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SE A VIDA IMITA A ARTE, O DIREITO IMITA A VIDA....

FINALMENTE,
ENCONTREI UM EXEMPLO DE ERRO ESSENCIAL PARA ANULAÇÃO DE
CASAMENTO

Por Cristiano Chaves de Farias

Sempre, desde os tempos de graduação, tive uma repulsa por exemplos


envolvendo Caio, Tício e Mévio. Pareciam-me Os 3 Patetas, até porque os exemplos eram
impossíveis de se enxergar na realidade da vida.
Como não lembrar do exemplo referencial sobre a concausa simultânea: Caio e
Tício, ao mesmo tempo, mas com desígnios autônomos (um sem saber do outro), atiram ao
mesmo tempo em Mévio, que falece. Quem é o culpado? Será que quem pensou nisso acha
que a situação existe e é comum no dia-a-dia? E o que dizer quando Caio atira em Mévio
(quase sempre Mévio é um verdadeiro idiota nos exemplos...), mas antes de ser alvejado pela
bala, ele sofre um enfarto e falece? Sempre me pareceu um caso de desenho animado, em que
a bala parava e ficava esperando o desfecho.
Perdi a paciência quando se perguntou (pasmem!), em um concurso para o
Ministério Público, como resolver uma questão envolvendo dois gêmeos xifópagos (siameses,
aqui na Bahia) que, segundo a questão informava, haviam nascido na mesma data (fato
fundamental para elucidar o problema. Jamais tinha imaginado gêmeos xifópagos nascidos
em dias diferentes, até então). A questão propunha que se elucidasse o seguinte caso: Um
deles havia atirado em alguém, sem a vontade do outro, que era amigo da vítima. Teria havido
crime é imputável a quem? Tenha santa paciência! Não dava para suportar tamanho
desrespeito à inteligência dos juristas.
Acho que o Direito deve servir à realidade viva, não lhe bastando pretensão e
abstração. Parodiando NELSON RODRIGUES, o Direito deve servir à vida como ela é!
Talvez por isso, no que tange à anulação de casamento por erro essencial sobre a pessoa do
cônjuge, sempre tive dificuldades em aceitar o exemplo mais comumente proposto pela
clássica civilística: casar com o irmão gêmeo errado - sinceramente, a hipótese é de enorme
falta de atenção por parte de quem ainda está iniciando a vida conjugal...
De todo modo, reconheço que não é tão fácil pensar em situações nas quais se
incorre em erro sobre a pessoa do cônjuge no instante do casamento, para fins de anulação das
núpcias. Até porque tem de se provar que o erro existia no momento do casamento, mas
somente foi descoberto posteriormente. Se o erro pudesse se caracterizar em instante
posterior, talvez nem existisse divórcio - afinal de contas, o divórcio decorre da percepção de
que aquela pessoa não é bem como se pensou na data do matrimônio...
Pois bem, tenho acompanhado com atenção o noticiário desses dias em relação ao
Reino Unido. Malgrado as minhas preocupações sociais e globais para que o resultado do
plebiscito realizado não prejudique pessoas que já estão radicadas na Grã Bretanha, uma
curiosa nota referente à Scotland Yard me chamou particularmente a atenção:
http://brasil.elpais.com/.../1460386267_448855.html...
Encontrei, enfim, um exemplo verídico de erro sobre a pessoa do cônjuge. O caso
é de evidente erro no casamento, senão vejamos: alguns espiões ingleses se relacionavam com
mulheres que precisavam ser investigadas por atividades meramente suspeitas.
Aproximavam-se delas, fingiam ser determinada pessoa, ter determinada profissão, casavam,
moravam juntos, conheciam os amigos e parentes, os hábitos cotidianos, tinham filhos etc.
Quando dispunham das informações que precisavam, sumiam num passe de mágica, sem
deixar rastros, retomando a identidade originária.
Havia, pois, um total desconhecimento da verdadeira identidade física do marido!
Ademais, atendendo à parametrização do Art. 1.557 do CC02, o erro já era existente antes do
casamento, mas a sua descoberta foi posterior, tornando insuportável a continuidade da
relação. Vê-se, pois, claramente a anulabilidade do matrimônio.
Antevejo no casamento uma manifestação afetiva, não patrimonial. Mas, o caso
noticiado é vergonhoso. O Governo britânico já pagou uma indenização, mas parece cabível,
ainda, um ressarcimento de danos contra os espiões individualmente, além da anulação do
casamento. Porém, não é bastante. Acho que tem cabimento, também, uma indenização por
danos morais e materiais sofridos, além de eventual perda de uma chance - evidentemente se
for provada a subtração de alguma oportunidade futura.
A violação da personalidade das vítimas é flagrante. Também a afronta à boa-fé
objetiva (lesão à confiança) salta aos olhos. A depender do caso, poder-se-ia cogitar, até
mesmo, da ocorrência de danos psicológicos, com imposição de tutela específica, sob forma
de tratamento psicológico/psiquiátrico. Aliás, esses danos são cumuláveis, um não eliminando
o outro, na conformidade do que rezam as Súmulas 37 e 387 do STJ.
Lanço, na oportunidade, uma instigante reflexão: seria admissível a alegação de
dano à integridade física das ofendidas, por conta do contato corporal entre eles, decorrente,
contudo, da ilusão e do ardil perpetrados e não da vontade manifesta delas?
A competência para processar e julgar esse pleito ressarcitório é da vara de
família, admitida, inclusive, a cumulação dos pedidos na própria ação anulatória, uma vez que
são compatíveis e a competência é a mesma, ficando submetidos ao procedimento especial
das ações de família, previsto no art. 693 e seguintes do novo CPC.
É bem verdade que algumas pessoas se sentem na obrigação de casar, outras
casam por uma opção específica, outras ainda por falta de opção... Mas, o certo é que o
matrimônio há de ser compreendido como manifestação afetiva é tratado como tal.
Daí a lembrança de um sarcástico trecho do sensível JOÃO GUIMARÃES
ROSA, em Sagarana, contando a história de Mané Fulô, que, não tendo conseguido realizar os
seus objetivos de vida, resolve, então, casar: "É o jeito... Eu queria três coisas só: ter uma sela
mexicana pra arrear a Beija-Fulô... Ser boticário ou chefe de trem de ferro, fardado de boné!
Mas isso mesmo é que ainda é mais impossível... A pois, estando vendo que não arranjo nem
trem de ferro, nem farmácia, nem a sela, então me caso... Me caso, seu doutor!"

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