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Material Teórico
Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Revisão Textual:
Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicarone
Mitos e Verdades sobre as Línguas de
Sinais e a Pessoa com Surdez
Na atividade de aprofundamento de estudos, você encontrará uma entrevista concedida pela surda
Sueli Ramalho, na qual, de forma prática, muitos mitos discutidos na parte teórica da unidade são por
ela ilustrados através de sua história de vida. A partir dessa entrevista, você deverá produzir uma reflexão,
traçando um paralelo entre os conteúdos estudados e a entrevista.
A atividade de sistematização foi produzida de forma lúdica, empregando um recurso interativo
com questões que devem ser classificadas como verdadeiras ou falsas.
Aproveite as indicações de sites, filmes e leituras para a ampliação do conhecimento; eles favorecerão
a compreensão do conteúdo e auxiliarão a realização das atividades propostas.
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Contextualização
Neste momento você já deve estar se perguntando: comunidade surda? Língua de sinais?
LIBRAS? E mais: por que é que eu tenho que estudar isso?
Talvez esse assunto seja novo para você!
É provável que, ao longo da sua carreira, você se depare com surdos, membros da comunidade
surda, usuários da Língua Brasileira de Sinais.
É importante você saber que, assim como quaisquer outras comunidades, a comunidade
surda brasileira não é homogênea. Nela você vai encontrar surdos que oralizam e leem
lábios bem e outros que não o fazem, ou não o fazem tão bem; surdos que só sinalizam,
surdos que sinalizam e oralizam e, entre estes últimos, aqueles que fazem essas duas coisas
ao mesmo tempo.
Entretanto, apesar de toda essa heterogeneidade, há um importante laço que une a
maioria das pessoas surdas brasileiras e esse laço é a Língua de Sinais, língua através
da qual elas se comunicam, expressam seus pensamentos e sentimentos, contam piadas,
discutem desde as coisas mais banais do dia a dia até assuntos mais sérios e comple¬xos,
como política, por exemplo.
Apesar de o reconhecimento oficial da LIBRAS, através do Lei 10.436/2002, ser uma conquista
extremamente importante para todos os surdos do Brasil, ele é apenas o primeiro passo! Em
outras palavras, não basta reconhecer a LIBRAS como meio de expressão das pessoas surdas e
o direito destas de ter acesso à informação por meio dela. É preciso também preparar (formar)
todos aqueles que vão atuar diretamente com essa população. Além disso, faz-se necessário que
a sociedade como um todo seja conscientizada das lutas e conquistas da comunidade surda.
Nesta unidade, procuramos discutir muitos mitos em relação à pessoa com surdez e à Língua
de Sinais e também esclarecer algumas questões que servirão como ponto de partida para o
pleno entendimento de toda a disciplina.
Indico um belo vídeo de um coral de surdos interpretando, em Língua de Sinais Americana
(ASL), a música “Imagine”. Esse vídeo demonstra, de forma emocionante, essa heterogeneidade
dentro das comunidades surdas e seu elo inextinguível, que é a Língua de Sinais.
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Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
O que é mito? Podemos entender “mitos” como falsas ideias, visões ingênuas e/ou distorcidas
da realidade. Eles estão em toda parte!
Certamente você já deve ter tido a oportunidade de ouvir e/ou ler especialistas em uma
determinada área do conhecimento desfazendo “mitos” nos quais muitas pessoas acreditam,
não é mesmo? Você já deve ter ouvido e/ou lido médicos esclarecendo que determinadas
doenças podem ser contraídas de certa forma, mas não de outras; nutricionistas desmitificando
certas ideias sobre formas de perder peso, entre outras situações.
Nesta parte do material, vamos tratar de alguns mitos relacionados às Línguas de Sinais e aos
surdos que povoam o imaginário da maioria das pessoas.
Antes disso, entretanto, convido você a responder às perguntas abaixo. Para isso, peço que
tente responder a essas questões unicamente com base nos conhecimentos que você já tinha
antes de iniciar a leitura deste material. Caso julgue mais interessante, faça as perguntas abaixo
a uma outra pessoa! Vamos lá?
• Surdo, surdo-mudo ou deficiente auditivo? Qual o termo correto para
nos referirmos a este grupo?
• Todos os surdos realizam leitura labial?
• A Língua de Sinais é universal?
• Língua de Sinais ou Linguagem de Sinais?
• As línguas de sinais foram inventadas por ouvintes?
• As línguas de sinais são baseadas nas línguas orais?
• As línguas de sinais têm a mesma capacidade expressiva que as
línguas orais?
• As crianças aprendem línguas orais e/ou línguas de sinais de forma
semelhante?
• Quem é o intérprete de LIBRAS?
E então? Acredito que você tenha respondido a algumas questões com facilidade e, em
relação a outras, tenha ficado com alguma dúvida. Certo?
Na verdade, era exatamente isso o esperado, já que cada pergunta acima se refere a uma
das muitas falsas ideias que as pessoas normalmente têm a respeito das Línguas de Sinais e,
consequentemente, a respeito da pessoa com surdez.
Nesse sentido, convido você a ler as subseções a seguir, nas quais cada pergunta é respondida
e discutida.
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Ser surdo não é apenas não ouvir ou ouvir pouco; ser surdo vai além da aferição de decibéis
através de um audiograma; ser surdo implica uma questão mais linguística do que apenas patológica.
A esse respeito, o Decreto 5626/2005, em seu artigo 2º, declara:
Considera-se pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva, compreende
e interage com o mundo por meio de experiências visuais, manifestando sua
cultura principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Sinais - Libras.
Sendo assim, deficiente auditivo é o indivíduo que possui uma perda auditiva bilateral, parcial
ou total, porém não pertence à comunidade de surdos. Alguns utilizam a Língua Portuguesa
e outros, infelizmente, não desenvolvem nenhum tipo de comunicação, ficando limitados a
uma restrição auditiva. O indivíduo surdo possui uma cultura e identidade centrada em sua
comunicação espaço visual. Nesse sentido é um grande equivoco chamá-los de surdos-mudos.
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Todos os Surdos realizam leitura labial?
Não. Alguns surdos desenvolvem essa habilidade devido a treinamentos por anos a fio com
fonoaudiólogos; outros surdos que perderam a audição tardiamente também apresentam uma
facilidade para a leitura labial.
De acordo com Audrei Gesser (2009, p. 2009), “A leitura labial e o desenvolvimento
da fala vocalizada são habilidades que precisam de treinos árduos e intensos para serem
desenvolvidas”. O desenvolvimento da oralização não é uma habilidade natural para o surdo,
em especial para os congênitos.
Não! Uma evidência disso é a existência de uma língua de sinais chamada gestuno ou língua
de sinais internacional, que emergiu justamente da necessidade de comunicação entre surdos
de diferentes nacionalidades.
Pode-se dizer que, de forma geral, cada país tem a sua própria língua de sinais, havendo
países, no entanto, que têm mais de uma. No Brasil, por exemplo, além da Libras, temos
notícia da existência de uma língua de sinais indígena usada pelos índios urubu-kaapor,
localizados no sul do Maranhão.
Não podemos esquecer que a Língua é cultural, possui intima relação com a história de
seu país e com a comunidade que a utiliza. A exemplo disso, temos o sinal “cumprimentar”,
que é um vocábulo simples e que, porém, não pode ser universalizado, pois diferentes culturas
possuem formas distintas de cumprimentos, como se verifica na maneira de cumprimentar de
um brasileiro e de um japonês.
Para observar isso mais concretamente, veja sinais que significam “homem” em dife¬rentes
Línguas de Sinais e responda: eles são todos iguais, semelhantes ou diferentes? Esses sinais
contribuem ou não para a argumentação de que a Língua de Sinais não é universal?
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
HOMEM
(LIBRAS)
HOMEM
(língua
de sinais
HOMEM
(língua
de sinais
HOMEM
(língua
de sinais
britânica)
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HOMEM
(língua
de sinais
húngara)
HOMEM
(língua
de sinais
turca)
O termo correto é Língua de Sinais. Nosso país utiliza a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais),
que hoje é reconhecida como a segunda língua oficial em todo o território nacional de acordo
com a Lei de LIBRAS 10.436/2002:
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Apesar de as Línguas de Sinais não terem sido criadas por ouvintes e doadas aos surdos, esse
mito deve ter suas origens no fato de serem usados, até hoje, na educação de crianças surdas,
métodos que se pautam em sistemas artificiais de sinais, concebidos (majoritariamente) por
educadores ouvintes para fins de alfabetização dessas crianças. Entre esses métodos pode-se
citar o inglês sinalizado (Signed English), que consiste, basicamente, em uma versão gestual
do inglês falado.
As origens desse mito podem estar associadas também ao fato de os surdos fazerem uso do
alfabeto manual (conjunto de configurações de mão que representam letras do alfabeto que foi
inventado por ouvintes e adaptado por educadores de surdos para fins de sua alfabetização)
e de muitos acharem que as Línguas de Sinais se restringem a ele. Entretanto, apesar de ser
empregado na sinalização corrente, o alfabeto manual é usado, em geral, quando sinalizadores
querem fazer referência a um nome ou a um conceito expresso por uma certa palavra da Língua
Oral, mas para o qual não dispõem ainda de um sinal.
A Língua de Sinais não é baseada na Língua Oral; as duas são totalmente independentes.
A Língua de Sinais possui um canal visual gestual, ao passo que a Língua Oral possui um
canal oral auditivo; sendo assim, são totalmente diferentes. É um equivoco pensar que
a LIBRAS é a sinalização da Língua Portuguesa; as duas possuem estados linguísticos,
parâmetros e regras distintos.
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As línguas de sinais têm a mesma capacidade expressiva que as
línguas orais?
Sim! As pessoas devem, em geral, pensar que as Línguas de Sinais são menos expressivas
porque não veem essas línguas como línguas, mas como uma forma rudimentar de comunicação.
Não é à toa que, durante muito tempo na história da educação de surdos, predominou
uma corrente denominada oralismo, que tinha como objetivo principal ensinar aos surdos a
articulação da fala e a sua compreensão por meio da leitura labial.
Os educadores que propuseram essa corrente não concebiam as Línguas de Sinais como
línguas naturais e, portanto, defendiam o ensino da fala como forma de dar aos surdos uma
língua, já que, segundo sua visão, eles não tinham nenhuma!
Entre os argumentos dessas pessoas estava, justamente, a falsa crença de que a comunicação
por gestos era presa ao concreto e, como tal, impedia que os surdos atingissem o raciocínio.
Entretanto, não é isso que se observa na prática. As Línguas de Sinais não servem apenas
para falar de coisas concretas, imediatas e simples. Elas podem ser (e são!) usadas para falar de
coisas abstratas e complexas, como política, linguística, filosofia, entre outras.
Explore
Para compreender melhor a capacidade expressiva da LIBRAS, indico que assistam à interpretação
do Poema “Ou isto ou Aquilo”, de Cecília Meireles, e observem como até uma poesia pode ser ex-
pressa sem perder seus elementos constitutivos.
Site: http://www.youtube.com/watch?v=kKBtqTtGivE
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
A mesma coisa acontece com crianças surdas que, desde muito cedo, têm contato com surdos
adultos e, através da interação com eles, adquirem a Língua de Sinais. Não é preciso que os
sinalizadores que interagem com uma criança surda lhe deem aulas de LIBRAS. Pelo contato,
pelas trocas comunicativas, as crianças surdas, logo depois do seu segundo aniversário, (às
vezes antes) começam a produzir seus primeiros sinais, frases, e assim por diante.
O que particulariza a maioria das crianças surdas é que elas nascem em famílias ouvintes
e, portanto, ficam impossibilitadas de adquirir uma língua, já que não ouvem (logo, não têm
acesso à língua oral) e seus pais não sabem a Língua de Sinais.
A maioria das crianças surdas só adquire uma Língua de Sinais quando entra em uma escola
de surdos, ou seja, não adquire língua no mesmo período em que as crianças ouvintes.
Mãos ao vento, de Silvia Lia Grespan Neves, é o primeiro romance escrito por
uma autora surda no Brasil. Ele conta a história de Paola, uma moça surda, que se
envolve com Raul, um rapaz ouvinte. A autora usa a aproximação afetiva dessas
duas personagens para apresentar, de forma leve, vários aspectos da cultura surda
e várias questões relacionadas à surdez. Sendo assim, o livro é uma grata porta de
entrada para o mundo dos surdos. Por ter sido produzido de forma independente,
a compra desse livro só pode ser feita na FENEIS-SP (Federação Nacional de
Educação e Integração do Surdo).
Mãos ao vento (Silvia Lia Grespan Neves, São Paulo, 2010):
Para mais informações, acessar o site < http://www.feneissp.org.br/index.php>.
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Explore
Para ter acesso ao documento integral do MEC, que versa sobre o tradutor e intérprete de Língua
Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa, acesse:
http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/tradutorlibras.pdf
Assim, tendo refletido e discutido sobre essas questões, tenho certeza de que seu olhar frente
à comunidade surda terá, a partir de agora, um novo paradigma. Podemos concluir este texto
neste instante, sabendo que algumas questões foram respondidas e mitos desconstruídos,
porém tenho certeza de que você ainda irá se surpreender muito com esse novo mundo de
experiências visuais gestuais.
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Material Complementar
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Referências
BRASIL. Lei n º10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de
Sinais-Libras e o art. 18 da Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000.
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Unidade: Mitos e Verdades sobre as Línguas de Sinais e a Pessoa com Surdez
Anotações
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www.cruzeirodosulvirtual.com.br
Campus Liberdade
Rua Galvão Bueno, 868
CEP 01506-000
São Paulo SP Brasil
Tel: (55 11) 3385-3000
Língua Brasileira de Sinais
Material Teórico
História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Revisão Textual:
Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicarone
História da pessoa com surdez ao
longo dos tempos
• O Surdo na Antiguidade
• Idade Média
• Idade Moderna
• Idade Contemporânea
Atente-se para a evolução dos fatos, que revelam diferentes concepções presentes nessa trajetória.
Dessa forma, você poderá compreender melhor o momento atual em que vivemos e, ainda mais,
você irá valorizá-lo, pois perceberá que muitas de nossas conquistas atuais estão centradas na
superação de muitos homens e mulheres determinados a intervir em uma sociedade excludente,
para torná-la mais humana e inclusiva.
Nesta unidade, a atividade de aprofundamento a ser realizada será um fórum de discussão.
Participe da discussão, colocando seu ponto de vista de maneira clara e objetiva, favorecendo a
interação e contribuindo para a aprendizagem coletiva.
Na atividade de sistematização do conhecimento, tire proveito da autocorreção. Ela será
importante para apreensão dos conteúdos da disciplina.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Contextualização
Atualmente a LIBRAS é reconhecida como a segunda língua oficial de nosso país através
da Lei 10.436/02. Os surdos possuem direito a uma educação bilíngue que atenda a suas
especificidades. Porém nem sempre foi assim. Durante séculos de nossa história, os surdos não
tinham direitos como:
• utilizar a língua de sinais;
• frequentar os mesmos locais que os ouvintes;
• casar-se;
• testamento, entre outros.
A história da pessoa com surdez tem sido marcada por grandes lutas e conquistas. Convido
você a assistir um emocionante vídeo que retrata um pouco dessa história e das dificuldades
enfrentadas por muitos surdos.
LINK: http://www.youtube.com/watch?v=XVp6Qh6ZXlo
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História da pessoa com surdez ao longo dos tempos:
um percurso de lutas e conquistas
A partir da oficialização da Lei de LIBRAS 10.436, em 2002, muitos direitos das pessoas
com surdez foram conquistados e consolidados. Hoje os surdos possuem uma língua que é
reconhecida, em todo o território nacional, como a segunda língua oficial de nosso país. O uso
e a difusão da LIBRAS são garantidos legalmente.
Porém não foi sempre assim. Por longos períodos, os surdos foram proibidos de usar a Língua
de Sinais e, em algumas épocas, eram até mesmo mortos; não tinham direito à vida. Para que
você compreenda um pouco dessas lutas e conquistas da comunidade surda, nesta unidade
faremos um breve panorama histórico desse percurso ao longo dos tempos.
O Surdo na Antiguidade
De acordo com Márcia Honora (2009), para os gregos e os
romanos, em linhas gerais, os surdos não eram considerados
humanos, não tinham direito à vida. A surdez era considerada
uma maldição dos deuses e, por isso, muitos surdos eram
lançados em precipícios e outros eram lançados nos rios. Nessa
época, os surdos que não eram mortos viviam miseravelmente
como escravos ou eram abandonados.
Thinkstock.com
Para o filósofo Aristóteles, nesse período, o sentido mais importante para o desenvolvimento
do pensamento era a audição; assim, os nascidos surdos não poderiam jamais desenvolver o
pensamento, estavam reduzidos ao mesmo patamar que os animais.
De acordo com Éden Veloso e Valdeci Maia (2009), na China, os surdos eram lançados ao
mar ou sacrificados a “Teutates”, por ocasião da festa do Agárico. Nesse período, os surdos
eram vistos como miseráveis, doentes, amaldiçoados e incapazes de desenvolver o pensamento.
Idade Média
Neste período, muitos relatos sobre a pessoa com
surdez foram perdidos, pois muitos surdos ainda estavam
sendo banidos da sociedade. A concepção de que os
surdos eram incapazes e limitados prevalecia.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Conforme Márcia Honora e Mary Frizanco (2009), na Idade Média, os surdos eram
privados do casamento para não gerarem outros “imperfeitos”. Também não tinham direito à
escolarização, não era permitido que frequentassem os mesmos locais que os ouvintes e, ainda,
não tinham direito ao testamento, pois não possuíam uma língua inteligível. No entanto, nessa
época, os nobres, para não dividirem suas heranças com outras famílias, casavam-se entre si, o
que gerava grande número de surdos entre eles.
Os surdos também não possuíam acesso à religião, pois, por não terem uma língua inteligível
(segundo a sociedade da época), suas almas eram consideradas mortais. A partir da análise desse
contexto, a Igreja iniciou uma tentativa de educar e doutrinar os surdos, conforme o relato a seguir:
Conforme podemos observar através desse relato, uma das primeiras tentativas de educação
dos surdos foi mediada por monges, porém, muitas vezes, a base dessa educação estava centrada
em interesses econômicos e religiosos. Vale ressaltar, ainda, que, embora os monges utilizassem
uma linguagem gestual, seu foco de trabalho era voltado para oralização dos surdos.
Idade Moderna
Neste período, os estudos sobre a pessoa com surdez tornaram-
se mais disponíveis. Muitos estudiosos renomados começaram
a investigar a surdez e traziam diferentes concepções sobre os
surdos. Alguns começaram a apontar a importância da Língua de
Sinais para o desenvolvimento das pessoas com surdez, porém
a maior parte desses estudos ainda trazia a língua oral auditiva
como sendo a única capaz de libertar os surdos de seu isolamento
e possibilitar-lhes uma forma de comunicação. Muitos filósofos,
professores, médicos e pesquisadores da época recomendavam
a imposição da língua oral para a educação e comunicação dos
commons.wikimedia.org
surdos, em detrimento da Língua de Sinais.
De acordo com Moura (2000), a primeira alusão à possibilidade de o surdo aprender por
meio da Língua de Sinais ou da língua oral é encontrada em Bartolo della Marca d’Ancona,
escritor e advogado do século XIV.
Neste período, uma importante declaração foi realizada por Girolamo
Cardano (1501-1576), médico e filosofo que reconheceu que a surdez
não era um impedimento para a razão e a instrução. Afirma que “... a
surdez e mudez não é o impedimento para desenvolver a aprendizagem e
que o meio melhor dos surdos aprenderem é através da escrita... e que era
um crime não instruir um surdo”, conforme cita Éden Veloso (2009). Girolamo Cardano (1501-1576)
commons.wikimedia.org
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O interesse nos estudos direcionados aos surdos,
por parte de Girolamo Cardano, teve início porque seu
primeiro filho nasceu surdo.
Moura (2000) relata que o verdadeiro início da
educação do surdo surgiu com o monge beneditino
Pedro Ponce de León (1520-1584), que se dedicou
a educar e ensinar os sacramentos sagrados a surdos de
famílias nobres. Ele ensinava-os a falar, ler, escrever e
rezar. Alguns aprenderam filosofia natural e astrologia e,
através de suas faculdades intelectuais, demonstravam
que eram capazes de aprender, o que, anteriormente,
Pedro Ponce de León ensinando um aluno
foi negado por Aristóteles. commons.wikimedia.org
León utilizava uma metodologia pautada na escrita, datilologia (alfabeto manual) e oralização.
Inicialmente ensinou dois irmãos surdos de uma importante família aristocrata. Na época, havia
uma grande preocupação em oralizar os surdos, em especial os primogênitos, pois, legalmente,
se estes não aprendessem a falar não teriam direito à herança da família.
Conforme Honora (2009), o padre Juan Pablo Bonet (1579-1623) publicou, em 1620,
em Madrid, o tratado de ensino de surdos chamado: “Redação das Letras e Artes de Ensinar
os Mudos a Falar”. Esse tratado previa a escrita sistematizada do alfabeto como facilitador da
oralização. Bonet acreditava que seria mais fácil para os surdos aprenderem a falar e ler se cada
letra do alfabeto fosse substituída por uma forma visual.
Reducción de las letras y arte para enseñar a hablar a los mudos (Bonet, 1620)
commons.wikimedia.org
Porém há relatos de que já havia sido publicada uma representação do alfabeto manual pelo
monge Melchor de Yebra (1526-1586) aproximadamente trinta anos antes da publicação de
Bonet em 1620. É difícil determinar uma época e um nome preciso para a criação do alfabeto
manual, uma vez que, como vimos anteriormente, os monges em clausura na Idade Média já
utilizam uma forma de linguagem gestual que representava as letras do alfabeto para que não
ficassem totalmente incomunicáveis.
Não obstante uma das formas mais antigas do alfabeto manual de que se tem notícia era
bimanual e utilizava as duas mãos para representá-lo. É utilizado, atualmente pelos surdos
no Reino Unido, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e algumas zonas do Canadá. Veja
ilustração a seguir:
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Alfabeto bimanual
commons.wikimedia.org
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De acordo com Moura (2000), outro importante personagem inglês na história dos surdos foi
John Wallis (1616-1703), seguidor do método de Bonet. Ele trabalhava com um pequeno grupo
de surdos na tentativa de ensiná-los a falar, porém declarou que essa fala se deteriorava, pois o
surdo necessitava constantemente de um retorno externo para monitorá-lo. Após abandonar o
ensino da fala para os surdos, passou a utilizar a Língua de Sinais para ensiná-los e considerou
a língua visual gestual fundamental para o ensino da pessoa com surdez. É muito curioso que,
embora Wallis tenha desistido de ensinar os surdos a falar, ele é considerado o fundador do
oralismo na Inglaterra.
Ainda conforme Moura (2000), um século mais tarde, Thomas Braidwood (1715-1806)
leu o trabalho de Wallis e seguiu sua linha de trabalho, defendendo e divulgando a oralização dos
surdos. Infelizmente Braidwood considerou apenas a fase oralista das pesquisas de Wallis, não
atentando para o fato de que o próprio Wallis, no final de sua vida, desistiu de ensinar os surdos
a falarem, rendendo-se à Língua de Sinais e declarando sua importância no desenvolvimento
da pessoa com surdez.
Braidwood fundou uma escola para surdos em Edimburgo, onde trabalhava com surdos
e outras crianças com problema de fala. Suas técnicas incluíam o uso do alfabeto manual,
pronúncia e leitura orofacial. Essa escola tornou-se referência na correção dos distúrbios da fala
na Europa. Muitas outras escolas foram fundadas com base nas técnicas de Braidwood. Todas
elas eram organizadas e dirigidas por membros de sua família, que mantinham suas técnicas em
segredo, não dividiam seus métodos, pois não queriam dividir o monopólio financeiro adquirido
através de suas técnicas.
Moura (2000) conta-nos que Charles Green foi a primeira criança americana a frequentar a
escola e obter sucesso no desenvolvimento orofacial. Seu pai, Francis Green, ficou tão motivado
com o sucesso do filho que decidiu lutar pela abertura de novas escolas para surdos baseadas
nas técnicas de Braidwood. Obviamente não obteve apoio deste, que não desejava divulgar seu
método nem dividir seus lucros.
Apesar do sucesso obtido no desenvolvimento da fala, quando Charles Green voltou para
os Estados Unidos, sua fala regrediu muito e Green passou a defender a Língua de Sinais e a
criticar as técnicas de Braidwood.
No final da Idade Moderna, um grande nome apareceu: Charles Michel L’Epée (1712 –
1789). Muitos atribuem a ele a criação da Língua de Sinais, porém, como vimos anteriormente,
muitos de seus antecessores já acreditavam e divulgavam a Língua de Sinais como sendo uma
forma real de desenvolvimento para os surdos.
Trocando Ideias
É importante ressaltar que não podemos atribuir uma data ou um nome específico para a criação da
Língua de Sinais, pois ela existe deste que existem surdos, ou seja, desde o início da humanidade.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Porém, conforme aponta Moura (2000), um dos grandes diferenciais de L’Epée foi ter a
humildade de aprender a Língua de Sinais com os surdos e de considerar o que eles já traziam,
além de reconhecer os sinais como uma língua que podia, efetivamente, expressar conceitos
concretos e abstratos.
Éden Veloso e Valdeci Maia (2009) contam que L’Epée manteve contato com surdos carentes
que perambulavam pela cidade de Paris (nesse período não era permitido o extermínio dos
surdos como na Antiguidade, porém muitos surdos de origem humilde eram abandonados
por suas famílias), procurando aprender sua forma de comunicação e sistematizar seus estudos
sobre a Língua de Sinais.
Seu método combinava os sinais utilizados por seus alunos com a gramática da língua
francesa e foram denominados “Sinais Metódicos”, e utilizados até1830. Moura, em seu livro
O Surdo: caminhos para uma nova identidade, aponta:
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Idade Contemporânea
Você se recorda do Instituto de Surdos-Mudos de Paris fundado por L’Epée? Esse Instituto foi
um marco na história dos surdos e no reconhecimento da Língua de Sinais. Mas, após a morte
de seu fundador L’Epée, o que aconteceu? A Língua de Sinais foi adotada também por outros
professores, médicos e estudiosos? O que você acha? Veremos, agora, o que aconteceu com o
renomado Instituto Nacional de Surdos-Mudos de Paris.
Importante
Não se esqueça de que a concepção de surdez da época era diferente da atual e o termo Surdo-Mu-
do, atualmente, não deve ser utilizado, conforme vimos na unidade anterior.
Moura (2000) relata que, em 1790, Abbé Sicard (1742-1822) assumiu a direção do Instituto
Nacional de Surdos-Mudos no lugar de L’Epée. Sicard publicou dois livros: um de gramática
geral e outro com um relato de como ensinou Jean Massieu (surdo).
Jean Massieu tornou-se um renomado professor surdo da época e, após a morte de Sicard,
foi o nome mais indicado para, naturalmente, assumir a direção do Instituto. Porém isso não
aconteceu. Ele foi afastado por Jean-Marc Itard e Baron Joseph Marie de Gérando, que eram
grandes opositores da Língua de Sinais.
Jean-Marc Itard (1775-1838) tornou-se médico residente do Instituto Nacional de Surdos-
Mudos de Paris; buscava entender qual a causa da surdez e constatou que sua origem não era
visível. Assim, realizava experiências com os surdos buscando erradicar a surdez. Muitos de seus
procedimentos eram desumanos e invasivos e, entre eles, podemos citar:
• uso de sanguessugas para perfurar as membranas timpânicas de alunos surdos;
• uso de descargas elétricas nos ouvidos dos surdos;
• perfuração de membrana timpânica (levando um aluno à morte por esse motivo).
Após anos de trabalho e pesquisa, Itard reconheceu que a melhor forma para o ensino dos
surdos era a Língua de Sinais.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Explore
Para conhecer mais sobre a Gallaudet University, indico a visita ao site oficial em:
http://www.gallaudet.edu/
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Não podemos deixar de comentar que um dos mais conhecidos defensores do oralismo da
época que foi Alexander Graham Bell (1847-1922), cientista e inventor do telefone. Ele
julgava que a Língua de Sinais era inferior à língua oral e que a surdez era um desvio e, ainda, que
o casamento entre surdos era um perigo para a sociedade, embora sua própria mãe fosse surda.
Éden Veloso (2009) conta que, em 1873, Alexander Graham Bell ministrava aulas de
fisiologia da voz para surdos na Universidade de Boston quando conheceu a surda Mabel
Gardiner Hulbard, com quem se casou em 1877. Mabel era oralizada e não gostava de estar na
presença de outros surdos; para ela os surdos deveriam se passar por ouvintes encaixados no
mundo. Graham Bell criou o telefone em 1876, tentando criar um acessório para surdos.
Honora (2009) também relata um importante acontecimento nesse período: o I Congresso
Internacional de Surdos-Mudos no ano de 1878 em Paris. Nesse evento foi definido que o
melhor método para educar os surdos era a oralização e a utilização de gestos nas séries iniciais.
Porém dois anos mais tarde, em 1880, aconteceu, em Milão, o II Congresso Mundial de Surdos-
Mudos, em que foi promovida uma votação para decidir entre a oralização e a Língua de
Sinais. O questionamento em pauta era saber qual seria o melhor método para a educação
dos surdos. Após a votação, a oralização venceu e a recomendação oficializada foi do oralismo
puro, proibindo-se totalmente o uso de sinais. Honora ainda ressalta que apenas um surdo
esteve presente ao congresso, mas não teve o direito a voto, sendo convidado a se retirar da
sala de votação.
Podemos perceber que esse período foi marcado por lutas e conquistas entre surdos e ouvintes.
Muitos dos estudiosos, professores e médicos da época que defendiam a oralização, após anos
de trabalho, compreenderam que apenas através da Língua de Sinais o surdo poderia sair de
seu isolamento e, realmente, estabelecer um processo comunicativo integral.
Infelizmente, na história das pessoas com surdez não foi dado o protagonismo ou a liberdade
de escolha para os próprios surdos. Podemos perceber que, durante muito tempo, não foi dada
“voz” aos surdos, foi lhes negado o direito de escolha, de decidir sobre sua própria vida.
Vimos um pequeno relato do percurso histórico dos surdos ao longo dos tempos em diferentes
países. Mas ... como foi esse cenário de lutas e conquistas em nosso país? Vejamos, agora, um
pouco da história dos surdos no Brasil.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
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Para conhecer mais sobre o “Dia Nacional do Surdo”, veja a reportagem realizada pela
NBR Noticias publicada no site a seguir: http://www.youtube.com/watch?v=gW7rIE3OL1s
Dessa forma nossa Língua de Sinais começou a ser sistematizada, Não se esqueça de que,
conforme vimos anteriormente, a Língua de Sinais sempre existiu; Huet apenas auxiliou a
organização dessa língua através de sua experiência e de importantes documentos trazidos de
Paris. Em 1861, Huet deixou a direção do Instituto por problemas pessoais e foi para o México,
onde fundou uma escola para surdos.
Após a saída de Huet, muitos diretores com diferentes concepções passaram pelo Instituto,
conforme Moura (2000) e Honora (2009). Podemos citar alguns, como:
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Realizava testes de inteligência nos alunos e relacionava os resultados
com a aptidão para a oralização. Após esses testes, os alunos eram
separados de acordo com a seguinte classificação: surdos-mudos
completos, surdos incompletos, semissurdos propriamente ditos e
Dr. Armando Paiva de
1930 semissurdos. Seu objetivo era que as salas de aulas fossem o mais
Lacerda
homogênea possível para facilitar o trabalho de oralização realizado
pelo professor. Nomeou esse método de Pedagogia Emendativa do
Surdo-Mudo. Ele considerava que o trabalho dos professores com
crianças surdas era difícil e ingrato.
Profª Ana Rímoli de Implantou o Curso Normal de Formação de Professores para Surdos.
1951
Faria Dória A metodologia utilizada era o Oralismo.
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Para conhecer melhor o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES – e o trabalho realizado atu-
almente, acesse esta bela reportagem disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=8L0zKJAdRTs
Como você pode perceber, a história das pessoas com surdez foi e ainda continua sendo
marcada por lutas e conquistas. Esta visita à história dos surdos ajuda-nos a entender o momento
atual em que vivemos. Também podemos perceber que muitos mitos associados ao surdo,
que estudamos na unidade anterior, estão alicerçados em sua própria história e também em
concepções equivocadas que, ao longo do tempo, foram construídas.
Durante muitos anos, a educação de surdos foi essencialmente pautada em uma Concepção
Oralista, com foco no treino orofacial e desenvolvimento da fala, proibindo-se o uso de sinais.
O objetivo primordial era a busca da “normalidade” e, infelizmente, muitos professores,
pesquisadores e cientistas acreditaram que apenas a fala poderia conferir o acesso dos surdos à
sociedade. Durante séculos a Língua de Sinais foi considerada inferior à Língua Oral.
Conforme Honora (2009), a concepção oralista em nosso país perdeu força em meados de
1970, com os estudos de Ivete Vasconcelos, educadora surda da Universidade de Gallaudet,
que trouxe para o Brasil a Concepção da Comunicação Total. Nessa abordagem, os sinais,
mímicas, gestos e expressões faciais são permitidos, porém concomitantemente ao uso da
Língua Portuguesa; o objetivo principal ainda era fazer com que o surdo desenvolvesse a fala.
Apenas a partir de 1980, em nosso país, começou a ser pensada uma Concepção Bilíngue de
educação para surdos. Nessa abordagem, a Língua de Sinais passou a ser considerada a língua
materna dos surdos congênitos e seu aprendizado, realizado de forma natural. Saiu de cena o
discurso clínico e o surdo passou a ser visto como diferente. A LIBRAS foi reconhecida como a
segunda língua oficial de nosso país por decreto federal.
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Ser surdo não é apenas uma condição audiológica, mas sim condição de pertencimento a uma
cultura diferenciada; é conceber o mundo através de uma língua visual, que hoje é garantida como
meio legal de comunicação e expressão, denotando ao surdo o pertencimento a uma minoria
linguística que deve ser respeitada e considerada. Para finalizarmos esta unidade, gostaria de
compartilhar com você o seguinte pensamento da professora e neurologista Maria Amim:
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Material Complementar
• Assista à entrevista da Vanessa Vidal, Miss Ceará, surda. Com seu exemplo, ela demonstra
que uma história de superação é construída por cada um de nós, independentemente dos
obstáculos que a vida apresente.
Programa Derrubando Barreiras na rádio Eldorado com Mara Gabrilli:
http://www.youtube.com/watch?v=QBXR6DtvIfI
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Unidade: História da pessoa com surdez ao longo dos tempos
Referências
AMIM, Maria. O que significa ser surdo? Conhecendo um pouco do que significa ser surdo
através da discussão do filme “Seu nome é Jonas”. In: Revista virtual de cultura surda e
diversidade. Ed. 5. Ano, 2009. Disponível em: http://www.editora-azul-arara . araral.com.br/
revista/relato.php. Acesso em 06/12/2011
VELOSO, E; MAIA, V. Aprenda LIBRAS com eficiência e rapidez. Curitiba: Ed. MãoSinais,
2012. 6ª edição.
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Anotações
21
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Tel: (55 11) 3385-3000
Língua Brasileira de Sinais
Material Teórico
Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Revisão Textual:
Profa. Esp. Vera Lídia de Sá Cicarone
Aspectos gramaticais da Língua
Brasileira de Sinais
• Introdução
• Estrutura frasal
Esta unidade possui um enfoque teórico e prático, por isso convido você a participar de
forma interativa, sinalizando junto com os vídeos e fotos apresentados; isso irá facilitar seu
aprendizado.
Participe também das atividades propostas e sempre observe as indicações de vídeos e
bibliografias; isso ajudará na contextualização dos seus estudos.
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Contextualização
Para iniciarmos esta unidade, convido você a refletir acerca do tema: Aspectos gramaticais da
Língua Brasileira de Sinais, assistindo a uma entrevista concedida pelo Prof. Fernando Capovilla,
da USP, à Globo News, sobre LIBRAS e educação de surdos.
http://www.youtube.com/watch?v=uVbzA7fpJWE
Esta entrevista irá contextualizar, de forma dinâmica, muitos tópicos teóricos
que estaremos estudando.
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Introdução
Vimos, na unidade II, que, por longos períodos, os surdos foram marginalizados culturalmente
e socialmente; sua forma de comunicação não era aceita formalmente.
Atualmente, com a oficialização da Lei de LIBRAS 10.436/2002, temos outro cenário.Hoje
a Língua brasileira de Sinais é oficialmente reconhecida em nosso país e um direito do surdo.
Neste momento, vamos conhecer e discutir um pouco a Lei 10.436/2002.
A partir de 2002, a LIBRAS foi reconhecida como a segunda língua oficial de nosso país, ou
seja, LIBRAS não é uma linguagem, e sim uma língua capaz de expressar conceitos concretos e
abstratos. Hoje, no Brasil, uma pessoa que saiba LIBRAS fluentemente é considerada bilíngue.
É fundamental ressaltar que a LIBRAS é composta não apenas por sinais e uma gramática
sistematizada, mas, como postula a lei, a LIBRAS também é formada por recursos de expressão
e comunicação a ela associados.
Nesse sentido, através da oficialização dessa lei, foi novamente reforçada a diferença de
canais comunicativos entre a língua de sinais e a língua oral. A Língua Portuguesa possui um
canal comunicativo oral-auditivo e a LIBRAS, um canal visual-gestual. Nesse sentido são línguas
totalmente independentes, uma não está apoiada na outra; LIBRAS não é a sinalização da
Língua Portuguesa.
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas
concessionárias de serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar
o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais - Libras como meio de
comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas
do Brasil. [sic]
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Explore
Mímica
Uma das formas de comunicação do homem, reconhecida como a
arte de expressar sentimentos, ações e objetos. Técnica utilizada para
construção de objetos no ar.
Exemplos: Parede – Escada – Caixa
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Pantomima
Modalidade cênica para construção de cenas no ar, conhecida também
como a arte de narrar com o corpo. A pantomima é reconhecida como
uma das expressões da mímica.
Expressões corporofaciais
São traços não manuais, realizados pela face ou corpo para atribuir
sentimento, vida ao sinal; é impossível a comunicação visual-gestual sem
este recurso de expressão. LIBRAS sem expressão não é LIBRAS.
Pablo Zibes - Wikimedia Commons
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Convido você a assistir a este vídeo que apresenta diversos sinais com expressões
faciais. Assista e tente sinalizar junto com o vídeo. Não se esqueça das expressões.
http://www.youtube.com/watch?v=2LC7EX4Qdws
Onomatopeia
Figura de linguagem que expressa sons através de fonemas ou palavras. Em LIBRAS,
utilizamos onomatopeias para atribuir vida ou emoção a alguns sinais. Exemplo: não podemos
fazer a expressão facial de avião, cobra ou bomba; nesses casos são realizadas as onomatopeias.
Time-Lag
Tempo de escuta para sinalização. A LIBRAS possui um canal comunicativo visual-gestual,
a Língua Portuguesa possui um canal oral-auditivo. Sendo assim, a interpretação dessas duas
línguas é contextual. Nesse sentido, o intérprete necessita de um tempo de escuta da Língua
Portuguesa para realizar a interpretação em LIBRAS. Essa pequena pausa também acontece
quando conversamos com um surdo; é necessário que o receptor deixe o emissor concluir uma
ideia para então interpretá-la corretamente dentro de um contexto.
Classificadores
Conforme Honora (2010), os classificadores são configurações de mãos que, relacionadas à
coisa, pessoa ou animal, funcionam como marcadores de concordância. Tanya A. Felipe reforça
essa ideia quando diz:
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Explore
Para conhecer mais sobre esse importante recurso da LIBRAS, assista, agora,a esta brilhante aula
sobre classificadores com dois professores surdos.
• Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=aDCNywOeYE8
• Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=6XCFs4R5fEU
Processo Anafórico
Uso concomitante de dois ou mais personagens. A marcação do processo anafórico é realizada
através de mudança corporal durante a interpretação em Língua de Sinais. Este recurso permite
a interpretação de diferentes personagens de forma clara.
Por exemplo, na historia “Chapeuzinho Vermelho”, um único interprete poderá representarcada
personagem, através da utilização do processo anafórico.
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Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras
a forma de comunicação e expressão, em que o sistema linguístico de
natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem
um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil. [sic]
Sinais icônicos
São sinais que possuem correspondência física e geométrica com o referente; sendo assim,
fazem parte de um repertório natural do ser humano. Os sinais icônicos também podem
ser compreendidos como gestos universais de fácil compreensão. Em sua comunicação
cotidiana, você utiliza muitos sinais icônicos e talvez nem perceba. Veja, abaixo, alguns
exemplos de sinais icônicos:
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Sinais Arbitrários
São aqueles que não possuem correspondência física e geométrica com o referente, ou seja,
não são de fácil compreensão. A maior parte dos sinais em LIBRAS faz parte desta categoria.
Nesta categoria, é necessário que alguém ensine ou interprete seu significado, pois os sinais
arbitrários não expressam iconicidade entre significante e referente. Veja alguns exemplos de
sinais arbitrários.
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Sinais Polissêmicos
A polissemia, ou polissemia lexical (do grego poli=”muitos” e sema=”significados”), refere-seao
fato de uma determinada palavra ou expressão adquirir um novo sentido além do seu original.
Em LIBRAS, a polissemia acontece quando temos um sinal com dois ou mais significados.
Vale ressaltar que essa polissemia lexical é visual-gestual, não possuindo correspondência gráfica
entre as palavras como acontece na Língua Portuguesa.
É importante ressaltar, ainda, que a compreensão desses sinais deve sercontextualizada, para
que não haja dúvidas ou erros de interpretação. Veja alguns exemplos de sinais polissêmicos
Variações regionais
Em todo o território nacional, é reconhecida a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS
como a segunda língua oficial de nosso país, porém podemos encontrar variações de sinais
conforme a região.
Você conseguirá compreender e conversar com surdos de todo o país, porém alguns
sinais sofrem variações regionais de estado para estado ou de região para região. Isso,
mais uma vez, confere status linguístico à Língua de Sinais, pois sabemos que toda língua
é cultural e possui íntima relação com o meio. No quadro a seguir, foram demonstrados os
diferentes sinais utilizados para representar a cor verde, nos Estados de São Paulo, Santa
Catarina e Rio de Janeiro.
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Variações sociais
As variações sociais acontecem dentro de uma região; um sinal pode sofrer alguma variação
conforme o grupo de surdos. Essas variações acontecem com frequência em grupos sociais
distintos, associações e igrejas. Dependendo do grupo de surdos, o sinal pode sofrer alguma
variação de configuração ou movimento. Veja o exemplo da sinalização do verbo “conversar”,
que pode sofrer alterações conforme o grupo de surdos que utiliza esse sinal.
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Datilologia ou Processo dactilológico
O alfabeto em LIBRAS também é chamado de datilologia ou processo datilológico.Uma
das formas mais antigas da representação do alfabeto manual foi produzida por monges que
estavam em clausura e haviam feito voto do silêncio para não passarem os conhecimentos
adquiridos com o contado com os livros sagrados. Veja, abaixo, algumas características do
alfabeto manual em LIBRAS.
• É utilizado para representar substantivos próprios e termos específicos, quando ainda não
existente um sinal em LIBRAS.
• Você pode utilizar para soletrar seu nome, utilizando a mão esquerda ou adireita, porém
não concomitantemente.
• Quando você não conhece um sinal em LIBRAS, pode soletrar a palavra para o surdo e
pedir que ele lhe ensine o sinal correspondente ou, quando o surdo sinalizar algo que você
não compreenda, peça a ele que soletre o sinal para você.
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Sinais Compostos
Sinais compostos são aqueles que derivam de outros sinais. Nesta categoria são necessárias
duas ou mais sinalizações para formar uma única palavra.
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Tipos de verbos em LIBRAS
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Verbos direcionais: são verbos que se flexionam em pessoa, número e aspecto; sendo
assim, incorporam uma concordância espacial. Os verbos direcionais apresentam flexão de
aspecto, dependendo do contexto no qual estejam inseridos.
Verbos espaciais: são verbos que têm afixos locativos e são produzidos ao longo do espaço.
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Estrutura frasal
Por ser a LIBRAS uma língua na modalidade visual-espacial, esse canal comunicativo
influencia diretamente sua estrutura frasal. Nesse sentido, observe o texto abaixo extraído do
livro “Orientações curriculares e proposição de expectativas de aprendizagem para Educação
Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação deSão Paulo 2008”:
Embora pesquisas sobre a ordem dos sinais na Língua Brasileira de Sinais refiram S-V-O
como predominante, a ordem tópico-comentário é muito utilizada, principalmente pelos surdos
menos oralizados, como se pode observar nos exemplos: “banheiro onde?” “Banheiro não
tem.” “Shopping voce vai?”
A estrutura gramatical da LIBRAS possui características distintas da Língua Portuguesa.
Como podemos ver a seguir,
• em LIBRAS não há preposição, artigo definido ou indefinido e conjunções;
• os verbos não são conjugados;
• todos os verbos são usados no infinitivo e no final das sentenças.
Nesse sentido, a LIBRAS possui uma estrutura frasal diferente da estrutura da Língua
Portuguesa. Observe este quadro comparativo:
PORTUGUÊS
SUJEITO – VERBO – OBJETO
Sexta-feira vou ao cinema.
Ontem encontrei minha amiga na faculdade.
LIBRAS
SUJEITO – OBJETO - VERBO
Sexta-feira cinema ir.
Ontem minha amiga faculdade encontrar.
Para que você compreenda ainda mais a estrutura gramatical da LIBRAS, no material
complementar será apresentada a interpretação de frases em LIBRAS. Dessa forma, você terá
um panorama da estrutura frasal dessa língua de forma teórica e também pratica.
Com este panorama apresentado sobre os tópicos gramaticais da LIBRAS, essa língua que
é tão rica, surpreendente e bela, encerramos este tema convidando você a conhecer, cada vez
mais, a comunidade surda e sua Língua de Sinais.
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Material Complementar
Caro aluno!
Você assistirá a uma sequência com 30 frases em LIBRAS que fazem parte de um repertório
para uma comunicação inicial em Língua de Sinais.
Aproveite para sinalizar junto com o vídeo. Caso tenha dificuldade, assista novamente. Não
tenha vergonha de realizar as sinalizações. Fique atento também às expressões faciais de cada
frase.
Você perceberá que a interpretação em LIBRAS não segue a ordem gramatical da legenda em
Português. Conforme apresentado no material teórico, isso acontece porque a LIBRAS possui
uma organização gramatical diferente das línguas orais auditivas.
Este material auxiliará você a compreender ainda mais a especificidade linguística da LIBRAS.
Bons estudos!!!
Nesse material será apresentada a interpretação em LIBRAS das seguintes frases:
1 Oi meu nome é Juliana e meu sinal é este.
2 Qual é o seu nome?
3 Tenho três filhos.
4 Estou aprendendo LIBRAS
5 Estou aprendendo LIBRAS para conversar com os surdos.
6 Tenho 25 anos.
7 Minha mãe faz aniversário no mês de Junho.
8 Moro perto da faculdade.
9 Ontem encontrei meu amigo no shopping.
10 Por favor, você pode me ajudar?
11 Encontro você amanhã na faculdade.
12 Hoje tenho prova e estou preocupada.
13 Minha prova ontem foi difícil.
14 Por favor, você pode me ensinar LIBRAS?
15 Consegui tirar dez na prova de LIBRAS.
16 Você está aprendendo LIBRAS?
17 Ontem comprei um cachorrinho branco lindo.
18 Amanhã não vou trabalhar, preciso ir ao hospital.
19 Minha irmã me ajudou a limpar a casa.
20 Por favor, onde fica o banheiro?
21 Encontro você amanhã no aeroporto.
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22 Estou feliz, pois estou aprendendo LIBRAS.
23 Estou atrasada para aula de LIBRAS.
24 Meu esposo trabalha em uma loja próxima do supermercado.
25 Por que você faltou ontem na escola?
26 Amanhã preciso conversar com você.
27 Estou brava com minha sobrinha, ela é muito curiosa.
28 No próximo sábado viajo junto com minha irmã.
29 Estou estudando LIBRAS, pois quero ser professora de surdos futuramente.
30 Amo aprender LIBRAS.
Explore
A seguir, acesse o vídeo para visualizar a realização dos movimentos das frases
acima:
http://www.kaltura.com/tiny/hidty
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Unidade: Aspectos gramaticais da Língua Brasileira de Sinais
Referências
BRASIL. Lei n º10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais-
Libras e o art. 18 da Lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000.
FELIPE, Tanya A. Libras em Contexto : Curso Básico : Livro do Estudante . Rio de Janeiro:
WalPrint Gráfica e Editora, 2007.
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Anotações
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