à verdadeira pigmentação da pele, mas no que se refere
à condição legal em que todos eram cativos. Após a análise de 33 inventários de Santo Antônio
de Jesus no período de 1870-1888, identificamos uma relação de 102 cativos, classificados no
gráfico abaixo, com as seguintes cores:

Gráfico Nº 05: Classificação dos escravos em relação à cor, 1870-1888.

Cor dos Escravizados

31%
Preta
Parda

54% Cabra
Desconhecida
2%
13%

Fonte: APEBA- Judiciário/ Inventários de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.

Nos documentos analisados, aparece uma maioria de 54,0% de escravos de cor preta,
um percentual de 13,0% declarados de cor parda, apenas 2,0% registrados como pardo, e 31,0%

197
IVO, Isnara Pereira. Homens de Caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América
portuguesa. Século XVIII. – Vitória da Conquista: Edições UESB, 2012, p.253.
198
Idem. Ibidem. p. 253.
78

com a identificação da cor totalmente silenciada.199 Mas, entre os que explicitaram este dado, é
evidente uma maioria de pretos. Esses dados revelam que a maioria das famílias constituídas
entre escravizados em Santo Antônio de Jesus eram famílias mestiças.

Em sua pesquisa sobre Santo Antônio de Jesus, Edinelia Souza também identificou um
maior número de pretos e pardos, e um número mais reduzido de cabras. 200 De acordo com
Barickman, não se deve atribuir um valor absoluto às categorias que serviam para designar a
“qualidade” ou “cor” dos indivíduos. Isso porque, além dessas categorias não constituírem um
guia infalível à genealogia ou à pigmentação da pele, “[...] também não correspondem
necessariamente nem à maneira pela qual as pessoas se identificaram a si mesmas nem às
identidades que seus vizinhos lhes davam na convivência diária”.201
O autor adverte também que “pardo” equivaleria a “mulato” e indicaria algum grau de
miscigenação afro-europeia, enquanto “cabra” corresponderia a uma “cor” intermediária entre
“preto” e “pardo”, e o termo crioulo era relativo ao escravo não mestiço, de origem africana,
nascido no Brasil.
Portanto, Edinelia Souza menciona que enquanto parece mais fácil compreender o
significado do termo cabra, certamente com maior identificação com o africano ou crioulo, o
mesmo não acontece com o termo pardo. Este, mais comumente associado aos mestiços,
relaciona-se a uma multiplicidade de usos e significados existentes desde o período colonial.
Em vista da acentuada presença africana no Nordeste açucareiro, tendeu-se a usar o termo pardo
como sinônimo de mulato que seria o “meio branco, meio negro, mas diferente de ambos”.202
Porém, apesar da documentação apontar a cor dos escravizados de Santo Antônio de
Jesus, outro dado quase sempre silenciado na documentação analisada, especialmente nos
inventários, é a origem dos cativos. Mas, entre os que informam, encontramos alguns crioulos,
isto é, nascidos no Brasil. Em outros casos os escravizados são declarados como brasileiros.
Porém, para o período de 1870-1888 a documentação pesquisada não revela nenhum escravo
africano.

199
APEBA- Judiciário/ Inventários de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.
200
SOUZA. Op. Cit. p.85.
201
BARICKMAN, B. J. Até a véspera: o trabalho escravo e a produção de açúcar nos engenhos do Recôncavo
Baiano (1850-1881). Afro-Ásia, Salvador/BA, n. 21/22, FFCH/UFBA, 1998-1999, p.35.
202
SOUZA. Op. Cit. p. 90.
79

Sendo assim, buscamos, nesse capítulo, além de traçar um perfil das atividades
desenvolvidas pela população cativa de Santo Antônio de Jesus, compreender a dinâmica
econômica da região, envolvendo os valores e as práticas utilizadas para negociar escravos.

3.1- VALORES E PRÁTICAS DE NEGOCIAÇÃO DE ESCRAVOS NO MERCADO


LOCAL

Os produtos agrícolas eram transportados por estradas e caminhos, tendo como meio de
transporte os animais. Durante o século XIX, era comum o transporte de pessoas e mercadorias
em tropas de animais pelas longas e difíceis estradas em péssimas condições, na Província da
Bahia. Na segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira modernizou-se em relação aos
meios de transporte. A implantação das ferrovias facilitou as viagens, de forma que elas se
tornaram mais rápidas e rentáveis, além de representarem progresso e modernização.203
Em 7 de setembro de 1880 foi inaugurada a estrada de ferro que ligava Nazaré a Santo
Antônio de Jesus. O Tram Road partia de Nazaré, percorria sete léguas até Santo Antônio de
Jesus.204 A chegada da ferrovia favoreceu o crescimento do comércio em Santo Antônio de
Jesus e reforçou a posição privilegiada da vila na região. Além disso, houve também um maior
fluxo de pessoas na cidade, conforme análise de Oscar Santos:

O município de Santo Antônio de Jesus foi ponta de trilhos durante dez anos.
Por isso, em pouco tempo a cidade se tornou um dos principais centros
comerciais da redondeza. Outro aspecto que pode ter influenciado o
crescimento e a prosperidade de Santo Antônio de Jesus, sobressaindo-se mais
que outras cidades do Vale, foi o fato de ter sido beneficiada com a estrada de
ferro por mais tempo que outras cidades da região, tanto na inauguração,
quanto no momento de desativação.205

Esse crescimento foi provocado pela migração de inúmeras famílias, nesse caso famílias
compostas por pessoas livres, que saíam das roças para viverem na cidade, e outras pessoas que
fugiam da seca em busca de trabalho. Com a instalação da estrada de ferro, a Vila de Santo
Antônio de Jesus tornava-se um importante ponto de entrada e saída para as terras do “Sertão
de Baixo”. Segundo Isaias Alves, era comum ver os senhores proprietários seguindo em direção

203
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 66.
204
ZORZO, Francisco Antônio. Ferrovia e Rede Urbana na Bahia. Feira de Santana: UEFS. 2001.
205
SANTOS, Oscar Santana dos. Uma Viagem Histórica pelas Estradas da Esperança: representações literárias
do cotidiano, da região e da desativação da estrada de ferro Nazaré (Bahia, 1960 – 1971). 2011, p. 63.
80

a Nazaré para buscar os negros escravos, vindos de Salvador, para o trabalho braçal nas lavouras
canavieiras e nas plantações de mandioca ou fumo, além de servirem também ao trabalho
doméstico.206
De acordo com Ana Maria Oliveira, o tráfego da Estrada de Ferro de Nazaré era
movimentado, principalmente durante as três safras de exportação que mais contribuíam para a
riqueza agrícola da Bahia: o café, o fumo e o açúcar, além de outros alimentos, e também
madeiras das matas próximas. Além das melhores condições de viagem para o transporte de
passageiros e de mercadorias, devido às acomodações e a redução do tempo, a estrada de Ferro
de Nazaré favoreceu o crescimento do comércio em Santo Antônio. A Vila ainda era
beneficiada pela sua proximidade do porto de Nazaré de onde partiam os Vapores da
Companhia Baiana destinados à capital da província, realizando duas viagens semanais com
aproximadamente seis horas de duração.207
Porém, além da circulação de pessoas e mercadorias pelas vias terrestres, a historiadora
Isnara Ivo também destaca a utilização das vias fluviais, fazendo circular de uma parte a outra
os gostos e as necessidades do Recôncavo e dos sertões. A autora ainda menciona que, por terra,
os perigos não eram menores do que pelas redes fluviais: “o aproveitamento dos rios brasileiros
para a navegação, esteve sempre aquém das grandes possibilidades que parece oferecer à
primeira vista, nossa rede hidrográfica”.208
Isnar Ivo também destaca que o emprego de canoas em rios, em cachoeiras, foi o
resultado de um aprendizado do saber indígena adaptado por aqueles que precisaram destas
embarcações, apropriadas para circulação dos imprevisíveis rios e canais que cortavam várias
regiões e também os sertões da Bahia. E ainda menciona que:

A fabricação destas embarcações não apresentava tantas dificuldades. A


disponibilidade das muitas árvores grandes facilitava a confecção constante
de canoas quando se precisava. Bastava-se para isto descascar o tronco do topo
à raiz, unindo as duas pontas com ajuda de cipós que eram amolecidos junto
às fogueiras. Ao centro prendia-se um travessão de madeira para evitar o
entortamento das laterais. Esta facilidade de fabricação fazia com que os
sertanistas abandonassem suas embarcações quando não mais precisassem
delas, fabricando-as de novo se necessário.209

A autora salienta que não apenas as canoas, mas também pelotas e jangadas, foram
instrumentos usados para navegação fluvial nas artérias que interligavam várias regiões da

206
ALVES. Op. Cit. 2010.
207
OLIVEIRA. Op. Cit. 2002.
208
IVO. Op. Cit. p, 267.
209
Idem. Ibidem. p, 270.
81

Bahia.210 Compreendemos que, tanto as vias terrestres, quanto as vias fluviais foram bastante
utilizadas no período em questão do século XIX, nas mais variadas atividades.Sejam elas para
transportar pessoas ou mercadorias, dinamizando, assim, a movimentação de pessoas, culturas
e contribuindo também para o desenvolvimento econômico de várias regiões e cidades.
Tratando-se ainda da economia da vila de Santo Antônio de Jesus, além de destacar-se
pela produção açucareira, segundo Barickman, 211 as referências à sua produção agrícola no
Recôncavo Sul também estão associadas aos cultivos da mandioca, do fumo e do café, conforme
Durval Aguiar.212 A presença de engenhos é constante na documentação pesquisada, apesar de
não terem sido preponderantes, como são atribuídos à agroindústria açucareira do recôncavo
em geral.
Na documentação pesquisada aparecem os nomes de alguns engenhos, entre eles estão
o Engenho Bomfim, o Engenho Palmeira, o Engenho Oiteiro, o Engenho Sapucaia, e também
o Engenho Conceição, como podemos observar no trecho do documento de compra e venda de
“uma parte de terras próprias no Sitio Engenho da Conceição no lugar “Tabocal” [...]”.213 Além
desses engenhos citados, existiram outros engenhos na Vila de Santo Antônio, mas os nomes
não são especificados na documentação.
Em relação à dimensão das propriedades, os inventários as identificam pela expressão
“sítio de terras”, como podemos observar na transcrição do trecho de um documento de compra
e venda: “[...] um sitio de terras próprias, com benfeitorias de caffezais [...]”.214 Sítio refere-se,
normalmente, a uma propriedade rural de área modesta, frequentemente destinada à lavoura.
De modo geral, um sítio é menor que uma fazenda. Encontramos ainda outras expressões como:
“um pedaço de terras”, “uma porção” ou também uma fazenda, e um lote de terras. As fazendas
podiam ser destinadas a várias atividades, da pecuária ao cultivo de gêneros alimentícios e ao
cultivo de cana-de-açúcar, fumo e mandioca.215
Entre as expressões mais utilizadas para identificar as propriedades em Santo Antônio
de Jesus, a mais comum que aparece nos inventários são os sítios, “um Sitio de terras próprias,

210
Idem. Ibidem. p, 271.
211
BARICKMAN, B.J. Op. Cit. 2003.
212
AGUIAR, Durval V. Descrições Práticas da Província da Bahia. 2º edição. Rio de Janeiro. Brasília. 1979. p.
244.
213
APMSAJ - Escritura de venda e compra de Leopoldino José de Souza Barrêto. Livro de notas Escrivão de Paz,
1882. p. 48
214
APMSAJ - Escritura de Venda e Compra paga a quitação que fazem o Capitão Antônio Ferreira, e sua Mulher
Dona Maria Custodia Santiago. Livro de notas Escrivão de Paz 1882. p. 15
215
COSTA, Alex Andrade. Arranjos de sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo-Sul da
Bahia (1850-1888). História Regional- UNEB/ Campus V, 2009.
82

no lugar denominado Pé de Serra, pela quantia de trezentos e cinquenta mil réis [...]”,216 apesar
de aparecerem outras denominações como “partes e pedaços de terra”. As fazendas aparecem
em menor número, indicando, de fato, o predomínio das pequenas e médias propriedades na
região, o que vem reforçar a afirmação de Oliveira 217 de que mesmo as fazendas não se
assemelhavam ao porte das grandes propriedades que foram estabelecidas nas áreas de domínio
açucareiro no Recôncavo.
Em uma análise feita por Edinelia Souza, comparando as propriedades dos municípios
que compreendiam a Comarca de Nazareth, a qual inclui Santo Antônio de Jesus, não se nota
uma equivalência significativa de grandes propriedades. Entretanto, chama a atenção para o
grande número de propriedades com áreas menores a 41 hectares, o que acentua a existência de
pequenas e médias propriedades como característica fundamental da estrutura fundiária do
Recôncavo Sul baiano.218
Ao analisar uma amostra de 88 inventários correspondentes aos municípios de Santo
Antônio de Jesus e Nazaré das Farinhas, no período posterior ao nosso, compreendido entre
1889 e 1927, estes ainda apontam para a característica das médias e pequenas propriedades na
região. Edinélia Souza aponta que apenas em 14 inventários aparecem propriedades rurais
identificadas como fazendas, em 71 aparecem propriedades identificadas como sítios, parcelas
ou partes de terra e em 03 inventários não aparecem propriedades rurais. Edinelia Souza ressalta
que, infelizmente, os inventários não trazem informações sobre a cor dos inventariados, tão
pouco sobre o tamanho das propriedades. Contudo, levando em consideração o valor das
fortunas constantes nos mesmos, é possível verificar que a maioria dos casos corresponde às
médias fortunas, mais uma vez tomando como base a proposta elaborada por Kátia Mattoso
para classificar as fortunas no século XIX.219
Em Santo Antônio de Jesus, embora predominasse um número considerável de
empreendimentos agrícolas, Oliveira observa que, na região, apenas na segunda metade do
século XIX aumentou-se o plantio de cana-de-açúcar, quando em outras Freguesias, neste
período, já começava a desaparecer esse tipo de cultivo. Ou seja, o plantio da cana de- açúcar
permaneceu forte em Santo Antônio de Jesus, enquanto observava-se a diminuição da produção
canavieira em outras localidades.220

216
APMSAJ - Escritura de compra e venda paga quitação que fazem Miguel Tavares de Britto e sua mulher, a
Jannio de Souza Barreto. Livro de notas Escrivão de Paz 1882. (Citação dos Sítios), p.78.
217
OLIVEIRA. Op. Cit. 2002.
218
SOUZA. Op. Cit. p. 131.
219
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 132.
220
OLIVEIRA. Op. Cit. p. 82
83

O cultivo de cana-de-açúcar, fumo, mandioca e outros gêneros alimentícios se dava


nas pequenas e médias propriedades, não obstante a presença de pequeno número de grandes
propriedades. Nesse sentido, Santo Antônio de Jesus possuía uma agricultura para exportação
e, ao mesmo tempo, para a subsistência,221 como podemos observar no documento a seguir:

Escritura de doação como dote fazem João Neris dos Santos e sua mulher
Dona Anna Maria de São José, a seu genro, Antonio Ignacio de Jesus, de um
sitio de terras próprias, com benfeitorias de caffé, casa de morar e de fazer
farinha, com todos seus acessórios pela quantia de dois contos de réis. Em
1881, dia 08 de Fevereiro. Distrito de São Miguel, Fazenda Bom Jardim
[...].222

Tais produtos abasteciam a população local e os mercados de Salvador, os quais eram


cultivados em Santo Antônio de Jesus com a força de trabalho mais utilizada no período – a
escrava,223 base da riqueza da sociedade baiana do século XIX. Dona Antônia Maria de Sousa
possuía uma propriedade de terras com casa de morar, casa de secar café, engenho, alambique,
224
cafezais, roças de mandioca, pastos. Para cultivar os referidos produtos, além de
desempenhar outras atividades como fazer farinha de mandioca, cachaça ou rapadura,
certamente era utilizada a força de trabalho dos 20 escravos arrolados no seu inventário, sendo
todos classificados do serviço da lavoura, divididos entre homens e mulheres. Verifica-se que,
além da posse das terras e dos engenhos, muitos senhores e senhoras possuíam escravos que
eram utilizados nas mais variadas atividades. Era preciso lavrar a terra para gerar a produção
de alimentos e riquezas.
Quanto às várias formas de utilização da mão de obra servil, pode-se afirmar que
dependia dos interesses do senhor. Era ele quem definia se qualificava ou não o escravo. Eram
os interesses do proprietário que determinavam se sua “peça” iria ou não a mercado e sob que
tipo de relação de trabalho. Quanto às relações de trabalho, encontram-se os escravos
qualificados como artesãos, carpinteiros, ferreiros, pedreiros, alfaiates, ourives. O escravo de
aluguel tornou-se cada vez mais comum durante o século XIX. Segundo Maria Inês C. Oliveira,
a generalização do costume de alugar a mão de obra, ao invés de comprá-la, pode ser um fator
elucidativo das primeiras manifestações de dissolução do sistema escravista e de transição para

221
SOUZA. Op. Cit. 2012.
222
APMSAJ - Livro de notas Escrivão de Paz 1882. Escritura de doação como dote fazem João Neris dos Santos e
sua Mulher Dona Anna Maria de São José. (Citação das benfeitorias de café e farinha), p.119.
223
SOUZA. Op. Cit. 2012.
224
APEBA - Inventário 04/1719/2189/06, Santo Antônio de Jesus, 1884.
84

formas de trabalho assalariada, aceleradas especialmente a partir da perda de sua principal fonte
de renovação, com o fim do tráfico de africanos em 1850, pela lei Eusébio de Queirós.225
Outro tipo de relação de trabalho era “o escravo de ganho”. De fato, a forma mais típica
de “ganhador” parece ter sido aquela que o escravo ia para o mercado como prestador de
serviços, seja vendedor, carregador, pedreiro, carpinteiro, sapateiro, etc. A parcela apropriada
pelo senhor sobre o trabalho do “escravo de ganho” variava por depender do tipo de trabalho
que realizava. Em contrapartida, os ganhadores gozavam de uma liberdade de movimento muito
mais ampla do que os escravos domésticos e os artesãos, submetidos à vigilância direta dos
senhores.226 Sobre os escravos de ganho em Santo Antônio de Jesus, Isaías Alves descreve, em
suas memórias, a mobilidade de escravos e alugados, os quais “eram vistos pela cidade,
varrendo e levando água, carregando encomendas, servindo à casa, iam de pés descalços
[...]”.227
Vale ressaltar a importância das mulheres negras no contexto econômico e produtivo,
uma vez que estas movimentavam os centros urbanos vendendo produtos da agricultura
fornecidos por pequenos produtores do campo e produtos que elas mesmas produziam, tais
como artesanatos, quitandas e doces no geral.228 Assim, essas mulheres sobreviviam atuando
em diversas profissões, sendo lavadeiras, quitandeiras, vendedoras, amas de leite,
engomadeiras, e cozinheiras. Não se pode deixar de mencionar aquelas que faziam parte dos
trabalhos domésticos, algumas livres e outras escravas de aluguel. Nas atividades de aluguéis,
as mulheres eram exploradas por seus senhores (as) que obtinham uma renda significante,
inserindo-se, nesse aspecto, as quitandeiras que eram alugadas em benefício de seus donos.
Ou seja, entre os escravos de ganho, muitas mulheres participavam com a venda de
quitutes pelas ruas das cidades, as quais eram chamadas de “vendedeiras” ou “ganhadeiras”.229
Isnara Ivo identifica na historiografia recente da escravidão a constante presença de mulheres
no comércio ambulante, as chamadas negras de tabuleiro. Ivo salienta que, nestas atividades,
as mulheres aparecem comercializando produtos alimentícios e construindo espaços
tipicamente caracterizados como femininos.230

225
OLIVEIRA, Maria Inês de. O Liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo. 1988. p. 16.
226
Idem. Ibidem. p. 19.
227
ALVES, Isaías. Matas do sertão de baixo. - Salvador- BA: EDUNEB. 2010, p.250.
228
GOMES, Nilma Lino A mulher negra que vi de perto. Belo Horizonte: Mazza Edições, 1995.
229
FIGUEREDO, Luciano Raposo. O avesso da memória. Cotidiano e trabalho da mulher em Minas Gerais no
século XVIII. 2 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.
230
IVO, Isnara Pereira. Homens de Caminho: trânsitos culturais, comércio e cores nos sertões da América
portuguesa. Século XVIII. – Vitória da Conquista: Edições UESB, 2012, p. 269.
85

Segundo o antropólogo Antonio Risério, diferente das mulheres ricas que viviam no
conforto do interior de suas casas, a regra, para as mulheres pobres, era outra. Elas tinham de
batalhar, por serem escravas, para tentar comprar a própria alforria, para se sustentar e à sua
família. O autor ainda menciona que em A Bahia no Século XVIII, Vilhena fala, por exemplo,
das quitandas (palavra de origem banta) de Salvador, "nas quais se juntam muitas negras a
vender tudo o que trazem", de peixes a hortaliças e "carne meio assada". Fala das "negras
regateiras", negras-do-ganho ou ganhadeiras - vendedoras ambulantes, tanto cativas quanto
libertas, as primeiras trabalhando para suas senhoras.231
Em Minas Gerais, no mesmo século XVIII, como nos mostra Luciano Figueiredo em O
Avesso da Memória, como em outras regiões da América Portuguesa, o pequeno comércio era
atividade essencialmente feminina, "envolvendo mulheres pobres de variada cor", na função de
vendeiras ou de "negras de tabuleiro". Outras sobreviviam do pequeno artesanato doméstico.
Mas o que importa sublinhar é que, em nenhum dos casos, a rua era espaço a ser evitado.232 Ao
longo das ruas, essas mulheres vendiam doces, frutas, angu ou feijão, batatas-doces, sardinhas
fritas, milho assado, beiju, bolos, etc. Ou seja, os ganhadores, de modo geral, por possuírem
maior mobilidade social, tinham a oportunidade de criar instrumentos de solidariedade grupal
− dentre as quais as “juntas” para alforria foram as mais conhecidas − e, ao mesmo tempo,
preservar a tradição cultural africana.233
A maioria das fontes analisadas de Santo Antônio de Jesus aponta para a existência de
escravos que eram utilizados nos mais variados tipos de serviços, podendo ser um escravo de
ganho, da lavoura, ou do serviço doméstico, provendo, assim, a subsistência do seu senhor ao
executar as mais variadas atividades, além de garantir a própria subsistência que, muitas vezes,
resultou na acumulação de pecúlio para a compra da liberdade.
O quadro abaixo apesar de apresentar um índice de 67,6 % de escravos do serviço da
lavoura, enquanto 25,4% não são identificados nos inventários o seu ofício, podemos inferir
sobre a atuação dos mesmos em atividades outras.

231
Antonio Risério nasceu em Salvador, na Bahia, em 1953. Compositor, poeta e ensaísta, defendeu tese de
mestrado em Sociologia, na UFBA. Integrou grupos de trabalho que implantaram a televisão educativa, as
fundações Gregório de Mattos e Ondazul. Escreveu, entre outros, os Oriki orixá (Perspectiva, 1996), A utopia
brasileira e os movimentos negros (Editora 34, 2007).
232
FIGUEREDO. Op. Cit. 1993.
233
PIRES, Maria de Fátima Novais. Fios da Vida: Tráfico Interprovincial e Alforrias nos Sertoins de Sima- Rio
de Contas e Caetité- BA (1860-1920). São Paulo: ANNABLUME, 2009. p. 169.
86

Quadro Nº 06: Oficio desenvolvido pelos escravos 1870-1888.

Ocupação/ Oficio Quantidade Percentual


%
Serviço da lavoura 69 67,6%
Serviço doméstico 02 2,0%
Todo o serviço 05 5,0%
Sem informações 26 25,4%
Total 102 100%
Fonte: APEBA- Judiciário/ Inventários de Santo Antônio de Jesus 1870-1888.

Quanto ao preço dos escravos, as avaliações observadas na documentação indicam


diferenças de valores que vinculam à especialidade ou não de cada escravo. Em Santo Antonio
de Jesus, a maioria dos escravizados era do serviço da lavoura. Contudo, aprecem na
documentação escravos avaliados com um preço muito acima da média, já que a média de preço
para aquele período era de 400$000 a 650$000 réis. Porém, o fato de haver escravizados com
preços elevados, não descarta a possibilidade de haver escravos especializados ou escravos de
ganho, mesmo que a documentação não informe essa especialidade.
Baseado em autores e estudos que discutem essa questão, podemos inferir que o escravo
que fazia o serviço da lavoura também poderia ter outro ofício. Como observa Walter Fraga
para o Recôncavo “[...] um número significativo de artesãos – sapateiros, pedreiros,
marceneiros e ferreiros. Possivelmente, muitos cativos que foram listados como trabalhadores
da lavoura tivessem o domínio de algum ofício artesanal”.234
Além disso, a documentação faz referência a escravos que são classificados como de
“todo e qualquer serviço”, ou seja, poderiam praticar mais de uma atividade. A utilização da
mão de obra escrava ficava a critério do senhor, era ele quem determinava qual oficio seria mais
rentável e, portanto, poderia ser praticado por seu escravo.
Com a grande rotatividade da mão de obra escrava, os vários tipos de relação de trabalho
e a ampliação dos setores de serviços urbanos, as chances que se abriram aos indivíduos de
posses médias de realizarem investimentos lucrativos em escravos de aluguel aumentaram, de
modo a poderem complementar seus rendimentos e levarem uma vida mais folgada. Em Santo
Antônio de Jesus, o inventário de Joaquim Manoel da Silva pode servir de parâmetro para se
saber sobre o valor do escravo em relação aos demais bens avaliados do referido proprietário,
como podemos observar no quadro abaixo:

234
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910) -
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. P. 38.
87

Quadro Nº 07: Inventário de Joaquim Manoel da Silva, 1881.


AVALIAÇÃO DOS BENS
QUANTIDADE OBJETO PREÇO (Réis)
01 Casa 300$000
01 Casa 100$000
01 Cafezal 40$000
01 Cafezal 100$000
SEMOVENTES ESPÉCIE PREÇO (Réis)
01 Cavalo 60$000
01 Burro 50$000
01 Novilho 30$000
01 Vaca com cria 35$000
01 Vaca com cria 50$000
ESCRAVOS
NOME OFÍCIO PREÇO
Justino Não declarado 1.000$000
Fonte: APEBA, Inventário 04/1759/2229/13, Santo Antônio de Jesus, 1881.

Analisando o total de bens do senhor, apenas duas casas, dois cafezais, um cavalo, um
burro, um novilho e duas vacas, todos avaliados em 765$000 (setecentos e sessenta e cinco mil
réis), observamos que o escravo Justino era o bem de maior valor. Ou seja, o escravo Justino,
individualmente, possuía um valor maior do que todos os bens juntos de Joaquim da Silva.
Portanto, acerca desse fato, apesar do documento não especificar qual o ofício do escravo
Justino, levantamos as hipóteses de que, como o senhor Joaquim Manoel da Silva possuía uma
propriedade relativamente pequena, esse escravo, possivelmente, dava conta de todo o serviço
e, para complementar a sua renda, o proprietário ainda poderia alugá-lo para prestar serviços a
terceiros. Segundo Alex Costa, mesmo um único escravo já poderia ser um diferencial para a
vida de pequenos proprietários:

pois a posse de escravos não foi apenas uma necessidade para atender à
demanda interna da propriedade, ou seja, o cultivo, o trabalho doméstico ou
de ganho; o escravo se constituía para o senhor, antes de tudo, como um bem,
88

uma fortuna e, muitas vezes, o valor do escravo constituía um item de peso


nas avaliações.235

O inventário não especifica o ofício de Justino, mas o fato do mesmo possuir um valor
superior ao de todas as posses de seu senhor, pode se justificar por ser ele um escravo
especializado. Conforme tabela da média do preço de escravos em Salvador no período de
1840-1888, criada por Mattoso e o valor do mercado no período, consideramos o preço elevado
do escravo Justino um indício de que o mesmo deveria ser especializado. Além disso, não se
pode ignorar que o inventário analisado é datado de 1881, última década da escravidão, quando
houve um aumento no valor do escravo por conta da lei de supressão do comércio transatlântico
de cativos, de 1850.
Para Cristiane Jacinto, especializar um escravo significava ampliar os investimentos
feitos, mas também aumentar a possibilidade de ganhos, alugando seus serviços ou garantindo
uma venda mais rentável no momento de se desfazer dessa mão de obra.236
No inventário não aparece a idade do escravo, mas podemos calcular possuir entre 30 e
40 anos, não só pelo seu valor, mas também pelo fato de estar em plena atividade produtiva.237
Também não é informado o número de matricula do escravo. Embora a lei de 28 de setembro
de 1871, em seu Artigo 8º assegurasse que “o governo mandaria proceder a matricula especial
de todos os escravos existentes no Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para
o trabalho e filiação de cada um, quando conhecida”, sabemos que alguns senhores, para não
pagar a taxa exigida e também para não informar crianças nascidas depois da Lei de 1871, não
matriculavam os seus escravos, burlando assim a lei.
O aumento crescente no preço dos escravos, proveniente tanto da supressão do tráfico
externo, quanto do incremento do tráfico interno em direção às áreas do café, foi, sem dúvida,
um fator decisivo para a redução do número considerado de escravos no período. Entre os
inventários analisados de Santo Antônio de Jesus, das últimas décadas do século XIX, os
senhores de escravos possuíam uma média de dois, três e no máximo seis escravos.
A avaliação do preço era feita de acordo com os atributos individuais do próprio escravo
como: sexo, idade, origem, força física, especialidade desenvolvida por cada cativo e, também
a condição de saúde etc. Mattoso apresenta uma tabela com a média de preços dos escravos

235
COSTA. Op. Cit. p. 50.
236
JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos. Relações de intimidade: desvendando modos de organização familiar de
sujeitos escravizados em São Luís no século XIX. – São Luís. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) –
Programa de Pós- Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal do Maranhão, 2005. P.51.
237
APEBA- Inventário 04/1759/2229/13, Santo Antônio de Jesus, 1881.
89

para Salvador no período de 1840-1888.238 Baseado nessa análise, tentamos buscar uma média
de preço dos cativos em Santo Antônio de Jesus no período de 1870 a 1888.

Quadro Nº 08: Preço médio de escravos em Salvador 1840-1888.

Ano Preço (médio)

1840 450$000
1850 500$000
1860 650$000
1870 650$000
1880 450$000
1888 400$000
Fonte: Kátia Mattoso. Ser escravo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p.95.

No quadro acima percebemos o aumento de preços no valor do escravo entre as


décadas de 1850 e 1870 e depois uma queda desses preços na década de 1880. Segundo Kátia
Mattoso, o preço do escravo seria um jogo de variáveis, algumas das quais totalmente alheias
ao próprio escravo e outras, ao contrário, intimamente ligadas à sua pessoa. O preço do escravo
dependia da concorrência, da distância entre o porto de embarque e o ponto de venda, da
especulação, da conjuntura econômica, e ainda de sua idade, sexo, saúde, de sua qualificação
profissional.239
Compreendemos que as décadas posteriores a 1850 foram de crise para a Bahia e tal
crise atingiu a todos os proprietários de escravos, inclusive os pequenos. No caso do Recôncavo
Sul, o tráfico interprovincial fez os seus recrutamentos nas maiores propriedades, justamente
aquelas que se dedicavam à produção de açúcar.240
Os cativos eram vendidos como mercadoria. Ao serem transportados eram, nos
entrepostos, cuidados, expostos, avaliados e, por fim, jogados no trabalho forçado. Nas mãos
de companhias comerciais privilegiadas ou de armadores privados e de todos os seus
intermediários, o tráfico de porto a porto ou o interiorano no Brasil foi sempre vinculado ao
desenvolvimento do país.241

238
MATTOSO, Kátia. M. de Queirós Ser escravo no Brasil. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1990, p.95.
239
MATTOSO, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil. Tradução James Amado. São Paulo: Brasiliense,
2003. p. 77.
240
BARICKMAN, 2003, p.184
241
Idem. Ibidem. p. 96.
90

No inventário do proprietário de escravos Baltasar Rodrigues de Bulhões aparece a


seguinte relação de cativos:

Quadro Nº 09: Escravos pertencentes a Baltasar Rodrigues Bulhões, 1881.


NOME ORIGEM IDADE OFICIO PREÇO
Mateus Crioulo 30 anos Lavoura 1:300$000
José Crioulo 28 anos Lavoura 1:200$000
Anastácio Desconhecido 10 anos Desconhecido 500$000
Simeão Desconhecido 03 anos Desconhecido 250$000
Victorina Crioula 21 anos Lavoura 250$000
TOTAL
3.500$000
Fonte: Inventário 04/1719/2189/04, Santo Antônio de Jesus, 1883.

Podemos observar que os escravos Mateus e José, que estão em idade produtiva, entre
28 e 30 anos, possuem um valor bem alto, pois cada um vale mais que um conto de réis. Já
Victorina de 21 anos, possui o mesmo valor de Simeão que é uma criança de apenas 3 anos.
Sobre esse fato, o inventário analisado nos fornece um dado muito importante ao informar que
a escravizada Victorina era doente, apesar de não especificar o tipo de moléstia que sofria.242
Esse dado nos dá informações suficientes para entendermos o quanto a condição de saúde do
escravo também influenciava no seu preço.
Além dos escravos, o inventário de Baltasar Rodrigues Bulhões apresenta outros bens
como casas, animais, os quais representam valores inferiores aos atribuídos aos escravos,
conforme quadro a seguir:

Quadro Nº 10: Os bens materiais de Baltasar Rodrigues eram:


QUANTIDADE OBJETO PREÇO (Réis)
01 Trancilim Magnesita 25$000
01 Casa coberta de telhas 400$000
01 Cama 40$000
02 Marquisa 20$000
02 Arca 28$000

242
APEBA- Inventário 04/1719/2189/04, Santo Antônio de Jesus, 1883.
91

01 Cama usada 12$000


01 Par de esporas de prata 57$000
01 Rosário de ouro 20$000
Uns Pedaços de prata velha 8$000
01 Burro 70$000
01 Cavalo 80$000
TOTAL: 760$000
Fonte: Inventário 04/1719/2189/04, Santo Antônio de Jesus, 1883.

O proprietário Baltasar Rodrigues não possuía bens materiais tão valiosos, pois todos os
bens listados no quadro acima foram avaliados em apenas 760$000. Porém, a sua propriedade
de maior valor eram seus escravos, avaliados todos juntos no valor de 3:500$000. Sendo assim,
os seus cinco escravos eram seus bens mais valiosos, como também vamos perceber no
inventário abaixo de Dona Candida Rodrigues Côrtes.
No inventário de Candida Rodrigues Côrtes, de 1879, foram avaliados os seguintes
bens: uma casa nova em acabamento por 230$000; uma casa por 600$000; um sítio de terras
num lugar chamado “Rio Preto” por 300$000. Antes, porém, em 1872, haviam sido avaliados
os escravos Maria, solteira, preta, filha de Bernardina, com 18 anos, de todo o serviço
(entendemos que a escrava poderia fazer o serviço da lavoura e também o trabalho doméstico),
pelo valor de 350$000, e Dionisio, solteiro, preto, crioulo, do serviço da lavoura, com 07 anos
de idade, pelo valor de 450$000.243
Na partilha dos bens, sete anos depois, em 1879, a escrava Maria, já com 25 anos de
idade, foi declarada como do serviço da lavoura e avaliada, juntamente com sua filha Rufina,
por 500$000; e Dionisio, agora com 14 anos, foi avaliado em 900$000. Em um período de sete
anos o valor de Dionisio dobrou. Na avaliação dos bens de Dona Candida Rodrigues Côrtes as
casas e o sítio possuíam um valor total de 1:300$000, enquanto os seus escravos Maria e a filha
Rufina, e mais o escravo de nome Dionisio, foram avaliados em 1:400$000. Neste caso, os
escravos somavam os bens de maior valor. Observamos que a propriedade escrava era mais
lucrativa do que os bens de raiz materiais como casas e sítios.

243
APEBA- Inventário 04/1759/2229/14, Santo Antônio de Jesus, 1879.
92

A grande proporção de escravos envolvidos em vínculos familiares e o grande número


de crianças sugere a relevante participação da reprodução natural na manutenção/ampliação da
força de trabalho cativa.244
Ainda que estas famílias fossem oriundas de outras propriedades, o fato era que,
através de alguma estabilidade familiar e conseqüente reprodução, produzia-se mão de obra.
Ou seja, as famílias podiam ter-se formado no próprio grupo ou terem sido trazidas de fora
através do comércio, mas, tanto em um quanto em outro caso, é certa a importância do papel
desempenhado pela reprodução natural para a manutenção dos escravos de Santo Antônio de
Jesus.
Todavia, é claro que a reprodução natural não constituiu o único fator a contribuir para
o incremento das escravarias possuídas pelos inventariados de Santo Antônio de Jesus, pois há
casos significativos de aumento do número de escravos por compra.
Observamos para Santo Antônio de Jesus que a avaliação do preço dos escravizados, às
vezes, assemelhavam-se entre cativos com a mesma idade e sexo. Isso certamente seria normal,
já que eles tinham características parecidas. Porém, em outras situações, que os cativos também
apresentam características semelhantes, esses valores variavam muito. Abordando ainda, sobre
a avaliação dos cativos, a variação no preço do escravo se dava pela cotação do mercado, ou
também pela própria vontade do senhor. Como podemos perceber algumas semelhanças no
caso dos dois escravos de nome Miguel:

Escritura de venda e compra paga e quitação que faz José Antônio Pinheiro
de Mattos à João Batista de Sousa do escravo Miguel, crioulo, com 16 anos
de idade, do serviço da lavoura pelo preço e quantia de setecentos mil réis
700$000. Em 1883, 09 de Março, Freguesia de Santo Antonio de Jesus [...].245

Já o outro cativo de nome também Miguel, que era propriedade de outro senhor de nome
Joaquim Ignacio da Motta, foi vendido por um valor superior ao do primeiro exemplo:

Escritura de venda e compra paga e quitação que faz Joaquim Ignacio da


Motta ao Capitão José Antonio Torres da Silva, do escravo Miguel, crioulo,
solteiro, do serviço da lavoura, com 15 anos, pelo preço e quantia de um conto
de reis 1:000$000. Em 1882, na Freguesia de Santo Antonio de Jesus, em 05
de Dezembro [...].246

244
SANTANA, Napoliana. Família e Microeconomia Escrava no Sertão do São Francisco (URUBU – BA, 1840
A 1880). Dissertação de Mestrado História Regional- UNEB, 2012. p. 43.
245
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação 1882 - 1891. p.16.
246
APMSAJ - Livros de Notas (Escrivão de Paz) Vendas e Compras pagas e quitação 1882 - 1891. p. 07.
93

Os dois escravizados de nome Miguel possuiam idades semelhantes e eram do serviço


da lavoura, apesar do primeiro ter sido vendido por 700$000 réis e o outro pelo valor bem
superior de 1:000$000 de réis. Os critérios de avaliação de cativos, nas últimas décadas da
escravidão, tornaram-se imprecisos enquanto seus valores sofreram significativos aumentos,
sejam em consequência da proibição do tráfico de pessoas vindas da África, ou em virtude da
qualificação e/ou especialização observada pela carência de mão de obra para os diferentes
serviços urbanos ou rurais. O documento não oferece mais pistas sobre a avaliação desses
escravos. A diferença em seus preços pode se explicar pelo fato do segundo possuir outras
qualificações, não especificados pelo seu senhor, que por critérios desconhecidos o avaliava
com preço acima da média.

3.2- LAÇOS DESFEITOS: A SEPARAÇÃO DA FAMÍLIA POR COMPRA E VENDA

A discussão sobre preços e avaliações de escravos nos remete à questão sobre compra e
venda de família escrava. De acordo com Eduardo Paiva, o fato de separar uma família escrava
pode “ter representado um peso insustentável para a consciência cristã dos proprietários”, não
sendo, assim, necessário esperar até a hora da morte para que tal culpa se manifestasse, caso
declarasse em testamento a alforria a cativos, apesar de tal prática não ter sido comum entre os
priprietários de escravos. 247
Porém, nos casos aqui analisados, há uma maior probabilidade da manutenção das
famílias cativas em virtude da Lei no 1.695, de 15 de setembro de 1869, que, em seu Artigo 2º,
proibia a desagregação da família escrava, ou seja, nos processos de compra e venda, marido e
mulher não poderiam ser separados, assim como os filhos menores de 15 anos não poderiam
ser separados dos pais.248
Observamos que em Santo Antônio de Jesus houve casos em que algumas famílias
escravas não foram separadas por venda ou partilha de bens. Porém, mesmo com essa proibição,
muitos senhores ainda continuavam a vender membros de uma mesma família escrava

247
PAIVA, Eduardo. F. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVIII. Estratégias de resistência através
dos testamentos. São Paulo: Annablume, 1995.
248
NASCIMENTO, Washington Santos. Famílias escravas, libertos e a dinâmica da escravidão no sertão baiano
(1876–1888). Revista Afro-Ásia, vol. 35 (2007), pp- 143-162.
94

separadamente. Em alguns casos, quando a separação não se dava pela venda ela poderia
acontecer também na partilha de bens entre herdeiros.
Como é o caso da cativa Brigida e o seu filho Manoel. Em virtude do falecimento de
José Ribeiro dos Santos em 1882, foram avaliados os seus bens, entre eles uma relação de quatro
escravos, sendo os nomes Jeronimo, Mariana e também “A escrava Brigida de cor preta, do
serviço da lavoura, com 36 anos de idade, casada com Manoel liberto, avaliada por 150$000. E
o escravo Manoel, crioulo, com 13 anos de idade, filho de Brigida, avaliado por 700$000”.249
Brigida e o seu filho Manoel eram escravos do mesmo senhor, o proprietário José
Ribeiro dos Santos. Porém, após a morte do seu senhor, os herdeiros formados pelas suas duas
filhas e seus dois genros dividiram os bens entre si, ficando a seguinte divisão na partilha dos
bens: “Dar-se a escrava Brigida para o herdeiro e genro João José de Sant’Anna, por cabeça de
sua mulher Maria Magdalena de Jesus. Dar-se o escravo Manoel ao herdeiro e genro Francisco
José de Quadros, por cabeça de sua mulher Dona Francisca Rosa de Jesus”.250
Brigida era casada com Manoel, liberto, e tinha um filho de nome também Manoel. Pela
semelhança dos nomes, provavelmente eram pai e filho. Certamente essa família enfrentou
dificuldades para manterem seus laços de afeto, pois, pelo fato de Manoel, o pai, já ter alcançado
a liberdade, ou essa família poderia viver em constante contato ou enfrentava barreiras pela
proibição do senhor de se encontrarem na sua propriedade.
Porém, com a partilha dos bens, houve uma separação entre a mãe Brigida e o seu filho
Manoel, uma vez que cada um foi destinado a herdeiros diferentes que, provavelmente,
moravam em lugares também diferentes. Sendo assim, vários eram os empecilhos que essa
família tinha que enfrentar como a condição de cativeiro e também a separação de seus
membros. Percebemos então que mesmo com a existência de uma lei que proibia a separação
da família escrava e de mães e filhos, muitos proprietários descumpriam essa lei.
De acordo com Jonis Freire, o ato da partilha dos bens de um proprietário foi, sem
dúvida, um dos momentos que mais teria causado expectativas e tensões para os escravos e suas
famílias. A possibilidade da quebra dos laços consanguíneos e fictícios sempre presentes
chegavam ao seu ápice no momento da morte de seus senhores, quando os cativos se deparavam
com o temor da venda para um dono novo e desconhecido.251 No ato da divisão dos bens de um

249
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Mãe e filho escravo foram separados na partilha de bens entre
os herdeiros.
250
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Na partilha dos bens deixados pelo falecimento de José Ribeiro
dos Santos.
251
FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata Mineira oitocentista. - Campinas, SP: Tese
(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. 2009, p. 207.
95

indivíduo, este aspecto fazia toda a diferença para as relações familiares dos cativos, pois havia
a possibilidade de separação do convívio dos membros da família.
A família escrava na partilha dos inventários foi um dos aspectos da vida dos cativos
analisados por Cristiany Miranda Rocha, em seu estudo sobre Campinas, século XIX. 252
Analisando três famílias de proprietários dessa região, a autora chegou à conclusão de que havia
a manutenção das famílias e dos filhos menores de 12 anos, não ocorrendo entre as três famílias
senhoriais estudadas nenhum caso de separação de casais. Esses familiares, supostamente
separados, eram legados a herdeiros que ainda coabitavam a mesma posse, tinham além da
proximidade afetiva a geográfica. Ou seja, na prática, aqueles escravos continuavam vivendo
com suas famílias ou muito próximos a elas.
Uma das questões interessantes, levantada por Cristiany Rocha, diz respeito à quebra
dos laços famílias antes e após a Lei de 28 de Setembro de 1871, que proibiu a separação de
casais ou de pais e seus filhos menores de 12 anos. Estudando as partilhas realizadas em
momentos diversos no decorrer do século XIX, a autora concluiu que:

Portanto, ao que parece, muito antes da lei de 1871 proibir a separação de


casais e de pais e filhos menores de 12 anos (em qualquer tipo de transmissão
de propriedade) [Lei de 15 de setembro de 1869], a prática entre os senhores
de escravos de Campinas já era a de preservar esses núcleos familiares nas
partilhas, sobretudo os casais. Assim, podemos considerar que aquela lei veio
formalizar uma prática já existente desde a primeira metade dos Oitocentos.253

O documento que segue abaixo trata da venda de uma família de escravos que aconteceu
no ano de 1872, numa transação envolvendo duas irmãs, sem dúvida mulheres de posses de
Santo Antônio de Jesus, assim, como muitas outras mulheres que aparecem na documentação,
como possuidoras de terras e também escravos.
Aos 14 dias do mês de Outubro de 1878, compareceu na Freguesia de Nossa Senhora
da Conceição do Curralinho, Dona Emilia Rosa Dias, residente na Freguesia de Santo Antônio
de Jesus, e nomeou e constitui através do instrumento de procuração, como seu bastante
procurador na cidade de Nazaré, a Manoel de Almeida Sandes Filho.254 O motivo da procuração
foi especialmente para assinar as escrituras de venda que a outorgante fazia de sua escrava
Maria, preta, com 36 anos de idade, mais ou menos, do serviço da lavoura, e seus filhos Felix,

252
ROCHA, Cristiany Miranda. Histórias de famílias escravas: Campinas, século XIX. Campinas, SP: Editora da
Unicamp, 2004.
253
Idem. Ibidem. p. 107.
254
AFCA - Arquivo do Fórum de Castro Alves-BA. Tabelionato de notas e ofícios. Estante Nº 1. Livro de
procuração Nº 2, 1877-1878, f.91.
96

preto, com 11 anos, mais ou menos, e Ballbino, preto, com 08 anos mais ou menos. Dona Emilia
Rosa Dias vendia a família de escravos para a sua irmã Dona Avelina Malthildes Dias, pelo
preço e quantia de 1:200$000 (um conto e duzentos mil réis).
No mesmo ano de 1878, também aos 14 dias do mês de Outubro, na Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição do Curralinho, compareceu D. Aurelina Malthildes Dias, também
residente na Freguesia de Santo Antônio de Jesus. Através do instrumento de procuração,
nomeou e constituiu como seu bastante procurador na cidade de Nazaré a Antonio Manoel do
Nascimento,255 especialmente para assinar a escritura de compra, que ela, outorgante fez a sua
irmã Dona Emilia Rosa Dias de uma escrava de nome Maria, com 36 anos de idade, e seus
filhos Felix, aquele com 11 anos de idade, e Ballbino com 08 anos, pelo preço e quantia de
1:200$000 (um conto e duzentos mil réis).
Tratava-se de uma transação comercial - venda de uma família escrava - feita entre duas
irmãs que residiam em Santo Antônio de Jesus em 1878. A fonte é uma procuração na qual as
duas irmãs davam plenos poderes aos outorgados para venderem mãe e filhos escravos na
cidade de Nazaré. O que nos deixa intrigados é que D. Avelina Matildes Dias, a nova dona dos
escravos, dava plenos poderes ao outorgado para que este assinasse a escritura de compra dos
cativos efetuada pela sua própria irmã, sendo que ambas residiam na mesma freguesia. Além
disso, as transações aconteceram na mesma data.
A predominância das transações abrangendo proprietários do próprio município de
Santo Antônio de Jesus faz-nos pensar na possibilidade de os escravos negociados não
perderem, por completo, o contato com seus familiares e com seus antigos companheiros.
Algumas vezes, nem mesmo o mercado impedia que famílias permanecessem juntas. A
historiografia já havia revelado transações que abrangiam famílias escravas. 256 Fragoso e
Florentino, ao examinarem oito grandes fazendas de Paraíba do Sul, identificaram que várias
famílias escravas foram adquiridas juntamente com outros parentes de primeiro grau. Apesar
deste fato, o autor considera que, mesmo quando a família era negociada junta, não deixava de
haver uma ruptura com a cadeia comunitária e de parentesco mais amplo.257

255
AFCA - Arquivo do Fórum de Castro Alves-BA. Tabelionato de notas e ofícios. Estante Nº 1. Livro de
procuração Nº 2, 1877-1878, f.92.
256
TEIXEIRA, Heloísa Maria. Família escrava, sua estabilidade e reprodução em Mariana 1850-1888. Afro-
Ásia, vol. 28 (2002), pp- 179-220.
257
FRAGOSO, João Luís & FLORENTINO, Manolo Garcia. “Marcelino, filho de Inocência Crioula, neto de
Joana Cabinda”, Estudos Econômicos, vol. 17, nº 2, (1987), pp.151-173.
97

Para Motta e Marcondes, no tráfico conviviam manutenção e ruptura, pois, apesar dos
registros de compra e venda envolvendo famílias, não é possível saber se tais negociações
abrangiam todos os indivíduos que compunham estas famílias.258
Também observamos que essa transação de compra e venda se deu entre duas mulheres
donas de escravos. Na documentação pesquisada percebemos que, em Santo Antônio de Jesus,
houve vários casos de mulheres proprietárias de terras e de escravos. O objetivo desse trabalho
não é o estudo de gênero, mas cabem algumas considerações pelo fato de várias mulheres
assumirem o comando de propriedades. Segundo Alex Costa, este destaque da figura feminina
rompe com a ideia de submissão e subordinação da mulher do século XIX.259
As irmãs Dona Emilia Rosa Dias e Dona Avelina Matildes Dias, e suas contemporâneas
do Recôncavo Sul – como em outras partes do Brasil –, extrapolaram os espaços tradicionais
reservados à mulher, gerindo a economia de suas propriedades e ocupando um espaço social de
comando. Pode-se inferir que muitas das mulheres proprietárias eram viúvas que assumiam os
negócios de seus maridos; havia também aquelas que herdavam terras e escravos dos pais, ou
recebiam como dote para o casamento.260
As mulheres como administradoras do lar exerciam poderes discretos e informais,
porém, em alguns casos, tornavam-se evidentes quando, além de administrarem o lar, passavam
a controlar a propriedade como um todo, inclusive as heranças. Segundo Alex Costa, muitas
senhoras ansiavam desfrutar de todos os direitos advindos do falecimento do esposo, além das
obrigações legais. Portanto, as mulheres saíam da esfera privada para se colocarem diante de
questões referentes à esfera pública.261
Marcos Profeta Ribeiro, aborda de forma significativa a variada experiência vivida por
Celsina Teixeira (1877-1979), fazendeira do alto sertão baiano, filha de coronel. A mesma
desempenhava várias funções como mulher, esposa, mãe, fazendeira, dirigente de instituição
de caridade. Papéis sociais cumpridos ao lado dos exigentes cuidados das enfermidades que

258
MOTTA, José Flávio; MARCONDES, Renato Leite. “O comércio de escravos no Vale do Paraíba paulista:
Guaratinguetá e Silveiras na década de 1870”, Estudos Econômicos, vol. 30, nº 2, (2000), p. 293.
259
COSTA. Op. Cit. p. 94.
260
www.wikipédia.org/dote, acessado em 04/01/2013. “O dote é um costume antigo, mas ainda em vigor em
algumas regiões do mundo, que consiste no estabelecimento de uma quantia de bens e dinheiro oferecida a um
noivo pela família da noiva, para acertar o casamento entre os dois. Embora bem mais raro, também há culturas
onde o noivo entrega à família da noiva ou à própria noiva um dote”. APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz
1882. “Escritura de doação em causa dotes que fazem Joaquim de Souza Lemos e sua mulher Dona Felipina Maria
de Jesus a sua filha Dona Maria Rosalina de Jesus, na pessoa de seu genro Manoel José de Souza Lemos, da
escrava Theresa, de cor preta, com 32 anos de idade, do serviço da lavoura, que acompanham dois ingênuos de
nomes Sebastião e Benedicto, e um sitio de terras próprias no lugar, Pedra Branca, dando pelo preço e quantia de
6.000$000. Em 29 de Junho de 1882, na Freguesia de Santo Antonio de Jesus”.
261
COSTA. Op. Cit. p. 94.
98

acometeram o seu marido e o seu filho, falecendo o marido em 1926 e o filho em 1945. O
historiador Marcos Profeta extrapola compreensões de atipicidades de papéis femininos, ao
identificar um rol de mulheres na mesma condição, conduzindo negócios de fazendas,
comércio, finanças, conciliando essas atividades com as obrigações domésticas.262
O autor desoculta instâncias de poder que extrapolam a prevalência masculina nas
esferas públicas e privadas, e evidencia o aspecto político das atuações femininas que se fez
sentir em diversas situações: nas determinações sobre destinos profissionais, no
estabelecimento de estratégias matrimoniais, na relação bastante tensa com empregados das
casas e fazendas, na organização orçamentária e investimentos financeiros, na atuação
beneficente. Além disso, essas mulheres eram bem ativas:

Faziam em suas cartas comentários sobre política, festas religiosas, eventos


de caridade, funerais, e, sobretudo, tratavam de negócios comerciais e de
venda de gado. Antes mesmo da morte de seus maridos, elas se mostraram
bastante ativas nos negócios.263

O autor ainda observa que Celsina Teixeira, juntamente com outras mulheres do seu
grupo de convívio, ocupou espaços nos diversos setores da vida social. 264 Assim, também,
diversas mulheres aparecem na documentação de Santo Antônio de Jesus desempenhando
papéis diversificados e importantes dentro da sociedade, pois elas, além de mães, esposas, donas
de casas, eram fazendeiras, ou seja, mulheres administradoras de escravos e terras que deixaram
sua marca na história daquela cidade.
Em relação ao período colonial, apesar de não possuírem poder político, existiram
várias mulheres economicamente poderosas. Detentoras de terras e de escravos, muitas vezes
viúvas, faziam petições por terras e zelavam pela demarcação das propriedades que possuíam.
No geral eram senhoras da alta estirpe colonial.265
Como podemos observar o exemplo de Dona Antonia Maria de Sousa, que possuía
terras e uma quantidade de escravos relativamente alta para o período. A inventariada Dona
Antonia Maria de Sousa, faleceu em 01 de agosto de 1882, sem testamento, deixava todos os
bens para seu marido Joaquim Ingnacio da Mota, um proprietário já citado entre aqueles que

262
RIBEIRO, Marcos Profeta. Mulheres e poder no Alto Sertão da Bahia: A escrita epistolar de Celsina Teixeira
Ladeia (1901 a 1927). São Paulo: Alameda, 2012. P.11-12.
263
Idem. Ibidem. p. 12.
264
Idem. Ibidem. p .206.
265
SOARES, Jane de Jesus. Mulheres chefes de família: família, maternidade e cor na Bahia do século XIX. –
Feira de Santana, 2009. Dissertação (Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2009.
99

negociaram escravos em 1882. Os bens deixados pela esposa eram numerosos, entre os quais
havia sítio de terras, casas de morar, engenhos, alambique, roças de mandioca, cafezais, pasto,
e também animais como burros, cavalos e bois. Todos avaliados em uma quantia de 11:710$000
réis.266
Porém, o que mais nos chama atenção é o número de escravos que a inventariada
possuía: uma quantidade de 20 escravos. Entre esses cativos havia 06 mulheres e 14 homens.
Além dos escravos havia também 07 crianças ingênuas. Apesar da grande quantidade de
escravizados, os preços declarados eram de 200$000 a 700$000 réis, e todos juntos foram
avaliados em 7:205$000. Todos foram declarados do serviço da lavoura, de cor preta e solteiros,
até mesmo as mulheres, mesmo registradas com filhos ingênuos.
As idades dos escravos variavam de 13 a 75 anos, sem contar com as crianças ingênuas
por não aparecer informações sobre suas idades, apenas os nomes. Como podemos perceber, a
quantidade de escravos informada era bem maior do que o observado na maioria dos inventários
de Santo Antônio de Jesus. Compreendemos que a construção de senzalas, para acomodar os
cativos, seria uma necessidade diante do significativo número de escravos presentes numa única
propriedade.
Outra questão importante é a referência feita no referido inventário de “uma carreira de
casas cobertas de telhas, que servem de senzala para os escravos, avaliada em 300$000 réis”.267
Segundo Robet Slenes o casar-se para o escravo significava ganhar maior controle sobre o
espaço da “moradia. Embora os relatos do século XIX registrem uma certa variedade na
arquitetura das senzalas nas regiões de grande lavoura, o exemplo descrito acima se aproxima
mais da descrição que Slenes aponta, feita por Ribeyrolles,268 que visitou algumas fazendas do
Rio em 1858, e observou que “os negros da fazenda, casados ou não, são alojados em
compartimentos, dispostos em filas alinhadas ou em grupos, construídos com paredes de terra,
sem janelas e cobertos de palha ou telha”.269
Certamente, os escravos deveriam estar separados em núcleos familiares. Apesar do
documento não identificar escravos casados legalmente, entendemos que havia famílias
escravas, isso baseado nos indícios de várias mães cativas com filhos ingênuos residindo no
mesmo local, na Fazenda Cacete. Temos como exemplo as seguintes escravas: Maria, com 39

266
APEBA- Inventário 04/1719/2189/06, Santo Antônio de Jesus, 1884.
267
APEBA - Inventário 04/1719/2189/06, Santo Antônio de Jesus, 1884.
268
Charles Ribeyrolles foi um jornalista e político francês. Viajou para o Brasil em 1858. Suas observações sobre
o país foram registradas no livro "Brésil pittoresque", publicado em fascículos à época.
269
SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava, Brasil
Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. pp. 149-180.
100

anos de idade, com dois filhos ingênuos de nomes Francisco e Eduarda; a cativa Januaria, com
26 anos de idade, apresentada com quatro ingênuos de nomes Mascimiano, Bernardina,
Leodora e Caludina; e a cativa Cypriana com 19 anos de idade, apresentada com quatro
ingênuos de nomes Francisca, Leandra, Cypriano e Archanjo. O inventário não menciona os
respectivos pais dessas crianças, mas supomos que entre essa quantidade de seis mulheres e
quatorze homens, um deles, provavelmente, poderia ter uma relação consensual, gerando assim
vários frutos de ventre livre, ou seja, crianças ingênuas.
Segundo Alex Costa, dos vários inventários analisados para as cidades de Nazaré, Santo
Antonio de Jesus e São Felipe, apenas em 5% deles apareceram referências à existência de
senzalas, ou casas dos negros.270 Nos inventários que analisou, foram citadas a existência de
senzalas em todas as propriedades que possuíam mais de dez escravos e produziam unicamente
a cana-de-açúcar ou essa produção estava associada à de mandioca ou café. Alex Costa também
complementa que não foi localizada nenhuma referência à existência de senzalas em
propriedades agrícolas que não produzissem a cana-de-açúcar. O autor ainda salienta que as
senzalas dos escravos do Recôncavo Sul da Bahia, citadas nos inventários dos senhores,
possuíam estruturas muito parecidas com aqueles modelos vistos e descritos por viajantes como
Ribeyrolles e Rugendas e detalhados por Robert Slenes (1999),271 como “uma carreira de casas
cobertas de telhas”. As senzalas foram os espaços de convivência entre escravos, parceiros e
seus familiares.272
Outros viajantes também descreveram habitações destinadas a família de escravos,
como Tschudi 273 que verificou que “os negros casados vivem em recintos menores,
devidamente separados”.274 Segundo Slenes, casar-se, mesmo sem o ritual da Igreja, significava
mais acesso a um espaço próprio, onde os cativos poderiam viver em família e compartilhar
seus anseios e projetos com um pouco mais de “privacidade”.
No inventário de Dona Bernardina Garcia Resende,275 datado de 1884, são arrolados os
seguintes bens: uma fazenda com casa de morar, engenho, casa de farinha, moenda, alambique
e muitos animais como mula, burros, bois, vacas, novilhas, garrotes. Também é listada uma
quantidade de 14 escravos, entre eles 07 homens e 07 mulheres. Sobre eles não aparecem dados

270
COSTA. Op. Cit. p. 82.
271
SLENES. Op. Cit. p. 149-180.
272
COSTA. Op. Cit. p. 83.
273
Johann Jakob von Tschudi foi um naturalista e explorador suíço. Em 1860, era o embaixador suíço designado
no Brasil, permanecendo até 1868, altura em que de novo se dedicou a explorar o meio rural e a colecionar para
os museus de Neuchâtel, Glarus e Friburgo.
274
SLENES. Op. Cit. p. 152.
275
APEBA - Inventário 08/3392/08, Santo Antônio de Jesus, 1884.
101

referentes à idade, cor, ofício e estado civil. Os 14 escravizados possuíam valores entre 50$000
e 500$000 réis, sendo avaliados todos juntos numa soma total de 5:500$000.
De acordo com a quantidade de escravos descrita no inventário de Dona Antonia Maria
de Sousa, com um número relativo de 20 escravos, a existência de senzalas e o alto preço dos
bens, bem como o inventário de Dona Bernardina Garcia Resende, com 14 escravos registrados,
entendemos que, conforme esses dois inventários de 1884, são exemplos de propriedades que
podemos classificar como de médio porte.
Com base nos 33 inventários analisados para Santo Antônio de Jesus, no período entre
1870 a 1888, e os estudos feitos por Edinelia Souza276 e Alex Costa,277 podemos concluir que
o número de cativos que cada senhor possuía não era grande, pois cada proprietário possuía
uma média de 2 a 3 escravos os quais eram utilizados nos mais variados tipos de serviços.
Edinelia Souza observou nas memórias escritas entre 1961 e 1962 por Eduardo de Souza
Almeida, descendente de antiga família proprietária de terras do município de Santo Antônio
de Jesus, que na fazenda, “em geral ajudávamos em todos os serviços, catando café, manocando
fumo, raspando mandioca, varrendo casa; tudo fazia-se enquanto não chegava o cansaço ou
algum divertimento, uma merenda ou sono”.278 Souza também menciona que a esse respeito
Barickman chamou a atenção para o fato de que durante a escravidão “nas roças de mandioca
do sul do Recôncavo, o número de escravos muitas vezes não passava de um ou dois: lado a
lado com seus senhores, faziam os montinhos de terra, conhecidos como covas, onde esperavam
ver as manivas criarem raízes e trabalhar o solo”.279
Das setenta propriedades analisadas por Alex Costa em Santo Antonio de Jesus no
período de 1850 a 1888, o autor encontrou um total de 237 escravos localizados nos 70
inventários. Costa ainda ressalta que, enquanto as grandes propriedades concentravam uma
grande posse de escravos, as médias e pequenas, inclusive aquelas em que não houve escravos
declarados, foram abastecidas pelo trabalho de escravos alugados que se movimentavam por
estas propriedades com o objetivo de constituir pecúlio que os fizesse pensar em formas de
liberdade.280 Alex Costa também declara que:

276
SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Pós-abolição na Bahia. Hierarquias, lealdades e tensões sociais nas
trajetórias de negros e mestiços em Nazaré das Farinhas e Santo Antonio de Jesus (1888/1930) - Rio de Janeiro:
Tese (Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em História
Social, 2012.
277
COSTA, Alex Andrade. Arranjos de sobrevivência: autonomia e mobilidade escrava no Recôncavo-Sul da
Bahia (1850-1888). Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia. Programa de Mestrado em
História Regional e Local, - UNEB/ Campus V, 2009.
278
SOUZA. Op. Cit. p. 129.
279
BARICKMAN, B.J. Op. Cit. 2003.
280
COSTA. Op. Cit. p. 48-49.
102

Do total de 70 inventários analisados para Santo Antônio de Jesus, 38,5%


declararam produzir a mandioca ou farinha, e o café, beneficiados ou não. As
duas produções possuíam em comum a condição de serem cuidadas por um
baixo percentual de trabalhadores, aqui no caso de escravos, que variavam
entre 1 e 14 escravos por propriedade, uma média de 2,7 escravos em cada
propriedade.281

Além de analisarmos a média de propriedade escrava que cada senhor ou senhora


possuía em Santo Antonio de Jesus, acompanhada pelos valores que a mesma representava em
relação aos escravos, a forma de aquisição de terras e escravos pode ser compreendida a partir
das transações de compra e venda realizadas entre proprietários locais e da vizinhança, a
exemplo da transação de compra e venda de uma família escrava efetuada entre as irmãs Dona
Emilia Rosa Dias e Dona Avelina Matildes Dias, ambas moradoras da Vila de Santo Antônio
de Jesus. Através desses documentos de compra e venda de escravos, já citados no texto, e
outros exemplos que se seguem, nos permitem verificar a dinâmica de negociação ocorrida na
região:

Escritura de venda e compra paga e quitação que faz Dona Maria Marcoelmia
da Fonseca á Dona Narcisa Maria de Jesus Fonseca, da escrava Maria, com
14 anos de idade, crioula, solteira, do serviço da lavora pelo preço e quantia
de quinhentos e setenta mil réis 570$000. Em 1882, Freguesia de Santo
Antonio de Jesus, Termo da Cidade de Nazareth, 21 de Abril de 1882[...].282

Observa-se que a negociação da escrava Maria entre as duas proprietárias foi realizada
localmente, ou seja, em Santo Antônio de Jesus, então freguesia pertencente à cidade de Nazaré,
apesar de sabermos que em 1880 Santo Antônio de Jesus havia sido desmembrada de Nazaré e
elevada à categoria de vila. Ou seja, a dinâmica do comércio de escravos que se observa,
apresenta o envolvimento de pessoas da mesma região, como também era realizado entre
cidades próximas:
Escritura de Venda e Compra paga quitação que faz Desiderio Rodrigues
Cortés a Manoel José do Amaral, de uma escrava de nome, Ignez, parda,
solteira, com 15 anos de idade, do serviço da lavoura, pela quantia de 450$000
quatrocentos e cinquenta mil réis. No ano de 1880, aos, 15 dias do mês de
Novembro, na Povoação de São Miguel, segundo distrito da paróquia da Nova
Laje [...].283

281
COSTA. Op. Cit. p. 50.
282
APMSAJ - Livro de Notas Escrivão de Paz 1880 (Escrava Maria), p. 10.
283
APMSAJ - Livro de Notas Escrivão de Paz 1882, (Escrava Ignez), p. 77.
103

Provavelmente, proprietários com maior poder aquisitivo adquiriam escravos de


senhores com poder aquisitivo mais baixo ou por outras questões como comportamento do
escravo.
A partir das fontes analisadas, houve, em Santo Antônio de Jesus, uma importante
dinâmica econômica e social vinculada à economia da escravidão. Seja referente aos aspectos
produtivos, peculiares à região, em torno dos quais a escravidão gravitava e ao mesmo tempo
era central. Observa-se, a partir do mercado de compra e venda de escravos, bem como da
proporção e valor das propriedades presentes em inventários, o quanto o escravo era
considerado de forte valor econômico em relação aos demais bens.
Nessa perspectiva, a avaliação de cada escravo estava atrelada a alguns fatores
específicos que os tornavam mais ou menos valiosos, como por exemplo, o grau de qualificação
enquanto trabalhador, o sexo, idade e saúde. Portanto, a partir das formas de relação de trabalho
estabelecidas na sociedade em Santo Antônio de Jesus do século XIX, as pessoas escravizadas
podiam, em certa medida, negociar espaços de liberdade, como ocorria entre os escravos de
ganho. São nessas brechas que escravos, livres e libertos articulavam diversas maneiras para
garantir autonomia, arranjos familiares e societários que, de alguma forma, refletiam no
funcionamento e comprometimento do sistema escravista.
104

CAPÍTULO IV

4. A LIBERDADE CONQUISTADA

Ter o direito de ir e vir, de acordo com a própria vontade, e sentir a sensação de estar
livre e não depender de ninguém, ou seja, ter liberdade, sem dúvida seria o maior anseio de todo
escravizado. Segundo A. J. R. Russell-Wood, os meios pelos quais um escravo, fosse negro ou
mulato, podia obter sua liberdade no Brasil colonial eram bem parecidos.284 A prática mais
comum era o escravo juntar dinheiro suficiente para comprar sua carta de alforria, ou certificado
de liberdade, do seu senhor ou do representante legal do proprietário.
A Carta de Liberdade identificava o escravo libertado, registrava as razões que levavam
à concessão da alforria, estipulava se esta era condicional ou incondicional e a quantia, (se
houvesse) paga ao proprietário. O escravo recém-alforriado chamado de liberto costumava
manter a carta em seu poder, mas os mais prudentes registravam o original em cartório 285. A
liberdade costumava ser obtida pelo pagamento de uma soma combinada entre dono e escravo.
Nos casos em que o proprietário se recusava a receber um preço justo para libertar o escravo, o
mesmo podia apelar à justiça, representada pelo governador ou pelo rei, para obrigar o senhor
a conceder sua alforria.
Porém, não era fácil para os escravos acionar a justiça, pois os senhores mostravam
muita resistência e não aceitavam passivamente tais medidas. Sabemos que o fato de um cativo
acionar a justiça não pode ser percebido como um processo simples, geralmente os cativos
precisavam contar com o auxílio de um curador. 286 Após 1871, em casos de contendas ou
quando o senhor negava a possibilidade de alforria para um escravo, fazia-se o arbitramento
judicial.
A Lei de Rio Branco tornou-se um meio eficaz para adquirir a alforria, caso as
negociações costumeiras falhassem, pois a partir de 28 de setembro os cativos tinham o amparo
judicial para acumular pecúlio e comprar a liberdade. Assim, o arbitramento judicial era mais
uma forma de luta para aquisição da liberdade.
E quando não era possível para o escravo comprar a sua alforria, muitos deles adotavam
o mecanismo das fugas, sejam elas coletivas ou individuais, numa tentativa desesperadora de

284
RUSSELL-WOOD. A. J. R. Escravos e libertos no Brasil Colonial; tradução de Maria Beatriz Medina. – Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 59.
285
Idem. Ibidem. p. 60.
286
GRINBERG, Keila. Liberata: a lei da ambiguidade: As ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de
Janeiro no século XIX. São Paulo: Civilização Brasileira, 1994.
105

se livrar do cativeiro. Ao fugirem, os escravizados acionavam laços de parentesco e amizade


com livres e libertos.
Portanto, abordaremos nesse capítulo alguns meios utilizados pelos escravizados para
compra da liberdade. Analisaremos algumas cartas de alforrias pagas com pecúlio, outras
gratuitas, além de cartas de liberdade condicional e incondicional. E também, a luta pela
liberdade por parte de mães e pais para comprar alforria de seus filhos, apesar da documentação
mencionar em vários casos apenas a presença das mães. Contudo, não podemos afirmar que a
presença paterna era inexistente, pois muitas escravas mantinham relações consensuais, que
não eram reconhecidas pela igreja católica. Além disso, também identificamos as fugas como
uma iniciativa de resistência ao sistema escravista na Vila de Santo Antônio de Jesus da segunda
metade do século XIX.

4.1 CARTAS DE LIBERDADE: ALFORRIAS VOLUNTÁRIAS, CONDICIONAIS,


ONEROSAS E DEVIDAS AO FUNDO DE EMANCIPAÇÃO.

Os escravos das áreas rurais de economia menos intensiva tinham menos esperanças de
conseguir comprar sua liberdade. Do ponto de vista produtivo, na sua maioria estavam limitados
ao trabalho agrícola, nas pequenas e médias propriedades, o que significava pouca elasticidade
para a acumulação de alguma renda extra ao trabalho compulsório. De acordo com A. J. R.
Russell-Wood, por lei, todo senhor devia garantir a seus escravos um dia por semana (além do
domingo) para cuidarem de suas próprias roças. Aqueles que tinham roças, plantavam para a
sua alimentação, como também poderiam vender alguns dos produtos para angariar algum
dinheiro com a intenção de reunir um pecúlio para a compra da sua alforria.287
Para Walter Fraga Filho, o direito costumeiro de acesso às roças de subsistência, que
alguns cativos possuíam,288 caracterizou-se em mais uma das lutas, por parte dos libertos, pela
defesa de tal direito, uma vez que era um dos expedientes viáveis para ampliar possibilidades
de sobrevivência alternativas à grande lavoura após a conquista da liberdade. Ao evocarem o
“direito costumeiro” às roças, os libertos requeriam também acesso livre aos mercados locais.
Até se tornarem libertos, os escravos trilhavam por diversos caminhos, conflituosos,
difíceis, negociados, reivindicados, violentos, a fim de conquistarem o direito à liberdade
ansiada, cujo projeto se transformava em objetivo de vida para si ou para os seus nascidos na

287
RUSSELL-WOOD. Op. Cit. p. 66.
288
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910) -
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. P. 166.
106

mesma condição cativa. Para muitos escravos, tal objetivo podia ser perseguido pacientemente,
ao longo de toda uma vida, visando a acumulação de pecúlio para a compra das suas prórias
alforrias ou mesmo de suas mulheres ou filhos. Contudo, mesmo com a reunião de dinheiro
suficiente para a compra da liberdade, as alforrias nem sempre eram conseguidas absolutamente
ou instantaneamente, mas ainda eram processualmente adquiridas a partir de critérios
estabelecidos pelos senhores, submetendo-se a algumas condições.
As formas de conquistar-se a aforria, variavam de acordo com critérios pessoais,
vinculados à vontade do senhor, ou ainda legais. Além das alforrias concedidas pelo senhor, os
escravos dispunham da compra da própria liberdade que, muitas vezes, podia significar o
sacrifício de toda uma vida de trabalho e economia, no intuito de juntar o pecúlio
correspondente ao seu valor no mercado de compra e venda de escravos. Além do sacrifício de
acumular recursos provenientes de seu trabalho, também contraíam dívidas pessoais para
completar o pecúlio para a alforria. Parentes, amigos e compadres compunham uma intricada
rede de relações sociais que os escravos e libertos construíam e alimentavam e que lhes servia
de apoio em momento de maior necessidade.289
A compra de alforria por terceiros era, em geral, feita sob laços mais estreitos. Mães que
poupavam para libertar os filhos; pais que alforriavam seus filhos ilegítimos; amásios que
livravam suas companheiras; padrinhos que prometiam um dia libertar seus afilhados, e toda
uma série de relações cujo caráter de intimidade entre as partes engendrava em interesse pessoal
mais profundo.290
Na luta por parte de mães para a compra da alforria de seus filhos, encontramos na
documentação histórias de mães que economizaram durante doda a vida para conquistar a sua
liberdade e a de seus filhos. Em 1878, a ex-escrava Justina conseguiu comprar a liberdade da
sua filha Clarinda:

Carta de liberdade, lançada em notas como abaixo se declara. Manoel


Feliciano Leal declara que sendo senhor e possuidor de uma escrava Clarinda,
parda, de idade de 09 anos, filha de Justina, forra. A qual escrava a forro, por
ter recebido dela a quantia de duzentos e setenta e cinco mil réis (275$000),
por isso, poderá gozar de sua liberdade, que lhe confio como se fosse nascida
de ventre livre.291

Nesse caso, trabalhamos com a ideia de que Justina, após ter conquistado a sua
liberdade, considerando ser forra, certamente teria economizado para comprar a alforria da sua

289
OLIVEIRA, Maria Inês de. O Liberto: o seu mundo e os outros. São Paulo. 1988. p. 27.
290
Idem. Ibidem. p. 28.
291
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1877. Carta de Liberdade da escrava
Clarinda.
107

filha Clarinda de apenas 09 anos de idade, libertada após o pagamento de 275$000 réis.
Provavelmente, pela pouca idade, seria impossível para a pequena Clarinda conseguir pagar
pela sua carta de alforria, segundo o documento indica, mesmo se tratando de um texto formal
que se repete para as cartas de liberdade. O documento não informa sobre o pai da menina. Mas,
na maioria dos casos, eram as mães que se empenhavam em conseguir libertar os seus filhos do
cativeiro.292 Isso, baseado no número de compra de alforrias de filhos efetuados por suas mães.
No Brasil, havia a possibilidade dos escravizados comprarem sua liberdade pagando em
prestações. Nem todos os escravos conseguiam pagar a alforria à vista, em dinheiro. Nestes
casos, o escravo pagava em parcelas o valor acordado, sendo-lhe passados os respectivos
recibos pelo senhor. Podemos perceber essa prática no exemplo da escrava Felippa que entregou
uma quantia em dinheiro à sua senhora para comprar a liberdade da sua filha Galdina, mais um
exemplo de uma mãe que poupava, juntava um pecúlio para libertar a filha:

Recebi da minha escrava Felippa, a quantia de noventa e dois mil e quinhentos


réis (092$500), por conta da liberdade de sua filha Galdina e por ter recebido
mandei passar o presente. A pedido de Dona Anna Maria de Souza.
Reconheço as firmas do presente recibo como verdadeiras. Freguesia Santo
Antonio de Jesus, 12 de Agosto de 1882. Eu Antonio Pinto da Silva. Escrivão
de Paz que o escrevi e assino, do que dou fé.293

O documento acima se trata de um recibo, equivalente a 92$500 réis, que a escrava


Felippa pagou para sua senhora Dona Anna Maria de Souza. O valor dado por Felippa à sua
senhora, não era para comprar a sua própria liberdade, mas a liberdade da sua filha Galdina.
Pois, mãe e filha eram escravas da mesma senhora.
Observamos o empenho de uma mãe para libertar a sua filha, talvez por não suportar
ver o fruto do seu ventre, viver em cativeiro. O documento não especifica, mas, provavelmente,
Felippa estivesse desde algum tempo juntando um pecúlio para libertar a sua filha. Por ser o
documento um recibo e não a Carta de Liberdade, indica que Felippa poderia estar juntando
dinheiro para libertar a sua filha e pagava à sua senhora, pouco a pouco, a quantia que conseguia
reunir.
Os escravos também podiam receber sua liberdade através do testamento do dono. Os
termos variavam, indo da concessão de uma carta de alforria incondicional e sem pagamento
algum, a arranjos mais complexos que exigiam do escravo alguma forma de pagamento ou o

292
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. A família negra no tempo da escravidão: Bahia, 1850-1888. Tese (Doutorado
em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 2007.
293
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1877. (Recibo para compra a
Liberdade da escrava Galdina), p. 65.
108

cumprimento de certas condições que podiam ser de longo ou curto prazo.294 Izidora ganhou a
liberdade sem o pagamento de pecúlio, mas com uma condição:

Dizemos abaixo assinado Manoel Feliciano Leal e Ana Francisca do Amor


Divino, que somos senhores possuidores de uma escrava de nome Izidora,
cabra, de idade de 30 anos, pouco mais ou menos, filha de Justina, liberta. [...]
Cuja escrava alforriamos com a condição de nos servir, enquanto vivermos, e
depois da nossa morte, poderá gozar de sua liberdade como se a tivesse
nascido de ventre livre. Freguesia de Santo Antônio de Jesus, 10 de Maio de
1879.295

Izidora era filha de Justina, uma escrava liberta. Izidora conquistou a sua “liberdade”
em 1879. Essa possível liberdade foi concedida por Manoel Feliciano Leal e Ana Francisca do
Amor Divino, sem o pagamento de pecúlio, contudo era uma liberdade com a condição de servir
aos antigos senhores, enquanto vivessem. Essa era uma das estratégias utilizadas por muitos
senhores para manterem os escravos libertos sob o seu domínio e prestando serviços, como se
ainda estivessem na condição de cativos.
As alforrias condicionadas à morte do senhor ou de quem ele indicasse, ou à prestação
de serviço pelo escravo, na prática não significava uma liberdade completa até que a condição
estipulada se cumprisse. Porém, com a lei de 1871, que estabeleceu o prazo máximo de sete
anos para a alforria com prestação de serviços, este tipo de manumissão passou a assemelhar-
se a um contrato de trabalho.296
Segundo R. Russell-Wood, tratando-se da liberdade concedida, nos termos de um
testamento, a um escravo que o senhor julgasse “merecedor”, podia ser condicional, e era
suscetível de ser revogada por um codicílo posterior caso o comportamento subsequente do
beneficiado mostrasse que o favor era imerecido ou fora obtido por meios desonestos ou
ilegais.297
Além dos testamentos, também houve escravos que aproveitaram a oportunidade de sua
avaliação, no momento da confecção do inventário do seu proprietário, para apresentar o
pecúlio referente ao seu valor e comprar a sua liberdade. Verificamos que muitos escravos que
compraram suas alforrias após a Lei do Ventre Livre, apresentaram o seu valor no ato de
abertura do inventário do senhor:

294
RUSSELL-WOOD. Op. Cit. p. 69.
295
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1879. Carta de Liberdade da escrava
Izidora.
296
ALMEIDA, Kátia Lorena Novais. Alforrias em Rio de Contas, século XIX. Salvador, 2006. Dissertação
(mestrado) – UFBA / Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas /Programa de Pós – graduação em História
social, 2006.
297
RUSSELL-WOOD. Op. Cit. p. 70.
109

O § 2º do art. 4º da referida lei dizia que “nas vendas judiciais ou nos


inventários o preço da alforria será o da avaliação”. Assim, a oportunidade da
alforria, quando da morte do senhor, tornou-se mais alcançável do que em
períodos anteriores, quando significava, muitas vezes, a venda do escravo para
outra localidade e a ruptura dos laços de família.298

Esse foi, por exemplo, o caso de Maria que solicitou ao Doutor José Manoellino de
Souza, Juiz Municipal de Órfãos da Comarca municipal de Nazaré em 1877 a sua liberdade.
No ato do procedimento do Inventário dos bens do casal João Ferreira Paz e Maria Vicencia
Viera de Andrade, fora avaliada “a escrava do mesmo casal de nome Maria, crioula, solteira,
do serviço da lavoura. A qual escrava no ato da avaliação apresentou a quantia de trezentos mil
réis (300$000), valor de sua avaliação”.299
O parágrafo 2º, do artigo 4º da lei de 1871, determinava que “o escravo que, por meio
de seu pecúlio, obtiver meios para indenização de seu valor, tem direito à alforria”.300 A quantia
apresentada pela escrava Maria foi entregue a inventariante Maria Vicencia Viera de Andrade.
E na mesma ocasião, aos 26 dias do mês de Abril de 1877, o Juiz Municipal de Órfãos mandou
passar a carta de liberdade da cativa Maria.301
Não sabemos como Maria conseguiu juntar o valor de trezentos mil réis para comprar a
sua alforria. Como discutimos no decorrer desse trabalho, os escravos se utilizavam de várias
formas para conseguir juntar pecúlio, podendo cultivar roças, ser escravos de ganho ou até
mesmo contar com o auxílio de amigos e parentes. Uma dessas estratégias pode ter sido
utilizada por Maria para comprar a sua liberdade. De acordo com Katia Lorena Almeida, a Lei
de 1871 significou, para os escravos, chances mais reais de conquistar a alforria.302
Além disso, após a morte do seu senhor João Ferreira Paz, Maria poderia estar
aguardando por uma oportunidade para pagar pela sua liberdade. Talvez a presença de uma
autoridade na propriedade em que a mesma era cativa, nesse caso o Juiz de Órfãos, fosse o
momento oportuno para que um escravo que possuía pecúlio pudesse comprar a sua liberdade
e ter o seu pedido aceito, sem questionamentos, já que os cativos não poderiam recorrer
diretamente a uma autoridade, a não ser por meio de um curador.
Para mover uma Ação de Liberdade, primeiramente o escravo necessitava de uma
pessoa livre para assinar o requerimento que seria enviado ao Juiz, explicitando os motivos da

298
ALMEIDA. Op. Cit. p. 76.
299
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz (compra e venda) 1875-1877. Carta de Liberdade da escrava Maria.
300
Coleção das Leis do Império do Brasil de 1871, Tomo XXXI, Parte I, Rio de Janeiro, Typ. Nacional, 1871, p.
147-151.
301
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz (compra e venda)1875- 1877. Carta de Liberdade da escrava Maria.
302
ALMEIDA. Op. Cit. p. 76.
110

requisição. Assim que o juiz aceitava o requerimento, nomeava um curador para o escravo e
ordenava o seu depósito e, durante o tempo que ação estivesse correndo, o escravo ficaria
afastado do seu senhor.
Mas nesse caso, da avaliação de bens para a confecção do inventário, o próprio Juiz de
Órfãos José Manoellino de Souza e o escrivão Ignacio da Silva de Almeida compareceram
pessoalmente na propriedade da viúva Maria Vicencia Viera de Andrade, senhora de Maria.
Nesse caso, a cativa demonstrou uma grande sabedoria, em apresentar perante as autoridades o
valor que foi pedido na sua avaliação. Pois, a carta de liberdade foi concedida no mesmo dia,
como aponta o trecho a seguir, “[...] Tenham por liberta como se de ventre livre nascesse. Dada
e passada nesta Freguesia de São Miguel aos 26 dias do mês de Abril de 1877. Eu Ignacio da
Silva e Almeida Escrivão, a saber, José Manoellino de Souza. [...] Carta de Liberdade que
fielmente transcrevi no mesmo dia mês e ano”.303
Em seu livro Matas do Sertão de Baixo, Isaías Alves faz menção às formas pelas quais
os escravizados poderiam conquistar a liberdade em Santo Antônio de Jesus:

Os negros não escravos, que fizeram sua alforria, trabalhando à noite, para
juntar pecúlio e que foram nascendo após 28 de setembro de 1871, ou
alforriados pelo fundo de emancipação, era bom motivo dos discursos dos
demagogos iniciais [...].304

O autor aborda que as alforrias conquistadas através do acúmulo de pecúlio, e ainda


ressalta que muitos cativos trabalhavam à noite para conseguirem comprar sua alforria. O que
nos deixa cheios de indagações sobre essas atividades noturnas, se eram na lavoura ou no espaço
urbano e quais atividades seriam essas.
Porém, como já mencionamos, uma das possibilidades de liberdade, aberta também pela
lei de 1871, foi a criação de um Fundo de Emancipação, composto por taxas e impostos sobre
os escravos, loterias, multas e contribuições. Em Santo Antônio de Jesus, foi possível
acompanhar algumas das libertações promovidas pelo Fundo, quando estas originaram cartas
de alforria ou ações de liberdade, como o caso da escrava Cypriana que, em 02 de maio de
1882, solicitou em juízo interferência do Estado para o arbitramento do seu valor.
Segundo José Neto Santana, aqueles escravos que não tinham um valor declarado na
matrícula, ou se o coletor das rendas achasse esse valor elevado, um arbitramento era realizado.
Eram partes na realização do arbitramento o senhor do escravo e o coletor das rendas. O
arbitramento seria feito da seguinte forma: o coletor apresentaria um louvado (arbitrador), da

303
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz (compra e venda) 1875-1877. Carta de Liberdade da escrava Maria.
304
ALVES, Isaías. Matas do sertão de baixo. - Salvador- BA: EDUNEB. 2010, p.247.
111

mesma forma que o senhor também tinha direito de apresentar uma pessoa para avaliar a sua
propriedade.305
Em seguida, um terceiro árbitro era escolhido de comum acordo entre as partes e teria
como única função concordar com um dos valores emitidos pelos outros louvados, se estes
tivessem discordado do valor do libertando. Se houvesse qualquer desconfiança com relação
aos arbitradores ou impossibilidade de algum dos avaliadores de comparecem no dia da
avaliação, o recurso seria julgado pelo juíz municipal que, se necessário fosse, nomearia outro
árbitro. Se uma das partes estivesse ausente, o juíz daria encaminhamento à questão sem a sua
presença. Concluído o arbitramento, o juíz respectivo deveria enviar ao de órfãos a lista com os
valores dos libertandos.306
A senhora de Maria, Dona Maria Francisca de Jesus, nomeou e constituiu como seu
bastante procurador na cidade da Bahia e Geral ao negociante José Joaquim Magalhães. O
motivo do instrumento de procuração foi:

Especialmente para representar em juízo, como se presente fosse, sobre a


liberdade que requereu a sua escrava Cypriana, perante o Doutor Juiz
Municipal da cidade, requerer o que for necessário, louvar-se em avaliadores,
opor, embargar, assinar em juízo qualquer termo e fazer tudo quanto for o bem
do seu direito [...].307

As negociações entre Cypriana e sua senhora Dona Maria Francisca de Jesus certamente
teriam se esgotado. O documento não nos informa se Cypriana teve o seu pedido de liberdade
aceito pelo Juíz. Porém, a única saída mais viável para o escravo que o senhor tentava dificultar
a sua alforria era recorrer às autoridades, pedindo o arbitramento.
As ações de liberdade, por sua vez, envolviam procedimentos jurídicos utilizados para
a requisição da emancipação de algum cativo perante o Judiciário brasileiro da época. Após a
promulgação da Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871, a negociação entre o senhor e o escravo
para o acerto do preço da carta de liberdade continuava privativa das partes. A intervenção da
Justiça somente se justificava em caso de impasse.
Houve, em Santo Antônio de Jesus, diferentes possibilidades de conquistar a liberdade,
por parte dos cativos. Em alguns casos as alforrias onerosas, ou seja, com pecúlio, em outros
alforrias a título gratuito, sem pecúlio e também pelos bons serviços prestados, e ainda aquelas

305
SANTANA NETO, José Pereira de. A alforria nos termos e limites da lei: o Fundo de Emancipação na Bahia
(1871-1888). Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA), 2012, p. 41.
306
Idem. Ibidem. p. 41.
307
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escrava Cypriana requereu a sua liberdade perante o Juíz.
112

que exigiam algum tipo de condição. De acordo com Kátia Lorena Almeida, 308 a carta de
alforria era o ato jurídico por meio do qual o senhor transferia para o escravo a posse e o título
de propriedade que tinha sobre ele:

A carta de alforria era um documento produzido no âmbito de relações


privadas, sob condições que interessavam ao senhor, mas sem desconsiderar
a ação dos escravos – no sentido de conduzir e convencer seu senhor para
obter um resultado que lhe fosse favorável, constituindo-se numa tática de
dominação senhorial, inclusive pela possibilidade se sua revogação.309

Sobre os tipos de alforrias onerosas em Santo Antônio de Jesus, ou seja, aquelas que
foram pagas em espécie (dinheiro), identificamos, em 1879, a carta de liberdade da escrava
Roberta, em que foi declarada a forma de pagamento em dinheiro: “Pela presente carta, eu
Manoel Alves Pereira da Luz concedo o gozo pleno da liberdade a minha Escrava Roberta,
crioula, com dezessete anos, do serviço da lavoura, solteira, pela quantia de 400$000 mil réis
que da mesma escrava recebi”.310 O documento, como as demais cartas de alforrias, não fornece
informações sobre as formas que Roberta acumulou pecúlio para a compra da sua liberdade,
mas, pelo fato da mesma possuir apenas dezessete anos de idade, provavelmente teria contado
com a ajuda de teceiros e/ou familiares.
A cativa Feliciana também conseguiu comprar a sua alforria em 25 de Agosto de 1876,
pagando ao seu proprietário Manoel Feliciano Leal, a quantia de setecentos e cinquenta mil réis
750$000.311 Manoel Feliciano Leal menciona que recebeu a quantia da própria escrava. Por não
serem mencionadas nas cartas de liberdade as formas como os escravos adquiriam pecúlio,
entendemos que os mesmos usavam várias estratégias que permitiam reunir o suficiente para a
compra da sua liberdade.
Para um escravizado acumular pecúlio não era tarefa fácil, pois demandava, muitas
vezes, alguns anos de trabalho árduo. O cativo tinha que conseguir uma renda superior à exigida
por seu proprietário no seu dia-a-dia de trabalho. Uma das alternativas encontradas por muitos
foi trabalhar quase sem período de folga, para assim conseguir juntar pecúlio.312
As atividades desempenhadas pelos cativos em Santo Antônio de Jesus, que poderiam
proporcionar o acúmulo de um pecúlio, eram os trabalhos realizados nas roças, com o cultivo

308
ALMEIDA. Op. Cit. p. 60.
309
Idem. Ibidem. p. 62.
310
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1877. Carta de Liberdade da cativa
Roberta.
311
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1877. Carta de Liberdade da cativa
Feliciana.
312
REIS. Op. Cit. p. 66.
113

de produtos de subsistência, além da venda de produtos nas feiras livres e também outras
atividades como o comércio. Porém, identificamos em maior número as atividades do serviço
da lavoura. Fato que ainda se prolongou depois da abolição da escravidão, como ressalta
Edinelia Sousa para Santo Antônio de Jesus em um período posterior:

Na amostra de queixas e processos criminais ocorridos no município de Santo


Antônio de Jesus [...]. Os dados indicam, portanto, uma maior
representatividade de lavradores e comerciantes naquela localidade, mais uma
vez reafirmando as fortes características do mundo rural.313

Para Walter Fraga, a possibilidade de acesso a um lote de terra assegurava maiores


alternativas de subsistência, e também aumentava as chances do escravo acumular um pecúlio
para a compra de sua alforria.314
Sobre as estratégias de sobrevivência adotadas pelos cativos, a historiadora Maria
Cristina Wissenbach faz uma discussão interessante, apontando para as novas tendências da
historiografia sobre a escravidão, que devem ser observadas as várias práticas que nutriam a
vida cotidiana dos escravos: o cultivo das roças de subsistência, as trocas e comercialização de
objetos e gêneros necessários à vida, a produção independente de artefatos, a preparação dos
alimentos como pontos referenciais de extrema importância para a sobrevivência dos cativos.315
Constituíam, sem dúvida, arranjos de sobrevivência que se insinuavam em padrões
diferenciados dos delimitados pelo regime de trabalho escravo. Para os escravos, viabilizar a
existência diária significava, da mesma forma, dinamizar relações sociais de sobrevivência.
Para além da relação básica da sociedade senhor–escravo, outra dimensão social se desenvolvia,
produzindo uma rede de conexões vinculadas por laços afetivos, relações de vizinhança e de
parentesco.
Ainda sobre as alforrias, houve, em Santo Antônio de Jesus, as que foram concedidas
sob o título de gratuitas, as alforrias que não faziam menção a pagamento ou cumprimento de
condições. Um exemplo desse tipo de alforria foi a do escravo João, alforriado em 1880 por
José Joaquim de Lima Leal, que declarou, “[...] por minha própria espontânea vontade concedo
a liberdade ao meu escravo de nome João, preto, de trinta e cinco anos de idade, mais ou menos,

313
SOUZA, Edinelia Maria Oliveira. Pós-abolição na Bahia. Hierarquias, lealdades e tensões sociais nas
trajetórias de negros e mestiços em Nazaré das Farinhas e Santo Antonio de Jesus (1888/1930) - Rio de Janeiro:
Tese (Doutorado) - UFRJ/ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ Programa de Pós-graduação em História
Social, 2012, p. 191.
314
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhadas da liberdade: histórias de escravos libertos na Bahia (1870-1910) -
Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2006. p. 42.
315
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em São Paulo
(1850-1888). São Paulo, Hucitec/História Social, USP, p. 135, 1998.
114

solteiro. Que gozara de sua liberdade como se de ventre livre fosse”.316 Na realidade, esse tipo
de alforria não era totalmente gratuita, pois o escravo João, durante muitos anos, pagou pela
sua liberdade a José Joaquim de Lima Leal, com a sua força de trabalho.
A carta de alforria de Vicencia de 22 anos de idade, solteira, também foi concedida sem
pecúlio e sem condição: “Eu Francisca Maria de Jesus, declaro que sou Senhora e possuidora
da escrava Vicencia, de vinte e dois anos (22 anos) de idade, solteira; [...] a cuja Escrava
concedo a sua Liberdade como se de ventre livre nascesse. Santo Antonio de Jesus, 11 de Julho
de 1882”. 317 Não sabemos quais razões levaram Francisca Maria de Jesus a libertar a sua
escrava Vicencia sem pagamento de nenhum valor em dinheiro e sem nenhuma condição.
Em 04 de setembro de 1882, os herdeiros do finado José Ribeiro dos Santos, concederam
a liberdade ao escravo Manoel, de cor preta, com 50 anos de idade. A alforria foi concedida
sem pagamento de pecúlio, segundo o que declara a carta de liberdade, e o motivo da alforria
foi, “pelos serviços prestados ao nosso finado pai e sogro o mesmo José Ribeiro dos Santos”.318
O documento não aponta, mas alguns proprietários designavam em testamentos ou inventários
que após a sua morte alguns dos seus cativos fossem libertados. Porém, sabemos que assim
como o escravizado João e a escrava Vicencia citados acima, o cativo Manoel também pagou
pela sua alforria com os muitos anos de trabalho forçado, na casa do seu senhor.
Segundo Kátia Almeida a alforria gratuita era utilizada para agregar libertos
dependentes.319 Este pode ter sido o caso de Benedicto, pardo, 20 anos, alforriado em 1882. A
proprietária Maria José de Jesus declarou que o “[...] escravo por nome Benedicto, filho natural
de minha Escrava Josepha, parda, o qual escravo forro pelos bons serviços que me tem prestado
até o presente, cujo ato de liberdade faço de minha livre vontade”.320
Maria José de Jesus também concedeu liberdade no mesmo ano de 1882 ao irmão de
Benedicto de nome Jorge. O segundo era pardo, com 28 anos de idade, alforriado no mesmo
ano por Maria José de Jesus. Na carta de liberdade a proprietária declarou que o escravo Jorge
também era filho natural da sua escrava Josepha, e o motivo da alforria foi bem parecido com
o de Benedicto, ou seja, a liberdade de ambos os irmãos se justificava “pelos seus bons

316
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1877. Carta de Liberdade do escravo
João.
317
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1882. Carta de Liberdade da escrava
Vicencia.
318
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz, 1882. Carta de Liberdade do escravo Manoel.
319
ALMEIDA. Op. Cit. p. 89.
320
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1882. Carta de Liberdade do escravo
Benedicto.
115

serviços”.321 A alforria de Jorge se deu em 1882, sem pagamento de pecúlio e sem condição
alguma:
Digo eu Maria José de Jesus, que sou Senhora e possuidora, de um Escravo
por nome Jorge, pardo, idade de vinte e oito anos (28) mais ou menos. Filho
natural de minha escrava por nome Josepha, cujo escravo forro pelos seus
bons serviços, que me tem prestado até o presente, cujo ato de liberdade faço
de minha livre vontade, em perfeito juízo e sem constrangimento de pessoa
alguma, não podendo qualquer dos meus herdeiros opor da minha vontade, e
por isso lhe passo a Carta de Alforria; e por não saber ler e nem escrever pedir
ao senhor Reverendo Vigário José de São Bento Barauna que esta por
preparasse e assinasse a meu rogo. Freguesia de Santo Antônio de Jesus, 20
de Março de 1882.322

O documento não aponta quais os reais motivos que levaram Maria José de Jesus a
alforriar os seus escravos Benedicto com 20 anos e Jorge com 28 anos, ou seja, em plena idade
produtiva. A motivação que inspirava um(a) proprietário(a) a dar este passo testamental variava,
mas costumava incluir um ou mais dos seguintes fatores, quer isolados, quer combinados:
piedade cristã, filantropia social, considerações financeiras, paternidade (adotiva ou biológica),
recompensa pela gratificação sexual ou pelo companheirismo, reconhecimento da lealdade e
dos bons serviços prestados.323
Os cativos Benedicto e Jorge eram filhos de Josepha, também escrava de Maria José de
Jesus. Benedicto e Jorge certamente continuaram morando na casa da ex-senhora porque a sua
mãe Josepha, ao tempo de suas alforrias, era cativa de Maria José de Jesus.
Chalhoub percebeu a exclusividade do ato de alforriar nas mãos dos senhores como uma
política de domínio, uma das estratégias senhoriais para a produção de cativos e ex-escravos
dependentes, embora esta tenha sofrido certa falência nos derradeiros anos da instituição
escravista. Tratava-se de uma política de dominação e subordinação em que os senhores
buscaram garantir para si, negros escravos e libertos – fiéis e submissos a seus antigos
proprietários. 324 Percebemos nesses exemplos, estratégias senhoriais de criar ex-escravos
dependentes e eternamente gratos pela atitude “generosa e bondosa” da sua senhora. Que na
verdade, explorou e os obrigou a viver quase toda sua vida sob o trabalho forçado e o jugo do
cativeiro.

321
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1882. Carta de Liberdade do escravo
Jorge.
322
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1882. Carta de Liberdade do escravo
Jorge.
323
RUSSELL-WOOD. Op. Cit. p. 69.
324
CHALHOUB, Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.
116

A alforria gratuita era utilizada para agregar libertos dependentes, esse pode ter sido o
caso de Maria, casada, que foi alforriada em 1877 por Francisco Ignacio da Cruz. Kátia Almeida
salienta que este tipo de carta em geral pressupunha alguma afetividade entre o senhor e o
escravo, que compreendia variados tipos de relação.325
Após o falecimento da sua mulher, o proprietário Francisco Ignacio da Cruz concedeu
carta de liberdade à “[...] uma cria de nome Maria parda, com idade de 17 anos, casada com
Manoel Antônio Rodrigues, cuja cria por me merecer e pelo amor que lhe tenho a forro de
minha livre vontade, sem constrangimento de pessoa alguma. Santo Antônio de Jesus, aos 25
dias do mês de Outubro de 1877 [...]”.326
Segundo Kátia Almeida uma das justificativas para alforriar era o escravo ser cria da
casa, e os senhores terem estima por ele. Algumas crianças foram alforriadas por seus padrinhos
ou madrinhas. Enfim, os bons serviços e as relações afetivas e de parentesco constituíram
elementos importantes para o predomínio das mulheres (e de crianças) nas cartas de
liberdade. 327 As justificativas basearam-se no reconhecimento de qualidades pessoais e de
serviços prestados pelo escravo. Muitas expressões eram usadas nas cartas de liberdade como
“lealdade”, “fidelidade” e “bons serviços”. Muitos senhores expressaram abertamente
sentimentos de afetividade (“ser minha cria”, “por amor que lhe tenho”).328
A alforria da escrava Maria foi concedida de forma gratuita e a justificada “pelo amor
que lhe tenho”. Provavelmente Maria tivesse uma relação mais estreita com seu senhor e
poderia ser uma escrava doméstica. Além disso, Maria era casada com Manoel Antônio
Rodrigues, pessoa livre, que pode ter intercedido pela liberdade da sua mulher ou até mesmo
ser parente do proprietário da mesma.
Na busca pela alforria, a idade tornou-se, com o tempo, um elemento importante nos
pedidos de liberdade, indicando fortemente que a sociedade passara a julgar imoral a exploração
dos mais velhos. Aqueles que contavam com idade superior a quarenta anos utilizavam-se disso
nas petições, justificando sua debilidade para o trabalho por conta de doenças advindas da
velhice. Como o limite ainda não estava colocado, verificou-se um uso indiscriminado das mais
diferentes idades para caracterizar a velhice.

325
ALMEIDA. Op. Cit. p. 112.
326
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz (compra e venda) 1875-1877. Carta de liberdade de Maria.
327
ALMEIDA. Op. Cit. p. 111.
328
Idem. Ibidem. p. 116-117.
117

Porém, com a criação da Lei dos Sexagenários, surgiu lá no final do túnel a possibilidade
para aqueles escravos já idosos, sem força e sem vigor físico, alcançassem, mesmo que já no
final da sua vida, a esperança de liberdade.
Kátia Almeida ainda aborda sobre as possibilidades de liberdade que se ampliaram com
a Lei dos Sexagenários, que determinou a libertação dos escravos de 60 anos, impondo a esses
escravos a obrigatoriedade de indenizar seus senhores com prestação de serviços durante três
anos.329 Não conseguimos identificar para Santo Antônio de Jesus escravos libertos pela Lei
dos Sexagenários. Mas encontramos uma carta de alforria do escravo Marcellino em idade já
avançada, com 58 anos, crioulo, do serviço da lavoura, alforriado pelo casal Maria Joaquina de
Souza Barreto e Victorrino José Peixoto em 1880, “[...] Forro de minha livre vontade o escravo
Marcellino pela quantia de cinquenta mil réis (50$000), que recebi ao passar desta Carta de
Liberdade, pelo que poderá ele desde já gozar de sua liberdade, como se de ventre livre
nascesse”.330
Essa história do escravo Marcellino se deu em 1880 e a Lei do Sexagenário só foi
aprovada cinco anos mais tarde, em 1885. Portanto, não podemos afirmar que essa lei tenha
influenciado na libertação desse escravo, mas não podemos descartar a ideia de que a sua idade
avançada tenha contribuído para que os seus donos o libertassem por um valor mais baixo. Pois,
a força física, o estado de saúde e a idade eram fatores que influenciavam no preço dos escravos.
Certamente seria mais rentável para os senhores de Marcellino receber pela alforria do seu
escravo um valor de 50$000, ao invés de tentar vendê-lo. Provavelmente o valor de mercado
do escravo fosse menor ainda, o que pode ser indicado pela sua idade já avançada.
Como já mencionado, a documentação de Santo Antônio de Jesus não aponta, de forma
direta, cativos que tenham sido libertos pela Lei dos Sexagenários, mas o caso do escravo
Ignacio, provavelmente, tenha sido influenciado por essa lei, apesar de ter-se passado meses
antes da aprovação da mesma.331 Dona Antonia Maria de Sousa faleceu em 01 de agosto de
1882, sem testamento na fazenda denominada Cacete. Deixou como o inventariante o seu

329
ALMEIDA. Op. Cit. p. 95.
330
APMSAJ - Livro de Notas: Escrivão de Paz Escritura de Compra e Venda 1882. Carta de Liberdade do escravo
Marcellino.
331
Manuel Pinto de Sousa Dantas criou o Projeto Dantas - Em 1884, premido pela exigência de ações mais efetivas
com relação à escravidão. O projeto começava por definir algumas diretrizes para a emancipação: pela idade do
escravo; pela omissão da matrícula; e por transgressão do domicílio legal do escravo. Ao fixar 60 anos como idade
limite para o escravo, não prevendo qualquer tipo de indenização aos proprietários, desencadeou uma onda de
protestos antes mesmo do projeto ser apresentado à Câmara. MENDONÇA, Joseli M. N. Entre a mão e os anéis:
a Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas: Unicamp; Centro de Pesquisa em História
Social e Cultura, 1999.
118

esposo Joaquim Ingnacio da Mota, que no ano de 1884 mandou proceder a avaliação dos bens
deixados pela sua esposa para a criação do inventário.
No dia 27 de outubro de 1884, o Juíz de Órfãos, Capitão Reginaldo da Costa Cardoso,
o escrivão Luis dos Santos Castro, acompanhado pelo curador e avaliadores se dirigiram até a
Fazenda Cacete para avaliar os bens deixados pelo falecimento de Dona Antonia Maria de
Sousa. Entre os bens foram avaliados vinte e dois escravos, entre o quais o escravo “Ignacio de
cor preta, solteiro, do serviço da lavoura, com 75 anos de idade, por duzentos mil réis”.332
Neste ato apresentou o escravo de nome Ignacio a quantia de 200$000 mil réis, preço
por quanto foi avaliado, e requereu verbalmente ao Juíz que lhe mandasse passar sua Carta de
Liberdade, o que foi, pelo Juiz deferido e ordenado que se passasse a dita Carta e recebido a
mencionada quantia de duzentos mil réis, entregue ao inventariante Joaquim Ignacio da Motta.
Sabemos que o escravo não poderia se dirigir pessoalmente às autoridades judiciais, a não ser
por intermédio de um curador, ou seja, alguém que o representasse. Porém, a astúcia de Ignacio
de se dirigir pessoalmente e verbalmente ao Juíz de Órfãos é algo impressionante. Além disso,
outro fato curioso foi a previsibilidade e provisão de Ignacio em apresentar no ato da avaliação
a sua quantia pela qual fora avaliado.
Além de Ingacio foram avaliados mais vinte e um escravos, mas só ele requereu
verbalmente ao Juíz a sua liberdade. Não sabemos por que o Juíz concedeu a petição de Ignacio,
mas, talvez, pelo fato dele ser o escravo mais idoso, já com 75 anos de idade, tenha influenciado
na concessão do Juíz333. Ignacio também apresentou no ato da avaliação a quantia exigida. Mais
uma vez não podemos afirmar os meios pelos quais o escravo conseguiu juntar pecúlio, mas
podemos levantar várias hipóteses – o escravo poderia ter uma roça e comercializar os seus
produtos na feira livre da cidade; poderia ter recebido emprestado de familiares ou amigos;
prestado serviços de ganho; comercializado produtos artesanais que porventura fabricasse.
Poderíamos citar aqui várias possibilidades, mas o fato é que, sem dúvida, mesmo em idade já
avançada, após vários anos vivendo em cativeiro, Ignacio nunca tenha perdido a esperança de
um dia se desvencilhar do cativeiro. E com muita sagacidade e perspicácia, Ignacio conseguiu
conquistar a tão sonhada liberdade, pacientemente elaborada e sabiamente negociada em um
momento oportuno.

332
APEBA - Inventário 04/1719/2189/06, Santo Antônio de Jesus, 1884.
333
O primeiro projeto de Dantas criado em 1884, não conseguindo apoio, o Gabinete Dantas caiu e o Imperador
nomeou o conselheiro Saraiva para dar prosseguimento à questão. Saraiva promoveu emendas fundamentais no
projeto, que acabou aprovado por um terceiro Gabinete, o de Cotegipe. Afinal aprovada, a Lei Saraiva-Cotegipe,
ou dos Sexagenários, era muitíssimo menos abrangente do que o projeto original de Sousa Dantas. MENDONÇA,
Joseli M. N. Entre a mão e os anéis: a Lei dos Sexagenários e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas:
Unicamp; Centro de Pesquisa em História Social e Cultura, 1999.
119

A escrava Joanna de 70 anos de idade, também conquistou a liberdade em idade já


avançada, após a morte do seu senhor Francisco Alves Ribeiro. Os seus herdeiros Dona Anna
Joaquina do Amor Divino, Joaquim Marcellino da Silva e Almeida e Joaquim Ignacio de Souza
concederam a liberdade a Joanna, em 25 de abril de 1877, isso após o pagamento da quantia de
trinta mil réis (30$000).334 O documento não aponta dados que possam esclarecer se antes de
falecer Francisco Alves Ribeiro deixara registrado em seu inventário se era de sua vontade
libertar a escrava Joanna, e que após a sua morte os seus herdeiros resolveram atender ao seu
pedido, alforriando a mesma escrava por um valor pequeno. Ou ainda se a manutenção de Joana,
de idade bastante avançada, poderia ser um problema para os herdeiros, por não ser produtiva
e depender dos senhores para prover a sua sobrevivência. Sem dúvida, o baixo preço da cativa
Joanna se justificava pelo fato dela ser idosa, pois já estava com 70 anos de idade.
Sabemos que a liberdade da cativa Joanna, conquistada em 1877, não se justifica pela
Lei do Sexagenário criada oito anos depois, em 1885. Mas, o que estamos discutindo aqui é o
fato de escravos, que mesmo em idade avançada, quando o seu corpo já não tinha nenhum vigor,
mantinham vivas a esperança e a meta de um dia alcançar a liberdade.
Os herdeiros do finado José Ribeiro dos Santos, residentes em Santo Antonio de Jesus,
aos 04 dias de setembro de 1882, concederam a liberdade ao escravo Joaquim, de cor preta,
com 72 anos de idade, solteiro, sem pagamento de quantia alguma. O motivo da alforria foi
“Pelos bons serviços prestados ao nosso finado pai e sogro o mesmo José Ribeiro dos
Santos”.335 O trecho citado nos faz entender que era da vontade do inventariado José Ribeiro
dos Santos que os seus herdeiros libertassem o cativo Joaquim, também em idade já avançada,
e que essa liberdade fosse concedida sem pagamento de pecúlio.
Porém, como já discutimos, um escravo que trabalhou durante toda a sua vida para o
seu senhor, e que só obteve a liberdade após os 72 anos de idade, ou seja, no final da sua vida,
cetamente esperava que fosse recompensado com a liberdade, o que implica ter sido uma
liberdade não gratuita, muito pelo contrário, a liberdade do cativo Joaquim lhe custou toda uma
vida de dedicação e trabalho duro, prestados compulsoriamente ao seu proprietário.
Provavelmente, para os cativos idosos seria muito difícil sobreviver sem o apoio da
família e da comunidade, já que o seu vigor físico não eram mais o mesmo. Sendo assim, o
amparo da família e construção de laços comunitários eram de suma importância para os
últimos dias de vida, diante de um sistema tão perverso como a escravidão.

334
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz (Compra e Venda) 1875-1877. Carta de Liberdade lançada em notas
da Escrava Joanna.
335
APMSAJ- Livro de Escrivão de Paz 1882. Carta de liberdade do cativo Joaquim.
120

A Lei dos Sexagenários pode não ter sido decisiva para o fim da escravatura, mas gerou
algumas alforrias, assim como a Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro 1871, que também
influenciou para gerar novas alforrias, por ser a primeira a regulamentar o direito que o escravo
tinha de formar pecúlio. 336 Além disso, a lei concedia o direito ao escravizado que se
considerasse em “cativeiro injusto” recorrer à justiça e mover uma “ação de liberdade” contra
seu senhor. Sendo assim, de uma prática dominantemente vista como concessão senhorial, a
alforria tornou-se mais e mais conquista cativa.337
A alforria permitia ao ex-escravo o seu ingresso na sociedade civil “como se de ventre
livre houvesse nascido”. Isto assegurava ao liberto alguns direitos como: à família, à
propriedade, à livre disposição de seus bens, podendo também ser nomeado curador ou tutor de
outras pessoas carentes de capacidade civil.338
Além das possibilidades, de alguma forma abertas, a serem utilizadas pelo escravo para
conquistar a liberdade, a importância da família escrava se transformou em expectativa cada
vez mais próxima para a realização do sonho e projeto de liberdade. Kátia Almeida afirma que:

Ao buscar espaços de autonomia como moradia, cultivo e preparação dos


alimentos, a família escrava apresentava interesses próprios, às vezes
antagônicos aos interesses senhoriais. A construção de laços familiares
possibilitava, por outro lado, o enfrentamento da escravidão por meio de uma
rede se solidariedade entre esses membros.339

As redes de solidariedades construídas entre família, amigos, padrinhos e madrinhas


foram fundamentais na consecução do projeto de liberdade de muitos escravos, pois, para
aqueles que tinham laços familiares, não bastava a liberdade individual, mas o desafio de reunir
seu grupo familiar no ato concreto de liberdade. Seria uma busca persistente e de formas
variadas, seja por meios legais, ilícitos ou até desesperados, utilizando-se, na última instância,
da fuga coletiva ou individual, nas quais experiências escravas apresentaram-se na dinâmica
das lutas para libertar a si e aos seus do cativeiro, como veremos a seguir.340

336
ALMEIDA. Op. Cit. p. 90.
337
SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras, século XIX. Senhores e escravos no coração do Império.
–Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 256.
338
CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista –
Brasil, século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 29.
339
ALMEIDA. Op. Cit. p. 148.
340
REIS. Op. Cit. p. 111.
121

4.2- BATALHAS PELA LIBERDADE

Segundo Chalhoub, a maior parte dos cativos tentou mudar sua situação e buscar a
liberdade dentro do campo de possibilidades existente na própria instituição da escravidão. Tais
pessoas, longe de serem passivas ou conformadas com sua situação, procuraram mudar sua
condição através de estratégias mais ou menos previstas na sociedade na qual viviam.341
Nas Américas, a resistência dos escravizados, o medo de rebeliões e o problema das
fugas atormentavam os colonos e os administradores coloniais. Segundo Schwartz, essa
resistência assumia inúmeras formas e era expressa de diversas maneiras.

A lentidão nos ritmos de trabalho e a sabotagem eram, provavelmente, as


formas mais comuns de resistência, ao passo que a autodestruição por meio
do suicídio, infanticídio ou tentativas manifestas de vingança eram as mais
extremas no sentido pessoal.342

Porém, a forma mais comum de resistência escrava no Brasil colonial era a fuga, e um
dos problemas característicos do regime escravista brasileiro era a existência contínua e
generalizada de comunidades de fugitivos. Segundo Silvia Lara, as fugas eram um corretivo
natural, fruto do rigor do cativeiro, e:

faziam parte da escravidão não só porque os escravos resistiam à dominação,


mas também porque eram previstas e reconhecidas pelos senhores e pela
legislação metropolitana como algo permanente, um “dado de realidade” que
não era possível de ignorar, algo inscrito na própria visão que tinham do
escravo e da escravidão.343

A autora ainda ressalta que dentre as várias formas da resistência escrava, a fuga e o
aquilombamento constituíam, talvez, as mais radicais. As fugas tinham motivos variados,
podiam ser individuais, acompanhadas por um grupo ou coletivas. Em alguns casos, houve
escravos que fugiam para evitar castigos ou maus-tratos, para se esconderem após terem
cometido algum crime, ou ainda o fizeram a fim de procurar um padrinho que os ajudasse numa
disputa com seu senhor, e até mesmo para ficar próximo de familiares e amigos.344
João José Reis ao tratar da resistência negra no Brasil escravista, afirma que a
capacidade dos escravizados de opor-se aos projetos do senhor foi, algumas vezes, muito forte.

341
CHALHOUB. Op. Cit. p. 252.
342
SCHWARTZ. OP. Cit. p, 219.
343
LARA, Silvia Hunold. Campos da violência: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 295.
344
Idem. Ibidem. p. 238.
122

O historiador aponta que “nem sempre os poderosos senhores, ou seus prepostos, conseguiram,
mesmo no campo estrito da produção, impor suas vontades, ritmos e interesses”.345 Reis, em
concordância com Schwartz, descreve a relação entre senhor e escravo como uma relação de
negociação e conflito, na qual hora havia alguns embates, hora a existência de acordos entre
ambos.
Para J. J. Reis e Eduardo Silva, as fugas faziam parte do “complexo
negociação/resistência” e os autores admitem que a evasão dos escravos, na maioria das vezes,
não pretendia um rompimento radical com o sistema. Estas seriam, segundo os autores, fugas
reivindicatórias, nas quais os escravos não pretendiam um rompimento radical com o sistema,
mas seriam uma cartada – cujos riscos eram mais ou menos previsíveis – dentro do complexo
negociação/resistência.346
Nas batalhas pela liberdade, houve também os escravos que ganhavam a liberdade
ilegalmente e, em geral, de forma apenas temporária. Estes eram os escravos que fugiam de
seus senhores para outras localidades e, até mesmo, para lugares próximos.
Sabemos que a relação entre os senhores e os escravos constituía-se numa relação de
poder, em que o primeiro determinava a sua vontade ao outro. No entanto, esta relação não era
de mão-única. Os escravos também desenvolveram estratégias para, em alguns casos, terem as
suas vontades atendidas. Em Santo Antônio de Jesus, embora predominasse os pequenos e
médios empreendimentos agrícolas, no estabelecimento das relações entre os senhores e
escravos, segundo Isaías Alves, foram constantes as situações de insegurança, sendo registradas
sabotagens, insultos, revoltas de escravos e fugas.347
Para Isaías Alves, todas as fazendas prosperavam em 1870, quando a Vila de Santo
Antônio de Jesus era vista como terra de promissão. Essas fazendas ganhavam prosperidade,
provavelmente, através da exploração do trabalho escravo. Porém, o autor faz menção à
resistência escrava na região:

As violências dos escravos respondiam à crueldade e prepotência de alguns


senhores de engenho, que viviam, ainda no século XIX, no regime anterior ao
do servil medieval. No ano seguinte, surgiria, em 28 de setembro, a lei da
liberdade dos nascituros, que criava novos problemas sociais, fazendo surgir,
junto à mãe escrava, o filho livre.348

345
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 19-20.
346
REIS. Op. Cit. p.63.
347
ALVES, Isaías. Matas do Sertão de baixo. Salvador- BA: EDUNEB. pp. 47, 49, 53, 76 e 77.
348
Idem. Ibidem. p. 244.
123

Nesse trecho o autor aborda o universo violento da escravidão, para ele instituição
retrógrada, segundo parâmetros medievais. Os “novos problemas sociais” identificados pelo
autor após a lei do Ventro Livre, indicam a presença de “antigos problemas sociais”, os quais
poderiam caracterizar nas formas de resistência observadas por parte dos escravizados.
Apesar de não especificar quais seriam, se fugas ou ações mais agressivas dos escravos contra
seus senhores e contra a situação de viver em cativeiro, Alves compreende a situação
opressiva vivenciada pelos escravos, especialmente após a lei de 1871. Além disso, indica
sobre o descontentamento por parte de senhores com a criação da Lei do Ventre Livre, bem
como por parte de mães escravas ao gerarem filhos livres, os quais nasceriam na mesma
situação de escravidão.
Os problemas sociais previstos por Isaías Alves estariam ligados à disparidade das
novas realações a serem enfrentadas por mães e filhos numa situação ambígua em que
liberdade e escravidão se constituíam em tensão que esgarçava, progressivamente, os espaços
de opressão explicitados no cativeiro. Mães e filhos viveriam em situações jurídicas
diferentes, o que se constituía em mais uma questão a ser enfrentada por aqueles e aquelas
que rejeitavam o cativeiro – novas batalhas para garantir a liberdade integral de mães e filhos
legalmente reconhecida pelas leis emancipacionistas seriam iniciadas.
As diversas questões colocadas por parte dos escravizados naquele contexto
emancipacionista foram explicitadas ora através de caminhos jurídicos ou negociados, ora
através de ações de rebeldia, a exemplo das fugas. A motivação das fugas e a dispersão dos
cativos teriam significados variados no sistema escravista. O não cumprimento pelo senhor de
direitos do escravo, como folgas semanais e um pedaço de terra para cultivo próprio, ou a
experiência de rompimento de relações afetivas por causa de venda, são alguns fatores que
favoreciam a reações diversas por parte de escravos e senhores.
A fuga como um mecanismo de resistência, também ocorreu em Santo Antônio de Jesus.
Um anúncio publicado no Jornal O Regenerador, de Nazaré, informava:

Desapareceu no dia 3 do ano corrente no engenho Paraíso em Santo Antônio


de Jesus, o escravo de nome Vicente, pardo, [...] com idade de 17 anos mais
ou menos, magro dentes podres. Quem levá-lo no dito engenho ou der notícia
certa será bem recompensado. Nazaré 11 de dezembro de 1882.349

Vários motivos podem ter levado o escravo Vicente a realizar a fuga. Um desses
seria a possibilidade de reencontrar parentes ou familiares, já que ele tinha 17 anos ou menos.

349
APEBA - Microfilmagem. Jornal O Regenerador, filme 7, flesh 41, 1877.
124

É preciso ressaltar a resistência dos escravos e a capacidade que possuíam de criar e sustentar
laços de solidariedade e afetividade entre si, como bem analisa Isabel Cristina Reis. 350 As
possibilidades de relações de solidariedade também estiveram presentes nas experiências do
cativeiro, vividas em Santo Antônio de Jesus.
Porém, Isabel Reis ressalta que a liberdade do escravo fugido estava sempre por um fio.
Um fugitivo não podia descuidar um momento sequer para não ser descoberto e capturado:

Afinal, os proprietários de escravos fujões estavam sempre vigilantes, à


procura deles, mesmo muito tempo depois do seu desaparecimento.
Publicavam anúncios nos jornais, mesmo decorridos muitos anos da fuga,
bastando que tivessem algum indício do paradeiro dos fugidos para
alimentarem a esperança de recuperá-los, alertando as autoridades locais e a
sociedade como um todo.351

Ao fugirem dos engenhos em direção às cidades, os escravos acionavam laços de


parentesco e amizade com livres e libertos residentes nos centros urbanos. Esses laços não eram
negligenciados pelos senhores quando anunciavam nos jornais as fugas de seus cativos.352
No dia 27 de setembro de 1882, na Freguesia de Santo Antônio de Jesus, Joaquim da
Costa Pinto fez uma procuração para a cidade de Nazaré e Geral onde a mesma fosse
apresentada. Através do referido instrumento, Joaquim da Costa Pinto nomeava e constituía seu
bastante procurador o Capitão Manoel Pedro de Almeida Sande. O motivo da procuração era
“especialmente para que em nome dele outorgante, [fizesse] prender os seus escravos de nomes
André, crioulo, do serviço da lavoura e sua mulher Monica, de cor cabra, do serviço da lavoura,
que se encontravam refugiados na cidade de Nazaré”.353
Não sabemos os motivos que impulsionaram o casal de cativos André e Monica a fugir
para Nazaré, cidade bem próxima a Santo Antônio de Jesus, local onde residia o seu senhor
Joaquim da Costa Pinto. Poderíamos levantar várias hipóteses sobre a fuga do casal: esse casal
poderia ter alguns familiares em Nazaré que lhe dariam abrigo, isso porque, na procuração, o
proprietário afirmava que os dois encontravam-se “refugiados na cidade de Nazaré”, indicando
que o senhor sabia exatamente para onde os escravos teriam fugido, ou melhor, onde eles
estariam refugiados. O que nos leva a entender que os cativos contavam com o apoio e ajuda
de alguém e que tal fato era do conhecimento de seu senhor.

350
REIS. Op. Cit. 2007.
351
REIS, Isabel Cristina Ferreira dos. “UMA NEGRA QUE FUGIO, E CONSTA QUE JÁ TEM DOUS FILHOS”:
FUGA E FAMÍLIA ENTRE ESCRAVOS NA BAHIA. Revista Afro-Ásia 23 (1999), 27-46.
352
FRAGA FILHO. Op. Cit. p. 55.
353
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz, 1882. P.86. Procuração que faz Joaquim da Costa Pinto para a
cidade de Nasareth e Geral para ao Capitão Manoel Pedro de Almeida Sande.
125

Sabemos que as fugas se davam de várias formas, sendo elas individuais ou em grupos.
Esse é um exemplo de uma fuga em família, pois marido e mulher fujiram juntos. O documento
não identifica se eles possuíam filhos e, se tivessem, essa prole poderia viver no cativeiro com
os pais ou sobre cuidados de familiares, que talvez residissem em Nazaré, sendo um dos
motivos que fizeram este casal fugir para essa cidade. Porém, essa é uma hipótese que não
podemos comprovar através desse documento, ficando apenas no plano das possibilidades
interpretativas.
Além disso, muitos cativos fugiam para a cidade na busca por outras formas de
sobrevivência e, até mesmo, juntar algum pecúlio para comprar as suas cartas de alforrias.
Porém, independente dos reais motivos que fizeram o casal André e Monica fugirem, sabemos
que a fuga era uma tentativa desesperadora dos cativos para conseguir a qualquer custo se
libertar do cativeiro.
Como explicou Wilson Roberto de Mattos, a resistência deve ser re-entendida como
“[...] todo e qualquer conjunto de práticas escravas e negras, de um modo geral – ações, relações
pessoais, estratégias – que, no período, vislumbravam a liberdade como uma possibilidade
concreta [...]”, entendendo que a liberdade não significava apenas o fato de livrar-se do
cativeiro, mas também estratégias cotidianas que amenizassem a dureza da vida escrava.354
Porém, a liberdade através da fuga, na maioria das vezes, era temporária e a captura
poderia trazer muita dor e sofrimento pelos castigos perpetrados pelo senhor, como uma forma
de correção, e por ter um projeto de liberdade interrompido. Para punir alguns crimes cometidos
pelos cativos e para corrigir os escravos fujões, foi criado um departamento da Casa de Correção
apropriado ao castigo dos escravos, que para lá eram mandados a fim de serem punidos por
desobediência ou por faltas pequenas. Os escravos eram recebidos a qualquer hora do dia ou da
noite e retidos pelo tempo que os senhores desejassem,355 como foi o caso da escrava Marcelina,
recolhida à Casa de Correção em Santo Antônio de Jesus, em outubro de 1881.
No dia 31 de março de 1882, Estamislão Garcia de Rezende nomeou e constituiu como
seu bastante procurador José Bispo. O motivo da procuração foi, “especialmente para reaver a
sua escrava Marcelina, crioula, solteira, do serviço da lavoura, com 40 anos de idade mais ou
menos, que se encontrava recolhida a Casa da Correção, por se achar fugida desde 30 de outubro

354
MATTOS, Wilson Roberto de. Negros contra a Ordem: resistência e práticas negras de territorialização cultural
no espaço da exclusão social – Salvador-Ba (1850-1888). Tese de doutorado. São Paulo: PUC- SP, 2000.
355
KIDDER, Daniel P. e FLETCHER, J.C. O Brasil e os brasileiros. São Paulo: Cia. Nacional, 1941, p. 173.
126

do ano próximo passado”.356 A Casa de Correção tinha o objetivo de atender aos propósitos de
controlar e vigiar a vida urbana, em especial, as classes dos livres pobres, escravos e libertos.
A procuração emitida por Estamislão Garcia de Rezende revela que a fuga da sua
escrava Marcelina teria sido o motivo do seu recolhimento na Casa de Correção. Somente após
algum mêses da fuga de Marcelina, o proprietário mandou reaver a dita escrava. Provavelmente,
o recolhimento da cativa pela Casa de Correção tivesse sido autorizado pelo próprio senhor, por
esse ter sido, como era reccorente, um dos meios utilizados para disciplinar os escravos
fugitivos. Porém, a prisão de um cativo a mando do senhor não era uma opção viável, pois
poderia gerar prejuízos para o mesmo, pelo fato do escravo se ausentar das suas atividades
rotineiras e geradoras de renda.
A cadeia seria um meio eficaz de reprimir fugas de cativos. O que importava para essas
instituições de repressão era apanhar o fugitivo, devolvê-lo a seu senhor e receber o pagamento
devido. Este era um circuito que se fechava antes de chegar à instância judicial mais
complexa. 357 “O Livro I das Ordenações Filipinas mandava que os escravos presos fossem
sustentados pelos seus senhores. [...] Em caso de sentença que o livrasse da prisão, o escravo
só seria solto depois que o senhor pagasse os ditos gastos”.358
Percebemos que a fuga de um cativo poderia causava sérios prejuízos monetários para
o senhor, pois, além do escravo não estar gerando lucros pelo trabalho forçado, a captura de um
cativo e a sua devolução também provocava outros gastos para o proprietário.
Porém, também trabalhamos com a hipótese da cativa Marcelina ter fugido da casa do
seu senhor Estamislão Garcia de Rezende e ter sido recolhida como uma escrava suspeita de
fuga pela Casa de Correção. E só depois, já em 1882, o seu senhor tenha sabido do seu paradeiro
e tenha passado um documento de procuração para José Bispo, a fim de reaver a dita escrava.
Em seu trabalho sobre o Estado do Rio de Janeiro, Carlos Eduardo Araújo analisa
detalhes sobre os compartimentos da Casa de Correção e salienta que um dos compartimentos
conhecido como calabouço, era uma prisão destinada exclusivamente aos escravos e, nessa
época, estava localizada no Morro do Castelo. Para lá eram enviados apenas escravos detidos
como “suspeitos de fugidos”, praticantes de capoeira, infratores das posturas municipais ou a
mando de seus senhores. Nesta prisão sofriam o castigo de açoites e era a única onde não se
misturavam os status jurídicos dos detentos. Todos ali estavam sob o jugo do cativeiro. 359 Não

356
APMSAJ- Livro de Notas Escrivão de Paz 1882. Escrava Marcelina recolhida na Casa de Correção.
357
LARA. Op. Cit. p. 319.
358
Idem. Ibidem. p. 215.
359
ARAÚJO, Carlos Eduardo M. O duplo cativeiro: escravidão urbana e o sistema prisional no Rio de Janeiro,
1790 – 1821. Dissertação de Mestrado em História Social. Rio de Janeiro: PPGHIS/ UFRJ, 2004.
127

nos alongaremos sobre estes aspectos, dada a raridade com que aparecem mencionadas as fugas
em nosso corpus documental.
Em Santo Antônio de Jesus, uma vila distante dos principais centros urbanos da segunda
metade do século XIX, percebemos que as batalhas pela liberdade de cativos que ali habitavam
se deram de diversas formas no cotidiano das suas existências e com consequências variadas,
às vezes bem sucedidas, outras não. Isso reafirma, no âmbito de outras experiências escravas
no Brasil monárquico, que a situação de escravizado era uma experiência comum que atingia a
todos aqueles submetidos a essa instituição, seja nos mais importantes centros produtores, seja
nas pequenas e distantes vilas espalhadas no território imperial.
A escravidão, sitema opressor e repressor, contudo, foi testado, contestado, rejeitado e
concretamente negado por aqueles que demonstraram resistência e atuaram na conquista da
liberdade, seja pela forma negociada, pela constituição de elos afetivos e familiares que
ampliavam a margem da liberdade, pela compra da alforria e, quando a mesma não era possível,
por ações radicais que foram saídas tentadas e/ou conseguidas através das fugas e de outras
estratégias construídas e criadas ao longo da história de sujeitos submetidos ao jugo da
escravidão e que sonharam e projetaram a conquista da liberdade.
128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os laços familiares estabelecidos entre livres, libertos e escravizados em Santo Antonio


de Jesus, observados neste estudo, tiveram suas possibilidades ampliadas a partir da Lei 2.040
de 1871. Também, a partir da lei, com o reconhecimento do pecúlio do escravo, várias ações
foram movidas para favorecer as suas liberdades, intensificando-se entre os escravizados a
reivindicação das suas liberdades perante a lei.
Nesse trabalho foi possível identificar várias formas de relações familiares que se
estabeleceram entre os cativos de Santo Antônio de Jesus. Além disso identificamos uma grande
parte de famílias matrifocais, onde a presença da mãe era predominante na criação dos filhos.
Foi possível também localizar muitos casais com filhos ou sem filhos. Pais com filhos. Alguns
deles vivendo há muito tempo com seus descendentes. O que denota certa estabilidade da
família escrava bem como de seus laços familiares. Não estamos querendo dizer que esses pais,
mães, filhos, tivessem vivido em um sistema escravista marcado pela benevolência. Porém,
tanto os casamentos legalmente sancionados como as uniões livres tiveram importância
fundamental na sociedade, cultura e identidade escravas.
O parentesco engendrado por meio do batismo cristão, também chamado de parentesco
simbólico, representou para muitos cativos a recriação dos laços de família e possibilitou
àqueles escravizados e seus filhos a oportunidade de estender suas redes de solidariedade por
meio do compadrio, na perspectiva de fortalecerem-se em torno da sobreviência afetiva e
material, além de construírem um horizonte de liberdade pelas solidariedades entre os iguais.
No que diz respeito a padrinhos ainda escravizados, para muitos deles não foi possível conhecer
a condição civil de liberdade, mesmo terem contribuído para a liberdade de afilhados. Nas
diversas formas de apadrinhamento experimentadas entre os cativos, em que padrinhos e
madrinhas escravos apadrinhavam; padrinhos e madrinhas livres, ou padrinhos escravos e
madrinhas livres, apadrinhavam crianças cativas, e assim sucessivamente, o sistema de
parentesco ritual intensificou os crescentes laços de amizade e comunidade entre os escravos.
Sobre o sistema escravista em Santo Antônio de Jesus, identificamos o perfil de um
número de escravos relativamente pequeno, variando de dois a cinco cativos, o equivalente a
uma média de dois a três escravos por propriedade, além da organização das propriedades rurais
e seu nível de complexidade produtiva, se com casa, lavoura, benfeitorias, tipos de produção,
além da forte presença de mulheres proprietárias de terras e escravos.
129

As relações entre pessoas cativas, livres e libertas também foram possíveis de analisar,
as quais se configuraram através das relações familiares, de compadrio e de amizade,
demonstrando, assim, a grande capacidade dos escravizados em expandir os seus laços
familiares para além dos limites da propriedade e da condição jurídica. Apesar de Santo Antônio
de Jesus apresentar um maior número de pequenas e médias propriedades, os cativos foram
capazes de se articular em espaços limitados e distantes um do outro para criarem relações de
afetos e outras sociabilidades.
A presença da família foi importante para os projetos de liberdade dos escravos de Santo
Antônio de Jesus. Pudemos perceber que de diversas formas os escravizados buscaram para si
e seus entes queridos a tão sonhada carta de liberdade. Com muita astúcia e perspicácia, sempre
aproveitando as oportunidades, muitos deles puderam retirar a si próprio e os seus do cativeiro.
As alforrias pagas pelos próprios escravos, parentes, ou terceiros foram as formas mais
comuns em Santo Antônio de Jesus nas últimas décadas do século XIX. Para tanto, a perspicácia
e persistência dos cativos em adquirir pecúlios para si e para os seus por meios variados, teriam
ocorrido, como supomos, por meio de empréstimo feito por familiares, do cultivo de roças e da
comercialização de seus produtos na feira livre, entre outros meios desconhecidos.
Observamos outra possibilidade de liberdade, aberta também pela lei de 1871, que foi a
criação de um Fundo de Emancipação, composto por taxa e impostos sobre os escravos, loterias,
multas e contribuições. Várias cartas de liberdade foram registradas no cartório de Santo
Antônio de Jesus, sob requerimento do Fundo de Emancipação, o que não significou o total de
libertados por este meio, podendo existir outros documentos.
Sabemos que a alforria pelo Fundo não foi uma possibilidade que atendeu a uma
quantidade expressiva de escravos na Vila de Santo Antônio de Jesus, nem em outros lugares
do Brasil imperial estudados pela historiografia, mas a sua existência legal proporcionou não
somente expectativas e esperanças de liberade, mas serviu como surporte institucionalizado que
mobilizou escravizados a acionarem “direitos” previstos em lei para se libertarem, os quais
suplementaram, muitas vezes, recursos oriundos de pecúlios reunidos ao longo das suas vidas.
Nas últimas décadas da escravidão, a dinâmica presente no contexto emancipacionista
que vigorava nas principais cidades brasileiras, refletiu-se nas pequenas, médias e grandes
propriedades rurais, onde cativos e suas famílias lutavam cotidianamente para manterem e
ampliarem laços de amizade e parentesco, seja como estratégia fundamental de sobreviência,
seja como meio de alcançar a meta de viver em liberdade. Especialmente a partir da Lei de 1871
e a institucionalização do Fundo de Emancipação, os projetos de liberdade se tornavam cada
vez mais próximos de serem concretizados, mesmo que em pequena escala. Seriam meios que
130

somavam a outros tantos construídos nos espaços de embate, combate e negociação verificados
no universo da escravidão da Vila de Santo Antônio de Jesus.
131

FONTES DOCUMENTAIS

ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA (APEBA)


* Seção de Arquivo Colonial e Provincial.
Presidência da Província; Juízes Santo Antônio de Jesus - maço 2594 (1880-1889)
Seção Judiciária/ Inventários diversos

INVENTÁRIOS
Inventário 04/1719/2189/04, Santo Antônio de Jesus, 1883.
Inventário 04/1759/2229/13, Santo Antônio de Jesus, 1881.
Inventário 04/1759/2229/16, Santo Antônio de Jesus, 1888.
Inventário 04/1719/2189/11, Santo Antônio de Jesus, 1886.
Inventário 04/1719/2189/03, Santo Antônio de Jesus, 1883.
Inventário 04/1719/2189/12, Santo Antônio de Jesus, 1886.
Inventário 04/1759/2229/11, Santo Antônio de Jesus, 1871.
Inventário 04/1759/2229/12, Santo Antônio de Jesus, 1878.
Inventário 04/1759/2229/02, Santo Antônio de Jesus, 1885.
Inventário 04/1719/2189/08, Santo Antônio de Jesus, 1884.
Inventário 04/1719/2189/01, Santo Antônio de Jesus, 1882.
Inventário 04/1719/2189/10, Santo Antônio de Jesus, 1886.
Inventário 04/1759/2229/14, Santo Antônio de Jesus, 1879.
Inventário 04/1719/2189/06, Santo Antônio de Jesus, 1884.
Inventário 04/1759/2229/04, Santo Antônio de Jesus, 1885.
Inventário 08/3378/26, Santo Antônio de Jesus, 1888.
Inventário 08/3392/23, Santo Antônio de Jesus, 1887.
Inventário 08/3392/09, Santo Antônio de Jesus, 1885.
Inventário 08/3378/19, Santo Antônio de Jesus, 1887.
Inventário 08/3389/14, Santo Antônio de Jesus, 1886.
Inventário 08/3392/21, Santo Antônio de Jesus, 1887.
Inventário 08/3392/02, Santo Antônio de Jesus, 1883.
Inventário 08/3392/05, Santo Antônio de Jesus, 1884.
Inventário 08/3392/06, Santo Antônio de Jesus, 1885.
Inventário 08/3392/04, Santo Antônio de Jesus, 1883.
Inventário 08/3392/11, Santo Antônio de Jesus, 1885.
Inventário 08/3392/19, Santo Antônio de Jesus, 1886.
Inventário 08/3392/13, Santo Antônio de Jesus, 1887.
Inventário 08/3378/25, Santo Antônio de Jesus, 1888.
Inventário 08/3378/24, Santo Antônio de Jesus, 1888.
Inventário 08/3392/08, Santo Antônio de Jesus, 1884.
132

JORNAIS

A Mocidade, Santo Antônio de Jesus, 1882.


A Tribuna, Santo Antônio de Jesus, 1886.
O Regenerador, Nazaré, 1880.

ARQUIVO PÚBLICO MUNICIPAL DE SANTO ANTÔNIO DE JESUS (APMSAJ)

* Livro de Registro de casamento 1877-1879.


* Livro de Registro de Nascimento, 1878-1886.
* Livro de Registro de Nascimento, 1877.
* Livro de Notas Escrivão de Paz (Escritura de Compra e Venda), 1882.
* Livro de Notas Escrivão de Paz (Escritura de Compra e Venda), 1875-1877.
* Livro de Notas Escrivão de Paz (Escritura de Compra e Venda), 1882-1891.

ARQUIVO DO FÓRUM DE CASTRO ALVES (AFCA)

AFCA - Arquivo do Fórum de Castro Alves-BA. Tabelionato de notas e ofícios. Estante Nº 1.


Livro de procuração Nº 2, 1877-1878, f.91

AFCA - Arquivo do Fórum de Castro Alves-BA. Tabelionato de notas e ofícios. Estante Nº 1.


Livro de procuração Nº 2, 1877-1878, f.92
133

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