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Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro |UNIRIO

Diálogos Interartísticos (Semestre Emergencial) – Profa. Lúcia Ricotta

Diogo D’Ippoltio Olio Bartolomeu da Silva

Diálogos possíveis entre “Os caucheros” de Euclides da Cunha, “A Santa Joana dos
Matadouros” de Bertolt Brecht e a discussão em sala com a presença de Marina Vianna

“Os Sertões” foi meu primeiro contato com Euclides. Ainda na escola, a obra me
chamou atenção pelo caráter jornalístico e literário concomitante, algo que, pra mim,
naquela época, era inconciliável. A tão famosa Guerra de Canudos, estudada até então
pelos livros de história do Brasil, parecia ganhar um novo olhar – de sensibilidade
apurada; e isso me marcou.
Ao conhecer “À margem da história”, mais especificamente a crônica “Os
caucheros”, em que o autor relata sua passagem pelos confins do Alto Purus durante
uma viagem para Amazônia em 1905, confirmei sua postura referencial e ao mesmo
tempo poética/emotiva na construção da narrativa. A primeira justificada pela sua
preocupação em detalhar o contexto, os povos da região, o cenário em que ele está
inserido; a segunda justificada por um relato que se preocupa com a forma de transmitir
a mensagem e se deixa levar, mesmo que inconscientemente, pelas suas visões pessoais
– e é exatamente esse ponto que será o foco dos diálogos que pretendo construir neste
trabalho.
Euclides é extremamente ideológico em seu relato. A produção do discurso feita
por ele revela uma linguagem que materializa ideologia. Um trecho da obra que me
chamou bastante atenção em relação a esse aspecto foi “o caucheiro não é apenas um
tipo inédito na História. É, sobretudo, antinômico e paradoxal. No mais pormenorizado
quadro etnográfico não há lugar para ele. A princípio figura-se-nos um caso vulgar de
civilizado que se barbariza, num recuo espantoso em que se lhe apagam os caracteres
superiores nas formas primitivas da atividade” (CUNHA, 2000, p. 167). A caracterização
do cauchero como selvagem está intimamente relacionada ao ideal de sociedade
intrínseco a Euclides, que julga – por sua posição de sujeito – povos da Amazônia como
inferiores.
É curiosa a distinta percepção do cronista em relação aos também exploradores
bandeirantes, caracterizados, no relato, como heróis por inteiro, sem disfarces, que
agem inteligentemente. Mesmo estes tendo ações similares aos caucheros, como
violência contra os índios, exploração e destruição do espaço natural da Amazônia, são
construídos no discurso de Euclides de forma positiva – o que se justifica pela sua missão
como oficial do governo.
Essa temática de poderes que conflitam também permeia a obra “A Santa Joana
dos Matadouros” de Bertolt Brecht. A peça teatral revela o envolvimento de uma jovem
militante do movimento cristão (atuante em prol dos menos favorecidos) com o
universo de um empresário ambicioso que detém o monopólio do gado/mercado de
carnes da região. Assim como na crônica de Euclides, a peça dirigida por Marina Vianna
e Diogo Liberano também muito me marcou pela construção do discurso. Mesmo com
poucos atores em cena, vários personagens diferentes ganham vida e isso só foi possível
pela linguagem assumida por cada um deles em momentos diferentes da encenação,
demarcando ideologias distintas fundamentais para o entendimento do texto teatral
pela plateia.
Na aula em que tivemos a participação da Marina Vianna, sua fala sobre a
importância da linguagem do corpo na construção desse discurso foi muito valiosa pra
mim. Essa entrega literalmente de corpo e alma que as artes cênicas permitem precisa
ser muito orgânica e verdadeira e é exatamente essa postura que permitiu a distinção
ideológica dos personagens, mesmo sendo interpretados pelo mesmo ator ou pela
mesma atriz. A grandeza da interpretação definitivamente não está associada à
quantidade de recursos ou itens em cena, mas a como o essencial é trabalhado a favor
da produção cênica.

Percebe-se, portanto, diante dos diálogos construídos neste trabalho, a


importância da análise do discurso como mecanismo para a compreensão de como a
linguagem materializa a ideologia e, consequentemente, de como há sujeitos que são
interpelados por ela.

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