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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E
DIREITO

ROBERTA OLIVEIRA LIMA

AGRO(TECH) OU AGRO(TÓXICO)?
Sustentabilidade, riscos, futuras gerações e
justiça ambiental.

NITERÓI

2018
Universidade Federal Fluminense
Superintendência de Documentação
Biblioteca da Faculdade de Direito

L732 Lima, Roberta Oliveira.


Agro(tech) ou agro(tóxico)? Sustentabilidade, riscos,
futuras gerações e justiça ambiental / Roberta Oliveira Lima. –
Niterói, 2018.
346 f.

Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais) –


Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito,
Universidade Federal Fluminense, 2018.

1. Produtos químicos agrícolas. 2. Sustentabilidade. 3.


Agronegócio. 4. Intoxicação. 5. Ministério público. I.
Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Direito. II.
Título.

CDD 341.347

ROBERTA OLIVEIRA LIMA

ii
AGRO(TECH) OU AGRO(TÓXICO)?
Sustentabilidade, riscos, futuras gerações e justiça ambiental.

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Direito da
Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do título de
doutor em Ciências Jurídicas e Sociais.

_____________________________________________
Prof. Dr.Valter Lúcio de Oliveira (Orientador)

_____________________________________________
Prof. Dr. Napoleão Miranda

_____________________________________________
Prof. Dr. Wilson Madeira Filho

_____________________________________________
Prof. Dr. Romualdo Theophanes de França Junior

_____________________________________________
Prof. Dr. Cesar Augusto Da Ros

iii
Ao Eterno, que terna e eternamente nos ama.

“Não precisei de ler São Paulo, Santo Agostinho,


São Jerônimo, nem Tomás de Aquino, nem São Francisco
de Assis -
Para chegar a Deus.
Formigas me mostraram Ele.
(Eu tenho doutorado em formigas)”.

(Manoel de Barros)

Tenho o privilégio de não saber quase tudo.


E isso explica o resto.
(Manoel de Barros)

iv
AGRADECIMENTOS

Há uma nota no livro de Eclesiastes1 que fala que: “terminar algo é melhor do que
começar.” Eis-me aqui, começando os agradecimentos da tese, no momento em que ela
se finda em sua maior parte.

Agradecer é também lembrar e lembro-me agora do Seminário de Teses, que


começou após a greve do ano de 2015, a qual atrasou o início do segundo semestre em
dois meses ou mais, e que me pegou em um momento tumultuado de vida que misturava
problemas familiares, financeiros e de saúde, com uma distância de mais de 1.300 km
entre a cidade de Balneário Camboriú/SC, onde resido, e a cidade de Niterói/RJ - local da
realização das aulas do Seminário.

Naquele momento, eu tinha decisões a tomar: “jogar a toalha” e abortar a ideia de


prosseguir o doutoramento ou tentar fazer das “tripas-coração” e encarar viagens
semanais – com o dinheiro e o tempo que não saberia de onde viriam e com a força que
minha saúde fazia querer deixar faltar. Foi nesse contexto tormentoso, que se levantaram
gigantes a me segurar, não apenas como pesquisadora, mas como humana, mulher e
amiga.

Em primeiro lugar, falo e agradeço ao meu companheiro de vida, Júlio César


Moreira de Jesus, que resolveu ficar e me segurar em meio a esse “momento-turbilhão-
de-vida” e que operacionalizou comigo as idas e passagens às quinta-feiras de madrugada,
no primeiro e quase único voo entre Navegantes e Niterói, e que me buscava todas as
sextas-feiras de madrugada, no retorno do Rio de Janeiro. Como já cantou Chico Buarque:
“sou tua menina, viu e ele (tu) é o meu rapaz...”. Te amo!

Para completar os 1.300 km que me distanciavam das aulas, em um trajeto de ida


e volta que levava dois dias, duas pessoas dessa turma tão especial de doutoramento se
fizeram mais do que amigos. De minhas angústias, nasceram dois irmãos de tese: Wagner
de Oliveira Rodrigues e Carolina Pereira Lins Mesquita. Ele, incentivando-me a não
desistir, pedindo para que eu fosse em “pelo menos uma aula” e conversasse com Ana e
Wilson e, só depois, pensasse no que fazer; e Carolina ou “Carol Lins-da”, como costumo

1
Ou como diz a versão tradicional do cânon bíblico, segundo a tradução de João Ferreira de Almeida:
“Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas.”. Eclesiastes 7:8.

v
chamá-la, que me abriu sua casa, seu carro e suas caronas para que entre meu percurso de
ida e volta eu obtivesse em seu lar o carinho da sua companheirinha canina Cristal, bem
como deliciosas refeições e uma cama quentinha que me acolhia o cansaço até a hora da
madrugada me chamar a despertar e, novamente, voar para Santa Catarina.

Para encurtar o tom novelesco que acabou contaminando o trecho acima, fui à
primeira aula do Seminário de Teses, que já havia começado em duas semanas anteriores.
Eu era, naquele momento, uma mistura de incertezas e medos que quase me paralisavam,
mas então, ali, naquela primeira aula que participei, o tal ponto de inflexão chegou e
começou a me puxar para a concretude da pesquisa, dos instigantes debates, das leituras
intrigantes e de tudo que eu precisava para aquele tempo e momento. Desistir já não era
opção. Finalizei, em janeiro, o Seminário de Teses, sentindo que “sei que sou um tanto
bem maior”, como canta o Fernando Anitelli e sua trupe do Teatro Mágico, e só fui capaz
de sentir “esse ser um tanto bem maior” por ter sido apoiada pelos gigantes de coração
acima mencionados.

Não poderia deixar de agradeçer a minha família, e, de forma especial, menciono


minha sogra Irene, que me acolheu em sua casa durante o período de aulas de
doutoramento com amor e carinho. Agradeço ao meu pai (in memorian) pelas sementes
plantadas, acho que te orgulharias de teus frutos. Agradeço minha mãe e irmãs e lembro,
nesta hora, de Manoel de Barros, que certa feita escreveu: “tenho em mim um atraso de
nascença...eu fui aparelhado para gostar de passarinhos”. Talvez - mesmo sendo a
primogênita entre minhas irmãs, tenha nascido com esse atraso de “estudar demais”,
como elas mesmas nunca entendem, e também tenha sido “aparelhada” para gostar dos
passarinhos chamados vida acadêmica, pesquisa e suas discussões, descobertas e
inquietações. Finalmente, agradeço as minhas avós maternas, Amélia Teodoro e Maria
Estelina da Conceição. Uma sulista e outra nordestina, ambas analfabetas, mas
inspiradoras em sua devoção e exemplo de vida. Reconheço nelas minha ancestralidade
multi-étnica e sei que se hoje estou aqui, como mulher, percorrendo o caminho da
emancipação e do conhecimento, muito eu devo a trajetória de vida de vocês.

Para não correr o perigo de ser injusta ou esquecer nomes, agradeço aos meus
amigos e amigas fiéis, que tanto me acolheram em horas de conversa e presença, como
em horas de ausência e silêncio por conta da pesquisa e escrita da tese. Vocês sabem quem
são e o quanto os amo.

vi
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos meus alunos e alunas,
vocês me ensinam demais. Estar em sala pode ser cansativo, mas é sublime.

vii
RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo científico geral investigar a relação entre o
discurso produzido no campo técnico-científico (ou técnico-operativo), as Ações Civis
Públicas disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do Ministério
Público Federal – MPF e as respectivas decisões judiciais que envolvem questões
relacionadas ao uso dos agrotóxicos, buscando analisar os usos que são feitos do
conhecimento técnico e o tratamento de temas como sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental. Para atingir
referido objetivo, a tese estruturou-se com os seguintes objetivos específicos: a) Analisar
as disputas do campo técnico-científico recortadas pelo tema dos agrotóxicos e
compreender os usos e os contextos em que são acionados temas como sustentabilidade
e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, justiça ambiental e risco; b)
Examinar junto ao GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do Ministério Público
Federal – MPF, os usos que são feitos das produções técnico-científicas sobre agrotóxicos
nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs e nas decisões judiciais correlatas; e
c) Identificar a emergência nos processos e nas decisões judiciais, de questões
relacionadas à sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco
e justiça ambiental, bem como compreender as circunstâncias e os sentidos que são
atribuídos a tais temas. Para este trabalho, explorou-se um rol de documentos, ações e
decisões judiciais que possuem uma forte interface entre o técnico, o político e o empírico,
conforme ficou melhor demonstrado ao final, sendo a base empírica fundamentada nas
Ações Civis Públicas disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do
Ministério Público Federal – MPF, nas decisões judiciais de primeira instância e na
amostragem de algumas inserções do MPF na rede social facebook sobre o tema
agrotóxicos. No que tange a metodologia empregada utilizei a pesquisa qualitativa, ainda
que elementos quantitativos estejam expressos em algumas análises, pois busquei trazer
dados representativos de realidades distintas em relação ao uso de agrotóxicos. Por fim,
diante de um cenário político-social pós-impeachment e pós-democrático, onde as
bancadas ruralistas e os retrocessos socioambientais parecem ter ganhado uma velocidade
ainda mais espantosa do que nos governos que os antecederam, investigar as disputas
produzidas no campo técnico, buscando analisar os usos que são feitos do conhecimento
técnico-científico e o tratamento dos temas já mencionados, apresentaram atuais e
intrigantes pontos de contribuição para se pensar a utilização dos agrotóxicos no país,
sendo alcançados, de forma satisfatória, os objetivos gerais e específicos pretendidos.

Palavras-chave: Agrotóxicos; Sustentabilidade; Risco; Futuras gerações; Ministério


Público Federal; Técnica.

viii
ABSTRACT

The objective of the present work was to investigate the relationship between the
discourse produced in the technical-operational field, that Class Actions made available
in the Agrotoxic and GMO WG of the 4th CCR of the Federal Public Prosecutor's Office
(MPF) and the respective judicial decisions involving issues related to use of agrotoxics,
seeking to analyze the uses made of technical-scientific knowledge and the treatment of
themes such as sustainability and/or sustainable development, future generations, risk and
environmental justice. In order to achieve this objective, the thesis was structured with
the following specific objectives: a) To analyze the disputes of the technical-scientific
field related to the topic of pesticides and to understand the uses and contexts in which
themes such as sustainability and /or sustainable development are triggered , future
generations, environmental justice and risk; b) To examine, together with Agrotoxic and
GMO WG of the 4th CCR of the Federal Public Prosecutor's Office (MPF), the uses that
are made of technical-scientific productions on pesticides in the formulations of Class
Actions and related judicial decisions; and c) Identify the emergence of processes and
judicial decisions, issues related to sustainability and /or sustainable development, future
generations, environmental risk and justice, as well as to understand the circumstances
and meanings that are attributed to such issues. For the research, a list of documents,
investigations, actions and judicial decisions that have a strong interface between the
technical, the political and the empirical was explored, as it was better demonstrated at
the end of the research, being the empirical base based on the Class Actions of the Federal
Public Prosecutor's Office provided in the Agrotoxic and GMO WG of the 4th CCR of
the 4th CCR of the MPF, in the first instance court decisions and in the sampling of some
insertions of the Federal Public Prosecutor's, MPF, in the facebook social network on the
subject of pesticides. Regarding the methodology employed, I used qualitative research,
although quantitative elements are expressed in some analyzes, since I have tried to bring
data representative of different realities in relation to the use of pesticides. Finally, in the
face of a post-impeachment and post-democratic political-social scenario, where the
ruralist groups and socio-environmental setbacks seem to have gained an even more
astonishing speed than in the previous governments, to investigate the disputes produced
in the technical field, seeking to analyze the uses made of technical and scientific
knowledge and the treatment of the themes already mentioned, presented current and
intriguing points of contribution to think about the use of pesticides in the country, and
the satisfactory general and specific objectives .

Keywords: Agrotoxics; Sustainability; Risk; Future generations; Federal Public


Ministry; Technique.

ix
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 22

1 “SOMOS OS FILHOS DA (R)EVOLUÇÃO”: AGROTÓXICOS,


TRANSGÊNICOS E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS .................................... 34

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E


A PRODUÇÃO DE ALIMENTOS ............................................................................ 34
1.1.1 A relação do Homem com a natureza e a Produção de Alimentos............37
1.2 REVOLUÇÃO VERDE: ESTUDO DO CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL
DE SURGIMENTO .................................................................................................... 39
1.3 REVOLUÇÃO VERDE, REVOLUÇÃO GENÉTICA E BIOFORTIFICAÇÃO:
AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS,
COMO FILHOS DA REVOLUÇÃO? ....................................................................... 43
1.3.1 Biofortificação: o filho caçula da revolução? .................................................57
2 (R)EVOLUÇÃO SUSTENTÁVEL OU COMPROMETIMENTO DO PRESENTE
DAS FUTURAS GERAÇÕES? Sustentabilidade, risco e justiça ambiental. ......... 86

2.1 SUSTENTABILIDADE E/OU DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:


ORIGEM E CONCEITOS .......................................................................................... 86
2.2 FUTURAS GERAÇÕES E SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL:
NASCIDOS E NÃO NASCIDOS? ............................................................................. 98
2.2.1 Escolas ético-filosóficas, equidade intergeracional e futuras gerações .........100
2.3 SOCIALIZAÇÃO DOS RISCOS E JUSTIÇA AMBIENTAL EM FACE DO
USO DE AGROTÓXICOS: FUTURO SUSTENTÁVEL OU RUPTURA DA
EQUIDADE INTERGERACIONAL? ..................................................................... 110
2.3.1 – Justiça ambiental no Brasil .........................................................................123
2.3.2 Sociedade de Risco: tenho fome ou tenho medo? .........................................134
3 “OS FILHOS” DA (R)EVOLUÇÃO EM CAMPO: agro(tech) ou agro(tóxico)?
...................................................................................................................................... 149

3.1 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS: SUSTENTABILIDADE,


RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL .......................................................................... 157
3.2 AGROTÓXICOS E PESQUISAS INTERNACIONAIS: SUSTENTABILIDADE,
RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL .......................................................................... 184
3.2.1 Carta aberta Monsanto ..................................................................................200
3.3 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS SOBRE
A CONTAMINAÇÃO DO LEITE HUMANO, INFÂNCIA E FUTURAS
GERAÇÕES ............................................................................................................. 206

x
4 REVOLU-AÇÃO? O GRUPO DE TRABALHO (GT) AGROTÓXICOS E
TRANSGÊNICOS DA 4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO (CCR)
DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) ................................................... 233

4.1 USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS NAS FORMULAÇÕES DAS


ACPS ........................................................................................................................ 241
4.1.1 ACP 02/2013/MA .........................................................................................241
4.1.2 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF ...........................................................248
4.1.3 ACP 05/2014/MT ..........................................................................................260
4.2. ACPs E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUSTENTABILIDADE,
RISCO, JUSTIÇA AMBIENTAL E FUTURAS GERAÇÕES. .............................. 265
4.2.1 ACP 01/2006/RS ...........................................................................................265
4.2.2 ACP 02/2013/MA .........................................................................................268
4.2.3 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF ...........................................................270
4.2.4 ACP 05/2014/MT ..........................................................................................274
4.3 DECISÕES JUDICIAIS: USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS E
USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUSTENTABILIDADE, RISCO, JUSTIÇA
AMBIENTAL E FUTURAS GERAÇÕES. ............................................................. 276
4.3.1 Decisão e Sentença ACP 01/2006/RS ...........................................................276
4.3.2 Decisão ACP 02/2013/MA............................................................................278
4.3.3 Decisão ACP 03/2014/DF .............................................................................282
4.3.4 Decisão ACP 04/2014/DF .............................................................................287
4.3.5 Decisão e Sentença ACP 05/2014/MT ..........................................................295
4.4 MPF E MÍDIAS SOCIAIS ................................................................................. 309
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 316

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 330

ANEXOS ..................................................................................................................... 339

A - Tabela com informações acerca de Procedimentos Administrativos - PAs


instaurados no MPF, sobre a temática OGM: ........................................................... 339
B - Atas das 7ª e 8ª reuniões ocorridas em 23 de novembro de 2016 e 10 de abril de
2017: ......................................................................................................................... 342

xi
ABREVIATURAS E SIGLAS

ABRASCO – Associação Brasileira de Saúde Coletiva

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CCR – Câmara de Coordenação e Revisão do MPF

CF – Constituição Federal

CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

DDT - Dicloro-difenil-tricloroetano

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

EMBRATER – Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural

EPA – Agência de Proteção Ambiental americana

EUA – Estados Unidos da América

FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura

FBSSAN - Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

IARC – Agência Internacional de Pesquisas em Câncer

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

ICP – Inquérito Civil Público

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano

xii
INCA - Instituto Nacional do Câncer

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

LMR – Limites máximos de resíduos

MAPA - Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento

MIP – Manejo Integrado de Pragas

MPE – Ministério Público Estadual

MPF – Ministério Público Federal

MTD - Melhor Técnica Disponível

OMS – Organização Mundial da Saúde

ONU – Organização das Nações Unidas

PARA - Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos

PIB - Produto Interno Brasileiro

PIDESC - Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PNDA - Programa Nacional de Defensivos Agrícolas

PNRUA - Programa Nacional de Racionalização do Uso de Agrotóxicos

PNAPO - Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica

PRONARA – Programa Nacional para Redução de Uso de Agrotóxicos

SC – Santa Catarina

SIA - Sistema de Informações sobre Agrotóxicos

SINITOX - Sistema Nacional de Informações Toxicológicas

SIAGRO - Sistema de Monitoramento do Comércio e Uso de Agrotóxicos do Estado do


Paraná

xiii
SINDAG – Sindicato Nacional das Indústrias de Defensivos Agrícolas

STF - Supremo Tribunal Federal

PNSAN - Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

PR - Paraná

SISAN - Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional

SUS – Sistema Único de Saúde

RS – Rio Grande do Sul

xiv
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Sistema agrícola de insumos internos (SHIVA, 2013, p. 60). .......................52


Figura 2 - Sistema agrícola de insumos externos (SHIVA, 2013, p. 62). .......................53
Figura 3 – Imagens dos produtos comercializados no site da empresa Monsanto do
Brasil. ...............................................................................................................................55
Figura 4 – Comerciais do site Monsanto (MONSANTO, 2017). ....................................56
Figura 5 – Números da Soja Monsoy (MONSANTO, 2017). ........................................57
Figura 6 – Histórico das revoluções agrícolas (FBSSAN, 2016, p. 04). .........................60
Figura 7 – Biofortificação e parceiros (NUCCI, 2011, p. 05). ........................................65
Figura 8 – Boletim FBSSAN (2016, p. 04). ....................................................................83
Figura 9 – Conflitos Ambientais no Brasil de acordo com o Ejatlas. Disponível em:
<https://ejatlas.org/country/brazil>. Acesso em: 29 jun. 2017. .....................................117
Figura 10 – Página Inicial do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e
Saúde no Brasil. .............................................................................................................130
Figura 11 – Agricultura e a agroindústria e seus impactos para a saúde da população e
meio ambiente (ABRASCO, 2015, p. 110- 111)...........................................................171
Figura 12 – Localização dos pesquisadores que citaram agrotóxico, defensivo agrícola
ou pesticida em seu currículo lattes. ..............................................................................179
Figura 13 – Distribuição, por estados do Brasil, dos pesquisadores que citaram
agrotóxico, defensivo agrícola ou pesticida em seu currículo lattes. ............................179
Figura 14 – Categorias dos estudos utilizando o glifosato no Brasil (%) .....................180
Figura 15 - Fernanda Porto/Greenpeace. .......................................................................220
Figura 16 – ODS relacionados de forma integrada e multissetorial (OMS, 2017, p. 112).
.......................................................................................................................................227
Figura 17 – Desenhos do Atlas OMS. ...........................................................................230
Figura 18 – Exposição de fotos – o custo humano dos agrotóxicos (PIOVANO, 2016).
.......................................................................................................................................232
Figura 19 – GT Agrotóxicos e Transgênicos. Disponível em:
<http://www.mpf.mp.br/atuacao- tematica/ccr4/dados-da-atuacao/grupos-de-
trabalho/gt-transgenicos>. Acesso em: 15 ago. 2018. ..................................................235
Figura 20 – Tabela com informações de procedimentos judiciais e administrativos MPF-
.......................................................................................................................................237

xv
Figura 21 – Municípios responsáveis pela produção de soja no estado do Maranhão
(MPF, 2013, p. 6). .........................................................................................................245
Figura 22 – Processo n. 21371-49.2014.4.01.3400, originário da ACP 03/2014/DF. ..248
Figura 23 – Processo n. 21372-34.2014.4.01.3400, originário da ACP 04/2014/DF. ..249
Figura 24 – Facebook MPF - 11 de janeiro de 2015. Figura 24 - Facebook
MPF - 03 de junho de 2015. .........................................................................................310
Figura 25 – Facebook 31 de agosto de 2015 Figura 26 – Facebook MPF - 17 de
fevereiro de 2016. ..........................................................................................................311
Figura 27 – Facebook MPF - 18 de janeiro de 2016 retrospectiva...............................311
Figura 28 – Facebook MPF - 27 de novembro de 2015. Figura 29 – Facebook
MPF - 21 de abril de 2016. ...........................................................................................312
Figura 30 – Facebook MPF - 12 de setembro de 2016 e Retrospectiva 04 de janeiro de
2017. ..............................................................................................................................312
Figura 31 – Facebook MPF - 06 de agosto de 2016. Figura 32 – Facebook MPF -
25 de outubro de 2016. ..................................................................................................313
Figura 33 – Facebook MPF - 18 de dezembro de 2016. ..............................................313
Figura 34 – Facebook MPF - 17 de agosto de 2016. Figura 35 – Facebook MPF -
24 de agosto de 2016. ....................................................................................................314
Figura 36 – Facebook MPF - 17 de outubro de 2016. Figura 37 – Facebook MPF
- 21 de outubro de 2016. ...............................................................................................314
Figura 38 – Facebook MPF - 07 de janeiro de 2017. ...................................................314
Figura 39 – Facebook MPF - 13 de junho de 2017. ......................................................315

xvi
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Classificações de conflitos no atlas de justiça ambiental (Ejatlas). ............118


Tabela 2 – Conceitos utilizados pelo Movimento de Justiça Ambiental Global ...........121
Tabela 3 – Resultado de pesquisas sobre a contaminação do leite humano por
organoclorados. .............................................................................................................209
Tabela 4 – Caracterização da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas de Rio Verde-MT,
2010. ..............................................................................................................................210
Tabela 5 – Total de amostras detectadas e frequência de detecção de agrotóxicos
analisados em leite humano em amostras (n=62) de nutrizes residentes em Lucas de Rio
Verde – MT, 2010. (PALMA, 2011, p. 77). ..................................................................212
Tabela 6 – petição n. 6969/2014 (ACP 03/2014/DF). ...................................................260

xvii
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Tarefas na construção de problemas ambientais ..........................................28


Quadro 2 – Como a Revolução Verde Distorce as comparações (SHIVA, 2013, p. 59).
.........................................................................................................................................53
Quadro 3 – Biodiversidade x Biofortificação(FBSSAN, 2016, p. 05). ...........................82
Quadro 4 – evolução no consumo de agrotóxicos e fertilizantes no Brasil entre os anos
de 2002 e 2011...............................................................................................................168
Quadro 5 – quadro demonstrativo dos efeitos e/ou sintomas agudos dos efeitos crônicos
dos agrotóxicos ..............................................................................................................170
Quadro 6 – Sistema de monitoramento de SAN – Matriz de indicadores (FAO, 2014, p.
31-32). ...........................................................................................................................189

xviii
LISTA DE MAPAS

Mapa 1 – Brasil: Mortes por Agrotóxico de Uso Agrícola - por Circunstância (1999-
2009) ..............................................................................................................................158
Mapa 2 – Bebês intoxicados por agrotóxicos (0 a 12 meses). .......................................222
Mapa 3 – Níveis de PCB no leite materno (OMS, 2017, p. 72). ...................................229

xix
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Atores que frequentemente se mobilizam por Justiça Ambiental ..............119


Gráfico 2 – Evolução dos casos registrados de intoxicação humana por agrotóxicos no
Brasil entre 1999 e 2008 – Dados do Sinitox ................................................................159
Gráfico 3 – Circunstância da Intoxicação (LONDRES, 2011, p. 40). ..........................160
Gráfico 4 – Ministério da Saúde/SINAN (BOMBARDI, 2016, p. 19) .........................160
Gráfico 5 – Brasil: uso de agrotóxicos por cultura (2009). (BOMBARDI, 2016, p. 24).
.......................................................................................................................................165
Gráfico 6 – Evolução da área plantada de arroz, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, soja e
milho, no Brasil, entre 1990 e 2014 (ABRASCO, 2015, p. 424). .................................166
Gráfico 7 – Participação das 13 maiores empresas de agrotóxicos nas vendas mundiais
(BOMBARDI, 2016, p. 27) ...........................................................................................167
Gráfico 8 – Distribuição por região de pesquisadores brasileiros que citaram em seus
currículos algum tipo de efeito crônico de agrotóxico (%) ...........................................180
Gráfico 9 – Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2001-2006 (BOMBARDI, 2016, p.
18). .................................................................................................................................220
Gráfico 10 – Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2007-2013 (BOMBARDI, 2016, p.
19). .................................................................................................................................221
Gráfico 11 – Intoxicação e classificação por idade (LONDRES, 2011, p. 40). ............223
Gráfico 12 – Evolução dos Casos de intoxicação (LONDRES, 2011, p. 40). ..............223

xx
“A obrigação de suportar nos dá o
direito de saber.”
Jean Rostand

xxi
INTRODUÇÃO

Inicialmente, informo que apenas aqui na introdução e nas considerações finais,


escreverei na primeira pessoa do singular de forma mais aparente. O emprego do “nós”
se fará presente em todos os capítulos da tese, pois considero que o protagonismo da
escrita na obtenção de um título doutoral não se organiza em forma de monólogo, mas de
diálogos diversos, os quais estarão explorados ao longo das várias dezenas de páginas
produzidas na feitura deste trabalho.

Escolho o “nós” e o protagonismo dialogal por considerar que apesar da tarefa da


escrita ser solitária e dolorosa, tive uma constante e incessante interface com os livros,
com a internet, com artigos científicos, tabelas, números, dados, documentos, campo de
pesquisa, além, é claro, da parceria fundamental do professor orientador, Valter Lúcio de
Oliveira, que me acolheu no meio do inesquecível Seminário de Teses – capitaneado por
Ana Motta e Wilson Madeira de forma estupenda, aceitando o desafio de já me conduzir
à qualificação do projeto de tese. Assim, usarei a primeira pessoa do plural com a
tranquilidade de quem se sabe apoiada em ombros de gigantes de multifacetadas matizes
e características.

E é nesse caminhar não linear e dialogal que é a vida e a pesquisa acadêmica que
passo a tecer algumas considerações sobre o problema de pesquisa da tese, seu objeto,
lugar de observação, hipóteses e metodologia.

Tive como pergunta-problema o seguinte questionamento: “quais lógicas e


sentidos podem ser identificados nas relações estabelecidas entre o discurso produzido no
campo técnico-científico (ou técnico-operativo), nas Ações Civis Públicas
disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR – MPF e nas respectivas
decisões judiciais no tratamento de questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos e temas
como sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental?

Diante de tal problemática, o estudo apresentou como objetivo científico geral:


investigar as lógicas e os sentidos que podem ser identificados nas relações estabelecidas
entre o discurso produzido no campo técnico-científico (ou técnico-operativo), as Ações
Civis Públicas disponibilizadas no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do

22
Ministério Público Federal – MPF e as respectivas decisões judiciais que envolvem
questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos, buscando analisar os usos que são feitos do
conhecimento técnico-científico e o tratamento de temas como sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável2, futuras gerações, risco e justiça ambiental.

Para atingir o objetivo geral da pesquisa, a tese apresentou como objetivos


específicos:

a) Analisar as disputas do campo técnico-científico recortadas pelo tema dos


agrotóxicos e compreender os usos e os contextos em que são acionados temas como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, justiça ambiental e
risco;

b) Examinar junto ao GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do Ministério


Público Federal – MPF, os usos que são feitos das produções técnico-científicas sobre
agrotóxicos nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs e nas decisões judiciais
correlatas; e

c) Identificar a emergência nos processos e nas decisões judiciais, de questões


relacionadas à sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco
e justiça ambiental, bem como compreender as circunstâncias e os sentidos que são
atribuídos a tais temas.

Para o equacionamento do problema, levantei as seguintes hipóteses:

a) O campo técnico-científico é cenário de disputas e os usos e contextos de


termos como sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco
e justiça ambiental podem se mostrar extremamente divergentes mesmo dentro de um
cenário homogeneamente majoritário ou contramajoritário;

b) Os usos e produções técnico-científicas por parte do MPF e dos juízes federais


são tão acionados quanto a própria legislação atinente ao tema durante a produção das
respectivas peças processuais; e

2
No segundo capítulo deste trabalho, ficará melhor aclarada a presença de referidos termos, muitas vezes
tratados como sinônimos e outras diferenciados por teóricos que discutem o tema. Nosso interesse em
relação ao termo reside no fato dele se relacionar a ideia de uma projeção de desenvolvimento para presentes
e futuras gerações. Fato este que também será melhor explorado em tópico próprio deste trabalho.

23
c) A utilização das questões relacionadas a sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental, assim como as
circunstâncias e sentidos que são atribuídos a tais temas pelo campo técnico-jurídico
ainda são inexpressivas e, quando existentes, apresentam um viés conceitual
multivariado.

Algo que me instigou desde o início da pesquisa foi a atuação do Ministério


Público Federal, o qual ganhou grande notoriedade com sua operação Lava Jato, mas que
não se circunscreve a sua área mais famosa de atuação, tendo outros interessantes eixos
temáticos como Direitos do Cidadão; Direitos Sociais e Fiscalização de Atos
Administrativos em Geral; Meio Ambiente e Patrimônio Cultural; Populações Indígenas
e Comunidades Tradicionais; entre outros. Todavia, e talvez já adiantando um pouco um
dos pontos observados no capítulo que trata especificamente do campo técnico-jurídico
do MPF, foi possível observar ecos de sua famosa operação no próprio GT de Agrotóxicos
e Transgênicos da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão – 4ª CCR e que apresenta uma
coletânea de documentos atinentes ao tema agrotóxicos e transgênicos.

Os documentos acima mencionados encontram-se disponibilizados para consulta


pública no endereço eletrônico do GT Agrotóxicos e Transgênicos e compõem-se de um
rol de materiais diversos, onde optei pelo recorte das Ações Civis Públicas – ACPs, já
disponibilizadas pelo próprio GT e cujas petições iniciais publicizadas perfaziam um total
de 05 ações, ajuizadas no período compreendido entre os anos de 2006 a 2014, com
atuação local ou nacional por parte dos Procuradores da República que as subscreveram.

Nessa investigação do campo técnico-jurídico, também optei por analisar as


decisões judiciais de 1ª instância que compuseram todas as ACPs, sendo instigante
percebermos que, assim como em determinados casos - como a da já mencionada e
notória operação Lava Jato3, que possui uma forte simbiose entre a atuação do chefe da
força-tarefa de procuradores, Deltan Dallagnol e o juiz de primeira instância, Sérgio
Moro, podemos ter uma simbiose ou um afastamento significativo entre os pleitos do
Ministério Público Federal e respectivas decisões judiciais.

3
Faço a referência à Lava Jato em alguns momentos da tese porque referida operação, em seus contornos
midiáticos e políticos, acabou também afetando a forma de se “operar no campo jurídico” de forma intensa
e com reverberares que ainda estão sendo estudados e compreendidos, mas que trouxeram uma notável
insegurança jurídica aos profissionais da área. Acredito que, passados alguns anos, talvez se tenha um
direito marcado invariavelmente por essa cisão.

24
Saliento que para melhor compreensão da operacionalização do campo técnico-
jurídico, busquei instrumentalizar-me, anteriormente, no capítulo 3, de estudos técnico-
científicos de ordem médica, ambiental e nutricional, precipuamente, além de
documentos e relatórios de instâncias internacionais, como ONU, OMS, FAO e o
Tribunal de Opinião, ocorrido em Haia em 2016 e batizado de Tribunal Monsanto que
abarcam, em suas abordagens, argumentos próximos aos levantados pelos procuradores
do MPF nas ACPs analisadas nesta tese.

Os dois primeiros capítulos da tese, por sua vez, possuem uma maior carga teórica-
conceitual, sendo que o primeiro capítulo aborda a evolução da relação do homem com a
natureza, bem como o desenvolvimento histórico-social da mecanização agroprodutiva
através da Revolução Verde, Revolução Genética e Biofortificação. O segundo capítulo,
por seu turno, aborda os termos e conceitos relacionados à sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental

Ademais, utilizei em muitas de minhas referências a expressão técnico-operativo


ou técnica-científica ou técnica-jurídica, pois a discussão em torno da técnica, bem como
as disputas do campo agroprodutivo – que dividi entre majoritários e contramajoritários,
são disputas de ordem técnica. A escolha pelo termo técnico-operativo também se
apresenta como viável na medida em que explora um rol de documentos, pesquisas, ações
e decisões judiciais que possuem uma forte interface entre o técnico, o político e o
empírico, conforme ficará melhor demonstrado nos dois últimos capítulos da tese.

Conforme acima mencionado, uma constante na tese será a presença de discursos


do campo técnico-operativo, sendo tratadas como contramajoritárias e críticas ao atual
modelo agroprodutivo dominante no Brasil, as produções técnicas que asseveram, de
forma constante em suas falas, que o modelo utilizado pelo agronegócio brasileiro é
tóxico e danoso à saúde e nutrição humana, bem como ao meio ambiente, sendo
impossível ser mantido a longo prazo. Referido grupo, insiste, inclusive, na transição para
sistemas alternativos, como a agroecologia e similares. Já o sistema agroprodutivo
dominante, aqui denominado como majoritário, com seu modelo de cultivo em larga
escala de monoculturas e utilização de insumos químicos, diz abertamente que fez essa

25
opção agro(tech)4 industrializada para poder “alimentar o mundo” em suas presentes e
futuras gerações.

A questão é: para garantir alimentos à humanidade, presente e futura, seria preciso,


paralelamente, comprometer saúde, nutrição humana e recursos ambientais, caso os
críticos do atual modelo agroalimentar dominante estejam corretos em suas análises?
Existiria um equacionamento entre necessidades emergenciais: comida ou meio
ambiente, saúde e segurança alimentar? Teria sido decidido pelo modelo agroprodutivo
dominante no Brasil ser preferível existirem futuras gerações doentes a futuras gerações
famintas? Ou trazendo à lume o pensamento de Ulrich Beck (2011, [1986], p. 50; 59):
“Na concorrência entre a morte pela fome, visivelmente iminente, com a morte por
intoxicação, iminente mas invisível, impõe-se a premência do combate à miséria
material”.5

No que tange à expressão, “presentes e futuras gerações”, a mesma foi utilizada,


muitas vezes, relacionada à figura da criança - em sua primeira infância, do adolescente,
da perpetuação da espécie humana na terra, seu presente e futuro, mesmo que não se
realize um recorte etário, jurídico ou biológico específico durante a pesquisa.6 Todavia,
foi realizada uma breve discussão ético-filosófica sobre o termo em tópico próprio deste
trabalho.

Referencial teórico-metodológico

As técnicas pretendidas no estudo partiram de eixos conectados pelos termos


técnico-operativo, técnico-científico e técnico-jurídico de forma mais incisiva, através da
revisão bibliográfica e documental para se delinear o quadro geral da análise pretendida
na pesquisa.

4
Decidi adotar referida expressão por considerá-la representativa da ideia presente, principalmente, no
agronegócio e seu modelo agroprodutivo, que defende que o uso de agrotóxicos, maquinários e
monocultivos é procedimento simbolicamente tecnológico e avançado, conforme veremos ao longo da tese.
5
Inclusive, recordo-me agora de uma aluna que me relatou a conversa entre seu marido e dois rapazes que
disputam jogos de videogame com ele pela internet e que são alunos de Agronomia no Mato Grosso.
Quando ela e o marido questionaram os estudantes sobre o uso de agrotóxicos naquele estado e o quanto
ele poderia ser potencialmente danoso ao meio ambiente, saúde e nutrição humana, os mesmos asseveraram
que não conheciam outro meio de se produzir alimentos e que as doenças eram um dos males menores e,
ao final, vaticinaram com a seguinte máxima, relatada pela aluna com cara de espanto e indignação de que:
“o câncer mata devagar, mas a fome mata rápido.”
6
Mesmo reconhecendo que essa representação é múltipla e variada para a sociedade e suas representações,
aqui acionaremos o disposto na bibliografia e documentos utilizados durante a pesquisa.

26
Também me apoiei em Hannigan (1995, p. 44;48) e em sua abordagem
construcionista tratada em sua obra Sociologia Ambiental. Segunda referida abordagem,
uma grande parte da produção dos problemas ambientais é protagonizada por
especialistas de áreas e comunidades específicas de conhecimento como médicos,
advogados, sociólogos, cientistas, gestores públicos, operadores políticos, os quais
formam um mosaico no qual emerge a teoria social construcionista, que busca adotar uma
postura um tanto quanto agnóstica com o escopo de poder otimizar a forma como as
pessoas dão significação a determinados problemas sociais.

Em relação ao construcionismo, tenho ainda que a construção dos problemas


ambientais costuma sustentar-se em três principais eixos: reunião, apresentação da tarefa
e contestação. Na tarefa de reunião de exigências ambientais, busquei, inicialmente: a
descoberta e a elaboração do problema. Para tanto, foram realizadas uma série de
atividades específicas para designar o problema, diferenciá-lo de outros problemas que se
apresentem de forma parecida e, mais interessantemente: determinar a base legal, moral
ou técnica de uma exigência, bem como buscar os meios operativos para se produzir
alguma ação de melhoria (HANNIGAN, 1995, p. 58).

Diante do problema de pesquisa levantado na tese, um fato que me chamou a


atenção, dentro da perspectiva construcionista, é o que relaciona a existência dos
problemas ambientais com uma frequente origem no âmbito da ciência. Desta feita,
problemas como o envenenamento por pesticidas e aquecimento global, por exemplo, têm
uma forte ligação com as descobertas e exigências científicas, possuindo uma base física
mais impositiva, fato esse que me levou a explorar, em capítulo próprio deste trabalho,
esta base técnico-científica de forma mais abrangente.

Vale observar o fato de que o construcionismo não se mostra útil apenas como
opção teórica, mas tem utilidade como ferramenta analítica, a qual será utilizada em
alguns momentos deste trabalho, através da análise das exigências formuladas, dos
formuladores dessas exigências e o processo que faz emergir referidas exigências. Assim,
no que se refere à formulação de exigências, é preciso que se levantem algumas questões,
como a que se refere ao fato dos “formuladores de exigências” estarem filiados a
organizações específicas, movimentos sociais, profissionais, grupos de interesse ou, mais
recentemente, os costumeiros lobbys ou bancadas, como as que temos no Brasil. Não é à
toa que na formulação de alguns problemas sociais, teremos expressividade da

27
participação de médicos e cientistas, outros de funcionários públicos e advogados, bem
como nos meios de comunicação social, através da criação de pautas jornalísticas ou
páginas em redes sociais e afins (HANNIGAN, 1995, p. 50; 52).

Sintetizando melhor o pensamento de Hannigan, apresento o quadro abaixo,


reproduzido de sua obra Sociologia Ambiental e que trata das tarefas na construção dos
problemas ambientais.

Quadro 1 – Tarefas na construção de problemas ambientais


HANNIGAN (1995, p. 59)

Conforme já salientado no quadro acima, para que os problemas ambientais


venham a emergir, é necessário que sejam legitimados em múltiplas áreas como
comunicação social, ciência, público, meios políticos e jurídicos, os quais serão
explorados em maior ou menor dimensão ao longo deste trabalho. Sendo que, uma das
formas de se atingir a legitimidade é através do uso de táticas e estratégias retóricas, as
quais, ao invés de seguirem uma ordem cronológica, adotam um discurso cada vez mais
polarizado.

28
Investigar a relação entre o discurso produzido no campo técnico-operativo, as
ACPs do GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do MPF e as respectivas decisões
judiciais que envolvem questões relacionadas ao uso dos agrotóxicos, buscando analisar
os usos que são feitos do conhecimento técnico-científico e o tratamento de temas como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental, fizeram-me trilhar um pouco da proposta sistematizada em já referenciado
quadro, uma vez que, em vários momentos, apontam-se eixos e atividades que serão
percebidas no desenvolvimento deste trabalho.

Neste sentido e ao longo desta pesquisa, percebi que a temática de discussão


proposta parece estar emergindo com elementos atinentes, não apenas a um problema
social, mas também sociológico ambiental, dentro da perspectiva construcionista
apresentada por Hannigan (1995), com a presença dos eixos de reunião, apresentação da
tarefa e contestação e suas atividades primárias, fóruns centrais, construções de provas
científicas, morais ou legais, predominância de papéis, potenciais armadilhas e estratégias
para o êxito.

Assim, dentro do tema pesquisado, quando de sua abordagem socioambiental, foi


possível vislumbrar grupos heterogêneos como as eco-feministas, os ecologistas
profundos, além de outros críticos da sociedade pós-industrial que têm tendência para a
adoção das denominadas “retóricas de retidão”, que justificam a consideração dos
problemas ambientais sob bases estritamente morais. Por outro lado, existem os
denominados “pragmáticos ambientais” que defendem versões do desenvolvimento
sustentável e que costumam se apossar da denominada “retórica da racionalidade”
(HANNIGAN, 1995. p. 65-66).

Para concluir, passo a enumerar seis fatores trazidos por Hannigan (1995, p. 74-
75) como necessários para a construção com êxito de um problema socioambiental, os
quais, conforme já mencionado, nortearão algumas das análises presentes no decorrer
deste trabalho, sendo elas:

1. Autoridade científica capaz de validar as exigências;


2. Existência de pessoas que atuem como “propagadoras” e que possam estabelecer
a ligação entre ambientalismo e ciência;

29
3. Atenção por parte dos meios de comunicação, nos quais o problema é visto como
algo novo e relevante;
4. Dramatização do problema em termos simbólicos e visuais;
5. Incentivos econômicos para tornar uma ação positiva;
6. Emergência de um patrocinador institucional que assegure legitimidade e
continuidade.

Conforme as referências e observações acima enumeradas, construí o fluxograma


abaixo para melhor visualização da proposta através dos fatores acima citados e que,
aparecerão em maior ou menor evidência, ao longo do desenvolvimento da presente
pesquisa. A variedade de cores foi acionada apenas como instrumento estético para
melhor configuração visual dos elementos supramencionados.

Dramatização
Autoridade Incentivos Meios de Patrocinador
Simbólica e Propagadores
Científica econômicos Comunicação Institucional
Visual

Construção Social de Problemas ambientais

Fluxograma 1 – Construção Social de Problemas Ambientais (Hannigan (1995, p. 74-75)

Friso, todavia, que estas não serão as únicas categorias de análise a serem
exploradas no presente trabalho, mas que são categorias que ora se “costurarão” a outras
que lhes complementem ou que as contraponham, com o escopo de produzir o estudo
mais abrangente possível do tema que pretendi pesquisar.

Assim, será possível verificar que, ao longo do trabalho, busquei acionar algumas
outras categorias clássicas e, até mesmo, indispensáveis para o estudo do problema que
explorei, como o conceito de campo, como orbital dos fenômenos sociais, seus eixos
estruturados, arenas de lutas, representações, ambiguidades, disputas, atores,
(BOURDIEU, 2002), pois em alguns momentos da pesquisa, por exemplo, será
perceptível a disputa simbólica de termos entre a indústria agroprodutiva e setores da
agroecologia e suas respectivas pesquisas. Fato este que me levou à obra “Os usos sociais
da ciência”, que argumenta que no campo científico estão inseridos os agentes e as
instituições que produzem, reproduzem ou difundem a ciência e que tal campo é na

30
verdade um mundo social como outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos
específicas. (BOURDIEU, 2004, p. 20-21; 29).

Com o intuito de construir uma visão mais complexa e sistêmica da problemática


proposta para a pesquisa, bem como uma análise social baseada em riscos, trouxe também
o pensamento de Ulrich Beck em sua obra Sociedade de Risco em tópico próprio deste
trabalho. Segundo a compreensão proposta por BECK (2011, p. 10):

O reverso da natureza socializada seria a socialização dos danos à


natureza, sua transformação em ameaças sociais, econômicas e
políticas sistêmicas da sociedade mundial altamente industrializada. Na
globalidade da contaminação e nas cadeias mundiais de alimentos
e produtos, as ameaças à vida na cultura industrial passam por
metamorfoses sociais do perigo: regras da vida cotidiana são viradas
de cabeça para baixo. Mercados colapsam. Prevalece a carência em
meio à abundância. Caudais de demandas são desencadeados. Sistemas
jurídicos não dão conta das situações de fato. As questões mais
prementes provocam desdém. Cuidados médicos falham. Edifícios de
racionalidade científica ruem. Governos tombam. Eleitores indecisos
fogem. E tudo isso sem que a susceptibilidade das pessoas tenha
qualquer coisa que ver com suas ações, ou suas ofensas com suas
realizações, e ao mesmo tempo em que a realidade segue inalterada
diante de nossos sentidos (sem destaque no original).

Para Beck (2011, [1986] p. 10-11), o discurso presente na sociedade de risco é


marcado pela indiscernibilidade dos perigos, sua dependência do saber, sua
supranacionalidade, a “desapropriação ecológica”, a mudança súbita de normalidade em
absurdo e que, através de casos emblemáticos, como o de Chernobyl, podem ser
categorizados como uma trivial descrição da realidade.

A proposição que faço na tese é de origem qualitativa do ponto de vista


metodológico, ainda que possua elementos quantitativos em suas análises, assim, busquei
trazer dados representativos de realidades distintas em relação ao uso de agrotóxicos.
Frise-se que, ainda que não sejam apresentadas todas as exigências atreladas às regras da
pesquisa social empírica, busquei demonstrar uma certa teoria social prospectiva,
empiricamente orientada, mesmo não abarcando todas as salvaguardas metodológicas.
Realidade semelhante a trazida por Ulrich Beck, ([1986] 2011).

Também escolhi explorar o problema proposto pelo viés da justiça ambiental,


trazendo as perspectivas do racismo ambiental (BULLARD, 1996), ecologismo dos
pobres e movimento global de justiça ambiental (MARTINEZ‐ALIER), além dos autores

31
do tema no Brasil (HERCULANO, MADEIRA FILHO, FIRPO, PACHECO e
ACSERALD).

São também apresentadas construções teóricas sobre sustentabilidade e/ou


desenvolvimento sustentável (BOFF, SACHS, FREITAS, ONU) e futuras gerações na
percepção do direito ambiental (AYALA, MORATO LEITE, STONE e outros) e da
filosofia (CAMARA, JONAS, HABERMAS e outros).

Ainda em relação ao referencial teórico-metodológico e procurando não me


alongar muito, trago nesse instante, Jacques Ellul, que já na década de 1950 afirmava a
existência de embates técnicos com numerosas informações que parecem se contrapor em
seu próprio campo, fato que ficará muito notório desde o primeiro capítulo deste trabalho.

Para Ellul (1968, p. 18), certos progressos técnicos acabam por gerar incertezas
permanentes e em longo prazo e que, particularmente, no campo do meio ambiente e da
saúde parecem despontar de forma exemplar. Para o autor em comento, a criação do
desenvolvimento tecnológico desenfreado e irrefletido necessita sempre de novos
instrumentos e técnicas para resolvê-lo, sendo os problemas de saúde pública e de
segurança alimentar alguns dos quais são sistematicamente reformulados para que
recebam soluções técnicas, ao invés de soluções políticas.

Destaco, também, que dentro do esforço de compreensão e de escolha de referidas


categorias de pesquisa, considerei que os referenciais e recortes acima demonstrados se
mostraram como pertinentes quando se tem em mente o fato de que a própria construção
da temática socioambiental possui um viés multifacetado, capaz de concatenar um
conjunto filosófico, ideológico, científico, político e jurídico variado.

Por fim, diante de um cenário político-social pós-impeachment e pós-


democrático7, onde as bancadas ruralistas e os retrocessos socioambientais parecem ter
ganhado uma velocidade ainda mais espantosa do que nos governos que os antecederam,
tenho a forte impressão de que investigar as disputas produzidas no campo técnico-

7
Expressão cunhada pelo juiz de Direito Rubens Casara em seu livro “Estado Pós-Democrático: neo-
obscurantismo e gestão dos indesejáveis”, onde afirma que: Hoje, poder-se-ia falar em um Estado Pós-
Democrático, um Estado que, do ponto de vista econômico, retoma com força as propostas do
neoliberalismo, ao passo que, do ponto de vista político, se apresenta como um mero instrumento de
manutenção da ordem, controle das populações indesejadas e ampliação das condições de acumulação do
capital e geração de lucros.” (CASARA, 2017, p. 16-17)

32
operativo, buscando analisar os usos que são feitos do conhecimento técnico-científico e
o tratamento de temas como sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras
gerações, risco e justiça ambiental podem ter atuais e intrigantes pontos de contribuição
para se pensar o modelo agroprodutivo majoritário no país. Somos o celeiro do mundo,
já disseram alguns, alimentaremos e protegeremos esse mesmo mundo e suas presentes e
futuras gerações como afirmam os entusiastas da Revolução Verde e seus
desdobramentos, ou o “agro que é pop, que é tech e que é a indústria-riqueza do Brasil”8
nos agro-intoxicará?

8
Alusão à propaganda veiculada no horário nobre da Rede Globo de Televisão no ano de 2017.

33
1 “SOMOS OS FILHOS DA (R)EVOLUÇÃO”: AGROTÓXICOS,
TRANSGÊNICOS E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS

Inicialmente, abordaremos, ainda que de forma breve, a relação existente entre o


homem e o meio ambiente natural e como isso pode ser refletido no seu modelo alimentar.
Assim, principiamos este capítulo com os marcos históricos da relação homem-natureza,
tecendo algumas considerações sobre a produção de alimentos em diferentes estágios da
evolução humana.

Após, passamos ao estudo do contexto de surgimento da Revolução Verde,


mecanização da agricultura e o quase inseparável binômio: agrotóxicos e transgênicos,
além da recente inserção dos alimentos biofortificados no cenário revolucionário proposto
pelo modelo do agrobusiness mundial.

1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A RELAÇÃO HOMEM-NATUREZA E A


PRODUÇÃO DE ALIMENTOS

Em apertada síntese, descreveremos algumas das bases históricas e culturais que


compõem as representações da natureza no mundo ocidental, relatando um pouco como
a natureza apareceu retratada no imaginário da civilização ocidental e como algumas
dessas concepções são frutos das relações sociais experimentadas em cada época.

Utilizando-nos, inicialmente, da divisão proposta por Froehlich (2002), dividimos


as relações do homem com a natureza em estágios distintos da história da civilização
ocidental, sendo algumas das etapas citadas a seguir:

A) Natureza mágica – nesta etapa de concepção do homem com o meio ambiente


natural, temos uma relação marcada pela formação de conceitos míticos. Esse período
corresponde ao pré-classicismo grego.

B) Natureza na Antiguidade Clássica – este período é marcado pela influência das


concepções aristotélicas da natureza. Aqui se reivindicava um mundo natural regido por
leis de cunho fundamental e hierárquico.

C) Natureza como símbolo da criação divina – nesta concepção a natureza é


representada como obra do Supremo Criador, fruto da predominância do cristianismo,

34
sendo característica da Idade Média. Nessa época, criaram-se metáforas que aduziam que
a natureza era uma espécie de livro escrito pelas mãos de Deus e que continha, portanto,
em seu interior, mensagens divinas a serem decifradas.

D) Natureza e Idade Moderna – neste momento civilizatório, a relação com a


natureza já não é a de um “livro escrito por Deus”, mas pela ascensão do iluminismo e
seus valores racionais e científicos. Tem-se que o mundo e, consequentemente, a
natureza, possuíam leis explicáveis através de métodos de investigação rigorosos, que
incluíam a experimentação e a matematização. A presença de Deus não é negada, mas
ao invés de ser compreendida como escritura divina, ela agora é representada como uma
máquina feita pelo “divino relojoeiro” que coloca a responsabilidade de sua manutenção
e operação nas mãos do ser humano. Todavia, próximo à metade do século XVIII, os
físicos passaram a questionar se realmente essa máquina tinha uma relação com o divino,
ocorrendo uma ruptura entre o padrão racional e científico iluminista e o finalismo
aristotélico.

Trataremos, a seguir, de algumas concepções mais contemporâneas acerca da


relação homem-natureza, agora baseados na abordagem de Diegues (2001).

E) Ecologia profunda (Deep Ecology) – é um enfoque essencialmente biocêntrico


e que, diferentemente da fase final da era moderna, racional-científica e iluminista, volta-
se a influência espiritualista, seja de viés cristão ou de religiões orientais, aproximando-
se, em certos momentos, de uma quase cultuação do mundo natural.

Por ter esse condão biocêntrico, a ecologia profunda afirma não existir diferenças
entre seres humanos e não-humanos, considerando que o mundo natural possui valores
próprios que independem da classificação clássica antropocêntrica adotada por boa parte
da civilização contemporânea.

F) Modernização Ecológica, eco-capitalismo ou eco-tecnocracia – ao contrário da


ecologia profunda, tem sua base firmada em uma matriz antropocêntrica de relação do
homem com a natureza e que tem como mote a crença de que a tecnologia e o mercado
são capazes de estabelecer uma relação “sustentável” com a natureza. Para essa forma de
representação, a natureza não perde o sentido realista, seja como recurso natural, matéria-
prima, ou produto a ser consumido.

35
Esse conceito encontra-se bem sedimentado em boa parte dos países ditos
“desenvolvidos” que hoje produzem “produtos verdes”, tecnologia ambiental e até uma
denominada “economia verde”. Seu discurso de que o desenvolvimento econômico não
precisa parar, mas deve ser sustentável dos pontos de vista social e ambiental, encontrou
eco em diversas corporações e está presente no corpus normativo e nas instâncias
operativas que tratam de diversas temáticas socioambientais brasileiras, conforme
analisaremos em capítulo e tópico específico deste trabalho.

G) Ecologia Social – Nesta concepção, a degradação ambiental é tratada como


fruto direto do capitalismo. Assim como marxistas, o seu principal idealizador, Murray
Bookchin (1964), via na acumulação capitalista a força motriz da devastação do planeta.

Para a concepção ecológica-social, os seres humanos devem ser vistos,


primeiramente, como seres sociais e não como uma espécie diferenciada – diferentemente
da proposta dos ecologistas profundos, por exemplo. Sendo seres sociais, constituem-se
em grupos diferentes como: pobres e ricos; brancos e negros; jovens e velhos, etc.
Diferentemente dos marxistas clássicos, ao criticarem a noção de Estado, propõem uma
sociedade democrática, descentralizada e baseada na propriedade comunal de produção.
São considerados anarquistas e utópicos.

H) Eco-socialismo ou ecomarxismo – apresenta suas origens no movimento de


crítica interna do marxismo clássico, quando trata da concepção deste em relação ao
mundo natural, principalmente a partir da década de 60. Para os ecomarxistas, a visão da
natureza trazida por Karl Marx era estática, pois a considerava apenas em virtude da ação
transformadora do homem, por meio do processo de trabalho.

I) Ecofeminismo – Com a efervescência dos movimentos feministas


contemporâneos e buscando-se compreender fatores geradores da dominação feminina,
surgiu o denominado movimento ecofeminista que tem as mais variadas interpretações,
haja vista o fato de que vários são os feminismos. O ecofeminismo tem buscado aliar aos
debates feministas questões de preservação e manutenção da vida saudável e digna, em
todas as suas formas.

Vandana Shiva (1995), que terá suas análises sobre transgênicos e monoculturas
trazidas mais à frente deste trabalho, explica que os movimentos ecofeministas e
ecológicos convergem no sentido de buscar a construção de formas que viabilizem uma

36
melhor convivência no planeta, opondo-se, portanto, a dupla exploração capitalista e
patriarcal do ecossistema e das mulheres, para que assim seja possível o alcance de um
ponto de encontro para o desenvolvimento sustentável.

O ecofeminismo pode ser considerado como originário de diversos movimentos


sociais – de mulheres, pacifistas e ambientalistas – no final da década de 1970 que, em
princípio, atuaram unidas contra a construção de usinas nucleares. Algo importante de
comentarmos é que o movimento ecofeminista trouxe à tona a relação estreita existente
entre a exploração e a submissão da natureza, das mulheres e dos povos estrangeiros, pelo
poder patriarcal. (SHIVA,1995).

Conforme já comentamos, várias são as linhas que compõem os movimentos


feministas. Assim, é salutar termos em mente que o ecofeminismo abrange várias formas
de expressão e teorias, podendo ser dividido em três tendências majoritárias:
Ecofeminismo clássico; Ecofeminismo espiritualista do Terceiro Mundo e Ecofeminismo
construtivista (PULEO 2013, p. 10; 2002, p. 37).

Por fim, vimos até o presente momento que a historicidade dos discursos acerca
da natureza é inegável e, na medida em que as relações sociais se desdobram em novas
necessidades materiais para a manutenção de determinado tipo de sociedade, percebemos
que a concepção da natureza acompanhou essa mudança.

1.1.1 A relação do Homem com a natureza e a Produção de Alimentos

“E se somos Severinos iguais em tudo na vida,


Morremos de morte igual, mesma morte severina:
Que é a morte de que se morre
De velhice antes dos trinta,
Demboscada antes dos vinte
De fome um pouco por dia
De fraqueza e de doença
É que a morte severina
Ataca em qualquer idade,
E até gente não nascida”.
(João Cabral de Melo Neto, in: Morte e vida Severina)

Falar da produção de alimentos é falar da relação do homem com a natureza, de


sua luta e de seu objetivo de satisfazer necessidades vitais, sendo a obtenção de alimentos
uma dessas necessidades vitais carecedoras de serem atendidas (PARDO, 2003, p. 109).

37
A produção de alimentos, a partir de métodos agropastoris, remete-se a estágios
muito iniciais que apresentam os vestígios do homem no planeta. Nesse sentido, a
agricultura é reconhecida como instrumento para a produção de alimentos desde o período
neolítico, aproximadamente 10.000 anos A.C. (GRIGG, 1987, p. 79).

No período Neolítico, temos notícias de que os parâmetros da alimentação humana


tradicional foram estabelecidos: cultura de cereais - nomeadamente trigo e centeio;
criação de carneiros; cabras; bois e porcos. Esse parâmetro é explicado por Flandrin e
Montanari (2008, p. 36, como decorrente do desequilíbrio entre a população e os recursos
alimentares disponíveis, de modo que a agricultura e a criação de gado corresponderiam
à necessidade de intensificar a produtividade das principais espécies consumidas.
Segundo Grigg (1987, p. 79), nesse período, a agricultura sedentária passou lentamente a
ser estabelecida em boa parte dos grupos sociais a que se tem referência na época.

A agricultura se manteve em padrões semelhantes durante séculos de história da


humanidade, tendo seu percurso transformado de forma mais perceptível em meados dos
séculos XVIII e XIX, todos os eventos simbólicos que marcaram esse estágio da
sociedade ocidental, especificamente a europeia, ocorrendo o avanço da chamada
agricultura moderna, como fruto da mecanização da lavoura e da utilização de insumos
químicos. Segundo Ehlers (2008, p. 14), pode ser denominada como a primeira
Revolução Agrícola, com mudanças na agricultura e pecuária ocorridas a partir do século
XVIII em várias regiões da Europa. O termo revolução foi utilizado em razão da
aproximação mais acentuada das atividades agrícolas e pecuárias, o que resultou no
aumento de produção em diferentes regiões da Europa Ocidental, portanto, uma revolução
(EHLERS, 2008, p. 14).

Todavia, temos principal interesse pela Revolução Verde e seus desdobramentos,


na qual os contornos do atual modelo agroprodutivo dominante já começam a se destacar
através da industrialização da técnica agrícola com implemento de maquinários e inserção
de insumos químicos. Assim, passamos à análise de referida revolução e seus
prolongamentos no tópico que segue.

38
1.2 REVOLUÇÃO VERDE: ESTUDO DO CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL DE
SURGIMENTO

As transformações da relação do homem – ser social, com o meio ambiente natural


no qual está inserido acabam sendo geradoras de desdobramentos variados, sendo que no
tópico anterior exploramos os reflexos de referida mudança através da forma como o ser
humano foi se relacionando com a natureza e seu consequente reflexo na produção de
alimentos.

Iniciada a revolução industrial e seus desdobramentos sociais, políticos,


econômicos e ideológicos, os quais inauguraram uma nova era da humanidade - pelo
menos dentro de uma concepção eurocêntrica da história - percebemos os incrementos
tecnológicos nas mais variadas áreas da vida humana, entre eles – e como não podia deixar
de ser, desafortunadamente, a guerra.

Nesse cenário, vale trazer ao palco a presença de Willian Boyce Thompson (1869-
1930) que fez fortuna nos Estados Unidos da América (EUA), através da exploração de
minas de cobre nas montanhas de Montana e que foi imbuído pela Cruz Vermelha, em
outubro de 1917, na liderança de uma missão humanitária na Rússia – em plena revolução
bolchevique.

Segundo o livro Meia-Noite em Bhopal (LAPIERRE, MORO, 2014)9, o industrial


Thompson trocou a indumentária executiva por uma vestimenta militar, acrescentou mais
1 milhão de dólares às subvenções do governo estadunidense e partiu para a Rússia,
voltando de lá convencido de que a paz no mundo dependia de uma distribuição equânime
de alimentos e que com a projeção exponencial de crescimento da população mundial,
fazia-se necessário o incremento em tecnologia para o desenvolvimento de plantas e
sementes resistentes. Assim, relata-se no livro em comento, que: surgiu, no ano de 1924,
o Boyce Thompson Institute For Plant Research, um centro de pesquisa agronômico
ultramoderno, espaçoso e distante cerca de uma hora de Nova York (LAPIERRE; MORO,
2014, p. 41-42).

9
Livro de Dominique Lapierre e Javier Moro que trata da contaminação por nuvens tóxicas exaladas da
fábrica de pesticidas da empresa Union Carbide na cidade de Bhopal, no coração da Índia e que deixou
dezenas de milhares de mortos, milhares de feridos e continua a causar danos à população local mais de
três décadas passadas do ocorrido.

39
Na história contada pela narrativa de Lapierre e Moro (2014), percebe-se que para
o florescer daquilo que seria denominado como Revolução Verde estavam presentes
elementos que compõem a categorização de emergência de um problema socioambiental,
como a existência de autoridades científicas que iriam trabalhar no Boyce Thompson
Institute; a existência de “propagadores”, na própria figura do mecenas da tecnologia de
combate à fome, Willian B. Thompson; a atenção dos meios de comunicação da época
noticiando o feito de tão importante industrial, bem como os incentivos econômicos para
se tornar uma ação positiva – a erradicação da fome no mundo e a emergência da figura
de Thompson como patrocinador para assegurar a legitimidade e continuação do
problema levantado.

Todavia, ao mesmo tempo em que emergia o problema da fome mundial e o


panorama de necessidade de se “alimentar o mundo” para que a paz viesse a surgir, com
a legitimação da questão através de diversos fatores, como os acima explicitados, outros
problemas não imaginados estavam por nascer, conforme perceberemos mais adiante
deste capítulo.

Ao instituto de Willian B. Thompson, uniram-se potências como a empresa Union


Carbide que, como veremos mais adiante, será a protagonista da denominada “tragédia
em Bhopal”, e que, na primeira grande guerra mundial (1914-1918), conquistou sua
primeira glória ao permitir que o gás hélio destilado em seus alambiques fizesse subir os
dirigíveis nos céus da França para avistar a inimiga artilharia alemã, bem como outras
glórias utilizadas na guerra como pastilhas de carvão ativado nas máscaras antigas que
protegeram os pulmões de milhares de soldados nas trincheiras e 25 anos depois, na
segunda guerra mundial, sua colaboração mais potente: a primeira bomba atômica nascida
no Manhattan Project. (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 42-43).

É possível perceber, através de relatos, como os acima narrados, que no alvorecer


do desenvolvimento tecnológico do século XX, muitas descobertas ocorridas na época
foram catalisadas para a indústria bélica. Todavia, encerradas as guerras, criada a ONU -
Organização das Nações Unidas e agências como a FAO - Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e a Agricultura, o arsenal bélico e tecnológico produzido em
décadas de animosidade precisava ser deslocado para alguma área que fosse tão
agregadora da humanidade como a guerra.

40
Tragicamente, ainda que a guerra seja dilapidadora de vidas e do meio ambiente
natural de forma geral, ela consegue aglutinar em torno de si exércitos apaixonados e
coesos, além de inúmeros mercenários, o que a torna tão atrativa, agregadora e,
literalmente, explosiva para a humanidade até os dias de hoje.

Ao buscar-se uma saída para o direcionamento de toda tecnologia produzida por


duas guerras mundiais e tentar evitar a repetição de cenas como a de soldados e
prisioneiros de guerra, além de civis dos mais variados locais da Europa em estado de
inanição grave, foi que se pensou em recrutar-se um novo exército, agora não mais para
a “fabricação de uma guerra”, mas para a “produção de comida” em um mundo assolado
por duas grandes guerras mundiais.

A Union Carbide, por exemplo, notória e gloriosa colaboradora nas grandes


guerras mundiais, em menos de uma geração – no pós segunda guerra, alçou o patamar
de líder no pelotão de empresas multinacionais, com a produção de incontáveis produtos,
como gases industrializados utilizados na indústria petroquímica, fabricação de
especialidades metalúrgicas e toda uma gama de produtos de plástico de grande consumo,
além de uma quantidade quase infinita de produtos que faziam com que o slogan “se é
bom para a Carbide é também bom para a América e, por conseguinte, para o mundo”
fosse credibilizado (LAPIERRE; MORO, 2014, p. 44).

Consequentemente, quando a Union Carbide buscou se lançar na aventura de


produção de pesticidas para “ajudar a combater a fome no mundo”, nada de mais coerente
com seu passado e experiência pretérita poderia se mostrar ofertado. Agora, passadas as
guerras, sua finalidade era a de livrar a humanidade dos insetos que roubavam os
alimentos dos seres humanos e, assim, seu prestígio somente aumentava, bem como os
valores de suas ações.

Sempre é bom lembrar que o desenrolar de tratativas como as acima referenciadas


se dá numa perspectiva ocidentalizada e protagonizada pelos ditos países desenvolvidos,
pois até hoje encontramos “mundos assolados” em guerras civis, religiosas, econômicas
e naturais, onde a fome se fez passado, se faz presente e, provavelmente, se fará futuro.

Mas, voltando ao nosso cenário inicial de Mundo Ocidental pós segunda-guerra


mundial é que se verificam as tratativas para a convocatória desse novo exército – não
mais claramente destruidor, mas produtor de alimentos.

41
Conforme vimos no primeiro item deste capítulo, a alimentação é, também,
expressão social, a forma com que nos alimentamos, os alimentos que escolhemos para
colocarmos sobre nossas mesas, bem como as pessoas que escolhemos para compartilhar
o “partir do pão”, diz muito de cada um de nós, como cultura e sociedade.

Parece-nos, assim, que diante do esfacelamento promovido por duas grandes


guerras, nada seria mais justo do que a junção da sociedade pós-guerra ao redor de uma
grande mesa de comunhão e união.

Desta feita, além de se fazer emergir o problema da escassez de alimentos no


mundo, havia um corpo técnico e científico que afirmava, de forma categórica, que a
forma de produção de alimentos aplicada há milênios pela humanidade não mais se fazia
adequada, uma vez que era incapaz de produzir o montante necessário de alimentos para
a população que habitava o planeta e que passaria a habitá-lo nos futuros anos de acordo
com as projeções e dados produzidos em pesquisas e estudos por esses mesmos técnicos.
A insistência de cientistas, aliada ao furor do mercado econômico que se reerguia,
ganhava corpo em um discurso que garantia que era preciso “acabar com a fome no
mundo” e que, para tanto, a mudança no paradigma de produção de alimentos era
premente.

O modo de produção de alimentos da época era considerado insuficiente e, se


agora estavam todos de posse de uma Declaração Universal de Direitos Humanos, de uma
Organização das Nações Unidas - ONU e de uma agência de alimentação e agricultura –
FAO, em prol da defesa e bem da humanidade, parecia que não mais se poderia permitir
que desgraças, como a ausência de alimentos, assolassem ainda mais o planeta e sua
população sofrida.

Nesse contexto, aparentemente humanitário e solidário, surgiram descobertas


como a semente de trigo batizada de Sonora 23, pelo agrônomo estaduninese Norman
Borlang, futuro prêmio Nobel da Paz, que conseguiu criar a já referida semente produtora
de uma colheita de fortes espigas, resistentes ao vento e às diferentes iluminações e
chuvas torrenciais. Além disso, com alguns talos mais curtos e menos apetitosos, era
possível obter uma maturação mais rápida e, consequentemente, várias colheitas anuais
em uma mesma safra - era a personificação da Revolução Verde (LAPIERRE; MORO,
2014, p. 75).

42
Todavia, a Revolução já apresentava seus ruídos não previstos, assim é que os
agricultores da Índia, para onde elas foram levadas para teste pela própria Union Carbide,
viram que para que as sementes produzissem com alto rendimento e múltiplas colheitas,
era preciso doses muito maiores de água e adubo. Logo, em cinco anos (1966-1971), a
Revolução Verde multiplicou por três o adubo consumido na Índia e com a reduzida base
genética utilizada para potencializar o alto rendimento associado ao monocultivo, as
vulnerabilidades de doenças e insetos se multiplicaram (LAPIERRE; MORO, 2014, p.
75).

Para efeitos de conclusão deste primeiro tópico, o que parece ser perceptível até o
presente momento é o fato de que momentos marcantes da humanidade como a Revolução
Bolchevique e as duas grandes guerras mundiais, tinham em seus bastidores ricos
empreendedores que, em nome de uma propagada solidariedade, apresentaram-se como
patrocinadores da mudança do padrão de produção de alimentos no mundo. Mais adiante,
veremos que certos ciclos se repetem, pois, atualmente, a biofortificação vem sendo
propagada por bilionários do quilate de Bill Gates e esposa.

Parece-nos que os discursos que são empunhados por esses “salvadores” são,
muitas vezes, no sentido de que é preciso reagir e projetar o futuro e assim, dentro desse
contexto pós-guerras e artificialização da vida, surgiu a denominada Revolução Verde.
Temos, então, um aparente paradoxo, pois os “salvadores” das pessoas famintas do
mundo são justamente aqueles que concentram renda e poder e que estão imiscuídos em
guerras bélicas ou não. E é nesse caldo financeiro, cultural e combativo que a agricultura
se mecaniza e os agrotóxicos, transgênicos e alimentos biofortificados tecem
protagonismos relevantes, conforme trataremos no tópico a seguir.

1.3 REVOLUÇÃO VERDE, REVOLUÇÃO GENÉTICA E BIOFORTIFICAÇÃO:


AGROTÓXICOS, TRANSGÊNICOS E ALIMENTOS BIOFORTIFICADOS, COMO
FILHOS DA REVOLUÇÃO?

“Não precisamos desses experimentos irresponsáveis que criam


novas ameaças para a biodiversidade e para nossa saúde; não
necessitamos de soluções de nutrientes impostas por homens
poderosos sentados em lugares distantes, que são totalmente
ignorantes da biodiversidade dos nossos campos e dos nossos
pratos, e que não terão de aguentar as consequências de seu
poder destrutivo. Precisamos colocar a segurança alimentar
nas mãos das mulheres para que a última entre elas e a última

43
das crianças possam partilhar das dádivas de biodiversidade da
natureza”.

Vadanda Shiva, ativista indiana

Passadas pouco menos de duas décadas do movimento mais intenso da


denominada Revolução Verde, Rachel Carson, alçada ao grau de “celebridade científica”
- amada e odiada por sua denúncia ao “elixir da morte” - DDT, no livro Primavera
Silenciosa (1962)10 questionou a premissa do uso intensivo de produtos químicos na
agricultura.

É importante mencionarmos que a obra de Rachel Carson marcou um despertar


do chamado ecologismo político, e a relevância do livro Primavera Silenciosa encontrou-
se na coragem de Carson de arguir que já era tempo de pôr fim às “pílulas calmantes de
meias verdades” (CARSON, 2010, [1962], p. 16) quando desnudou, de forma pública, os
efeitos nocivos de uma tecnologia transplantada da indústria bélica para a agricultura e
que se disseminou globalmente após a Segunda Guerra Mundial, com o projeto político-
ideológico da Revolução Verde (ABRASCO, 2015, p. 27).

Na época do lançamento do livro de Rachel Carson, a tese que hoje pode parecer
trivial para alguns grupos, mostrou-se escandalosa, uma vez que sugeria que a população
dos EUA estava sendo envenenada lentamente pelo mau uso de pesticidas químicos.

É preciso frisar que o contexto de escrita da obra de Carson foi o de fim de duas
guerras mundiais e do ápice da denominada guerra fria. Nesse contexto histórico-social,
a indústria química - que conforme já vimos foi uma das principais beneficiárias da
tecnologia pós-guerra, encabeçou, também, um dos principais papéis no imaginário
estadunidense de prosperidade e domínio.

O DDT, tão ferozmente atacado pela autora em comento, era visto como um
produto mágico que possibilitou a vitória sobre pragas de insetos na agricultura e as velhas
doenças transmitidas por insetos, assim como a bomba atômica havia destruído os
inimigos militares dos Estados Unidos (CARSON, 2010 [1962], p. 12).

Segundo Linda Lear que prefacia a obra que nos referimos:

10
Apesar da referência inicial à data de 1962, ano de lançamento nos EUA da obra Primavera Silenciosa,
trabalharemos com referências de 2010, obra traduzida pela editora Gaia no Brasil, razão pela qual a obra
consultada aparecerá entre parênteses, enquanto a data original entre colchetes.

44
A população atribuía aos químicos, trabalhando em seus aventais
brancos e engomados em remotos laboratórios, uma sabedoria
quase divina. Os resultados de seu trabalho eram ornamentados com a
presunção de beneficência. Nos Estados Unidos pós-guerra, a ciência
era Deus e a ciência era masculina. (LEAR apud CARSON, 2010,
[1962], p. 12). (sem destaque no original).

O prefácio da obra também informa que o livro Primavera Silenciosa foi o produto
da inquietude da autora que desafiou, de forma deliberada, a sabedoria de um governo
que permitia que substâncias tóxicas fossem lançadas no meio ambiente antes de saber as
consequências de seu uso de longo prazo.

Frise-se, nesse momento, que até os dias de hoje, a realidade de uso de produtos
químicos nos EUA continua da mesma forma, primeiro lança-se o produto e após, fazem-
se os experimentos, os quais se dão com a própria população feita de cobaia.11

Continuando a tratar da pesquisa de Rachel Carson, a mesma descreveu como os


inseticidas à base de hidrocarbonetos clorados e fósforo orgânico eram capazes de alterar
os processos celulares das plantas, animais e, por implicação, dos seres humanos. A autora
denunciava que a ciência e a tecnologia haviam se tornado servas do afã mercadológico
em sua busca de lucros e controle de espaços e, em vez de proteger a população de danos
potenciais, o governo estadunidense agia na contramão, dando seu aval para que uma
variada gama de produtos químicos fosse lançado no mercado sem qualquer prestação de
contas (CARSON, 2010 [1962], p. 15).

Apesar do contexto de produção científica vivenciado por Carson, em meio a uma


ciência que era “deus-homem”, a autora conseguiu atrair prestígio e marcos ao
Movimento Ecologista e do Direito Ambiental, conseguindo influenciar gerações,
despertando um engajamento ambiental, social e moral de uma nação que é tratada como
“experimento humano” até a contemporaneidade, além de tratar o resto do mundo com
muito menos gentileza do que a compartilhada com seus próprios cidadãos.

A relevância de primavera silenciosa perpassou décadas e culminou com a


proibição do DDT nos EUA no início da década de 1970, e em outros países, ainda na
mesma década. No Brasil, todavia, a sua retirada ocorreu de forma fracionada, pois a

11
Conforme relata o documentário “The Human Experiment”. Nesse ponto, o Brasil conta com uma
legislação muito mais protetiva e avançada do que a estaduninense.

45
primeira leva de retirada ocorreu apenas em 1985, passados mais de 23 anos da denúncia
de Carson e que compreendeu o cancelamento de sua autorização. Após, em 1998, teve
seu uso proibido em campanhas de saúde pública e, somente, nos idos de 2009, teve seu
banimento definitivo com a publicação da Lei n. 11.936/2009, que proibiu sua fabricação,
importação, exportação, manutenção, estoque, comercialização e uso no país, ou seja,
passados 47 anos da denúncia protagonizada por Rachel Carson (ABRASCO, 2015, p.
96).
O quadro de longa demora de retirada do DDT do Brasil pode ajudar na
compreensão da razão por que outros produtos químicos, atestados cientificamente de
forma indiscutível, como danosos à saúde e ao meio ambiente e proibidos em outros
países, continuam em circulação no Brasil. Baseados em relatórios da Agência Nacional
de Vigilância Sanitária - ANVISA, tem-se a informação que dos 50 agrotóxicos mais
utilizados nas lavouras de nosso país, 22 são proibidos na União Europeia, o que faz do
Brasil o maior consumidor de agrotóxicos já banidos de outros países (ABRASCO, 2015,
p. 96).
Ressalvamos que essa relação entre agrotóxicos banidos do país, consumo de
agrotóxicos per capita no Brasil e demais informações correlatas serão tratadas em tópico
próprio deste trabalho. Neste momento, cabe apenas, a reflexão sobre o fato de que dentro
da construção socioambiental de um problema, como o que ora tratamos, nem sempre a
autoridade científica capaz de validar exigências ambientais em um local, validará em
outro e que os demais itens enumerados por Hannigan (1995), parecem realmente
subsidiar explicações sobre a razão de um produto como o DDT ser banido nos EUA da
década de 70 e, no Brasil, apenas em 2009, e porque ainda, estamos enfrentando o desafio
de “banir os banidos”.

Um outro ponto que merece destaque dentro da perspectiva construcionista e que


parece ser nevrálgico dentro dos questionamentos de Carson, nos remete a sua influência
como propagadora da problemática da contaminação através da sua pesquisa que ligava
ambiente e saúde. Sua retórica purista, que a fazia questionar o direito moral do governo
dos EUA de deixar seus cidadãos desprotegidos diante de substâncias que eles não
poderiam evitar fisicamente e nem questionar publicamente. Para Carson, a terminologia
correta não seria agrotóxico ou inseticida, mas sim biocida e tanto em seu livro como em
um depoimento na Comissão criada no Congresso americano para discussão da tema,
afirmou que um dos direitos humanos mais básicos deveria ser o direito do cidadão de

46
estar protegido em seu lar contra a intrusão de venenos aplicados por outras pessoas
(CARSON, 2010, [1962], p. 15-16).

Sobre a expressão biocidas e através de um debate baseado nos princípios


ecológicos, explorando a forma como a vida na Terra está conectada a cada elemento, a
autora propôs:

[...] há muitas [substâncias químicas] que são usadas na guerra da


humanidade contra a natureza. Desde meados da década de 1940 mais
de duzentos produtos químicos básicos foram criados para serem
usados na matança de insetos, ervas daninhas, roedores e outros
organismos descritos no linguajar moderno como ‘pestes’, e eles são
vendidos sob milhares de nomes de marcas diferentes. Esses sprays, pós
e aerossóis são agora aplicados quase universalmente em fazendas,
jardins, florestas e residências – produtos químicos não seletivos, com
o poder de matar todos os insetos, os ‘bons’ e os ‘maus’, de silenciar o
canto dos pássaros e deter o pulo dos peixes nos rios, de cobrir as folhas
com uma película letal e de permanecer no solo – tudo isso mesmo que
o alvo em mira possa ser apenas umas poucas ervas daninhas ou insetos.
Será que alguém acredita que é possível lançar tal bombardeio de
venenos na superfície da Terra sem torná-la imprópria para toda a vida?
Eles não deviam ser chamados ‘inseticidas’, e sim de ‘biocidas’
(CARSON, 2010, [1962], p. 23-24).

Carson questionou em sua obra a razão que levou uma civilização a optar por
travar uma guerra contra a vida. Já naquela época, um dos questionamentos da obra
Primavera Silenciosa deu-se sobre o fato dos agrotóxicos não serem compreendidos senão
como armas de uma guerra não declarada, cujas vítimas humanas e não humanas eram
ocultadas por uma ciência cerceada por interesses econômicos ou justificadas por esta
mesma ciência como efeitos colaterais do emprego de uma tecnologia apresentada como
indispensável. (ABRASCO, 2015, p. 28)

No campo de disputas inserido pelo uso de agrotóxicos na produção de alimentos,


a retórica da ocultação ou da justificação parece se fazer presente até os dias de hoje por
aqueles que defendem o modelo mecanicista e agroindustrializado de produção de
alimentos. Por essa razão, o alarme soado por Rachel Carson em Primavera Silenciosa
representou um duro golpe contra os argumentos propagandeados até então pelas
indústrias agroquímicas. Não é à toa que nessa época, juntamente com o discurso da
ocultação ou justificação e em parceria com segmentos da denominada ciência
institucionalizada, surgiu um terceiro e poderoso estratagema: a desqualificação,
conforme notícia o próprio Dossiê ABRASCO, que possui em sua concepção uma visível
influência do método de abordagem adotado por Rachel Carson. O próprio Dossiê

47
Abrasco (2015, p. 28) frisa que a autora em comento provou o gosto amargo da execração
pública, uma vez que sofreu inúmeras acusações e ameaças quando ousou questionar o
sistema de poder corporativo em plena era Macarthista.

Passadas décadas do ocorrido, percebemos que alguns ciclos relacionados a


pesquisadores, denúncias e ação governamental parecem se repetir, mas trataremos de
forma mais específica sobre essa questão em capítulo próprio deste trabalho.

Apenas para exemplificarmos o tipo de situação enfrentada por Rachel Carson, ao


ousar enfrentar os “filhos da Revolução Verde”, bem como seus pais ricos e furiosos, cite-
se o título nada convencional de um artigo publicado na época, denominado de “Silêncio,
Sra. Carson” (DARBY, 1962)12, que através de pesquisadores recrutados pela indústria
agroquímica contra as revelações apresentadas em Primavera Silenciosa, buscaram calar
e ridicularizar sua voz de denúncia, além de buscarem culpabilizá-la pela morte de
milhões de pessoas por malária ou dengue, uma vez que seus estudos foram determinantes
para o banimento do DDT no mundo (ABRASCO, 2015, p. 27-28).

Rachel Carson pareceu não estar disposta a dissociar a ciência da ética, a fim de


atender a interesses empresariais. Abaixo, reproduzimos uma de suas reflexões sobre a
superprodução e os impostos pagos pelos contribuintes dos EUA, onde ela joga algumas
luzes na razão de tal conduta por parte da indústria e do governo:

[...] Dizem-nos que o uso intenso e em expansão de pesticidas é


necessário para manter nossa produção agrícola. Entretanto, será que
nosso problema real não é a superprodução? Nossas fazendas, apesar
das medidas para reduzir a área destinada à produção e pagar os
fazendeiros para não produzir, têm produzido colheitas de um excesso
tão espantoso que o contribuinte norte-americano de impostos em
1962 está pagando mais de 1 bilhão de dólares ao ano em custos
totais do programa de armazenamento do excesso de alimentos
produzidos. E será que contribui para melhorar a situação quando um
setor do Departamento de Agricultura tenta reduzir a produção
enquanto outro declara, como fez em 1958: “acredita-se de modo geral,
que a redução nas áreas de cultivo sob as condições do banco da terra
estimularão o interesse no uso de produtos químicos para obter uma
produção máxima nas terras conservadas para o cultivo.” (CARSON,
2010, [1962], p. 25). (sem destaque no original).

A análise de pontos controversos, como o da superprodução em um cenário


alimentado pelo discurso da futura subprodução de alimentos, é de extrema relevância e

12
Informação pessoal de Raquel Rigotto constante do Dossiê ABRASCO (2015, p. 28).

48
demonstra que, além dos aspectos tributários trazidos por Carson na citação acima, outros
interesses e recursos estavam em jogo.

Observamos que a contradição de interesses parece ser observável em diversos


momentos de efervescência da Revolução Verde e, em determinados momentos, se
explicita, como no desastre de Bhopal 13
– Índia, ocorrido em 1984 e que produziu, na
época, cerca de 4 mil mortes diretas e centenas de milhares (entre 200 a 500 mil)14 de
feridos e afetados pelos efeitos crônicos do vazamento de 40 toneladas de gases tóxicos
– isocianato de metila e hidrocianeto, utilizados no processo de fabricação de agrotóxicos
por parte da Union Carbide – já mencionada quando da abordagem do histórico de
surgimento da Revolução Verde e hoje pertencente a também gigante Dow Química
(ABRASCO, 2015, p. 96).

O contexto que abarca a relação do homem com a natureza e se reflete na produção


de alimentos, conforme temos buscado demonstrar até agora, cinge-se da predominância
da artificialização das técnicas produtivas através da utilização de transgênicos – OGMs,
fertilizantes de origem industrial, uso de agrotóxicos e incrementos de alimentos
biofortificados.

O Brasil, ainda que não tenha sido berço de nascimento da Revolução Verde,
conquistou, ao lado de países como Índia, um solo fértil para o crescimento dos filhos da
Revolução Verde e adotou como padrão agroprodutivo a exportação do alimento-
mercadoria em forma de commodities, sendo sustentado por diversas políticas públicas
que visam facilitar e amplificar a expansão e acumulação capitalista da agricultura. 15

Assim, além de detentores do título de maior mercado consumidor de agrotóxicos


do mundo e segundo maior mercado consumidor de transgênicos do mundo (FIOCRUZ,

13
Voltaremos aos efeitos de desastres e contaminações químicas sobre a saúde humana no capítulo 03 desse
trabalho.
14
As estimativas não são precisas, uma vez que até a presente data, passadas 3 décadas do “acidente”,
nenhuma punição formal ou mesmo um “pedido de desculpas” às populações atingidas ocorreu.
(LAPIERRE; MORO, 2014, p. 346)
15
Ainda que não seja tema específico dessa pesquisa, mas apenas para que seja possível situarmo-nos,
minimamente, nos frutos mercantis da Revolução Verde no país, temos informações que o dinheiro
oferecido pelos governos para os negócios agroprodutivos brasileiros é tanto que em pesquisa de
CARVALHO (2012) foi apontado que o agronegócio recebia cerca de R$ 90 bilhões de crédito e gerava
um Produto Interno Bruto (PIB) de R$ 120 bilhões, de um total do PIB agrícola de R$ 160 bilhões e que as
dívidas agrícolas de 2005 a 2008 geraram 15 leis e 115 atos do Conselho Rural para sua renegociação, ou
seja, um grande favorecimento aos aliados dos grupos econômicos transnacionais de insumos.
(CARVALHO, 2012 apud ABRASCO, 2015, p. 104)

49
ABRASCO et.al), temos um mercado controlado por 6 grandes grupos transnacionais:
Syngenta, Bayer, Basf, Dow, DuPont e Monsanto e uma oferta de fertilizantes
concentrada em 3 grupos transnacionais, controladas desde 2007, pela Bunge, Yara e
Mosaic. Ressalte-se que esse movimento de controle é recente e que até a data de 1992
as empresas Ultrafértil e Fosfértil, ambas da Petrobras, controlavam a oferta de
fertilizantes no país. Temos também que 26% do comércio varejista de alimentos no
Brasil está controlado por grupos econômicos transnacionais, como Nestlé, PepsiCo e
Coca-Cola, entre outras similares (ABRASCO, 2015, p. 104).

Reencontraremos as empresas acima citadas em outros momentos e capítulos


deste trabalho, por hora, fiquemos com os dados acima apresentados e que buscam
demonstrar a extensão de seu poderio e controle de mercado.

Ainda em relação ao tema agrotóxicos e transgênicos é importante refletirmos


sobre o que diz outra atual expoente do combate à industrialização e artificialização da
produção agrícola através de produtos químicos, Vandana Shiva, que em seu livro
"Monoculturas da mente" alerta para o fato de que:

Também na agricultura a mentalidade reducionista criou a safra de


monoculturas. O milagre das novas sementes tem sido comunicado
muito frequentemente pela sigla VAR (variedades de Alto
Rendimento). A categoria VAR é crucial no paradigma da revolução
verde. (SHIVA, 2003, p. 56).

Shiva (2003, p. 56) informa, todavia, que ao contrário do que é sugerido pelo
termo VAR, não existe uma medida neutra ou objetiva de "produtividade", que esteja
fundamentada em um sistema de cultivo baseado em sementes milagrosas que têm um
rendimento maior comprovado, quando em comparação com um sistema de cultivo
tradicional e complementa: "agora tem aceitação universal a afirmação de que não
existem termos observacionais neutros nem nas mais rigorosas disciplinas científicas,
como a física". Todos os termos são estabelecidos pela teoria”.

A categoria VAR, logo, também não é um conceito observacional neutro, alerta


SHIVA. Assim, para a autora, o significado e a mensuração do VAR são determinados
pela Teoria e pelo Paradigma da Revolução Verde, que conforme vimos, tem em seus
bastidores uma rica indústria química (SHIVA, 2003, p. 56).

Shiva diz ainda que:

50
A categoria de VAR da Revolução Verde é essencialmente uma
categoria reducionista que descontextualiza propriedades tanto das
variedades autóctones quanto das novas. Como processo de
descontextualização, os custos e os impactos são externalizados e a
comparação sistêmica com alternativas é impossibilitada. (SHIVA,
2003, p. 56).

Exemplificando o que afirma, a referida autora menciona que:

Em geral, os sistemas de cultivos envolvem uma interação entre o solo


e a água e os recursos genéticos das plantas. Na agricultura nativa, por
exemplo, os sistemas de cultivo incluem uma relação simbiótica entre
solo, água, plantas e animais domésticos. A Agricultura da Revolução
Verde substituiu essa integração no nível da propriedade rural pela
integração de insumos como as sementes e os produtos químicos. O
pacote semente/produto químico estabelece suas próprias integrações
particulares entre os sistemas de solo e água que, no entanto, não são
levados em conta na avaliação da produtividade. (SHIVA, 2003, p. 57).
(sem destaque no original).

O que se percebe com a ideia defendida no livro em comento é que a estratégia da


Revolução Verde tem por objetivo aumentar a produtividade de um único componente de
uma propriedade rural – monocultivo, ao custo da redução de outros componentes e
aumento dos insumos externos. Assim, uma comparação feita nesses termos, é
considerada, por definição, tendenciosa na visão da autora, pois busca tornar as novas
variedades "extremamente produtivas", mesmo que no nível dos sistemas, não o sejam
(SHIVA, 2003, p. 57).

Os sistemas agrícolas tradicionais, por seu turno, se baseiam em sistemas de


rotação de culturas com variedade e diversidade a cada safra, enquanto a Revolução
Verde, conforme já vimos, baseia-se na monocultura de OGMs.

Para Shiva (2013, p. 57), a avaliação da produtividade de diversas safras


produzidas em sistema misto e de rotação de culturas nunca é vista de forma realista, pois
o que se faz é destacar o rendimento de uma única planta, como trigo ou milho, e compará-
lo com a produtividade de novas variedades. Ocorre que, segundo a autora, mesmo que a
produtividade de todas as safras fosse incluída, não é possível fazer a conversão da
medida de produção de legumes em uma medida equivalente de trigo, por exemplo, seja
como alimentação ou interação com o ecossistema, uma vez que possuem funções
distintas.

Uma comparação nesses moldes precisa envolver sistemas inteiros e não pode ser
reduzida à comparação de um fragmento de um sistema agrícola, pois em sistemas
51
agrícolas tradicionais, por exemplo, a produção envolve a conservação das condições de
produtividade.

Shiva (2013, p. 57) é contundente em sua crítica ao sistema de medida de


rendimento e produtividade do paradigma da Revolução Verde quando afirma que este se
encontra divorciado do entendimento de que os processos de aumento da produção
agrícola afetam os processos que mantêm as condições da produção agrícola, e que essas
categorias reducionistas de rendimento e produtividade, além de provocarem uma
destruição maior, afetando safras futuras, também exclui a percepção das diferenças
dramáticas entre dois sistemas distintos em termos de insumo.

Abaixo, mostramos uma figura que retrata o sistema agrícola de insumos internos
defendido pela autora. Podemos observar que é um sistema de cultivo que se baseia
exclusivamente em insumos orgânicos internos, com sementes e fertilidade do solo tendo
por origem comum a própria fazenda de cultivo e com o controle de pragas sendo
realizado pela rotação de culturas.

Figura 1 – Sistema agrícola de insumos internos (SHIVA, 2013, p. 60).

No pacote da Revolução verde, todavia, o sistema agrícola ativado é outro, com


safras atreladas à aquisição robusta de insumos sob a forma de sementes, fertilizantes
químicos, pesticidas, petróleo e irrigação intensiva e acurada, conforme verificamos na
figura a seguir.

52
Figura 2 - Sistema agrícola de insumos externos (SHIVA, 2013, p. 62).

Nos dizeres de Shiva (2003, p. 57-58), uma produtividade elevada não é intrínseca
às sementes, mas uma função da disponibilidade dos insumos necessários que, por sua
vez, têm consequências ecologicamente destrutivas para o ecossistema. Para melhor
ilustrar a tese relativa à produtividade pretensamente revolucionária da mecanização e
artificialização do sistema agroprodutivo, hoje dominante no Brasil e em boa parte do
mundo, a autora em comento produziu o quadro comparativo abaixo:

Quadro 2 – Como a Revolução Verde Distorce as comparações (SHIVA, 2013, p. 59).

53
A comparação deveria ocorrer entre dois sistemas de cultivos distintos SC1 e SC2,
com a inclusão do leque de insumos e produtos acionado por cada sistema. Além disso, a
comparação de SC2 seria diferente, caso o mesmo não recebesse imunidade em termos
de uma avaliação ecológica e a base de análise estratégica produzida pela Revolução
Verde que distorce a comparação entre PS1 e PS2. (SHIVA, 2013, p. 59).

É importante ressaltarmos que o discurso de Vandana Shiva, assim como o de


Rachel Carson, enquadram-se no que podemos denominar de contramajoritários em
relação ao sistema agroprodutivo. Se, a já falecida Rachel Carson, passou por
perseguições pessoais e científicas e tentativas variadas de desqualificação, ocultação ou
justificação, passadas algumas décadas e de forma muito similar, Vandana Shiva, física,
ecofeminista e ativista ambiental, parece compartilhar da mesma sina de perseguições e
entraves já protagonizados por Carson.

Mas, se os discursos contra a Revolução Verde e seus filhos mais portentosos:


agrotóxicos e transgênicos são minoritários, o que seriam então os discursos majoritários?
Para respondermos a essa indagação é preciso “passearmos” pelos sites de empresas como
Syngenta, Bayer, Basf, Dow, DuPont e Monsanto, as quais apresentam seus “filhos
revolucionários” com roupagem e discurso frontalmente diverso ao já estudado até agora.

Para o presente comparativo, proposto neste trabalho, utilizaremos a Monsanto


como norteador de estudo em sua abordagem agromercadológica em relação aos
transgênicos, agrotóxicos e biofortificados, cientes de que as demais empresas supra
referidas possuem abordagem semelhante. Bayer e Monsanto16 inclusive, foram fundidas
no ano de 2016, o que demonstra o quanto o trabalho dessas empresas é coeso.

Navegando pelo site da Monsanto, temos a informação de que a empresa pesquisa


e trabalha com o melhoramento de variedades de soja, milho, sorgo, algodão e hortaliças,

16
A Bayer comprou a Monsanto por 66 bilhões de dólares. Referida aquisição corporativa pareceu dar
origem ao que é, de longe, a maior corporação de agronegócio do mundo. Segundo os resultados financeiros
de 2015, as duas empresas têm um volume de negócios combinado de US$ 23,1 bilhões. Ninguém do ramo
pode igualar-se a elas. Os jovens casais Syngenta / ChemChina e Dupont / Dow as seguem de longe (US$
14,8 e 14,6 bilhões, respectivamente), e a Basf está em quarto lugar, com US$ 5,8 bilhões. Assim, a Bayer
e a Monsanto controlam, juntas, cerca de 25% do mercado mundial de pesticidas; e de 30% das vendas de
sementes agrícolas — tanto as geneticamente modificadas quanto as convencionais. Considerando-se
somente as plantas transgênicas - OGMs, as duas corporações juntas atingem uma clara posição de
monopólio, com mais de 90%. Referida aquisição pode gerar o aumento dos preços e a diminuição de
escolhas para os agricultores do mundo. Mais informações podem ser consultadas em: Dossiê Monsanto:
em risco, a alimentação do mundo. Disponível em: <https://outraspalavras.net/posts/dossie-monsanto-em-
risco-a-alimentacao-do-mundo/>. Acesso em: 05 fev. 2017.

54
as quais são adaptadas às diferentes condições de solo e clima brasileiro e que, em todo o
mundo, a empresa investe mais de US$ 1,4 bilhão por ano em pesquisa e desenvolvimento
de produtos novos e que buscam proporcionar aos agricultores um “portfólio amplo,
diferenciado, de alta tecnologia e com características específicas para cada região.”17

Percebemos, incialmente, a abordagem mercadológica com a utilização de termos,


como: “portfólio”, “diferenciado”, “investe”, “produtos”, “alta tecnologia” o que nos
remete ao fato de que se lida com a dimensão do alimento-mercadoria, fruto de um
imbricado processo agroindustrial e produtivo que movimenta bilhões, e que precisa
ofertar aos seus agricultores-consumidores produtos diferenciados, tecnológicos e
competitivos.

Abaixo, “pinçamos” algumas imagens dos produtos oferecidos pela empresa em


seu endereço eletrônico, onde as sementes de soja e milho, dois dos “carros-chefes” do
agronegócio brasileiro apresentam-se como produtos com logomarca própria:

Figura 3 – Imagens dos produtos comercializados no site da empresa Monsanto do Brasil.

17
Dados retirados do site da Monsanto para o público brasileiro e disponíveis no endereço:
<http://www.monsanto.com/global/br/produtos/pages/sementes.aspx>. Acesso em: 09 fev. 2017.

55
A abordagem da produtividade também ocorre de modo mercadológico, não
sendo realizado qualquer comparativo como o proposto por Shiva (2013) em sua obra. A
seguir, apresentamos uma das inserções comerciais localizadas no sítio eletrônico que
estamos estudando e que começa com a indagação sobre os resultados da produtividade
da região de trabalho do agroconsumidor.

Figura 4 – Comerciais do site Monsanto (MONSANTO, 2017).

Observe-se que a indagação traz consigo uma proposição, observar os resultados


de produtividade da região e realizar um comparativo com os híbridos da marca DEKALB
em agroconsumidores de todo o Brasil.

Na figura abaixo, para melhor ilustração do proposto pela empresa, eles


apresentam os números da Soja Monsoy e informam que trabalham intensamente para
atingir os melhores resultados de produtividade e apresentam, de forma detalhada, as suas
“completas estruturas de trabalho” (SIC), informando, ainda que, buscam sempre reunir
o conhecimento dos técnicos com a experiência de sojicultores e, assim, apresentar os
resultados das variedades da semente Monsoy, afirmando, enfaticamente, que os números
são um sucesso com médias comprovadas – ainda que não especificadas, evidentemente,
na propaganda – de produtividade de 69,4 sc/ha para a região Norte e 71 sc/ha para a
região Sul na safra de 2015/2016.

56
Figura 5 – Números da Soja Monsoy (MONSANTO, 2017).

Fato que é importante notarmos é que este padrão de mecanização e


artificialização da agricultura através de agrotóxicos e transgênicos vem se prologando
no tempo e no espaço e se os filhos da chamada Revolução Verde foram em um primeiro
momento os agrotóxicos e depois os transgênicos, hoje já se fala em novos
desdobramentos da própria Revolução Verde, no qual teríamos transitado do
“esverdeamento" para a Revolução Genética – OGMs, estando, atualmente, na fase da
chamada biofortifação dos alimentos.

1.3.1 Biofortificação: o filho caçula da revolução?

Em relação ao tema da biofortificação de alimentos é válido mencionarmos o


estudo produzido pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e
Nutricional – FBSSAN que tem acompanhado o debate sobre a manipulação de plantas
destinadas a aumentar o conteúdo de micronutrientes e que afirma em publicação de
agosto de 2016 que as intervenções no campo da biofortificação tem ocorrido sob uma
ótica tecnocrata, sendo financiada por interesses privados e decidindo em lugar da
sociedade o que, pretensamente, seria bom para essa mesma sociedade (FBSSAN, 2016,
p. 6).

O documento formulado pelo FBSSAN informa que apresenta seus subsídios


ancorado em discussões pretéritas com parceiros e especialistas de diversos setores,
através de reuniões realizadas desde o ano de 2010 e aponta como marco inicial o
Congresso Brasileiro de Agroecologia (novembro de 2013 - POA/RS), seguido pelo
Congresso Brasileiro de Nutrição (setembro de 2014 - Vitória/ES); a Oficina sobre
Biofortificação de Alimentos no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e

57
Nutricional (novembro de 2014 - Brasília/DF); o Congresso Internacional de Nutrição
Especializada (maio de 2015 - RJ/RJ); o Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (julho
de 2015 -Goiânia/GO) e a V Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(CNSAN) - Atividade integradora "Biofortificação de alimentos: contexto e
controvérsias” (novembro de 2015 - Brasília/DF). 18

Em relação a uma conceituação, o relatório do FBSSAN (2016) informa que o


significado do termo biofortificação, as definições a ele atribuídas e suas representações,
na prática, divergem completamente, fato que não nos causa estranhamento, uma vez que
o contexto de produção de alimentos é alvo de disputas das mais variadas, não podendo
ser esperada uniformidade conceitual de tão recente terminologia.

Assim, temos na palavra biofortificação um exemplo vívido de como a definição


de determinados conceitos e termos podem ter repercussões técnicas e políticas
divergentes de acordo com quem usa o termo e em qual contexto.

Partindo para uma tradução literal do termo que tem suas origens no latim e no
grego, temos que fortis (latim) significa forte; e bios (grego) significa vida. Portanto, o
termo biofortificação se refere à ação de “potencializar/tornar forte a vida”. A partir dessa
breve digressão literal, podemos chegar a duas conclusões iniciais: a primeira, é que se
assume com o termo o fato de que a vida pode ser ou estar “fraca” e, em segundo, se é
preciso potencializar/tornar forte essa “vida fraca”, isso ocorrerá por intermédio de
alguém ou algo e através de uma ação externa.

18
Segundo o documento da FBSSAN, para a construção dos argumentos e reflexões apresentados ocorreu
a contribuição de diversos militantes e estudiosos da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. Sendo
listados os responsáveis direitos pela construção do texto, os quais mencionamos a seguir: Anelise Rizzolo
(Universidade de Brasília/ OPSAN/CONSEA/ABRASCO); Élido Bonomo (Universidade Federal de Ouro
Preto / FBSSAN); Elisabetta Recine (Universidade de Brasília/ OPSAN/CONSEA/ABRASCO); Fabio
Gomes (Instituto Nacional do Câncer - INCA); Fernanda Bairros (Universidade Federal do Rio Grande do
Sul / Rede de Mulheres Negras para SSAN / FBSSAN); Inês Rugani Ribeiro de Castro (Instituto de
Nutrição da Universidade do Estado do Rio de Janeiro); Juliana Casemiro (Universidade do Estado do Rio
de Janeiro/ FBSSAN); Juliana Dias - Malagueta (Comunicação/ Universidade Federal do Rio de Janeiro -
doutoranda - HCTE); Leonardo Melgarejo (Associação Brasileira de Agroecologia (ABA)/
AGAPAN/PPGP Agroecosistemas-UFSC); Maria Emília Pacheco - Federação de Órgãos de Assistência
Social e Educacional (Fase)/ FBSSAN/ ANA; Mónica Chiffoleau - Malagueta (Comunicação/
Universidade Federal do Rio de Janeiro - doutoranda - HCTE); Sonia Lucia Lucena Sousa de Andrade
(Universidade Federal de Pernambuco - professora aposentada); Vanessa Schottz (Universidade Federal do
Rio de Janeiro - Campus Macaé/ FBSSAN). (FBSSAN, 2016, p. 6-7)

58
O documento do FBSSAN (2016, p. 8) joga algumas luzes sobre o termo e suas
definições ao dizer que:

[...] as definições e uso do termo surgem no âmbito das estratégias de


correção técnica da baixa ingestão de micronutrientes pela população.
Por isso significam a manipulação genética de plantas com o
objetivo de aumentar a concentração de alguns micronutrientes
específicos na planta. Ou seja, o termo que promete tornar a vida, ou
um ser vivo mais forte, na verdade significa fazer uma planta, ou
parte de uma planta comestível, expressar uma maior concentração
de um micronutriente em seu conteúdo. (sem destaque no
original).

Chama-nos a atenção o fato de que - se no início da Revolução Verde - era preciso


modernizar a agricultura através da mecanização e artificialização química e se durante a
revolução genética era preciso avançar nesses rumos inicialmente propostos pela
Revolução Verde, na era da Biofortificação, promove-se a ideia de que um alimento pode
ser produzido de “forma fraca”, enquanto outro pode ser produzido de “forma forte” e
com melhor qualidade nutricional através da adição de micronutrientes específicos.

A Rede Biofort19 define biofortificação como "um processo de cruzamento de


plantas da mesma espécie, gerando cultivares mais nutritivos.” (FBSSAN, 2016, p. 8), o
que, segundo os pesquisadores que produziram o documento da FBSSAN, que aborda o
tema da biofortificação, na prática traduz-se pela manipulação de cultivares para obter
maiores teores de ferro, zinco e vitamina A1, por exemplo.

O relatório FBSSAN (2016) continua afirmando que:

A definição forjada por iniciativas de correção técnica-artificial das


deficiências de micronutrientes cooptou um termo e o distorceu
induzindo muitos gestores e a população a enxergarem um
alimento, seja um grão, um tubérculo, uma leguminosa, ou uma
fruta ou hortaliça "biofortificada" como um alimento melhor, mais
forte, mais nutritivo, mais saudável, quando ele simplesmente tem
uma concentração maior de um ou outro micronutriente em específico.
A definição, faz mau uso do termo e provoca engano, ao induzir a
população à pensar que a vida, neste caso, plantas e partes de
plantas que servem de alimento, são fracos e inferiores aos
"biofortificados", o que não é verdade. A força da natureza se baseia
na diversidade e riqueza de todo o ecossistema e não na capacidade
individual de uma ou outra espécie de exercer um super poder.
(FBSSAN, 2016, p. 8-9). (sem destaque no original).

19
Uma das difusoras do termo e da estratégia no Brasil (FBSSAN, 2016, p. 8)

59
A seguir, para melhor visualização, uma ilustração produzida pelo boletim do
FBSSAN (2016) mostrando esses três momentos da modernização da agricultura e seus
principais protagonistas:

Figura 6 – Histórico das revoluções agrícolas (FBSSAN, 2016, p. 04).

Podemos observar que empresas como a Monsanto, Bayer e Syngenta, por


exemplo, atravessam as “revoluções”, iniciando sua jornada com a Revolução Verde,
passando para a Revolução Genética e depois, como no caso expresso da Syngenta
demonstrado no quadro acima, chegam ao atual contexto de biofortificação de sementes.
Outro fator que nos chama a atenção é o que se refere ao fato de que, se a Revolução
Verde, teve em Thompson e seu instituto um mecenas, conforme mencionamos no início
deste trabalho, a Revolução Genética e a Biofortificação parecem ter encontrado seus
mecenas nas figuras dos multimilionários Bill e Melinda Gates e sua fundação, que
iniciou sua atuação por vias filantrópicas na África durante a Revolução Genética e,
atualmente, financia os programas da Harvest Plus e SUN de biofortificação de sementes,
recebendo, inclusive, críticas em relação à produção de bananas biofortificadas 20 e
geneticamente modificadas. Além disso, o programa HarvestPlus também é financiado
pela empresa Syngenta, produtora de agrotóxicos e transgênicos.

20
Para maiores informações sobre as críticas às bananas biofortificadas é possível acessar Goldberg M.
GMO-bananas are going into human trials – why this won’t end well. 22 junho 2014. Disponível em:
<http://livingmaxwell.com/gmo-bananas-human-trials-bill-gates>. Acesso em: 05 mar. 2017.

60
Aqui, parece-nos que estamos diante de uma questão imbricada, pois, de um lado,
temos o problema da escassez de alimentos no mundo sendo gerida por pessoas atreladas
ao capital financeiro e todo o status quo garantidor da falta de alimentos nas mais diversas
mesas do mundo se arvorando como patrocinadoras do fim desse mesmo problema. De
certa forma, todo o modo produtivo que eles patrocinam parece “criar esse problema” e
temos, paradoxalmente, os mesmos “criadores de problemas” se oferecendo como
portadores de solução.

Solução essa que é representada em discursos como o de Carson, Shiva, Abrasco


e outros, como intoxicadora dos solos, desequilibradora dos ecossistemas, aniquiladora
da soberania alimentar, comprometedora do equilíbrio climático, entre outras
externalidades socioambientais negativas trazidas por um modelo tecnológico e
mercadológico de agroprodução o qual vem sendo encampado de forma diligente por
nosso mercado global.

Assim, temos que ao emergir o problema da escassez de alimentos no mundo e


sua posterior solução, outro problema estava e está por emergir, dependendo dos atores
envolvidos e das disputas de retóricas e narrativas, onde de um lado, temos o
agrobussiness, afirmando ser impossível produzir fora do atual modelo e impondo
melhorias e avanços tecnológicos como a Biofortificação e, por outro lado, temos
cientistas e organizações diversas alertando que o modus operandi utilizado para “acabar
com o problema da fome” deve passar ao largo das questões lançadas pelo mercado
financeiro mundial, e que é preciso respeitar a soberania alimentar dos povos, propiciar
segurança alimentar e o acesso ao direito humano à alimentação adequada para que a
solução do problema da fome/insegurança alimentar chegue a um patamar realmente claro
de resolução.

É importante relatar a interferência do setor comercial sobre pesquisas e tomadas


de decisões, assim, temos que apesar do Brasil ter seus estudos sobre biofortificados, em
sua quase totalidade, conduzidos pela Embrapa – empresa pública, a implementação desse
projeto tem em sua origem e desenvolvimento em uma forte participação de empresas e
fundações privadas.

No relatório do FBSSAN (2016, p. 16) são colacionadas informações sobre os


currículos lattes dos acadêmicos responsáveis pelos estudos de biofortificação, sendo

61
mencionada a ligação desses pesquisadores com uma série de empresas como Monsanto,
Bayer, Mosaic, Ceres e Giz e as páginas na internet 21, que trazem conteúdo sobre
Biofortificação e que citam diversas empresas comprometidas com o agrobusiness, como
Fibria, Polímata, Unilever, Pioneer, Pepsico, entre outras gigantes do setor alimentício.

Nesse instante, é interessante darmos uma pausa no estudo do relatório do


FBSSAN (2016), e nos debruçarmos sobre a página da Embrapa na internet que conta
com um texto emblemático de autoria de Marília R. Nutti, vinculada à Embrapa
Agroindústria de Alimentos, Rio de Janeiro, RJ intitulado “A História dos projetos
HarvestPlus, AgroSalud E BioFORT no Brasil” e publicado no ano de 2011. Em pouco
mais de 10 páginas, a autora menciona os marcos históricos e os principais envolvidos no
processo de biofortificação no país.

Em apertada síntese, podemos extrair do documento algumas informações


relevantes e que mostram que, apesar de recente – iniciado em 2002, o empreendimento
denominado Biofortificação tem caminhado de forma célere no país.

Segundo o relatório de Nutti (2011, p. 01), em abril de 2002, o presidente da


Embrapa, Alberto Duque Portugal, solicitou que ela, então Chefe Geral da Embrapa
Agroindústria de Alimentos, participasse em Washington da reunião técnica que iria
discutir a proposta do Programa Desafio em Biofortificação (BCP - Biofortification
Challenge Program), sendo que a Embrapa, inicialmente, participaria apenas com o
cultivo da mandioca. A reunião de dois dias foi coordenada por Joachim Voss, diretor
geral do CIAT, que foi auxiliado por Howarth (HOWDY) Bouis, economista do The
International Food Policy Research Institute (IFPRI), e Joe Tohme, especialista em
melhoramento genético e biólogo molecular do Centro Internacional de Agricultura
Tropical (CIAT); participaram ainda Ross Welch, da Universidade de Cornell, e Robin
Graham, da Universidade de Adelaide, além de 40 outros membros para decidir os ajustes
à proposta que em dois meses seria apresentada para financiamento.

No mesmo ano, em novembro de 2002, Howdy Bouis, Joe Tohme e Ross Welch
visitaram a Embrapa Agroindústria de Alimentos, no Rio de Janeiro, com o intuito de
avaliar as possibilidades de colaboração na área de ciência e tecnologia de alimentos.
Nesta ocasião, ficou estabelecida a liderança do projeto no Brasil, através da Embrapa

21
Exemplos são as páginas citbiofort.com.br, embrapa.br, cgiar.org, harvestplus.org e agrosalud.org

62
Agroindústria de Alimentos e, a partir de 2003, foram elaboradas as propostas de trabalho
do Projeto Biofortificação de Produtos Agrícolas para Nutrição Humana – sendo este o
principal componente do HarvestPlus no Brasil. (NUTTI, 2011, p. 01)

O projeto inicial buscou definir as denominadas populações segregantes de


mandioca, feijão e milho com potencial agronômico e maior valor nutricional (teores mais
elevados de Ferro, Zinco e Pró-vitamina A), o que, segundo Nutti (2011, p. 02): “poderia
melhorar a saúde da população e promover o desenvolvimento sustentável, maior
igualdade social e maior uso desses produtos no mercado internacional”

Ao longo do trabalho, perceberemos termos/conceitos como saúde,


desenvolvimento sustentável e igualdade social portando significados e significantes
diferentes de acordo com os atores envolvidos no protagonismo do tema/conceito. Nesse
momento, vale notarmos que o discurso de Nutti (2011), sintetizado nas duas linhas
reproduzidas acima, coloca os conceitos supra mencionados como carecedores de uma
“melhora” que será permitida através da utilização do que ela denomina de “produtos”.

No ano seguinte, 2003, as propostas de acordos para coordenação e as atividades


relativas à mandioca, feijão e milho foram assinadas com a disponibilização dos recursos
para o início dos trabalhos e, nos dois primeiros anos, foram selecionados e multiplicados
cerca de três mil variedades de mandioca, feijão e milho - aproximadamente mil de cada
cultivo, que foram avaliadas quanto aos teores de ferro, zinco, carotenóides totais e
betacaroteno. Referidas ações contaram com apoio de várias universidades, em todos os
centros da Embrapa, sendo este ponto uma questão de extrema relevância, pois foi através
da orientação de dissertações de Mestrado de alunos da UFRJ, que a professora Lúcia
Maria Jaeger de Carvalho deu início, em 2005, aos primeiros estudos de retenção de
beta-caroteno, em mandioca, e ferro e zinco, em feijão, para estimar as perdas destes
nutrientes durante o processamento e o armazenamento. A Unicamp e a Unesp tiveram
como pesquisadoras destacadas as professoras Délia Amaya e Mieko Kimura, as quais
desenvolveram metodologia para identificação e quantificação de carotenóides nos
diferentes cultivos do projeto, sendo que referida pesquisa resultou na publicação da
metodologia criada em um handbook da série HarvestPlus, bem como permitiu a
realização de três treinamentos internacionais para as equipes do projeto – em Campinas
(2003), Tanzânia (2005) e Pequim (2006) (NUTTI, 2011, p. 03).

63
Insta notar o fato de que teremos discursos científicos a embasarem
argumentações que frontalmente se contrapõem no campo técnico-operativo. A diferença
nevrálgica é que a quantidade de recursos financeiros e inserção mundial gerida pelos
setores que defendem a tecnologização da agricultura são infinitamente superiores do que
aqueles que estão em mãos de pessoas como Carson – já falecida, Shiva, pesquisadores
da Fiocruz ou Abrasco, entre outros, sendo esclarecido, mais uma vez, o quão
contramajoritários são os discursos que questionam as “revoluções” do sistema de
produção de alimentos e o quão difícil parece ser “furar um cerco” tão poderoso e
lucrativo de produção alimentar que se encontra estruturado em gigantes bases financeiras
do capitalismo mundial.

Nutti (2011, p. 03) informa que uma página na internet foi criada, facilitando a
comunicação entre os mais de 750 membros e 100 instituições. Em 2004, os responsáveis
pelo HarvestPlus no CIAT - Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo
(CIMMYT), Centro Internacional da Batata (CIP), Consórcio Latino-americano do
Caribe para Apoio, Pesquisa e Desenvolvimento da Mandioca (CLAYUCA) e Embrapa,
sabendo que robustos recursos seriam destinados para pesquisas na África e Ásia,
decidiram apresentar proposta complementar de projeto de Biofortificação para América
Latina e Caribe e para financiamento pela Agência Internacional Canadense para o
Desenvolvimento (CIDA). Assim, em 2004, o Projeto AgroSalud, coordenado pelo CIAT
foi aprovado, sendo iniciado no ano seguinte e complementando o HarvestPlus no
montante de US$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de dólares) para um período de cinco
anos.

Para melhor vislumbramos a dimensão desses arranjos, segue gráfico, constante


no próprio texto elaborado pela Embrapa que estamos a documentar:

64
Figura 7 – Biofortificação e parceiros (NUCCI, 2011, p. 05).

Conforme percebemos pela imagem acima, o projeto prevê uma integração de


dimensões globais, com a presença de países da América Latina e Caribe, África e Sudeste
Asiático, com a expectativa de que o Brasil seja responsável pelo desenvolvimento e
transferência não só dos cultivos biofortificados, mas também da tecnologia pós-colheita
para estes cultivos.

No ano de 2005, foi realizado, em Brasília, o Simpósio “Biofortificação no Brasil:


Agricultura para Prevenção de Deficiência de Micronutrientes”, organizado pela
Embrapa e pelo HarvestPlus. No evento, o então Ministro da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Roberto Rodrigues, apresentou o Projeto de Biofortificação para a
sociedade brasileira.

Nesse momento, é necessário um aparte, uma vez que não se explica como foi
realizada essa “apresentação para a sociedade brasileira”, uma vez que uma das grandes
críticas já levantadas pelo FBSSAN e aprofundada mais adiante, versa sobre a questão da
Biofortificação no Brasil. Essa crítica é de que a referida pauta atinente aos alimentos
biofortificados tem passado ao largo de uma discussão democrática, pois princípios caros
ao universo jurídico, como o acesso à informação, participação comunitária, prevenção e
precaução – específicos do Direito Ambiental, cuja positivação se encontra acolhida em
nosso plexo normativo apresentam-se violados e esquecidos.

65
Voltando ao Simpósio de 2005, Nutti (2011, p. 05) informa que estavam presentes
representantes dos Ministérios da Saúde, Desenvolvimento Social (Fome Zero),
Desenvolvimento Agrário e Ciência e Tecnologia, além do Presidente da Embrapa, bem
como representantes do setor privado e universidades. Para a autora, o evento teve boa
exposição na mídia – sem que, novamente, ela adentre em maiores especificações sobre
qual mídia está se referindo, bem como se atingiu o objetivo esperado de fazer o tema da
Biofortificação emergir no cenário social brasileiro.

Ressalta Nutti (2011, p. 05) que todos os responsáveis por cultivos do projeto
HarvestPlus apresentaram suas propostas de trabalho, debatendo com os órgãos
financiadores e futuros parceiros e que no decorrer de 2005, ela e José Luiz Viana de
Carvalho realizaram visitas técnicas a diferentes instituições no Senegal, Gana, Nigéria,
Quênia, Etiópia, Uganda e Tanzânia, que se mostraram dispostas a integrar a rede de
Biofortificação e a receber capacitação para análise de carotenóides. A autora também
ressalta que, posteriormente, laboratórios de Moçambique, Síria, Índia e China foram
visitados e auditados para identificação de necessidades, aquisição de equipamentos e
inserção no programa HarvestPlus. No total, cerca de 20 laboratórios foram visitados e
auditados no período de 2005 a 2008.

Ainda no final do ano de 2005, em dezembro, a Embrapa Mandioca e Fruticultura


Tropical lançou as cultivares BRS Gema de Ovo e BRS Dourada, com maiores teores de
beta-caroteno e cuja indicação de cultivo se dá para a região do Recôncavo Baiano e
Tabuleiros Costeiros. Novamente, Nutti (2011, p. 05), destaca que houve grande presença
na mídia, sem adentrar em pormenores e informa que ocorreu a distribuição das sementes
biofortificadas para os pequenos agricultores.

Durante o ano de 2006, feijão caupi e trigo foram inseridos como cultivos no
projeto HarvestPlus, sendo também realizada em Teresópolis a primeira reunião anual
dos projetos HarvestPlus e AgroSalud, que contou com a presença de 45 participantes,
entre os quais pesquisadores de universidades e instituições estaduais e federais.

No ano de 2007, dezembro, através da reunião de 150 participantes e posterior


assinatura de convênio, o Estado do Maranhão, notório por seus índices de insegurança
alimentar e subnutrição, foi o primeiro a estabelecer parcerias com os Programas
AgroSalud e HarvestPlus através de uma organização em rede de instituições ligadas ao

66
governo do Estado e prefeituras, além da Agência Estadual de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural do Maranhão - AGERP, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social
do Maranhão - SEDES, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional -
CONSEA, Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão - FAPEMA e universidades
envolvidas com nutrição, além, evidentemente, do apoio da EMPRAPA alocada no
estado.

Na sequência, o Estado de Sergipe foi o segundo a aderir à rede de biofortificação,


onde instituições como CONSEA, Empresa de Desenvolvimento Agrário do estado de
Sergipe - EMDAGRO e Secretaria do Estado da Inclusão, Assistência e Desenvolvimento
Social - SEIDES poderiam trabalhar lado a lado com a Embrapa Tabuleiros Costeiros e a
Universidade Federal de Sergipe - UFS, para reverter o quadro de deficiência de
vitaminas e minerais que atinge, sobretudo, as crianças de até 6 anos.

Assim, em junho de 2008, em Aracaju, os projetos AgroSalud e HarvestPlus


apoiaram o lançamento das variedades BRS Pontal e Agreste de feijoeiro comum com
maiores teores de ferro e zinco, desenvolvidas pela equipe da Embrapa Arroz e Feijão,
bem como a cultivar de feijão caupi, Xiquexique, com maior produtividade e maiores
teores de ferro e zinco, desenvolvida pela equipe da Embrapa Meio-Norte. (NUTTI, 2011,
p. 06)

Em novembro de 2007, na cidade de Niterói, foi realizada a Segunda Reunião


Anual de Biofortificação no Brasil dos projetos HarvestPlus e AgroSalud. Na ocasião,
cerca de 80 participantes ficaram reunidos durante três dias para o compartilhamento de
ideias, resultados e propostas. As reuniões têm sempre essa dimensão global, com
participantes do projeto da Índia, China, Peru, Colômbia, México e Estados Unidos, assim
como representantes de instituições governamentais e do setor privado.

É relatado no documento da Embrapa que ocorreu uma forte exposição midiática


dessa reunião, inclusive se fazendo menção ao trabalho de Soraya Pereira da Silva,
jornalista da Embrapa Agroindústria de Alimentos, que foi posteriormente integrada ao
projeto em novembro de 2008, o que, segundo relato de Nutti (2011, p. 07): “aumentou
drasticamente o nosso relacionamento com os meios de comunicação”.

Em 2008, foi proposto e aprovado o projeto BioFORT: Biofortificação no Brasil


- desenvolvendo produtos agrícolas mais nutritivos. Referido projeto possuía

67
financiamento do Fundo de Pesquisa Embrapa - Monsanto, com recursos de R$
1.086.661,00, sendo apresentada uma contrapartida de R$ 1.700.000,00 em
infraestrutura, salários de pesquisadores e pessoal de apoio. O projeto BioFORT aglutinou
onze unidades da Embrapa - Agroindústria de Alimentos, Arroz e Feijão, Mandioca e
Fruticultura Tropical, Milho e Sorgo, Hortaliças, Meio-Norte, Tabuleiros Costeiros,
Semiárido, Soja, Cerrados e Trigo e universidades como: UFRJ, Unesp e UFS, entre
outras.

O fluxograma operacional do projeto está apresentado na abaixo:

Fluxograma 2 – Projeto de Biofortificação no Brasil (NUTTI, 2011, p. 12).

Ao longo do relato do documento da Embrapa, elaborado por Nutti (2011),


perceberemos, claramente, a presença das etapas referidas no fluxograma acima e
continuando o estudo do histórico de evolução da biofortificação no Brasil, temos que a
primeira reunião do comitê gestor do BioFORT foi realizada em novembro de 2008, em
Aracaju, ocasião em que se definiu que a III Reunião Anual de Biofortificação seria
realizada na mesma cidade, em junho de 2009, e que reuniu cerca de 200 pesquisadores
e técnicos ligados à produção de alimentos biofortificados.

Na ocasião, foram lançados dois novos produtos: a mandioca Jari, com maiores
teores de betacaroteno (pró-vitamina A) e uma cartilha sobre o cultivo e consumo de
batata-doce, além de uma Vitrine Tecnológica e dia de campo, no Campo Experimental
de Nossa Senhora das Dores. (NUTTI, 2011, p. 07-08).
68
Nesse mesmo evento, o Programa HarvestPlus apresentou conjuntamente os
cultivos melhorados (SIC) de arroz, feijão, feijão-caupi, mandioca, batata-doce, milho e
abóbora. Além disso, sementes, ramas e manivas destes cultivares foram distribuídas para
40 agricultores do Assentamento de Santana dos Frades para testarem os cultivos. Na
ocasião, realizou-se ainda um almoço comunitário entre os participantes da reunião e os
agricultores, e parte do grupo visitou a escola no Município de Pacatuba onde os cultivos
haviam sido testados com as crianças, como parte da merenda escolar (NUTTI, 2011, p.
08).

Nesse momento, é válida a reflexão de alguns pontos que serão melhor


esmiuçados ao longo deste trabalho, mas que já merecem atenção como as expressões
utilizadas no relatório de Marília Nutti, a qual fala que é “apresentado um novo produto:
a mandioca Jari”. A retórica utilizada pela pesquisadora e gestora do projeto da Embrapa
parece revelar o quanto o discurso mercadológico está arraigado às práticas da
biofortificação encampadas pela Embrapa.

Outro ponto que nos chama a atenção é a distribuição das sementes biofortificadas
aos assentados de Santana dos Frades. Assim como em tempos pretéritos havia a
distribuição dos insumos agrícolas compostos pelo “combo”: agrotóxicos e transgênicos,
agora distribuem-se as sementes biofortificadas. De certa forma, é como se aquele velho
adágio de que “é preciso mudar as coisas para que elas continuem as mesmas”, se
cumprisse na seara agroprodutiva brasileira, abarcando desde os membros do
agrobussiness aos pequenos produtores.

Se considerarmos como verdadeiros os discursos contramajoritários que se


contrapõem a este modelo agroprodutivo, talvez possamos traçar um paralelo um pouco
mais grotesco, no qual seja possível vislumbrarmos que a postura do lobby da
biofortificação tem abordagem semelhante ao traficante de drogas do imaginário popular
que primeiro oferece a droga sem custos nenhum e, assim, produz um narco-dependente
que será seu “cliente/joguete” no futuro. Estaria o atual modelo agroprodutivo em busca
de agro-dependentes?

No caso do fornecimento gratuito de sementes biofortificadas aos assentados do


interior do Estado de Aracaju, temos que os frutos da agro-dependência - caso estejam
corretos os discursos contramajoritários - não se dão apenas para o agricultor, mas para o

69
solo. De acordo com estudos já explanados neste primeiro capítulo e aprofundados ao
longo deste trabalho, a agroprodução artificializada produz empobrecimento do solo,
declínio da biodiversidade, entre outros fatores, que, conforme podemos imaginar, levam
a uma certa forma de “dependência química” do solo aos insumos criados pelas gigantes
do setor.

Por fim, chama a atenção o fato de que têm sido realizado testes dos
biofortificados cultivados em crianças de uma Escola Municipal de Paracatu, sem serem
fornecidos mais detalhes sobre o caso. Mais adiante deste trabalho, veremos que os efeitos
de agrotóxicos e transgênicos têm efeitos distintos entre crianças e adultos e então,
pergunta-se: seriam essas crianças de Paracatu, município pobre do interior nordestino,
cobaias de tenra idade? Teriam seus pais e professores consciência do perigo que é estar
sendo objeto de teste de tecnologias ainda em implantação e de recentíssima inserção no
país?

Mais uma vez fazendo-se uma alusão a alguns princípios e leis do Direito, seara
que também se insere nesta produção textual, temos que princípios contidos na
Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente como proteção
integral, condição peculiar de pessoas em desenvolvimento parecem passar ao largo de
observações e talvez, pelo contrário, sejam alvo de violações com testes como estes
ocorridos com as crianças de Paracatu.

Em relação à construção de um problema socioambiental, conforme as categorias


propostas por Hannigan (1995) e adotadas para algumas análises que aqui serão
realizadas, percebemos que os protagonistas do movimento da Biofortificação em terreno
pátrio tem buscado legitimação através da mídia, ciência, público, política e legislação,
pois não podemos esquecer que o ano de 200522 foi marcado pela vigência da nova Lei
de Biossegurança, a qual, propositadamente ou não, teve como cortina de fumaça, a
discussão sobre células-troncos de embriões, mas que conteve em seu âmago a
possibilidade da legalização da transgenia no país.

22
Lei n. 11.105/2005, que regulamentou parcialmente os incisos II, IV e V, do § 1º, do art. 225 da CF/88
e estabeleceu normas de segurança e mecanismos de fiscalização e atividades que envolvam os organismos
geneticamente modificados - OGMs e seus derivados.

70
Mais uma vez fica a questão: cria-se um problema para se vender uma solução? A
roupagem humanitária cai realmente bem em empresas transnacionais que ofertam
soluções que envolvem robustos investimentos?

Ainda em relação à III Reunião Anual de Biofortificação no Brasil tem-se a notícia


que Carmela Rivero, vice - presidente da PepsiCo para América Latina participou de
referida reunião e ao vislumbrar uma oportunidade desta empresa utilizar os cultivos
biofortificados na produção de alimentos mais saudáveis, abriu a possibilidade da líder
do projeto no Brasil, Marilia Nutti, apresentar o “Progresso da Biofortificação no Brasil”
na reunião do grupo ASHA, em White Plains, NY, para a alta direção da PepsiCo.

Segundo consta no relatório elaborado pela própria Nutti (2011, p. 08) esta
apresentação foi realizada em julho de 2009, sendo dado o primeiro passo para o
estabelecimento da parceria entre a Embrapa e a PepsiCo, com a proposição do Brasil ser
o local para o desenvolvimento do projeto-piloto para o desenvolvimento de produtos
biofortificados. A autora e José Luiz Carvalho visitaram as unidades de produção e de
pesquisa da Elma Chips, em Itu e Valinhos para avaliar, em conjunto com a equipe,
inclusive jurídica da PepsiCo, as oportunidades de parceria, e no final de 2009, esta foi
oficializada, sendo oficialmente aprovada em 2011, após visita em meados de 2010 de
Mehamood Khan, CEO - Global Nutrition Group e Chief Scientific Officer - PepsiCo ao
Brasil e relevante apoio, ao longo do ano de 2011, de Derek Yach, Vice President, Global
Health Policy- PepsiCo.

O documento em comento ainda faz interessante alusão a uma reportagem


veiculada em de abril de 2011 no Jornal Nacional, que possui alcance médio de audiência
de 70 milhões de espectadores, sobre a merenda escolar servida no município de Itaguaí,
utilizando os cultivos biofortificados. Para a autora do documento, referida reportagem
“coroou os esforços de toda a equipe envolvida no projeto BioFort”. A reportagem, de
forma geral, informa que escolas públicas de quatro cidades começaram a testar uma
merenda reforçada, mais rica em vitaminas e minerais, mas de igual sabor. Informa que
as sementes plantadas na horta passam por um rigoroso processo de seleção, uma vez que
se tratam dos chamados alimentos biofortificados - mais nutritivos do que os

71
convencionais - conforme reforça a reportagem do Jornal Nacional23. (NUTTI, 2011, p.
08).

Ato contínuo, a matéria continua informando que os alimentos biofortificados:

[...] não sofrem nenhuma modificação genética. Mas são cultivados


em laboratório. Os pesquisadores separam as plantas de melhor
qualidade, na aparência, no valor nutricional, na resistência e na
produtividade e fazem o cruzamento entre elas.

“Seriam aquele alimento, vamos dizer assim, com a sua melhor forma
possível, o máximo que a gente pode tirar de uma planta. Não é um
receituário médico é o almoço e a janta do dia a dia”, explicou o
agrônomo da Embrapa José Luiz Carvalho.

O projeto nasceu para suprir carências de vitaminas e minerais


constatadas em crianças de várias regiões. Promete evitar casos de
anemia por falta de ferro e zinco e problemas de visão por falta de
vitamina A.

No prato preferido dos brasileiros, os ganhos, segundo os


pesquisadores, são significativos. No arroz convencional encontramos
em média 12 miligramas de zinco e 2 miligramas de ferro por quilo. No
biofortificado, os números sobem para 18 de zinco e o dobro de ferro.

No feijão tipo carioca a diferença por quilo passa de 50 miligramas de


ferro para 90. E de 30 miligramas de zinco para 50. (JORNAL
NACIONAL, 2011). (Sem destaque no original).

A reportagem segue informando que em Itaguaí, no estado do Rio de Janeiro, os


alimentos biofortificados já são servidos na merenda de oito escolas municipais e informa
que o desenvolvimento das crianças vai ser avaliado por médicos e nutricionistas, sendo
esperados bons resultados já no fim desse ano.

Depois da primeira experiência em Paracatu, em Aracaju, agora já temos mais


escolas, conforme visto acima, inclusive com a veiculação dos alimentos biofortificados
em uma mídia de massa como o Jornal Nacional. Dois aspectos merecem comentários
nesse momento: o fato de afirmarem que ainda que sejam produzidos em laboratório, os
alimentos biofortificados não são geneticamente modificados, sem maiores
esclarecimentos, evidentemente, quanto a isso. Outro fator que chama a atenção é o que
relata que as crianças estavam, ao tempo da reportagem, consumindo referidos alimentos
sem acompanhamento médico, mas que passariam a ser acompanhadas e que se

23
Quando em busca de referida matéria, o vídeo já não apresenta conteúdo disponível, mas a matéria escrita
pode ser encontrada em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2011/04/escolas-de-quatro-cidades-
comecam-testar-supermerenda-vitaminada.html>. Acesso em: 05 mar. 2017.

72
esperavam bons resultados. Tal situação é, no mínimo, estranha; primeiro faz-se o teste,
depois o acompanhamento médico e esperam-se bons resultados?

Em busca de resultados que apontassem se referido acompanhamento foi feito em


anos posteriores, encontramos nos Anais da V Reunião de Biofortificação no Brasil,
realizada de 13 a 15 de outubro de 2015, em São Paulo, um artigo com diversos
pesquisadores em parceria com Marília Nutti (2015, p. 99), intitulado: “Introdução de
alimentos biofortificados na merenda escolar: as crianças gostam dos produtos?

Segundo relata o resumo do artigo, foi conduzido um estudo com 327 crianças
regularmente matriculadas em escolas rurais localizadas no município de Itaguaí – RJ,
com as quais foram realizados testes de aceitação, através de uma escala hedônica facial
de 9-pontos, variando de “super ruim” (1) a “super bom” (9). Os resultados apresentados
pelo estudo demonstraram que os produtos obtiveram boa aceitação pelos alunos, com
médias que variaram de 6,4 até 8,2, sendo concluído que a Biofortificação é uma
alternativa viável a ser empregada na merenda escolar de Itaguaí e que poderá contribuir
para a melhoria na qualidade nutricional da dieta das crianças (NUTTI et. al, 2015, p. 99).

Ao longo dos referidos anais, nenhuma referência é feita sobre os impactos na


saúde das crianças consumidoras de alimentos biofortificados, considerando que boa
parte das pesquisas relatadas apontaram testes feitos em crianças na primeira infância.
Parece não haver uma preocupação por parte dos pesquisadores de alimentos
biofortificados em relação à proteção dessa parte da população que, pelas suas
particularidades, pode ser vista como presente e futura geração. A grande questão posta
no artigo é: crianças gostam ou não de alimentos biofortificados?

O que nos parece estar em jogo nas pesquisas e preocupações do projeto


BioFort/Embrapa, é a receptividade do consumidor mirim, o qual parece ter encontrado
em crianças pobres do interior do Rio de Janeiro um nicho de testes. Ao mesmo tempo,
percebe-se o quanto se busca refinar a relação do alimento como produto/mercadoria a
ser “gostado/ aprovado.

Todavia, o movimento de expansão da biofortificação parece irrefreável e em


expansão contínua e global, pois a 1ª Conferencia Mundial de Biofortificação foi
realizada em Washington em Novembro de 2010, e contou com a presença de cerca de
300 participantes, discutindo pautas que iam desde a pesquisa até a transferência do

73
produto ao consumidor. O evento contou com participação de 6 membros da rede de
Biofortificação no Brasil, que foi citado como exemplo a ser seguido pelo Diretor Geral
do HarvestPlus, Howdy Bouis durante a abertura da Conferência. Palavras do próprio
Howdy Bouis reproduzidas no documento de Nutti (2011, p. 10) dão conta que: “Se
alguém quiser conhecer o futuro da biofortificação precisa conhecer os trabalhos
desenvolvidos Brasil”.

Um fato singular sobre o Brasil, ressaltado na Conferência e expresso no


Fluxograma já apresentado sobre o desenvolvimento do projeto de biofortificação no
Brasil, é o de que somos o único país que conduz trabalhos simultâneos de melhoramento
com oito culturas básicas: arroz, feijão, feijão-caupi e trigo para maiores teores de ferro e
zinco; mandioca, milho, abóbora e batata-doce para maiores teores de vitamina A.

Para finalizarmos o histórico trazido por Marília Nutti em 2011, a mesma


informava que havia a possibilidade de parceria com a empresa Votorantim Metais para
a submissão de projeto em responsabilidade social e finaliza seu relato informando que:

Contaremos ainda com o inestimável apoio financeiro das


empresas, como a Nestlé, Monsanto do Brasil, PepsiCo do Brasil,
AgroBios, IZA e Votorantim Metais, além de órgãos de
financiamento como CNPq e BNB, sem deixar de mencionar os
diversos órgãos estaduais, municipais, cooperativas e associações.
(NUTTI, 2011, p. 12). (sem destaque no original).

Após esse apanhado histórico da lavra da própria dirigente do projeto de


Biofortificação da Embrapa no país, voltemos ao documento produzido pelo FBSSAN
(2016) e suas observações que salientam que o programa HarvestlPlus, apadrinhado por
Bill e Melinda Gates, através de seu braço africano batizado de SUN tem trabalhando na
implementação do que denominam de “Revolução Verde” na África, através do pacote
de sementes, fertilizantes e agrotóxicos.

No referido documento do FBSSAN, traz-se a informação de que a rede BioFort


é o braço brasileiro da HarvestPlus e ressalta doações recebidas por empresas como a
Monsanto, na ordem de R$ 1.000.000,00 de reais – não sendo à toa, portanto, que a
empresa conste nos agradecimentos de Marília Nutti, conforme transcrevemos há pouco.
Nutti, inclusive, é aludida no documento do FBSSAN (2016) quando se informa que
houve resistência por parte da gestora da BioFort no compartilhamento de informações

74
sobre o projeto, mesmo quando solicitada pela Cooperativa de Trabalho, Educação,
Informação e Tecnologia de Autogestão – EITA.24

Segundo os autores do documento do FBSSAN:

A Monsanto provavelmente não entregou R$ 1 milhão de reais ao


BioFort sem saber onde esse dinheiro seria aplicado e qual o retorno
que a empresa teria. No entanto, tais termos negociados com a
Monsanto e outros atores do setor comercial obviamente não foram
revelados na resposta do BioFort ao EITA, que ofereceu a
contraditória justificativa de que “as atividades envolvem
interesses de agentes privados (nacionais e estrangeiros), cujo
acesso privilegiado lhes permitiram se anteciparem ao Estadoi”.
Contraditória, porque a Monsanto, assim como os outros financiadores
do setor comercial, são agentes privados, com interesse na matéria,
envolvidos no projeto, e que, portanto, tem acesso privilegiado.
(FBSSAN, 2016, p. 19).

Um relatório internacional expôs, segundo o documento do FBSSAN (2016)


alguns eufemismos usados para esconder os interesses das empresas, o qual reproduzimos
a seguir:

Quando a Tabela de Fatos 15 do ScalingUpNutrition (SUN) se refere a


“assegurar acesso a vitaminas e minerais essenciais”, isto se traduz em
adicionar micronutrientes a comidas, ingredientes culinários ou
alimentos ultra-processados. Através do SUN Bussiness Network,
empresas como Britannia, DSM, Nutriset, Cargill, BASF, Unilever
e Ajinomoto estão interessadas em expandir a demanda por seus
produtos no mundo. “Práticas de agricultura para incrementar a
disponibilidade de sementes ricas em nutrientes” quer dizer que
empresas como BASF e Cargill estão tentando afirmar que existem
sementes pobres em nutrientes e que a solução é disponibilizar
sementes transgênicas ou adicionar produtos químicos sintéticos no
solo para aumentar a concentração de certos nutrientes nos
alimentos produzidos.25 (FBSSAN, 2016, p.20). (sem destaque no
original).

Conforme Nutti (2011) retratou quando fez o resgate histórico do


desenvolvimento da biofortificação no país, existe um inegável e gigantesco interesse da
indústria de alimentos nos biofortificados. Todavia, o documento do FBSSAN (2016, p.

24
Mais informações em: Nota técnica: Programa de Biofortificação de Alimentos no Brasil: desenvolvendo
produtos agrícolas mais nutritivos. Encaminhada pela Embrapa em resposta à solicitação de informações
feita pelo EITA. Disponível em: <http://www.bf.eita.org.br/resposta_LAI.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2017.

25
Mais informações disponíveis em: Gomes FS. Artificial mends to food systems. In: Dederichs-Bain B
&Ramm WC eds. Food fortification: A “techno-fix” or a sustainable solution to fight hiddenhunger? Bonn:
Welthungerhilfe/terre deshommes, 2014. Disponível em:
<http://www.welthungerhilfe.de/fileadmin/user_upload/Mediathek/Mediathek_int/Fachpapiere/Welthung
erhilfe-Food-Fortification-Study-2013.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2017.

75
20), traz em tom de alerta a informação de que o financiamento da maior parte das
pesquisas neste campo é realizado por empresas interessadas em resultados positivos para
a Biofortificação. Consequentemente, pontos importantes como a investigação dos efeitos
adversos da biofortificação; a realização de análises de custo-benefício que comparem tal
intervenção, com o uso de alimentos da agrobiodiversidade e estratégias de diversificação
alimentar; e a avaliação dos impactos econômicos de tal intervenção sobre e resultante
dos preços, o controle e patente das sementes, bem como os custos ambientais e outros
impactos não são abordados.

As percepções do documento do FBSSAN (2016), em relação à produção de


alimentos biofortificados, parece se coadunar com aquelas constantes nas próprias
produções da BioFort que confirmam sua preocupação mercadológica em detrimento de
outros fatores, como os citados no parágrafo anterior. O tratamento dado aos alimentos
por parte de projetos como Biofort e empresas como a HarvestPlus parece ser o do
“alimento-mercadoria” no qual o capital empregado por gigantes, como Monsanto deve
ser devolvido com lucros e dividendos.

O documento do FBSSAN continua suas críticas a HarvestPlus quando esta afirma


que desenvolve sementes ricas em nutrientes, garantindo que estas cresçam bem, se não
melhor, que aquelas que os agricultores costumam plantar. Afirma, ainda, a HarvestPlus
que sabe que as sementes biofortificadas irão prover melhor nutrição quando consumidas
de distintas formas, representando um futuro mais saudável para famílias, comunidades e
países”26 (HARVEST PLUS, 2015, apud FBSSAN, 2016, p. 20).

A crítica do documento do FBSSAN em relação a HarvestPlus, prolonga-se e


informa que afirmações como a acima relatadas são carentes de evidências efetivas ou
têm base em evidências viciadas, pois eles já afirmam de antemão que promovem a
difusão de sementes biofortificadas de forma ampla entre consumidores e agricultores.
Logo, se assumem uma posição de difusores de sementes biofortificadas, ressalta o
documento do FBSSAN, não se pode esperar qualquer investigação sobre efeitos
adversos financiada ou conduzida por eles.” (FBSSAN, 2016, p. 21)

26
Mais informações podem ser colhidas no endereço eletrônico da própria Harvest Plus. Disponível em:
<http://www.harvestplus.org/content/about-harvestplus>. Acesso em: 05 mar. 2017.

76
O estudo produzido pelo FBSSAN no ano de 2016 continua sua crítica afirmando
que as pesquisas produzidas pela HarvestPlus são voltadas para estudos que apoiam suas
convicções, interesses e metas e que são poucos os relatos que avaliaram a efetividade da
biofortificação. Destacam, inclusive, duas pesquisas produzidas por Christine Hotz27, que
coordenou e gerenciou um portfólio de pesquisa multimilionário para a HarvestPlus e que
em seus trabalhos descreve estratégias de marketing para criar demanda pelas sementes
em Moçambique e Uganda, mesmo que não se tenha produzido qualquer investigação
sobre efeitos adversos - o que está, frisa o documento do FBSSAN (2016, p. 21): “bem
alinhado com a política do HarvestPlus de promover sementes entres os agricultores e
consumidores.”

O documento do FBSSAN (2016) continua alertando que nas pesquisas


produzidas por HOTZ (2012), termos como, ‘efeitos adversos’, ‘perigos’, ‘segurança’ não
chegam a ser mencionados. Além disso, salienta que os estudos foram conduzidos com
populações em situação muito vulnerável, o que, por si só, mereceria redobrada atenção
e cuidado com potenciais efeitos adversos.

Continuando sua análise sobre as pesquisas produzidas pela HarvestPlus, o


documento do FBSSAN (2016, p. 21) destaca que alguns produtos foram testados em
crianças, sem qualquer avaliação de potenciais efeitos adversos, perigo ou segurança e

27
Para acessar as informações sobre as pesquisas de Christine Hotz, é possível consultar os seguintes
artigos: HOTZ, C; LOECHL C; de BRAUW A; EOZENOU, P; GILLIGAN, D; MOURSI, M;
MUNHAUA, B; VAN JAARSVELD, P; CARRIQUIRY, A; MEENAKSHI, JV. A large-scale
intervention to introduce orange sweet potato in rural Mozambique increases vitamin A intakes
among children and women. Br J Nutr 2012; 108(1):163-76;
HOTZ, C; LOECHL, C; LUBOWA, A; TUMWINE, JK; NDEEZI, G; NANDUTUMASAWI, A;
BAINGANA R, CARRIQUIRY, A; de BRAUW A; MEENAKSHI, JV; GILLIGAN, DO. Introduction of
β-carotene-rich orange sweet potato in rural Uganda resulted in increased vitamin A intakes among
children and women and improved vitamin A status among children. J Nutr 2012; 142(10):1871-80
apud FBSSAN, 2016, p. 21
27
HAAS, JD; VILLALPANDO S; BEEBE S; GLAHN R; SHAMAH T; BOY, E. The effect of consuming
biofortified beans on the iron status of Mexican school children. Conference abstract; The FASEB
Journal. 2011; 25:96.6;
VANJAARSVELD PJ, Faber M; TANUMIHARDJO, SA; NESTEL P; LOMBARD CJ; BENADÉ, AJ.
Beta-carotene-rich orange-fleshed sweet potato improves the vitamin A status of primary school
children assessed with the modified-relative-dose-response test. Am J ClinNutr 2005; 81(5):1080-7.
LOW, JW; ARIMOND, M; OSMAN, N; CUNGUARA, B; ZANO F; TSCHIRLEY, D. A food-based
approach introducing orange-fleshed sweet potatoes increased vitamin A intake and serum retinol
concentrations in young children in rural. Mozambique. J Nutr 2007; 137(5):1320-7.
JAMIL, KM; BROWN KH; JAMIL M; PEERSON, JM; KEENAN, AH; NEWMAN, JW; HASKELL, MJ.
Daily consumption of orange-fleshed sweet potato for 60 days increased plasmaβ-carotene
concentration but did not increase total body vitamin A pool size in Bangladeshi women. J Nutr 2012;
142(10):1896-902.

77
sem informar aos pais os potenciais riscos de participação no estudo, fato este
extremamente grave e, como já comentado ao longo deste capítulo, violador de direitos e
garantias.

O que é interessante notarmos nestes panoramas opostos apresentados pela


Embrapa/BioFort (2011), e pelo FBSSAN (2016), é que são retratados contextos em que
o discurso do combate à fome parece ser cooptado pela indústria alimentícia para
alavancar o desenvolvimento tecnológico da agricultura por parte de grandes empresas,
assim como ocorreu com a Revolução Verde e com a Revolução Genética.

Outro ponto preocupante trazido pelo documento do FBSSAN (2016) alerta para
o fato de que o projeto BioFort, apesar de ser apresentado como grande trunfo pelos
entusiastas do projeto é, na verdade, catalisador de preocupação, uma vez que pode gerar
a perda da biodiversidade, perda da autonomia na produção de diversas culturas
tradicionais em cada país.

Além disso, o documento do FBSSAN (2016) informa que foi assim no caso dos
transgênicos, que nos idos da década de 90 prometiam aumentar a produtividade, facilitar
o manejo de culturas e incrementar os ganhos, além de reduzirem a utilização de
agrotóxicos, mas que, após 10 anos de utilização nas lavouras brasileiras, demonstraram
que, contrariamente, cada vez mais as plantas se tornam resistentes e a produtividade cai,
exigindo mais insumos e custando mais caro. 61% da área agricultável do Brasil é
plantada com transgênicos, fato que coloca em risco a soberania do país, pois as sementes
são de propriedade das empresas, além de não ter sido erradicada a fome no mundo e no
Brasil com tanta tecnologia (FBSSAN, 2016, p. 22-23).

Parece existir um processo de apropriação privada das sementes que seria


comprometedor da soberania alimentar e que a lógica que permeia os biofortificados é a
mesma: monopolizar o desenvolvimento das sementes e tornar os agricultores
dependentes. O documento do FBSSAN (2016) traz comentários interessantes,
esboçando a percepção que permeia a feitura deste trabalho, a qual reproduzimos abaixo
e que afirma:

Há uma luta teórica pela produção e apropriação de conceitos no


campo discursivo e subjetivo da sustentabilidade. Esta também é
uma disputa de sentidos. No campo político, o destino da natureza

78
e da humanidade aposta em um processo de criação de sentidos
(mais do que verdades) e em sua estratégia de poder.

As formações discursivas podem deformar, criar subterfúgios e


perverter o sentido das palavras e das coisas; mas também podem
transgredir os significados já atribuídos e gerar novos sentidos. Nessa
luta, os significados das noções como biodiversidade, território,
autonomia e autogestão estão sendo reconfigurados dentro de
estratégias discursivas em que se “fazem direitos”, como o Direito
Humano à Alimentação Adequada (DHAA), inserido na Constituição
Brasileira em 2010 (FBSSAN, 2016, p. 24). (sem destaque no original).

O documento do FBSSAN prossegue dizendo que o embate da palavra, que acaba


por ordenar de forma simbólica a produção de sentidos encontra-se no epicentro da
problemática alimentar e que é um jogo de expressões que se propõe a ocultar as reais
condições econômicas em que comida barata e em larga escala é produzida. O documento
continua afirmando que:

A eficiência e a produtividade industrial caminham com a fome e a


subnutrição de um lado; e a obesidade, seguida de transtornos
alimentares e doenças crônicas, do outro.

Os jogos de palavras permitem contornar as reais causas de


problemas como a fome oculta, ou seja, a carência no organismo de
vitaminas e minerais vitais. Hoje, a Organização das Nações Unidas
para a Alimentação e Agricultura (FAO) estima que existem cerca de 2
bilhões de pessoas nessa situação. No entanto, os problemas
complexos são tratados com soluções exclusivamente técnicas,
dentro de uma perspectiva de pensamento reducionista, assim
chamada porque considera apenas uma dimensão ou um aspecto do
problema em questão (FBSSAN, 2016, p. 24). (sem destaque no
original).

É interessante observar na citação acima que a solução dada ao problema da fome


parece ser eivada de respostas técnicas e reducionistas, fato que nos desafiou e desafiará
durante a discussão a ser trazida ao longo deste trabalho.

Nesse momento, vale a lembrança de Josué de Castro, que desde a década de 40,
ampliou o reconhecimento das distintas formas e expressões da fome e afirmava que
provocar sistematicamente um aumento considerável e ordenado da produção agrícola
não é uma questão de pura técnica agronômica, sendo um problema econômico
(CASTRO, 1984, p. 08).

CASTRO (1984, p. 08-09) continuou suas digressões afirmando que:

Não se pode criar uma agricultura moderna sem considerável


despesa de equipamento. Não se pode fornecer esse equipamento

79
sem criar a indústria necessária. Não se pode tornar a indústria e a
agricultura fregueses recíprocos, fazê-las interdependentes, sem
distribuir metodicamente a população ativa de acordo com certa divisão
do trabalho e sem que se organize, entre as diversas partes dessa
população, uma distribuição da renda nacional, de modo a permitir o
intercâmbio entre elas. E ainda: não basta criar a capacidade aquisitiva,
a capacidade de intercâmbio. Faz-se mister aumentar progressivamente
essas capacidades, aumentar a renda nacional. Será isso possível? Ainda
neste ponto a resposta é positiva: não é impossível uma vez que tal
desideratum já foi conseguido nos países mais adiantados. (sem
destaque no original).

Para Josué de Castro, a abordagem do problema da fome no Brasil, deveria ser


feita com a percepção, em primeiro lugar, de que esta era consequência do seu passado
histórico e de grupos humanos sempre em conflito com os quadros naturais. Luta,
remontada ao histórico de construção do país, no qual o colonizador era indiferente a tudo
que não significasse vantagem direta e imediata para os seus planos de exploração
mercantil desdobrada em ciclos sucessivos de economia destrutiva, ou pelo menos
desequilibrante de aspectos da saúde econômica da nação. Assim, tivemos ciclos
exploratórios iniciados com o pau-brasil, seguidos do ciclo da cana-de-açúcar, mineração,
café, extração da borracha, e, finalmente, a da industrialização artificial, para ficarmos
apenas nos maiores ciclos. Em última análise, referido desajustamento econômico e social
foi consequência da inaptidão do estado político para servir de poder equilibrante entre
os interesses privados e o interesse coletivo (CASTRO, 1946, p. 293).

O que acontecia no passado e relatado por Castro (1946) no trecho acima, parece
continuar a se repetir. Temos, por exemplo, o relatório do IFPRI (sigla em Inglês do
Instituto Internacional de Pesquisa em Política Alimentar) que trata do índice global da
fome e que dedica apenas um parágrafo do documento de 56 páginas para falar das causas
da fome, evitando a menção das pressões de corporações transnacionais para controlar o
sistema alimentar, entre outras causas estruturais. Além disso, em nome da ajuda
humanitária urgente aos flagelados pela fome e para justificar uma suposta solução, forja-
se ou se superestima um problema, conforme já iniciamos uma discussão sobre referida
percepção, ao longo deste 1º capítulo e que aqui é trazido no documento do FBSSAN
(2016), que continua informando que a Organizações ligadas às Nações Unidas, como o
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola - IFAD, a Organização das Nações
Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, o Programa Mundial de Alimentos - WFP
e a Organização Mundial da Saúde - OMS divergem e não apresentam estimativas
robustas do tamanho do problema da fome no mundo (FBSSAN, 2016, p. 09).

80
Fato que merece observação é o que abrange o contexto desafiador de mudanças
climáticas, o qual deveria apontar para um incentivo à diversificação alimentar e
biodiversidade, ao passo que a estratégia da Biofortificação caminha no sentido do
estreitamento da oferta de variedades e concentração de produção de sementes.

O relatório do FBSSAN (2016) critica a biofortificação quando, por exemplo,


observa que a manipulação genética de plantas para obter uma maior concentração de
micronutrientes promove uma certa exclusão ou discriminação de determinadas espécies
de plantas, ao invés de valorizar a diversidade presente na variedade nutricional. Sendo,
também, catalisadores de movimento de monocultivo que tem por consequência a erosão
genética dos biomas brasileiros.

As críticas continuam sendo tecidas pelo FBSSAN quando relatam que a iniciativa
de Biofortificação no Brasil, ao avançar de forma dissociada das demais políticas públicas
oficiais de alimentação, saúde, agroecologia e segurança alimentar do país, podem trazer,
por consequência, a exposição do país inteiro à riscos desnecessários para a saúde,
agricultura e meio ambiente.

Abaixo reproduzimos quadro produzido pelo boletim do FBSSAN (2016) e que


elenca uma série de comparativos entre a iniciativa da biofortificação e a proteção da
biodiversidade e que sintetizam alguns dos pontos já colacionados ao longo desse
trabalho.

81
Quadro 3 – Biodiversidade x Biofortificação(FBSSAN, 2016, p. 05).

Outro ponto interessante de mencionarmos liga-se ao fato de que a temática da


segurança alimentar é intersetorial por natureza, mas que as referências aos debates com
CONSEA, SISAN e similares passam ao largo do resgate histórico produzido pela
coordenadora da Embrapa/BioFort, Marília Nutti, ao explanar sobre a trajetória dos
alimentos biofortificados no país.

E por falarmos em resgate histórico da presença dos biofortificados no Brasil, o


FBSSAN em seu boletim informativo produziu linha do tempo que parece demonstrar
que, em relação à inserção da Biofortificação no país, não parecem ocorrer grandes
dissensos. Podemos observar pela imagem reproduzida logo abaixo que a linha do tempo
apresentada por Nutti (2011), em nada difere da linha do tempo apresentada pelo
FBSSAN e que, apesar de referida autora não aparecer referenciada diretamente no
documento a seguir reproduzido, aparecerá referenciada ao final do boletim como uma
das fontes consultadas.

82
Figura 8 – Boletim FBSSAN (2016, p. 04).

83
Quase ao fim deste primeiro capítulo, lembramo-nos de Bourdieu (2002), ao
percebemos o quanto o campo da solução do problema da fome no mundo é disputado
por diferentes atores que procuram através de eixos estruturantes como governos,
políticas públicas, modelo agroalimentar, entre outros, imprimir significações próprias e
que deem conta da dominação que pretendem incutir.

Nas palavras do próprio autor:

O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de


manter a ordem ou de a subverter, é a crença na legitimidade das
palavras e daquele que as pronuncia, crença cuja produção não é
da competência das palavras.

O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer


dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de
poder: só se pode passar para além da alternativa dos modelos
energéticos que descrevem as relações sociais como relações de força e
dos modelos cibernéticos que fazem delas relações de comunicação, na
condição de se descreverem as leis de transformação que regem a
transmutação das diferentes espécies de capital em capital
simbólico e, em especial, o trabalho de dissimulação e de
transfiguração (numa palavra, de eufemização) que garante uma
verdadeira transubstanciação das relações de força fazendo ignorar-
reconhecer a violência que elas encerram objetivamente e
transformando-as assim em poder simbólico, capaz de produzir efeitos
reais sem dispêndio aparente de energia. (BOURDIEU, 2002, p. 15).
(sem destaque no original).

Temos que disputas simbólicas e retóricas à parte, o fato é que a discussão dos
modelos agroalimentares no Brasil parece passar ao largo de uma discussão que se possa
ter por democrática e que a história revela que nem sempre o interesse público na saúde
da população será a força motriz de criação de insumos para a produção agrícola. Vide o
caso do DDT na década de 60, denunciado por Carson e só retirado oficial e totalmente
de circulação do país em 2009, ou o fato de que ainda não enfrentamos o banimento de
agrotóxicos já banidos em vários países do mundo e uma série de prováveis inseguranças
de ordem ambiental, nutricional e de saúde pública, conforme veremos no capítulo
terceiro deste trabalho.

Por fim, pegamos emprestadas as palavras de Philip McMichael (2016), que na


obra “Regimes Alimentares e Questões Agrárias” aponta para o fato de que talvez o
regime alimentar do capital tenha feito eclodir uma crise agrária de grandes proporções,
que parece agora estar registrada em um movimento crescente para estabilizar o campo,
proteger o planeta e fomentar a soberania alimentar no combate a novas investidas contra

84
culturas agrícolas, quanto a oposição à “cadeia de valor” e apropriação de terras. Nesse
contexto, a soberania alimentar poderia ser considerada um modelo civilizacional que
combina a crítica conjuntural à “segurança alimentar neoliberal” – como um jogo de
poder de corporações, eivados de estratagemas em que agroexportação não se confundiria
com “alimentar o mundo” e alimento não se confundiria com mercadoria ou commodities
(MCMICHAEL, 2016, p. 36; 201).28

Passamos agora ao segundo capítulo da tese, que se debruçará sobre temas como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental e suas construções conceituais.

28
Para maiores informações sobre o tema da SAN – Segurança Alimentar e Nutricional sugerimos as obras
de Renato Maluf, uma de nossas maiores referências nacionais sobre o tema e que relata a trajetória de
enfrentamento de SAN.

85
2 (R)EVOLUÇÃO SUSTENTÁVEL OU COMPROMETIMENTO DO PRESENTE
DAS FUTURAS GERAÇÕES? Sustentabilidade, risco e justiça ambiental.

“Viver é muito perigoso”


Riobaldo
(Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa).

O termo sustentabilidade parece emergir como uma terminologia disputada por


setores díspares como o do agronegócio e o da agroecologia, por exemplo. O interesse
pelo termo sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável converge para os estudos
do presente trabalho, na medida em que entendemos que ao tratarmos sobre as disputas
do campo técnico-científico que tratam de modelos agroprodutivos que usam agrotóxicos,
precisamos compreender os usos e contextos em que são acionados termos como
sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futuras gerações, objeto de nossa pesquisa em
sua interface com estudos técnico-científicos, ações do MPF e decisões judiciais
correlatas.

2.1 SUSTENTABILIDADE E/OU DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL:


ORIGEM E CONCEITOS

Iniciamos nossa pesquisa sobre a origem e alguns dos conceitos da palavra


sustentabilidade através da obra “Sustentabilidade: O que é – O que não é”, do teólogo e
filósofo Leonardo Boff, que apresentou uma reflexão crítica e integradora da
sustentabilidade nas vésperas da Rio + 20, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente realizada no Brasil, vinte anos depois da ECO-92.

Logo no início de sua obra, Boff (2015) mergulha na centralidade do tema quando
discute as contradições e as perspectivas sobre o planeta terra, o qual ele denomina como
“Nossa Casa Comum”. Salientamos que as reflexões trazidas pelo autor em comento são
originadas de outras obras anteriores, uma vez que, desde a década de 1980, o mesmo tem
se dedicado às questões pautadas pela temática ecológica e socioambiental, bem como a
ecoespiritaualidade.29

29
Para maiores informações sobre a vasta obra do autor, colacionamos algumas de suas publicações a
seguir: Ética e ecoespiritualidade (1984), Ecologia, mundialização e espiritualidade (1993), Nova era: a
emergência da consciência planetária (1994), Ecologia: grito da terra, grito dos pobres (1995), Princípio
Terra: a volta à Terra como pátria comum (1995), Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra
(1999), O casamento entre o céu e a terra: contos dos povos indígenas do Brasil (2001), Terra América:
imagens com Marco Antonio Miranda (2003), Responder florindo: da crise da civilização a uma revolução
radicalmente humana (2004), Mundo eucalipto: os fatos e mitos de sua cultura com José Roberto Scolforo
(2008), Opção Terra: a solução para a Terra não cai do céu (2009), Cuidar da Terra, proteger a vida (2010),

86
Já no prefácio da obra, Boff (2015, p. 09) traz que:

[...] Há poucas palavras mais usadas hoje do que o substantivo


sustentabilidade e o adjetivo sustentável. Pelos governos, pelas
empresas, pela diplomacia e pelos meios de comunicação. É uma
etiqueta30 que se procura colar nos produtos e nos processos de sua
confecção para agregar-lhes valor. (sem destaque no original).

Notamos, inicialmente, a divisão feita pelo autor entre o substantivo que ele
denomina pela palavra sustentabilidade, e o adjetivo cognominado sustentável, e que sua
vasta utilização ocorre pelos mais variados setores, todavia, ele logo alerta para a questão
de que, frequentemente, ocorre de fato o que ele denomina por “falsidade ecológica” ao
se utilizar a palavra sustentabilidade para ocultar reais problemas ambientais como a
agressão à natureza, contaminação química dos alimentos e de marketing comercial,
apenas com o escopo de venda e lucro, pois, na maioria das vezes que se anuncia a
sustentabilidade ou algo sustentável, isso geralmente, não o é (BOFF, 2015, p. 09).

Outra interessante ilustração para discutirmos a tal “etiqueta da sustentabilidade”


sobre produtos, é a referência à atividade do greenwash, ou seja, prática de "pintar de
verde" para trazer a ilusão ao consumidor que busca produtos não quimicalizados, em
tese, limpos, ecológicos e saudáveis. Entretanto, é necessário o senso crítico e a
compreensão mais apurada para que se possa identificar o que de fato é sustentável e o
que não é.

Anotamos aqui compreensão trazida por Boff (2015, p. 10), sobre a atual situação
do planeta, considerada por ele de grande dramaticidade, pois a economia, a política, a
cultura e a globalização seguem um curso que não pode ser considerado sustentável pelos
níveis de pilhagem de recursos naturais, além da geração das desigualdades e de conflitos
intertribais e outros esgarçamentos sociais que se produzem. Desta forma, o autor
considera a mudança como algo iminente, sob o prisma de se colocar em risco o futuro
de nossa espécie e de danificação grave do equilíbrio do planeta e diz que:

El planeta Tierra: crisis, falsas soluciones, alternativas (2011), As quatro ecologias: ambiental, política e
social, mental e integral (2012), O cuidado necessário: na vida, na saúde, na educação, na ecologia, na ética
e na espiritualidade (2012) e O TAO da libertação: explorando a ecologia da transformação com Marie
Hathaway (2012). (BOFF, 2015)
30
Nesse momento e antes de continuarmos a discutir a questão da sustentabilidade, nos questionamos de
maneira breve nessa nota em relação ao termo “orgânico”. Será ele também convertido em uma futura
“etiqueta”? Lembramos que vimos no capítulo anterior que a própria Monsanto afirma em sua defesa em
sua Carta aberta ao tribunal Monsanto que fornece produtos para agricultores que praticam o cultivo
orgânico.

87
O pior que podemos fazer é não fazer nada e deixar que as coisas
prolonguem seu curso perigoso. As transformações necessárias
devem apontar para um outro paradigma de relação para com a
terra e a natureza, bem como a invenção de modos de produção e
consumo mais benignos. Isso implica inaugurar um novo patamar de
civilização, mais amante da vida, mais ecoamigável e mais respeitoso
dos ritmos, das capacidades e dos limites da natureza.

[...]

Mais do que outrora, caberia usar, com propriedade, a palavra


revolução, não no sentido da violência armada, mas no sentido
analítico de mudança radical do rumo da história para permitir a
sobrevivência da espécie humana, de outros seres vivos e da
preservação do Planeta Terra.

É neste contexto de urgência que formulamos nossas reflexões sobre a


sustentabilidade. São apenas iniciais, sem a pretensão de serem
conclusivas. [...] Como tudo se globaliza, a sustentabilidade, mais do
que qualquer outro valor, deve também ser globalizada. Se olharmos o
futuro da humanidade e da Mãe Terra pelos olhos de nossos filhos
e netos sentiremos, imediatamente, a necessidade de nos
preocuparmos com a sustentabilidade e de criar meios de
implementá-la em todos os campos da realidade. (BOFF, 2015, p.
10-11). (sem destaque no original).

Mencionamos, neste momento, que o discurso trazido por Leonardo Boff parece
se encaixar naquilo que temos denominado como contramajoritário, pois conforme
referido pelo próprio autor, a expressão sustentabilidade tem sido tratada como etiqueta a
ser agregada aos mais variados produtos dos mais diversos setores, além de muitas vezes
ser braço auxiliar do greenwash e de não discutir a fundo mudanças no atual modelo
econômico e paradigma civilizacional global.

De forma geral, o autor combate, de forma veemente, a aparente falsidade, ou


mesmo eufemismo, em relação à sustentabilidade, ao mesmo tempo em que aponta
algumas alternativas para a consolidação de uma sustentabilidade verídica e
integralizadora de todos os tipos de vida no planeta. Segundo ele, antes de definirmos
melhor o que seja sustentabilidade, é possível avançar e procurar mostrar o que ela
significa de forma fundamental que é:

o conjunto dos processos e ações que se destinam a manter a vitalidade


e a integridade da Mãe Terra, a preservação de seus ecossistemas com
todos os elementos físicos, químicos e ecológicos que possibilitam a
existência a e reprodução da vida, o atendimento das necessidades
da presente e das futuras gerações, e a continuidade, a expansão e a
realização das potencialidades da civilização humana em suas várias
expressões. (BOFF, 2015, p. 14). (sem destaque no original).

88
Em relação ao atual modelo de produção e acumulação, o autor em comento
enfatiza que o planeta não resistirá às explorações e às manipulações oriundas das
tecnologias sujas ou das mais sutis, que utilizam a genética e a nanotecnologia, mas que
agridem sistematicamente o equilíbrio vital do planeta através do uso intensivo de
agrotóxicos e pesticidas que continuamente destroem micro-organismos, modificam a
qualidade do solo e da água e, consequentemente, alteram a vida.

Observamos que na obra de Boff (2015), o conceito de sustentabilidade trazido


não é o da década de 1970, mais precisamente do ano de 1972, quando ocorreu a Primeira
Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente, ou Conferência de
Estocolmo31. Para o autor, o conceito de “sustentabilidade” já possui mais de 400 anos e
assim insere em sua obra um tópico que trata da pré-história da sustentabilidade e informa
que na Alemanha, em 1560, na Província da Saxônia, surgiu a preocupação pelo uso
racional das florestas, para que estas pudessem se regenerar e se manter
permanentemente, surgindo então a palavra Nachhaltigkeit¸ que significava
“sustentabilidade”. No entanto, apenas no ano de 1713, novamente na Saxônia, com o
Capitão Hans Carl Von Carlowitz, a palavra “sustentabilidade” se transformou em um
conceito estratégico através de pesquisas elaboradas pelo mesmo Capitão Carlowitz que
elaborou um verdadeiro tratado em latim – língua científica da época, sobre a
sustentabilidade (nachhaltig wirtschaften: organizar de forma sustentável) das florestas,
intitulada como Silvicultura econômica e que propunha o uso sustentável da madeira,
adotando o lema: “devemos tratar a madeira com cuidado, caso contrário, acabar-se-á
o negócio e cessará o lucro e, a partir dessa iniciativa, começou-se a estimular o
replantio de árvores desflorestadas” (BOFF, 2015, p. 33).

31
Em relação à Conferência de Estocolmo, a ideia embrionária de sustentabilidade está presente nas
referências feitas às presentes e futuras gerações e a proteção ambiental, presentes nos princípios 01 e 02,
os quais reproduzimos a seguir:
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de
junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do
mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano,
Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de
vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de
bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e
futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a
discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas
e devem ser eliminadas.
Princípio 2 - Os recursos naturais da terra incluídos o ar, a água, a terra, a flora e a fauna e especialmente
amostras representativas dos ecossistemas naturais devem ser preservados em benefício das gerações
presentes e futuras, mediante uma cuidadosa planificação ou ordenamento. (ONU, 1972).

89
Após abordar a pré-história do conceito de sustentabilidade, Boff (2015, p. 34)
adentra na definição clássica de Desenvolvimento Sustentável construída a partir da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1984, cujo lema era
"Uma agenda global para a mudança" e que resultou, em 1987, no relatório da Primeira-
ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland, intitulado “o Nosso futuro comum” ou
também denominado de Relatório Brundtland.

Em referido relatório, expressamente aparece a expressão “Desenvolvimento


Sustentável”, definido como: "aquele que atende às necessidades das gerações atuais sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas necessidades e
aspirações.”

O autor em comento considera que esta definição tornou-se clássica e se impôs


em quase toda a literatura a respeito do tema, mas busca aprofundar e problematizar a
questão apontando críticas aos atuais modelos de sustentabilidade, ao enumerar os
seguintes tópicos: o modelo-padrão de desenvolvimento sustentável: sustentabilidade
retórica; melhorias no modelo-padrão de desenvolvimento; o modelo de neocapitalismo:
ausência de sustentabilidade; o modelo do capitalismo natural: a sustentabilidade
enganosa; o modelo da economia verde: a sustentabilidade fraca; o modelo do
ecossocialismo: a sustentabilidade insuficiente; o modelo de ecodesenvolvimento ou da
bioeconomia: sustentabilidade possível; o modelo da economia solidária: a
microssustentabilidade viável; o bem-viver dos povos andinos: a sustentabilidade
desejada (BOFF, 2015, p. 39-61).

Uma das críticas iniciais de Boff (2015, p. 40), ao vários modelos de


sustentabilidade, relaciona-se a sua afirmação de que na maior parte dos casos a
sustentabilidade é mais aparente do que real, mas que de toda forma, há uma busca
genuína por parte de empresas e países, pois estes não se sentem seguros frente aos atuais
rumos que a humanidade vem tomando e que muitos já se dão conta de que não será
possível “ter futuro”, se não tivermos transformações substanciais, e que várias propostas
vêm sendo formuladas, ainda que boa parte delas tente manter o atual modelo de
desenvolvimento, apenas imprimindo-lhe uma aparência de sustentabilidade.

Interessante notarmos que falar de sustentabilidade é, também, mencionar o


modelo-padrão de desenvolvimento sustentável como normalmente gestado pelas

90
empresas e expresso em discursos corporativos que assim dizem que: “para ser
sustentável o desenvolvimento deve ser economicamente viável, socialmente justo e
ambientalmente correto”. Ou seja, trata-se do famoso tripé chamado de Triple Botton Line
– A linha das três pilastras que deve garantir a sustentabilidade. Referido conceito foi
criado em 1990 pelo britânico John Elkington, fundador da ONG SustainAbility, cuja
proposta é exatamente divulgar esses três momentos como necessários a todo o
desenvolvimento sustentável. Utilizou-se em referida construção os três “pês”, Profit,
People, Planet – produto/renda, população e planeta, como sustentáculos da
sustentabilidade.

Um outro ponto interessante de observarmos no tópico que trata de conceituações


sobre sustentabilidade é, finalmente, a definição/conceituação de Boff (2015, p. 107),
sobre sustentabilidade, que assim diz:

A sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições


energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os
seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida
humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da
geração presente e das futuras, de tal forma que o capital natural seja
mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução
e coevolução.”

Fica nítido, no discurso levantado por Leonardo Boff, a preocupação com as


futuras gerações, a crença na urgência de mudança nos paradigmas de produção, consumo
e de construção da organização da sociedade global de uma forma solidária.

Não temos como nos alongarmos em relação às diversas críticas e disputas em


reação à terminologia sustentabilidade, uma vez que só essa discussão renderia obra
apartada, como a própria produzida por Leonardo Boff (2015) e brevemente explorada ao
longo de poucas páginas deste trabalho. Todavia, além das abordagens clássicas trazidas
por este autor, bem como as críticas que ele mesmo inovadoramente formula e que, em
apertada síntese, podem ser entendidas como críticas concentradas no antropocentrismo
vinculante das mais diversas propostas de desenvolvimento sustentável, as quais buscam
criar uma ilusória percepção de que o homem está fora da natureza, quando deveria ser
buscada uma práxis integradora de sustentabilidade, de perspectiva sistêmica, ecocêntrica
e/ou biocêntrica, para nos utilizarmos de suas próprias palavras na obra supra
mencionada.

91
Todavia, parece-nos que um elemento é comum nas abordagens da ONU como na
Conferência de Estocolmo ou no Relatório Brutdtland: a preocupação com as futuras
gerações, fato que muito nos interessa e que será explorado em tópico próprio neste
mesmo capítulo.

Por hora, prosseguimos com mais um crítico ao conceito de desenvolvimento


sustentável ou sustentabilidade, que é Joan Mártinez-Alier, conhecido por estudos como
o do “Ecologismo dos Pobres” e pela organização de pesquisas que buscam conhecer a
existência ou não de um Movimento Global por Justiça Ambiental e criador do Atlas
Global de Justiça Ambiental o qual estudaremos de forma mais detida também em
subtítulo específico neste capítulo, mas no que pertine ao conceito de sustentabilidade,
Martinez-Alier (2015) afirma que o crescimento verde e o desenvolvimento sustentável
são contraditórios, pois considera que não há como existir um crescimento que seja verde,
mas sim algo que seja falsamente considerado verde. Para o autor, falar em
desenvolvimento sustentável em economias baseadas em petróleo, carvão, cobre é
enganar as pessoas.

Outro referencial teórico sobre o tema sustentabilidade que faz inserções críticas
sobre o tema é Ignacy Sachs (1993; 2009), através de sua Teoria das Dimensões da
Sustentabilidade, na qual defende que o desenvolvimento sustentável está encoberto por
08 dimensões, quais sejam: ecológica, econômica, social, cultural, psicológica, territorial,
política nacional e internacional. Cada dimensão possui institutos e características
próprias, devendo conceber que o desenvolvimento sustentável somente é alcançado
quando todas estiverem delineadas.

Sachs (2009, p. 49-50) entende que a ética imperativa da solidariedade sincrônica


com a atual geração deve somar-se à solidariedade denominada diacrônica, representada
pelas futuras gerações. O postulado ético de responsabilidade para com o futuro de todas
as espécies vivas na Terra inclui presentes e futuras gerações, portanto. Todavia, os
economistas continuam habituados a pensar em termos de anos, no máximo, décadas,
enquanto a escala de tempo da ecologia se amplia para séculos e milênios e que,
simultaneamente, é preciso observar como nossas ações afetam locais distantes de onde
acontecem, implicando todo o planeta ou até mesmo a biosfera.

92
Ignacy Sachs, assim como Leonardo Boff, apresenta-nos pressupostos para que
continuemos nos questionando sobre a possibilidade de se pensar em sustentabilidade na
vigência de um sistema capitalista de mercado. Nessa perspectiva de sustentabilidade sem
uma mudança estrutural, referido autor indaga: Os grupos mais vulneráveis teriam as
mesmas condições de desenvolvimento sustentável?

De forma mais recente, em artigo para a revista Ambiente e Saúde, o professor


José Eli da Veiga propõe o que ele denomina como um aggiornamento32 do que ele
referencia como ideal que se tornou o “desenvolvimento sustentável”, sendo este a grande
utopia contemporânea.

Inicialmente, Veiga (2017, p. 233) defende que ao invés de se buscar ampliar a


lista do que ele define como contorcionismos, tão comuns, em infrutíferas tentativas de
promover um suposto “conceito” de desenvolvimento sustentável, seria mais prudente
que a análise de referida expressão começasse por separar os argumentos científicos
disponíveis sobre seus dois componentes essenciais, quais sejam: o substantivo
desenvolvimento e o adjetivo sustentável.

Segundo ele, mesmo ciente que tal dissecação possa levar a conclusão de que se
trata apenas de uma espécie de quadratura no interior do círculo, não se impossibilitaria
que a interpretação do sentido histórico da junção política desses dois termos e de sua
acelerada legitimação global nas últimas três décadas fosse feita, bem como a discussão
do que existe de válido, sério e objetivo nessa noção, o que poderia vir a ser uma ótima
vacina contra muitas das ilusões que ela tende a difundir. Além disso, frisa o autor que
separar o joio do trigo permite que o desenvolvimento sustentável possa ser mais
conscientemente assumido como um dos mais generosos ideais civilizadores.

Veiga (2017, p. 233) esclarece em suas notas introdutórias do artigo em comento


que, assim como o mais antigo anseio por “justiça” (ou “justiça social”), e mesmo o bem
recente empenho pelos “direitos humanos”, nada assegura que o ideal expresso no ideário
de desenvolvimento sustentável seja de fato possível e realizável, todavia, aclara que
esses e outros valores compõem a visão de futuro sobre o qual as civilizações
contemporâneas deveriam alicerçar suas esperanças. Por isso, são utópicos no melhor
sentido desse qualificativo.

32
Termo que em italiano significa atualização.

93
Quando enfrenta, especificamente, o termo desenvolvimento, Veiga (2017, p. 35)
informa que há diversas razões para que se considere que a ideia de desenvolvimento
permaneça como objeto de controvérsia. Não apenas porque o uso dessa noção continua
a ser ferrenhamente combatido por ativistas da educação ambiental, mas também porque,
de forma mais implícita, ou indireta, conflita com a tese do “decrescimento”.

Nesse sentido, afirma Veiga (2017, p. 235):

Afinal, uma das dimensões essenciais do ideal do desenvolvimento


continua a ser justamente o crescimento econômico. E isso não poderia
estar mais explícito do que no oitavo Objetivo de Desenvolvimento
Sustentável (ODS-8) estabelecido pela Agenda 2030, cujo enunciado é
“promover o crescimento econômico sustentado [...]”.

Não foi outro o problema que desafiou Tim Jackson a lançar em 2011
o livro Prosperidade sem Crescimento, evitando o termo
desenvolvimento. O propósito dos economistas ecológicos, cujas ideias
foram brilhantemente sintetizadas nessa obra, sempre foi o de
relativizar o papel desempenhado pelo crescimento econômico naquilo
que tanto pode ser chamado de desenvolvimento, como de prosperidade
ou de progresso. Com certeza, um dia será necessário decrescer
crescendo, ou, como disse Edgar Morin (2011, p. 36)
“simultaneamente crescer e decrescer”. Isto é, será necessário fazer
crescer os serviços, as energias renováveis, os transportes públicos, a
economia plural (que inclui a economia social e a solidária), as obras
de humanização das megalópoles, as agriculturas e pecuárias
alternativas.

Ao mesmo tempo será imprescindível fazer decrescer as


intoxicações consumistas, a alimentação industrializada, a
produção de coisas descartáveis e/ou que não podem ser
consertadas, a dominação dos intermediários (principalmente
cadeias de supermercados) sobre a produção e o consumo, o uso de
automóveis particulares e o transporte rodoviário de mercadorias
(em favor do ferroviário). Algo muito parecido ao que alguns
expoentes da socialdemocracia europeia chegaram a chamar de
“crescimento seletivo”. (sem destaque no original).

No mesmo artigo, o autor lembra que a definição de desenvolvimento vem sendo


incansavelmente repetida desde 1990 nos relatórios anuais elaborados pelo PNUD –
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, nos quais o desenvolvimento é
percebido como a possibilidade de as pessoas viverem o tipo de vida que escolheram, e
com a provisão dos instrumentos e das oportunidades para que façam tais escolhas.

Após, o autor trata do termo sustentabilidade e reconhece que à medida que a


sustentabilidade foi se constituindo em um novíssimo valor – comparável a outros bem
mais antigos, como justiça, liberdade ou igualdade –, tal noção acabou por passar por um

94
intenso processo de banalização. A ponto de ser apropriada como leitmotiv central de
estratégias de propaganda empresarial. Todavia, diferentemente de alguns autores que
acabam por rechaçar o ideário da sustentabilidade, Veiga (2017, p. 237-238) considera
que apesar das disputas em relação ao tema, é altamente positivo notar que em poucas
décadas referida temática tenha passado de mero alvo de zombarias a trunfo a ser
ostentado e que críticos ao termo como Enrique Leff ou David Deutsch apresentam o
que ele denomina como: um tique bem recorrente entre os que não percebem que
sustentabilidade não é conceito, mas sim um valor.” Emenda, ainda, que esse não é o
deslize central de tais críticos, mas que eles erram pior quando realizam a avaliação
histórica, pois nos 36 anos que se passaram desde que o projeto de um desenvolvimento
sustentável começou a inspirar a estratégia mundial de conservação (IUCN-UNEP-WWF,
1980), ou mesmo um novo ideário político (BROWN, 1981), a sustentabilidade não
cessou de ganhar força social, como ainda há pouco confirmou o lançamento da Agenda
2030 e seus 17 ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

No mesmo artigo, o autor trata como cerne da sustentabilidade a ideia de que as


gerações futuras merecem tanta atenção quanto as atuais e que em seu âmago está uma
visão de mundo dinâmica, na qual transformação e adaptação são inevitáveis, mas
dependem de elevada consciência, sóbria prudência e muita responsabilidade diante dos
riscos e, principalmente, das incertezas (VEIGA, 2017, p. 240-241).

Em relação ao campo jurídico, uma obra específica tem sido referência sobre o
tema, trata-se da obra “sustentabilidade, Direito ao Futuro” de Juarez Freitas, a qual foi,
inclusive, agraciada pela Medalha Pontes de Miranda da Academia Brasileira de Letras
Jurídicas.

O autor da presente obra afirma, na introdução, que após revisar boa parte da mais
qualificada produção bibliográfica33 (FREITAS, 2012, p. 15) sobre o tema – a qual ele
não especifica no corpo de seu texto, informa que a sustentabilidade merece acolhida

33
Em consulta às referências do autor ao final da obra encontramos uma série de autores internacionais
como professores estadunidenses e europeus, entre os quais citamos Amartya Sen, William Nor- dhaus,
Thomas Friedman, Jonathan Lash, Edgar Morin, Jeroen C. J. M. van den Bergh, Anthony Giddens Annie
Leonard, Martin Dal, Margo Wilson, Niles Eldredge, Robert Solow, Dale Jamieson, Gabrielle Walke,
David King, Laura Perez Bustamante, Jean-Pierre Dupuy, Ricardo Luis Lorenzetti. Além de autores
nacionais como José Eli da Veiga, Ingo Wolfgang Sarlet, José Rubens Morato Leite, Paulo Affonso Leme
Machado, Eduardo Gianetti, André Trigueiro, Fátima Portilho, Alessandra Galli, Vladimir Freitas, entre
outros.

95
como princípio constitucional que busca promover, a longo prazo, o desenvolvimento
propício ao bem-estar pluridimensional – social, econômico, ético, ambiental e jurídico-
político, com reconhecimento à titularidade dos direitos fundamentais das gerações
presentes e futuras.

Afirma ainda o autor que:

As gerações presentes e futuras, sem renúncia admissível, ostentam,


segundo o novo paradigma, o direito fundamental à ambiência limpa,
com mitigações e adaptações imperiosas e, sobremodo, com medidas
antecipatórias de prevenção e precaução, coisa que só se alcança com
base na reviravolta profunda do estilo de pensar, produzir e consumir.
A sustentabilidade aparece, nessa linha, com dever ético e jurídico-
político de viabilizar o bem-estar no presente, sem prejuízo do bem-
estar futuro, próprio e de terceiros. (JUAREZ, 2012, p. 15). (sem
destaque no original).

A obra de Freitas (2012) compõe-se de mais de 300 páginas e 10 capítulos que


tratam do conceito de sustentabilidade, sua natureza multidimensional, sustentabilidade
como valor constitucional, falácias e armadilhas argumentativas, sustentabilidade e a
indispensável superação dos vícios políticos, o novo paradigma da sustentabilidade
versus o paradigma da insaciabilidade patológica, sustentabilidade e o novo direito
administrativo e sustentabilidade, responsabilidade do Estado e nova interpretação
jurídica.

Destacamos para efeitos de estudo deste capítulo, o conceito proposto para o


princípio da sustentabilidade trazido pelo autor em comento que assim enuncia:

Trata-se de princípio constitucional que determina, com eficácia direta


e imediata, a responsabilidade do Estado e da sociedade pela
concretização solidária do desenvolvimento material e imaterial,
socialmente inclusivo, durável, equânime, ambientalmente limpo,
inovador, ético e eficiente, no intuito de assegurar, preferencialmente
de modo preventivo e precavido, no presente e no futuro, o direito ao
bem-estar. (FREITAS, 2012, p. 41). (sem destaque no original).

O autor defende, logo após a enunciação de referido conceito, que, da maneira


como formulado, o desenvolvimento sustentável não é uma contradição em termos34,
tampouco se confunde com delirantes perspectivas sobre o crescimento econômico sem
fim, pois considera que em sua construção conceitual conseguiu reunir elementos
indispensáveis para um conceito operacional de sustentabilidade eficaz, quais sejam: 1)

34
Juarez Freitas cita nesse momento as críticas de Anthony Giddens ao termo desenvolvimento sustentável.

96
Natureza de princípio constitucional diretamente aplicável; 2) Eficácia – encontro de
resultados justos e não mera aptidão para produzir efeitos jurídicos; 3) Eficiência – uso
de meios idôneos; 4) Ambiente limpo – descontaminado e saudável; 5) Probidade –
inclusão explícita da dimensão ética; 6) Prevenção – dever de evitar danos certos; 7)
Precaução – dever de evitar danos altamente prováveis; 8 – Solidariedade intergeracional
– com o reconhecimento dos direitos das gerações presentes e futuras; 9)
Responsabilidade do Estado e da sociedade e 10) Bem-estar – acima das necessidades
materiais e que nenhum desses elementos deve faltar ao conceito sob pena da ocorrência
de um reducionismo indesejável (FREITAS, 2012, p. 41).

Um especial ponto que nos chama a atenção na obra de Freitas (2012, p. 73; 79),
é o de que a sustentabilidade determina em uma dimensão tópico-sistemática, “a
universalização concreta e eficaz do respeito às condições multidimensionais da vida de
qualidade, com o pronunciado resguardo do direito ao futuro, além de ser empática e
intergeracionalmente solidária”.

Até o presente momento, o que nos parece restar claro é que, sejam em concepções
majoritárias, como as apresentadas pela ONU em Estocolmo ou no Relatório Brudtland,
ou em construções mais holísticas e contramajoritárias, como a de Leonardo Boff, ou
Ignacy Sachs, bem como em abordagens jurídicas, como a de Juarez Freitas, a expressão
“gerações presentes e futuras” se mostra inclusa de forma inequívoca junto ao conceito
de sustentabilidade.

Notamos, entretanto, ao chegarmos ao próximo capítulo deste trabalho, que a


empresa Monsanto, ao empregar o termo sustentabilidade, em sua Carta Aberta ao
Tribunal Monsanto ou em seus Relatório de Sustentabilidade não faz referência às
gerações presentes e futuras, apenas parecendo empregar o termo “sustentabilidade”
como um “etiqueta” que busca atestar a qualidade dos produtos por ela comercializados.

Para melhor vislumbre dessa questão, passaremos no tópico a seguir a discutir


sobre o termo futuras gerações e, para tanto, tentaremos descobrir se dentro do ponto de
vista ético-filosófico existe uma definição conceitual majoritária ou até mesmo uniforme.

97
2.2 FUTURAS GERAÇÕES E SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL:
NASCIDOS E NÃO NASCIDOS?
“Não herdamos a terra de nossos antepassados, a
tomamos de nossos filhos.”
(Antoine Saint-Exupéry)

Sobre o tema de futuras gerações e a concepção ético-filosófica, iniciaremos nosso


estudo tratando da obra de Guilherme Costa Câmara, promotor de Justiça e que escreveu
sua tese de doutorado pela Universidade de Coimbra em Portugal abordando o tema do
Direito Penal do Ambiente e a Tutela das Gerações Futuras, publicada no ano de 2016.
Salientamos que as publicações sobre o tema das gerações futuras e sua proteção judicial
não parecem ter ainda granjeado expressividade no país, principalmente na seara jurídica,
que tende a se pautar pela dogmática já posta, mas conforme iremos perceber ao longo
deste tópico, a discussão das futuras gerações não possui marcos jurídico-dogmáticos
fixos e precisos em nossa legislação pátria ou na legislação internacional.

Na obra do autor supramencionado, somos informados de forma introdutória no


capítulo II de que a discussão jurídico-filosófica subjacente à questão da proteção penal
das gerações futuras está relacionada ao surgimento de uma consciência antecipatória que
busca aflorar um novo “cuidado-de-perigo” que pode estar relacionado como reflexo de
uma consciência de risco ampliada, na busca de uma reconfiguração axiológica, que se
assenta na emergência de valores transgeracionais radicados em um zelo sem precedentes
para com as gerações futuras, que o autor informa estar atrelado ao interesse de proteção
surgido com o movimento ambientalista na Conferência de Estocolmo (1972).

Câmara (2016, p. 92 -93) considera que novos perigos afloram com os imparáveis
avanços tecnológicos e que é preciso construir um discurso ético-jurídico que se volte
para a construção da justiça intergeracional, mas traz questionamentos sobre a
concretização desse marco-legal, pois informa que não existe sequer acordo acerca do
lapso temporal que defina o trânsito de uma geração a outra, estimando-se que deva
oscilar entre quinze a quarenta anos e colaciona diferentes opiniões acerca do espaço
tempo que transcorre de uma geração à outra, citando Tácito que fala de quinze anos,;
Heródoto que menciona trinta e três anos e meio; Thomas Jefferson que traz a ideia de
dezenove anos e Bowen, Davis e Kope, que baseados em um modelo científico-
financeiro, propõem a idade de quarenta e quatro anos.

98
A emergência dessa preocupação com a proteção jurídica das futuras gerações
pode ser considerada como expressão do surgimento dos denominados direitos de
solidariedade, haja vista a existência dos denominados perigos transgeracionais
associados aos problemas da acumulação, ou seja, perigos que transcendem de forma
diacrônica a fronteira individual, suplantando os marcos temporais que apartam as
gerações e que podem gerar as denominadas vítimas civilizatórias, frutos da manipulação
genética, contaminação de produtos alimentícios, comercialização de medicamentos
arriscados (CÂMARA, 2016, p. 94-95).

O autor em comento se socorre da filosofia moral para tentar responder a alguns


dos seus questionamentos em relação à proteção das futuras gerações e quem seriam essas
ditas “gerações futuras” e apresenta alguns interessantes questionamentos que
transcrevemos abaixo:

Podem pessoas ainda não nascidas ter direitos? Têm as gerações


futuras direitos pugnáveis contra as gerações atuais? Possuímos deveres
e obrigações em relação a pessoas que ainda não existem? Quais
futuras gerações estariam a carecer dessa tutela: as que nos são
mais contíguas, ou qualquer geração em nós radicada no abismo
temporal de um porvir linear quase infinito?

Esse é apenas um pequeno catálogo de formulações provocativas que o


problema da tutela das vindouras gerações atrai para a reflexão quer
jurídico-penal quer jusfilosófica. (CÂMARA, 2016, p. 96). (sem
destaque no original).

A seguir, analisaremos um pouco das escolas ético-filosóficas que tratam do tema


justiça entre gerações e quem seriam ou não seriam essas futuras gerações e esclarecemos
que abordaremos em apertada síntese as ideias de John Rawls35, Joel Feinberg, Alfred
North Whitehead, Hans Jonas, Jürgen Habermas, Claus Roxin, entre outros, sobre justiça
entre gerações, uma vez que a questão proposta para estudo no presente trabalho, apesar
de trazer à tona o questionamento sobre presentes e futuras gerações e a justiça e
solidariedade intergeracional, não se concentra nesse aspecto de forma principal, ainda
que seja questão instigante e que talvez mereça mais aprofundamento de estudo por parte
da sociologia e do direito.

35
Apesar da perspectiva esboçada nesta tese ser de cunho decolonial, a contribuição do liberal John Rawls
acabou por encaixar-se de maneira interessante na abordagem do presente tema.

99
2.2.1 Escolas ético-filosóficas, equidade intergeracional e futuras gerações

John Rawls (2002) elaborou em sua obra, uma Teoria da Justiça, uma análise de
corte pragmático e filosófico que aborda, entre outros temas, a questão da justiça entre
gerações. Em sua teoria da justiça como equidade estabeleceu que a justiça há de se
aplicar a todos os membros da comunidade humana, estejam eles a viver intra ou
intertemporalmente, tendo elencado ao menos três ordens de direitos a que fariam jus às
gerações supervenientes, os quais são: o direito a um adequado nível de poupança; o
direito à conservação dos recursos naturais e ao meio ambiente natural e o direito a uma
política genética racional.

De forma nuclear, o entendimento esposado por Rawls é de que não é possível a


concepção de uma teoria da Justiça sem que os cidadãos da sociedade atual primeiro
resolvam o problema da justiça intergeracional que, em última análise, exige que se
mantenha para o futuro a igualdade de oportunidades atualmente existentes. Nesse
caminho, surge também a ideia de “poupança justa” que entende que cada geração é
responsável pela contribuição de uma situação melhor para a geração posterior e que o
não atendimento dessa premissa implicaria em injustiça para com as futuras gerações.
Para Rawls, a responsabilidade da atual geração para com as gerações futuras deve chegar
apenas às gerações contíguas – ou seja, limita-se aos netos, estabelecendo, dessa maneira,
a ideia de um gênero de responsabilidade diacrônica crescente, parecendo assentar dessa
maneira, sua teoria em preocupações parentais e relacionada a um interesse emocional
que se achega aos descendentes imediatos (CÂMARA, 2016, p. 98 -99).

Joel Feinberg posiciona-se de maneira favorável à construção de um direito das


gerações futuras em relação às atuais gerações e que referidos direitos deveriam
corresponder às atuais obrigações de proteção do meio ambiente, fundamentadas não
apenas em uma noção de “amor ao próximo”, mas sim fundada em uma questão de justiça.
Para o autor em questão, não é feita a marcação temporal, não importando qual a distância
de tempo, não importando a existência das esferas de contiguidade, diferentemente de
Rawls, portanto. Para Feinberg, as gerações futuras terão interesses nas gerações atuais
na medida em que nós, os de hoje, já podemos afetar para melhor ou para a pior sua
realidade. Por não trazer uma limitação de caráter temporal, é considerado metafísico
demais para alguns de seus críticos, mas se defende afirmando que, tal como ocorre com
os embriões de nossos tetranetos que são pessoas em um sentido potencial, somente que

100
em um sentido “bem mais fraco” que os primeiros e que, todavia, os porvindouros –
enquanto entidade coletiva – virão de toda forma (CÂMARA, 2016, p. 102).

De maneira semelhante a Feinberg, temos o pensamento de Whitehead que ao


tratar do tema da justiça intergeracional afirma que o longo encadeamento de gerações
acaba por se constituir em uma comunidade única e que passado e futuro se fundem em
uma “metafísica relacional”, qual seja, toda a raça humana que deve ser considerada
indivisível em sua inteireza, uma vez que todos os indivíduos fariam parte de uma mesma
família e de um mesmo todo orgânico. Assim, o efeito do presente sobre o futuro é tema
de interesse da ética, pois ao futuro pertenceria a decisão final se uma determinada ação
é eticamente boa ou má, ao passo que o conceito relacional de bem comum estaria
assentado no bem da espécie como um todo (CÂMARA, 2016, p. 105).

Temos, dessa maneira, até agora, marcos temporais rígidos com (Rawls) e marcos
temporais metafísicos (Feinberg e Whitehead). A seguir trataremos de Hans Jonas e o que
ele denomina como princípio da responsabilidade e, conjuntamente, falaremos de
Habermas e sua ideia de expansão da liberdade diacrônica e a emergência de uma
autocompreensão ética da humanidade.

A perspectiva trazida por Hans Jonas deflui de suas reflexões de fundo ético acerca
dos novos perigos existenciais que têm sido enfrentados pela comunidade humana e, para
tanto, alude ao que denomina de uma ética para a “civilização tecnológica”, uma vez que
a ciência que se mostrava como promessa de melhoria da vida humana, tem se convertido
em ameaça. Para ele, o atual estágio da humanidade, denominado de civilização
tecnocientífica, requer uma nova ética capaz de reforçar a expansão da responsabilidade
do homem para com o futuro e, assim, propõe que essa nova ética contribua para a
garantia da permanência da vida humana no planeta e enuncia as seguintes formulações:
a) aja de modo a que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de vida
autenticamente humana sobre a terra; b) aja de modo a que os efeitos de tua ação não se
tornem destrutivos para as possibilidades futuras dessa vida (CÂMARA, 2016, p. 107).

Interessante notarmos que dentro da proposta feita por Hans Jonas, parece-nos que
o progresso tecnológico se desvela como uma séria ameaça para a perpetuação da espécie
humana sobre o planeta, e assim, seria irresponsável desenvolver novas tecnologias, tais
quais as atuais técnicas de combinação genética (Revolução Genética), uma vez que

101
representam riscos potenciais para a humanidade e nem a essência e nem a existência das
futuras gerações deve ser posta em risco em face de algum eventual proveito por parte
das gerações atuais.

Quando olhamos para a perspectiva de Hans Jonas para todo o avanço técnico-
científico da humanidade e pensamos na revolucionária proposta do agrobussiness, talvez
cheguemos facilmente à conclusão de que o atual modelo agroprodutivo é
comprometedor da segurança das futuras gerações e lastreador de uma provável ruptura
da solidariedade intergeracional.

Hans Jonas entende que a responsabilização ética requerida deve ser


operacionalizada através do que ele denomina como heurística do medo, pois perante s
incertezas do futuro deverá sempre prevalecer um prognóstico catastrófico, e essa redoma
de medo deve executar um papel de caráter terapêutico e curativo, capaz de despertar os
homens da indiferença e conduzi-los a uma ética da responsabilidade para com o futuro
e que os conduzirá a um redimensionamento das margens da tradicional ideia de
responsabilidade. Fato interessante de mencionarmos nesse momento é a análise de
Câmara (2016, p. 109, nota 407), quando este informa que:

JONAS, assim como BECK, REES e HANS KÜNG, partilham da


opinião de que os instrumentos de direito são “insuficientes para
lidar com novos problemas”, daí que atribuem um “papel decisivo à
autorregulamentação social” – que cabe ser impulsionada por uma nova
ética e por uma nova racionalidade – com vista a obter-se uma “radical
mudança dos estilos de vida”. (sem destaque no original).

Em relação a essa compreensão dos riscos e avanços científicos, bem como sua
relação com o nosso tema de estudo, utilizaremos de estudo um pouco mais detido sobre
a proposta de risco formulada por Ulrich Beck em tópico próprio deste trabalho.
Compartilhamos, todavia, a impressão de que os mecanismos jurídicos são insuficientes
para lidar com os novos problemas – principalmente quando tratarmos do campo técnico-
jurídico representado pelo MPF e seu GT Agrotóxicos e Transgênicos.

Jünger Habermas, de maneira parecida com a de Hans Jonas, ainda que menos
complexa, trata do estabelecimento de uma nova ética em face da emergência do que ele
denomina como “novíssima genética”, pois são os atuais processos de intervenção no
genoma humana que podem vir a ocasionar o que ele denomina como “o aparecimento
de uma densa cadeia geracional de atos pela qual ninguém poderá ser chamado a prestar

102
contas, visto atravessar, unilateral e verticalmente, a rede contemporânea de interações”
(HABERMAS, 2006, p. 39).

A análise Habermasiana direciona-se no sentido de fazer realçar uma forte


preocupação com a preservação da identidade da espécie humana, principalmente quando
postas em perspectiva, face ao atual comportamento da tecnociência que parece avançar
e colocar em perigo a própria dignidade humana ao ampliar a denominada “liberdade
diacrônica ou transtemporal” que poderá implicar em uma futura “eugenia liberal” não
focada apenas na eliminação de determinadas patologias, mas na possibilidade da criação
de uma “progenitura geneticamente programada” e que pode constituir-se em um tipo de
discricionariedade capaz de interferir nas próprias bases somáticas da “autorrelação
espontânea e da liberdade ética de uma outra pessoa” e, na situação de tal ocorrência,
levar a tênue relação entre coisas e pessoas e as gerações futuras poderão pedir contas aos
programadores de seus genomas, responsabilizando-os por eventuais consequências
indesejáveis das condições orgânicas de partida da sua vida (HABERMAS, 2006, p. 53).

Nos dizeres de Câmara (2016, p. 114): “cabe-nos agora perguntar, se diante da


“magnitude dos novos perigos” – a clamar por uma mais estendida autocompreensão
ética da humanidade, e também a instigar uma moralização da natureza humana, ou sua
institucionalização mediante instrumentos jurídicos.”

Após vislumbrarmos de forma sintética o atual estágio de pensamento ético-


filosófico acerca do “mundo vindouro” e que referidas preocupações ético-filosóficas
parecem ter um escopo na emergência de novos riscos e perigos que caracterizam a época
em que vivemos, tempo este que parece reclamar uma nova ética, uma nova racionalidade
e quem sabe uma nova dogmática jurídica, referenciamos que alguns reflexos dentro da
dogmática jurídica penalista já têm se insurgido, parecendo demonstrar, dessa maneira,
que a proteção das futuras gerações, pelo menos nessa área do universo jurídico, parece
começar a emergir. Como exemplo desse fato, citamos os juristas estudados por Câmara
(2016, p. 116-121), quando o mesmo traz Stratenwerth e sua concepção de um direito
penal do risco como direito voltado à tutela protetiva das futuras gerações, bem como
Bernd Schünemann36 quando este trata da preservação da espécie como bem jurídico de

36
Referido autor considera que a proteção das gerações futuras merece ser uma das principais atividades
do direito penal moderno e sustenta que o princípio do bem jurídico não deve ser abandonado, mas ampliado
para fazer do dever de tutela do ambiente uma “norma fundamental de valor universal”. Prioritária, então,
é já a “preservação da própria espécie.”

103
primeira grandeza, além de Claus Roxin que enxerga a proteção das gerações futuras
como desafio do direito penal do futuro e que, apenas de forma gradual, a doutrina começa
a atentar-se para o fato de que a “tutela das gerações futuras” consiste em uma nova área
de atuação do direito penal.

Continuando com Câmara (2016, p. 126-127), destacamos interessante citação


que assim diz:

Ainda no plano da discussão jurídico-filosófica subjacente à questão da


proteção penal das gerações futuras, insta exprimir que na dimensão em
que o Homem não é uma entidade metafísica, sequer uma ilusão
subjetiva ou uma abstração intangível e imune a toda e qualquer sorte
de condutas, alguns comportamentos são dotados de macrolesividade
sincrônica (genocídio, terrorismo, etc.); outras tantas condutas, a seu
turno, são portadoras de ofensividade de distinta ordem – ofensividade
diacrônica -, que pode, notadamente, por acumulação, refratar-se
sobre a essência, a dignidade e a continuidade existencial da espécie
humana, mormente quando atingidos forem contextos de vida a que
estamos indissoluvelmente associados.

Nesse instante e, após a citação acima, fazemos um aparte para tratarmos de algo
que será melhor explicitado no terceiro capítulo, quando da abordagem da proposta do
Tribunal Monsanto em transformar as práticas da referida empresa como ecocidas e a
própria modificação do Tribunal Penal Internacional, que abarcou em 2016, em seu
arcabouço legal, a possibilidade da existência do crime de ecocídio, ou seja, caso estejam
corretos os argumentos daqueles que advogam pela insustentabilidade e lesividade do
atual modelo agroprodutivo dominante - engendrado pelas grandes corporações do
agronegócio e seu pacote de agrotóxicos e transgênicos. A busca da criminalização de
referidas condutas e modelos produtivos se mostra potencialmente instigante para a
reflexão que nos propomos no presente estudo, pois caso uma empresa como a Monsanto
acabe no banco dos réus do Tribunal Penal Internacional, acusada por ecocício, as ACPs
do MPF que estudaremos mais adiante, bem como as decisões judiciais que lhe são
correlatas, passariam por prováveis ressignificações.

Câmara (2016, p. 127-128) defende que ao nos desinteressarmos pela preservação


dos fundamentos básicos da vida para as atuais e futuras gerações, não importando, qual
seja essa geração futura, estaremos vocalizando uma atitude de insuperável egoísmo,
através de uma negação ao “outro” e uma negação do direito à existência do gênero

104
humano. O autor lembra que a própria Constituição Federal37 brasileira reconhece de
forma expressa o dever de solidariedade para com as futuras gerações, o que ao seu ver,
é um dever, no limite, para com a própria espécie humana e considera que a justiça
intergeracional coloca-se a serviço não de uma parcela da humanidade, que pode ser
fragmentada no espaço-tempo isolável ou delimitável, mas sim da humanidade como
substância real atemporal a que o Direito com todas as suas limitações de índole
garantística – deve servir e prestar vassalagem.

É interessante notarmos que a proposta que surge da pesquisa de Câmara (2016,


p. 129-131), parece ser no sentido de que há uma conexão de vida intergeracional - a qual
ele denomina de Humanidade, que pode ser entendida como as atuais gerações e as futuras
e que a proteção do ambiente natural é também a proteção da própria humanidade
intergeracionalmente panoramizada e assim, conclui o autor em comento que não há
como categorizar as futuras gerações em marcos temporais ou tratá-las como bem jurídico
autônomo e necessitado de uma hiperantecipada tutela. 38

Se, por um lado, parece-nos que a seara do Direito Ambiental já lida com a
perspectiva de proteção das futuras gerações com uma maior intimidade e com mais
tempo, haja vista o fato do artigo 225 da CF/8839 brasileira reconhecer expressamente o
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações,
todavia, os estudos que encontramos referentes ao tema “futuras gerações”, esposados até
agora, não parecem demonstrar preocupação com o marco temporal do que seriam as
presentes e as futuras gerações.

37
Artigo 225 que trata da proteção ambiental. Trataremos de forma mais detida de textos legais no 4º
capítulo.
38
Ost é um dos que esboçam a preocupação na construção de pontes existenciais entre as gerações humanas,
utilizando a questão ambiental como um dos paradigmas mais evidentes do que ele denomina como “risco
de discronia”, que segundo o autor, revelaria a situação de destemporalização na proteção do meio
ambiente, na medida em que admite que o comportamento dos seres humanos contemporâneos repercute
de forma direta nas condições existenciais das futuras gerações, uma vez que a degradação e a poluição
ambiental aumentam cumulativamente para o futuro.
Ost continua suas afirmações, informando que cabe ao Direito e ao Estado, sem desconsiderar a
responsabilidade de forma individualizada dos membros de determinada comunidade, sincronizar os
diferentes ritmos entre o ser humano e a natureza e entre as gerações presentes e as futuras, de modo que
seja regulada a responsabilidade e os deveres para com os “seres ainda virtuais, colocados em relação a nós,
em relação aos nossos contemporâneos, numa situação de dependência radical e total assimetria” (OST,
1999, p. 39; 81)
39
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (sem destaque no original)

105
Para aclarar um pouco mais referida discussão do presente subtítulo que indaga
sobre a localização das futuras gerações se entre nascidos ou não nascidos e após
atravessarmos algumas análises ético-filosóficas e da seara do Direito Penal, passamos a
algumas abordagens através da perspectiva do Direito Ambiental e da denominada
equidade/solidariedade intergeracional.

Patryck de Araújo Ayala, em interessante trabalho sobre “Direito e Incerteza: a


proteção jurídica das futuras gerações no Estado de Direito Ambiental” (2002, p. 164),
ressalta que:

[...] o reconhecimento da solidariedade como elemento de sustentação


de uma ética de alteridade e integridade, que emerge dos novos direitos
e modelos jurídicos propostos, constitui o marco teórico adequado para
a caracterização do princípio da equidade intergeracional, que
proporciona elementos adequados ao tratamento dos novos direitos,
nominados por Weiss como planetary intergenerational rights (direitos
intergeracionais planetários).

De acordo com Ayala (2002, p. 165), o estudo dos novos direitos fundamentais
exige uma proposta de leitura do ambiente pelo direito ambiental através de uma
abordagem que, além de jurídica, seja essencialmente ecológica, solidária e
transdisciplinar. Assim, a consideração jurídica de uma nova ética de interação entre os
sujeitos relacionados passa por uma ética da alteridade; ética do cuidado. O autor continua
informando que afirmar a existência de uma responsabilidade baseada em deveres perante
as futuras gerações reflete-se em mudanças no sentido jurídico genericamente vinculado
à sua compreensão. A responsabilidade que aqui se trata em nada pode ser relacionada à
imputação por faltas, reparação por prejuízos ocorridos em algum momento no passado
ou, ainda, culpar alguém por atos passados, mas importa uma missão assumida
coletivamente perante a proteção de um bem comum e perante as futuras gerações, e de
forma compartilhada (e não acumulada) entre as gerações que se sucedem.

A ela, Ost (2002, p. 06) refere-se como uma responsabilidade planetária,


responsabilidade que não pode ser compreendida como responsabilidade que orienta
ações autônomas e independentes para a proteção do bem comum (ambiente) e das futuras
gerações, porque, como explica o filósofo francês, o respeito ao meio ambiente passa
necessariamente por uma responsabilidade perante as futuras gerações. É essa abertura
dialógica espacial e temporal que permite seja integrada a equidade no discurso de

106
integridade, possibilitando a interação dialógica entre o valor ético da alteridade com os
textos jurídicos.

Na doutrina ambientalista nacional ainda é bastante escassa a produção científica


que procure atribuir ênfase ao tema da equidade intergeracional, todavia, quando de sua
abordagem, procura-se destacar, principalmente, sua vinculação direta com a aplicação
do princípio da precaução, que deveria projetar temporalmente as variáveis de incerteza
sobre a periculosidade das atividades ou comportamentos, como faz Derani (1997, p.
167):

Precaução é cuidado (in dubio pro securitatè). O princípio da


precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e
segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade
ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da
busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu
ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida
humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o
risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos
futuros decorrentes e empreendimentos humanos, os quais nossa
compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais
conseguem captar em toda densidade. (sem destaque no original).

Weiss (1992) informa que o reconhecimento expresso nos instrumentos legais


sobre a responsabilidade perante as futuras gerações serve como importante elemento
norteador para a definição e implementação de princípios legais internacionais para a
realização da justiça entre gerações passadas, presentes e futuras.

Para Ayala (2002, p. 169) a teoria da equidade intergeracional possui bases


profundas nos textos dos instrumentos internacionais e cita como exemplos a Carta das
Nações Unidas, o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Convenção Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, a Convenção Internacional
sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre a Prevenção e
Punição do Crime de Genocídio, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem, a Declaração sobre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a
Declaração sobre os Direitos da Criança, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, a Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima, a Convenção sobre
a Diversidade Biológica, a Declaração e Programa de Ação de Viena.40

40
Há certas categorias de ações que podem ser identificadas como potencialmente agressivas aos direitos
intergeracionais, enumeradas entre as seguintes: a) danos cujos impactos não podem ser seguramente
contidos através do espaço ou através do tempo, tais como os desastres nucleares; b) danos aos solos,

107
Parece ser perceptível que existem diversos instrumentos de proteção dos direitos
humanos que revelam uma crença fundamental na dignidade de todos os membros da
sociedade humana e na equidade de direitos que se projeta tanto no tempo como no
espaço, ainda que, saliente-se: esse tempo e espaço não se mostram quantificados,
conforme já vimos quando da análise ético-filosófica do que poderia ser considerada
“futura geração”, ou seja, o discurso sobre a proteção do meio ambiente para as futuras
gerações parece ser bem mais sedimentado do que a definição de quem são presentes e
futuras gerações.41

Morato Leite (2012, p. 32) relaciona a defesa do meio ambiente a um interesse


intergeracional e a necessidade de um desenvolvimento sustentável, o qual é destinado a
preservar os recursos naturais para as gerações futuras e invoca a percepção de que a
proteção antropocêntrica do passado vem perdendo fôlego na medida em que estão em
jogo a proteção não apenas das gerações atuais, mas também das futuras gerações.

O que parece ser perceptível é que tratar da temática das futuras gerações parece
requerer sempre ajustes em relação à estruturação da dogmática jurídica, quando
percebemos a menção de Morato Leite (2012) no parágrafo acima quando este busca
demonstrar que a percepção de proteção antropocêntrica parece não se adequar à nova
necessidade de proteção das presentes e futuras gerações. Será que encontraremos esse
esforço no ajuste dogmático por parte do MPF em suas Ações Civis Públicas, ou dos
juízes federais em suas decisões em relação às mesmas ações, campo de nosso estudo
técnico-jurídico no quarto capítulo?

tomando-os incapazes de suportar vida animal ou vegetal; c) destruição de florestas tropicais suficiente para
diminuir significativamente a diversidade de espécies na região e a sustentabilidade dos solos; d) poluição
do ar e transformações terrestres que induzam mudanças significativas no clima; e) destruição do
conhecimento essencial para entender os sistemas naturais e sociais; f) destruição de monumentos culturais
que países desconheçam fazer parte do patrimônio comum da humanidade; g) destruição de feitos notáveis
desenvolvidos pelas gerações presentes que possam beneficiar as futuras gerações, como livrarias e bancos
genéticos h) destruição dos elementos das culturas tradicionais. A composição de todos esses elementos
permite que se reconheça fundamentalmente, como aspecto inovador deste princípio, uma dimensão que
será útil ao desenvolvimento desta pesquisa, que é o de enfatizar um controle de resultados decisórios no
direito do ambiente. (WEISS, 1992)
41
Ayala (2002, p. 173) considera que quando as gerações futuras tomam corpo, seus membros adquirem o
direito de utilizar a Terra e de se beneficiarem dela, bem como a obrigação de cuidá-la para seus
contemporâneos e para quem lhes suceda.” Conforme explica o autor, os direitos das futuras gerações como
dado digno de avaliação e interesse e dentro da nova racionalidade ambiental permitem a condição de
realização de um modelo de justiça ambiental, que agora é intergeracional. Ainda que não seja possível
reconhecer e identificar individuadamente os titulares dos interesses a serem protegidos mediante
obrigações impostas em diferentes espécies, espaços e graus, tais direitos podem ser considerados como
coletivos, existindo “[...] seja qual for o número e a identidade dos indivíduos que compõem cada geração”.

108
O parâmetro ético é também trazido à baila pelos juristas ambientais e, nesse
sentido, vale notar a contribuição do ministro do STJ, Hermann Benjamin (2001, p. 57)
que assim diz:

[..] Pelo ponto de vista da geração atual, proteger uma determinada


espécie ameaçada de extinção pode não valer a pena, diante de
eventuais sacrifícios exigidos, principalmente econômicos. Mas se
incorporamos o futuro — o desejo de deixar como herança tal
espécie para as gerações que nos sucederão — a decisão em favor da
preservação ganha muito mais força e legitimidade. (sem destaque no
original).

Voltando para Ayala (2002, p. 171), o mesmo trata dos direitos planetários e das
obrigações que coexistem em cada geração, segundo ele - na dimensão intergeracional,
há uma relação entre as futuras gerações – para quem as obrigações são devidas, e as
gerações atuais – que estão vinculadas aos direitos das gerações passadas. Dessa forma,
os direitos das futuras gerações estão vinculados necessariamente a obrigações das
gerações presentes. O autor continua informando que no contexto intergeracional e de
obrigações planetárias, os direitos existentes entre membros das gerações presentes
derivam da constituição do que ele denomina de relação intergeracional, que é explicada
como a relação que cada geração possui com aquelas que a antecederam e aquelas que
ainda virão.42

Talvez uma das mais marcantes contribuições da teoria da equidade


intergeracional que podemos perceber, através das inserções dos discursos de proteção
jurídica estudados até agora, seja o reconhecimento de que os direitos planetários
intergeracionais devem ser compreendidos enquanto direitos coletivos, distintos de
direitos individuais, uma vez que advogam a tese de que as gerações mantêm esses
direitos enquanto grupos em relação com outras gerações - passadas, presentes e futuras.
Uma percepção que nos marca é que essa interpretação jurídica, em parte, parece se
amoldar às percepções ético-filosóficas já estudadas, principalmente aquelas que aduzem

42
Sinaliza ainda referido autor que os direitos planetários intergeracionais devem também estar vinculados
a certas normas procedimentais que são importantes para a realização de normas substanciais e destaca
entre elas o acesso à informação e à garantia de participação pública, no que se pode reconhecer e considera
que o princípio da equidade intergeracional congrega uma série de princípios que podem ser utilizados
como condições fundamentais para ordenar processos de decisão, pois considera não se tratar de um
compromisso que é apenas jurídico e dogmático, mas é também um compromisso que é antes social e,
principalmente cultural, face ao que Häberle trata por um princípio de abertura da cultura estatal. (AYALA,
2002, p. 174) Observamos que a opção por uma sociedade solidária permite considerar que a cultura estatal
se mantenha aberta aos interesses das futuras gerações, sendo este um aspecto que é antes de jurídico,
cultural.

109
que proteção das futuras gerações encaminha-se para o encontro com a própria proteção
da humanidade e sua perpetuação.

Reafirmando o caminho doutrinário-jurídico de tratamento às futuras gerações,


Benjamin (2001, p. 74), ao reproduzir a lição de Cristopher Stone, salienta que as gerações
futuras dão, em nosso modelo global, mais peso à equação da proteção do meio ambiente,
pois permitem que os interesses dos não-nascidos, os nossos descendentes, sejam
somados aos do presente, obrigando-nos, desta forma, a refazer os cálculos.

A pergunta que ecoa nessa hora é: seria este o caminho a ser seguido no tratamento
das “futuras gerações”? Juntar-se à “equação mencionada” por Stone, apenas os interesses
dos não-nascidos? E em relação a crianças na primeira infância - seres em peculiar
condição de desenvolvimento, não seriam eles, também - e ao mesmo tempo - presente e
futura geração? Seriam as futuras gerações definidas por padronizações temporais e
biologizantes, ou sua proteção e amparo está ligada à própria perpetuação da espécie
humana como propõem alguns jusfilósofos acima estudados? E mais, caso o atual modelo
agroprodutivo majoritário seja realmente poluente e insustentável como defendem
algumas correntes contramajoritárias, poderíamos considerar que suas potenciais ações e
contaminações poderiam se encaminhar para o comprometimento do presente das futuras
gerações e da própria humanidade, além de romperem com a solidariedade/equidade
intergeracional?

Para melhor avaliarmos os questionamentos que ora nos propomos, passamos, no


tópico a seguir, a analisar os estudos dos Movimentos por Justiça ambiental (BULLARD,
HERCULANO, MARTINEZ‐ALIER, ACSERALD, et. al).

2.3 SOCIALIZAÇÃO DOS RISCOS E JUSTIÇA AMBIENTAL EM FACE DO USO


DE AGROTÓXICOS: FUTURO SUSTENTÁVEL OU RUPTURA DA EQUIDADE
INTERGERACIONAL?
“Quando tudo se converte em ameaça, de certa forma nada mais é
perigoso. Quando já não há saída, o melhor afinal é não pensar mais
na questão. O fatalismo ecológico do fim dos tempos faz o pêndulo
dos ânimos oscilar em todas as direções. Agir é de todo modo
ultrapassado. Talvez os ubíquos e perenes pesticidas possam ser
contornados com o retorno aos insetos, ou com uma taça de
champanhe?
Ulrich Beck (Sociedade de Risco, p. 43-44)

Ao percorremos o caminho de investigação a que nos propusemos e que tangencia


aspectos multivariados, como a (r)evolução dos modelos agroprodutivos, seu potencial
110
destrutivo ou (in)sustentável e seus desdobramentos para com as futuras gerações no
planeta, também nos desafiamos a tentar enxergar sob o prisma de algumas chaves
interpretativas significativas, como a teoria da Sociedade de Risco, de Ulrich Beck, e os
Movimentos por Justiça Ambiental e a forma como emerge (ou não), a relação entre o
discurso do campo técnico e os processos promovidos pelo MPF, as respectivas decisões
judiciais que envolvem questões relacionadas a agrotóxicos e os usos que são feitos de
termos como sustentabilidade, risco e justiça ambiental.

Em relação ao Movimento por Justiça Ambiental, o mesmo surgiu, inicialmente,


nos EUA, em meados da década de 80, sendo o fruto de uma articulação criativa entre
lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis.

Acselrad (2017, p. 02), informa que nos EUA, a partir do final dos anos 60,
redefiniu-se, em termos ambientais, um conjunto de embates contra as condições
inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho e
disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Nos anos 70, houve a mobilização dos
sindicatos que ficaram preocupados com saúde ocupacional, grupos ambientalistas e
organizações de minorias étnicas articularam-se para elaborar em suas respectivas pautas
o que entendiam por “questões ambientais urbanas”.

Sobre esta época, Acselrad (2017, p. 02) comenta que alguns estudos já apontavam
que ocorria a distribuição espacialmente desigual da poluição de acordo com a raça das
populações a ela mais expostas, e que nos idos de 1976-77 diversas negociações foram
realizadas, buscando estruturar coalizões que fizessem entrar na pauta das entidades
ambientalistas tradicionais o combate à localização de lixo tóxico e perigoso,
predominantemente, em áreas de concentração residencial de população negra.

Todavia, a constituição de um movimento veio a ter sua afirmação a partir de uma


experiência concreta de luta inaugurada em Afton, no Condado de Warren, na Carolina
do Norte, em 1982, quando a população local tomou conhecimento da iminente
contaminação da rede de abastecimento de água da cidade, caso fosse nela instalado um
depósito de “policlorinato de bifenil”, o que acabou por gerar protestos maciços por parte
dos habitantes do Condado, que, inclusive, deitavam-se diante dos caminhões que para lá
traziam a perigosa e poluente carga.

111
Na ocasião, surgiu a percepção de que o critério racial estava fortemente presente
na escolha da localização do depósito daquela carga tóxica. Ocorreu, então, a
radicalização da luta, que resultou na prisão de 500 pessoas. Todavia, a população de
Afton era composta majoritariamente de afrodescendentes - 84% do total e o Condado de
Warren, possuía uma porcentagem significativa de 64% de afrodescendentes, enquanto o
Estado da Carolina do Norte respondia pelo percentual de 24%. Logo, diante de tais
evidências - que se mostravam mais do que meras coincidências, estreitaram-se as
convergências entre o movimento dos direitos civis e dos direitos ambientais (TROY,
1995, p. 278).

Fato interessante de mencionarmos é que, apesar de nascido de lutas de base


contra iniquidades ambientais em um nível local, o movimento culminou por elevar a
“justiça ambiental” à condição de questão central na luta pelos direitos civis e, ao mesmo
tempo, induziu a incorporação da desigualdade ambiental na agenda do movimento
ambientalista, tradicionalmente elitista e conservacionista, diga-se de passagem.

O Movimento de Justiça Ambiental descrito por Acselrad (2017, p. 03), utilizou


como estratégias de resistência e estruturação de luta à produção de conhecimento através
de indicadores próprios, uma vez que percebia o conhecimento científico sendo
correntemente evocado em estratégias de redução das políticas ambientais. Nesse
instante, lembramo-nos das proposituras defendidas por Hannigan (1995), na parte
introdutória deste trabalho, quando este menciona que a emergência de problemas
ambientais normalmente carece da legitimação científica. Dessa forma, o caminho
percorrido pelo Movimento de Justiça Ambiental estadunidense parece ter buscado na
produção de indicadores próprios um dos elementos legitimadores de sua luta e da
necessidade da mesma emergir como problema socioambiental a ser observado.

Ainda no que tange à produção de indicadores, destacamos um momento crucial


desta experiência, que foi a pesquisa realizada por Robert D. Bullard, em 1987, a pedido
da Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ, que mostrou que “a
composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou
inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área.”

Segundo Acselrad (2017, p. 03):

112
A partir desta pesquisa, evidenciou-se que a proporção de
residentes que pertencem a minorias étnicas em comunidades que
abrigam depósitos de resíduos perigosos é igual ao dobro da
proporção de minorias nas comunidades desprovidas de tais
instalações. O fator raça revelou-se mais fortemente correlacionado
com a distribuição locacional dos rejeitos perigosos do que o próprio
fator baixa renda. Portanto, embora os fatores raça e classe de renda
tenham se mostrado fortemente interligados, a raça apresentou-se como
um indicador mais potente da coincidência entre os locais onde as
pessoas vivem e onde os resíduos tóxicos são depositados. (sem
destaque no original).

A partir dos resultados obtidos na pesquisa acima referenciada, foi que o


reverendo Benjamin Chavis cunhou a expressão “racismo ambiental” para designar “a
imposição desproporcional - intencional ou não - de rejeitos perigosos às comunidades
de cor” (PINDERHUGHES, 1996, p. 241).

Interessante notarmos que aqui temos uma coleção de elementos


contramajoritários, pois além dos fatores classe, raça e renda, temos uma pesquisa
encabeçada por um movimento religioso, na figura de um reverendo, algo que nos remete
à lembranças da luta de outro reverendo – Marthin Luther King Jr., no mesmo solo
estadunidense em busca de igualdade de direitos civis entre negros e brancos.

Dentre os fatores explicativos da produção de desigualdade ambiental e racismo


ambiental, Acserald (2017, p. 03) explica que se alinham a disponibilidade de terras
baratas em comunidades de minorias e suas vizinhanças, a falta de oposição da população
local por fragilidade organizativa e carência de recursos políticos das comunidades de
minorias, bem como a falta de mobilidade espacial das “minorias” em razão de
discriminação residencial e, por fim, a sub-representação dessas mesmas “minorias” nas
agências governamentais responsáveis por decisões de localização dos rejeitos.

Nos desdobramentos evolutivos de referido movimento, a partir de 1987,


pesquisadores iniciaram estudos sobre as ligações entre problemas ambientais e injustiça
social, procurando elaborar os instrumentos de uma “avaliação de equidade ambiental”,
sendo que em 1990, a environmental protection agency – EPA, do governo dos EUA,
criou um grupo de trabalho para estudar o risco ambiental em comunidades de baixa
renda. Em 1992, esta reconheceria que os dados até então disponíveis apontavam
tendências perturbadoras, sugerindo, por esta razão, maior participação das comunidades
de baixa renda e minorias no processo decisório relativo às políticas ambientais.

113
Sublinhamos que, um pouco antes, em 1991, os seiscentos delegados presentes a
I Cúpula Nacional de Lideranças Ambientalistas de Povos de Cor aprovaram os “17
princípios da justiça ambiental”, estabelecendo uma agenda nacional para redesenhar a
política ambiental estadunidense de modo que fosse incorporada a pauta das “minorias”,
as quais compunham-se das comunidades ameríndias, latinas, afro-americanas e asio-
americanas, tentando, desta forma, mudar o eixo de gravidade da atividade ambientalista
nos EUA (BRADEN, 1994, p. 10).

Foi assim que o Movimento de Justiça Ambiental acabou consolidando-se como


uma rede multicultural e multiracial nos EUA e internacionalmente, articulando entidades
de direitos civis, grupos comunitários, organizações de trabalhadores, igrejas e
intelectuais no enfrentamento do, inicialmente denominado “racismo ambiental”, como
uma forma de racismo institucional, e que buscou fundir direitos civis e preocupações
ambientais em uma mesma agenda, para assim avançar na superação de vinte anos de
dissociação e suspeita entre ambientalistas e movimento negro.

Mencionamos, nesse instante, uma interessante observação de Martinez-Alier


(2015, p. 35), que diz que a luta nos EUA pela justiça ambiental é um movimento social
organizado contra casos locais de “racismo ambiental” e que possui fortes vínculos com
o movimento dos direitos civis, de Marthin Luther King dos anos de 1960 e que é possível
afirmar que dada dimensão deve-se a aspectos como racismo e antirracismo assumidos
na sociedade estadunidense, ou seja, esse movimento produto dessa mentalidade.

Para Martinez‐Alier (2015, p. 35):

Muitos projetos sociais nas áreas centrais das cidades e áreas industriais
em várias partes do país têm chamado a atenção a respeito da
contaminação do ar, da pintura com chumbo, dos centros de
transferência do lixo municipal, dos dejetos tóxicos e outros perigos
ambientais que se concentram em bairros pobres ou habitados por
minorias raciais. Até muito recentemente a justiça ambiental como um
movimento organizado permaneceu limitado ao seu país de origem,
muito embora o ecologismo popular ou ecologismo dos pobres
constituam denominações aplicadas a movimentos do terceiro mundo
que lutam contra os impactos ambientais que ameaçam os pobres, que
constituem a ampla maioria da população em muitos países.

A convergência entre a noção rural terceiro-mundista, do ecologismo dos pobres,


e a noção urbana de Justiça Ambiental, tal como é utilizada nos Estados Unidos é objeto
de estudo de Martinez‐Alier (2015, p. 37) no seu livro o ecologismo dos pobres, quando

114
este considera que o ecologismo dos pobres é um movimento mais difuso e estendido em
nível mundial e que ambos podem ser entendidos como integrantes de uma só corrente e
que, nos EUA, um livro sobre o Movimento de Justiça Ambiental poderia ser facilmente
intitulado como “o ecologismo dos pobres e as minorias”, uma vez que esse movimento
luta em favor de grupos minoritários e contra o racismo ambiental no país.

Martinez‐Alier (2015, p. 38) continua explicando que o Movimento pela Justiça


Ambiental é potencialmente importante sempre que se dispõe a tratar não apenas em
nome de minorias localizadas em solo estadunidense, mas também, das maiorias
residentes fora do país – as quais nem sempre estão definidas em termos raciais e que
buscam envolver-se em temas como biopirataria e biossegurança e a problemática das
mudanças climáticas, ou seja, para além da temática local/territorial de contaminações. O
mesmo autor menciona que o Movimento pela Justiça Ambiental herda do movimento
dos direitos civis dos EUA a sua inserção na proposta de resistência não violenta.

A seguir, analisaremos as propostas feitas por Joan Martinez‐Alier, Leah Temper,


Daniela Del Bene e Arnim Scheidel em artigo intitulado “Is there a Global
Environmental Justice Movement?”, ainda não traduzido para o português, mas que pode
ser traduzido livremente como “Existe um Movimento Global de Justiça Ambiental?” e
que traz algumas questões atinentes a modelos agroprodutivos, segurança alimentar e
soberania alimentar e sua relação com a Justiça ou injustiça ambiental dos atuais modelos
agroprodutivos dominantes.

Os autores acima mencionados iniciam sua abordagem informando que há um


crescente número de conflitos de distribuição ecológica ao redor do mundo por conta das
mudanças do metabolismo da economia em termos de fluxos crescentes de energia e
materiais, e que o Atlas da Justiça Ambiental – Ejatlas, busca demonstrar a existência de
um movimento global rural e urbano para o meio ambiente que, desde os anos 80 e 90,
através de variadas atuações, vêm buscando desenvolver um conjunto de atuações que
envolvam temas como racismo ambiental, epidemiologia popular, ambientalismo dos
pobres e indígenas, biopirataria, dívida ecológica, justiça climática, soberania alimentar,
apropriação de terras, entre outros. Esses termos nasceram do ativismo socioambiental,
mas às vezes também, ocupados por ecologistas políticos, acadêmicos e economistas
ecológicos que, por sua vez, contribuíram com outros conceitos para o Movimento Global
de Justiça Ambiental, como a expressão "pegada ecológica", por exemplo.

115
Um conceito relacionado à justiça ambiental trazido pelos autores do artigo que
comentamos no presente momento é o do “ecologismo dos pobres” aplicado na esfera
rural e indígena. Mencionamos que a conexão explícita entre o Movimento de Justiça
Ambiental nos Estados Unidos e o ecologismo dos pobres foi estabelecida por Martinez-
Alier, 1997; Guha e Martinez-alier 1997, 1999; Varga et al., 2002, e cimentado após a
morte de Chico Mendes, em 1988,43 em sua luta contra o desmatamento no Brasil, e de
Ken Saro-Wiwa e seus companheiros de Ogoni no Níger Delta, em 1995, quando estes
lutavam contra a extração de petróleo e queima de gás pela Shell. Esse ecologismo dos
pobres se mostra politizado e reconhece a dialética existente entre o capitalismo
expandido e a acumulação em escala global.44

O Ejatlas é um inventário de 1600 casos (outubro de 2015), e também, é uma boa


fonte ainda não explorada para se descobrir terminologias utilizadas nas organizações de
justiça ambiental pelo mundo, suas ações e redes. Mais adiante, traremos alguns quadros
que fornecem uma longa lista de termos, por vezes inter-relacionados (MARTINEZ-
ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 02).

Um outro fato que nos chamou a atenção é o que relaciona a produção de


indicadores e conhecimentos do Atlas, que se baseia na ecologia dos saberes (Sousa
Santos, 2007), que será mencionado, por exemplo, pelos responsáveis pela elaboração do
Dossiê Abrasco (2015), a ser estudado em capítulo próprio deste trabalho. Coadunando-
se às pauta contramajoritárias, o Ejatlas mapeia conflitos de distribuição ecológica
dependentes da co-produção de conhecimento entre acadêmicos e ativistas e torna visíveis
muitas injustiças ambientais e instâncias de resistência que permaneceriam escondidas de
outra forma, o que segue os passos do Movimento de Justiça Ambiental dos Estados
Unidos, que foi desde o início um movimento que se baseou na ciência liderada pela
comunidade e em ação participativa. Referida metodologia faz com que as comunidades

43
Infelizmente o Brasil continua sendo um dos países mais perigoso do mundo para ambientalistas com 50
mortes registradas em 2015, segundo um levantamento da ONG britânica Global Witness, ficando à frente
das Filipinas (33 mortes), Colômbia (26), Peru (12) e Nicarágua (12) também denunciados. No total, 185
pessoas perderam a vida no ano de 2014 defendendo suas terras e o meio ambiente em 16 países. Disponível
em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/brasil-o-pais-com-mais-assassinatos-de-
ambientalistas-no-mundo-diz-ong-19542977#ixzz4lDQZFopAstest>. Acesso em: 27 jun. 2017.
44
Tais tipos de resistência não se limitam aos pobres. Em meados da década de 1990 foram publicados
livros que analisavam a oposição às barragens (MCCULLY, 1996) e plantações de árvores (CARRERE e
LOHMANN 1996), enquanto Leonardo Boff' (1995) fazia as conexões entre pobreza e meio ambiente.
(MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 01).

116
sejam, também, protagonistas na produção do conhecimento e não meramente objetos de
estudos (MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 02).

A estruturação do Ejatlas na internet é através de uma plataforma online com a


capacidade de filtrar mais de 100 campos, sendo os conflitos classificados ou filtrados
por commodity, empresa, país, formas de mobilização - de bloqueios a referendos locais,
atores sociais envolvidos, tipos de impactos ambientais, sociais, de saúde e econômicos e
por resultados referentes a diferentes eventos.45

Em relação ao Brasil, temos a seguinte imagem extraída do referido site e que


mostra que os conflitos são divididos por país, temas e cores, conforme esmiuçaremos em
sua metodologia de conceitos e níveis mais à frente nesta mesma seção.

Figura 9 – Conflitos Ambientais no Brasil de acordo com o Ejatlas. Disponível em:


<https://ejatlas.org/country/brazil>. Acesso em: 29 jun. 2017.

Os conflitos no Ejatlas são classificados em primeira instância em uma das dez


categorias (1º nível), e todas as classificações relevantes de segundo nível podem ser

45
Para mais detalhamentos sobre o Atlas da Justiça Ambiental é possível acessar o link: https://ejatlas.org/.
A plataforma está em inglês e não encontramos local para mudança de idioma o que parece se chocar um
pouco com o discurso da ecologia de saberes, haja vista o fato de que países latino-americanos não possuem
em sua esmagadora maioria o inglês como língua pátria e muitos de seus ativistas não tem uma formação
acadêmica formal. Acesso em: 27 de jun. de 2017.

117
adicionadas, conforme tabela a seguir. Assim, por exemplo, um conflito nascido de um
projeto de mineração de cobre seria classificado como mineral - minérios (1º nível),
embora também se relacione com o 2º nível de "captação de terras" e apresente
consequências sobre a água.

Tabela 1 – Classificações de conflitos no atlas de justiça ambiental (Ejatlas).


(MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 05).

No que tange ao conflito entre modelos agroprodutivos, de acordo com a tabela


acima, temos, por exemplo, o 1º nível que trata de biomassa e conflito de terras e como
segundo nível, a aquisição de terrenos, plantações de árvores, exploração madeireira,
produtos não-madeireiros, desmatamento, agrotóxicos, OGMs, agrocombustíveis,
biopirataria, produção intensiva de alimentos (monocultura e gado), entre outros.

Alguns resultados preliminares do Ejatlas são apresentados no artigo que estamos


comentando, e em relação aos tipos de conflitos mais representados pelo Ejatlas até abril
de 2015, havia os conflitos sobre mineração (21%), extração industrial de combustíveis
fósseis (19%), conflitos de terra (17%) e conflitos de gerenciamento de água (14%),
particularmente hidrelétricas.

Em relação aos conflitos em áreas rurais, até abril de 2015 a maioria dos conflitos
em Ejatlas eram de áreas rurais - 63%. Interessante notarmos que o Movimento de Justiça
Ambiental dos EUA nasceu em áreas urbanas, ao passo que o Ejatlas concentra-se em

118
conflitos rurais em que diminuíram ou são negados o acesso a recursos ambientais locais
ou envolvem sua degradação, bem como a relação conflituosa com instituições
governamentais e corporações que podem vir a afetar as comunidades locais e seus meios
de subsistência.

Em relação às grandes corporações e aos conflitos envolvendo Justiça Ambiental,


são citadas no artigo empresas do setor de combustíveis fósseis - Royal Dutch, Shell,
Chevron Corporation, Exxon Mobil Corporation. O setor de mineração, menciona a BHP
Billiton46, Barrick Gold Corporation. Do setor agroprodutivo, é citada a Monsanto,
somente (MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 04)

Em relação aos atores sociais envolvidos nos conflitos, o artigo mostra através de
gráfico próprio, que os atores que mais frequentemente se mobilizam contra projetos são
grupos organizados localmente, e que os resultados preliminares mostram uma alta
ocorrência de casos envolvendo comunidades indígenas e tradicionais, além de grupos
etnicamente discriminados. O Ejatlas mostra uma preocupação com o recorte de gênero
e busca demonstrar o protagonismo das mulheres em conflitos ecológicos, apesar de
alertar que no gráfico que traz, essas não se encontram suficientemente representadas. A
seguir, reproduzimos a figura, conforme consta no artigo que ora comentamos:

Gráfico 1 – Atores que frequentemente se mobilizam por Justiça Ambiental

46
Lembramos que a BHP Billiton é uma das responsáveis pela derramamento de rejeitos de mineração que
acabaram por ceifar a vida de 19 habitantes do distrito de Bento Ribeiro, no município de Mariana em
Minas Gerais e que se estendeu com sua lama tóxica por mais de 600 km ao longo do Rio Doce e que até
agora não possui nenhuma condenação nas esferas administrativas, cível e penal no país. O caso ficou
popularmente conhecido como “Caso Vale-Samarco” ou “Tragédia de Mariana” e é um dos maiores
“acidentes” ambientais já ocorridos no planeta e o maior acidente mundial com barragens em 100 anos.
Mais informações sobre o caso podem ser acessadas em:
<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-01/desastre-em-mariana-e-o-maior-acidente-mundial-
com-barragens-em-100-anos>. ou no site do MPF: <http://www.mpf.mp.br>. que designou uma força-
tarefa própria para o caso. Acesso em: 26 de jun. de 2017.

119
(MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 05).

Em relação ao vocabulário empregado pelo Movimento de Justiça Ambiental ao


redor do mundo, é apresentado, em quadro próprio, um conjunto de conceitos com origens
fora do ambiente acadêmico - em sua maioria, e que são usados pelo Movimento de
Justiça Ambiental Global. As definições curtas e as datas de origem desses conceitos são
fornecidas na tabela que reproduziremos logo abaixo e poderemos notar que existem
poucos conceitos de origem acadêmica como "classe trabalhadora”, “ambientalismo”,
“pegada ecológica”, que estão presentes por também serem utilizados pelo movimento de
justiça ambiental global.

120
Tabela 2 – Conceitos utilizados pelo Movimento de Justiça Ambiental Global
(MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 07-08).

O primeiro conceito listado pela tabela acima é o de Justiça Ambiental, seguido


pelo conceito de Racismo Ambiental, tal qual foi concebido nos EUA e sua relação com
os movimentos de direitos civis que já comentamos ao longo deste tópico. Em relação
aos conceitos que nos interessam e que estejam ligados à modelos agroprodutivos e
contaminações, temos o conceito de biopirataria, popularizado de acordo com a tabela
acima por Vandana Shiva, já estudada em nosso trabalho

No Brasil, aparece o conceito de "desertos verdes" e que tem sua significação nas
plantações de eucalipto no Espírito Santo e outras regiões. Tal conceito emergiu através

121
do trabalho da Rede Alerta contra o deserto verde, em 1999, e revelou o conflito entre a
explosão de exportação de celulose e camponeses locais, pesquisadores e ativistas.

O conceito de "soberania alimentar" também se faz presente na tabela e foi


introduzido no início dos anos 90 pela via campesina, movimento internacional de
agricultores, camponeses e trabalhadores sem-terra e se coloca contra a agricultura
corporativa, particularmente contra agrocombustíveis e plantações de árvores exóticas

O que percebemos, ao final da leitura do artigo de Allier; Leah; Del Bene e


Scheidel (2016) é que as propostas ali feitas são de origem contramajoritária e analisam,
entre outros pontos, que os conflitos de distribuição ecológica estão em grande parte
relacionados ao crescimento e às mudanças no metabolismo social, o qual é concomitante
ao crescimento econômico e não se furtam em mencionar como o comportamento
particular de diferentes corporações, regimes de propriedade, especulação financeira
sobre matérias primas e o grau de democracia no país em questão, além da presença das
populações indígenas sejam calculados como elementos conflitantes.

Os autores também afirmam acreditar na existência de um Movimento Global para


a Justiça Ambiental, ainda que a quase totalidade dos conflitos no Ejatlas sejam locais e
visem queixas locais específicas, uma vez que referidos eventos locais pertencem às
classes de conflitos que aparecem regularmente em outras partes do mundo, ou porque
eles aumentam a questão do conflito para um nível global mediante conexões e redes de
movimentos e que, ao fazê-lo, eles realmente criam e operam em uma escala global. Além
dos atores envolvidos nos conflitos, apresentarem certas semelhanças, das empresas
serem, por vezes, as mesmas e as formas de mobilização serem, em certa medida,
semelhantes. (MARTINEZ-ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 13).

Martinez-Allier; Leah; Del Bene e Scheidel (2016) comentam ainda sobre os


ganhos e perdas ambientais e que estes, muitas vezes, são injustos em sua distribuição e
apresentam preocupação com as futuras gerações de seres humanos, além de preocupação
com as presentes gerações. Finalizam informando que o mapeamento ofertado pelo
Ejatlas é um meio de mostrar, não apenas, injustiças, mas também, as instâncias de
resistência à captação de terra e água, poluição por extração de petróleo, mineração ou
disposição de resíduos, ameaças incertas de tecnologias, como pulverização de pesticidas
ou energia nuclear, demonstrando como os movimentos globais para a justiça ambiental

122
estão se espalhando geograficamente, globalizando suas reivindicações, compartilhando
recursos e tornando-se, cada vez mais, redesenhados entre si. Por fim, mencionam que o
Movimento Global para a Justiça Ambiental é formado, não apenas, por esses muitos
focos locais de resistência, mas também, por organizações intermediárias de base rural ou
urbana que desenvolveram seus próprios conceitos e vocabulários e que, tudo isso, parece
atestar a existência de um movimento global rural e urbano para o meio ambiente
(ALLIER; LEAH; DEL BENE E SCHEIDEL, 2016, p. 14).

Percebemos do exposto até o presente momento que o Movimento de Justiça


Ambiental parece estar procurando se internacionalizar para construir uma resistência
global em virtude das dimensões globais da reestruturação espacial da poluição, e nesse
movimento de internacionalização é que analisaremos, no tópico a seguir, como referido
movimento tem se desenvolvido em nosso país.

2.3.1 – Justiça ambiental no Brasil

No Brasil, a discussão sobre justiça ambiental vem amadurecendo desde os anos


90, principalmente após a conferência denominada como “Rio 92” ou “Eco 92” ou
CNUMAD – Conferência das Nações Unidas para o Meio ambiente de 1992. No entanto,
foi em 2001, com a criação de Rede Brasileira de Justiça Ambiental - por ocasião do
Seminário Internacional Justiça Ambiental e Cidadania, realizado na cidade de Niterói/RJ
no mesmo ano, que o conceito pareceu se difundir e influenciar vários movimentos sociais
e organizações locais.47

Segundo a obra Direito e Justiça Ambiental, organizada por Wilson Madeira


Filho, há uma pluralidade semântica em relação ao termo Justiça ambiental que pode tanto
abordar populações marginalizadas, como populações tradicionais ou excluídos
socialmente face aos prejuízos inerentes a uma política desenvolvimentista e
ecologicamente prejudicial. Na ocasião ocorreu uma pluralidade de debates e abordagens
acerca do conceito Justiça Ambiental, pois percebeu-se que este se trata de um conceito

47
Neste momento é necessário mencionarmos todo o protagonismo da Universidade Federal Fluminense,
principalmente na pessoa da professora Selene Herculano, bem como do próprio professor Wilson Madeira
Filho e do professor Napoleão Miranda, através de profícuo trabalho entre o ICHF – Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia e o PPGSD – Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito na concretização
de tão importante acontecimento para o surgimento do Movimento de Justiça Ambiental no Brasil.

123
praticamente desconhecido, restando a impressão de que o termo Justiça Ambiental, nas
palavras do próprio Madeira Filho (2002, p.11):

Refere-se antes a uma qualidade técnica, como a luta pela criação de


Varas de Justiça especializadas para julgamentos referentes à tutela
ambiental e, em especial, para a apreciação de ações civis públicas
ambientais; ou ainda, tratar-se-ia de nova dimensão da administração
pública, conferindo maior poder de polícia às secretarias locais que se
incumbiriam de aspectos fiscalizatórios, promovendo a proteção do
patrimônio ambiental.

A abordagem de Madeira Filho (2002, p. 47) na época, sobre o conceito de Justiça


ambiental merece menção, uma vez que o mesmo salientou que:

Em um momento em que se discute o conceito de Justiça Ambiental


– ou sendo mais perversamente crítico, em que não se discute,
apenas se consolida uma categoria delineada há sete anos, em novos
fóruns onde, a despeito do tema Justiça, a presença dos profissionais e
de pesquisadores do Direito é pouco tolerada, motivando Jornadas
interdisciplinares do Direito em paralelo -, podem estar a revelar uma
estratégia de delimitação do espaço semântico (e de delimitação de
espaços político-acadêmicos). Não apenas no que se refere a garantir
para o termo Justiça ambiental a leitura sociológica americana de
comunidades afetadas pela socialização do risco e da poluição
oriundos de um modelo desenvolvimentista irracional, em
contrapartida a uma visão meramente tecnicista do Direito de
reduzir-se a questão a uma subclassificação da administração
judiciária, contentando-se com a criação de varas ou tribunais
ambientais, cujas questões poderiam permanecer sendo julgadas pela
ótica do antigo Direito civil. Mas, sobretudo, parece-nos, ao termo
Justiça Ambiental se iria garantir, sociologicamente, o conceito de
reivindicações de classe, absorvendo o paradigma ambientalista em
seus discursos, estariam revitalizando mecanismos e antigas estratégias
de enfrentamento contra o Estado (sem destaque no original).48

O que se percebeu na época, foi que a luta pela construção de uma categoria
denominada como Justiça Ambiental estava sendo construída em seu sentido mais lato e,
não, como integrante de um poder com laivos discricionários como o Poder Judiciário,
em clara renúncia ao positivismo jurídico.

Essa relação um tanto quanto conflitiva entre Direito e Movimentos Sociais no


tocante à Justiça Ambiental não parece ser eco do ocorrido nos EUA, uma vez que lá o

48
Na ocasião da obra que referenciamos, o professor Wilson Madeira Filho continuou informando que o
Movimento por Justiça ambiental no Brasil evitava o Direito também por uma estratégica questão de
conveniência, haja vista o Direito não ser muitas vezes reconhecido como ciência ou como um âmbito do
pensamento acadêmico, e ser confundido com os aportes ideológicos que consideram o Direito e suas
faculdades como sucursais do Poder Judiciário conservador e braço legalista do poder público. (
MADEIRA FILHO, 2002, p. 48).

124
Direito não esteve alijado do conceito de Justiça Ambiental, pois participou da militância,
não ocorrendo qualquer confusão com o Judiciário ou a máquina estatal, uma vez que em
casos, como o de MELA49 – Mães da Zona Leste de Los Angeles, um grupo feminino
havia sido derrotado em todas as instâncias e se reorganizou para provocar a mudança na
legislação e, assim, obter posterior vitória judicial. O que pareceu ficar claro à época é
que a Justiça Ambiental estadunidense angariou sucesso ao superar esse impasse entre
Direito e Movimentos Sociais, pois o Direito acabou por se tornar um parceiro das
reivindicações políticas, ao passo que a técnica jurídica fez emergir novas percepções de
fatos sociais e criar os devidos nexos de causalidade, como, por exemplo, as lesões
corporais em função de distúrbios causados por agrotóxicos, sua indenização,
demonstrando o nexo de causalidade entre a compra do veneno e o financiamento
bancário instituído para esse fim. Dessa forma, a Justiça ambiental passaria pela exigência
de uma responsabilidade social das empresas como cláusula de um contrato entre estas e
a sociedade (MADEIRA FILHO, 2002, p. 53).

Por fim, conclui Madeira Filho (2002, p. 53) que “Justiça Ambiental não evita o
Direito. Justiça ambiental é Direito. E o Direito é uma ciência incompleta que necessita
que as ciências sociais venham ao seu socorro”.50

Diante da afirmação acima somos ainda mais instigados a observar se essa


incompletude do Direito será vislumbrada quando chegarmos ao capítulo que trata das
ACPs do MPF sobre o uso de agrotóxicos e decisões judiciais correlatas ou buscarmos
encontrar essa potencial correlação entre Direito e Justiça Ambiental conforme proposta
no enunciado acima.

Uma outra linha interpretativa sobre o conceito de justiça ambiental defende que
“para falar de justiça ambiental é importante falar de injustiça ambiental e isto tem a ver
com o fato de que certas populações são afetadas pelo que o desenvolvimento econômico
produz”, diz Marcelo Firpo Porto, coordenador da pesquisa do Mapa da Injustiça
Ambiental. “Além de sustentabilidade, é preciso haver justiça social, para que nenhum

49
Para mais informações consultar BULLARD, Robert (org). Confrontions environment Racism – voices
from the Grassroots. Boston: South End Press, 1996.
50
Uma interessante crítica proposta por MADEIRA FILHO (2002, p. 48) trata das tendências marxistas
que se pretendeu emprestar ao Movimento por Justiça Ambiental no Brasil, que parecia reproduzir o
“aparelhamento” de diversos movimentos sociais do país, clonando-os, via ambiente acadêmico, em uma
teorização sociológica que teria feito “coincidir” o conceito de conflitos socioambientais com o histórico
de lutas sindicais no país.

125
grupo seja desrespeitado em sua dignidade em nome do progresso econômico”,
completa.51

Interessante notarmos, neste momento e mais uma vez, a preocupação de


separação entre o que seja justiça ambiental e o que seja legislação ambiental ou Direito,
pois passados 10 anos do evento mencionado por Madeira Filho (2002) em sua obra,
temos Porto (2012), afirmando que a legislação ambiental está relacionada ao marco
legal, leis, normas de vários setores que estejam envolvidos na proteção do meio
ambiente, saúde e demais direitos do cidadão, enquanto a justiça ambiental relaciona-se
com as mobilizações que as próprias comunidades atingidas, bem como a sociedade
utilizam para reverter ou evitar injustiças em nome do crescimento e do progresso. 52

De acordo com Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 47), no Brasil ainda são
recentes as pesquisas que buscam examinar, na forma de indicadores, a coincidência
existente entre áreas de degradação ambiental e locais de moradia de populações
despossuídas. Os autores em comento consideram que isso não pode correr de forma
diferenciada, quando se leva em conta o pensamento ecológico hegemônico, além de
parte da pesquisa acadêmica que não opera de forma articulada o tratamento das
condições ambientais e sociais.

Boff (2011) parece compartilhar do mesmo entendimento de Acselrad, Mello e


Bezerra (2009), ao mencionar que:

A responsabilidade social é insuficiente, pois ela não inclui o ambiental.


São poucos os que perceberam a relação do social com o ambiental. Ela
é intrínseca. Todas as empresas e cada um de nós vivemos no chão, não
nas nuvens: respiramos, comemos, bebemos, pisamos os solos, estamos
expostos à mudanças dos climas, mergulhados na natureza com sua
biodiversidade, somos habitados por bilhões de bactérias e outros
microorganismos. Quer dizer, estamos dentro da natureza e somos parte
dela. Ela pode viver sem nós como o fez por bilhões de anos. Nós não
podemos viver sem ela. Portanto, o social sem o ambiental é irreal.
Ambos vêm sempre juntos.

51
Entrevista concedida por Marcelo Firpo Porto a Adriano Wild intitulada Pesquisador fala sobre
importância do Mapa da Injustiça Ambiental. Disponível em: <http://www.ensp.fiocruz.br/portal-
ensp/informe/site/materia/detalhe/30657>. Acesso em: 25 jun. 2017.
52
Os conflitos podem envolver a disputa por terras indígenas, quilombolas e da reforma agrária com a
expansão do agronegócio. De acordo com Marcelo Firpo, até mesmo uma alternativa de geração energética
supostamente sustentável pode gerar injustiças ambientais, o pesquisador exemplifica citando o caso de
algumas localidades do Nordeste, como no Ceará, onde a construção e operação de parques eólicos
desestruturaram comunidades tradicionais e geraram diversos impactos socioambientais.

126
Continuando com Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 48), observamos que os
mesmos questionam a ideia de que todos são igualmente afetados pelos efeitos da crise
ambiental ou a compreensão de que o risco ambiental é democrático, e consideram tal
percepção problemática, visto que referida percepção viabiliza o isolamento da dimensão
ambiental em relação às demais dimensões, excluindo do debate os cenários em que se
produzem e nos quais são sentidos os problemas ambientais53.

Igualmente, para essa cosmovisão, o meio ambiente é visto de forma homogênea


e, portanto, os efeitos deletérios causados em sua apropriação também o são, de modo
que a poluição e o risco ambiental se apresentam como democráticos. Dessa perspectiva
decorre uma atuação direcionada pela afirmação do mercado, pela crença sobre o
progresso técnico e por um falso consenso político. Veremos, logo mais à frente deste
mesmo capítulo, que o sociólogo Ulrich Beck considera de forma um tanto quanto
divergente, essa questão da democracia ou não na socialização dos riscos e danos
ambientais (ACSELRAD, BEZERRA E MELLO, 2009, p. 11; 15).

Em relação a um conceito do que seja justiça ambiental, o Movimento de Justiça


Ambiental estudado por Acselrad, Mello e Bezerra (2009, p. 16) assim define o termo:

É a condição de existência social configurada através do tratamento


justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas,
independentemente de sua raça, cor ou renda, no que diz respeito à
elaboração, desenvolvimento, implementação e aplicação de políticas,
leis e regulações ambientais. Por tratamento justo entenda-se que
nenhum grupo de pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos, raciais ou
de classe, deva suportar uma parcela desproporcional das
consequências ambientais negativas resultantes da operação de
empreendimentos industriais, comerciais e municipais, bem como das
consequências resultantes da ausência ou omissão destas políticas.54
(sem destaque no original).

Outra obra que destacamos no Brasil é a organizada por Marcelo Firpo Porto,
Tânia Pacheco e Jean Pierre-Leroy e que trata da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil:

53
Além disso, segundo Acselrad (2010) ao identificar a todos como igualmente afetados, também se induz
a compreensão de que todos se apresentam homogeneamente como responsáveis pela produção dessa
realidade. Disso resulta que o problema assim apresentado direciona a solução nos exatos limites em que
foi definido, de modo a excluir as demais dimensões, em especial a social. Tal limitação conduz, portanto,
à elaboração de instrumentos e políticas públicas ambientais de amplitude reduzida. In: LEITE, José Rubens
Morato; FERREIRA, Heline Sivini; BORATTI, Larissa Verri (Orgs.). Estado de direito ambiental:
tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010. p. 95.
54
BULLARD, R. D. Dumping in Dixie: Race, Class and Environmental Quality. San Francisco/Oxford:
Westview Press, 1994 apud ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília C.do A.; BEZERRA, Gustavo das
Neves. O que é justiça ambiental. p. 16.

127
o mapa dos conflitos55. No prefácio da obra, informa-se que os mapas foram criados com
base na vivência de movimentos sociais, populações tradicionais e comunidades
impactadas pelos projetos desenvolvimentistas e que utilizam como categorias de análise
as vulnerabilidades socioambientais e sua relação com a saúde coletiva, quando estes se
integram a alguns elementos da complexa cadeia de determinação da saúde –
especialmente entre os grupos populacionais que se situam à margem da inclusão cidadã.
Relatam que as informações detalhadas no mapa não constam da base de dados do IBGE
– Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou do DATASUS – Dados do Sistema
Único de Saúde, e que o material georreferenciado foi construído tendo por base as
informações existentes sobre situações de conflitos vivenciadas por grupos populacionais
que têm sido atingidos por processos econômicos, além de intervenções que se relacionam
à geração de infraestrutura como energia, e que referidos processos econômicos acabam
por gerar rupturas e impactos nos sistemas sociais, econômicos e ambientais dos
territórios em que vivem.

Referidos autores declaram em sua obra que a experiência do Mapa de Conflitos


ainda não possui paralelo em outras partes de mundo com relação à escala, objeto e
método, e que esse trabalho expressa uma forma operacionalizada pela “ecologia dos
saberes” (SOUSA SANTOS).56

Destacamos, do livro homônimo ao endereço eletrônico do Mapa de Conflitos, o


capítulo 4, intitulado “injustiça ambiental nos campos e nas cidades: do agronegócio
químico-dependente às zonas de sacrifício urbanas” e que está assinado por Marcelo
Firpo Porto. Notamos duas expressões interessantes utilizadas nesse capítulo: uma,
refere-se à denominação do modelo agroprodutivo, como químico-dependente, e a
designação da ideia de justiça ambiental, através da inserção do sufixo “in”, o que nos
remete a percepção de que o autor entende que de fato há um modelo agroprodutivo que

55
Referida obra é inspirada no trabalho iniciado também em uma plataforma eletrônica e interativa que
pode ser acessada através do link: <http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/>.
56
Por mais que os autores informem não haver modelo semelhante no mundo, encontramos certas
semelhanças de referida base de dados georreferenciada no EJatlas, o qual efetivamente tem alcance global,
conforme apresentado nesse trabalho, bem como temos localmente o trabalho desenvolvido desde 2007
pela UFMG e que mapeou os conflitos ambientais do Estado de Minas Gerais e que pode ser acessado pelo
link: <http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/observatorio-de-conflitos-ambientais/mapa-dos-conflitos
ambientais>. Todavia, acreditamos que o pioneirismo nesse sistema de georreferenciamento partiu dos
organizadores brasileiros, que trazem na introdução da obra um breve histórico do surgimento das pesquisas
e encontros que culminaram com a atual base de dados modelada através de mapas, bem como apontam em
sua base de dados na internet como uma de suas páginas na rede mundial de computadores o próprio EJatlas.

128
vulnerabiliza, de forma diferenciada, determinadas parcelas da população em
determinadas localidades, e destaca que a expansão do agronegócio, do monocultivo e da
utilização de agrotóxicos influencia na migração entre campo e cidade, bem como no
conjunto da população que consome os alimentos contaminados.

Segundo Porto (2013, p. 133):

Monocultivos representam a negação da agroecologia e da agricultura


familiar justa e sustentável; a biodiversidade é compreendida como
“praga” a ser combatida numa guerra química contra a natureza,
marcando o caráter químico-dependente desse modelo de produção
agrícola que pretende transformar a natureza em um grande
empreendimento fabril.

Entramos no século XXI marcados pela expansão dos monocultivos,


padrão exemplar de produção do agronegócio capitalista voltado para o
comércio internacional em uma economia globalizada. Atualmente
90% da produção mundial de alimentos são provenientes de apenas 15
espécies vegetais e oito animais [...]. (sem destaque no original).

Da abordagem acima descrita, destacamos dois pontos: um, é o que parece apontar
que, na leitura feita pelo autor acima, o atual modelo agroprodutivo seria insustentável e
que se trata de um discurso eivado das características contramajoritárias já esposadas ao
longo de várias partes deste trabalho, uma vez que questiona o atual modelo
agroprodutivo, bem como o sistema de produção de riquezas, de socialização dos dados,
entre outros.

Outro ponto que chamamos a atenção no mapa que analisamos informa que a
expansão do monocultivo no país é a principal atividade econômica geradora de conflitos
e injustiças ambientais no mapa, respondendo por cerca de 1/3 dos casos. Em relação à
percepção da amplitude das contaminações químicas e transfronteiriças, a obra traz
intrigante dado que dá conta da contaminação de ursos polares no ártico por DDT, por
exemplo (PORTO, et. al, p. 138).

O tema do agronegócio e da expansão dos monocultivos, bem como da


contaminação por agrotóxicos e os conflitos daí advindos estão presentes em todas as
regiões do país, e os monocultivos estão relacionados à produção de grãos – soja e milho
e seus agravantes, soja transgênica e glifosato; árvores plantadas e que provocam
“desertos verdes” – eucalipto e pinus; os biocombustíveis – cana-de –açúcar para o etanol
e soja para o biodiesel; pastos para a produção extensiva de bovinos e a fruticultura de
exportação. Segundo relata o Mapa de Conflitos, a expansão das regiões de monocultivo

129
entra em rota de colisão com povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos,
pescadores artesanais, pequenos produtores e grupos ambientalistas que buscam proteger
ecossistemas ameaçados, além da contaminação por agrotóxicos das populações
expostas, sobretudo os trabalhadores e moradores de áreas onde ocorre a pulverização
aérea (PORTO, et. al, p. 145-147).

Abaixo, reproduzimos o número de conflitos que aparecem no mapa quando


fazemos a busca pelo termo “monocultura”, além de buscarmos demonstrar o próprio
layout da plataforma construída:

Figura 10 – Página Inicial do Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil.
Disponível em: <http://www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br/index.php>.

O que parece ser perceptível, até o presente momento, é que o Movimento da


Justiça Ambiental vem avançando e tem estendido o seu foco para além da questão racial,
indo, sobretudo, para a questão de classes e até mesmo de relações internacionais. Nesse
instante, rememoramos o emblemático “memorando summers” que, em 1991, trazia a
seguinte informação, que apesar de restrita, acabou “vazando” para o conhecimento
público. O teor do memorando dizia em um de seus trechos: “cá entre nós, o banco
mundial não deveria incentivar mais a migração de indústrias poluentes para os países
menos desenvolvidos?”.57

57
Citação retirada da obra de ACSELRAD, Henri; MELLO, Cecília C.do A.; BEZERRA, Gustavo das
Neves. O que é justiça ambiental. p. 07.

130
Mencionamos que tais citações, como a reproduzida pelo memorando acima,
parecem ofertar fortes indícios de que, realmente, exista desigualdade em termos de
proteção ambiental no planeta e de que é para as regiões pobres que se têm dirigido os
empreendimentos econômicos mais danosos em termos ambientais e ao traçarmos um
paralelo com a questão explorada neste trabalho, fica difícil não associarmos o mesmo
“espírito do memorando summers” presente em tratativas que tem feito nos países em
desenvolvimento como Brasil e Índia, berços do atual modelo agroprodutivo alocado em
inúmeros insumos químico-dependentes.

Próximos de finalizarmos esta seção, temos que as lutas por Justiça Ambiental,
tal como caracterizadas no caso brasileiro, parecem combinar com as palavras de
Acserald (2010, p. 114):

A defesa dos direitos a ambientes culturalmente específicos –


comunidades tradicionais situadas na fronteira da expansão das
atividades capitalistas e de mercado; a defesa dos direitos a uma
proteção ambiental equânime contra a segregação socioterritorial e a
desigualdade ambiental promovidas pelo mercado; a defesa dos
direitos de acesso equânime aos recursos ambientais, contra a
concentração das terras férteis, das águas e do solo seguro nas mãos dos
interesses econômicos fortes no mercado. Mas cabe ressaltar também
a defesa dos direitos das populações futuras e como os
representantes do movimento fazem a articulação lógica entre lutas
presentes e “direitos futuros”? propondo a interrupção dos
mecanismos de transferência dos custos ambientais do
desenvolvimento para os mais pobres. pois o que esses movimentos
tentam mostrar é que, enquanto os males ambientais puderem ser
transferidos para os mais pobres, a pressão geral sobre o ambiente não
cessará. (sem destaque no original).

Acserald (2010, p. 114-115) prossegue sua ilação dizendo que ao ser feita a
ligação entre o discurso genérico sobre o futuro e as condições históricas concretas pelas
quais, no presente, se está definindo o futuro, é possível fazer a junção estratégica entre
justiça social e proteção ambiental, inclusive pela afirmação de que, para barrar a pressão
destrutiva sobre o ambiente de todos, é preciso começar protegendo os mais fracos e
questiona: “como identificar a pressão predatória exercida sobre os mais fracos? ora,
a “chantagem locacional dos investimentos” é o mecanismo central, nas condições de
liberalização hoje prevalecentes” através da imposição de riscos ambientais e de
trabalho às populações destituídas, uma vez que na ausência de políticas ambientais de
licenciamento e de fiscalização de atividades apropriadas e sem políticas sociais e de
emprego consistentes, as populações mais pobres e desorganizadas acabam por

131
sucumbir às promessas de emprego seja em qual condição for, e que a dinâmica desses
movimentos sugere, portanto, que a condição de destituição de certos grupos sociais pode
ser um elemento-chave a favorecer a rentabilização de investimentos em processos
poluentes e perigosos.

Diante da perspectiva esboçada por Henri Acserald no parágrafo acima,


rememoramos a tragédia de Bhopal, trazida no primeiro capítulo deste trabalho, ou de
casos como o da pulverização por acidente em cima de uma escola rural em Pontal do
Buriti58, no interior do Mato Grosso, gerando uma verdadeira “chuva de veneno” em
crianças e adolescentes, com sequelas na saúde até os dias de hoje. Pensamos, também,
no leite materno contaminado em Lucas de Rio Verde – que trataremos no próximo
capítulo e nas crianças e adolescentes com deficiências físicas em Campo Verde59.

Pelo que colhemos até agora, sobre a percepção geral dos Movimentos por Justiça
Ambiental em sua amplitude, temos que os mecanismos de mercado trabalham no sentido
da produção da desigualdade ambiental - os mais baixos custos de localização de
instalações com resíduos tóxicos “coincidem” com as áreas onde os pobres moram e para
simbolizar de forma mais explícita o que parece ser uma das ideias mais coesas dos
diversos movimentos que empunham a bandeira da justiça ambiental, reproduzimos a

58
Para mais detalhes é possível acessar o filme “Pontal do Buriti - brincando na chuva de veneno”
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qHQdWwZcGlg>. Acesso em: 22 jun. 2017
59
O Ministério Público Estadual do Mato Grosso iniciou em 2012 um processo de investigação para
levantar possíveis causas que levaram ao alto índice de menores de idade como portadores de algum tipo
de deficiência na cidade de Campo Verde (140 km ao Sul de Cuiabá). Em levantamento preliminar feito
pelo projeto “Jornada da Inclusão” no ano de 2012, apontou-se que das 242 pessoas cadastradas como
portadoras de deficiência, 122 são menores de 18 anos. O Ministério Público investiga a relação entre o
índice de deficiências registrado e o uso indiscriminado de agrotóxico na cidade, uma vez que Campo Verde
é uma das cidades destaque na produção agrícola no Mato Grosso. Segundo o Ministério Público Estadual,
para realizar a investigação, serão consultados especialistas em agrotóxicos, médicos, além de visitas e
entrevistas aos portadores de deficientes. Será observado se as pessoas acometidas por deficiência residem
próximas a áreas de plantio. Também será solicitada uma análise da água consumida pelas pessoas que são
objeto de estudo. Além do levantamento das causas das deficiências, serão verificados aspectos
relacionados às condições em que essas pessoas vivem, se estão tendo acesso à educação, saúde, entre
outros direitos. “Pretendemos, também, fazer um levantamento sobre a situação dos idosos”, ressaltou o
promotor de Justiça responsável pela investigação. O caso da cidade de Lucas de Rio Verde que contaminou
o leite materno também está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual. In: Mídia News.
Agrotóxico pode ter gerado deficiência em adolescentes. Disponível em:
<http://www.midianews.com.br/conteudo.php?sid=3&cid=132357>. Acesso em: 02 jul. 2017. A
investigação do MPE ainda não está concluída, tendo sido realizadas uma audiência pública em 2015, além
de ter sido criado um Fórum de Discussão e Combate aos Agrotóxicos, mas em termos de condenações ou
responsabilizações, nada de concreto ainda se realizou.

132
situação abaixo, narrada por Henri Acserald em seu artigo Justiça Ambiental – novas
articulações entre meio ambiente e democracia:

“A morte de uma criança de um ano de idade, ocorrida em maio de 2000


na baixada fluminense no Rio de Janeiro, por intoxicação com produtos
tóxicos com que brincava em um terreno baldio situado ao lado de sua
casa, chamou a atenção para o descalabro do lançamento descontrolado
de resíduos industriais perigosos nos espaços públicos, notadamente
nos bairros habitados por populações de baixa renda. Apenas diante de
ocorrências como esta, tem-se aberto espaço para a discussão mais geral
sobre a desigualdade social na exposição da população aos riscos
ambientais em nosso país. Este debate parece ainda ter sido pouco
aprofundado, inclusive pelas próprias forças democráticas. cabe a
pergunta: como os movimentos sociais no Brasil poderiam melhor
articular a questão dos riscos ambientais com o debate sobre as
condições de existência da população e com o processo de construção
de direitos no país? Como evidenciar a dimensão ambiental do projeto
de construção democrática da sociedade brasileira? Como fazer
entender que os incêndios florestais em Roraima, a seca no
Nordeste, a desigual exposição dos grupos sociais aos riscos da
poluição são a expressão do mesmo processo de produção da
desigualdade ambiental que distancia ricos e pobres, brancos e
negros em nosso país?” (sem destaque no original).

Para efeitos de conclusão do presente tópico, podemos imaginar que, caso a leitura
de realidade ofertada pelas propostas de Justiça Ambiental, assim como os dados que
serão acionados no próximo capítulo através de pesquisas técnico-científicas produzidas
pela ONU, OMS, Abrasco, Fiocruz, entre outros60, como propagadores institucionais,
estejam corretos, podemos supor que o atual modelo agroprodutivo parece, sim, ser
insustentável e comprometedor da solidariedade intergeracional de parcelas específicas
de populações residentes em locais específicos do planeta.

Assim, questionamos se podemos considerar as crianças – principalmente àquelas


na primeira infância – possuidoras de condições particulares de vulnerabilidade, e que,
não obstante tal condição, ao serem expostas à situações de degradação ou
desestabilização ambiental são afetadas de modo desigual, haja vista a sua situação
peculiar de pessoa em desenvolvimento, como uma dessas parcelas específicas de
populações?

60
Trazemos aqui outro dado que simboliza um pouco do que pretendemos discutir e que informa que uma
pesquisa divulgada em 2006 pela Cruz Vermelha e pelo Grupo de Trabalho Ambiental dos Estados Unidos
a partir do sangue de cordões umbilicais apontou que os bebês começam a se contaminar ainda no ventre
da mãe, pois foram detectadas, nas amostras, substâncias tóxicas como derivados do petróleo, mercúrio e
pesticidas. Entre as cerca de 287 substâncias tóxicas detectadas, 180 causam câncer em seres humanos
ou animais, 271 são tóxicas para o cérebro e para o sistema nervoso, e 208 causam defeitos de
nascença ou desenvolvimento anormal.

133
Aliada à vulnerabilidade ambiental e social, seriam as crianças na primeira
infância, nossas presentes e futuras gerações, símbolos da perpetuação da humanidade
sobre o planeta - além de vulneráveis sociais e ambientais, vulneráveis intergeracionais?
Poderíamos considerar a categoria intergeracional como uma categoria de vulnerabilidade
a ser inserida e pensada pelos movimentos de Justiça Ambiental?

Por fim, encerramos esta seção com indagações que talvez sejam melhor aclaradas
por Ulrich Beck na sequência e questionamos se sua concepção de uma sociedade imersa
em riscos nos auxiliará. Será que a desigualdade ambiental sempre distancia ricos e
pobres? E em relação à primeira infância e futuras gerações: nascidos e não-nascidos, é
possível fazer tal separação? Acompanhemos o tópico a seguir.

2.3.2 Sociedade de Risco: tenho fome ou tenho medo?


“O diabo da fome é combatido com o belzebu da potenciação do risco”.
(BECK, 2011, [1986], p. 51)

Conforme já trouxemos no item anterior, a questão da proteção das futuras


gerações está relacionada ao surgimento de uma consciência antecipatória que se
relaciona a um novo “cuidado-de-perigo” e que parece se ligar a uma consciência de risco
ampliada e estar assentada na emergência de valores transgeracionais, como a própria
proteção das gerações futuras, surgido com todo o ideário da noção de sustentabilidade,
já estudado em item anterior.

Para iniciarmos a presente abordagem, utilizaremos o pensamento de Castel


(2005, p. 95), que ao analisar a sociedade francesa moderna, caracterizou-a como uma
sociedade de indivíduos, e em dado momento de seu estudo sobre insegurança social,
indaga sobre: “o que é ser protegido”? Após referida indagação, Castel (2005, p. 98) parte
para a constatação de que as sociedades modernas são construídas sobre o alicerce da
insegurança, pois não encontram em si mesmas a capacidade de assegurar proteção.
Salienta, inclusive, em contraste, que nas sociedades pré-industriais, a segurança do
indivíduo era garantida a partir de sua pertença à comunidade: a chamada proteção de
proximidade.

134
No que se refere à proteção, o autor em comento distingue dois tipos: a proteção
civil61 e a proteção social e considera que o sentimento de insegurança se refere à
possibilidade de estar à mercê de qualquer eventualidade. Se o indivíduo não estiver
assegurado contra esses imprevistos, passaria a viver a insegurança.

É interessante ainda observar o pensamento de Betina Hillesheim e Lílian


Rodrigues da Cruz (2008), no artigo “Risco, Vulnerabilidade e Infância: algumas
aproximações”, as mesmas se reportam a Spink (2001), informando que a noção de risco
permitiu a exploração das mudanças que vêm ocorrendo nas formas de controle social
que nos possibilitam mencionar a ideia de uma transição da sociedade disciplinar,
formação típica da modernidade clássica, para a sociedade de risco, formação emergente
na modernidade tardia.”

Em relação ao vernáculo “risco” e sua forma de se relacionar com o futuro,


referida utilização surgiu na era pré-moderna, mais especificamente no período de
transição da sociedade feudal para as novas formas de territorialidade que originaram os
denominados Estados-Nação, e embora tenhamos a consciência de que a humanidade
tenha sempre enfrentado perigos, sejam aqueles causados por ela mesma ou aqueles
decorrentes de catástrofes naturais, guerras ou vicissitudes cotidianas, a palavra risco não
estava disponível no léxico até então existente, sendo referidos eventos definidos como
perigos, fatalidades ou dificuldades. Foi apenas no século XIV que a palavra risco
emergiu na língua catalã, e, mais tarde, nas línguas latinas (século XVI) e anglo-saxônicas
(século XVII), sendo utilizada para se referir à possibilidade de ocorrência de eventos
futuros, em um momento em que este passa a ser pensado como passível de controle
(HILLESHEIM; CRUZ, 2008, p. 193).

O que podemos intuir, até o presente momento, é que a noção de risco parece estar
atrelada a própria modernidade. Desta feita, nos valemos da teoria da Sociedade de Risco,
que tem em Ulrich Beck um de seus principais idealizadores e que se insere no contexto
das proposições teóricas que procuram explicar as modificações ocorridas,
principalmente, a partir da segunda metade do século XX. Segundo Beck (2011. p.23)
{1986}: “Na modernidade tardia, a produção social da riqueza é acompanhada
sistematicamente pela produção social de riscos”.

61
A proteção civil que diz respeito aos bens e às pessoas em um estado de direito, já a proteção social se
relaciona aos riscos de doenças, aos acidentes, ao desemprego, à incapacidade de trabalho devido à idade

135
O mesmo autor continua explicando em sua obra que contra as ameaças da
natureza, a humanidade aprendeu a construir cabanas e guardar informações e
conhecimento, mas diante das ameaças que ele denomina como de segunda natureza,
absorvidas pelo sistema industrial, somos praticamente indefesos. Salienta Beck (2011,
[1986], p. 9-10) que diante de ameaças da segunda natureza, captadas pelo sistema
industrial, somos praticamente indefesos. Os perigos apresentam-se juntos ao cotidiano e
viajam com o vento, a água, escondendo-se com o que há de mais vital à própria vida –
ar, comida, roupa, objetos domésticos, atravessam barreiras controladas de proteção da
modernidade. Quando, depois do acidente, ações de defesa e prevenção já não cabem,
resta, aparentemente, uma única atividade: desmentir. Ação de apaziguamento que gera
medo e que, associada ao grau de suscetibilidade generalizada condenada à passividade,
alimenta sua agressividade. Essa atividade residual, diante do risco residual realmente
existente, encontra na inconcebilidade e imperceptibilidade do perigo seus cúmplices
mais eficazes.

Percebemos que em tragédias como a de Bhopal – ocorrida há mais de 30 anos e


trazida no primeiro capítulo deste estudo ou no recente Tribunal Monsanto, as atitudes
das grandes corporações gestoras dos modelos agroprodutivos alocados em agroquímicos
é a de mostrar uma aparência sustentável, segura e benéfica para a humanidade,
desmentindo toda e qualquer possibilidade de risco para a população mundial.

Todavia, o que nos chama a atenção e nos leva a trazer o pensamento de Ulrich
Beck para o presente trabalho relaciona-se à forma como ele analisa a distribuição de
riquezas e de riscos no seio social e sua relação com o modelo agroprodutivo dominante,
que em alguns momentos parece se aproximar, e muito, das percepções dos Movimentos
de Justiça Ambiental estudados até agora, e em o outros, parece fazer leitura diversa da
mesma realidade por ambos investigada. As críticas tecidas pelo autor em comento
direcionam-se, também, para o fato de que os próprios argumentos críticos trazidos em
relação à tecnologia e indústria se mostram essencialmente tecnocráticos e naturalistas,
sem que ocorra a integração devida com as estruturas sociais de poder e distribuição das
burocracias, normas, racionalidades vigentes, bem como deixam escapar as
consequências sociais, políticas e culturais do risco da modernização.

136
Beck (2011, [1986], p. 29-30) ilustra o que acima mencionamos com um exemplo
que entendemos, por bem, transcrever62 e que assim diz:

O conselho de especialistas para questões ambientais afirma em seu


laudo que “no leite materno são frequentemente encontrados beta-
hexaclorociclohexano, hexaclorobenzeno e DDT em concentrações
consideráveis (Rat der Sachverständigen für Umwelftfragen, 1985, p.
33). Essas toxinas estão presentes em pesticidas que, nesse ínterim,
já foram retirados de circulação. Sua origem seria inexplicável (ibid).
Em outra passagem, afirma-se: “a exposição da população ao
chumbo é, na média, inofensiva (p. 35). O que se esconde por detrás
disso? (sem destaque no original).

A resposta oferecida por Beck (2011, [1986], p. 30) merece comentários, pois o
mesmo defende que talvez seja possível fazer a analogia e a seguinte distribuição:

[...] dois homens tem duas maçãs. Um come ambas. Logo, na média,
cada um comeu uma. Adaptada à distribuição de alimentos em
escala mundial, essa afirmação significaria: “na média”, todos os
seres humanos da Terra estão bem alimentados. O cinismo é
evidente nesse caso. Numa parte do planeta, as pessoas morrem de
fome, na outra, os efeitos decorrentes da sobrenutrição acabaram por se
transformar num ônus de primeira ordem. Pode ser que em relação a
poluentes e toxinas essa afirmação não seja cínica. Que, portanto, a
exposição média também seja a exposição real de todos os grupos
populacionais. Porém, temos certeza? Nãos será necessário, ao menos
para que essa afirmação seja defensável, saber quantas toxinas mais as
pessoas serão obrigadas a inalar e ingerir? Surpreendente é a
naturalidade com que se demanda pela “média”. Quem demanda a
“média” já está nesse modo excluindo as situações socialmente
desiguais de ameaça. Mas é justamente disto que não se tem
certeza? Existem talvez condições de vida e grupos para os quais o
teor de chumbo-e-todo-o-resto “na média inofensivo” represente
um risco de vida? A frase seguinte do laudo afirma: “somente nos
arredores de emissores industriais são encontradas por vezes
concentrações críticas de chumbo entre as crianças.” (sem destaque
no original).

A crítica feita por Ulrich Beck a relatórios, como o que ele questiona na citação
acima, estende-se aos laudos ambientais e de contaminação que, para ele, não costumam
inserir a diferenciação social em suas análises e destaca - quando se refere à menção das
crianças no relatório acima exemplificado, que esta diferença se tangencia por um critério
meramente etário – biologizante, e que não leva em conta peculiaridades regionais e que
percebe que o pensamento científico e social geral, em relação aos problemas ambientais,

62
Salientamos que esse trecho da tese terá um pouco mais de citações diretas do que os demais produzidos
até agora, pois consideramos que a maneira como Ulrich Beck formula algumas de suas proposições se
mostram tão agudas e precisas que talvez a paráfrase pudesse roubar-lhe a riqueza dos detalhes que o autor
busca exprimir com maestria em suas conceituações.

137
são considerados sob o prisma da natureza, tecnologia, medicina e economia, havendo
um déficit de pensamento social em um momento em que a sociedade se mostra altamente
desenvolvida e industrializada, e que nem mesmo os próprios sociólogos têm se dado
conta dessa ausência.

Assim, ao mesmo tempo em que se questionam as distribuições de poluentes,


toxinas, impactos sobre a água, o ar, o solo e os alimentos e ocorre a exposição em mapas
coloridos a um público apavorado, não se leva em conta a consequência para grupos em
particular, mas para todas as pessoas – independentemente de renda, educação, profissão
e dos respectivos hábitos e possibilidades de alimentação, habitação e lazer – analisando-
se, unicamente as substâncias tóxicas, seus efeitos e sua distribuição regional (BECK,
2011, [1986], p.30 -31).

Beck (2011. [1986] p.31) defende que referidas análises sobre substâncias tóxicas
alocadas em categorias das ciências naturais, movimentam-se entre o falacioso discurso
de preocupações biológicas e sociais ou uma consideração da natureza e do meio
ambiente, que deixa de lado a preocupação de grupos de pessoas e os significados sociais
e culturais que possam vir a ser-lhes imputados. Ao mesmo tempo, não se considera que
as mesmas substâncias tóxicas podem vir a ter um significado inteiramente diferenciado
por conta de fatores como idade, sexo, hábitos alimentares, tipo de trabalho, níveis de
informação e educação, entre outros. Inclusive, diz o autor, que um dos problemas mais
graves é a investigação voltada, unicamente, para as substâncias tóxicas isoladas, e que
não levam em conta a concentração tóxica no ser humano.

Aquilo que pode parecer “inofensivo” num produto isolado


talvez seja consideravelmente grave no “reservatório do
consumidor final”, algo em que o ser humano acabou por se
converter no estágio avançado da mercantilização total. Trata-se,
nesse caso, de uma falácia categorial: uma análise de
toxicidade que tome por base a natureza de forma geral ou
produtos isolados não tem condições de responder à questão
da inocuidade, de todo modo não enquanto “gravidade” ou
“inocuidade” tiverem algo a ver com as pessoas que ingerem ou
aspiram a substância. [...] É sabido que a ingestão de vários
medicamentos pode anular ou reforçar o efeito de cada um
deles. Mas é sabido que (ainda) nem só de vários
medicamentos vive o ser humano. Ele também inspira as
substâncias tóxicas no ar, bebe a água, come as dos alimentos,
etc. Em outras palavras: as inocuidades acumulam-se
consideravelmente. Tornam-se elas desse modo – como é o caso
comum das adições de acordo com as regras da matemática –

138
sempre mais inócuas? (BECK, 2011, [1986], p. 31). (sem
destaque no original).

Nessa hora, vale rememorarmos um trecho da obra de Rachel Carson, já citada no


capítulo 01 deste trabalho, quando ela analisa a contaminação de peixes por DDT e
informa, dentre alguns estudos comparativos, que não é possível acrescentar pesticidas à
água em lugar algum sem ameaçar a pureza da água em todos os lugares e que, raramente
ou nunca, a natureza funcionará como um compartimento fechado e separado. Ela chega
a citar um simbólico caso que reproduziremos a seguir:

Em 1943, o Arsenal das Montanhas Rochosas do Corpo Químico do


Exército, situado perto de Denver, começou a fabricar materiais
bélicos. Oito anos mais tarde, os equipamentos do arsenal foram
alugados a uma empresa privada de petróleo para a produção de
inseticidas. Mesmo antes da mudança de operações, porém, relatórios
misteriosos começaram a aparecer. Fazendeiros a muitos quilômetros
da fábrica começaram a relatar doenças desconhecidas entre os
animais; queixavam-se de vultosos prejuízos às lavouras. A folhagem
amarelava, as plantas não chegavam à maturação e muitos cultivos
morriam rapidamente. Houve relatos de doenças entre os seres
humanos, que algumas pessoas relacionaram aos demais problemas.

As águas da irrigação nessas fazendas derivavam de poços rasos.


Quando as águas dos poços fundos foram examinadas (em um estudo
em 1959, de que participaram muitos órgãos estaduais e federais)
descobriu-se que eles continham grandes variedades de produtos
químicos. Cloretos, cloratos, sais de ácido fosfórico, fluoretos e
arsênico haviam sido despejados pelo Arsenal das Montanhas
Rochosas em lagoas de retenção durante os anos em que esteve em
funcionamento. Aparentemente, as águas subterrâneas entre o arsenal
e as fazendas haviam sido contaminadas e os resíduos haviam levado
de sete a oito anos para percorrer uma distância de cerca de 5
quilômetros sob o solo desde os reservatórios até a fazenda mais
próxima. Essa infiltração havia continuado a se espalhar e
contaminado, a seguir, uma área de extensão desconhecida. Os
pesquisadores não sabiam de nenhum meio de conter a contaminação
ou deter seu avanço.

Tudo isso já havia sido ruim o bastante, mas, nesse episódio, o aspecto
mais misterioso e provavelmente mais significativo a longo prazo foi a
descoberta do exterminador de ervas daninhas 2,4D em alguns poços
e reservatórios do Arsenal. Certamente essa presença era o bastante
para explicar os danos às lavouras irrigadas com aquela água. Mas o
mistério estava no fato de que o Arsenal jamais fabricara 2,4D em
nenhum estágio de suas operações.

Após um estudo longo e cuidadoso, os químicos da fábrica concluíram


que o 2,4D havia se formado espontaneamente nos reservatórios
expostos ao ar livre. Havia-se formado lá a partir de outras substâncias
despejadas pelo Arsenal; na presença do ar, da água e da luz do Sol, e
sem a intervenção de químicos para a produção de um novo produto.
(CARSON, 2010, [1962], p. 50-51).

139
Continuando um pouco mais com Carson (2010, [1962], p. 54-55), a mesma traz
dados expostos de forma dramática e que buscam explicar um pouco do título de seu livro
“Primavera Silenciosa”, em que menciona a mortandade de inúmeros pássaros e,
portanto, o silenciar de seu canto durante a primavera estadunidense. Algumas percepções
da autora parecem corroborar as observações exaladas por Ulrich Beck mais de 20 anos
depois. Segundo ela:

[...] Como aconteceu em 1954, nenhuma evidência de doença infecciosa


foi descoberta durante o exame das aves mortas. Mas quando alguém
pensou em analisar os tecidos graxos dos mergulhões, descobriu-se que
estavam cheios de DDD, na concentração extraordinária de 1.600 partes
por milhão. A concentração máxima aplicada na água foi de 1/50 partes
por milhão. Como o agente químico pode se acumular em quantidades
tão prodigiosas nos mergulhões? Esses pássaros, é claro, comem peixes.
Quando os peixes do lago Clear foram também analisados, o quadro
começou a tomar forma – o veneno fora captado pelos organismos
menores, concentrara-se e fora transmitido para os predadores maiores
[...] Em uma sequência que lembra a parlenda: “Cadê o toucinho que
estava aqui?”: Os grandes carnívoros comeram os carnívoros menores,
que comeram os herbívoros, que comeram o plâncton, que absorveram
o veneno da água. Descobertas mais extraordinárias ainda foram feitas
mais tarde. Nenhum traço de DDD foi encontrado na água logo após a
última aplicação do produto químico. Mas o veneno não havia deixado
realmente o lago, havia simplesmente penetrado no tecido da vida que
o lago sustenta. [...] Toda essa cadeia de envenenamento, portanto,
parece se apoiar sobre uma base de plantas minúsculas que devem
ter sido os concentradores originais. Mas e quanto à extremidade
oposta da cadeia alimentar – o ser humano que, provavelmente na
ignorância de toda essa sequência de eventos, armou a sua vara de
pescar, fisgou um punhado de peixes e águas do lago Clear e levou-
os para fritar em casa para o jantar? Qual seria o efeito de uma
forte dosagem de DDD, ou quem sabe de repetidas dosagens, sobre
ele? (sem destaque no original).

Voltamos para Beck (2011, [1986], p. 33), que também utiliza um exemplo
representativo quando diz que:

A mulher que, em seu apartamento de três cômodos num subúrbio


de Neuperlach, amamenta seu pequeno Martin de três meses de
idade, encontra-se desse modo numa “relação imediata” com a
indústria química, que fabrica pesticidas, com os agricultores, que se
veem obrigados, em razão das diretrizes agrícolas da Comunidade
Europeia, a recorrer à produção massiva especializada e à
sobrefertilização, e por aí afora. Até onde se podem ou devem buscar
efeitos colaterais é algo que continua em grande medida incerto. Até
mesmo na carne de pinguins antárticos foi encontrada
recentemente uma superdose de DDT. (sem destaque no original).

Para Beck (2011, [1986], p. 33), exemplos como os citados por ele e até mesmo o
que colacionamos, podem nos remeter a duas reflexões: “primeiro, que riscos da
140
modernização emergem ao mesmo tempo vinculados espacialmente e desvinculadamente
com um alcance universal; e segundo, quão incalculáveis e imprevisíveis são os
intricados caminhos de seus efeitos nocivos.”

Interessante percebermos o olhar que o autor lança para os riscos na era da


modernização, pois este aduz que algo que se encontra conteudística-objetiva, espacial e
temporalmente separado acaba sendo aleatoriamente congregado e, desse modo,
estabelecendo uma relação de responsabilidade social e jurídica. Ocorre que por serem
suposições casuais, são também teoria e, como tais, necessitam ser conceitualmente
adicionadas e presumidas como verdadeiras, acreditadas e que, nesse mesmo sentido, os
riscos são invisíveis e a causalidade suposta, segue como sendo algo mais ou menos
incerto e provisório. Assim, no que diz respeito à consciência do risco, teríamos uma
consciência teórica e, consequentemente, cientificizada (BECK, 2011, [1986], p. 33).

Referido autor menciona que um momento de expansão do método científico e


que, basicamente, existe uma dúvida metódica, sobre as próprias bases da ciência e que
para além da cientificização simples, em que a dúvida metódica é colocada sobre o
externo e preexistente à ciência (a natureza, o homem, a sociedade), nessa segunda gênese
civilizatória, a ciência se torna objeto de questionamento: trata-se do que Beck nomeia
como cientificização reflexiva e que, segundo ele (2011, [1986], p. 248) “os atores da
ruptura são as disciplinas da autoaplicação crítica da ciência sobre a ciência: teoria da
ciência e história da ciência, sociologia do conhecimento e da ciência.

A obra desenvolvida por Ulrich Beck é robusta e traz elementos interessantíssimos


para que utilizemos sua perspectiva dentro da investigação que nos propomos, uma vez
que ficará extremamente perceptível, ao longo da presente pesquisa, o quanto a discussão
e disputa em torno da técnica - seja ela agroecológica, ou agronegocial está posta.

Todavia, para não nos alongarmos muito, nos concentraremos a partir de agora na
perspectiva Beckiana de riscos específicos de classe e globalização dos riscos
civilizacionais que oferecerão, em determinado momento, uma aproximação da
perspectiva dos Movimentos de Justiça Ambiental, estudados no tópico anterior e, em
outros momentos, um aparente e frontal afastamento.

Para Beck (2011, [1986], p. 44):

141
Tipo, padrão e meios de distribuição de riscos diferenciam-se
sistematicamente daqueles da distribuição da riqueza. Isto não anula o
fato de que muitos riscos sejam distribuídos de um modo especificado
pela camada ou classe social. A história da distribuição de riscos
mostra que estes se atêm, assim como as riquezas, ao esquema de
classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima,
os riscos embaixo. Assim, os riscos parecem reforçar, e não revogar, a
sociedade de classes.

Assim, podemos concluir que, de certa forma, os mais abastados economicamente


teriam como comprar segurança e liberdade em relação ao risco, e que essa realidade, por
vezes, impõe-se até hoje em relação a algumas dimensões centrais do risco.
Exemplificamos com o fato de que os riscos de sobrecarga, irradiação e contaminação em
locais de trabalho são distribuídos desigualmente de acordo com a categoria profissional
e que são, principalmente, os vizinhos mais acessíveis aos grupos de menor renda da
população, no entorno dos centros de produção industrial, por exemplo, que serão
onerados, a longo prazo, com a contaminação por diversos poluentes (BECK, 2011,
[1986], p. 41-42).

Exemplificamos, citando os menos abastados economicamente, fazendeiros do


interior dos EUA, como os noticiados por Rachel Carson, populações miseráveis que
viviam em seus barracos contíguos à Union Carbide em Bhopal, ou nossos agricultores
familiares e empregados das fazendas em zonas de fronteiras de expansão do agronegócio
do Brasil, além das já mencionadas crianças que se amamentam do leite das mães
empregadas ou moradoras das áreas contíguas a esses cinturões verdes.

A capacidade de lidar com as situações de risco também são diferenciadas de


acordo com a classe social, renda e educação. Nas palavras de Beck (2011, [1986], p. 42):
“um bolso suficientemente cheio é capaz de colocar alguém em posição de refestelar-se
como ovos de “galinhas felizes” e folhas de “alfaces felizes”

Educação e sensibilidade à informação podem abrir novas possibilidades de


relacionamentos com as contaminações, assim, por exemplo, pode-se evitar determinados
produtos como fígados de vacas velhas, com altos teores de chumbo ou por meio de
técnicas nutricionais, optar-se pela variedade do cardápio semanal e, assim, fazer com
que os metais pesados presentes nos peixes consumidos e cuja origem seja do Mar do
Norte e os aditivos presentes na carne suína sejam diluídos, complementados ou
relativizados pelas substâncias que compõem o chá. Logo, cozinhar e comer convertem-

142
se numa espécie de química alimentar implícita, numa espécie de cozinha do diabo com
pretensão minimizadora. Ainda assim, é muito provável que, em resposta às notícias de
contaminação na imprensa e na televisão, surjam hábitos de alimentação e de vida que se
orientem pela antiquimificação e que, em meio às camadas mais educadas e abastadas
ocorra a maior conscientização em relação à alimentação (BECK, 2011, [1986], p. 42).

Para ele (2011, [1986], p. 42-43):

Poder-se-ia deduzir, a partir disto que, justamente em razão dessa


postura refletida e financeiramente lastreada em relação aos riscos,
velhas desigualdades sociais são consolidadas num novo patamar.
É justamente desse modo, contudo, que não se chegará à base da
lógica distributiva dos riscos.

Paralelamente ao aprofundamento das situações de risco, reduzem-se as


rotas de fuga e as possibilidades compensatórias de caráter privado, ao
mesmo tempo em que se disseminam. A potenciação dos riscos, a
impossibilidade de contorná-los, a abstinência política, assim como o
anúncio e a venda de possibilidades privadas de escape, implicam-se
mutuamente. É possível que esses dribles privados ainda ajudem em
relação a alguns alimentos; mas já no fornecimento de água estão
todas as camadas sociais interligadas pelo mesmo encanamento; e
basta lançar um olhar às “florestas esqueléticas” dos “idílios
campestres”, distantes das indústrias, para que fique claro que as
barreiras específicas de classes caem também por conta dos teores
tóxicos do ar que todos respiramos. A única proteção realmente eficaz
sob essas condições seria não comer, não beber e não respirar. E
mesmo isto ajuda apenas em parte. Afinal, todos sabem o que
acontece às pedras – e aos cadáveres enterrados. (sem destaque no
original).

Em relação à globalização dos riscos civilizacionais, Beck (2011, [1986], p. 43)


diz que se a reduzirmos a uma fórmula, seria a de que “a miséria é hierárquica, o smog é
democrático” e que com a ampliação dos riscos advindos da modernização acabam por
se relativizar as diferenças e fronteiras sociais. Objetivamente falando, é como se os riscos
produzissem, dentro de seu raio e alcance e entre as pessoas por eles afetadas, um efeito
equalizador.

Nesse ponto, defende Beck (2011, [1986], p. 43) que:

Reside justamente sua nova força política. [...] sociedades de risco


simplesmente não são sociedades de classes; suas situações de ameaça
não podem ser concebidas como situações de classe, da mesma forma
que seus conflitos não podem ser concebidos como conflitos de
classe. Isto fica ainda mais claro se tivermos em conta o feitio peculiar,
o padrão distributivo específico dos riscos da modernização: eles
possuem uma tendência imanente à globalização. A produção

143
industrial é acompanhada por um universalismo das ameaças,
independentemente dos lugares onde são produzidas: cadeias
alimentares interligam cada um a praticamente todos os demais da
face da Terra. Submersas, elas atravessam fronteiras. O teor de acidez
do ar carcome não apenas esculturas e tesouros artísticos, mas há muito
corroeu também os marcos de fronteira. Mesmo no Canadá acidificam-
se os mares, mesmo nos extremos setentrionais da Escandinávia
morrem as florestas. (sem destaque no original).

Desta feita, produz-se o que o autor denomina como “efeito bumerangue” e que é
explicado por Beck (2011, [1986], p. 44) da seguinte maneira:

Contido na globalização, e ainda assim claramente distinto dela, há um


padrão de distribuição dos riscos no qual se encontra um material
politicamente explosivo: cedo ou tarde, eles alcançam inclusive aqueles
que os produziram ou que lucraram com eles. Em sua disseminação,
os riscos apresentam socialmente um efeito bumerangue: nem os
ricos e poderosos estão seguros diante deles. Os anteriormente
“latentes efeitos colaterais” rebatem também sobre os centros de
sua produção. Os atores da modernização acabam, inevitável e
bastante concretamente, entrando na ciranda dos perigos que eles
próprios desencadeiam e com os quais lucram. Isto pode ocorrer de
diversas formas. (sem destaque no original).

Se pegarmos, como exemplo, a agricultura, teremos nas palavras de Beck (2011,


[1986], p. 45) que:

Os antigos “efeitos colaterais imprevistos” tornam-se assim efeitos


principais visíveis, que ameaçam seus próprios centros causais de
produção. A produção de riscos da modernização acompanha a curva
do bumerangue. A agricultura intensiva de caráter industrial,
fomentada com bilhões em subsídios, não somente faz aumentar
dramaticamente em cidades distantes a concentração de chumbo
no leite materno e nas crianças. Ela também solapa de múltiplas
formas a base natural da própria produção agrícola: cai a
fertilidade das lavouras, desaparecem espécies indispensáveis de
animais e plantas, aumenta o perigo de erosão do solo. Esse efeito
socialmente circular de ameaça pode ser generalizado: sob a égide dos
riscos da modernização, cedo ou tarde se atinge a unidade entre culpa e
vítima. No pior, no mais inconcebível dos casos – o cogumelo atômico
– isto é evidente: ele aniquila inclusive o agressor. Torna-se claro,
nesses casos, que a Terra se transformou num assento ejetável, que
não mais reconhece diferenças entre pobre e rico, branco e preto,
sul e norte, leste e oeste.

Em relação à percepção das futuras gerações, chegamos a nos indagar se o que


Beck (2011 [1986]) propõe na situação a seguir seria uma evidência da quebra da
equidade intergeracional diante do atual modelo civilizatório imerso em riscos. Vejamos
a citação:

Na civilização avançada, que surgiu para abolir as destinações, para


144
oferecer às pessoas possibilidades de escolha, para libertá-las de
constrições naturais, acaba surgindo uma nova destinação global, de
alcance mundial, fundada na ameaça; destinação esta diante da qual a
possibilidade de escolha individual dificilmente se sustenta, pela razão
de que, no mundo industrial, os poluentes e venenos estão
entrelaçados com a base natural, com a consumação elementar da
vida. A vivência dessa suscetibilidade ao risco interdita à escola torna
compreensível muito do impacto, da ira impotente e da “sensação de
não haver amanhã” com que muitos, ambiguamente e exercendo uma
crítica forçosamente construtiva reagem à mais recente realização da
civilização tecnológica: é possível chegar a estabelecer e manter uma
distância crítica diante de algo de que não se pode escapar? Deve-se
abrir mão da distância crítica e refugiar-se no inevitável, com escárnio
ou cinismo, indiferença ou júbilo, apenas porque se trata de algo de que
não se pode escapar. (BECK, 2011, [1986], p. 49). (sem destaque no
original).

Em relação às novas desigualdades internacionais e a equalização das situações


de ameaça, Beck (2011, [1986], p. 49-50; 55) diz que:

A equalização mundial das situações de ameaça não deve, entretanto,


camuflar as novas desigualdades sociais no interior da suscetibilidade
ao risco. Estas surgem particularmente quando – ao menos em escala
internacional – situações de classe e situações de risco se sobrepõem: o
proletariado da sociedade de risco mundial instala-se ao pé das
chaminés, ao lado das refinarias e indústrias químicas, nos centros
industriais do Terceiro Mundo. A “maior catástrofe industrial da
história (Der Spiegel), o acidente tóxico na cidade indiana de Bhopal,
chamou a atenção da opinião pública mundial para esse fato. As
indústrias de risco foram transferidas para os países com mão de
obra barata. Isso não aconteceu por acaso. Existe uma sistemática
“força de atração” entre pobreza extrema e riscos extremos. [...] E
um tolo ingênuo ainda presumiria que os responsáveis pela triagem não
sabem o que fazem. Também fala em favor desse processo a
comprovada “alta aceitação” de uma população provincial
desempregada (!) diante de “novas” tecnologias (capazes de gerar
empregos). [...] A perda iminente de postos de trabalho é proclamada
aos quatro ventos, de modo a manter frouxas as amarras das
estipulações e controles de valores máximos para as emissões de
poluentes ou para que sequer se investiguem certos resíduos tóxicos
detectados nos alimentos. Em virtude da precaução diante dos
possíveis efeitos econômicos, sequer se mantém registro de categorias
inteiras de substâncias tóxicas, elas não existem juridicamente e, por
isto mesmo, podem circular livremente.

Ulrich Beck parece estar ciente de vários pontos de tensão que englobam o atual
modelo agroprodutivo, pois já lemos aqui suas colocações sobre as retóricas de
desqualificação e ocultação de dados técnico-científicos; presenciamos sua percepção
acerca do risco da bioacumulação de produtos tóxicos e o quanto estes podem afetar de
forma desproprocional algumas populações mais vulneráveis; percebemos seu olhar para
145
com o futuro da humanidade; e, no que tange à utilização de agrotóxicos e a própria
realidade da Revolução Verde e seu discurso de combate à fome, Beck (2011, [1986], p.
50; 59) também faz interessantes ilações que reproduziremos abaixo:

A miséria material e a cegueira diante do risco coincidem. “Um


especialista em desenvolvimento relata o manuseio imprudente com
pesticidas, no caso, no Sri Lanka: “o DDT é espalhado com as mãos, as
pessoas ficam polvilhadas de branco”. Na ilha caribenha de Trinindad
(1,2 milhão de habitante), foram registrados nos anos de 1983 um total
de 120 casos de morte por pesticidas. “Um fazendeiro: ‘se você não
passa mal depois da pulverização, é porque não pulverizou o
bastante.’

Para essas pessoas, as complexas instalações das indústrias químicas,


com seus imponentes tubos e tanques são símbolos caros do sucesso. A
ameaça de morte nelas contida fica, em contraste, invisível. Para eles,
os fertilizantes, inseticidas e herbicidas que elas produzem são
vistos, antes de mais nada, sob a ótica da libertação da precariedade
material. São pré-condições da “revolução verde”, que –
sistematicamente apoiada pelas nações industriais do Ocidente –
aumentou nos últimos anos a produção de gêneros alimentícios em
30%, em alguns países da Ásia e da América Latina em até 40%. O fato
de que, enquanto isto, a cada ano sejam “pulverizadas sobre pomares e
campos de algodão, arroz e tabaco [...] várias centenas de milhares de
toneladas de pesticidas” acaba sendo ofuscado por esses êxitos
tangíveis. Na concorrência entre a morte pela fome, visivelmente
iminente, com a morte por intoxicação, iminente mas invisível,
impõe-se a premência do combate à miséria material. [...] a luta
contra a fome e pela autonomia compõe o escudo através do qual os
riscos, de todo o modo imperceptíveis, são abafados, minimizados e,
em decorrência, potencializados, disseminados e, finalmente,
devolvidos aos ricos países industriais ao longo da cadeia alimentar [..]
Competentes para tanto são todos e ninguém. Todos, aliás, com apenas
um dos pés. O outro está na arena da luta pelo seu emprego (sua
renda, sua família, sua casinha, seus cuidados com o carro, suas férias
dos sonhos etc. Quando isto se perde, o indivíduo – com ou sem toxina
– está na pior).

Uma outra interessante passagem da obra de Beck (2011, [1986], p. 55-56) trata
da perseguição científica, a qual será melhor estudada no próximo capítulo. Assim diz a
citação:

[...] Ao mesmo tempo, afiam-se os instrumentos da “superação”


definitória do risco e brandem-se os respectivos machados: aqueles
que apontam os riscos são difamados como “estraga-prazeres” e
produtores de riscos. Assume-se que sua demonstração dos riscos
“não são comprovadas”. Os efeitos para o ser humano e o meio
ambiente por eles apontados são tomados por exagero desmedido”
[...] A confiança na ciência e na pesquisa é professada. [...] É
precisamente com o avanço da sociedade de risco que se desenvolvem
como decorrência as oposições entre aqueles que são afetados pelos
riscos e aqueles que lucram com eles. Da mesma forma, aumenta a

146
importância social e política do conhecimento, e consequentemente do
acesso aos meios de forjar o conhecimento (ciência e pesquisa) e
disseminá-lo (meios de comunicação de massa). A sociedade do
risco, é nesse sentido, também a sociedade da ciência, da mídia e da
informação. Nela, escancaram-se assim as novas oposições entre
aqueles que produzem definições de risco e aqueles que as consomem.
Essas tensões, entre subtração do risco e comércio, produção e consumo
de definições de riscos, atravessam todos os âmbitos de atuação social.
Encontram-se aí as origens primárias das “disputas definitórias” em
torno da “extensão, do grau e da urgência dos riscos”.

A canibalização mercantilizante dos riscos favorece um vaivém


generalizado entre velamento e desvelamento de riscos – com o
resultado de que, no fim das contas, ninguém mais sabe se o
“problema” não é afinal a “solução” ou vice-versa, quem lucra com
o quê, quando é que as autorias são estabelecidas ou ocultadas por conta
das especulações causais, ou então se todo o discurso em torno do risco
não é expressão de uma dramaturgia política deslocada, que pretende
na verdade algo inteiramente distinto (sem destaque no original).

No que tange a uma solidariedade global, Beck (2011, [1986], p. 57-58) também
traz alusiva consideração, que reproduzimos abaixo:

Nesse sentido, a sociedade de risco produz novas oposições de interesse


e um novo tipo de solidariedade diante da ameaça, sem porém que se
saiba ainda quanta carga ela pode comportar. Na medida em que as
ameaças da modernização se acentuam e generalizam, revogando
portanto as zonas residentes de imunidade, a sociedade de risco (em
contraposição à sociedade de classes) desenvolve uma tendência à
unificação objetiva das suscetibilidades em situações de ameaças
globais. Assim, amigo e inimigo, leste e oeste, em cima e embaixo,
cidade e campo, preto e branco, sul e norte são todos submetidos,
no limite, à pressão equalizante dos riscos civilizacionais que se
exarcebam. Sociedades de risco não são sociedades de classes- mas
isto ainda é pouco. Elas contêm em si uma dinâmica evolutiva de
base democrática que ultrapassa fronteiras, através da qual a
humanidade é forçada a se congregar na situação unitária de
autoameaças civilizacionais. [...] Enquanto as sociedades de classes
são organizáveis em Estados Nacionais, as sociedades de riscos fazem
emergir “comunhões de ameaça” objetivas, que em última instância
somente podem ser abarcadas no marco da sociedade global. O
potencial de autoameaça civilizacional desenvolvido no processo de
modernização faz assim com que também a utopia de uma sociedade
global se torne um pouco mais real, ou ao menos mais premente.
Exatamente como quando as pessoas do século XIX precisaram, sob a
pena de naufragar economicamente, aprender a submeter-se às
condições da sociedade industrial e do trabalho assalariado- da mesma
forma elas precisarão, hoje e no futuro, sob o açoite do apocalipse
civilizacional, aprender a sentar-se à mesa e a encontrar e a
implementar soluções para as ameaças autoinfligidas capazes de
atravessar todas as fronteiras. [...]. (sem destaque no original).

Percebemos que na transição da sociedade de classes para a de risco, conforme

147
proposta por Ulrich Beck (2011, [1986], p. 59-60), começa a diferenciar-se a qualidade
da solidariedade, e o lugar do sistema axiológico da sociedade “desigual”, ou de classes,
é ocupado pelo sistema da sociedade “insegura” ou de risco. Assim, o sonho da sociedade
de classes seria fornecer acesso a todos que querem e devem compartilhar do bolo. A
meta da sociedade de risco, por seu turno, guia-se pela máxima: “todos devem ser
poupados do veneno”. A força motriz da sociedade de classes pode ser resumida na frase:
“tenho fome!” enquanto o movimento desencadeado com a emergência da sociedade de
risco, ao contrário, é expresso pela afirmação: “tenho medo!” A solidariedade da carência
de recursos foi substituída pela solidariedade do medo. O modelo da sociedade de risco
marca, nesse sentido, uma época social na qual a solidariedade, por medo, emerge e torna-
se uma força política.

Postas e expostas essas correntes sociológicas que, conforme salientamos, em


certos momentos convergem e em outros

divergem, a saber, o Movimento por Justiça Ambiental – plural em sua


composição, atores e teorizadores e a Sociedade de Risco, que têm em Ulrich Beck seu
idealizador, percebemos que, mais do que se excluírem, ambas proposições abrem ainda
mais o leque que nos auxilia a pensar como isso se materializa em pesquisas técnico-
científicas e sua posterior relação com o Poder Judiciário através do MPF e dos juízes de
1ª instância, conforme veremos nos capítulos adiante.

148
3 “OS FILHOS” DA (R)EVOLUÇÃO EM CAMPO: agro(tech) ou agro(tóxico)?

“O homem e sua segurança devem constituir a preocupação


fundamental de toda a aventura tecnológica. Nunca se
esqueçam disso quando estiverem mergulhados em seus planos
e equações. Albert Einstein.

“Há milhares e milhares de brasileiros que ganham salário-


mínimo ou não ganham nada. Portanto, precisam comer comida
com defensivo sim, porque é a única forma de fazer o alimento
mais barato”. Senadora Kátia Abreu

No 1º capítulo, vimos como a Revolução verde, a Revolução genética e a


Biofortificação têm influenciado o padrão agroprodutivo no mundo. Contudo, diante
desse processo evolutivo, algo se apresenta de forma contraditória, pois, segundo
McMicahel (2016, p.04), a fome é hoje um fenômeno rural. A maior parte da população
faminta do mundo constitui-se de agricultores empobrecidos pela escala evolutiva dos
regimes alimentares e, segundo o autor em comento, isso talvez se constitua como uma
crise de alerta de governança e talvez uma crise terminal de sustentabilidade.

Outros elementos aparentemente contraditórios aos métodos revolucionários de


produção de alimentos no mundo vêm sendo levantados, pois, além da fome, os riscos de
contaminação ambiental e humana, a segurança alimentar, a sustentabilidade e a proteção
das presentes e futuras gerações são tratadas de forma crítica em pesquisas que abordam
os efeitos do atual modelo agroprodutivo.

Também vimos no capítulo primeiro, o quanto o discurso da “erradicação da fome


no mundo” se fez presente nos marcos revolucionários de produção alimentar do planeta
e o quanto ele busca demonstrar que seus avanços são sustentáveis. Todavia, neste
instante, um questionamento ecoa: Será que ser sustentável é alimentar as presentes
gerações ainda que ao custo de potenciais contaminações humanas e ambientais? Será
que de fato essas contaminações são reais, ou produtos de disputas técnicas, políticas,
jurídicas e retóricas de correntes que se embatem na arena agroprodutiva e que têm de um
lado o sistema agroquímico de produção e, de outro, o modelo agroecológico e similares
ou nas palavras de Gerd Sparovek (2017, p. 70-71) o agro e o eco ou os agroinclinados e
os ecoinclinados? Seriam tais narrativas incompletas diante de um problema complexo
ou existe uma narrativa completa e verdadeira dentro desta polarização?

Neste cenário de disputas de narrativas e ancorados em aspectos técnicos para suas


intervenções e questionamentos dentro do campo agroprodutivo, ambos os lados
149
disputam o papel de modelo agroalimentar sustentável, seguro, ambientalmente justo e
solidário intergeracionalmente, ainda que possuam vieses distintos em seus modos de
fazer ciência e produção alimentar.

Conforme já visto, no capítulo anterior, tratamos dos termos sustentabilidade,


risco, justiça ambiental e futuras gerações e no panorama de pesquisas que abordaremos
na sequência deste capítulo, buscaremos analisar os usos e contextos em que referidos
temas são acionados no campo técnico-científico crítico aos agrotóxicos e buscar
compreender o uso de referidos termos em tais pesquisas e documentos.

Assim, este será o nosso campo técnico-científico de análise, o qual, depois, será
interrelacionado com as ações do MPF no GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR e
suas respectivas decisões judiciais.

Ainda dentro do que já mencionamos na parte introdutória deste trabalho, os


problemas ambientais costumam ter sua emergência ligada a fatores diversos, entre eles
o âmbito técnico-científico, possuindo, dessa forma, uma base física mais impositiva -
ainda que não exclusiva, como nos casos de envenenamento por agrotóxicos ou de
mudanças climáticas, por exemplo. (HANNIGAN, 1995, p. 58).

A proposição que faremos a seguir é de origem qualitativa do ponto de vista


metodológico, ainda que possua elementos quantitativos em suas análises. O que nos
propomos a fazer nesse momento é trazer dados representativos de uma determinada
realidade, a qual dá conta de que agrotóxicos são causadores de problemas na saúde,
nutrição humana, bem como poluição ambiental.

Trataremos, ao longo do presente capítulo, de obras variadas que contemplam


áreas como geografia humana, saúde coletiva, nutrição, entre outros. Para tanto nos
debruçaremos sobre livros, artigos, relatórios, atlas e demais produções científicas e
documentais que se mostrem adequadas à abordagem qualitativa que se pretende aplicar.

A escolha por estudos que buscam enfatizar a insegurança da utilização de


agrotóxicos e transgênicos dentro do atual modelo agroprodutivo não é aleatória, mas
motivada pelo fato de que o que temos hoje posto é o domínio de um modelo
agroprodutivo que utiliza a monocultura, a transgenia e os mais diversos insumos
agrícolas como modelo sustentável e majoritário. Inclusive, como veremos em alguns

150
apontamentos neste tópico, boa parte da pesquisa científica sobre o tema é subsidiada
pelas gigantes corporações do agrobusiness, que aparentam não pretender se oporem ou
se aprofundarem em discussões sobre segurança alimentar, proteção à saúde humana,
efeitos sobre a infância e similares, mas tão somente garantir o incremento das vendas e
a manutenção de seu modelo agroprodutivo como o único capaz de “saciar a fome do
mundo”.

Assim, parece-nos, um tanto quanto natural, que as produções técnicas e a


aceitação de referido modelo pela sociedade não se mostrem tão contestados, cabendo-
nos investigar quem são e o que dizem aqueles que se contrapõem ao atual modelo
agroalimentar, mesmo que em determinado momento deste capítulo façamos um aparte
para comentários sobre a Carta Aberta da Monsanto em resposta ao Tribunal Monsanto
ocorrido no final do ano de 2016 e cujo parecer saiu em 18 de abril de 2017.

Para melhor sistematização do que se propõe expor, citaremos as obras que


conduziram referidas análises de forma principal, sendo elas:

• Pequeno ensaio cartográfico sobre o uso de agrotóxicos no Brasil (2016): Obra


de autoria de Larissa Mies Bombardi, lançada no ano de 2016 e que apresenta uma
série de mapas e gráficos já apresentados de forma dispersa em produção
bibliográfica recente da autora, condensados em uma única produção e que,
segundo ela, busca facilitar o debate sobre o uso de agrotóxicos na agricultura
brasileira.

• Agrotóxicos no Brasil: um guia para ação em defesa da vida63 (2011):


Publicada no ano de 2011 e organizado por Flávia Londres da Cunha em parceria
com a ANA - Articulação Nacional de Agroecologia e com a RBJA - Rede
Brasileira de Justiça Ambiental.

63
A parte introdutória da obra, informa que a parceria conjunta com a ANA - Articulação Nacional de
Agroecologia e a RBJA - Rede Brasileira de Justiça Ambiental busca tratar da visão dos movimentos
sociais sobre esse processo e afirma que os textos apresentados ao longo do livro demonstram acurado e
minucioso cuidado com as fontes e referências, baseando-se em pareceres de pesquisas e documentos
oficiais para que não se abra espaço para a desqualificação rotineira feita por grupos econômicos e até
mesmo alguns cientistas quando da produção de dados por essas organizações.
A abordagem é interdisciplinar e trata de saúde, meio ambiente e agricultura e objetivou funcionar como
um guia para a articulação das redes de agroecologia, justiça e saúde ambiental, soberania alimentar e
economia solidária.

151
Nas palavras de Fernando Ferreira Carneiro, prefaciador da obra, trata-se de uma
produção considerada histórica e de leitura essencial, uma vez que ainda é reduzido o
material educativo produzido pelo setor público informando à população sobre os riscos
do uso dos agrotóxicos no Brasil, sendo o campo de produção de dados sobre o uso de
agrotóxicos no país hegemonizado por quem produz e que preconiza a ideia de um uso
seguro, fato mítico segundo os autores da obra.

• Dossiê Abrasco: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde (2015):


É uma robusta obra de mais de 600 páginas organizada por Fernando Ferreira
Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e
André Campos Búrigo. Foi lançado em sua mais nova versão no ano de 2015. Está
dividido em 04 partes. A parte 1 (um) trata de Segurança Alimentar e Saúde e,
inicialmente, faz a menção ao fato de que o processo produtivo agrícola brasileiro
está cada vez mais dependente dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. A parte 2
trata do eixo “agrotóxico e saúde ambiental”. A parte 03 do Dossiê Abrasco
(2015) recebeu o título de “conhecimento científico e popular: construindo a
ecologia de saberes”, sendo aberta com as palavras de Boaventura Sousa Santos.

• Greenpeace/Brasil (2017): Desde 1990, o Greenpeace vem expondo e


questionado o modelo agrícola brasileiro, bem como o uso de Organismos
Geneticamente Modificados - OGMs, a expansão da agropecuária sobre as
florestas nativas, o uso massivo de agrotóxicos e os impactos socioambientais e
climáticos daí advindos, os quais, segundo referido documento técnico por nós
analisado, têm comprometido o futuro da nossa alimentação e da resiliência do
planeta.

Referido documento, defende que a transição para um modelo de agricultura mais


sustentável tem se mostrado necessária e urgente, não apenas no Brasil, mas no mundo e
convidam a sociedade brasileira a refletir sobre o tema e a fazer parte de um movimento
de construção de um futuro alimentar mais saudável, tanto para as pessoas quanto para o
meio ambiente – através de um modelo que seja justo, equitativo e inclusivo, tanto para
quem produz, quanto para quem consome.

• Relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU (2017): Na data de 24


de janeiro de 2017, a Secretaria do Conselho de Direitos Humanos emitiu

152
Relatório tratando da temática do Direito Humano à Alimentação Adequada, o
qual foi amplamente noticiado nos mais diversos meios de comunicação de mídia
de massa com uma chamada inicial muito parecida e que dizia de forma geral que
a “ONU desmentia a necessidade da utilização de pesticidas para alimentar o
mundo”64, inclusive com disponibilização para os leitores do “link” para acesso
ao relatório que ainda não se encontra disponível em português, mas foi
publicizado nos 6 idiomas oficiais da ONU: inglês, francês, espanhol, árabe,
chinês e russo.

Em nota inicial no relatório, a Secretaria informa que o documento foi redigido


em colaboração com o Relator Especial e trata dos impactos para os direitos humanos da
gestão e eliminação de substâncias e resíduos perigosos. No documento, é ofertada com
ênfase uma descrição contundente sobre o uso de pesticidas na agricultura mundial e seu
impacto nos direitos humanos, sendo realizada uma exposição minuciosa ao longo das 27
páginas do relatório sobre as consequências negativas que a utilização de pesticidas
provoca na saúde humana, no meio ambiente e na sociedade e que muitas dessas
consequências negativas são subnotificadas ou mantidas nas sombras. O documento
também enfatiza que as normas de proteção comumente estão focadas na segurança
alimentar e esquecem de sua relação com o meio ambiente, direitos humanos, além de
grupos específicos, como trabalhadores rurais, consumidores e grupos vulneráveis.

O relatório está organizado em 06 partes. Inicia-se pela introdução, depois traz


advertências sobre o impacto dos pesticidas sobre os direitos humanos e divide-se em
parte A e B. A parte A trata da saúde humana e a parte B da proteção ambiental. A parte
terceira trata da estrutura normativa e divide-se em A: Leis de Direitos Humanos, Leis de

64
Seguem alguns links onde foram veiculadas as reportagens sobre o tema, o qual alcançou variadas
publicações nacionais e com diferentes orientações ideológicas e de pauta comunicativa. Relatório da
ONU denuncia “mito” de que pesticidas são essenciais para alimentar o mundo. Disponível em:
<http://www.theuniplanet.com/2017/03/relatorio-da-onu-denuncia-mito-de-que.html>. Acesso em: 09
mar. 2017. ONU desmente mito de que pesticidas são-necessários para alimentar população mundial.
Disponível em: <http://www.hypeness.com.br/2017/03/onu-desmente-mito-de-que-pesticidas-sao-
necessarios-para-alimentar-populacao-mundial/>. Acesso em: 09 mar. 2017. Necessidade de pesticidas
no combate à fome é um mito, diz ONU: Relatório sustenta que é possível alimentar as 9,6 bilhões de
pessoas que vão habitar a terra em 2050 sem o uso dessas substâncias. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/ciencia/necessidade-de-pesticidas-no-combate-a-fome-e-um-mito-diz-onu/>.
Acesso em: 09 mar. 2017. Pesticidas matam 200 mil pessoas por intoxicação aguda todo ano, alertam
especialistas. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pesticidas-matam-200-mil-pessoas-por-
intoxicacao-aguda-todo-ano-alertam-especialistas/>. Acesso em: 09 mar. 2017. ONU denuncia “mito”
sobre pesticida ser essencial para lavoura. Disponível em:
<https://catracalivre.com.br/geral/sustentavel/indicacao/onu-denuncia-mito-sobre-pesticida-ser-essencial-
para-lavoura/>. Acesso em: 09 mar. 2017.

153
Proteção Ambiental Internacional e Código Internacional de Condutas e Práticas não
vinculantes. A parte 04 trata dos desafios planetários diante do atual sistema
agroprodutivo com agrotóxicos, e na parte A trata dos distintos níveis de proteção e na
parte B de outros desafios. A quinta parte do relatório apresenta a agroecologia como
alternativa ao atual modelo extensivo de uso de pesticidas e a sexta e última parte trata
das conclusões e recomendações finais do relatório.
• Tribunal de Opinião Monsanto (2017): Outro documento extremamente crítico
aos efeitos de agrotóxicos e transgênicos na saúde humana e meio ambiente e o
atual sistema agroprodutivo dominante foi produzido pelo denominado “Tribunal
Internacional Monsanto” que pode ser considerado como um “Tribunal de
Opinião”. Os denominados “tribunais de opinião” não se enquadram na ordem
judicial de um Estado, podendo ser considerados como “tribunais
extraordinários", nascidos da determinação da sociedade civil que buscou a
iniciativa e participou ativamente.

Segundo o endereço eletrônico criado especificamente para condensar


informações, vídeos e documentos do Tribunal65, este segue a longa tradição dos
Tribunais de Opinião criados em 1966 sob o impulso dos filósofos Bertrand Russell e
Jean - Paul Sartre. Em 1979, por iniciativa do senador e teórico Lelio Basso, o Tribunal
Russell-Sartre se estendeu ao Tribunal Permanente dos Povos. Vários tribunais de opinião
já foram realizados em diferentes países e em vários assuntos66 (TRIBUNAL
MONSANTO, 2017, p. 9, relatório).

Os Tribunais de Opinião buscam examinar, através de um método judicial, quais


regras seriam aplicáveis a situações ou acontecimentos de alta problematização e que
afetam diretamente uma série de grupos de pessoas, bem como a sociedade em geral. Tem
um duplo objetivo: alertar a opinião pública, as partes interessadas e os decisores políticos
para atos que possam ser considerados inacessíveis ou injustificáveis nos termos das
normas jurídicas. Buscam, dessa forma, contribuir para o avanço do direito nacional e
internacional.

65
Mais informações em: <http://pt.monsantotribunal.org/>.
66
Mais informações em: <http://permanentpeoplestribunal.org/>.

154
O início do Tribunal Monsanto67 ocorreu no dia 14 de outubro de 2016 em Haia,
Holanda e as sessões do Tribunal ocorreram nos dias 15 e 16 no Institute of Social Studies
- ISS. Cinco juízes internacionais ouviram cerca de 30 testemunhas e especialistas de 5
continentes. O parecer jurídico foi comunicado pelos juízes em 18 de abril de 2017 e
também se encontra comentado neste trabalho.

Como objetivo geral do Tribunal apresentam a obtenção de julgamento, mesmo


simbólico, da empresa Monsanto, realizado por um tribunal com funcionamento e juízes
reais, e, assim, contribuir para a implementação de mecanismos internacionais que
permitam às vítimas das multinacionais recorrer à justiça.

Como objetivos específicos o Tribunal aponta a avaliação dos fatos imputados à


empresa Monsanto e o julgamento dos danos causados pela multinacional em
conformidade com o direito internacional vigente; avaliação das ações da Monsanto em
consonância com o crime de ecocídio e sua relação com o direito internacional penal;
exame da oportunidade de se reformar o Estatuto de Roma, que estabeleceu o Tribunal
Penal Internacional, para a inserção do o crime de ecocídio e permissão de que pessoas
singulares e coletivas, suspeitas de terem cometido esse crime, possam ser
responsabilizadas judicialmente.68

67
O Funcionamento do Tribunal operacionalizou-se através da utilização das seguintes diretrizes jurídicas:
Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, aprovados pelo Conselho
dos Direitos Humanos da ONU em junho de 2011 e Estatuto de Roma, que está na origem da criação do
Tribunal Penal Internacional (TPI), o qual é competente para julgar os autores presumidos de crimes de
genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão. Os Princípios Orientadores
das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos de 2011 formularan da forma mais legítima no
plano internacional as responsabilidades das empresas no que tange aos direitos humanos e estabeleceram
que as empresas devem respeitar a totalidade dos direitos humanos, incluindo o direito à vida, o direito à
saúde e o direito a um ambiente saudável. Antes do evento, grupos de trabalho estudaram o impacto das
atividades da Monsanto nas seguintes seis áreas: direito a um ambiente saudável; direito à saúde; direito à
alimentação; liberdade de expressão; liberdade de investigação acadêmica; crime de ecocídio. Informação
disponível em: <http://pt.monsantotribunal.org/Como_>. Acesso em: 22 abr. 2017.
68
Por fim, colacionamos, de acordo com as informações do site do “Tribunal Internacional Monsanto” os
membros do Comitê de Organização. Temos como primeiro nome citado, Vandana Shiva , já mencionada
no primeiro capítulo deste trabalho e que é portadora de um discurso contramajoritário; Corinne Lepage,
advogada desde 1975 e especialista em questões ambientais, ex-ministra do Ambiente na França, ; Marie-
Monique Robin, jornalista, autora do documentário mais vendido no mundo, cujo livro tem o mesmo nome,
"O Mundo segundo a Monsanto”; Olivier De Schutter, Co-presidente do Painel Internacional de
Especialistas em Sistemas Alimentares Sustentáveis (IPES-Food), professor na Universidade Católica da
Lovaina (Bélgica) e antigo Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação (2008-2014); Gilles-
Eric Séralini , professor de biologia molecular desde 1991 e pesquisador do Instituto de Biologia
Fundamental e Aplicada (IBFA) da Universidade de Caen; Hans Rudolf Herren, presidente e diretor-
executivo do Instituto Millenium e presidente-fundador da Biovision; Arnaud Apoteker, autor do livro “Du
poisson dans les fraises, Notre alimentation manipulée” e coordenador da campanha contra os OGMs do
grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia; Emilie Gaillard, professora de Direito Ambiental e Direitos
Humanos Internacionais na Faculdade de Ciências Políticas de Rennes (França) e autora de uma tese

155
• FAO (2014): Seguindo nossa abordagem, tratamos do relatório de 2014 da FAO,
que anunciou a saída do Brasil do Mapa da Fome mundial, todavia, não nos
ateremos a este aspecto da insegurança alimentar, mas aos resultados e abordagens
sobre o tema dos agrotóxicos na publicação.
• OMS e o Atlas sobre a saúde das crianças e o meio ambiente: “herdando um
mundo sustentável” (2017): Após 13 anos sem publicar o Atlas da Saúde das
Crianças e do Meio Ambiente, a OMS lançou em 2017, na data de 06 de março, a
versão atualizada do Atlas que informa que mais de 25% das mortes de crianças,
com menos de cinco anos são causadas por fatores ambientais como poluição,
falta de saneamento e uso de água imprópria para o consumo. Anualmente, 1,7
milhões de meninos e meninas nessa faixa etária morrem porque vivem em locais
insalubres, sendo exploradas, em tópico próprio do Atlas, as contaminações por
agrotóxicos na infância.

Assim, buscamos construir um panorama com pesquisas e documentos nacionais


e internacionais recortados pelo tema dos agrotóxicos em período recente, 2011-2017 e
em item próprio deste capítulo, apresentaremos o panorama das pesquisas nacionais e
internacionais que se relacionam especificamente com o tema do leite materno, infância
e futuras gerações e sua relação com os agrotóxicos.

Salientamos, por fim, que referidas pesquisas têm, por vezes, um misto de caráter
técnico-científico e operativo, uma vez que alguns de seus subscritores são pesquisadores
com papel ativo na militância contra o atual sistema agroprodutivo alocado em produtos
químicos, conforme perceberemos na sequência deste capítulo.

Inclusive, já adiantando um fato que nos chamou a atenção quando da análise de


referidos estudos, percebemos o quanto a própria palavra “uso” de agrotóxicos às vezes
aparece confundida ou, melhor dizendo, utilizada como sinônimo das palavras:
“contaminação”, “insegurança”, “intoxicação”, “exposição”, o que nos faz intuir que
muitos dos que pesquisam e criticam cientificamente a utilização destes produtos parecem

intitulada "Gerações futuras e direito privado: para uma lei das gerações futuras"; Valerie Cabanes,
advogada especialista em direito internacional, com experiência em direito humanitário e direitos humanos;
Ronnie Cummins, coordenador global da campanha “Milhões contra a Monsanto” e coautor do livro
“Genetically Engineered Food: A Self-Defense Guide for Consumers”; Andre Leu, autor do livro, "The
Myths of Safe Pesticides", e presidente da IFOAM Organics Internacional, o órgão de cúpula mundial para
o setor orgânico e que agrega cerca de 800 organizações em 125 países.

156
partilhar da compreensão de que não existe um uso seguro de agrotóxicos para a saúde,
nutrição humana e meio ambiente de presentes e futuras gerações.

3.1 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS: SUSTENTABILIDADE, RISCO E


JUSTIÇA AMBIENTAL
“Um fazendeiro: ‘se você não passa mal depois da pulverização, é
porque não pulverizou o bastante’” (Der Spigel, n. 05/1984, p. 119 in:
BECK, 2012, p. 50).

As pesquisas nacionais que trazem questionamentos e enfrentamentos em relação


ao uso de agrotóxicos buscam enfatizar fatores relacionados à saúde pública,
intoxicações, riscos e insustentabilidade, desenhando um quadro de potenciais danos a
que estão submetidos fabricantes e consumidores de alimentos produzidos em referidas
circunstâncias.

Ainda que não seja tão utilizada a terminologia desenvolvimento sustentável ou


sustentabilidade de forma corriqueira nos estudos a seguir tratados, temos que elementos
que se relacionam a referido termo poderão ser percebidos, pois a crítica ao desequilíbrio
entre as áreas ambiental, social e econômica fica perceptível em muitas narrativas. Em
relação à diferenciação de grupos com maior ou menor grau de vulnerabilidade em
relação ao uso de agrotóxicos, também são feitas observações nas pesquisas, além de
menções ao termo justiça ambiental. No que tange às futuras gerações, teremos excerto
próprio tratando da temática, principalmente no que pertine ao leite contaminado, nutrizes
e bebês, além de referências explícitas ao termo futuras gerações que destacaremos em
momento próprio.

Vislumbramos, inicialmente, que o variado grupo de pesquisas acessadas, bem


como de pesquisadores citados, busca enfatizar o quanto é alto o grau de utilização de
agrotóxicos, principalmente em determinadas monoculturas do país, além de destacarem
o fato de que diante de tão grande uso de agroquímicos, os casos de intoxicação são
subnotificados, pois ainda que expressem um grande número de pessoas atingidas, não
dão conta de exprimir o real perigo a que a população está exposta.

Neste sentido, temos no “Pequeno Ensaio Cartográfico Sobre o Uso de


Agrotóxicos no Brasil” uma ressalva feita logo no início da obra quando a autora informa
que, no Brasil, calcula-se que para cada caso notificado de intoxicação por agrotóxico,
existam outros cinquenta casos não notificados (BOMBARDI, 2016, p. 04). Sendo

157
elaborado, o mapa abaixo, para mostrar o número de mortes por agrotóxicos no país entre
os anos de 1999 a 2009.

Mapa 1 – Brasil: Mortes por Agrotóxico de Uso Agrícola - por Circunstância (1999-2009)
(BOMBARDI, 2016, p. 11).

Dentro dos dados acima cartografados, a pesquisadora busca revelar um


exorbitante número de suicídios no total de mortes ocorridas por intoxicação via
agrotóxicos notificados pelo SINITOX e que os índices são superiores a 80% em Minas
Gerais e no Espírito Santo, sendo que em alguns estados como Pernambuco e Ceará, na
região Nordeste do país, o suicídio alcançou quase 100% dos casos de morte notificadas.

Assim como na obra de Larissa Bombardi (2016), a pesquisa coordenada por


Flávia Londres (2011) enfatiza alguns aspectos semelhantes, como a imensa realidade das
subnotificações dos casos de intoxicação e alerta para o fato de que os registros referem-
se, basicamente, aos casos de intoxicação aguda, o que explicaria a altíssima proporção
das “tentativas de suicídio” entre os casos registrados, uma vez que os trabalhadores que
sofrem intoxicações ocupacionais e acidentais, quando procuram algum atendimento, o
fazem em postos de saúde, ambulatórios ou emergências dos hospitais, que dificilmente
diagnosticam corretamente a intoxicação e rarissimamente registram os casos.

158
A obra capitaneada por Londres (2011) registra, semelhantemente a Bombardi
(2016), o fato de que a maior parte das intoxicações notificadas refere-se às tentativas de
suicídio e não à exposição aos venenos no ambiente de trabalho, o que seria motivador
da não evolução no número de casos registrados nos últimos dez anos, ao mesmo passo
em que informa que aumentou o consumo de venenos agrícolas no país, pois o Brasil
alcançou, em 2008, o recorde mundial do uso de agrotóxicos.69

Todavia, a obra da autora em questão informa que apesar de todos os aspectos


relacionados às subnotificações, tem-se que o número de intoxicações registrado no país
não é desprezível e é representativo de uma significativa amostra dos gravíssimos riscos
aos quais estes produtos expõem a população. Abaixo, apresentamos gráfico indicativo
da evolução dos casos registrados de intoxicação humana por agrotóxicos no Brasil entre
os anos de 1999 e 2008 trazido em referida obra.

Gráfico 2 – Evolução dos casos registrados de intoxicação humana por agrotóxicos no Brasil entre 1999 e 2008 –
Dados do Sinitox
(LONDRES, 2011, p. 40).

Sobre a realidade já comentada, das circunstâncias da intoxicação serem


notificadas majoritariamente como tentativa de suicídio, tem-se o gráfico a seguir onde
Flávia Londres (2011) “desenha” o quão majoritária é essa estatística em sua perspectiva.

69
Segundo a obra que ora se comenta, na última década o uso de agrotóxicos no Brasil assumiu as
proporções mais assustadoras. Entre 2001 e 2008 a venda no país saltou de pouco mais de US$ 2 bilhões
para mais US$ 7 bilhões, quando alcançou-se a posição de maior consumidor mundial de venenos. Foram
986,5 mil toneladas de agrotóxicos aplicados. Em 2009 ampliou-se ainda mais o consumo e ultrapassou-se
a marca de 1 milhão de toneladas – o que representa nada menos que 5,2 kg de veneno por habitante! Dado
este que veremos mais adiante, continuam a crescer, conforme trará o Dossiê Abrasco (2015). Os dados
aqui colacionados são do próprio Sindag (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa
Agrícola), o sindicato das indústrias de agrotóxicos. (LONDRES, 2011, p. 19)

159
Gráfico 3 – Circunstância da Intoxicação (LONDRES, 2011, p. 40).

Na mesma linha, temos o Gráfico de Bombardi (2016) que aborda as


circunstâncias de intoxicações por agrotóxicos e percebemos que a pesquisadora busca
informar que as intoxicações ocorrem expressivamente de forma acidental, ou em forma
de tentativa de suicídio, a qual representou 37,4% do total de intoxicações entre os anos
de 2007 e 2013.

Gráfico 4 – Ministério da Saúde/SINAN (BOMBARDI, 2016, p. 19)

A obra de Londres (2011, p. 53) informa que há uma série de estudos que indicam
haver forte relação entre o uso de certos agrotóxicos e o alto índice de suicídios entre
agricultores, uma vez que algumas substâncias podem afetar o sistema nervoso central,
provocando transtornos psiquiátricos como ansiedade, irritabilidade, insônia ou sono
conturbado - com excesso de sonhos e/ou pesadelos, depressão e, muitas vezes, levar a
pessoa intoxicada ao ato extremo de eliminar a própria vida – comumente bebendo o
veneno usado na lavoura. A autora rememora algumas pesquisas emblemáticas sobre o

160
tema, entre elas destaca-se estudo de 1996 e que teve grande repercussão na imprensa
intitulado “Suicídio e Doença Mental em Venâncio Aires - RS: consequência do uso de
agrotóxicos organofosforados?”

Na pesquisa acima citada, demonstrou-se através de documentos que, em 1992,


3/4 (três quartos) da arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias de Venâncio
Aires vinha da indústria do tabaco e, que, no ano de 1995, devido a problemas com
estiagem e o consequente aumento de pragas, elevou-se esta quantidade de 60 Kg para
100 Kg de utilização de agrotóxicos por hectare, o qual se refletiu num incremento do
número de suicídios no mesmo ano no município, que quase duplicou em relação aos dois
anos anteriores, atingindo a marca de 37,22 em cada 100 mil habitantes – uma das taxas
mais altas do mundo. A pesquisa salientou que quase 60% destas mortes ocorreram na
área rural (LONDRES, 2011, p. 52).

A obra coordenada por Flávia Londres continua trazendo uma série de outras
informações sobre pesquisas que tratam da temática entre uso de agrotóxicos e suicídios.
Entre as informações e pesquisas apresentadas tem-se a referência de que, em fevereiro
de 2007, a revista Galileu publicou uma reportagem investigativa que buscava relacionar
o uso de agrotóxicos e os suicídios, divulgando, entre muitas outras informações, que
pesquisadores da Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC, da Universidade Estadual
de Campinas - UNICAMP e da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ pareciam
ter encontrado novos indícios de que o manganês, presente em alguns fungicidas, poderia
provocar danos à saúde humana muito mais graves do que os próprios organofosforados.

A mesma reportagem mencionava uma pesquisa com agricultores de tomate e de


morango no interior de São Paulo, realizada pelo neurologista Henrique Ballalai Ferraz
da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. Segundo a pesquisa, constatou-se que
a ansiedade e o nervosismo nas pessoas que manipulavam agrotóxicos eram altíssimos.
Para ele, tanto no caso do organofosforado, como no do manganês, intoxicações agudas
ou uma exposição longa aos agrotóxicos deixam sequelas neurocomportamentais que
podem evoluir para um quadro de depressão e que aliado a uma série de problemas
econômicos e sociais, poderia levar ao suicídio. (LONDRES, 2011, p. 52)

A mesma obra informa também que, em julho de 2010, o jornal Folha de São
Paulo publicou longa reportagem relatando casos em que fica evidente a relação entre os

161
agrotóxicos e os suicídios cometidos por agricultores de Fátima do Sul, no Mato Grosso
do Sul, município com destaque na produção de algodão, com intensivo uso de venenos,
em especial os organofosforados. Segundo a reportagem, em 2004 e 2005 um grupo de
pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS fez um
levantamento sobre os estados depressivos em 261 agricultores expostos a
organofosforados no município. Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso
de agrotóxicos e 30 apresentaram distúrbios psiquiátricos menores. Três tentaram o
suicídio. (LONDRES, 2011, p. 52).

A obra de Flávia Londres ainda relata a história de famílias inteiras vitimadas


pelos envenenamentos por agrotóxicos e cita o caso de Antônia de Souza Lucas, 64, mãe
de “uns 14” filhos e que teve 03 filhos vitimados pelo suicídio por envenenamento por
agrotóxicos e uma outra filha que cometeu tentativa. Segundo Londres (2001, p. 53):
“São histórias assim que tristemente se repetem na zona rural, em lavouras onde o uso
de venenos agrícolas por vezes garante a lavoura, mas ao custo de destruir as famílias.”

No Dossiê Abrasco (2015) os autores ressaltam, por seu turno, que, no Brasil, a
quantidade de sub-registros das intoxicações por agrotóxicos é muito grande, sendo esse
fator apontado como uma das grandes vulnerabilidades institucionais do país, entre outras
que se relacionam ao controle e monitoramento do uso de agrotóxicos em todo o território
nacional. Relatam os autores:

Como os efeitos agudos desses produtos sobre a saúde humana são os


mais visíveis, as informações obtidas sobre essas nocividades vêm dos
dados dos sistemas de informação sobre óbitos, emergências e
internações hospitalares de pessoas por eles intoxicadas. A maioria dos
casos identificados é por exposição ocupacional ou por tentativas de
suicídio. Não temos meios para proceder à avaliação direta dos efeitos
da exposição decorrentes dos alimentos e das águas contaminadas, o
que concorre para o ocultamento dessa nocividade. Seria necessário
utilizar modelos preditivos com base no princípio da precaução para
estimar as situações de risco a que estão submetidos os grupos
populacionais vulnerabilizados. Os serviços e os profissionais da
saúde nunca foram, e não estão, devidamente capacitados para
diagnosticar os efeitos relacionados com a exposição aos
agrotóxicos, tais como neuropatias, imunotoxicidade, alterações
endócrinas, alterações do sistema reprodutor, do desenvolvimento
e do crescimento, e produção de neoplasias, entre outros danos à
saúde. Sem esses diagnósticos, não se evidenciam as enfermidades
vinculadas aos agrotóxicos, e estas se ocultam, em favor dos interesses
de mercado. (ABRASCO, 2015, p. 78).

162
Os mesmos autores salientam que o Brasil não conta com um sistema de registros
eficiente, capaz de identificar especificamente os agrotóxicos envolvidos nos casos de
intoxicações agudas e crônicas.

Segundo os autores do Dossiê:

Vários sistemas oficiais registram intoxicações por agrotóxicos no país,


mas nenhum deles tem respondido adequadamente como
instrumento de vigilância deste tipo de agravo (FARIA; FASSA;
FACCHINI, 2007). O Ministério da Saúde (MS) estima que, no Brasil,
anualmente, existam mais de quatrocentas mil pessoas contaminadas
por agrotóxicos, com cerca de quatro mil mortes por ano (MOREIRA;
JACOB; PERES, 2002).

Intoxicações envolvendo agrotóxicos no Brasil foram analisadas por


Benatto (2002) com base em dados do Sistema Nacional de Agravos
Notificados (Sinan). Segundo esse autor, foi registrado no período de
1996 a 2000 um total de 5.654 casos suspeitos de intoxicação, com
2.931 casos confirmados (51,43%). O número de óbitos registrado foi
de 227, correspondendo a uma letalidade de 7,73% no período. As
intoxicações se concentraram em indivíduos do sexo masculino entre
15 e 49 anos, sendo confirmadas pelo critério clínico-epidemiológico
em 60% dos casos; [...] Os acidentes de trabalho representaram
53,5% das circunstâncias de intoxicação, seguidos pelas tentativas
de suicídio (28,2%) e por intoxicações acidentais (12,9%).
(ABRASCO, 2015, p. 125). (sem destaque no original).

O Dossiê informa, também, que, segundo a OMS, na maioria das situações, a


subnotificação ainda se faz muito presente, portanto, estima-se que para cada caso
notificado, outros cinquenta não o sejam. Assim, imagina-se que exista uma realidade de
outros trezentos mil casos ocultos de intoxicações, que não são identificados por fatores
diversos, como a falta de acesso aos serviços de saúde pela população do campo, as
dificuldades enfrentadas pelos médicos em identificar esse tipo de intoxicação, a falta de
preenchimento adequado das fichas e até o medo dos profissionais da saúde de assumir
tal notificação, haja vista o poder dos grandes fazendeiros do agronegócio nesses
territórios (ABRASCO, 2015, p. 128).

Na publicação do Greenpeace, a autora Aline do Monte Gurgel em seu artigo


“Impactos dos Agrotóxicos na Saúde Humana” e a autora Karen Friederich - também
colaboradora do Dossiê Abrasco, e na obra do Greenpeace autora do artigo “Perigos,
Limites e Desafios no Monitoramento sobre o uso de Agrotóxicos e seus resíduos”
apresentam suas inquietações em relação às intoxicações agudas e crônicas causadas por

163
agrotóxicos, bem como o elevado consumo destes produtos no país de forma muito
próxima as já apresentadas pelas pesquisas até aqui acionadas.

Gurgel (2017, p. 44), inclusive, utiliza uma terminologia parecida com a de Rachel
Carson quando trata os agrotóxicos como potenciais biocidas. Ela também faz
proposições parecidas com questionamentos feitos ao Tribunal Monsanto e menciona a
relação entre agrotóxicos e seu histórico como agentes de guerra, conforme trecho abaixo:

O potencial biocida dos agrotóxicos é conhecido há muitas décadas, e


diante desta característica, vários desses foram utilizados em diferentes
momentos da história como agentes de guerra, a exemplo da aplicação
do agente laranja (2,4-D e 2,4,5-T) na Guerra do Vietnã (1962-71);
dos gases sarin, soman e tabun na Guerra do Golfo (1980); e dos
ataques com sarin ao metrô de Tóquio (1995) e nos subúrbios de
Damasco, na Síria (2013) (Gurgel; Gurgel; Augusto, 2017). Mais
recentemente, os agrotóxicos pertencentes ao grupo químico dos
organofosforados foram apontados pela Organização Mundial de Saúde
(OMS) como os principais suspeitos de terem causado a intoxicação e
morte de dezenas de pessoas em um ataque químico na província de
Idlib, Síria, em abril de 2017 (Organização Mundial de Saúde, 2017).
[...] Os agrotóxicos podem promover o adoecimento e extinção de
espécies animais e vegetais, assim como o aumento de populações de
espécies resistentes (Pignati; Machado; Cabral, 2007). As exposições
podem ocorrer por meio da inalação (respiratória), ingestão (oral) e ou
através da pele (dérmica) (Costa, 2013). O contato com os agrotóxicos
se dá pela exposição ao ambiente contaminado, nos ambientes de
trabalho (exposições ocupacionais) ou pela ingestão de água e
alimentos contaminados com seus resíduos (exposição dietética).
Existem ainda os casos de exposição intencional, usualmente
registrados em tentativas de suicídio. (sem destaque no original).

Gurgel (2017, p. 52) conclui seu artigo dizendo que o modelo produtivo baseado
no uso de insumos químicos tais como os agrotóxicos, revela-se insustentável e
incompatível com a vida, devendo ser substituído por práticas que privilegiem a proteção
da saúde e da vida como a agroecologia..

Sparovek (2017, p. 75), por sua vez, na mesma obra, diz em seu artigo que:

[...] Sem dúvida, manter-se nesse caminho não é uma estratégia


sustentável. Em algum momento, seja pela escassez da capacidade de
expandir o modelo, pela elevação dos preços com a internalização das
ineficiências ou impactos, ou pelos efeitos diretos da degradação
ambiental, será necessário rever as bases desse modelo de produção
e torná-lo funcionalmente mais eficiente, socialmente mais atrativo
e menos impactante ao ambiente (sem destaque no original).

Algumas pesquisas buscam demonstrar a relação entre a utilização de


determinados agrotóxicos e os monocultivos, sendo apresentado por Bombardi (2016) o

164
gráfico abaixo, no qual ela enumera uma diversidade de culturas marcadas pelo
monocultivo e que estão presentes na linha de frente do agrobusiness brasileiro.

Gráfico 5 – Brasil: uso de agrotóxicos por cultura (2009). (BOMBARDI, 2016, p. 24).

Ainda em relação ao gráfico acima, Bombardi (2016, p. 24) informa que:

É possível notar que a cultura que mais utiliza agrotóxicos no país (em
termos gerais) é a soja. Percebe-se que a soja, sozinha, respondeu por
quase metade de todo o agrotóxico vendido no Brasil. Após a soja,
seguem milho e cana com o segundo e o terceiro lugares,
respectivamente. Vale lembrar que, em geral, o milho é utilizado como
cultura de rotação com a da soja. A soja e a cana praticamente
tiveram sua área de cultivo duplicada nos últimos anos, a soja
atingindo, mais de 22 milhões de hectares e a cana 10 milhões de
hectares. Importante relembrar que o Brasil é o segundo maior produtor
de soja e milho e primeiro em produção de cana, não é fortuita,
portanto, a conexão entre o agronegócio e uso de agrotóxicos, seja
pela dimensão destes cultivos, seja pelo modelo agrícola adotado.

É notável, portanto, que os produtos expoentes do agronegócio


brasileiro sejam aqueles responsáveis, em termos totais, pelo maior
consumo de agrotóxicos. Assim, os cultivos de soja, milho e cana,
juntos, respondem por praticamente 70% de todo o uso de
agrotóxicos no Brasil. (sem destaque no original).

Em relação às culturas cultivadas, o Dossiê Abrasco (2015, p. 52), através do


cruzamento de dados do IBGE/SIDRA e SINDAG, também traz dados que buscam
relacionar a existência de monocultivos, utilização de agrotóxicos e modelo agroalimentar
dominante e informa que:

Na safra de 2011 no Brasil, foram plantados 71 milhões de hectares de


lavoura temporária (soja, milho, cana, algodão) e permanente (café,
cítricos, frutas, eucaliptos), o que corresponde a cerca de 853 milhões
de litros (produtos formulados) de agrotóxicos pulverizados nessas

165
lavouras, principalmente de herbicidas, fungicidas e inseticidas.
(IBGE/SIDRA, 1998- 2011; SINDAG, 2011). (sem destaque no
original).

O Dossiê informa que alguns alimentos adotados no cotidiano de boa parte dos
brasileiros (arroz, feijão e mandioca) continuam com a mesma área plantada, enquanto
soja, milho, sorgo e algodão tiveram aumentos significativos de área plantada, o que
parece corroborar o fato de que o monocultivo e o sistema agroindustrial de produção de
sementes é de fato algo tangível no país (ABRASCO, 2015, p. 51).

Abaixo, gráfico apresentado no Dossiê e que tenciona demonstrar a evolução


supracitada entre os anos de 1990 e 2014.

Gráfico 6 – Evolução da área plantada de arroz, feijão, mandioca, cana-de-açúcar, soja e milho, no Brasil, entre 1990
e 2014 (ABRASCO, 2015, p. 424).

Há também menção das empresas transnacionais que exploram o modelo


agroprodutivo alocado em produtos químicos em algumas pesquisas. Larissa Bombardi
(2016) através do gráfico a seguir, informa que as seis empresas que têm maior
participação nas vendas de agrotóxicos no Brasil, sozinhas, fazem o controle de quase
60% do mercado.

166
Gráfico 7 – Participação das 13 maiores empresas de agrotóxicos nas vendas mundiais (BOMBARDI, 2016,
p. 27)

Bombardi (2016, p. 27) informa que:

A prevalência desta estrutura oligopolizada é reconhecida pela


ANVISA que faz a seguinte avaliação: "as dez maiores indústrias não
competem entre si (...) mesmo no caso em que as patentes estão
vencidas, tirando raras exceções, as empresas focam a produção em
agrotóxicos com ingredientes ativos que não são comercializados pelas
demais empresas, o que gera uma espécie de monopólio sobre os
produtos". (sem desatque no original).

Observamos também que são empresas transnacionais, já mencionadas no


primeiro capítulo deste trabalho, como Syngenta, Mosanto, Dow, Bayer, Basf e Milenia,
as quais também constarão como rés em algumas das ações do MPF no capítulo seguinte
desta tese.

Frisamos o fato de que o dado de que o país líder é em consumo de agrotóxicos,


além de citado por Londres (2011), é abordado em tom dramático pela pesquisa da
Abrasco (2015) e Greenpeace (2017). As pesquisas relatam que, no ano de 2008, o Brasil
ultrapassou os Estados Unidos e assumiu o posto de maior mercado mundial de
agrotóxicos.

167
O Dossiê Abrasco, inclusive, menciona em tom de alerta, que dados mais recentes,
do ano de 2015, divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer - INCA, informam que o
cidadão brasileiro consome, em média, 7,5 litros de veneno por ano em consequência da
utilização de agrotóxicos. No Rio Grande do Sul, este nível é ainda mais elevado,
chegando a 8,3 litros. Na região noroeste do Estado, é ainda pior, superando os 16 litros
por ano (ABRASCO, 2015, p. 50; 113).

Outro fato que nos chamou a atenção, quando da observação e análise das
pesquisas que ora comentamos, é a preocupação dos críticos do sistema monocultor e
agroquímico em buscar, em sua exposição científica, a apresentação de dados que
contemplem os rigorismos técnicos-científicos do campo onde atuam. Conforme já
comentamos e continuaremos a tecer considerações em momento oportuno, a disputa que
ora se opera é de ordem técnica e seu enfrentamento se dá de acordo com as regras do
campo em que estão inseridas. Isso explica a variedade de gráficos, números, mapas,
tabelas e similares que buscamos apresentar aqui de forma sucinta, mas que são vitais
para a melhor visualização da forma como são apresentados os elementos de disputas de
termos que englobam a temática que nos propomos a pesquisar, ou como diria Bourdieu
(2014, p. 32): “O paradoxo dos campos científicos, entretanto, é que eles produzem, ao
mesmo tempo, essas pulsões destrutivas e o controle dessas pulsões. Se você deseja
triunfar sobre um matemático, é preciso fazê-lo matematicamente pela demonstração ou
refutação.”

Reproduzimos, agora, mais um dos quadros do Dossiê ABRASCO (2015),


onde se busca ilustrar o crescente consumo de agrotóxicos e fertilizantes químicos pela
agricultura brasileira, o qual traz dados e números do período de 2002-2011.

Quadro 4 – evolução no consumo de agrotóxicos e fertilizantes no Brasil entre os anos de 2002 e 2011.
(ABRASCO, 2015, p. 52).

Há também uma preocupação em expor a origem de referidos dados, sendo que


os autores do dossiê em comento informam que o uso de agrotóxicos do quadro acima foi

168
calculado com base em informações divulgadas pelo Sindicato Nacional da Indústria de
Produtos para Defesa Agropecuária (SINDAG, 2009; 2011) e compreende o período de
2008 a 2011. Para o período de 2002 a 2007 foi feita estimativa, utilizando-se o consumo
médio em cada cultura por hectare, através da base nos dados divulgada pelo IBGE (2011)
e sobre a produção anual e em projeção elaborada pelo Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (BRASIL. MAPA, 2010). No tocante à quantidade de
fertilizantes químicos por hectare (kg/ha), foi feito o cálculo com base em dados
divulgados pela Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA, 2011), sendo feita
especial referência pelos autores do Dossiê aos casos da soja (200 kg/ha), do milho (100
kg/ha) e do algodão (500 kg/ha). (DOSSIÊ ABRASCO (2015, p. 50).

Para os autores do Dossiê, a utilização dos agrotóxicos no Brasil tem por


consequência uma série de problemas para o meio ambiente e para a saúde de populações
como a do trabalhador, especialmente o camponês e suas famílias. Relatam os autores
que essas consequências são, na maioria das vezes, reflexos do contexto e modo de
produção químico-dependente, das relações de trabalho, da toxicidade dos produtos
utilizados como agrotóxicos e dos micronutrientes contaminados, bem como pela
precariedade dos mecanismos de vigilância da saúde, além do uso inadequado ou falta de
equipamentos de proteção coletiva e individual. Além disso, comentam que tal situação
é agravada pelas precárias condições socioeconômicas e culturais da grande maioria dos
trabalhadores rurais, que ampliam sua vulnerabilidade à toxicidade dos agrotóxicos. Por
fim, informam que são inúmeros os casos de contaminação ambiental resultantes da
irresponsabilidade de empresas fabricantes e formuladoras de agrotóxicos, bem como do
agronegócio, que é grande usuário de venenos. Não raramente populações inteiras são
expostas aos riscos da contaminação (ABRASCO, 2015, p. 124).

Em outro momento do dossiê, os autores colacionam quadro demonstrativo dos


efeitos e/ou sintomas agudos dos efeitos crônicos dos agrotóxicos. Os sintomas, segundo
suas pesquisas, perpassam desde fraquezas, cólicas abdominais e vômitos a alterações
cromossômicas, cânceres, lesões hepáticas e fibrose pulmonar entre uma variada gama de
sintomas, conforme podemos visualizar abaixo:

169
Quadro 5 – quadro demonstrativo dos efeitos e/ou sintomas agudos dos efeitos crônicos dos agrotóxicos
(ABRASCO, 2015, p. 59).

Inclusive, dentro do compromisso apresentado em demonstrar seus dados


de forma clara e cientifizada, reproduzimos a figura abaixo que relaciona a agricultura e
a agroindústria e seus impactos para a saúde da população e meio ambiente e que busca
demonstrar a acuidada preocupação visual dos estudos em tela.

170
Figura 11 – Agricultura e a agroindústria e seus impactos para a saúde da população e meio ambiente (ABRASCO, 2015, p. 110- 111).

171
Essa mesma preocupação com o meio ambiente e com a saúde do trabalhador
parece se mostrar em outras obras por nós pesquisadas, pois nas palavras da professora
Raquel Rigotto, revisora técnica da obra de Londres (2011) e colaboradora do artigo: “O
uso seguro de agrotóxicos é possível?”:

[...] o debate acerca dos agrotóxicos e suas implicações sobre o


ambiente e a saúde humana tem sido majoritariamente encaminhado,
desde o começo da Revolução Verde, para a possibilidade e a
necessidade de aceitar o uso deles e estabelecer regras que garantiriam
a proteção das diferentes formas de vida expostas a biocidas – seria o
paradigma do uso seguro, também aplicável a outros agentes
nocivos, como o amianto. (RIGOTTO, 2011, p. 48). (sem destaque no
original).

A professora e pesquisadora da UFC – Universidade Federal do Ceará continua


suas ilações no sentido de tentar esclarecer se no contexto em que se cultivam as lavouras
cotidianamente no Brasil, seria possível fazer valer o “uso seguro” dos agrotóxicos e
informa que, em um primeiro momento, se faria necessário considerar a magnitude do
uso de agrotóxicos no país e endossa os dados já referenciados em outras pesquisas por
nós citadas nesse capítulo de que o Brasil é o país que mais consome esses produtos desde
o ano de 2008. (RIGOTTO, 2011, p. 48-49).

Questiona Rigotto (2011, p. 49) a possibilidade de se implantar efetivamente, em


cada local de produção e trabalho, as medidas mitigadoras de risco e protetoras da saúde
e do ambiente, pois de acordo com o IBGE, a grande maioria dos produtores é analfabeta
ou sabe ler e escrever, mas não frequentou a escola (39%), quase metade não possui o
ensino fundamental completo (43%), o que totaliza mais de 80% de produtores rurais com
baixa escolaridade. Ainda que baixa escolaridade escolar não seja sinônimo de pouco
conhecimento, uma vez que agricultores são portadores de extenso e fecundo saber
popular e tradicional, não se pode afirmar que esse conhecimento seja ligado à realidade
dos agroquímicos, criação da civilização ocidental urbano-industrial, pois segundo a
autora em comento:

Com este perfil, eles vêm sendo culpabilizados e responsabilizados


pela contaminação (e pelo adoecimento!), até mesmo em alguns
estudos acadêmicos.

Agravando esta condição de vulnerabilidade, acrescente-se que há


mais de 1 milhão de crianças com menos de 14 anos de idade
trabalhando na agropecuária, e quase 12 milhões dos trabalhadores
são temporários – o que dificulta a capacitação e o acúmulo de

172
experiência profissional [...] O pulverizador costal, que é o
equipamento de aplicação que apresenta maior potencial de
exposição aos agrotóxicos, é o utilizado em 973 mil estabelecimentos.
As embalagens vazias são queimadas ou enterradas em 358 mil
estabelecimentos. (RIGOTTO, 2011, p. 51). (sem destaque no
original).

Diante de referido cenário e buscando implementar de forma consequente e


responsável o paradigma do “uso seguro” dos agrotóxicos, Raquel Rigotto salienta que
seria preciso conceber um dispendioso e complexo programa, que incluiria a
alfabetização dos trabalhadores, a sua formação para o trabalho com agrotóxicos, a
assistência técnica, o financiamento das medidas e equipamentos de proteção, a estrutura
necessária para o monitoramento, a vigilância e assistência pelos órgãos públicos, as
formas de participação dos atores sociais no processo de tomada de decisões, entre outros.
O que levaria tempo, recursos e à par disto, vidas continuarão sendo ceifadas, muitas delas
na mais tenra idade.

Por fim, conclui que:

Talvez caiba aqui a analogia do “brinquedo perigoso demais para ficar


na mão de criança”: reconhecer que não temos condições de fazer o
uso seguro. Já que as consequências do uso (in) seguro de
agrotóxicos para a vida são graves, extensas, de longo prazo e
algumas irreversíveis ou ainda desconhecidas... Não seria o caso de
priorizar a eliminação do risco, como quer a legislação trabalhista? Não
estaria na hora de ouvir ambientalistas, movimentos sociais,
trabalhadores e profissionais de saúde que vêm, há décadas, falando e
fazendo agroecologia? (RIGOTTO, 2011, p. 52). (sem destaque no
original).

Corroborando o alerta emitido por Raquel Rigotto na obra organizada por Flávia
Londres, temos pesquisas como a de Abreu e Alonzo (2016), que em trabalho junto à
UNICAMP, têm realizado a análise da viabilidade do cumprimento das medidas ditas
como “seguras” para o uso de agrotóxicos no contexto socioeconômico da agricultura
familiar na cidade de Lavras/MG. Os pesquisadores utilizaram como método de estudo a
aplicação de questionário em 81 pequenas propriedades rurais do município de
Lavras/MG, em 2013, nos quais constatou-se que:

(...) os funcionários do comércio são os responsáveis pela indicação


para o uso e aquisição desses produtos; o transporte e o
armazenamento são realizados em veículos e construções não
adaptados às exigências de segurança; existe inviabilidade técnica
para seguir as medidas relacionadas aos Equipamentos de Proteção
Individual (EPI) e às regras de preparo e aplicação do agrotóxico; as
dificuldades e os custos envolvidos para a devolução das embalagens

173
vazias são os principais motivos para a sua não realização; a lavagem
das vestimentas e EPIs contaminados é feita como atividade
doméstica sem infraestrutura de segurança. (ABREU; ALONZO,
2015. p. 01). (sem destaque no original).

Ainda que não nos prolonguemos muito no estudo de Abreu e Alonzo (2016),
apresentamos a conclusão dos pesquisadores, os quais afirmam que a tecnologia
agroquímica não pode ser utilizada de forma segura dentro do contexto geral de produção
da agricultura familiar.

Gurgel (2017, p. 46), em seu artigo para a publicação do Greenpeace, parece


deixar pistas, assim como Rigotto (2011) e Alonzo e Abreu (2016) de que o uso de
agrotóxicos pode ser causador de violações a saúde e nutrição humana, bem como
vulnerabilizar grupos específicos, pois destaca, citando um vasto número de
pesquisadores, que:

No que se refere às exposições ocupacionais, observa-se que existe um


risco diferenciado para trabalhadores rurais, uma vez que esses são
frequentemente expostos, havendo risco aumentado para a
manifestação de diversas doenças, independente da quantidade de
agrotóxicos a que se expõem (Rothlein et al., 2006;Ye et al., 2013).
Diversos casos de intoxicação ocupacional por agrotóxicos têm sido
reportados na literatura, indicando que os efeitos tóxicos são
conhecidos há muitas décadas (Ascherio et al., 2006; Davis; Yesavage;
Berger, 1978; Srinivasan et al., 2010). O impacto negativo do
consumo de pesticidas é agravado pelas precárias condições
socioeconômicas em que vive a grande maioria dos trabalhadores
rurais, ampliando a vulnerabilidade dessa categoria (Silva et al.,
1999; Sobreira; Adissi, 2003). Ainda, a associação das exposições
ambiental e ocupacional sugere que o contato com esses produtos em
múltiplos ambientes podem resultar em maiores níveis de exposição
individual (Wang et al., 2014). Ressalta-se que exposições no ambiente
de trabalho excedem em magnitude as ambientais (Krieger; Ross,
1993). Ademais, o maior risco dos trabalhadores não é eliminado
pelo simples uso de equipamentos de proteção individual (EPI),
havendo estudos que indicam sua baixa eficiência (Garrigou; Baldi;
Dubuc, 2008; Leme et al., 2014; Veiga et al., 2007). (GURGEL, 2017,
p. 46).

Observamos que, ainda que não seja citado claramente o termo justiça ambiental,
podemos compreender que as críticas feitas pelos pesquisadores em comento se encaixam
em situações contempladas pelo Movimento de Justiça Ambiental em suas variadas
matizes.

Para o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), por


sua vez, o uso de agrotóxicos é classificado como uma das mais severas e persistentes

174
violações do direito humano à alimentação adequada, indicando situação de insegurança
alimentar e a possibilidade de desenvolvimento de diversas doenças agudas e crônicas
(Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 2012).

Interessante notarmos que no trecho mencionado por Gurgel ou no trecho


mencionado pelo CONSEA, assim como em outros momentos dos estudos até aqui
apresentados e de outros que ainda serão demonstrados, os usos e contextos do próprio
termo uso de agrotóxicos, exposição, contaminação e risco parecem se confundir e se
revelarem às vezes acionados como sinônimos, bem como parecem ser reveladores dessa
tensão entre o potencial efeito nocivo dos agrotóxicos e seu uso seguro. Na nota abaixo,
Gurgel (2017, p. 47), ancorada em uma série de pesquisadores e da própria Karen
Friederich - já mencionada por nós nesse capítulo, informa que:

No que diz respeito às baixas doses, há um entendimento equivocado


de que a exposição a pequenas quantidades de agrotóxicos não produz
efeitos tóxicos. De fato, a toxicologia tradicional sustenta-se no
dogma que "a dose faz o veneno" e, portanto, as maiores
concentrações de um produto químico devem ter efeitos maiores.
Entretanto, nem sempre existe uma linearidade na relação dose-
resposta. Existe um tipo específico de efeito denominado hormético,
em que doses elevadas causam efeitos inibitórios e baixas doses
causam efeitos estimulatórios (Calabrese, 2005, 2008; Calabrese;
Mccarthy; Kenyon, 1987). A observação de alterações estatisticamente
significantes relacionadas a danos neuronais, mesmo em doses
inferiores ao maior nível de exposição/dose, em que o efeito adverso
não é observado, reforça a tese de que é possível haver danos a baixas
doses (Lukaszewicz-Hussain, 2008). Além das exposições a baixas
doses, as exposições a misturas podem provocar efeitos sinérgicos
ou aditivos (Friedrich, 2013). Estudos das interações toxicológicas
envolvendo a mistura de baixas doses de inseticidas evidenciaram
efeitos sinérgicos e aditivos após a administração de diferentes doses e
combinações de distintos agrotóxicos (Taillebois; Thany, 2016).

A própria questão do uso e da dose de agrotóxicos será avaliada em decisão


judicial no próximo capítulo da tese e demonstra o quanto pode haver divergências de
interpretações dentro do campo técnico-científico em seus vieses operativos, seja no
campo das pesquisas em saúde pública e meio ambiente, seja no campo jurídico. Assim
como tal questão foi suscitada por Beck, na sua conceituação de sociedade de risco já
abordada no capítulo anterior.

A obra da Abrasco também apresenta questionamentos em seus estudos em


relação a forma de se avaliar a multiexposição ou a exposição combinada a agrotóxicos,
pois, segundo seus pesquisadores, a grande maioria dos modelos de avaliação de risco

175
servem para analisar apenas a exposição a um princípio ativo ou produto formulado,
sendo que, na prática, as populações estão expostas a misturas de produtos tóxicos cujos
efeitos sinérgicos (ou de potencialização) são desconhecidos, ou não são levados em
consideração. Além da exposição mista, as vias de penetração no organismo também são
variadas, podendo ser oral, inalatória e/ou dérmica, simultaneamente. (ABRASCO, 2015,
p. 73).

Os pesquisadores informam que embora seja corrente a utilização de mistura de


agrotóxicos na prática agrícola hegemonizada pelo mercado e pela política
governamental, essa realidade não se mostra contemplada pela lei que regula o uso de
agrotóxicos.

Segundo os autores do Dossiê:

Percebe-se que não há indução para a pesquisa sobre as interações


dessas misturas e sobre a potencialização dos seus efeitos negativos
na saúde, no ambiente e na segurança alimentar e nutricional.

Outro importante elemento na avaliação da nocividade do modelo


agrícola dependente de agrotóxicos e de fertilizantes químicos é a
desconsideração dos contextos (em que os agrotóxicos são
aplicados), os quais são extremamente vulneráveis em termos
sociais, políticos, ambientais, econômicos, institucionais e
científicos. Há uma verdadeira chantagem global que impõe o seu
uso. Em nome da fome dos africanos, asiáticos e latino-americanos,
engorda-se o gado que alimenta os europeus e norte-americanos à custa
das externalidades ambientais e sociais sofridas e pagas por esses
povos, sem que seus problemas de direitos humanos de acesso à terra,
entre outros, estejam resolvidos. (ABRASCO, 2015, p. 77-78). (sem
destaque no original).

Outro ponto que parece preocupar os autores do Dossiê trata do fato de que os
desenhos experimentais com animais70 de laboratório que verificam a toxicidade de um
agrotóxico são realizados utilizando uma única via de exposição em cada estudo:
inalatória, oral ou dérmica. Nas palavras dos autores: “Trata-se, pois, de mais uma

70
Mencione-se ainda que em um dado preocupante, relatado pelo promotor de Justiça do Ministério Público
do Rio Grande do Sul em Catuípe, Nilton Kasctin dos Santos, o mesmo informa que os testes de agrotóxicos
torturam animais, mas são incapazes de mensurar seu real perigo à saúde humana e ao meio ambiente.
Como exemplo é o caso do Teste Draize que consiste em aplicar a substância química nos olhos ou na pele
(raspada) de animais para medir a toxicidade. Principalmente coelhos (porque têm olhos grandes e
salientes), são amarrados em um instrumento fixo, ficando apenas com a cabeça para fora. O veneno a ser
testado é pingado de quando em quando dentro dos olhos (mantidos abertos com grampos ou fitas adesivas).
E também pelo método LD50, o agrotóxico é ministrado (via oral ou venosa) aos poucos a um grupo de
animais (cães, macacos, coelhos, ratos etc.), até que morram 50%. Todo o grupo, normalmente em torno
de 200 indivíduos, sofre longo processo de tortura, definhando lentamente até a morte. Essa forma cruel de
experiência científica foi inventada em 1927 e até hoje é utilizada em larga escala pela indústria química.

176
limitação dos métodos experimentais e das extrapolações de resultados para situações
descontextualizadas no tocante à realidade das exposições humanas” (ABRASCO,
2015, p. 74) e que não encontramos similaridade nos outros estudos apontados na
pesquisa em relação a essa abordagem específica.

Conforme já havíamos comentado no início deste capítulo, a posição de muitos


pesquisadores é engajada, pois no próprio Dossiê em comento, os estudiosos que o
assinam argumentam que a proteção da saúde pública, com base em ampla segurança,
está inibida pelos interesses do mercado, que, por sua vez, conta com um arcabouço
institucional que lhe dá a blindagem necessária para manter o ciclo virtuoso de sua
economia, e assim o processo de ocultamento se finaliza, em favor da utilização desses
produtos técnicos com o suporte dos governos. 71

Salientamos que sobre essa blindagem institucional, teremos no último capítulo


desta pesquisa algumas ações civis públicas patrocinadas pelo Ministério Público Federal
– MPF que questionam de forma semelhante esses mecanismos de blindagem, pela via
jurídica.

O que nos parece perceptível, até o presente momento, é o quanto é possível


através de estudos técnico-científicos justificar ou criticar o mesmíssimo modelo
agroprodutivo, o que nos faz lembrar o quanto o campo científico, nos dizeres de
Bourdieu (2004, p. 23-24) é um campo de forças e um campo de lutas para conservar ou
transformar esse campo de forças.

Se, por um lado, parecemos ter aqueles que desejam conservar o status quo das
Revoluções verde, genética e biofortificação, outros grupos parecem querer transformar
estruturas nevrálgicas desta revolução agroprodutiva, pois demonstram em suas pesquisas
dúvidas quanto a própria segurança no uso dos agrotóxicos, além de questionarem a
incidência dos efeitos dos “filhos da revolução” sobre grupos vulneráveis como

71
Os autores do dossiê chamam a atenção para as plantas transgênicas as quais não dispensam o uso de
agrotóxicos em sua produção, ainda que seu discurso inicial dispusesse que seria uma tecnologia para inibir
o uso de agrotóxicos, pois no caso da soja Roundup Ready® tolerante ao glifosato, por exemplo, isso não
corresponde à verdade, pois o seu cultivo induz ao maior consumo desse herbicida. O glifosato representa,
sozinho, em torno de 40% do consumo de agrotóxicos no Brasil. Também se observa o fenômeno de
resistência a esse veneno das plantas não desejadas, exigindo maior quantidade de sua aplicação e
associação com outros agrotóxicos. Além disso, no processo de colheita dessa soja transgênica são
utilizados, como dessecante/maturador, outros herbicidas extremamente tóxicos, como o paraquat, o diquat
e o 2,4-D. (ABRASCO, 2015, p. 82).

177
trabalhadores rurais, mulheres e crianças, os quais acabam por receber doses
desproporcionais de dano – (in)justiça ambiental, sem mencionarmos os riscos
demonstrados em tais pesquisas e que parecem querer alertar para um potencial
compartilhamento mundial de risco em toda a sociedade.

Os autores do Dossiê Abrasco tratam abertamente das disputas do campo


científico e buscam deixar claro e comentar o que consideram como a questão da
mercantilização da produção científica, a criminalização de pesquisadores, esboçando,
inclusive, uma breve reflexão crítica sobre o sistema de avaliação da pós-graduação e da
pesquisa no Brasil e suas implicações para a atividade acadêmica, além de construírem,
uma cartografia da produção acadêmica sobre agrotóxicos e saúde no Brasil72, conforme
visualizamos a seguir:

72
Segundo os autores da pesquisa, a mesma foi realizada no banco de dados da Plataforma Lattes do CNPq,
porque a estrutura de financiamento da pesquisa pública brasileira é fortemente baseada nessa ferramenta,
principalmente na auferição da produção acadêmica de um pesquisador. Desse modo, foi necessário
produzir um mecanismo de extração que acessou cada currículo, e dele tentou obter informações relevantes.
Como a marcação semântica dos documentos HTML gerados pela plataforma é quase inexistente, alertam
que pode ter havido falhas na extração de alguns dados e que a ferramenta desenvolvida, juntamente com
seu código fonte está disponível na versão virtual deste dossiê (www.greco.ppgi.ufrj.br/ DossieVirtual). Na
obtenção dos dados, os autores explicam que, primeiramente, foi realizada uma busca entre os currículos
dos pesquisadores/pesquisadoras com título de doutor, utilizando-se as palavras-chave agrotóxico,
defensivo agrícola, pesticida, praguicida. Para que esses currículos fossem considerados dentro do tema
“agrotóxicos”, os seguintes termos também foram buscados: herbicida, fungicida, inseticida, pulveriza,
controle, praga, controle, aplicação, calda, pesticide, organofosforado, piretroide, organoclorado,
carbamato, carbamate, organofosforado (organophosphate), organoclorado (organochlorine), piretroide
(pyrethroid). Posteriormente, foram anotadas as ocorrências dos termos acima e das seguintes palavras:
toxicidade, estudo experimental, estudo epidemiológico, saúde do trabalhador, exposição ambiental,
toxicologia ambiental, monitoramento de resíduo, alimento, solo, água, toxicidade aguda, neurotoxicidade,
imunotoxicidade, carcinogenicidade, mutagenicidade, teratogenicidade, desregulador endócrino. No
levantamento, foram encontrados 4.896 currículos de pesquisadores brasileiros que publicaram artigos,
capítulos de livro, resumos e correlatos. A figura 11, colacionada neste trabalho apresenta a distribuição
desses pesquisadores nas regiões brasileiras.Dentre as palavras que são utilizadas como sinônimos para o
termo agrotóxico definido na legislação brasileira, as mais citadas foram: agrotóxico (60% dos
pesquisadores), pesticida (39%), defensivo agrícola (19%) e praguicida (6%). A maioria dos currículos cita
o termo agrotóxico, porém 34% utilizaram exclusivamente termos que não estão citados na Lei n.7.802, de
1989, que define agrotóxico. (ABRASCO, 2015, p. 236-237).

178
Figura 12 – Localização dos pesquisadores que citaram agrotóxico, defensivo agrícola ou pesticida em seu currículo
lattes.
O dossiê cita como fonte o endereço eletrônico: <http://www.greco.ppgi.ufrj.br/DossieVirtual>.
(ABRASCO, 2015, p. 237).

O mesmo estudo buscou levantar os pesquisadores do país que investigam sobre


o tema, categorias dos estudos, utilizando o glifosato no Brasil, pois segundo o dossiê,
40% do agrotóxico utilizado no país é glifosato, bem como a distribuição por região de
pesquisadores brasileiros que citaram em seus currículos algum tipo de efeito crônico de
agrotóxico, conforme se depreende das ilustrações cuidadosamente elaboradas e
reproduzidas abaixo:

Figura 13 – Distribuição, por estados do Brasil, dos pesquisadores que citaram agrotóxico, defensivo agrícola ou
pesticida em seu currículo lattes.

179
(ABRASCO, 2015, p. 238).

Figura 14 – Categorias dos estudos utilizando o glifosato no Brasil (%)


(ABRASCO, 2015, p. 244).

Gráfico 8 – Distribuição por região de pesquisadores brasileiros que citaram em seus currículos algum tipo de efeito
crônico de agrotóxico (%)
(ABRASCO, 2015, p. 242).

Notamos pelo mapeamento feito pelos pesquisadores que eles buscam revelar o
pequeno número de pesquisadores em regiões do agronegócio do país, o pequeno número
de pesquisadores que tratam do trabalhador rural, toxicidade de agrotóxicos ou de
questões afetas ao meio ambiente.

Pelo cuidado na elaboração de tabelas e imagens como as acima reproduzidas,


percebemos que o Dossiê se destaca em relação à exposição dos embates técnico-
científicos aos seus demais pares de pesquisa. Outra questão que os estudiosos enfrentam,
180
são os temas que tratam dos projetos em conflito de interesses: a penetração do
agronegócio na educação e na saúde públicas, os ataques à Fiocruz, à Abrasco e ao Inca,
argumentando, em tópico próprio de sua pesquisa, que a perseguição a pesquisadores é
uma prática da indústria de agrotóxicos (ABRASCO, 2015, p. 440-445).

Colhemos do próprio Dossiê a impressão dos autores de que, em um sistema


institucional hostil à crítica, como o da pesquisa científica, a retórica da desqualificação
funciona como a terceira perna do arrimo ideológico que dá sustentação a práticas
autoritárias de restrição à pesquisa independente e busca legitimá-las. Nas palavras dos
autores: “É isso que explica o fato de assistirmos com espantosa frequência à
criminalização de pesquisadores críticos por meio de processos judiciais e ao
estabelecimento de variadas formas de coerção profissional e pessoal” (ABRASCO,
2015, p. 33).

Adiantamos que fatores semelhantes a esses serão narrados no tópico deste


capítulo que tratar das pesquisas e documentos internacionais sobre agrotóxicos.

Os autores explicam, de certa maneira, de onde buscam falar de suas pesquisas e


mencionam que a Abrasco é uma entidade que nasceu no contexto das lutas sociais pela
redemocratização do país e que, entre os anos de 2009 e 2011 participou da organização
do Encontro Nacional de Diálogos e Convergências em Agroecologia, Justiça e Saúde
Ambiental, Soberania Alimentar, Economia Solidária e Feminismo e que esse processo
de articulação com os movimentos sociais possibilitou a identificação da dimensão
humana que, segundo os autores do Dossiê, vive uma crise civilizatória e que se manifesta
em diversas dimensões: econômica, socioambiental, energética e alimentar.

Com base na perspectiva da ecologia de saberes, o grupo de pesquisadores que


elaborou o dossiê ora estudado, informa que desenvolveu uma estratégia metodológica
em conjunto com os movimentos sociais do campo e dos territórios atingidos pelos
agrotóxicos, representados, também, pela Campanha Nacional Permanente Contra os
Agrotóxicos e Pela Vida.

Conforme se depreende do histórico e várias partes já comentadas do Dossiê até


aqui, percebemos que se trata de estudo contramajoritário, o que parece ser atestado pelas
palavras dos próprios autores na apresentação do estudo, quando afirmam:

181
Sem falsa modéstia, a Abrasco sabe que o nosso dossiê colocou esse
debate – a partir do lugar de uma ciência não subordinada – na
agenda nacional e latino-americana. O dossiê mostrou significativa
potência para a produção de conhecimentos em processo de diálogos e
convergências de saberes, exercitando a ecologia de saberes, um
caminho que reinstala o desejo que esteve presente na 8ª Conferência
Nacional de Saúde em 1986 e que pode ser sintetizado na definição da
saúde como direito humano. A identificação de numerosos estudos
que comprovam os graves e diversificados danos à saúde
provocados por agrotóxicos impulsiona esta iniciativa. Constatar a
amplitude da população à qual o risco é imposto sublinha a sua
relevância: trabalhadores das fábricas de agrotóxicos, da agricultura, da
saúde pública e de outros setores; população do entorno das fábricas e
das áreas agrícolas; os consumidores de alimentos contaminados – ou
seja, quase toda a população, como evidenciam os dados oficiais.
(ABRASCO, 2015, Apresentação). (sem destaque no original).

Os autores fazem questão de relatar que o trabalho produzido no Dossiê é inovador


e instigante, mas que é também composto de uma enormidade dos problemas, dada a
interdisciplinaridade e complexidade do tema em estudo, e que a tarefa de abordá-lo
adequadamente é desafiadora, sendo necessário o reconhecimento dos limites científicos
e que, portanto, não se trata de um documento exaustivo e completo. Todavia, os
pesquisadores demonstram-se convictos de que conseguiram angariar com rigor as
evidências que apresentam e que não poderiam se prolongar em tempo diante da urgência
em trazer a público os problemas expostos ao longo de todo o Dossiê.

Destacamos que apenas o Dossiê Abrasco (2015), apresenta inquietações com o


enfraquecimento do PARA - Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em
Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (PARA/ANVISA). Segundo o
documento:

[...] que o relatório de atividades de 2011 e 2012 do PARA, divulgado


em outubro de 2013 apresenta resultados que repetem aqueles
registrados nas versões anteriores, isto é, a preocupante contaminação
de alimentos. Todavia, o mais preocupante é a diminuição do
número de culturas analisadas com resultados divulgados: em
2009, assim como em 2010, foram analisadas vinte culturas –
abacaxi, alface, arroz, banana, batata, beterraba, cebola, cenoura,
couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino,
pimentão, repolho, tomate e uva –, mas em 2011 foram analisadas
nove, e em 2012, apenas sete culturas (BRASIL. ANVISA, 2013c).

Apesar da importância do monitoramento da contaminação dos


alimentos, deve-se perguntar que medidas efetivas são tomadas pela
Anvisa e pelo Ministério da Saúde para reduzir essa exposição da
população brasileira por meio da alimentação. Por exemplo: o pimentão
tem apresentado resultados insatisfatórios na ordem de 80-90% nos
últimos três anos em que a análise foi realizada. O que tem sido feito

182
sobre isso? O que tem sido feito sobre os outros alimentos
contaminados? (ABRASCO, 2015, p. 476-477). (sem destaque no
original).

Pela citação acima e por outros trechos da seção final do Dossiê, parece-nos que
seus autores se mostram preocupados com o modo como a Anvisa tem abordado a
relevância das contaminações, pois, diferentemente do observado nos relatórios
anteriores a 2013, o tom crítico e protetor da saúde pública desapareceu no último
relatório divulgado (ABRASCO, 2015, p. 477).

Notamos, por derradeiro, que a realização do Dossiê Abrasco parece atender


vários pontos expostos por Hannigan (1995), em suas categorias de construção de um
problema socioambiental, seja em momentos já descritos acima, ou em citações, como a
que reproduziremos a seguir:

As repercussões desta iniciativa têm nos surpreendido. Uma rápida


consulta a sistemas de busca na internet mostra mais de 2.400 citações
(em 31 de julho de 2014) que divulgaram o documento. Na mídia, as
reportagens têm se multiplicado em programas televisivos e em
revistas e jornais impressos. De mesmo modo, organizações,
movimentos e entidades pautam o tema em suas reuniões e
atividades, e órgãos dos governos discutem respostas. Registre-se
que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) recebeu o documento, cumprimentou a Abrasco
pela iniciativa e ofereceu suas contribuições. A Revista Brasileira
de Saúde Materno Infantil, em seu editorial de abril-junho de 2012,
afirma que o dossiê é “um documento que deve se tornar histórico”.
Esses são alguns exemplos de um cenário de repercussões que sequer
podemos monitorar em sua amplitude. Sem nos afastarmos da
necessária humildade, cogitamos que este trabalho coletivo pode
atualizar hoje no Brasil o que Primavera Silenciosa, de Rachel
Carson, significou há 50 anos.

[...]

A expectativa é mobilizar positivamente os diferentes atores sociais


para a questão, prosseguindo na tarefa de descrevê-la de forma cada
vez mais completa, caracterizar sua determinação estrutural,
identificar as lacunas de conhecimento e, muito especialmente, as
lacunas de ação voltada para a promoção e a proteção da saúde da
população e do planeta. (ABRASCO, 2015, Apresentação). (sem
destaque no original).

Podemos também destacar que através da produção científica de Londres (2011),


semelhantemente ao Dossiê Abrasco, apresenta alguns dos fatores ou categorias expostos
por Hannigan (1995) que possibilitam a construção de problemas socioambientais, uma
vez que a obra traz à baila autoridades científicas capazes de validar exigências – diversos

183
pesquisadores de universidades públicas; possui pessoas que atuam como propagadoras
– ANA e RBJA; colaciona casos em que os meios de comunicação deram espaço para
tratar da relação entre saúde e agrotóxicos – Folha de São Paulo, Revista Galileu.

Ao mesmo tempo, ressaltamos o que Bourdieu nos fala em sua obra “Os usos
sociais da ciência”, pois percebemos que os críticos técnico-científicos aos agrotóxicos
parecem cair na tentação de uma pretensa construção de uma ciência pura e autônoma, o
que, segundo o autor em comento:

Em outras palavras, é preciso escapar à alternativa da "ciência


pura", totalmente livre de qualquer necessidade social, e da
"ciência escrava", sujeita a todas as demandas político-econômicas.
O campo científico é um mundo social global que o envolve. De fato,
as pressões externas, sejam de que natureza forem, só se exercem por
intermédio do campo, são mediatizadas pela lógica do campo.
(BOURDIEU, 2004, p. 21-22). (sem destaque no original).

Outro interessante ponto de observação dos estudos coletados, trata da politização


que alguns dos pesquisadores parecem fazer questão de ostentar, ao se mostrarem
engajados em movimentos sociais e correlatos e, neste instante, mais uma vez se torna
cabível as observações de Bourdieu, na obra supracitada, quando este diz que:

O grau de autonomia de um campo tem por indicador principal seu


poder de refração, de retradução. Inversamente, a heteronomia de um
campo manifesta-se essencialmente, pelo fato de que os problemas
exteriores, em especial os problemas políticos, aí se exprimem
diretamente. Isso significa que a "politização" de uma disciplina não
é indício de uma grande autonomia [...]. (sem destaque no original).

Na sequência, traremos o contexto das pesquisas e documentos internacionais


sobre o uso de agrotóxicos, buscando encontrar similitudes com pontos já abordados
dentro do panorama das pesquisas e documentos nacionais.

3.2 AGROTÓXICOS E PESQUISAS INTERNACIONAIS: SUSTENTABILIDADE,


RISCO E JUSTIÇA AMBIENTAL
“If you are poor, you are not likely to live long.”73
Nelson Mandela

Em referido tópico abordaremos algumas pesquisas e documentos internacionais


que tratam de agrotóxicos e os usos e os contextos que fazem dos termos sustentabilidade,

73
Se você é pobre, provavelmente sua vida não será muito longa. (tradução livre).

184
justiça ambiental e risco, além de outros termos e temas que se mostrarem pertinentes à
compreensão do tema que estudamos.

De forma um pouco diferenciada das pesquisas nacionais, poderemos perceber a


utilização corriqueira do termo sustentabilidade ou sustentável, muitas vezes por
influência dos ODS - Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, resultado de ações
tomadas em 2015, após o Acordo de Paris e implementadas no ano de 2016. Talvez essas
referências se encontrem nesses documentos por serem mais recentes, em sua maioria, do
que os documentos tratados no item anterior.

Outro ponto que se destaca nos presentes estudos se relaciona à menção das
questões legais e de potenciais violações, bem como propostas para que soluções globais
e jurídicas possam vir a ser executadas. Semelhante acesso ao campo jurídico só foi
possível de verificar-se, de forma mais clara, nas pesquisas nacionais, mais
especificamente no artigo para o Greenpeace, de autoria de Karen Friederich (2017, p.
58-67), no qual ela, mesmo sendo biomédica e pesquisadora da área de saúde pública da
Fiocruz, faz menções a violações da lei de registro de agrotóxicos, direito humano à
alimentação adequada e saúde e meio ambiente equilibrado, além de concluir em seu
artigo que existe uma fragilidade na legislação brasileira.

Referidos documentos e pesquisas também parecem demonstrar dúvidas em


relação ao atual modelo agroprodutivo vigente e a segurança ou não do uso de
agrotóxicos, enquanto outras pesquisas se destacam pelo forte engajamento crítico em
relação aos monocultivos, agronegócios, insumos químicos e alimentos transgênicos.

O primeiro dado que destacamos e que se encontra expresso no documento da


ONU fala que cerca de 200.000 mortes por intoxicação aguda ocorrem por ano e que
cerca de 99% dessas intoxicações ocorrem nos países em desenvolvimento, nos quais a
legislação que trata de saúde, segurança e meio ambiente são aplicadas com menos rigor.
O relatório destaca também que os dados que tratam de agrotóxicos são incompletos e
que as taxas de aplicação de pesticidas vêm aumentando de forma drástica ao longo das
últimas décadas74 (ONU, 2017, p. 03).

74
Corroborando as afirmações feitas, o relatório apresenta a FAO, OMS e o PNUMA como fontes de
pesquisa, conforme referências a seguir, as quais também podem ser acessadas no relatório original em
espanhol, na página 3: 1- Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura (FAO)
y Organización Mundial de la Salud (OMS): International Code of Conduct on Pesticides Management:
Guidelines on Highly Hazardous Pesticides (Roma, 2016), pág. vi. En el informe, los autores examinan

185
É interessante notarmos que o argumento das subnotificações e contaminações é
trazido agora por uma instituição do porte da ONU, que é criticada, por exemplo, na
pesquisa de Flávia Londres (2011, p. 17-18) por ter trabalhado através da FAO e do Banco
Mundial como promotora da difusão do pacote tecnológico da Revolução Verde.
Estaríamos diante de uma quebra institucional entre setores do agronegócio e a ONU,
FAO e similares? Caso positivo, o que geraria essa ruptura?

O relatório informa que o atual modelo agroprodutivo dependente de pesticidas


perigosos é uma solução a curto prazo que prejudica o direito à alimentação e à saúde
humana e ao meio ambiente sadio e equilibrado para as atuais e futuras gerações. Entre
os danos trazidos pelos agrotóxicos, o documento da ONU informa que há contaminação
e desequilíbrio de ecossistemas com consequências ambientais imprevisíveis e que entre
as consequências previsíveis temos a diminuição da biodiversidade, empobrecimento do
solo e o consequente declínio de safras e insegurança alimentar.

O relatório continua dizendo que existem efeitos adversos no uso dos praguicidas
mas que se mostra difícil demonstrar a existência de um vínculo definitivo entre a
exposição a agrotóxicos e o surgimento de doenças, mas explica que essa dificuldade
advém da negação sistemática por parte da agroindústria dos danos infligidos pelos
produtos por elas produzidos e comercializados, além das potentes e agressivas táticas de
marketing que são muitas vezes antiéticas e que permanecem trabalhando em prol da
negação dos danos dos agrotóxicos ao meio ambiente e à saúde humana.

Nessa hora, lembramos de que o Dossiê Abrasco (2015, p. 28-34) traz em suas
páginas o alerta sobre as dificuldades de pesquisa e divulgação dos dados, pois os
cientistas não comprometidos com o agronegócio padecem de perseguições através de
estratégicas retóricas de desqualificação, ocultação e justificação.

O relatório prossegue, em sua parte introdutória, informando que os agrotóxicos


podem gerar consequências violadoras dos direitos humanos e em particular do direito

únicamente los plaguicidas empleados en la agricultura y no los denominados plaguicidas “con fines de
salud pública” empleados en el control de enfermedades. 2- Måns Svensson et al., “Migrant Agricultural
Workers and Their Socio‐Economic, Occupational and Health Conditions – A Literature Review”,
Universidad de Lund (1 de enero de 2013). 3- Lynn Goldmann, Intoxicación por plaguicidas en niños:
Información para la gestión y la acción (Ginebra, FAO, Programa de las Naciones Unidas para el Medio
Ambiente (PNUMA) y OMS, 2004), pág. Site da FAO.

186
humano à alimentação adequada e o direito à saúde e que os Estados devem proteger os
grupos vulneráveis nesses referidos direitos e citam como grupos vulneráveis os
trabalhadores rurais, as comunidades agrícolas, as crianças e mulheres grávidas (ONU,
2017, p. 04).

Já adiantamos que essa abordagem ligada à violação ao direito humano à


alimentação adequada e ao direito à saúde será um dos fios-condutores de algumas
abordagens do MPF em suas ações civis públicas do GT agrotóxicos e transgênicos que
serão analisadas mais adiante. Em relação à menção aos grupos vulneráveis, acreditamos
que mais uma vez seja cabível a interpretação de que, ainda que não se mencione o termo
Justiça Ambiental, a detecção de referidos grupos desproporcionalmente afetados, parece
se encaixar aos conceitos do Movimento de Justiça Ambiental em suas variadas
construções.

A parte introdutória do relatório vai sendo finalizada com a afirmação, por parte
do relator, de que utilizando de forma mínima os agrotóxicos, ou mesmo não utilizando,
é possível produzir alimentos mais saudáveis e ricos em nutrientes e com maiores
rendimentos a longo prazo e sem contaminar os recursos ambientais e a saúde humana e
sem violar o direito humano à alimentação adequada e que é preciso fazer essa transição
para práticas agrícolas sustentáveis.

De forma muito parecida com as construções lançadas pelo Relatório da ONU e


Dossiê Abrasco, temos o projeto que deu origem ao Tribunal Monsanto e que se baseou
em críticas feitas a Monsanto e, segundo o site que hospeda os documentos e discussões
relativos ao Tribunal, a empresa tem conseguido ignorar os danos à saúde humana e ao
meio ambiente causados pelos seus produtos e, assim, vem mantendo as suas atividades,
consideradas pelos organizadores do Tribunal, como devastadoras, graças a uma
estratégia de ocultação sistemática que se compõe das seguintes atividades: lobby junto
das agências reguladoras e das autoridades governamentais, mentiras e corrupção,
financiamento de estudos científicos fraudulentos, pressão sobre os cientistas
independentes, manipulação dos órgãos de imprensa, etc. (TRIBUNAL MONSANTO,
2017).

Segundo o parecer do Tribunal, os produtos da Monsanto são responsáveis por


crimes contra a saúde humana ou contra a integridade do meio ambiente. Assim, buscou-

187
se através da realização do Tribunal, responsabilizar referida empresa por violações aos
direitos humanos, crimes contra a humanidade e ecocídio.75

Seguindo nossa abordagem de pesquisas e documentos internacionais, tratamos


do relatório emblemático de 2014 da FAO que anunciou a saída do Brasil do Mapa da
Fome mundial. Em rápida busca sobre o termo “agrotóxico”, encontramos 8 resultados
ao longo do relatório de cerca de 90 páginas. No que pertine à bibliografia, há referência
ao Dossiê Abrasco do ano de 2012. Todavia, apesar da menção na bibliografia, a obra
não esteve registrada ao longo do relatório de forma mais específica.

Em um dos pontos do relatório da FAO em que há referência ao termo agrotóxico,


este encontra-se relacionado ao contexto de análise das dimensões de produção e
disponibilidade de alimentos e informa que vários indicadores que constam no sistema de
monitoramento de Segurança alimentar e Nutricional - SAN, são similares aos usados
nas esferas internacionais, mas que o país se caracteriza por algumas peculiaridades em
seus indicadores quando demonstra preocupação com a soberania alimentar, sistemas
sustentáveis de produção, uso de agrotóxicos e de sementes geneticamente modificadas,
a ocupação de grandes áreas de terra pelo monocultivo e a participação da agricultura
familiar, tanto em relação à ocupação de terras, quanto à produção de alimentos. Segundo
o relatório:

Tratam-se de prioridades destacadas nas instâncias de discussão


participativa e intersetorial no Brasil. Não são necessariamente
indicativos de consenso nacional, pois a tensão entre as políticas que
favorecem o agronegócio e as que promovem sistemas agrícolas
sustentáveis e a agricultura familiar é grande, porém, ao definir
indicadores para monitoramento dessas questões, ganham visibilidade
e evidências para subsidiar o debate. (FAO, 2014, p. 25). (sem destaque
no original).

A seguir, reproduzimos quadro sobre Segurança Alimentar e Nutricional, sistema

75
O Tribunal Penal Internacional decidiu, no final do ano de 2016, reconhecer o ecocídio como crime
contra a humanidade. O termo ecocídio serve para designar a destruição em larga escala do meio ambiente.
O novo delito, de âmbito mundial, vem ganhando adeptos na seara do Direito Penal Internacional e entre
advogados e especialistas interessados em criminalizar as condutas que sejam agressivas ao meio ambiente.
Com o novo dispositivo, em caso de ecocídio comprovado, as vítimas terão a possibilidade de entrar com
um recurso internacional para obrigar os autores do crime, sejam empresas ou chefes de Estado e
autoridades, a pagar por danos morais ou econômicos. A responsabilidade direta e penas de prisão podem
ser emitidas, no caso de países signatários do Tribunal Penal Internacional, mas a sentença que caracteriza
o ecocídio deve ser votada por, no mínimo, um terço dos seus membros. O Brasil aceita a jurisdição do
TPI. CONJUR. Tribunal Penal Internacional reconhece "ecocídio" como crime contra a humanidade.
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-fev-12/tpi-reconhece-ecocidio-crime-humanidade>.
Acesso em: 22 abr. 2017.

188
de monitoramento e matriz de indicadores:

Quadro 6 – Sistema de monitoramento de SAN – Matriz de indicadores (FAO, 2014, p. 31-32).

189
Observamos pelo quadro acima exposto que o sistema de monitoramento de SAN,
em suas matrizes de indicadores, apresentam pontos de convergência com o tema da
contaminação de agrotóxicos, como o item 1.2, que trata da quantidade produzida em
toneladas de verduras e legumes, segundo o uso de agrotóxicos, e o item 5.9, que trata do
alimento seguro e informa no seu subitem 5.9.1 a contaminação de alimentos por
agrotóxicos e a porcentagem de amostras irregulares (FAO, 2014, p. 31-32). Percebemos
que as referências aos agrotóxicos não são contundentes, apesar da consciência do embate
entre agronegócio e agricultores familiares no país e preocupações com temas correlatos
às contaminações como a soberania alimentar.

Em relação aos impactos ambientais, o relatório da ONU levanta o fato de que os


pesticidas podem persistir no meio ambiente durante décadas, podendo, dessa forma,
representar uma ameaça global e que o uso excessivo de agrotóxicos tem por
consequência a contaminação dos solos, fontes de água, ocasionando a perda da
biodiversidade, destruição de insetos necessários ao equilíbrio ecossistêmico e redução
do valo nutricional de determinados alimentos. Nessa abordagem, citam o exemplo da
China que, segundo estudos recentes, divulgados pelo próprio governo, apresentam
contaminação de moderada a grave de pesticidas e outros poluentes, o que comprometeu
20% das terras agricultáveis do país. É também citado um caso na Guatemala, onde o
agrotóxico malation já matou milhares de peixes, privando 12.000 pessoas em 14
comunidades de sua principal fonte de alimento e subsistência.

O relatório também trata dos impactos ambientais nos animais não-humanos e cita
o caso do desaparecimento de abelhas em todo o mundo e que pode ser comprometedor
da polinização de cultivos diversos e sua relação com a utilização de inseticidas.

Em relação aos impactos ambientais com consequências na saúde humana, são


mencionados os OGMs e citam a forte relação entre as lavouras transgênicas e a utilização
do glifosato, princípio ativo de pesticidas famosos como o Roundup da Monsanto e que
pode apresentar efeitos adversos para o meio ambiente, biodiversidade, flora e fauna
silvestres e que foi considerado em 2015 como potencialmente cancerígeno pela OMS
(ONU, 2017, p. 11)76.

76
Mais informações em Centro Internacional de Investigaciones sobre el Cáncer, “Evaluation of five
organophosphate insecticides and herbicides”, monografías, vol. 112 (20 de marzo de 2015); y Daniel Cressey, “Widely
used herbicide linked to cancer”, Nature News (24 de marzo de 2015) (ONU, 2017).

190
Em outro momento, que destacamos no relatório, é tratada da gestão do ciclo de
vida e dos impactos dos agrotóxicos. Assim como o Dossiê Abrasco demonstrou, em
forma de figura, a série de malefícios provocados, o documento da ONU tece alguns
apontamentos interessantes, como a rememoração da catástrofe de Bhopal na Índia.
Segundo estudos epidemiológicos, o documento da ONU explica que, pouco depois do
acidente, ocorreram aumentos significativos no número de abortos e mortalidade de
bebês, como concepção de fetos com menor peso, anomalias cromossômicas, deficiências
de aprendizagens e desenvolvimentos de enfermidades respiratórias (ONU, 2017, p. 20).

Assim como na produção de Bombardi (2016), o relatório da ONU comenta sobre


o oligopólio da indústria química e seu enorme poder e o quanto fusões recentes como a
ocorrida entre Monsanto e Bayer, Dow e Dupont, e Syngenta e ChemChina são perigosas,
pois juntas, esse pequeno grupo de empresas controlam mais de 65% das vendas de
pesticidas no planeta.

A questão de conflitos de interesse também é suscitada no documento da ONU,


assim como o faz a Abrasco em seu Dossiê, uma vez que, segundo o relatório, essas
mesmas empresas controlam cerca de 61% do comércio de sementes e o lobby da
indústria agroprodutiva tem conseguido influenciar decisores políticos e conseguido
obstruir reformas legislativas e restrições de uso de pesticidas em um nível planetário.

O trabalho promovido por esse oligopólio, de acordo com o relatório da ONU,


também se estende à seara científica através da contestação de evidências científicas que
associam riscos aos produtos por elas comercializados e desenvolvidos, sendo que
algumas empresas têm sido acusadas de forjar provas científicas que suscitem incertezas
sobre os riscos provocados por seus produtos e assim atrasam as restrições legais que
deveriam ser impostas (ONU, 2017, p. 21).

O mesmo documento informa que há acusações que pesam sobre essas empresas
de que elas estariam “comprando” cientistas para que estes reformulem os aspectos
chaves que envolvem os debates relativos ao setor. Outra prática flagrante desse
conglomerado de empresas é a de se infiltrar nos organismos federais de regulação dos
países, no movimento conhecido por “porta giratória”, dinâmica na qual os empregados
se alternam entre os setores chaves de decisão na esfera pública e privada, ou seja, há

191
alternância entre os órgãos reguladores da indústria de agrotóxicos e as próprias indústrias
fabricantes. 77

O relatório da ONU é incisivo e continua afirmando que os fabricantes de


praguicidas fomentam associações “público-privadas” destinadas a colocar em dúvida
sua própria culpabilidade e que ajudam, em contrapartida, a manter sua credibilidade.
Também realizam constantes doações a entidades educativas que levam a termo
investigações relativas aos agrotóxicos. Ocorre que referidas entidades educativas estão
passando a depender das indústrias para promover suas pesquisas por conta da queda dos
investimentos públicos (ONU, 2017, p. 21).

O documento da ONU exemplifica sua afirmação de cooptação citando o “caso


das abelhas”, quando uma campanha foi montada na Europa para proibir o uso de
neonicotinóides, tidos como responsáveis pela queda do número de abelhas na Europa.
Na ocasião, a indústria química, supostamente apoiada pela pelo Governo do Reino
Unido, contestou publicamente as conclusões da Autoridade Europeia para a Segurança
dos Alimentos sobre o risco inaceitável de neonicotinóides para as abelhas. O relatório
da ONU informa que a empresa Syngenta teria ameaçado processar de forma individual
os funcionários da União Europeia envolvidos na publicação do relatório sobre os
neonicotinóides e o extermínio das abelhas (ONU, 2017, p. 22).

O documento traz também que os cientistas que decidem revelar os riscos para a
saúde e meio ambiente de alguns dos produtos comercializados por essas gigantes
corporações do setor agroprodutivo passam a enfrentar graves ameaças à sua reputação,
e até mesmo para si. São citadas, como exemplo, as ações coletivas da Novartis
(Syngenta, após), produtora de atrazina, que financiou uma campanha para
desqualificação dos cientistas cujos estudos sugeriram adversidades para a saúde e
impactos ambientais negativos de referido pesticida.78

O Tribunal Monsanto, por seu turno, aborda a liberdade de expressão e


pensamento de pesquisadores, para que estes fossem protegidos quando denunciassem as
más práticas empresariais. Segundo o testemunho de agrônomos e biólogos moleculares,

77
Para maior ilustração desta prática sugere-se o documentário “o mundo segundo Monsanto”.
78
Para maiores informações, Rachel Aviv, “A Valuable Reputation”, The New Yorker, 10 de febrero de
2014 e Thomas O. McGarity y Wendy Elizabeth Wagner, Bending Science: How Special Interests Corrupt
Public Health Research (Harvard University Press, 2012).

192
algumas práticas da Monsanto resultaram em condenações judiciais para a empresa, e
entre as más práticas, podem ser citadas: plantações ilegais de OGMs, estudos que são
evasivos ou distorcem os impactos negativos do Roundup ao limitar as análises somente
ao glifosato, quando o produto é uma combinação de substâncias, além das campanhas
expressivas de desqualificação dos resultados dos estudos científicos independentes. Para
o parecer do Tribunal, esse tipo de estratégia criada pela Monsanto levou, por exemplo, à
remoção de um estudo publicado em uma revista internacional e a perda do emprego de
um cientista em uma agência de saúde governamental. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017,
p. 45)

Assim, o Tribunal conclui seu parecer afirmando que a conduta da Monsanto


afetou, de forma negativa, o direito à liberdade - indispensável ao espírito da investigação
científica e que condutas como intimidação, desqualificação e descredibilização da
pesquisa científica quando se formulam perguntas sérias sobre a proteção do ambiente e
da saúde pública, bem como o suborno de falsos repórteres investigativos e pressão sobre
os governos vêm transgredir a liberdade indispensável à pesquisa científica. Tais condutas
da empresa Monsanto privam a sociedade da possibilidade de ter seus direitos
fundamentais salvaguardados e afetam de forma negativa o direito à informação.

O Tribunal Monsanto, em seu parecer, também relata que o uso de sementes


geneticamente modificadas – OGMs suscitam vários questionamentos, uma vez que não
existe consenso científico sobre os impactos dos transgênicos na saúde humana. A
controvérsia, segundo o Tribunal, inclui um contexto de nebulosidade em torno dos
estudos de OGMs e até mesmo a inabilidade dos pesquisadores realizarem investigações
independentes. A prática de manipulação sistemática dos estudos científicos e a influência
exercida pela Monsanto sobre cientistas é evidente, e o Relator da ONU sobre o Direito
à Alimentação adequada, que é um perito independente, de acordo com o Tribunal,
considera a exigência de seguir o princípio da precaução de forma planetária.
(TRIBUNAL MONSANTO, 2017, p. 46).

Assim como as publicações nacionais já estudadas neste capítulo, as pesquisas e


documentos internacionais sobre o tema de agrotóxicos aqui colacionadas, buscam
discutir o próprio modelo agroprodutivo, sendo que o relatório da ONU, por exemplo,
propõe de forma clara e direta a transição para o modelo agroecológico de produção em
mais de um momento de seu documento (ONU, 2017, p. 22-23) enquanto o Tribunal

193
Monsanto busca, em seu parecer, se municiar de elementos que possam, inclusive,
criminalizar referido modelo agroprodutivo como conduta ecocida ou apontam que o
Tribunal considera que o modelo agroindustrial dominante merece severas críticas e que
a agroecologia é um modelo alternativo e que respeita o direito humano à alimentação
adequada. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017, Sumário, p. 01-02).

Em relação às conclusões, o relatório da ONU enfatiza que, pelo que foi possível
colher do presente documento, não existe falta de legislação nacional e internacional em
relação ao tema, todavia os instrumentos legais e normativos hoje existentes não têm se
mostrado aptos a proteger os seres humanos e o meio ambiente do perigo trazido pelos
pesticidas, seja pela falta de aplicação, ou implementação efetiva do princípio da
precaução. Outro fator apontado trata da ineficiência das legislações para tratarem das
demandas transfronteiriças e empresarias que englobam o mercado global de pesticidas e
citam como exemplo a prática generalizada de exportar pesticidas já proibidos em
determinadas partes do planeta para países em desenvolvimento. Para a resolução dessa
problemática, apontam como conclusão a utilização dos mecanismos presentes nas
legislações de direitos humanos para suprimir as lacunas e deficiências já apontadas e que
precisam ser urgentemente enfrentadas (ONU, 2017, p. 24-25).

Na sequência apontam a importância do direito internacional dos direitos


humanos, enfatizando o direito humano à alimentação adequada e à saúde e as obrigações
dos Estados em fornecer proteções para todas as pessoas contra o excessivo ou
inadequado uso de pesticidas. A partir da abordagem de princípios dos direitos humanos
como universalidade e não discriminação, afirmam a importância da não violação dos
direitos humanos, especialmente aos grupos vulneráveis, que segundo o relatório, sentem
de forma desproporcional a carga de pesticidas perigosos, o que, ressaltamos mais uma
vez, parece demonstrar, ainda que de forma não expressa, uma configuração de
entendimento próxima ao termo Justiça Ambiental.

Nas mesmas conclusões, o relatório da ONU aponta novamente que mais do que
proibir ou regulamentar a utilização de determinados pesticidas, o método mais eficaz de
longo prazo para reduzir a exposição a esses produtos tóxicos é afastar-se no atual modelo
agroprodutivo.

194
O documento também traz as palavras do Diretor-Geral da FAO que fala que se
chegou a um ponto de inflexão na agricultura e que o modelo atualmente dominante de
produção agrícola é extremamente problemático, não apenas por conta dos danos
causados pelos agrotóxicos, mas também por seus efeitos nas alterações climáticas, perda
da biodiversidade e incapacidade de garantir a soberania alimentar dos povos. Para que o
direito à alimentação chegue ao seu pleno potencial é preciso que seja tratada de forma
interligada esse conjunto de fatores e que os esforços para combater a toxicidade dos
agrotóxicos só será bem sucedida se abordar os fatores ecológicos, econômicos e sociais
que são incorporados pelas políticas agrícolas e que devem estar articulados aos Objetivos
de Desenvolvimento Sustentável, sendo necessária a vontade política para reavaliar e
desafiar os interesses, incentivos e relações de poder que mantém a agricultura industrial
dependente dos agroquímicos.79

Em relação às recomendações, o relatório aponta para a necessidade de a


comunidade internacional trabalhar em um tratado amplo e vinculante, capaz de regular
os pesticidas perigosos durante seu inteiro ciclo de vida e que referida legislação deve
levar em conta os princípios dos direitos humanos. Recomendam que o sugerido
instrumento normativo deverá conter as seguintes diretivas: eliminem-se os padrões
duplos, nos quais se permitem distintas regulamentações e que prejudicam, normalmente,
os países com sistemas regulatórios mais frágeis; sejam elaboradas políticas para a
redução do uso de pesticidas em todo o planeta e um marco de proibição e eliminação
progressivas dos agrotóxicos com alto grau de toxicidade; promovam a agroecologia e,
por fim, que seja imputada a responsabilidade – nexo causal pelos danos provocados pelos
produtores de agroquímicos (ONU, 2017, p. 26).

Após, o relatório apresenta 18 recomendações aos Estados, das quais destacamos


algumas, como o estabelecimento de processos imparciais e independentes de avaliação
dos riscos e registro dos agrotóxicos, e que esses processos se baseiem no princípio da
precaução, principalmente com relação aos seus efeitos para a saúde humana e para o
meio ambiente; que se considere, primeiramente, as alternativas não químicas para a
produção agrícola e que se permita unicamente o registro de produtos químicos, quando
puder ser comprovada sua real necessidade; sejam promulgadas medidas de segurança e

79
Panel Internacional de Expertos sobre Sistemas Alimentarios Sostenibles, From Uniformity to Diversity,
(ONU, 2017, p. 6).

195
proteção adequada capazes de salvaguardar mulheres grávidas e crianças, além de outros
grupos particularmente sensíveis à exposição a agrotóxicos; que sejam financiados
estudos científicos capazes de abranger de forma ampla os possíveis efeitos para a saúde
dos pesticidas, incluindo a exposição combinada e múltipla de agrotóxicos ao longo do
tempo; que seja garantida uma análise regular e rigorosa dos alimentos e bebidas para
determinar os níveis de resíduos perigosos nos alimentos e bebidas, sendo enfatizados os
alimentos para o público infantil e gestantes e que referidas informações sejam
publicizadas de forma adequada para a população em geral; organizar programas de
treinamento para agricultores para conscientizá-los sobre os efeitos nocivos dos
agrotóxicos e mostrar-lhes métodos alternativos de produção; regular as corporações de
modo que estas respeitem os direitos humanos e evitem danos ambientais durante todo o
ciclo de vida dos pesticidas; imposição de sanções às empresas que inventem provas ou
difundam informações errôneas sobre os riscos para a saúde e meio ambiente de seus
produtos; incentivar a produção orgânica de alimentos mediante subsídios e assistência
financeira e técnica e, ao mesmo tempo, eliminar os subsídios aos agrotóxicos e em seu
lugar taxar com impostos os agroquímicos e criar tarifas de importação e pagamento de
taxas pela utilização de agrotóxicos (ONU, 2017, p. 26-27).

Finalizam o relatório recomendando que a população em geral deve ser informada


dos efeitos adversos dos pesticidas para a saúde humana e seus danos para o meio
ambiente e que devem ser organizados programas de treinamento agroecológicos.

De forma parecida, mas também peculiar, o parecer do Tribunal Monsanto aborda


o que considera ser uma crescente assimetria entre os direitos concedidos às
megacorporações e às limitações impostas por estas às comunidades locais e às futuras
gerações.

No parecer, citam a ocorrência de audiências do Tribunal da Monsanto, as quais


permitiram recolher testemunhos relacionados a vários impactos na saúde humana e
ambiental – especialmente agricultores, solos, plantas, animais e biodiversidade. Os
testemunhos também incluíram os impactos da pulverização dos herbicidas e pesticidas
da Monsanto, bem como os impactos sobre os povos e comunidades indígenas e a
ausência de informação adequada a esses grupos de pessoas. Munidos dos testemunhos e
de pesquisas anteriores, o Tribunal concluiu que a Monsanto envolveu-se em práticas
que vêm impactando de forma negativa o direito a um meio ambiente sadio e equilibrado,

196
bem como têm um impacto negativo no direito à alimentação adequada e que as atividades
da Monsanto afetam a disponibilidade de alimentos para indivíduos e comunidades e que
interferem na soberania alimentar dos indivíduos e comunidades com suas sementes
geneticamente modificadas, que são custeadas pelos agricultores sempre, que ameaçam a
biodiversidade e que a contaminação genética dos campos tem forçado os agricultores
ao pagamento de royalties.

O parecer do Tribunal também opina sobre a alegada violação do direito à saúde,


tal como previsto no artigo 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais – PIDESC, assim como o direito da criança de desfrutar do mais alto padrão de
saúde que possa ser obtido, reconhecido no artigo 24 da Convenção sobre os Direitos da
criança.

O direito à saúde encontra-se interligado com o direito à alimentação adequada,


direito à água, higiene e um meio ambiente sadio e equilibrado. O Tribunal ouviu em suas
audiências uma série de testemunhas que informaram sobre doenças congênitas graves,
desenvolvimento de linfomas de não-Hodgkin, doenças crônicas, envenenamentos e
mortes por produtos produzidos pela Monsanto.

O Tribunal, inclusive, menciona que a empresa já produziu e distribuiu uma série


de substâncias perigosas, entre elas, os policrorobifenilos e os contaminantes orgânicos
persistentes – PCBs comercializados exclusivamente pela Monsanto entre os anos de
1935 e 1979, apesar da empresa conhecer seus impactos nocivos. Os PCBs, inclusive,
foram proibidos durante a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos
Persistentes em 2001. Referida substância, segundo o Tribunal, é cancerígena e causa
problemas de infertilidade, desenvolvimento fetal e infantil, além de alterar o sistema
imunológico.

O rol de recomendações da ONU, bem como elementos do parecer do Tribunal


Monsanto acima enumerados parecem ser demonstrativos de que os termos e conceitos
de sustentabilidade, risco, justiça ambiental e proteção de futuras gerações, crianças,
mulheres grávidas e bebês se fazem perceber em suas construções técnicas.

O glifosato também não deixa de ser mencionado pelo Tribunal, pois o Roundup
é considerado por alguns pesquisadores como um produto cancerígeno enquanto outros
relatórios, como o da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar – EFSA (em inglês),

197
concluem exatamente o oposto. Em um parecer emitido em 15 de março de 2017 e com
relação à classificação do glifosato, a Agência Europeia de substâncias e produtos
químicos – ECHA (em inglês) estimou que o glifosato não pode ser classificado como
cancerígeno, mutagênico ou tóxico para a reprodução.

O Tribunal, todavia, enfatiza que essa classificação não leva em conta os riscos da
exposição a resíduos presente nos alimentos, água potável e até na urina humana.

O parecer consultivo alega que o cultivo e comercialização das sementes


resistentes ao Roundup, através de estratégias de marketing, resultou em uma ampla
distribuição e utilização dos produtos sendo classificado como um potencial produto
cancerígeno em seres humanos pela agência de Pesquisa sobre o câncer – IARC (em
inglês) ligada à Organização Mundial de Saúde – OMS. Há também relatos que aduzem
à genotoxicidade do glifosato em humanos e animais e, por último, mas não menos
importante, o Tribunal relata que existem documentos internos da Monsanto liberados em
março de 2017 como frutos de uma ordem judicial do Tribunal da Califórnia nos EUA
que mostram que a Monsanto tem manipulado a ciência e provoca, de certa forma, de
acordo com o Tribunal, a eventual controvérsia suscitada sobre os riscos que o glifosato
representa para a saúde humana.

Um ponto não mencionado de forma abrangente em outras pesquisas, com


exceção de curto trecho de autoria de Gurgel na obra do Greenpeace já comentada no
tópico anterior, é também tratada no parecer do Tribunal Monsanto e busca relacionar a
suposta cumplicidade da Monsanto em crimes de guerra, os quais estão definidos no
Artigo 8, II do Estatuto do Tribunal Penal Internacional – TPI ao fornecer o agente
Laranja. Entre os anos de 1962 e 1973, mais de 70 milhões de litros de Agente Laranja
(contendo dioxina) foram despejados sobre aproximadamente 2,6 milhões de hectares de
terra. Esse produto químico desfolhante tem causado severos danos à saúde da população
civil vietnamita. O dano causado aos veteranos estadunidenses, neozelandeses,
australianos e coreanos tem sido levado aos Tribunais e existem casos de reconhecimento
da responsabilidade da Monsanto.

Devido ao atual estágio da legislação internacional e da ausência de evidência


específica, o Tribunal não pode dar uma resposta definitiva a esta pergunta. Todavia,
parece que a Monsanto conhecia o modo de utilização de seus produtos na guerra do

198
Vietnã e as consequências para a saúde humana e para o meio ambiente. O Tribunal
entendeu que caso o crime de ecocídio fosse adicionado à Legislação Internacional, os
fatos relatados poderiam ser enfrentados pela jurisdição do Tribunal Penal Internacional
– TPI. (TRIBUNAL MONSANTO, 2017, Sumário, p. 5).80

Após esses relatos, relembramo-nos do capítulo que trata dos contexto histórico-
evolutivo da Revolução Verde e o quanto alguns pesquisadores afirmam que a
mecanização da agricultura, sua instrumentalização científica e tecnológica acabou por
servir como local de escoamento e absorção da técnica bélica quando já não mais existiam
guerras mundiais a serem travadas, não entre nações, pois agora a guerra mundial era
contra o inimigo comum chamado fome.

A derradeira pergunta feita ao Tribunal consultivo relacionou-se ao fato de que se


as atividades da Monsanto poderiam ser caracterizadas como crime de ecocídio e
poderiam causar danos graves ao destruir o meio ambiente e alterar de forma significativa
e duradoura os bens comuns e o funcionamento de determinados serviços do ecossistema
dos quais certos grupos humanos dependem.

Segundo o parecer, a evolução do Direito Ambiental Internacional, confirma a


crescente consciência de como o dano ambiental pode afetar de forma negativas direitos
e garantias fundamentais da sociedade. Preservar referidos direitos e garantias para as
futuras gerações, bem como a integridade dos ecossistemas é uma ideia que ganhou força
na comunidade internacional, inclusive com o representante do Tribunal Penal
Internacional – TPI, buscando dar especial atenção às desapropriações ilegais de terras e
a destruição do meio ambiente.

Todavia, apesar do desenvolvimento de mecanismos de proteção do meio


ambiente, permanece um lapso entre os instrumentos legais e a realidade de proteção
ambiental. O Tribunal considera que a legislação internacional deveria determinar agora
e de forma precisa e clara a proteção do meio ambiente e o crime de ecocídio. O Tribunal
concluiu que se o crime de ecocídio for reconhecido, as atividades da Monsanto
possivelmente se encaixarão como tais e que várias das atividades da empresa poderiam

80
Suspeitamos que a inserção do crime de ecocício, logo após a realização do Tribunal Monsanto, e antes
da emissão do parecer, possa ser indicativo de que o primeiro caso de ecocídio a ser julgado pelo Tribunal
Penal Internacional será com a Monsanto sentada no banco dos reús.

199
ser identificadas por essa infração que tem causado dano ambiental extenso, de larga
duração e grave e afetado de forma frontal o direito das futuras gerações.

Neste momento, talvez surja uma indagação: e a Monsanto? Como encarou o fato
de ter um Tribunal de opinião com seu nome e nas dimensões acima apresentadas?

Mais uma vez, vislumbramos as arenas de disputas que ora encaramos, em que,
nos resultados de pesquisas científicas, termos como sustentabilidade, risco, justiça
ambiental e futuras gerações são acionados e usados em contextos que podem ser
frontalmente divergentes.

Para melhor aclararmos o quanto esse uso de termos pode ser diferenciado,
passamos, a seguir, a tratar da Carta Aberta da Monsanto divulgada no mesmo dia da
publicização do parecer do Tribunal Monsanto em 18 de abril de 2017.

3.2.1 Carta aberta Monsanto

A Monsanto publicou em seu site a denominada “Declaração da Monsanto sobre


as conclusões do Tribunal contra a Monsanto”. Não encontramos referida declaração em
português, mas faremos uso da versão em espanhol, aqui traduzida de forma livre. Não
sabemos se a falta do documento transcrito em português é intencional, haja vista o Brasil
- país de língua portuguesa, ser o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, segundo
dados já colacionados neste trabalho, e o 2º maior utilizador/plantador de transgênicos.

O texto de esclarecimento da Monsanto, de autoria do Comitê Global de Direitos


Humanos da empresa, afirma que a empresa segue comprometida com um diálogo com
aqueles que estão verdadeiramente interessados na agricultura sustentável, nos direitos
humanos à alimentação, na saúde, no meio ambiente seguro e em quem a empresa é e
faz.81

No esclarecimento ofertado pela Monsanto, informa-se que o Tribunal foi


organizado por um seleto grupo de críticos anti-tecnologia na agricultura e também anti-

81
Essa nota inicial de esclarecimento da empresa é seguida de marcações em sua página eletrônica que
remetem ao link <http://descubri.monsanto.com.ar/conversemos/> e que traz uma série de questionamentos
de pessoas sobre a segurança dos produtos da empresa. Apresenta no mesmo parágrafo um outro link que
traz perguntas sobre sustentabilidade e mostra os relatórios dos últimos anos sobre o tema:
<http://www.monsanto.com/global/ar/nuestros-compromisos/pages/reporte-de-sustentabilidad.aspx>.
Acesso em: 24 abr. 2017.

200
Monsanto e que estes atuaram não apenas como organizadores, mas como juízes e
jurados. Afirma a Monsanto que o Tribunal não analisou evidências científicas existentes
e os antecedentes jurídicos de vários temas, e que o Tribunal se organizou com um
resultado já pré-determinado.

A Monsanto continua seus esclarecimentos dizendo que em um período em que a


população busca separar os fatos da ficção, a opinião não jurídica emitida pelo Tribunal
pode ser mal interpretada. A empresa esclarece que acredita que os direitos humanos e a
agricultura merecem um diálogo aberto e reflexivo para ajudar a encontrar as soluções
reais aos desafios da fome, da segurança alimentar e o papel dos agricultores para
alimentar o mundo em crescimento de maneira sustentável. Afirma a corporação em sua
defesa que segue comprometida com seu papel de ajuda e resolução de referidos desafios
e que segue aberta a qualquer pessoa que queira saber mais sobre a Monsanto.82

A carta aberta prossegue tratando o Tribunal como uma simulação apoiada pela
Fundação Internacional para Agricultura Orgânica (IFOAM, em inglês), que é uma
espécie de organização que abarca as demais organizações de agricultura orgânica e que
seus associados são fundamentalmente contra a agricultura moderna. Por conta disso, a
Monsanto alega que seguirá participando e se dedicando aos questionamentos e consultas
daqueles que estão autenticamente interessados em quem a empresa é e no que faz. A
empresa solicita em sua carta que fique registrado que estão posicionados com
transparência em relação ao direito humano à alimentação, saúde e meio ambiente, bem
como a produção sustentável de alimentos.83

A Carta Aberta considera que o Tribunal Monsanto não passa de um simulacro e


que distrai a sociedade sobre a necessidade do diálogo real sobre alimentos e demandas
agrícolas do mundo em total conformidade com os direitos humanos e continua dizendo
que as pessoas interessadas em alimentos, meio ambiente, biodiversidade e em sua
relação com a Monsanto precisam saber que os agricultores, ao cultivarem os produtos
da empresa, enfrentam desafios cada vez mais difíceis, à medida que a população mundial

82
Nesse momento a empresa deixa mais uma vez o link de perguntas e respostas já enfatizado no início de
seu texto: <http://descubri.monsanto.com.ar/conversemos/>.
83
Importante mencionar que nas afirmações da carta sobre direitos humanos, saúde, meio ambiente,
transparência e produção sustentável existem links que dirigem o leitor para áreas específicas que buscam
tratar do tema. Frise-se que são todas muito bem trabalhadas em termos gráficos e visuais, parecendo muito
mais uma tentativa de marketing e mais um dos portfólios da empresa do que uma real intenção de
comunicação e discussão de referidas categorias jurídico-sociais.

201
continua a crescer. Assim, diz a carta, que a empresa trabalha, diariamente, para oferecer
aos agricultores do planeta uma ampla gama de soluções para que possam obter melhores
colheitas, fazendo com que a terra, a água e outros recursos naturais produzam melhor e
gerem um prato de alimento equilibrado e, cada vez mais, acessível para todos.

Para abordar os desafios cada vez maiores e de forma cada vez mais colaborativa,
a carta aberta afirma que promove o compromisso com os direitos humanos e dá boas
vindas às genuínas e construtivas conversações com diversidade de ideias e perspectivas
sobre a produção de alimentos e agricultura. Considera que os diálogos são muito
necessários para ajudar a encontrar soluções sustentáveis84 a estes desafios.

Interessante notarmos que apesar da empresa se mostrar aberta a diálogos e


conversações que apresentem pluralidade de ideias e perspectivas sobre agricultura e
produção de alimentos no mundo, inicia, ao mesmo tempo, sua carta falando que os
organizadores do Tribunal são pessoas anti-tecnologia e anti-Monsanto, ou seja, parece
se confirmar em alguma dimensão a tese de que aqueles que se contrapõem à empresa
tendem a ser desqualificados. Parece-nos que o diálogo pode ser plural e diverso, desde
que atrelado ao elemento agroquímico de produção. Fora dessas bases, a empresa, pelo
menos nesse excerto da Carta, parece não querer diálogo, mas sim, desqualificar falas
contrárias ao seu modelo agroprodutivo.

Interessante notarmos também o quanto a palavra sustentabilidade é utilizada


como escora de apoio para sua defesa e o quanto, talvez, referido conceito venha sendo
utilizado para tentar fundamentar a defesa de modelos díspares como o agrobusiness e a
agroecologia, por exemplo.

Questionamo-nos se a utilização de termos como “sustentável” ou


“sustentabilidade”, por setores tão díspares representam sinais de um ruir de determinado
modelo desenvolvimentista de produção e geração de renda ou se são apenas uma forma
de apropriação de uma ideia surgida, aparentemente, com um escopo não tão
corporativista.

84
Na carta aberta é marcado um “*” que remete ao informe atualizado sobre sustentabilidade da empresa,
relatório de 2016 e que se encontra disponível no site da empresa e que em muito lembra a tal “etiqueta de
sustentabilidade” mencionada por alguns autores estudados no capítulo que trata do termo sustentabilidade
de forma mais conceitual.

202
A carta continua afirmando o comprometimento da Monsanto com o diálogo para
que se considere de forma mais ampla as ações da empresa, seus impactos e sua liderança
com responsabilidade e que tem consciência de que os consumidores, agricultores e a
indústria de alimentos e da agricultura têm participação em como se realizam e se
cultivam e produzem os alimentos, e que a empresa se esforça em ser transparente acerca
do que faz, da ciência que apoia suas pesquisas e da inovação de seus produtos, bem como
do registro de segurança de seus produtos aprovados e revisados pelos pares científicos.

A carta segue afirmando que a empresa está comprometida com a proteção e


cumprimento dos direitos humanos e que a política sobre o tema da empresa está vigente
há mais de uma década e que se baseia na Declaração Universal dos Direitos Humanos e
na Declaração Internacional do Trabalho, acerca dos princípios fundamentais e os direitos
do trabalho no contexto de “proteger, respeitar e remediar” os princípios guias das Nações
Unidas para os Negócios e Direitos Humanos, buscando, assim, demonstrar seus esforços
de fazer cumprir os direitos humanos.

A Carta também afirma acreditar na coexistência de todas as formas e práticas


agrícolas e na liberdade individual dos agricultores para eleger o método produtivo que
tenha mais adequação para suas metas, ou seja, semear através de métodos convencionais
ou com sementes modificadas geneticamente e outras técnicas modernas, ou seguindo
práticas orgânicas.

A Monsanto informa que ajuda os agricultores a mitigarem e adaptarem-se às


mudanças climáticas e que seus produtos e serviços ajudam os produtores rurais a utilizar
a ciência no cultivo de alimentos sustentáveis e de carbono neutro, bem como tem se
comprometido a realizar ações que melhorem a saúde das abelhas, além de criar um
ecossistema mais saudável para as borboletas rainhas. Também se mostram engajados em
auxiliar as comunidades rurais a preservar seus ecossistemas e evitar o desmatamento e
proteger espécies nativas.

Outra crítica não mencionada pelos organizadores do Tribunal, mas mencionada


na Carta da Monsanto, informa que muitos dos produtos e sementes da empresa atendem
tanto a produtores convencionais, como agricultores orgânicos e que também
comercializam sementes de hortaliças e produtos microbianos que são aprovados e
utilizados por agricultores adeptos do cultivo orgânico, e que seus investimentos em

203
pesquisas e serviços são tão úteis para ambas as modalidades de produção: orgânica e
convencional.

Notamos aqui uma interessante mudança de semântica, pois ao invés de utilizar o


contraponto agricultura moderna e agricultura tradicional, como quando se referenciou
aos organizadores do Tribunal, agora, ao se referenciar aos agricultores – clientes ou
potenciais clientes, a nomenclatura utilizada é de agricultores orgânicos e agricultores
convencionais, não sendo feita nenhuma acusação aos agricultores orgânicos de serem
anti-tecnologia, por exemplo.

Lembramo-nos, inclusive, nesse instante, de entrevista de Antônio Cândido ao site


Brasil de Fato em 201285 onde ele afirmou que aquilo que se pensa ser a face humana do
capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue.

Perguntamo-nos, será que aquilo que parece ser protetivo da natureza, ou


adaptando o pensamento de Antônio Cândido, a face socioambiental e sustentável do
capitalismo e do modelo agroprodutivo seria, na verdade, aquilo que outros movimentos
contramajoritários têm arrancado dele com suor, lágrimas e sangue através de
movimentos por justiça ambiental e o empunhamento de bandeiras, como solidariedade
intergeracional e agroecologia que hoje parecem tomar um espaço cada vez mais
expoente, inclusive dentro de órgãos como a própria ONU, por exemplo?

Por fim, a carta observa que 60% das sementes cultivadas não são comerciais, mas
sementes conservadas e replantadas pelos agricultores e que estas práticas tradicionais de
replantio e distribuição de sementes coexistem com as sementes comerciais com sucesso
em todo o mundo e que permite que os agricultores façam pessoalmente suas escolhas.

Importante notarmos que a empresa busca também fazer esse contraponto, já


trazido, tanto pelo Tribunal, como por diversos estudos contramajoritários, que dão conta
de que, além de trazer mudanças climáticas, perda da biodiversidade, os locais de
plantação de sementes transgênicas acabam propiciando o desaparecimento das ditas
sementes crioulas. Segundo a empresa isso não existe, sendo facultado aos agricultores
referida escolha.

85
A entrevista completa pode ser acessada no link: <https://www.brasildefato.com.br/2017/05/12/morre-o-
critico-e-sociologo-antonio-candido-leia-uma-de-suas-ultimas-entrevistas/>. BRASIL DE FATO. Morre o
crítico e sociólogo Antonio Candido; leia uma de suas últimas entrevistas. Acesso em: 14 maio 2017.

204
A carta aberta continua ratificando sua crença de que o evento do Tribunal foi
encenado e com um resultado predeterminado e que não conduz ao diálogo aberto e
profundo que os direitos humanos e a agricultura necessitam e merecem para que sejam
encontrados desafios para a fome, segurança alimentar e o papel dos agricultores para
nutrir a crescente população de maneira sustentável.

É interessante notarmos o quanto o “problema da fome” e a “necessidade de


alimentar o mundo” continua sendo um dos pontos fortes de defesa e justificação do
modelo agroprodutivo encampado pela Monsanto e demais empresas que compõem o
oligopólio de produtos e sementes da indústria agroquímica.

A Carta vai sendo finalizada em forma de lamento pela empresa, que afirma que
algumas pessoas da sociedade podem vir a ler ou escutar acerca do “Tribunal” e não se
darem conta de que não existe nenhuma conexão legítima com o verdadeiro Tribunal
Internacional de Justiça e o Tribunal Penal Internacional.

Mencionamos que esse argumento da Carta Aberta pode ser percebido como
inverídico, uma vez que o Tribunal Penal Internacional de fato acolheu a possibilidade do
ecocídio em momento posterior à realização do Tribunal de opinião e o Relatório da ONU
da Comissão de Direitos Humanos mencionou a necessidade da atuação Tribunal de
Justiça Internacional, ou seja, há uma visível tentativa de esvaziamento do conteúdo
técnico-jurídico de referidas iniciativas.

A carta aberta continua informando que escutar e participar de diálogos


construtivos e engajados é muito importante para a empresa e que esta não tem se furtado
em escutar as preocupações e em trabalhar para compreender realmente como podem
comunicar melhor quem é a empresa e o que ela faz, seja através de diálogos individuais
ou comunitários, ou amplas discussões públicas em fóruns com múltiplas partes
interessadas em todo o mundo e que tem construído parcerias com muitas comunidades e
participado de muitas conversas online de forma mundial e que tiveram mais de 750
milhões de interações com pessoas ao redor do globo nos últimos 20 meses através dos
sites, canais das redes sociais, incluindo o YouTube, Facebook, Twitter e outras
plataformas em várias línguas como inglês, mandarim, espanhol, português, francês,
japonês, coreano, vietnamita e bahasa indonésio.

205
Por fim, a carta busca manifestar um sentimento de honradez por parte da empresa
que vem recebendo reconhecimento pelos esforços empreendidos em várias comunidades
em todo o planeta e que também sabe que pode realizar muito mais e que entende que as
pessoas têm distintos pontos de vista sobre o tema e que é muito importante que todos
possam compartilhá-lo. Finaliza, afirmando que a empresa segue comprometida com sua
política e prática de direitos humanos, com a transparência e o diálogo e colaboração e
que dá boas-vindas a quem queira saber mais sobre a Monsanto, direcionando, assim
como no início da carta, para o link dentro do site da empresa que comporta perguntas e
respostas dos leitores da carta.

Percebemos pelo exposto até agora que na tensão entre ecoinclinados e


agroinclinados (SPAROVEK, 2017) há uma campo de lutas e forças (BOURDIEU, 2004,
p. 23) dentro do campo científico no qual ambos combatentes não se mostram dispostos
a retroceder em suas posições.

Notamos também a presença de grupos com tendências para a adoção das


denominadas “retóricas de retidão” e outros “pragmáticos ambientais” que defendem
versões do desenvolvimento sustentável e que costumam se apossar da denominada
“retórica da racionalidade”, conforme tratamos com Hannigan (1995. p. 65-66) na
introdução deste trabalho.

A seguir, trataremos das pesquisas nacionais e internacionais que tratam de forma


específica da contaminação do leite humano, infância e adolescência, na medida em que,
conforme já explicitamos na introdução deste trabalho, entendemos que bebês e crianças
e adolescentes são dotados de condição peculiar de desenvolvimento, além de símbolos
das “presentes e futuras gerações”, cuja potencial contaminação por agrotóxicos parece
ter efeitos diferenciados.

3.3 AGROTÓXICOS E PESQUISAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS SOBRE A


CONTAMINAÇÃO DO LEITE HUMANO, INFÂNCIA E FUTURAS GERAÇÕES

“Children are one third of our population and all of


our future.” 86
Painel de promoção da saúde infantil, 1981.

Um menino nasceu, o mundo tornou a começar


(João Guimarães Rosa)

86
Crianças são um terço de nossa população e todo o nosso futuro. (Tradução Livre da autora).

206
O tema da contaminação do leite humano por agrotóxicos não é novo.
Rachel Carson, em sua obra sobre contaminação ambiental e humana por
pesticidas, já trazia a questão em tom de alerta e no decorrer deste item iremos
colacionar mais algumas pesquisas nacionais e internacionais que, em algum
momento, abordam a temática.

Entre os estudos que abordam o tema em comento, temos um que chamou


particular atenção no país e que foi produzido pela pesquisadora Danielly Palma
(2011) em sua dissertação de mestrado intitulada como “Agrotóxicos em leite
humano de mães residentes em Lucas do Rio Verde – MT”.

A escolha do campo de estudos e coleta de leite materno não é obra do acaso


da pesquisadora em comento, haja vista o fato de Lucas do Rio Verde ser uma
cidade com destaque nacional para o agronegócio.

Segundo Palma (2011, p.52), ao observar-se a realidade não apenas do Estado de


Mato Grosso, local específico de sua pesquisa, mas de todas as áreas que fazem uso
intensivo de agrotóxicos, surgiu o questionamento sobre a relação entre a exposição da
população a esses agrotóxicos e a contaminação do leite humano. Seu estudo informa que
a resposta é positiva e que a contaminação do leite humano é ampla e tem por
consequência as décadas de poluição descontrolada do ambiente por produtos tóxicos. A
pesquisadora faz uma revisão bibliográfica em seu trabalho de mestrado no qual busca
demonstrar, escorada em autores como Landrigan (2002), entre outros, que desde o século
XVIII, quando a Revolução Industrial trouxe para a sociedade um avanço das ciências e
da produção tecnológica, ocorreram, conjuntamente, profundas mudanças na relação do
homem com a natureza.

Palma (2011, p. 52-53) prossegue sua pesquisa explicando que estudos realizados
em várias partes do mundo indicam contaminação do leite humano por organoclorados e
que o uso indiscriminado dessa classe de substâncias ao longo do tempo fez com que
ocorresse a denominada bioacumulação ao longo da cadeia alimentar, inclusive em
humanos. A pesquisadora acrescenta dados mostrando diversos estudos realizados no
Brasil que podem ser vistos como evidência da contaminação do leite humano em
diferentes regiões do país.

A seguir, citaremos diretamente algumas dessas pesquisas:

207
Em um estudo realizado por OLIVEIRA (1997), em Cuiabá, com 32
mulheres, observou-se que 100% das amostras encontravam-se
contaminadas com algum tipo de substância organoclorada. Os
maiores níveis foram detectados em mulheres que residiam em zona
rural ou que referiram já ter residido e/ou trabalhado em zona rural.

MELLO (1999) analisou os níveis de organoclorados em 14


amostras provenientes da Cidade dos Meninos, Rio de Janeiro. Das
amostras analisadas do grupo exposto 100% apresentaram
resultado positivo para β-HCH, p,p’ DDE e p,p’ DDT; 71,4% para
γ-HCH e α-HCH e 42,8% para p,p’ DDD. Das amostras analisadas
do grupo não exposto, 100% apresentaram resultados positivos para α-
HCH, γ-HCH e p,p’DDE; 85,7% para β-HCH; e apenas uma amostra
apresentou resultado positivo para p,p’DDT. (PALMA, 2011, p. 53-54).
(sem destaque no original).

Palma (2011, p. 53-55), relata em sua dissertação que as cidades de São Paulo e
Belo Horizonte demonstraram contaminação multiresidual por agrotóxicos
organoclorados em ambas localidades. No estudo, foram analisadas duas amostras
compostas, uma de cada cidade. As amostras faziam parte de um pool de 10 amostras
coletadas em ambas as cidades. Em todas as amostras os níveis mais elevados foram
encontrados para p,p’DDE, 0,596 mg/g de gordura em São Paulo, e 0,155 mg/g de
gordura em Belo Horizonte, seguido do β-HCH, 0,027 mg/g de gordura e 0,022 mg/g de
gordura respectivamente. As concentrações dos outros compostos analisados foram
similares, ou na maioria dos casos, abaixo do limite de detecção do método utilizado
(0,001 mg/g de gordura).

A autora que ora pesquisamos traz dados de Azeredo et.al (2008), que verificaram
níveis de DDT total em amostras de doadoras ao longo do Rio Madeira, Amazônia, uma
região conhecida por seu grande número de casos de malária. Segundo o estudo em
comento, foram analisadas 69 amostras e todas apresentaram contaminação por DDT e
seus metabólitos, variando entre 25,4 a 9361 ng de DDT total/g de lipídeos.”

A autora traz na página 55 de sua dissertação, uma tabela com as pesquisas sobre
contaminação do leite humano por agrotóxicos no mundo, a qual apresentamos a seguir
e que reflete o levantamento bibliográfico feito pela pesquisadora sobre o tema:

208
Tabela 3 – Resultado de pesquisas sobre a contaminação do leite humano por organoclorados.
(PALMA, 2011, p.55).

Um ponto a ser ressaltado neste momento e já comentado ao longo deste trabalho,


refere-se ao fato de que pesquisas que possuem temática voltada para a contaminação
humana por produtos químicos costumam ser alvos de embates não apenas científicos,
pois suas conclusões apontam para graves fatos que levariam, pelo menos em tese, a uma
radical mudança do modelo de desenvolvimento econômico adotado por muitas nações.
O Brasil, por exemplo, conforme temos observado ao longo desta pesquisa possui boa
parte de sua economia alocada nas commodities ligadas às monoculturas do agronegócio.

Assim, em relação à pesquisa de Palma (2011), os embates não deixaram de


existir, inclusive circularam publicações buscando invalidar seus estudos e mencionando
que seriam repetidas as coletas e as análises do leite materno das mães de Lucas de Rio
Verde. A reportagem do site “Turma do Epa” intitulada como: “UFMT sonega dados e
ameaça guerra ao agronegócio,” especificamente, aduz que:

[...] Além da repetição da coleta e análise do leite materno de mães de


Lucas do Rio Verde, que já foi anunciada pela Secretaria de Saúde

209
municipal, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Rural e
Agricultura Familiar (Sedraf) irá formar uma comissão para
promover ações em cima dos resultados apresentados.

O edital de formação desta comissão foi divulgado no dia 9 de abril no


Diário Oficial e será composta por 7 pessoas. A assessoria de imprensa
informou que até sexta-feira (15) os nomes serão conhecidos. O que já
pode ser adiantado é o nome do superintendente de economia
agropecuária e difusão de informações e mercado da Sedraf, Paulo
Bilego, para ocupar a diretoria. Dois integrantes do Instituto de Defesa
Agropecuária do Estado de Mato Grosso (Indea), 2 da Secretaria de
Estado do Meio Ambiente (SEMA) e 2 da Federação de Agricultura e
Pecuária de Mato Grosso (Famato) fecharão a comissão. (TURMA DO
EPA, 2016). (sem destaque no original).

Impossível não notarmos o vasto número de representantes ligados ao


agronegócio na referida comissão criada para refazer a coleta de dados e análise de leite
materno das mães de Lucas de Rio Verde. Mais uma vez, a teoria de que existem ataques
baseados em retóricas de ocultação, justificação e desqualificação de pesquisas que se
contrapõem ao majoritário modelo agroprodutivo de produção alocado em insumos
químicos e mecanização da agricultura, defendida por um vasto número de estudos já
colacionados no presente capítulo, parece se confirmar em alguma medida.

Abaixo, apresentamos outra tabela extraída da pesquisa da Palma (2011) e que


demonstra a caracterização das amostras de nutrizes de Lucas de Rio verde:

Tabela 4 – Caracterização da amostra (n=62) de nutrizes de Lucas de Rio Verde-MT, 2010.

210
Através da análise da tabela acima e de relatos da pesquisadora, entende-se que
foram reunidas 62 nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde-MT, que participaram de
questionário e fornecimento de amostras de leite no período de fevereiro a junho de 2010.

A tabela acima também mostra variáveis de identificação materna como idade,


raça, estado civil e escolaridade. Podemos observar que 64% das nutrizes apresentavam
idade entre 20 e 29 anos. A média de idade encontrada na amostra foi de 26 anos (DP =
6). As raças, branca (53%) e parda (42%) foram as mais declaradas pelas nutrizes.

Em relação aos dados profissionais, Palma (2011, p. 68) informa que foi possível
verificar que 21% das nutrizes já trabalharam na lavoura e que apenas uma nutriz (1,6%)
declarou trabalhar com agrotóxico, na função de engenheira agrônoma responsável por
um armazém de grãos. Temos também que algumas nutrizes (6,5%) trabalham na zona
rural, mas não trabalham em contato direto com agrotóxico. Quanto a residir na zona rural
43,5% declaram já ter residido por algum período na zona rural.

Em relação aos filhos das nutrizes pesquisadas, coletamos do trabalho de Palma


(2011, p. 69) que 13% dos bebês nasceram pré-termo, ou seja, com menos de 37 semanas
de gestação. Uma malformação foi evidenciada, um caso de gastroquise, defeito na
formação da parede abdominal também foi mencionado. Entre os que nasceram com
algum problema de saúde (10%), o caso mais grave foi o de rabdomioma87 cardíaco.

Quanto à amamentação, 74% se alimentam exclusivamente do leite materno e


26% recebem algum tipo de complemento. Em relação ao marido/companheiro das
nutrizes pesquisadas, 50% moraram na zona rural, 43,5% trabalharam na lavoura.

Outra tabela do estudo de Palma (2011, p. 73) busca demonstrar o total de


amostras detectadas e a frequência de detecção de agrotóxicos analisados em leite
humano.

87
Espécie de tumor cardíaco.

211
Tabela 5 – Total de amostras detectadas e frequência de detecção de agrotóxicos analisados em leite humano em
amostras (n=62) de nutrizes residentes em Lucas de Rio Verde – MT, 2010. (PALMA, 2011, p. 77).

Conforme podemos inferir da tabela acima, as amostras de leite humano


apresentaram contaminação multiresidual por agrotóxicos, pois o DDE foi encontrado em
100% das amostras analisadas, o que sugere uma exposição passada ao DDT, pois Palma
(2011, p. 78) explica que este é o seu metabólito mais estável e foi bastante utilizado até
1985 na agricultura e até 1998 no controle de vetores.88

O endossulfam, outro “potente agrotóxico” foi encontrado em 44% das amostras


analisadas, sugerindo uma exposição atual, uma vez que é muito utilizado como inseticida
na agricultura na região de estudo. As nutrizes que tiveram aborto apresentaram
associação com a presença dos agrotóxicos endossulfam, aldrim e deltametrina, e ressalta
que a literatura médica descreve os efeitos desses agrotóxicos sobre o sistema reprodutivo
e hormonal em conformidade com os relatados pelas nutrizes pesquisadas. O fato do
marido/companheiro trabalhar na zona rural apresentou associação com a presença de
resíduos de endossulfam e aldrim em amostras de leite analisadas (PALMA, 2011, p. 82-
83).

Palma (2011, p. 84) se posiciona de forma crítica em sua pesquisa e destaca que o
processo produtivo agrícola adotado no município de Lucas do Rio Verde leva o
município a um desenvolvimento insustentável, pois degrada o meio ambiente local, polui
os recursos hídricos, o solo, o ar, afetando sua população, acarretando sérios problemas

88
Mais uma vez nos lembramos das denúncias de Carson (2010, {1962}) que já nos idos da década de 60
denunciou o mal do DDT, fato que refletiu na retirada do produto dos EUA na década de 70, mas que,
conforme já comentamos em excerto próprio desse trabalho, só foi retirado totalmente de circulação do país
há poucos anos.

212
de saúde, sendo a contaminação do leite das nutrizes residentes em Lucas do Rio Verde
apenas um dos múltiplos efeitos desencadeados por esse processo produtivo. A
pesquisadora também considera que os serviços de saúde pública municipal devem ficar
atentos aos indicadores de saúde que possam estar relacionados ao uso intensivo de
agrotóxicos no município e enumera a incidência de abortos, malformações, neoplasias e
doenças neurológicas como sinalizadores, pois vários agrotóxicos possuem ação
mutagênica, teratogênica, carcinogênica, desregulação endócrina e distúrbios
neurológicos e psiquiátricos.

A pesquisadora defende a ideia de que os dados apresentados e discutidos em sua


pesquisa demostram um problema de saúde pública em que trabalhadores e população
vizinha a áreas de produção de soja, milho ou algodão se encontram em situação de
vulnerabilidade, por conta dos efeitos nocivos dos agrotóxicos sobre a saúde humana. A
autora deixa como sugestões de ações: vigilância em saúde para o município pesquisado
e as demais cidades do país centralizadas no modelo agroprodutivo que visem à proibição
da pulverização de qualquer tipo de agrotóxico por avião; limitação da aplicação de
agrotóxicos a uma distância mínima de 500 metros do perímetro urbano ou no entorno de
aglomerados humanos, criação de animais, nascentes de córregos e abastecimentos de
água potável; implantação de sistema de notificação e vigilância para as intoxicações
agudas e crônicas; realização de vigilância em saúde nos casos de derivas de agrotóxicos;
e implantação de Sistema de Monitoramento de Resíduos de Agrotóxicos em águas de
córregos, rios, lagos, poços artesianos, no ar, na chuva e nos alimentos (PALMA, 2011,
p. 85-86).

Por fim, conclui que apesar de 100% das amostras analisadas de leite materno
restarem contaminadas, não se deve desprezar os benefícios da amamentação para o bebê
do ponto de vista nutricional, imunológico, psicológico e na promoção da saúde, ainda
que danos possam advir por conta da exposição dos bebês aos agrotóxicos e considera
que existe uma necessidade urgente de se ampliar as avaliações e análises dessas
contaminações do leite humano por agrotóxicos provindos do processo produtivo
agropecuário, coordenado pelo agronegócio, para que seja possível a implantação de
medidas de saúde coletiva, com participação dos afetados ou agravados, dos técnicos da
saúde, da agricultura e ambiente, num movimento com a sociedade civil organizada e
articulada com a democracia e justiça ambiental, em busca de outro modelo de

213
agricultura, seja ele agroecológico ou algum que se relacione com o desenvolvimento da
vida, da saúde, da democracia e da felicidade (PALMA, 2011, p.86).

Seguindo as pesquisas sobre o tema específico da contaminação por agrotóxicos


no leite materno e na primeira infância, mencionamos a pesquisadora Paula de Novaes
Sarcinelli, que na obra intitulada “É veneno ou é remédio”, em seu capítulo 02, trata da
exposição de crianças e adolescentes a agrotóxicos. Segundo a pesquisadora, além dos
efeitos tóxico-sistêmicos, que possuem doses limites de exposição previamente
estabelecidas, há uma enorme preocupação com os efeitos de longa duração com
potencial carcinogênico. A autora informa que há um crescente número de casos de câncer
em crianças. Somente nos Estados Unidos, cerca de 8.000 novos casos por ano são
registrados e cita estudo de Carroquino (1998) (SARCINELLI, 2003, p. 47).

Na pesquisa feita por Sarcinelli (2003, p. 47), é feita a estimativa de que cerca de
80% a 90% de todos os cânceres sejam atribuídos a fatores ambientais e relata que em
1997, a EPA (Agência de Proteção Ambiental) estadunidense, através do seu
Departamento para a Proteção da Saúde da Criança, promoveu uma conferência sobre
causas de câncer passíveis de prevenção em crianças, visando a ampliação do
conhecimento e o direcionamento de esforços na prevenção de câncer em crianças
relacionados às causas ambientais, e que as recomendações concentraram-se em quatro
áreas de pesquisa, quais sejam: fatores de susceptibilidade; fatores epidemiológicos e de
risco; marcadores biológicos de exposição e efeito; e medidas quantitativas de exposição.

A autora descreve em sua pesquisa a preocupação com o impacto potencialmente


desproporcional que exposições a químicos ambientais podem causar na saúde de
crianças e fetos em desenvolvimento, o que levou a numerosos esforços políticos e ao
desenvolvimento de pesquisas sobre a saúde das crianças, tais como o estabelecimento
do departamento da EPA para a Proteção da Saúde da Criança, bem como do Comitê
Conselheiro para a Saúde da Criança, e a promulgação do Food Quality Protection Act -
FQPA em 1996, que desempenhou importante papel na regulamentação de agrotóxicos,
como a da inclusão de políticas preventivas para tratar mais estritamente dos riscos
potenciais dos agrotóxicos à saúde das crianças (SARCINELLI, 2003, p.45-46).

Algo que nos chamou a atenção nesse instante e se refere, especificamente, ao que
tratamos acima, ou seja, ao fato de que a EPA, surgida alguns anos após o lançamento do

214
livro de Carson (1962), ter criado um departamento específico de proteção à saúde da
criança. O Brasil, apesar de possuir avançadíssima legislação de proteção ambiental não
desenvolveu similarmente nenhum mecanismo de gestão pública - pelo menos que
tenhamos conhecimento de forma institucionalizada - que conjugue a agenda de proteção
ambiental e a agenda de proteção à criança de forma expressa, conforme vem sendo feito
nos EUA.

Para Sarcinelli (2003, p. 47):

Estudos prévios têm sugerido uma associação entre exposição a


agrotóxicos e diferentes tipos de cânceres em crianças (Meinert et
al., 2000), além de informar em sua pesquisa que o Instituto Nacional
do Câncer e o Programa Nacional de Toxicologia, (National Cancer
Institute – NCI – e National Toxicology Program – NTP), ambos dos
EUA, avaliaram 51 agrotóxicos no ano de 1990, dos quais 24
demonstraram caráter carcinogênico em estudos crônicos. Em 1997, a
IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer -International
Agency for Research on Cancer) classificou 26 agrotóxicos com
indícios suficientes de potencial carcinogênico em animais e 19 com
indícios limitados em animais. (sem destaque no original).

Referida pesquisadora traz uma revisão de literatura com estudos envolvendo a


relação entre câncer e exposição de crianças a agrotóxicos entre os anos de 1974 e 1997
(de caso-controle e corte). Segundo a pesquisa, os casos mais frequentes foram leucemia
(18 estudos), neuroblastoma (8), tumor de Wilm (6), sarcoma de tecidos moles (3),
osteosarcoma (10), sarcoma de Ewing (6), linfoma não-Hodgkins (8) e cânceres de
cérebro (18), coloretal (2) e testículos (2). A autora, de forma autocrítica, relata que se
devam avaliar as limitações de alguns estudos em aspectos como a quantidade
insuficiente de informações sobre a exposição, número pequeno de indivíduos expostos
e o potencial para viés de resposta, mas não deixa de mencionar o fato de que muitos
estudos revelaram riscos aumentados, em maior magnitude do que os observados em
estudos de adultos expostos a agrotóxicos, o que pode sugerir que as crianças sejam
particularmente mais sensíveis à ação carcinogênica desses agentes químicos
(SARCINELLI, 2003, p. 48).

Em relação à exposição da primeira infância à agrotóxicos, é preciso destacar-se,


segundo a pesquisa que ora se comenta, que a contaminação pode ocorrer de duas formas
distintas e/ou simultâneas: a contaminação por vias ambientais, que ocorre em suas casas,
escolas, gramados e jardins, bem como pela alimentação e água contaminada e a
contaminação ocupacional que pode ocorrer durante a sua participação em atividades

215
laborais da família, através do contato com os pais, quando estes lidarem com algum
destes agroquímicos durante o trabalho. O mais grave é que a própria poeira domiciliar
de um ambiente doméstico no entorno de uma área rural pode conter um grau mais
elevado de concentração de agrotóxicos do que o próprio ar, solo e alimentos
(SARCINELLI, 2003, p. 43-44).

Em relação à exposição materna, Sarcinelli (2003, p. 44) coletou em sua pesquisa


a informação de que as exposições infantis iniciam-se na vida intrauterina, através da
passagem desses componentes na forma de “alimentos” compartilhados pela placenta e,
após o nascimento, pelo leite materno durante a amamentação e que a excreção de
organoclorados no leite é um meio importante de redução da carga corpórea da mãe, e,
durante o processo de amamentação, a transferência desses compostos tóxicos é passada
para a criança.

Em relação à contaminação do leite, a autora do estudo que ora analisamos,


considera que deve ser tema merecedor de especial atenção, principalmente pelo fato de
ser o leite materno a única fonte de alimento para o recém-nascido, que o consome em
quantidades proporcionalmente elevadas. A amamentação é considerada a principal via
de transferência desses resíduos para a criança junto com a passagem transplacentária.
Desta forma, a exposição a agrotóxicos merece uma atenção especial, visto que a maioria
dos agrotóxicos pode produzir efeitos neurotóxicos em organismos vivos, o que não
exclui os seres humanos. Pesa, para a pesquisadora, neste momento, o fato de que as
crianças são particularmente sensíveis e frequentemente mais suscetíveis as toxinas
químicas que alteram a estrutura ou o funcionamento do cérebro, ainda que essa
susceptibilidade seja variável de acordo com o agente neurotóxico a que se expõe o feto
ou a criança e conclui que as exposições precoces à neurotoxinas têm sido associadas a
doenças neurológicas e retardo mental (SARCINELLI, 2003, p. 50).

Sarcinelli (2013, p. 51) prossegue com informações que parecem se encaixar em


boa parte dos estudos contramajoritários e críticos ao modelo agroprodutivo baseado em
agrotóxicos e afins e menciona que:

Os sintomas neuropsicológicos e neurocomportamentais mais


frequentes relacionados à exposição crônica a agrotóxicos são
alterações de vigilância, diminuição de concentração, lentidão no
processamento de informações, alterações da memória, distúrbios de
linguagem, redução de velocidade psicomotora, depressão, ansiedade e

216
irritabilidade (Hartman, 1988). A exposição aos agrotóxicos pode
representar, portanto, um risco de contaminação e
consequentemente de comprometimento do desenvolvimento físico,
emocional e cognitivo de crianças e adolescentes, e também do
processo de aprendizagem na escola e no trabalho. Em suas
atividades laborais, a situação é ainda mais grave devido aos riscos de
acidentes a que, certamente, ficam expostos em decorrência das
alterações das funções neurocomportamentais.

Percebemos que as pesquisas de Sarcinelli (2003) e Palma (2011), apesar de


apresentarem cerca de 08 anos de diferença e dos galopantes avanços nas mais diversas
técnicas de investigação científica, parecem demonstrar semelhanças em muitos pontos
e, ainda mais, parecem confirmar aquilo que Rachel Carson (1962) gritou em sua
“Primavera Silenciosa”, e Vandana Shiva (2003) tratou em sua obra “Monocultura da
mente”.

Outra pesquisa que se coaduna as pesquisas de Sarcinelli (2003) e Palma (2011)


foi elaborada pelo doutor em Geologia ambiental, Roberto Naime, para o portal de
notícias do MST, no qual ele afirma que os efeitos dos agrotóxicos são mais nocivos em
crianças. O artigo foi publicado dia 03 de dezembro de 2015 no sítio eletrônico do MST
– Movimento dos Sem Terra. Naime (2015) inicia seu artigo informando que a
pesquisadora Sônia Stertz89, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), registrou que as
crianças apresentam níveis duas vezes mais elevados de pesticidas no sangue e seus
efeitos são até 10 vezes mais intensos do que em adultos. O autor prossegue citando
investigação feita pela Universidade de Berkeley, na Califórnia que relata que:

Até a idade de dois anos, crianças produzem pouco de uma enzima


chamada Paraoxonase-1, que auxilia na detoxificação ou eliminação de
pesticidas organofosforados. Algumas crianças só atingem níveis
normais dessas enzimas aos 7 anos”.

O pesquisador defende o consumo dos alimentos orgânicos por considerar que são
alimentos que estão isentos da contaminação por agrotóxicos e resíduos de forma geral e
colaciona em seu artigo informações de Heloísa Pacheco, coordenadora do ambulatório
de Toxicologia da UFRJ, a qual afirma que a exposição a agrotóxicos possui uma
responsabilidade muito maior do que se imagina em casos de câncer e neoplasias
(NAIME, 2015).

89
Sônia Stertz é doutora em Tecnologia de Alimentos, presidente da Sociedade Brasileira de Ciência e
Tecnologia de Alimentos na Regional do Paraná.

217
Segundo o artigo de Naime (2015), o agrotóxico no alimento, ao ser ingerido, gera
um efeito cumulativo, podendo levar a uma série de doenças crônicas neurológicas,
endócrinas, imunológicas e do aparelho reprodutor, como infertilidade, diminuição do
número de espermatozoides e câncer e que os agrotóxicos podem ser hidrofílicos ou
lipofílicos quando se combinam com moléculas de água ou gorduras respectivamente, e
se acumulam no organismo, desta forma, são capazes de induzir a moléstias muito tempo
depois de serem acumulados.

É importante mencionar a nota trazida no artigo de pesquisador Naime (2015),


que trata da pesquisa da médica Silvia Brandalise, da Unicamp, a qual estuda as causas
de câncer, principalmente entre crianças. Segundo a pesquisadora, estudos já
comprovaram que a exposição aos venenos usados nas plantações está relacionada com a
leucemia e tumores no cérebro. Ao final de seu artigo, o autor faz um apelo:
“convenhamos que ao menos as crianças devem ser preservadas destes cenários
apocalípticos”.

O documento da ONU já trazido nesse capítulo também dedicou tópico próprio às


mulheres grávidas e crianças, e em linhas gerais informou que as crianças são mais
vulneráveis à contaminação por pesticidas em razão de sua condição e que ao serem
expostas a uma dosagem mais elevada por unidade de peso corporal apresentam menor
capacidade de excreção, pois possuem em nível muito baixo as enzimas chaves que
desintoxicam os pesticidas e que os impactos sobre a saúde incluem desenvolvimento
intelectual prejudicado e anomalias de desenvolvimento (ONU, 2017, p. 08).

Em relação às mulheres grávidas expostas a pesticidas, o documento da ONU


informou que estas se encontram em maior risco de aborto espontâneo, parto antecipado
ou filhos com problemas congênitos de saúde e que estudos têm encontrado regularmente
um coquetel de pesticidas nos cordões umbilicais e primeiras fezes de recém-nascidos,
provando exposição pré-natal e que a exposição por pesticidas pode ser feita por qualquer
um dos genitores e que o período mais crítico de contaminação consiste nos três meses
antes da concepção, para o genitor homem e a exposição materna é mais perigoso desde
o mês antes da concepção até o primeiro trimestre da gravidez e que recentes evidências
sugerem que a exposição de pesticidas pelas mães grávidas leva a um risco de leucemia
infantil e outros cancros, autismo e doenças respiratórias. O documento da ONU explica
que os pesticidas neurotóxicos podem atravessar a barreira placentária e afetar o

218
desenvolvimento do feto, enquanto que outros produtos químicos tóxicos podem afetar
adversamente seu sistema imunológico. 90

Gurgel (2017, p. 50) também trata de forma específica da contaminação de


crianças e defende, através de uma robusta revisão bibliográfica, a ideia que:

Existem evidências de toxicidade crônica sobre o sistema reprodutivo,


que podem afetar células germinativas e gametas (óvulos e
espermatozoides), provocando alterações que podem ser transmitidas
aos zigotos, causando morte precoce do embrião (Hales; Robaire,
1996) ou então malformações no feto. As malformações fetais são
defeitos congênitos que podem estar relacionados à exposição aos
agrotóxicos, sendo os mais comuns: a fenda palatina, defeitos no
tubo neural e nos membros (Roberts; Karr; Council on Environmental
Health,2012). Os danos ao sistema reprodutivo e as malformações fetais
podem estar associadas à exposição a diversos compostos tais como os
organoclorados (Montes et al., 2010; Shekharyadav et al., 2011;
Krysiak-Baltyn et al., 2012; Rignell- Hydbom et al., 2012; LI et al.,
2014; Michalakis et al., 2014, 2014), piretroides (Bian et al., 2004; Xia
et al., 2004, 2008; Lifeng et al., 2006; Sun et al., 2007) e o 2,4-D (Lerda;
Rizzi, 1991; Extension Toxicology Network, 1996; Arbuckle et al.,
1999; Swan et al., 2003; Institute of Medicine, 2014).

[...] Também podem ser observados desordens psiquiátricas e


neurodegenerativas como transtornos parkinsonianos (Davis;
Yesavage; Berger, 1978; Rajput; Uitti, 1987; Joubert; Joubert, 1988;
Hertzman et al., 1990; Meco et al., 1994; Senanayake; Sanmuganathan,
1995; Liou et al., 1997; Bhatt; Elias; Mankodi, 1999; Montoya- Cabrera
et al., 1999; Müller-Vahl; Kolbe; Dengler, 1999; Brooks et al., 1999;
Shahar; Andraws, 2001; Hsieh et al., 2001; Mccormack et al., 2002;
Arima et al., 2003; Rusyniak; Nañagas, 2004; Brahmi et al., 2004;
González-Polo et al., 2004; Shahar et al., 2005; Eaton; Gallagher, 2010;
Hashim et al., 2011); e neurotoxicidade do desenvolvimento,
provocando alterações intelectuais e comportamentais em crianças
(Roberts; Karr; Council on Environmental Health, 2012; Burns et al.,
2013; Yolton et al., 2014; Zhang et al., 2014; González-Alzaga et al.,
2015). (sem destaque no original).

90
O documento da ONU colaciona as seguintes pesquisas ao trazer referidas informações: Alaska Native
Health Board, “Traditional Food Contaminants Testing Projects in Alaska”, julio de 2002; y Gretchen
Welfinger-Smith et al., “Organochlorine and Metal Contaminants in Traditional Foods from St. Lawrence
Island, Alaska”, Journal of Toxicology and Environmental Health, Parte A, vol. 74, num. 18 (septiembre
de 2011); Beyond Pesticides, “Children and Pesticides Don’t Mix”, folleto informativo.; Eyhorn, Reducing
Pesticide Use, pág. 9; Enrique Ostrea, Dawn Bielawski y N. C. Posecion, “Meconium analysis to detect
fetal exposure to neurotoxicants”, Archives of Disease in Childhood, vol. 91, núm. 8 (septiembre de 2006);
Red de Acción en Plaguicidas, respuesta al cuestionario sobre los plaguicidas y el derecho a la alimentación,
pág. 3; Council on Environmental Health, “Policy statement: Pesticide Exposure in Children”, Pediatrics,
vol. 130, núm. 6 (diciembre de 2012). 29 Köhler, “Wildlife Ecotoxicology of Pesticides”. (ONU, 2017, p.
08).

219
Karen Friederich (2017, p. 59), no mesmo documento do Greenpeace, insere a
imagem abaixo já na introdução de seu artigo, talvez numa tentativa simbólica de
expressar o fato de que é preciso pensar nas futuras gerações.

Figura 15 - Fernanda Porto/Greenpeace.

Em relação às intoxicações por faixa etária, Bombardi (2016) informa no gráfico


abaixo alguns dados que nos parecem alarmantes. Segundo sua pesquisa, desde 2001 até
2006, a contaminação da população "infanto-juvenil"91 respondeu sozinha por cerca de
1/4 das intoxicações no campo. Fazendo-se a soma dos dados abaixo catalogados,
chegamos ao número de 26,5% de intoxicações.

Gráfico 9 – Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2001-2006 (BOMBARDI, 2016, p. 18).

91
0 à 19 (zero à dezenove) anos na divisão trazida pela autora, que não explicita a razão de sua divisão, -
se jurídica, psicológica, sociológica, biológica, etc.

220
Mudando-se o período de análise, segundo Bombardi (2016, p. 21), entre os anos
de 2007 a 2013, o Ministério da Saúde registrou 25.106 intoxicações por agrotóxicos de
uso agrícola (notificadas junto a este órgão). Na faixa etária de 0 a 14 anos - houve a
notificação de 181 crianças intoxicadas, sendo que nos estados do Centro-Sul do país as
crianças entre 01 e 04 anos, ou seja, crianças na primeira infância, responderam por mais
de 30% dos casos e, no Mato Grosso e em Minas Gerais, essa mesma faixa etária
respondeu por mais de 40% dos casos de intoxicação dentro do intervalo de 0 a 14 anos.
Conforme ilustra o gráfico abaixo:

Gráfico 10 – Intoxicação por agrotóxico/faixa etária 2007-2013 (BOMBARDI, 2016, p. 19).

É, no mínimo, aterrador pensarmos que o panorama apresentado no Pequeno


Ensaio Cartográfico de Larissa Bombardi pode representar uma realidade de
envenenamentos e suicídios da infância do campo. E, pior ainda, segundo o próprio autora
alerta no início da obra de sua autoria, são representações baseadas em dados que
padecem de notificação plena.

Dentro dessa realidade, a maior parte das intoxicações ocorre por via acidental,
seguida pelo suicídio (em segundo lugar), o qual se concentra entre crianças e
adolescentes de 10 a 14 anos. Se já não bastasse termos entre 25% (gráfico 03) a 40%
(gráfico 04) de crianças e adolescentes envenenados, temos ainda esse mesmo grupo
cometendo suicídio.

221
Em obra mais recente, Bombardi (2017) apresentra mapa que trata,
especificamente, da contaminação de bebês, conforme visualizaremos a seguir:

Mapa 2 – Bebês intoxicados por agrotóxicos (0 a 12 meses).

São apresentados, acima, 142 casos de intoxicações de bebês, fato que para a
autora em comento pode ser considerado como a “ponta do iceberg” das intoxicações no
país e revelador da vulnerabilidade das comunidades de forma geral.

Em relação à classificação etária, os dados trazidos no livro de Flávia Londres


parecem se alinhar de forma muito próxima aos dados trazidos por Larissa Bombardi,
informando que cerca de1/4 das intoxicações, ou seja, aproximadamente 25% delas atinge

222
a população infanto-juvenil na faixa de idade entre 0-19 anos, mesmo padrão etário
utilizado por Larissa Bombardi em seu Pequeno Ensaio Cartográfico.

As intoxicações de crianças na primeira infância demonstram uma certa


expressividade dentro do percentual que estão inseridas, conforme se infere do gráfico a
seguir:

Gráfico 11 – Intoxicação e classificação por idade (LONDRES, 2011, p. 40).

Em relação à evolução dos casos, foi apresentado no livro de Flávia Londres o


gráfico abaixo, sem quaisquer comentários adicionais, mas que fazem crer que a evolução
das ocorrências não costuma ser designada de forma clara e técnica.

Gráfico 12 – Evolução dos Casos de intoxicação (LONDRES, 2011, p. 40).

Em relação à faixa etária de envenenamentos por agrotóxicos, o Dossiê Abrasco


também não se mantem silente e informa que a exposição de crianças pode diferir da

223
exposição de adultos, pois fisiologicamente e comportamentalmente, as crianças são,
particularmente, sensíveis aos agrotóxicos em decorrência de sua alta permeabilidade
intestinal e da imaturidade do seu sistema de detoxificação (ATSDR, 2000), sendo
necessário levar-se em consideração tais peculiaridades, quando se avaliam riscos dos
agrotóxicos (ABRASCO, 2015, p. 126).

Percebemos dos dados acima expostos que a ideia de Beck (2011, [1986], p.30 -
31), esposada no capítulo anterior, que os questionamentos sobre as distribuições de
poluentes, toxinas, impactos sobre a água, o ar, o solo e os alimentos que ocorre através
da exposição em mapas coloridos a um público assustado, ao mesmo tempo em que não
levam em conta a consequência para grupos em particular, mas para todas as pessoas –
analisando-se, unicamente as substâncias tóxicas, seus efeitos e sua distribuição regional,
não parece encontrar eco na maior parte das pesquisas contramajoritárias aqui acionadas.

Após 13 anos sem publicar o Atlas da Saúde das Crianças e do Meio Ambiente, a
OMS lançou em 2017, na data de 06 de março, a versão atualizada do Atlas que informa
que mais de 25% das mortes de crianças com menos de cinco anos são causadas por
fatores ambientais como poluição, falta de saneamento e uso de água imprópria para o
consumo. Anualmente, 1,7 milhões de meninos e meninas nessa faixa etária morrem
porque vivem em locais insalubres.

Mencionamos nesse momento, a proximidade percentual que se apresenta entre


os dados do recentíssimo relatório da OMS e dados trazidos por Larissa Bombardi (2016)
e Flávia Londres (2011) e que apresentaram perspectivas de morte de crianças por
agrotóxicos de maneira muito similar a essas que tratam dos fatores ambientais de forma
mais ampla.

O documento produzido pela OMS possui 164 páginas e apesar de ter sido
amplamente noticiado em nossa imprensa e na própria página da OMS do Brasil, não
apresenta tradução, até o presente momento da pesquisa, de sua versão em inglês ou
espanhol.

No prefácio da obra, mencionou-se a relação entre a exposição das crianças a


diferentes ambientes e a influência profunda que referidos ambientes desencadeiam em
seu crescimento e desenvolvimento. O documento continuou mencionando que as
exposições ambientais, positivas ou negativas, não ocorrem de forma isolada, mas atuam

224
relacionadas à nutrição, saúde e bem estar das crianças e que estas representam um futuro
a ser nutrido e gerido pela humanidade (OMS, 2017, p. 12).

O Atlas informa que o investimento na saúde das crianças através da redução da


exposição aos riscos ambientais deve ter prioridade por parte dos governos mundiais, pois
somente em ambientes saudáveis as crianças têm potencial para se tornarem adultos
saudáveis, capazes de enfrentar os desafios do futuro. Nesse instante, o Atlas menciona
os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS.

O documento continua dizendo que apesar do planeta já ter conseguido um


declínio substancial na mortalidade infantil e na redução de doenças transmissíveis, é
preciso superar as falhas estruturais do passado e avançar para minorar a carga ambiental
das doenças em crianças através da redução de ambientes obesogênicos, melhoria da água
e saneamento, limitação da poluição e eliminação segura de resíduos químicos.

O prefácio da obra destaca que mais de uma década após a publicação “Herança
do mundo: O atlas da saúde das crianças e do ambiente em 2004” esta nova edição não
se trata de mera atualização, mas de revisão mais detalhada sobre os desafios contínuos e
emergentes para a saúde ambiental das crianças e que foram levadas em conta as
mudanças nos principais riscos ambientais para a saúde das crianças nos últimos 13 anos,
devido à crescente urbanização, industrialização, globalização e mudanças climáticas.

Salienta o prefácio da obra que referida produção técnica está alinhada com a
Estratégia Global para a Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente, lançada em 2015,
que buscou enfatizar o fato de que toda criança merece a oportunidade de prosperar em
ambientes seguros e saudáveis e que os ODS – Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável são um importante quadro de referência para que seja possível trabalhar e
melhorar a vida de todas as crianças (OMS, 2017, p. 12).

O documento que ora analisamos informa que as crianças estão no cerne dos ODS,
pois são elas que herdarão o legado de políticas e ações ou omissões dos líderes de hoje.
A publicação, inclusive, está dividida de acordo com os ODS, sendo que os ODS 1, 2 e
10 abordam a equidade e a nutrição; o ODS 6 foca em água, saneamento e higiene; os
ODS 7 e 13 chamam a atenção para a energia, poluição do ar e mudanças climáticas; os
ODS 8, 9 e 11 tratam de infraestrutura de estudos e pesquisas e os ODS 3, 6 e 12 terão
nossa especial , pois focam nas exposições químicas (OMS, 2017, p. 13).

225
Para melhor entendimento do que sejam a proposta dos ODS, neste momento,
mais mencionado do que em todos as pesquisas anteriormente acionadas, consultamos a
ONU, que informa que o Brasil participou de todas as sessões da negociação
intergovernamental quando chegou-se a um acordo que contempla 17 Objetivos92 e 169
metas, envolvendo temáticas diversificadas, como erradicação da pobreza, segurança
alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades,
energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança
do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas
terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização, governança
e meios de implementação

Abaixo, para melhor visualização dos quadros relacionados aos ODS acima
descritos, temos a seguinte imagem:

92
Os objetivos são: Objetivo 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;
Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a
agricultura sustentável; Objetivo 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em
todas as idades; Objetivo 4. Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover
oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; Objetivo 5. Alcançar a igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas; Objetivo 6. Assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da
água e o saneamento para todos;
Objetivo 7. Assegurar a todos o acesso confiável, sustentável, moderno e a preço acessível à energia;
Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e
produtivo e trabalho decente para todos; Objetivo 9. Construir infraestruturas resilientes, promover a
industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro
dos países e entre eles; Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis; Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; Objetivo
13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e os seus impactos (*); Objetivo 14.
Conservar e usar sustentavelmente os oceanos, os mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento
sustentável; Objetivo 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir
de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a
perda de biodiversidade; Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e
inclusivas em todos os níveis; Objetivo 17. Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria
global para o desenvolvimento sustentável. (ONU, 2016)

226
Figura 16 – ODS relacionados de forma integrada e multissetorial (OMS, 2017, p. 112).

Ainda que não façamos a tradução de todos os detalhes da imagem, podemos


observar que existe uma busca para se relacionar os diversos objetivos de forma integrada
e multissetorial, uma vez que são 17 os ODS propostos e apenas frisamos que um dos
pontos que aparecem em destaque é o da agricultura, que na figura do quadro acima
expressa a necessidade de se alcançar a redução no uso de pesticidas e do trabalho infantil
na lavoura, que é representada pela “pétala” verde e com a imagem que remete a uma
criança exercendo atividade rural.

Prosseguindo em nossa análise do Atlas “Herdando um mundo sustentável” da


OMS, o documento ressalta que existem as ameaças tradicionais à saúde das crianças e
as ameaças emergentes e que, essas últimas, são produtos da industrialização global.
Dentro das ameaças classificadas como emergentes, o Atlas da OMS inclui produtos
químicos, resíduos eletrônicos e mudanças climáticas e considera que a toxicidade de
muitos produtos químicos ainda não são totalmente conhecidas ou testadas, bem como
sua regulamentação e segurança não se mostram plenamente satisfatórias e menciona,
entre esses produtos químicos, aqueles provenientes de pesticidas, plásticos e outros
227
produtos manufaturados e que eles podem encontrar um caminho de contaminação
ambiental que se desencadeia na cadeia alimentar e apresenta especial preocupação com
os produtos químicos que acarretam distúrbios no sistema endócrino, provocando doenças
no fígado, tireóide e neurodesenvolvimento.

O Atlas continua seu desenvolvimento informando que as crianças têm percursos


de exposição única em relação aos produtos químicos nos alimentos e que os bebês podem
ser expostos in utero aos agentes tóxicos na dieta de sua mãe através da placenta e dos
poluentes que passam para o leite materno. A pesquisa ressalta que nenhuma dessas vias
de exposição ocorre em adultos ou em crianças mais velhas.

Assim como na pesquisa de Palma (2011), e outras correlatas que já analisamos


ao longo deste capítulo, os cientistas do Atlas consideram que os benefícios do
aleitamento materno são inquestionáveis e que, portanto, a OMS recomenda o aleitamento
materno exclusivo até os seis meses de idade, com amamentação contínua, juntamente
com alimentos complementares apropriados, até dois anos de idade ou mais. No entanto,
ressalva o mesmo documento, que uma criança pode ser exposta, por exemplo, a POPs
no leite materno e que os POPs -Poluentes Orgânicos Persistentes, assim como os PBDEs
- Éteres Difenílicos Polibromados, que são substâncias químicas tóxicas que persistem no
ambiente e se acumulam na cadeia alimentar, particularmente nos tecidos gordurosos dos
animais. A exposição a substâncias químicas perigosas durante os estágios iniciais da vida
(feto, lactente e criança) tem sido associada a um risco aumentado de várias doenças como
alterações no desenvolvimento neurológico, endócrino e desenvolvimento do sistema
imunológico, obesidade, diabetes e outras doenças metabólicas (OMS, 2017, p. 72-73)93.

O Atlas traz informações sobre o monitoramento global previsto na Convenção de


Estocolmo e que os inquéritos sobre o leite humano fornecem resultados que podem
indicar progressos na eliminação de certos POPs.

Como pode ser visto no mapa abaixo, dados atualizados foram fornecidos sobre
os níveis de PCBs (espécie de POP) - no leite materno e a dose de produtos químicos aos

93
Exposição precoce na vida (Grandjean et al, 2015). A exposição precoce a certos pesticidas pode estar
associada a doenças neurodegenerativas, tais como a doença de Parkinson, numa fase posterior da vida
(Grandjean et al., 2015). Os efeitos de alguns POPs incluem problemas reprodutivos e de desenvolvimento.
Alguns produtos químicos podem danificar o sistema imunológico, interferir com os hormônios, afetar a
função neurológica ou causar câncer (PNUMA, OMS, 2013a, OMS, 2010b).

228
quais os bebês podem ser expostos através da amamentação:

Mapa 3 – Níveis de PCB no leite materno (OMS, 2017, p. 72).

O Atlas da OMS afirma que os contaminantes de POP nas dietas das mães podem
afetar o feto com implicações precoces e de longo prazo e informa que os efeitos podem
ter longos períodos de latência, sendo os lactentes mais sensíveis aos poluentes químicos
do que os adultos e crianças mais velhas e que essas contaminações podem causar uma
variedade de distúrbios em diferentes fases da vida, sendo elas divididas no documento
da OMS nas seguintes etapas:
- Na infância - asma, câncer e efeitos neurológicos e comportamentais;
- Na puberdade - alterações no desenvolvimento normal e diminuição
da capacidade reprodutiva;
- Em adultos - câncer, doenças cardíacas e distúrbios neurológicos e
comportamentais degenerativos. (OMS, 2017, p. 72).

O Atlas da OMS informa que, para crianças, o estágio de desenvolvimento,


quando a exposição ocorre, é tão crítico quanto a dose e que exposições ao mesmo produto
químico podem resultar em resultados diferentes em comparação com adultos, e os
resultados podem não ser imediatos, pois dentro da cadeia alimentar eles se
bioamplificam, bioacumulam e persistem ao longo do tempo, de modo que a exposição a
esses produtos químicos podem continuar, em alguns casos, mesmo após o fim do uso.
Muitos POP’s têm potenciais efeitos no desenvolvimento e neurocomportamento e alguns
são reconhecidos como disruptores endócrinos, substâncias que alteram uma ou mais

229
funções do sistema endócrino e, subsequentemente, causam efeitos adversos para a saúde
em organismos ou seus descendentes (OMS, 2017).
Por fim, o documento traz informações de que, em alguns casos, os níveis
"seguros" podem ser difíceis de determinar e que os efeitos das misturas químicas são
complexos e quase desconhecidos e que o uso de alternativas mais seguras, quando
disponíveis, são a forma mais eficaz de prevenir a exposição.
Assim, percebemos que as informações expostas no Atlas em muito se
assemelham as pesquisas nacionais e internacionadas colacionadas neste capítulo e que
tratam do viés crítico ao sistema agroprodutivo quimificado.
Ao longo do Atlas, vários desenhos são trazidos como os expostos abaixo - do
lado esquerdo, e o Atlas encerra-se com a gravura à direita e ambas imagens trazem a
frase: “don’t pollute my future” – não polua o meu futuro (tradução livre), que parecem
querer demonstrar que as contaminações ambientais, entre elas, as realizadas pelo atual
sistema agroprodutivo dominante afetam o presente e o futuro de gerações.

Figura 17 – Desenhos do Atlas OMS.

Parece-nos cada vez mais perceptível, ao longo dos estudos aqui relatados, que
estamos em um campo de embates técnicos com tantas informações que parecem se
contrapor de forma contundente em seus próprios campos de atuação e então lembramos
que na década de 1950, Jacques Ellul (1958), filósofo francês, abordava um pouco dessa
discussão quando dizia que:

230
Mais o progresso técnico cresce, mais aumenta a soma de efeitos
imprevisíveis. Certos progressos técnicos criam incertezas
permanentes e em longo prazo [...] Processos irreversíveis foram já
implementados, particularmente no campo do meio ambiente e da
saúde. Os problemas ambientais são exemplares. Criados pelo
desenvolvimento tecnológico desenfreado e irrefletido, necessitam
sempre de novos instrumentos e técnicas para resolvê-los. Os
problemas de saúde pública ou de segurança alimentar são
sistematicamente reformulados de modo que possam receber
soluções técnicas ao invés de soluções politicas.

[...]

O sistema técnico gera mecanismos de exclusão social devido à própria


Técnica. Ele marginaliza um número crescente de homens e
mulheres que perdem progressivamente a capacidade de se adaptar
à sofisticação das técnicas, se seguir o ritmo do trabalho e da vida
social na sociedade tecnicista (L'homme qui avait presque tout prévu
[ O Homen que havia previsto quase tudo], Paris: Le cherche Midi,
1977.

A Técnica não suporta o julgamento moral [...] no domínio da


tecnologia, tudo o que é da ordem do possível será um dia realizado,
para o melhor ou para o pior; manipulações do genoma humano,
inserções de chips eletrônicos no homem, armas destruidoras [...]. A
única questão é saber em que escalas essas realizações serão conduzidas
e em que medida as forças sociais conseguirão limitá-las.

Se a técnica não suporta julgamento moral, como tratou Jacques Ellul, ela
suportaria discussões como a de um desenvolvimento sustentável que prevê o
equacionamento e pretenso equilíbrio entre economia, ambiente e sociedade para com as
atuais gerações e futuras? E o que falarmos dos direitos dos recém nascidos, bem como
dos ainda não-nascidos em face do sistema agroprodutivo dominante (químico) e diante
de marcos teóricos, como sociedade de risco (BECK) e Justiça Ambiental (BULLARD,
HERCULANO, MARTINEZ‐ALIER, ET AL.)?

Rememoramos também Bourdieu, quando este afirma que:

A luta científica é uma luta armada entre adversários que possuem


armas tão potentes e eficazes quanto o capital científico coletivamente
acumulado no e pelo campo (portanto, em estado incorporado, em cada
um dos agentes) seja mais importante e que estejam de acordo ao menos
para invocar, como uma espécie de árbitro último, o veredito da
experiência, isto é, do "real". Essa "realidade objetiva" à qual todo
mundo se refere de maneira tácita ou explícita não é jamais, em
definitivo, aquilo sobre o que os pesquisadores engajados no campo,
num dado momento do tempo, concordam em considerar como tal, e
ela só se manifesta mediante as representações que dela fazem aqueles
que invocam sua arbitragem (BOURDIEU, 2004, p. 22; 32). (sem
destaque no original).

231
Por fim, antes de fazermos a transição para o próximo capítulo e aproveitando as
dramatizações visuais (Hannigan, 1995) em relação à contaminação da infância por
agrotóxicos, expostas em uma série de estudos aqui apresentados, exibimos a premiada
exposição de fotos do argentino Pablo Ernesto Piovano intitulada “O custo humano dos
agrotóxicos”, onde o fotógrafo percorreu mais de 6 mil quilômetros na Argentina,
retratando famílias afetadas pelo uso massivo de agrotóxicos.

Figura 18 – Exposição de fotos – o custo humano dos agrotóxicos (PIOVANO, 2016).

232
4 REVOLU-AÇÃO? O GRUPO DE TRABALHO (GT) AGROTÓXICOS E
TRANSGÊNICOS DA 4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO (CCR)
DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

“Repara bem no que não digo”


Paulo Leminski

Para fins de análise dessas instâncias jurídico-operativas iremos nos guiar pelos
termos sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, risco, justiça ambiental e
futuras gerações, dentro da perspectiva de alguns de nossos objetivos específicos, já
informados na introdução desta tese e aqui novamente reproduzidos, quais sejam:
Examinar junto ao GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do Ministério Público
Federal – MPF, os usos que são feitos das produções técnico-científicas sobre agrotóxicos
nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs e nas decisões judiciais94 correlatas e
identificar a emergência nos processos e nas decisões judiciais, de questões relacionadas
aos termos em tela, bem como compreender as circunstâncias e os sentidos que são
atribuídos a tais temas.

De antemão, informamos que, tampouco, pretendemos “doutrinar”, hábito muito


comum dentro da seara jurídica e que busca fazer novas interpretações legais ou sugestões
de mudanças nas normas jurídicas. Nossa pretensão, interdisciplinar, se move muito mais
para a busca de como essas mesmas legislações são aplicadas – ou não, bem como suas
disputas de ordem operativa e percepções aplicativas, além de buscar observar como o
que fica dito em referidas ações e decisões se relaciona, de alguma forma, aos estudos já
desenvolvidos no presente trabalho. Atentar-nos-emos, também, para o que não é dito,
pois, lembrando o poeta Leminski que certa feita disse: “repara bem no que não digo”,
talvez devamos reparar se algo “não foi dito” pelo GT Agrotóxicos e Transgênicos do
MPF nas ações civis por eles patrocinadas e disponibilizadas em seu site; ou no “não dito”
pelos juízes federais, em suas decisões; e o quanto tais silenciares, talvez, tenham,
paradoxalmente, muito a nos dizer.

Desta feita, conforme já citamos no próprio título do capítulo, escolhemos estudar


o MPF – Ministério Público Federal, mais especificamente, o Grupo de Trabalho (GT) de

94
Referidas decisões judiciais a serem analisadas serão aquelas disponibilizadas pelo próprio GT que ora
analisamos ou aquelas que conseguimos encontrar os processos nos Tribunais e que disponibilizaram
digitalmente o processamento das ações com referidas decisões. Salientamos também que no site do MPF
existe o campo chamado consulta processual no qual realizamos as buscas pelos Inquéritos Civis que
geralmente antecedem a existência de uma ACP, todavia, referida área de consulta processual não apresenta
o inteiro teor dos inquéritos, mas apenas sua movimentação entre diferentes setores do próprio órgão.

233
Agrotóxicos e Transgênicos, inserido na Temática Meio Ambiente e Patrimônio Cultural
da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (CCR) e que, segundo informações constantes
na própria página do sítio eletrônico do MPF, trata, especificamente, dos temas
relacionados à flora, fauna, áreas de preservação, gestão ambiental, reservas legais, zona
costeira, mineração, transgênicos, recursos hídricos e preservação do patrimônio cultural,
entre outros95.

No tocante ao GT específico de Agrotóxicos e Transgênicos, a informação


constante no site do MPF dá conta de que referido GT busca proporcionar discussões e
articulações com o Ministério Público, CTNBio, Instituto Nacional de Meio Ambiente e
Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e demais órgãos integrantes do Sistema de
Biossegurança, para que seja possível a tomada de decisões, bem como a geração de
procedimentos tendentes à realização dos objetivos constitucionais e legais afetos à
questão de biossegurança de OGMs, seus derivados e sua correlação com o uso de
agrotóxicos.96

Em relação a uma definição do que seja o Ministério Público, este foi legalmente
definido como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, e que
tem por finalidade a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis, inclusive através de ações civis públicas, objetos
específicos de nossa atenção no presente capítulo.97

Importante, também, relatarmos que o Ministério Público possui autonomia, ou


seja, é um órgão independente, não pertencente a nenhum dos três Poderes – Executivo,
Legislativo e Judiciário. Além disso, possui autonomia na estrutura do Estado, não
podendo ser extinto, ou ter as atribuições repassadas a outra instituição. Pertencem ao
Ministério Público da União (MPU): o Ministério Público Federal (MPF), Ministério
Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Militar (MPM), Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT).

95
4ª CCR – Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-
tematica/ccr4>. Acesso em: 15 ago. 2017.
96
GT Agrotóxicos e Transgênicos. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-
da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-transgenicos. Acesso em: 15 de agosto de 2018>. Acesso em: 15 ago.
2017.
97
Para maiores detalhamentos das funções e atribuições do Ministério Público temos os artigos 127 ao 130-
A da Constituição Federal de 1988.

234
Abaixo, para melhor visualização de como se processa a divisão em Grupos de
Trabalho – GTs, no site do MPF, segue figura:

Figura 19 – GT Agrotóxicos e Transgênicos. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao- tematica/ccr4/dados-


da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-transgenicos>. Acesso em: 15 ago. 2018.

Em tempos de extremada publicização da atuação de alguns membros do MPF,


principalmente através da ruidosa operação Lava Jato - que já se estende por anos,
informamos que os procuradores e promotores do Ministério Público têm a independência
assegurada pela Constituição, estando subordinados, hierarquicamente, a um chefe,
apenas em termos administrativos, todavia cada profissional é livre para seguir suas
convicções, desde que estejam de acordo com a lei.98

Assim, pela singularidade que envolve referido órgão jurisdicional, sua recente
notoriedade de atuação funcional frente ao caso Lava Jato e seus desdobramentos
operativos, bem como pelo fato de que podemos encontrar na própria página deste um
GT específico e uma coletânea de documentos atinentes ao tema agrotóxicos e
transgênicos é que optamos por esse campo de observação em busca de mais informações
que nos auxiliem na resposta da questão-problema esposada no início deste trabalho e

98
Como o presente estudo não visa fazer uma análise detalhada daquele que alguns doutrinadores referem-
se como o 4º poder, a saber, o Ministério Público, sistematizamos nossas informações da forma mais clara
e sintética possível, informações mais acuidadas podem ser colhidas nos livros de Direito Constitucional
ou simplesmente serem consultadas em sites do governo federal em links como:
<http://www.brasil.gov.br/governo/2010/01/ministerio-publico>. Acesso em: 15 ago. 2017.

235
cujo cenário de composição de análise do problema buscamos conhecer ao longo dos
capítulos anteriores.

Informamos que os materiais disponíveis para consulta pública no endereço


eletrônico do GT Agrotóxicos e Transgênicos compõem-se de um rol de documentos
diversos, divididos na sessão Ofícios, composta pelos seguintes documentos que são
formatados como hiperlinks e que se abrem para documentos no formato PDF99:

Na seção ofícios, temos os seguintes documentos relacionados: Ofício 1290/2012


- PRR 3ª Região; Ofício 2727-2011 - PRR 3ª Região; Ofício 0216-2008 - PRR 1ª Região;
Ofício Circular n. 08; Ofício Circular n. 07; Ofício Circular n. 06; Ofício Circular n. 05;
Ofício Circular n. 75 - 2007_PRDF; Ofício Circular n. 04; Ofício Circular n. 03; Ofício
Circular n. 02; Ofício Circular n. 01.

Depois, há outra subdivisão denominada de: Informações e Notas Técnicas,


compostas dos seguintes documentos: Parecer Técnico e Jurídico n. 02/2015 - 4ªCCR -
(Sobre o PL n. 4148/2008, da Câmara dos Deputados com trâmite atual no Senado Federal
sob o n. 34/2015, que altera e acresce dispositivos à Lei n. 11.105/2005, que estabelece
normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam
organismos geneticamente modificados); NT Interpretação do artigo 2° do Decreto n.
4680/2003; NT 22-08 Memória de Reunião CTNBIO; NT 21-08 Memória de Reunião
CTNBIO; NT 13-08 Memória de Reunião CTNBIO; NT 09-08 Memória de Reunião
CTNBIO; Audiência Pública na Câmara dos Deputados - realizada em 08/05/2007;
Informações Técnicas 1998 à 2007; IT 232 - 07 Liberações Planejadas CTNBIO

Na mesma página do site, mas também em outra subdivisão, encontram-se os


documentos100 referentes às Ações Civis Públicas, Procedimentos administrativos e
Decisões Judiciais, parte esta que será melhor pormenorizada por nós neste capítulo.

99
Referidos documentos estão disponíveis no link:< http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-
da-atuacao/grupos-de-trabalho/gt-transgenicos/documentos-diversos/oficios-1>, tivemos três momentos
em que consultamos referida base de dados, uma vez por ocasião da banca de qualificação, em maio de
2016 e outra agora por conta da finalização da pesquisa e banca de defesa de tese. Em relação à inserção de
ACPs, não houve inserção de nova ação quando das consultas para a escrita deste capítulo em 2017. Ao
procedermos a revisão do texto final, em janeiro de 2018, realizamos nova consulta, onde foi possível
verificar que não existiram mudanças na inserção de novas ações e nem mesmo de novas atas. Sendo a
última ata datada de abril de 2017.
100
Referidos documentos encontram-se assim referenciados: ACP 0021371-49.2014.4.01.3400 - ANVISA
– 2014; Decisão Processo n. 0021371-49.2014.4.01.3400 - 7ª vara federal; ACP - Helicoverpa – 2014; OF
090_gea-anvisa-24d – 2014; Recomendação 01-2014 IC 112-2014-26;
Recomendacao.anvisa.reavaliacao.24d – 2013; Recomendacao.ctnbio.sementes.24d – 2013;

236
Após, apresentam Tabela com informações acerca de Procedimentos
Administrativos - PAs instaurados no MPF, sobre a temática OGM.101

Referida Tabela é composta de 12 páginas, apenas 06 delas preenchidas, cuja


modelagem, para melhor visualização dos leitores segue abaixo e cuja integralidade
encontra-se no anexo desta tese.

Figura 20 – Tabela com informações de procedimentos judiciais e administrativos MPF-

Na sequência, apresentam o que denominam por Bibliografia e que possui os


seguintes indicativos: PGM e falta de controle102; PGM Resultados contestados; Plantas

Recomendacao-75-2013-benzoato-final; ACP - Anvisa RDC n. 10/2008 – 2014; ACP - Herbicida 2,4D –


2014; ACP - Glifosato – 2013; ICP-cntbio-ogms-agrotoxicos – 2013; Acórdão ACP - Milho Bayer – 2014;
Processo 51862-73.2013.4.01.3400 Carbendazim – 2013; Recomendação 15/2013 – ANVISA; ACP
CTNBio - Recurso ANVISA; Parecer ACP 0340267 DF meio ambiente; decisão ACP herbicida em soja
transgênica; Relatório da Apelação Civil 200334000340267; AC876 – Transgênicos; Levantamento ACP-
OMG; Ação Civil Pública sobre milho transgênico; Parecer da Ação Civil Pública n. 2003.34.00.034026-
7/DF Agrotóxico e Soja Transgênica-Proteção Ambiental.
101
A tabela pode ser acessada pelo link: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr4/dados-da-
atuacao/grupos-de
trabalho/gttransgenicos/documentosdiversos/acps/tabela_resumo_de_pa_transgenicos.pdf>. Acesso em:
15 ago. 2017.
102
Quando clicamos nessa referência, o site do MPF remete a uma listagem de artigos sobre o tema os quais
colacionamos a seguir conforme constam na listagem, apenas observamos que se tratam de artigos
estrangeiros em sua grande maioria e que parecem se apoiar na técnica biológica para tratar do tema. O
mesmo acontece com as obras colacionadas para PGM e riscos ambientais; PGM e os riscos para a saúde;

237
Geneticamente Modificadas - Ministério do Desenvolvimento Agrário; PGM e riscos
ambientais; PGM e os riscos para a saúde; Revista dos Tribunais; Smith, Jeffrey M.
Genetic Roulette - The documented healtuh risks of genetically engineered foods/Jeffrey
M. Smith. Farfield: yes Books, 2007. 319, sem, contudo, haver disponibilização de tais
materiais.

Há também uma seção de Palestras e apresentações com as seguintes


apresentações: Apresentação 10° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva 16/17-11-2012
(Parte 1); Apresentação 10° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva 16/17-11-2012
(Parte 2); Apresentação MAPA 17-09-2008; Apresentação Secretaria Agricultura
Familiar-MDA (26-11-2007); Apresentação MMA - Programa Agrobiodiversidade (26-
11-07); Apresentação Ibama (26-11-2007).

Por fim, apresentam a seção onde ficam as atas das reuniões do GT entre o período
de 2007 a 2017, são elas: Atas 2017 - Reunião 10/04/2017; 2016: Reunião 23/11/2016;
Reunião 23/08/2016; Reunião 11/04/2016; Reunião 03/02/2016. 2015: 4° Reunião -
06/11/2015; 3° Reunião 05/10/2015; 2° Reunião - 03/08/2015; 1° Reunião - 06/07/2015;
2011; 14ª Reunião (06/07/2011); 13ª Reunião (05/07/2011); 12ª Reunião (08/06/2011);
2010: 11ª Reunião (02/02/2010); 2009; 10ª Reunião (10/03/2009); 2008: 9ª Reunião
(17/06/2008); 8ª Reunião (13/05/2008); 7ª Reunião (15/04/2008); 6ª Reunião
(18/02/2008); 2007: 5ª Reunião (26 e 27/11/2007); 4ª Reunião (10/10/2007); 3ª Reunião
(17/09/2007); 2ª Reunião (27 e 28/06/2007);1ª Reunião (09/05/2007).

Frisamos que havia uma contagem contínua das reuniões no período entre 2007 a
2011. Após, o site não explica, mas interrompe a postagem de atas de reuniões do GT e
reinicia-se a postagem de atas no ano de 2015, com nova contagem inicial. Informamos
que a ata da única reunião ocorrida até o presente momento do ano de 2017, apesar de se
apresentar “linkada”, abre, apenas, para um documento em branco, sendo feitas tentativas
consecutivas de abertura até o fechamento deste capítulo. Em relação às reuniões do ano

Na sequência, para efeitos de melhor visualização do que informamos, segue a listagem de artigos atinentes
ao PGM e falta de controle: , Arnaud et al, 2003, Proc Lond Bio; Brault et al, 2002, Mol Plant Inter Bio;
Cipriano, Carrasco et Arbóis, 2006, Greenpeace; Collonnier et al, 2003, 7ICPMB; Dalton, 2001, Nature;
Domingo, 2000, Science; Greenpeace, 2007; Gregersen et al, 2005, Trans Resh; Hernández et al, 2003,
Trans Resc; Ho et Ching, 2003, ISP; Hofs et al, 2006, INRA, CNRS, MEDD; Jank et Haslberger, 2000,
Trends Biotech; Kohli et al, 1999, Plant J; Mellon et Rissler, 2004, UCS; Meza et al, 2001, Trans Research;
Quist et Chapela, 2002, Nature; Rönning et al, 2003, Eur Food Res Tech; Steinbrecher, 2002, Econexus;
Tabashnik et Chilcutt, 2004, PNAS.

238
de 2016, todas as atas abriram e em relação às atas de 2015, as quais, inclusive, apontam
a existência das atas de um período entre 2006 a 2014, apenas tivemos a informação ao
clicar nos links sugeridos que a página não existia, estando, portanto, indisponíveis as
informações até o momento de conclusão deste trabalho.

Em relação a atual composição do GT, segundo a portaria n. 15/2017 do MPF, a


mesma é formada pelos seguintes membros:

Titulares: Dr. Marco Antonio Delfino de Almeida (Coordenador), lotado em


Dourados (MS); Dra. Fátima Aparecida de Souza Borghi, lotada em São Paulo (SP); Dra.
Ana Paula Carvalho de Medeiros, lotada em Porto Alegre (RS) e Dr. Rafael da Silva
Rocha, lotado em Manaus (AM). A atuação desses atuais membros, assim como de
antigos membros de referido GT não coincidem, em nenhum momento, com a atuação
dos procuradores subscritores das Ações Civis Públicas – ACPs que analisaremos.

De forma inicial, informamos que, para o recorte na escolha das ACPs, utilizamos
aquelas disponibilizadas pelo próprio GT, cujas petições iniciais disponibilizadas
perfazem um total de 05 ações103, ajuizadas no período compreendido entre os anos de
2006 a 2014, com atuação local ou nacional. Para melhor sistematização e entendimento,
as classificaremos em ordem cronológica, através da atribuição de número, ano e local de
atuação do procurador subscritor.

Assim temos:

• 01/2006/RS – ACP em face da União e IBAMA para efetiva fiscalização junto ao


entorno da Floresta Nacional de Passo Fundo (FLONA) tendo em vista a vedação
legal de plantio de soja geneticamente modificada nessa área. Referida ação foi
assinada pelos procuradores da república, Jorge Irajá Sodré e Enrico Rodrigues de
Freitas, em 31 de julho de 2006 na seção judiciária de Passo Fundo/RS, e nos
referenciaremos a ela como ACP 01/2006/RS.
• 02/2013/MA – ACP em face da União e do Estado do Maranhão. Insurge-se contra
a falta de adequada fiscalização no uso do glifosato, notadamente no cultivo de
soja, no Estado do Maranhão, bem como contra a falta de fiscalização quanto ao

103
Apesar da seção Ações Civis Públicas e Procedimentos Judiciais apresentar uma relação maior de
documentos enumerados, conforme já descrevemos na nota 96 desse trabalho, apenas essas 05 ACPs
encontram-se disponibilizadas. O restante dos documentos é uma mistura de decisões judiciais, notas
técnicas, acórdãos de tribunais e outros que não se inserem no recorte por nós especificado.

239
armazenamento irregular de embalagens vazias do agrotóxico e irregular descarte
das embalagens do herbicida glifosato. A ação é da lavra do procurador da
República, Alexandre Silva Soares, na data de 05 de abril de 2013, na seção
judiciária de São Luiz/MA e a designaremos de ACP 02/2013/MA
• 03/2014/DF - ACP em face da União e da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), visando compelir a ANVISA a reavaliar a toxidade de 8
(oito) ingredientes ativos publicados na Resolução ANVISA RDC n. 10/2008,
quais sejam, parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram,
paraquate e glifosato, bem como determinar à União, por meio do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que suspenda os registros de
produtos que tenham como princípio ativo as 8 (oito) substâncias mencionadas,
até que seja realizada a reavaliação, pela ANVISA, sobre a toxicidade daqueles
ingredientes ativos. A ação é da lavra do procurador da república, Anselmo
Henrique Cordeiro Lopes, e é datada de 20 de março de 2014, na seção judiciária
de Brasília/DF que chamaremos de ACP 03/2014/DF.
• 04/2014/DF – ACP em desfavor da União, Ministério da Agricultura Pecuária e
Abastecimento – MAPA – e Comissão Técnica Nacional de Biossegurança –
CTNBio. Seu objetivo foi tutelar a saúde humana e o meio ambiente
ecologicamente equilibrado para que fosse determinado à União, por meio do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que suspendesse o
registro dos agrotóxicos que contivessem o herbicida 2,4-D em suas formulações,
enquanto a ANVISA não divulgasse os resultados conclusivos acerca da
reavaliação toxicológica do 2,4-D e que, por meio da Comissão Técnica Nacional
de Biossegurança (CTNBio). A ação é também da lavra do procurador da
república, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, sendo, também, datada em 20 de
março de 2014, na seção judiciária de Brasília/DF que chamaremos de ACP
04/2014/DF.
• 05/2014/MT – ACP em face do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado de
Mato Grosso (INDEA/MT) e Estado de Mato Grosso (MT), com base na
legislação aplicável, a fiscalizar e não permitir o uso de produtos agrotóxicos
formulados a base da substância denominada Benzoato de Emamectina, uma vez
que tal componente químico não possui registro no órgão federal competente
(Ministério da Agricultura), nem cadastro no órgão estadual responsável
(INDEA), como exige a legislação, existindo ainda parecer técnico da Agência
240
Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), afirmando que o produto é altamente
neurotóxico e contraindicando a sua utilização em todo o território nacional,
devido aos graves riscos para a saúde humana. O procurador que a subscreve é
Felipe A. Bogado Leite, da seção judiciária de Cuiabá/MT, na data de 24 de março
de 2014, que chamaremos de ACP 05/2014/MT.

Para melhor visualização das análises, de acordo com os objetivos específicos já


esposados, sub-dividimos o capítulo em: uso de produções técnico-científicas nas
formulações das ACPs; ACPs e usos e contextos dos termos sustentabilidade, risco,
justiça ambiental e futuras gerações; Decisões judiciais: uso de produções técnico-
científicas e usos e contextos dos termos sustentabilidade, risco, justiça ambiental e
futuras gerações e MPF e mídias sociais.

4.1 USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS NAS FORMULAÇÕES DAS


ACPS

4.1.1 ACP 02/2013/MA

A ACP 02/2013/MA coloca-se contra a falta de adequada fiscalização no uso do


glifosato, principalmente no cultivo de soja, no Estado do Maranhão, bem como contra a
falta de fiscalização quanto ao armazenamento irregular de embalagens vazias do
agrotóxico e irregular descarte das embalagens do herbicida e é a primeira ação em que
observarmos o uso de produções técnico-científicas, seção denominada “Objetivos da
Demanda”, quando cita o relatório de pesquisa sobre conflitos socioambientais do Leste
Maranhense, produzido pelo Grupo de Estudos Rurais e Urbanos do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da UFMA – Universidade Federal do Maranhão, que
informa o quanto o cultivo da soja com utilização do glifosato na região do Baixo
Parnaíba tem implicado em gravíssimos problemas ambientais, assim como na
precarização das condições de vida e trabalho de milhares de famílias camponesas na
região.

Nesta ação, de forma única, notamos que o apoio técnico-acadêmico trazido como
um dos objetivos propulsores da ACP acabou por contribuir com reflexões sociais, haja
vista ser produzido pelo departamento de Ciências Sociais da UFMA. Reflexões estas que
são, também, acolhidas pelo MPF, segundo o relatório acionado pelo MPF em sua petição

241
inicial para a instauração da ACP. Alguns dos principais impactos verificados, em
referido relatório, dão conta de destruição de amplas áreas de chapadas, contaminação
por agrotóxico de recursos hídricos e de áreas utilizadas para a produção de alimentos
pelos camponeses, destruição de nascentes, assoreamento de cursos d’água, entre outros
(MPF, 2013, p. 02).

Percebemos, ainda, que as conclusões em muito se coadunam com fatos já tratados


nos estudos, pesquisas e documentos presentes no capítulo anterior deste trabalho.

Em outro momento, da mesma ação, mais especificamente na seção “Dos Fatos”


é feita a breve contextualização sobre a identificação inicial do problema com informação
da Procuradoria Regional da República da 1ª Região sobre detecção de resíduos do
agrotóxico glifosato acima do permitido e pela legislação em vigor, e uso de herbicida em
limite superior ao definido em lei ou regulamento em lavouras do Paraná. Nesse sentido,
a ACP maranhense assim informa:

A Procuradoria Regional da República da 1ª Região encaminhou


Ofício-circular subscrito pela representante do MPF junto ao
CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)
informando questionamento à citada comissão sobre a ocorrência
de “contaminação” de organismos geneticamente modificados em
9% em lavoura convencional, deficiente fiscalização na produção de
OMGs (organismos geneticamente modificados) pelo Ministério de
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a detecção de resíduos do
agrotóxico glifosato acima do permitido pela legislação em vigor, no
Estado do Paraná, o aumento do uso de herbicidas na soja RR e outros
itens.

O citado ofício considerou ser possível a ocorrência das mesmas


irregularidades nos outros estados da Federação. Ao expediente, foi
juntada documentação produzida pela Secretaria de Estado da
Agricultura e do Abastecimento do Estado do Paraná (SEAB) por
meio do qual revela ter coletado 149 amostras de soja transgênica
safra 2005/2006 e detectou resíduos do agrotóxico glifosato acima
do permitido pela legislação em vigor – 10mg/Kg e informou que
no caso da soja RR o aumento do uso de glifosato supera em muito
a redução de outros herbicidas, devido ao fenômeno da resistência
de plantas.

Esses dados levaram a uma identificação inicial do problema e


ensejaram a instauração de investigações nos demais estados. Com
efeito, observa-se ser o problema de grande amplitude, com
contornos nacionais e graves implicações negativas à saúde humana
e ao meio ambiente, (...). (sem destaque no original). (MPF, 2013, p.
03).

242
Referido trecho acima destacado parece nos dar pistas de uma certa comunicação
interna entre as seccionais do MPF de diferentes regiões do país, o que também pode ser
observado em relação as ACPs 03/2014/DF, 04/2014/DF e 05/2014/DF, com datas de
elaboração próximas e com linhas de construção técnica semelhantes, conforme
comentaremos mais adiante. Outro ponto a ser destacado no presente trecho e observado
em outros momentos da ACP relaciona-se com a utilização do termo “agrotóxico” e
“herbicida” como sinônimos.

O uso de termos como “veneno” ou “pesticidas” aparece apenas uma vez na ACP
em comento, quando de reprodução de mais um trecho do relatório da UFMA, o qual
transcrevemos a seguir:

[...] Também no Relatório do programa de pós-graduação, observa-se


tabela sobre os conflitos socioambientais causados pelo cultivo da soja
(designado do trabalho como “gaúchos”), na qual foram listados, dentre
outros, os seguintes pontos: recursos hídricos contaminados com
pesticidas, toda área agricultável foi ocupada pela soja (e pelo eucalipto
– o trabalho apresenta dados do cultivo de soja e do empreendimento
da Suzano Papel e Celulose), despejo de veneno com aviões que
contamina os riachos, mata os animais silvestres e prejudica a saúde das
pessoas (Alto Novo do Riachão – fl. 109 do relatório). (sem destaque
no original). (MPF, 2013, p. 08).

Em relação à ACP 02/2013/MA, temos que o uso de dados técnico-científicos é


evidenciado em diversos momentos, seja quando preconiza que a soja transgênica
consome agrotóxicos acima do permitido em lei ou quando parece reconhecer o
denominado fenômeno de resistência das plantas. Outro ponto a ser destacado refere-se
ao fato de que aparenta existir uma percepção de risco, não aos moldes da teoria de Ulrich
Beck, mas que ainda assim, mostra-se como algo perceptível e de grande amplitude para
o meio ambiente e saúde de seres humanos. Além disso, nos fatos, a ACP destaca tópico
próprio para o glifosato e assim, aduz:

Consoante informa o Relatório de Atividades do IBAMA relativo à


Operação Ceres, “o glifosato (N-[fosfonometil]glicina, C3H8NO5P) é
um herbicida sistêmico não seletivo (mata qualquer tipo de planta)
desenvolvido para matar ervas, principalmente perenes. O glifosato é
um aminofosfonato análogo ao aminoácido natural glicina,
portanto ocupa o lugar desta na síntese proteica. Seu nome advém
da contração das palavras glicina+fosfato” (fl 1 do relatório). Um
dos produtos mais comercializados a base do glifosato é o Roundup.
(MPF, 2013, p. 4). (sem destaque no original).

243
Encontramos, neste momento e mais uma vez ao longo desta tese, a
presença do carro-chefe da Monsanto - o Roundup, que parece ser objeto de acuidada
análise do Ibama em seu relatório e que serve como uma das bases para a instrução da
ACP que ora analisamos

Prosseguem dentro da ACP 02/2013/MA, informações sobre o relatório do Ibama


já mencionado e que afirma que muitas plantas geneticamente modificadas são,
simplesmente, modificações genéticas para resistir ao glifosato, como é o caso da soja
RR (Roundup Ready – pronta para o Roundup) e acrescenta o relatório que, no caso de
animais, “os sintomas de intoxicação só são registrados em contato com uma dose elevada
do produto, o que inibe a avaliação temporal imediata visto que os sintomas só aparecerão
após grande período de tempo de exposição” (fl. 1 do relatório).104

Outro ponto que se destaca na ACP 02/2013/MA e que talvez explique a razão da
mesma estar entre uma das 5 ACPs colacionadas como documentos publicados no site do
MPF, no já mencionado GT de Agrotóxicos e Transgênicos, é quando ela trata da área
produtora de soja no estado, bem como do uso do glifosato em limite superior ao definido
em lei ou regulamento, e irregularidades no armazenamento e descarte de embalagens
vazias, fazendo uma abordagem dos impactos ambientais e sociais.

É a primeira e única ACP que colaciona em sua fundamentação um mapa


demonstrando a área de municípios do Estado do Maranhão que produzem e, ao mesmo
tempo, estão afetados pelo uso de soja transgênica e a combinação de Roundup.

Referido mapa foi extraído do já mencionado relatório do Ibama que também


ancora a argumentação técnico-científica da ACP 02/2013/MA. O relatório é fruto da

104
O relatório é reproduzido em um trecho mais amplo e que parece demonstrar o quanto a técnica científica
é um dos instrumentais que embasam referida ACP, segue trecho: “isso não significa que não haja
interferência crônica do glifosato sobre o metabolismo animal e é preciso considerar que na formulação do
Roundup, por exemplo, pois é a marca comercial com maior aceitação no mercado, constam outros produtos
que, em consonância com o glifosato e outras substâncias no solo, meio ambiente e organismos vivos,
acabam tendo diferentes efeitos colaterais. Para aumentar a eficácia do herbicida e facilitar sua penetração
nos tecidos vegetais, a maioria das formulações comerciais possui uma substância química surfatante (um
composto químico que reduz a tensão superficial do líquido). Ainda seguindo o exemplo anterior, porém
não devendo ser desconsideradas as demais formulações comerciais no mercado, a formulação do Roundup
é composta de surfatante polioxietileno-amina, ácidos de glifosato relacionados, sal de isopropilamina e
água. Em função dessa composição, a formulação do Roundup possui uma toxicidade aguda maior que o
próprio glifosato puro. O surfatante presente no Roundup está associado com 1-4 dioxano, um agente
causador de câncer em animais e potencialmente causador de danos ao fígado e aos rins de seres humanos.
Em decorrência da decomposição do glifosato registra-se uma substância potencialmente cancerígena
conhecida como formaldehido. E a combinação do glifosato com nitratos no solo ou em combinação com
a saliva origina o Nnitroso glifosato” (fl 2 do relatório). (MPF, 2013, p. 04/05).

244
realização de uma operação batizada de CERES, que em 2008 levantou a informação de
que 34 municípios maranhenses eram responsáveis por toda a produção de soja no Estado
e que destes 34, 13 eram responsáveis por 94% de toda a soja produzida. A seguir,
reproduzimos o mapa constante na ACP:

Figura 21 – Municípios responsáveis pela produção de soja no estado do Maranhão (MPF, 2013, p. 6).

Podemos observar que a ACP 02/2013/MA não se preocupou em reproduzir com


exatidão a fonte do mapa, até porque é da natureza do campo jurídico não se utilizar de
tais mecanismos para sua atuação, sendo que, diferentemente, das produções técnico-
científicas do capítulo anterior, a apresentação de mapas, gráficos e similares não é muito
comum a esta seara, sendo este o único mapa reproduzido em todas as ACPs aqui
selecionadas para análise.

245
Voltando ao mapa acima reproduzido, ele destaca 13 municípios cuja disposição
territorial é bem visualizada em supramencionado mapa, ainda que a leitura das
localidades esteja parcialmente comprometida. Citamos que as regiões destacadas
compõe-se dos municípios de Balsas, Tasso Fragoso, Sambaíba, Riachão, São Raimundo
das Mangabeiras, Alto Parnaíba, Fortaleza dos Nogueiras, Buriti, São Domingos do
Azeitão, Loreto, Anapurus, Carolina, e Brejo.

Outro ponto que destacamos na ACP 02/2013/MA, ainda na seção “Objetivo da


demanda”, trata da falta de condições adequadas para a armazenagem dos agrotóxicos
utilizados nas fazendas e nos faz lembrar dos estudos de Rigotto (2011; 2015), Abreu e
Alonzo (2016), entre outros, os quais argumentam que não há como se falar em uso seguro
de agrotóxicos. Em relação a essa realidade de insegurança na utilização dos agrotóxicos
e tal fato ser percebido pelo MPF como um dos pontos objetivadores da ACP, destacamos
o trecho abaixo:

Nesse sentido, a autarquia ambiental destacou em suas conclusões de


fl. 8 do relatório que integra o Anexo 2 do ICP/MPF que “das vinte e
sete fazendas inspecionadas, 17 possuem galpões adequado para
armazenar produtos agrotóxicos, mas a maioria das propriedades não
possui local para armazenar embalagens vazias de agrotóxico em
condições adequadas à saúde humana e ao meio ambiente” (grifei).

Em decorrência disso, foram lavrados vários relatórios de apuração de


infração administrativa ambiental (RAIA) por “deixar de dar
destinação ambientalmente adequada a embalagens vazias de
agrotóxicos, conforme determina o Decreto Federal n. 4.074/2002”.

Os impactos ambientais decorrentes do uso do glifosato foram de forma


exemplificativa no relatório produzido pelo IBAMA, segundo o qual “o
efeito do glifosato no organismo humano é cumulativo e a
intensidade da intoxicação depende do tempo de contato com o
produto. Os sintomas de intoxicação previstos incluem irritações na
pele e nos olhos, náuseas e tonturas, edema pulmonar, queda da
pressão sanguínea, alergias, dor abdominal, perda de líquido
gastrointestinal, vômito, desmaios, destruição de glóbulos
vermelhos no sangue e danos no sistema renal. O herbicida pode
continuar presente em alimentos num período de até dois anos após o
contato com o produto e em solos por mais de três anos, dependendo do
tipo de solo e clima. (fl.2 do relatório do ICP/MPF)”. (sem destaque no
original). (MPF, 2013, p. 7).

Após lermos o trecho acima destacado, parece aumentar em nós a percepção de


que esta ACP se apoia e, muito, em dados técnicos-científicos, que designamos neste
trabalho como contramajoritários, e que buscam trazer alertas sobre os riscos dos
agroquímicos para o meio ambiente, saúde e nutrição humana.

246
A ACP também destaca trecho sobre a dificuldade de atuação e fiscalização do
Ibama, quando de sua atuação em campo, buscando demonstrar, talvez, o quanto seja
difícil a própria produção de dados técnicos-operativos, conforme se depreende do trecho
abaixo:

Nesse sentido, o IBAMA informou, por meio do Ofício/GAB n.º


230/10/IBAMA/GEREX/ITZ/MA, que “em função desta unidade
descentralizada do IBAMA no Estado do Maranhão não possuir
em seu quadro de analistas, profissional com expertise necessária
ao atendimento imediato dos termos contidos no referido ofício, e em
função das competências e especificidades que o tema exige, foi
encaminhada cópia de vossa correspondência à Diretoria de Qualidade
Ambiental do IBAMA”.

De modo semelhante, o Escritório Regional de Parnaíba do IBAMA


informou, por meio do Ofício n.º 043/2010-
GABIN/ESREG/IBAMA/PHB, que “em virtude da falta de Analista
Ambiental, lotado neste Escritório, capacitada para realizar a
missão solicitada, encaminhamos o referido documento a
Superintendência do IBAMA no Piauí”. (sem destaque no original)
(MPF, 2013, p. 10).

Além da falta de pessoal efetivo, a sequência de desdobramentos operativos para


que a “missão” de fiscalização da utilização do glifosato no Estado do Maranhão
ocorresse possui contornos nada profissionais, uma vez que a ACP informa que a Agência
de Defesa Agropecuária - AGED foi acionada para realização da vistoria, mas que se
limitou à aplicação de “questionário termo de visita” para verificar a utilização adequada
ou não, do uso do glifosato nas propriedades visitadas, ou seja, deixou a cargo dos
próprios proprietários a resposta sobre a utilização ou não do glifosato de forma irregular.
Evidentemente, como resposta, nenhuma propriedade se auto imputou à realização de
irregularidades. (MPF, 2013, p. 10-11).

Posteriormente, relata a ACP 02/2013/MA, que a superintendência do Ibama do


Estado do Piauí, ao responder o ofício em que foi solicitada a enviar analistas para
vistorias locais, acabou por destacar um efetivo técnico para tal atividade. Assim, os
resultados da vistoria foram absolutamente distintos e comprovaram a insegurança
ambiental do uso do glifosato no estado do Maranhão para o meio ambiente e para a saúde
humana.

Referida dificuldade com a produção de dados técnicos de setores que atuam ou


deveriam atuar em parceria operativa também serão observados nas ACPs 03/2014/DF e

247
04/2014/DF em sua relação com a Anvisa e CTNBio, por exemplo, conforme veremos a
seguir.

4.1.2 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF

Inicialmente, esclarecemos que optamos por tratar as duas ACPs acima nominadas
de forma conjunta pelo fato delas serem da lavra do mesmo procurador da república,
mesma data de elaboração e mesma seção judiciária. Além disso, conforme traremos mais
à frente, as fundamentações legais, bem como as argumentações apresentadas e estudos
técnico-científicos acionados têm muitos pontos convergentes.

Ainda no tocante ao uso de produções de base técnico-científica, nas formulações


de ações civis públicas por parte do MPF, temos a informação de que o inquérito civil
que está em apenso à ACP 03/2014/DF contém uma diversidade de estudos, todavia,
quando da consulta do processo no site da Justiça Federal do Distrito Federal, referidos
apensos não se encontram disponibilizados virtualmente e ao consultarmos a base de
dados do MPF, a mesma apresenta a movimentação entre setores do órgão jurisdicional
de inquéritos, ações e similares, mas não traz o acesso a referidos documentos.

Na imagem abaixo, temos os “prints” das telas da Justiça Federal que mostram a
indisponibilidade digital dos Inquéritos Civis mencionados na ACP 03/2014/DF e na ACP
04/2014/DF.

Figura 22 – Processo n. 21371-49.2014.4.01.3400, originário da ACP 03/2014/DF.

248
Figura 23 – Processo n. 21372-34.2014.4.01.3400, originário da ACP 04/2014/DF.

Diante da ausência de dados que compõem os inquéritos civis que


consubstanciaram as ACPs tratadas neste tópico, deduzimos que os artigos científicos
disponibilizados no GT Agrotóxicos e Transgênicos podem compor o rol dos estudos
técnicos-científicos que formam a base de instrução de referidos inquéritos, além de
outros estudos reproduzidos nas próprias ACPs, como o apresentado pela ACP
03/2014/DF e que traz informações do próprio portal da Anvisa, que destacaremos a
seguir:

[...]. Vejam-se, a título de exemplificação, as conclusões e


recomendações da própria ANVISA referentes aos ingredientes ativos
parationa metílica e forato:

Pelo conjunto de efeitos nocivos da parationa metílica para a saúde


humana, especialmente relacionados com a neurotoxicidade,
imunotoxicidade, mutagenicidade, toxicidade para o sistema
endócrino, reprodutor, para o desenvolvimento biológico e por
possuir características mais tóxicas para o ser humano do que testes
com animais tenham podido demonstrar, conclui-se que apresenta
as características proibitivas de registro.

(http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/96b246804f309971be99
bec88f4b6a31/Nota+t%C3%A9cnica+da+Parationa+Met%C3%ADlic
a.pdf?MOD=AJPERES; acessado em 14/03/2014)

Considerando todos os efeitos toxicológicos associados ao


ingrediente ativo Forato e a sua inclusão dentre as características
proibitivas de registro, especialmente a de “possuir características
mais tóxicas para o ser humano do que testes com animais tenham
podido demonstrar”, o mesmo deve ter seu uso proibido no Brasil,
de maneira a proteger a saúde dos trabalhadores expostos, dos
consumidores e da população em geral.

(http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/c480ff804f1d75bba8ddb
cc88f4b6a31/Nota+T%C3%A9cnica+do+forato.pdf?MOD=AJPERES
; acessado em 14/03/2014)

[...].

249
Finalmente, devemos atentar para a literatura científica atualizada
[...]. (sem destaque no original). (MPF, 2014, p. 07).

Do excerto acima, colhemos expressões tratadas pela Anvisa e aqui acionadas pelo
MPF como “neurotoxicidade”, “imunotoxicidade”, “mutagenicidade”, “efeitos
tóxicos”, “carcinogênicos”, entre outros termos que nos remetem a um variado número
de estudos e documentos tratados no capítulo anterior desta tese e que, conforme
entendimento do MPF, parecem se alinhar aos mesmos pressupostos de risco, insegurança
e contaminação para a saúde, nutrição humana e meio ambiente das pesquisas
contramajoritárias já analisadas.

Os fatos narrados na ACP 03/2014/DF, visam apurar a razão da possível demora


da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, em realizar a reavaliação
toxicológica dos 14 (quatorze) ingredientes ativos arrolados na RDC n. 10/2008.
Segundo relatado na ACP, a supramencionada resolução informava que a Anvisa
reconheceu a necessidade de reavaliar os seguintes princípios ativos: Cihexatina, Acefato,
Glifosato, Abamectina, Lactofem, Triclorfom, Parationa metílica, Metamidofós,
Fosmete, Carbofurano, Forati, Endossulfam, Paraquate e Tiram.

A ACP 03/2014/DF informa que em seu inquérito civil já foi possível apurar que,
através das respostas da Anvisa, 06 princípios ativos já foram reavaliados, sendo eles:
Cihexatina, Endossulfam, Triclorfom, Fosmete, Metamidofós e Acefato. Estando
pendentes de reavaliação as 8 substâncias informadas no objetivo da presente ação.

Um ponto que destacamos é que a ACP 03/2014/MPF informa que das 06


substâncias já reavaliadas pela ANVISA, 05 foram banidas do país por terem sido
consideradas altamente tóxicas. Apenas a substância fosmete foi reclassificada, passando
a constar como como extremamente tóxica, sendo restringido o seu uso no mercado
nacional, assim como o ingrediente ativo acefato, que teve seu registro mantido, mas com
restrições.

Após essa exposição, ainda na seção “dos fatos” da ACP 03/2014/DF, assim
afirma o membro do MPF em sua ação:

Conclui-se, pelo exposto, que a maioria dos ingredientes ativos


reavaliados foram banidos do mercado nacional por apresentarem um
alto nível de toxidade, demonstrando, portanto, que a saúde da
população brasileira e o meio ambiente estão sendo ameaçados com a
morosidade da ANVISA na reavaliação dos outros 8 (oito) ingredientes

250
ativos restantes, dos quais, se for mantida a mesma proporção de
resultado das avaliações anteriores, presumivelmente, cerca de dois
terços também serão banidos do país por demonstrarem alto risco e grau
de toxidade.

Ressalta-se, ainda, que a necessidade de ser reavaliada a toxidade desses


princípios ativos pela ANVISA está respaldada na própria Resolução
ANVISA RDC n. 10/2008, a qual reconheceu os graves riscos que os
14 (quatorze) princípios ativos podem oferecer à saúde da
população brasileira e ao meio ambiente (como de fato oferecem, de
acordo com o resultado das seis primeiras reavaliações), bem como na
existência de estudos científicos (ver anexo 1 do inquérito civil em
apenso) que, reconhecendo o grau de toxidade dessas substâncias para
a saúde humana e para o meio ambiente, recomendam o uso em
concentração limitada ou a própria vedação dessas substâncias como
princípios ativos de produtos tóxicos sujeitos à comercialização (sem
destaque no original). (MPF, 2014a, p. 06).

Observamos, através da leitura do trecho acima, alguns pontos interessantes.


Primeiramente, percebemos que a narrativa dos fatos é conclusiva para o MPF, pois este
utiliza expressões como “conclui-se pelo exposto”, logo no início do parágrafo e, após,
na continuidade da mesma frase, informa que: “portanto, a saúde e o meio ambiente estão
em ameaça pela morosidade da ANVISA”. Expressões extremamente dogmáticas e
assertivas como as exaradas acima são muito próprias do jargão jurídico e buscam
demonstrar que é preciso escolher “um lado” e uma linha de argumentação categórica a
ser sustentada e que, nesse caso, parece ter sua base em relatos técnico-científicos e na
legislação pertinente à saúde e ao meio ambiente.

Outro ponto que mencionamos como indicativo do quanto o uso de produções


técnico-científicas parecem ancorar a instrução das ações do MPF revela-se em trechos
escritos na citação acima pelo procurador da república, quando este menciona expressões
como: “alto nível de toxidade”, “princípios ativos”, os quais parecem ser por ele
emprestados da literatura científica para a construção de demandas jurídico-processuais.

A ACP 04/2014/DF, por sua vez, apresenta como objeto a tutela da saúde humana
e o meio ambiente ecologicamente equilibrado e prevê que seja determinado à União, na
figura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA, que suspenda o
registro dos agrotóxicos que contenham o herbicida 2,4-D em suas formulações, enquanto
a Anvisa não divulgar os resultados conclusivos acerca da reavaliação toxicológica do
2,4-D, e que, por meio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, a
União seja proibida de liberar a comercialização de sementes transgênicas tolerantes ao

251
2,4-D enquanto, mais uma vez, tal autarquia federal não finalizar a reavaliação
toxicológica do referido princípio ativo.

Na seção “dos fatos”, a ACP 04/2014/DF inicia com a narrativa de que os


acontecimentos que irá descrever são baseados nos elementos colhidos em dois Inquéritos
Civis, os quais já foram enumerados no início deste tópico e que, conforme já
mencionamos anteriormente, não temos acesso. Um dos inquéritos (n.
1.16.000.002778/2013-61), trata da investigação de possível ilegalidade na liberação
comercial, pela CTNBio, de sementes de soja e milho geneticamente modificados que
apresentam tolerância aos agrotóxicos 2,4-D, glifosato, glufosinato de amônio DAS-
68416-4, glufosinato de amônio DAS-44406-6 e outros herbicidas. O outro inquérito (n.
1.16.000.003486/2013-45) trata de instauração de procedimento investigativo com o
objetivo de apurar suposta omissão da ANVISA quanto à reavaliação toxicológica do
herbicida 2,4-D, conforme menciona a própria ACP 04/2014/DF.

Um ponto que aparece apenas narrado nessa seção dos fatos da ACP faz menção
de reunião realizada pela 4ª CCR do MPF, ocasião em que se instaurou o Inquérito Civil
n. 1.16.000.002778/2013-61, momento em que foi oportunizada a discussão sobre o
aumento da utilização de agrotóxicos pela própria utilização de OGMs – Organismos
Geneticamente Modificados, os quais funcionariam como agentes multiplicadores do
próprio consumo de agrotóxicos e que isso colocaria – ainda que virtualmente, em risco
os direitos humanos fundamentais à saúde de toda população brasileira, bem como o
direito à alimentação adequada, o direito à biodiversidade dos biomas brasileiros e ao
meio ambiente equilibrado e saudável, segundo o MPF.

Informa a ACP 04/2014/DF que diligenciaram à CTNBio objetivando fazer aquele


órgão suspender qualquer deliberação sobre a liberação de OGMs até que fossem
realizadas as audiências públicas previstas na Lei n. 11.105/2005 (lei de biossegurança)
para que se apurasse a nocividade da liberação de OGMs resistentes à agrotóxicos. A
diligência do MPF ainda solicitou à CTNbio que:

Fossem prestadas informações a respeito da existência, no âmbito da


CTNBio, de estudos técnicos perfunctórios sobre os efeitos
cumulativos e sinérgicos que a liberação dos mencionados OGMs
poderia ensejar na multiplicação do emprego de agrotóxicos nas
monoculturas de soja e milho do Brasil, com prejuízo à saúde pública,
à qualidade dos alimentos brasileiros, à biodiversidade nos biomas

252
impactados e ao meio ambiente equilibrado e saudável. (sem destaque
no original). (MPF, 2014b, p. 07).

Chama-nos atenção o trecho acima colacionado por se tratar da primeira ACP em


que encontramos referência aos detalhes técnico-científicos que se ligam ao aspecto da
bioacumulação de agrotóxicos e monoculturas, bem como sua ligação com prejuízos para
a saúde pública, alimentação adequada e preservação da biodiversidade, os quais foram
muito mencionados por estudos contramajoritários explorados no capítulo anteriores
deste trabalho, inclusive em vozes emblemáticas como de Rachel Carson e Vandana
Shiva.

Todavia, a ACP 04/2014/DF informa que a CTNBio manifestou-se de forma


negativa às solicitações, informando, inclusive, que não realizariam as audiências
públicas e nem suspenderiam os trâmites dos procedimentos administrativos que
versassem sobre a liberação de OGMs. Continua a ACP em comento a explicar que:

Desse modo, diante da negativa apresentada pela CTNBio, o


Ministério Público Federal, por meio de sua 4ª Câmara de
Coordenação e Revisão e com o desiderato de obter informações
mais consistentes sobre os efeitos cumulativos e sinérgicos que a
liberação dos mencionados OGMs resistentes a herbicidas poderia
ensejar na multiplicação do emprego de agrotóxicos, decidiu que o
próprio órgão ministerial seria o responsável por realizar a
audiência pública (que aconteceu no dia 12 de dezembro de 2013)
para debater com a sociedade civil os pedidos de liberação
comercial de sementes transgênicas de milho e de soja que seriam
resistentes ao herbicida 2,4-D. [...]. (sem destaque no original). (MPF,
2014b, p. 07-08).

Conforme já mencionamos, não possuímos acesso a referidos Inquéritos Civis,


mas podemos observar que os mesmos parecem estar ancorando, e muito, os argumentos
do MPF em bases técnicas-científicas, pois dentro do trecho acima reproduzido faz-se
menção a variados artigos nacionais e internacionais colacionados, os quais parecem
imbuir o MPF de certezas combativas, pois na sequência dos trechos acima reproduzidos,
o procurador da república informa que:

“De outra sorte, todo o material científico apresentado pelos experts


da comunidade civil sobre a temática abordada na referida
audiência pública encontra-se colacionado nos ANEXOS do IC n.
3486/2013-45, assim como os artigos científicos oriundos da
literatura internacional e nacional que demonstram a nocividade do
uso do 2,4-D para a saúde humana e para o meio ambiente encontram-
se arrazoados naquele mesmo apuratório cível (fls. 15-63 e 90-206 do
IC n. 3486/2013-45 e seus respectivos ANEXOS.[...] Por proêmio,
deve-se enfatizar que o 2,4-D é um dos componentes do chamado

253
Agente Laranja, utilizado pelos Estados Unidos durante a Guerra
do Vietnã. Ele é o terceiro agrotóxico mais utilizado no Brasil (5%),
depois do glifosato (29%) e do óleo mineral (6%).” (MPF, 2014, p. 08-
09).

Interessante notarmos a menção do 2,4-D como um dos componentes do Agente


Laranja na guerra do Vietnã, fato também abordado em estudos nacionais, como o de
Gurgel (2017) para o Greenpeace e pelo próprio Tribunal Monsanto (2017), conforme
mencionado no capítulo anterior.

A ACP 04/2014/DF continua sua narrativa dos fatos informando alguns dos
desdobramentos da audiência pública - que na visão do subscritor da presente ação,
através dos assuntos abordados e dos inúmeros estudos por ele colacionados nos
inquéritos civis, são evidências de que o uso do 2,4-D pode causar grandes malefícios
para a saúde humana e meio ambiente.

O MPF, inclusive, anteriormente, havia proferido as recomendações de n.


59/2013/MPF/PR/DF e n. 60/2013/MPF/PR/DF em face da Anvisa e da CTNBio. A
primeira RDC objetivou recomendar à Anvisa que concluísse a reavaliação toxicológica
do herbicida 2,4-D, no prazo de 180 dias, contados do recebimento da referida
recomendação. Na ocasião, a Anvisa manifestou-se por meio de Nota Técnica de n.
57/GGTOX/ANVISA e informou, através de sua gerência geral de toxicologia, que estava
adotando todas as providências possíveis para a conclusão da reavaliação toxicológica do
2,4-D, ainda no primeiro semestre de 2014, e solicitou os estudos científicos que
instruíram os inquéritos civis do MPF.

Em relação à Recomendação de n. 60/2013/MPF/PR/DF, a mesma teve por


escopo solicitar que a CTNBio, antes de deliberar sobre a liberação comercial de sementes
de soja e de milho geneticamente modificadas e que apresentassem resistência ao
agrotóxico 2,4-D, aguardasse o transcurso de 180 dias de prazo recomendado à Anvisa
para procedimento de reavaliação toxicológica. Em atenção à recomendação, a CTNBio
ofertou resposta através de parecer n. 84/2014/CONJUR-MCTI/CGU, da lavra de sua
consultoria jurídica e que defendia não existir nenhuma vinculação entre ela e a Anvisa e
que, portanto, daria continuidade a seus processos de análise da avaliação de risco de
todos os OGMs tolerantes ao herbicida 2,4-D, e que a recomendação do MPF não possuía
o condão de suprimir o exercício de competência da CTNBio.

254
O MPF finaliza sua seção “dos fatos” na ACP 04/2014/DF, informando que a
atuação de ambos os órgãos – MAPA, CTNBio e ANVISA deve ocorrer de forma
sistemática com vistas à priorização da tutela da saúde humana e do meio ambiente e
comenta que não pretende desprestigiar a CTNBio ou invalidar suas atribuições legais105,
mas que entende que a espera de referido órgão pela deliberação da Anvisa, poderá lhe
ofertar estudo científico conclusivo sobre a toxicidade do 2,4-D, conforme exposto no
trecho abaixo:

O pedido para que a CTNBio aguarde, até a conclusão da


reavaliação toxicológica do 2,4-D pela ANVISA, para deliberar
sobre demandas de suas atribuições não está desprestigiando ou
invalidando as atribuições legais conferidas às entidades e aos
órgãos governamentais. Pelo contrário, o referido pleito apenas
objetiva que futura decisão do CTNBio (sobre a liberação comercial de
sementes de soja e de milho resistentes ao 2,4-D) tenha validade por
estar fulcrada em estudo científico conclusivo sobre a toxicidade do
2,4-D, já que a liberação de OGMs resistentes àquela substância pode
ensejar o efeito multiplicador do referido herbicida, em detrimento da
saúde humana e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (MPF,
2014 b, p.11).

Este aparente ar de conflito institucional-operativo entre MPF e órgãos


responsáveis pela reavaliação toxicológica de agrotóxicos não parecem, todavia, ser
frutos apenas de suas recomendações à Anvisa e CTNBio, mas também de
acontecimentos gestados na audiência pública de 12 de dezembro de 2013, quando
informa-se que a própria gerente-geral de toxicologia da Anvisa participou, como
expositora e que, naquela oportunidade, já foram apresentados estudos indicativos de que
o 2,4-D traria riscos para a saúde humana, estudos estes solicitados pela gerência-geral
da ANVISA, ocasião em que, nas palavras do próprio procurador da república que
subscreve a presente ação foi “enaltecida a existência de literatura científica atualizada”
(MPF, 2014b, p. 23).

Neste momento, ainda que o MPF não tenha trazido à baila os bastidores que
envolvem a gerência-geral de toxicologia da Anvisa, comentamos que no ano de 2012

105
Parece-nos que a situação transcrita evidencia uma certa dose de conflito institucional-operativo entre
MPF e demais órgãos responsáveis pela reavaliação toxicológica de agrotóxicos no país. Referidos conflitos
institucionais entre MPF e diversos órgãos dos poderes públicos explodiram no país em dimensões muito
maiores nos anos de 2015 e seguintes. Inclusive, trataremos em seção própria desse trabalho, a razão de,
pelo menos, aparentemente, o MPF ter diminuído sua pressão sobre a seara dos agrotóxicos em suas ACPs
e na própria documentação constante do GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR, além de tratarmos de
forma abreviada onde estão atuando alguns procuradores da república como o que subscreve as ACPs que
estudamos no presente momento.

255
houve grande ruído midiático e institucional com a saída do gerente-geral Luiz Cláudio
Meirelles106, que trabalhou durante mais de uma década na referida autarquia e que foi
exonerado após ter denunciado irregularidades no processo de liberação de seis
agrotóxicos.

Assim, percebemos que mais do que não existir um acesso da Anvisa a alguns
estudos técnicos atualizados, existem pressões de toda a sorte a envolver referidas
reavaliações. Fato este que se coaduna a algumas das situações descritas em documentos
e estudos técnicos do capítulo anterior que trataram da falta de liberdade científica,
retóricas de ocultação, desqualificação, perseguição de cientistas e outras situações
similares descritas pelo Dossiê Abrasco, ONU e Tribunal Monsanto, de forma mais
acentuada.

Esses imbróglios entre diferentes instâncias técnico-operativas, em relação à


ingredientes ativos de agrotóxicos, em muito servem para nos ilustrar o quanto o campo
é local de disputas e também de consagração de vitórias de alguns atores em detrimento
de outros (Bourdieu), bem como nos desvelam o quanto se mantêm frouxas determinadas
fiscalizações e reavaliações toxicológicas de produtos químicos ligados ao sistema
agroprodutivo majoritário, em virtude da precaução diante de desdobramentos
econômicos. Ainda é possível, nas palavras de Beck (2011, [1986], p. 55), sequer se
manter o registro de categorias inteiras de substâncias tóxicas, pois “se elas não existem
juridicamente, acabam por poder circular livremente”.

Na ACP 04/2014/DF, abre-se um adendo para referenciar alguns dos aspectos


gerais das manifestações clínicas da intoxicação aguda pelo contato com 2,4-D e que,
segundo o autor da ACP, foi também um dos pontos discutidos na audiência pública de
12 de dezembro de 2013 e passam a descrever os seguintes efeitos clínicos:

Foram apresentados os aspectos gerais das manifestações clínicas


de intoxicação aguda levado pelo contato com o 2,4-D. No trato
intestinal, foram identificados os efeitos de dor e queimação na boca,
dor abdominal, vômitos e diarreia; no sistema nervoso central, as

106
Para melhor ilustração da situação acima descrita, rememoramos trecho do Dossiê Abrasco de 2015,
comentado no segundo capítulo desse trabalho, que trata em seção própria da exoneração do gerente
Meirelles, através de entrevista do mesmo para a Fiocruz, no endereço eletrônico:
<http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/entrevista-2>. Bem como a parte 4 do Dossiê denominada “A crise
do paradigma do agronegócio e as lutas pela agroecologia”. (DOSSIÊ ABRASCO, 2015, p. 467). Por fim,
existe a própria Carta de Luiz Claudio Meirelles tratando do ocorrido e disponível em:
<http://bit.do/ana2012>. Acesso em: 15 ago. 2017.

256
manifestações clínicas se apresentaram com fraquezas e espasmos
muscular, miotonia, mialgia, ocorrendo logo após a ingestão e
progredindo para fraqueza muscular, confusão, cefaleia, tontura, fadiga,
visão dupla, hiporreflexia, parestesias, neuropatia; no sistema
cardiovascular, os sintomas identificados foram taquicardia,
arritmia, fibrilação muscular, vasodilatação; as manifestações
clínicas dérmicas foram caracterizadas por eritema, irritação,
considerando que extensas áreas expostas poderiam causar alterações
sistêmicas, com fraqueza muscular, contrações musculares e
inconsciência; além da verificação de manifestações clínicas oculares e
outras decorrentes da ingestão do referido herbicida.

Por outro lado, no que tange aos efeitos crônicos ocasionados pelo
herbicida 2,4-D, foram verificadas perturbações endócrinas,
genotoxicidade, reprotoxicidade e potencial cancerígeno para o
homem.

Quanto aos efeitos endócrinos, foi enfatizado que, na literatura


científica, um grande número de pesquisas aponta o 2,4-D como
sendo um perturbador endócrino, afetando vários processos
hormonais e hormônio dependentes, com efeitos estrogênicos,
androgênicos e antitireoidiano, dificultando o processo de síntese da
progesterona e da prolactina, inibindo o processo de amamentação
em ratos fêmeas alimentadas com uma dieta de pequenas doses do
referido herbicida. [...] No que pertine aos caracteres reprotóxicos,
foi ressaltado que alguns estudos anotaram perturbações nas
funções reprodutivas ligadas com alterações genéticas em células
ovarianas de hamster e em células testiculares quando expostas ao
2,4-D, durante a fase adulta. Por outro lado, também foi apontado
o caractere teratogênico do 2,4-D, comprovado diante das
anomalias físicas verificadas nos fetos de ratos submetidos à
experiência científica. [...] Em relação aos riscos trazidos para o
meio ambiente, o 2,4-D foi apresentado como causador de
destruição significativa da biomassa vegetal (de várias espécies e
especialmente daquelas relacionadas aos ambientes agrícolas),
provocando alterações no equilíbrio ecológico, contaminando as águas
dos rios e dos mares, os seres vivos presentes nesses ambientes e os
seres humanos que se utilizam desses recursos naturais para sobreviver.
Ou seja, esse composto é altamente tóxico, persistindo no meio
ambiente por não ser facilmente degradado. (MPF, 2014b, p. 18-19).

Apesar da citação acima ser extensa, consideramos por bem mantê-la, pois ela nos
fornece algumas pistas de análise, senão vejamos: primeiramente, verificamos que o
discurso técnico-científico de base contramajoritária é aqui apropriado como discurso
técnico-jurídico, uma vez que compõe o corpo da seção “do Direito” de referida ACP
04/2014/DF, sem fazer, todavia, neste instante, ligação com qualquer documento anexado
ao inquérito civil originador dessa ACP ou estudo científico similar.107

107
Explicamos que o Ministério Público Federal, na figura de seus procuradores e diferentemente de juízes
de direito - sejam de quais esferas forem, podem e devem apresentar parcialidade, pois eles representam a
figura do “fiscal da lei”, podendo, portanto, ter postura acusatória diante de fatos por ele arguidos. Assim,
nada mais natural que em sua construção discursiva/retórica e ao mesmo tempo técnica-jurídica, o MPF

257
Outro ponto que nos chama a atenção é que, em algumas das partes que grifamos
na citação direta acima, percebemos uma preocupação do MPF em descrever as
perturbações de ordem reprodutiva e correlatas, como a referência à malformação de fetos
de ratos ou amamentação dos mesmos, por exemplo. O que pode nos passar uma certa
impressão de que, ainda que não se encontre expressa, na ACP em exame, a tutela de
grupos vulneráveis como crianças, ou a proteção e perpetuação da espécie humana diante
da exposição ambiental e de sua saúde à potencial contaminação por 2,4-D. Esta
preocupação ou referência parece estar, embrionariamente, presente na ação patrocinada
pelo MPF e aqui revelada pelo uso de documentos científicos e não de conceitos e termos
como futuras gerações, justiça ambiental ou desenvolvimento sustentável.

Na sequência, a ação do MPF continua argumentando nesta mesma linha e


informando que a literatura científica atual:

Demonstra que o uso do 2,4-D provoca os seguintes danos: toxicidade


aguda; má-formação embrionária; alterações neurotóxicas,
nefrotóxicas, metabólicas e hormonais; contaminação de leite
materno; alteração dos hormônios estrógenos e andrógenos; alterações
hematológicas e respiratórias; câncer gástrico, de próstata e linfoma
non-hodgkin. Ademais, impende destacar a gama de artigos científicos
colacionados nos inquéritos civis que instruem esta inicial (fls. 15-63 e
90-206 do IC n. 3486/2013-45 e ANEXOS I e II do referido inquérito),
inclusive artigos oriundos da base de dados internacional Pubmed
(http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed), sobre os prováveis riscos
gerados pelo 2,4-D.108 Assim, nesses termos, é de fundamental
importância invocar o princípio da prevenção. (MPF, 2014b, p. 24).

Já comentamos mais de uma vez que a argumentação do MPF em ambas ACPs é


fortemente ancorado em estudos técnico-científicos, todavia um questionamento pode
emergir: e se tais estudos forem equivocados? Ou se forem suplantados pelo poder
financeiro de gigantes do agronegócio, como a Monsanto?

Nesse instante, é interessante observarmos que o MPF parece não ter deixado de
lado tal questionamento, quando se utiliza, em ambas ACPs, do argumento da precaução,
o qual não advoga pelo que ele denomina como “risco-zero”, conforme percebemos nos
trechos abaixo:

tome por verdadeira, assim como um advogado faria em uma causa que patrocina, os dados que considera
mais favoráveis aos pedidos que pleiteia perante a justiça.
108
Em consulta a referida base de dados, a qual se encontra em inglês, percebemos que a PubMed parece
se tratar de uma base de dados com citações e resumos de artigos de investigação médicas oferecidos pela
Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos, a qual também será acionada pela ACP 05/2014/MT.

258
Dessa forma, ante à existência de uma ameaça de danos irreversíveis à
saúde da população brasileira, nasce a obrigação das autoridades
competentes em agir. Nesse diapasão, está-se invocando o princípio da
precaução que, atuando na incerteza científica, não advoga “pelo risco
zero”, mas exige que se dê importância à proteção da saúde pública
contra riscos desconhecidos ou insuficientemente esclarecidos. (MPF,
2014 a, p. 16)

Em outra vertente, mesmo se não houvesse estudos científicos


conclusivos sobre os malefícios ocasionados pelo 2,4-D, ainda assim,
remanesceria a obrigação das autoridades competentes em agir
diante da existência de uma ameaça de danos irreversíveis à saúde
e ao meio ambiente, mesmo que os conhecimentos
científicos disponíveis não confirmassem o risco – o
que parece não ser o caso dos presentes autos. Nesse diapasão, está-se
invocando o princípio da precaução que, atuando na incerteza
científica, não advoga “pelo risco zero”, mas exige que se dê
importância à proteção da saúde pública e ao meio ambiente contra
riscos desconhecidos ou insuficientemente esclarecidos. (MPF, 2014 b,
p. 24).

A ACP 03/2014/DF e a ACP 04/2014/DF solicitam a denominada “antecipação


de tutela” por conta da verossimilhança dos dados narrados e do fundado receio de que a
demora de uma decisão judicial ocasione dado irreparável ou de difícil reparação, e
ancoram suas argumentações informando que a verossimilhança está estampada nos
fundamentos das petições iniciais e no reconhecimento da Anvisa acerca da necessidade
da reavaliação dos ingredientes ativos mencionados. O fundado receio de dano irreparável
ou de difícil reparação decorre do fato de que as substâncias parationa metílica, lactofem,
forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate e glifosato e 2,4-D vêm sendo
amplamente utilizadas, apesar da existência de riscos à saúde coletiva. Assim, para o MPF
resta incontestável o receio de que a demora no provimento jurisdicional possa acarretar
danos de difícil reparação, ou até mesmo irreparáveis à saúde.

Ressalta o MPF, nessa seção, por fim, que não há risco de irreversibilidade do
provimento antecipado: caso o juízo entenda que não seja caso de suspensão dos registros
de produtos que contenham os mencionados ingredientes ativos, pois poderá revogar a
determinação de modo que os produtos formulados à base desse organoclorado possam
ser novamente utilizados (MPF, 2014 a, p. 21-22 e MPF, 2014b, p. 27-28).

Ressaltamos que no dia 25 de março de 2014, ou seja, 05 dias após a assinatura


das ACP 03/2014/DF, o MPF peticionou solicitando que fosse juntado estudo do Dossiê
Abrasco de 2012 e tabela de produção própria que reproduzimos abaixo:

259
Tabela 6 – petição n. 6969/2014 (ACP 03/2014/DF).

Na mesma ocasião, colacionaram a Carta Política da 4ª Conferência Nacional de


Segurança Alimentar e Nutricional que defendeu a necessidade de banimento de
agrotóxicos já banidos em outros países e reproduziram na mesma petição moção da
Conferência, sendo finalizada a petição com a reiteração do pedido de pleito
antecipatório.

4.1.3 ACP 05/2014/MT

A ACP 05/2014/MT busca a fiscalização e não permissão do uso de produtos


agrotóxicos formulados a base da substância denominada Benzoato de Emamectina, uma
vez que tal componente químico não possui registro no órgão federal competente
(Ministério da Agricultura), nem cadastro no órgão estadual responsável (INDEA), como
exige a legislação, existindo ainda parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA

260
O teor da ACP em comento é eminentemente técnico, pois a possibilidade de
utilização de agrotóxicos com o benzoato de emamectina ocorreu, através de um contexto
ligado à autorização dos estados em situação de emergência fitossanitária a implementar
o plano de combate da lagarta "helicoverpa armígera" nas lavouras de soja e algodão.
Referida autorização foi aberta por intermédio do MAPA. Na ocasião, dentre as ações
autorizadas pelo governo federal para combater os ataques da lagarta, restou a referida
medida, que permitiria, equivocadamente, segundo sustenta o MPF em sua ACP, a
importação e utilização de agrotóxicos com o ingrediente ativo benzoato de emamectina.
O procurador esclareceu em sua ACP que não são contrários às ações administrativas para
o controle de casos que levem a situações de emergência fitossanitárias, mas que é preciso
observar a legislação pertinente, bem como as normativas das instâncias técnico-
operativas, além de se resguardarem os interesses da coletividade.

“O uso de agrotóxicos que contêm o benzoato de emamectina atende


exclusivamente aos interesses econômico e político, desconsiderando os interesses
ambientais e, principalmente, a proteção à saúde humana contra uma substância
altamente tóxica”, afirmou o procurador do MPF em sua ACP.109

Interessante fato que permeia a presente ACP e que delineia de forma muito clara
o campo de disputas que envolve a temática que estudamos, dá conta de que o Ministério
da Agricultura chegou a tentar a aprovação do uso de agrotóxicos que contivessem o
benzoato de emamectina no Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos –
CTA. Todavia, o comitê manifestou-se contrariamente à utilização da substância. O
Ibama também se manifestou sobre o uso do benzoato de emamectina, afirmando que não
há elementos que permitam justificar seu uso, pelas razões apontadas pela Anvisa.
Diferentemente e, talvez, até mais gravemente do que o caso do 2,4-D estudado na ACP
04/2014/DF, aqui temos um consenso técnico-científico entre instâncias operativas como
ANVISA e IBAMA, por exemplo.

Assim, diante desse cenário de disputas e visando driblar a situação e atender ao


pleito dos produtores rurais, o MAPA permitiu - por meio da Instrução Normativa n. 13,
de 03 de abril de 2013 que a Secretaria de Defesa Agropecuária - SDA autorizasse a

109
Trecho reproduzido de reportagem noticiando a ACP pela própria assessoria de comunicação do MPF.
Mais informações encontram-se disponíveis em: <http://www.gvces.com.br/mpf-mt-tenta-impedir-o-uso-
de-agrotoxico-a-base-de-benzoato-de-emamectina?locale=pt-br>. Acesso em: 31 ago. 2017.

261
importação de agrotóxicos à base de benzoato de emamectina para o controle da praga de
lagartas, conferindo aos órgãos estaduais de fiscalização agropecuária a atribuição para
autorizar o uso desses agrotóxicos. Ocorre que no estado do Mato Grosso, o INDEA não
exigiu o registro dos agrotóxicos no MAPA, nem mesmo o cadastro perante o órgão
estadual para a utilização nas lavouras.110

Diante desse quadro, inicialmente ocorreu a tentativa de acordo extrajudicial com


o INDEA, após o MPF expedir uma recomendação ao órgão para que não autorizasse a
aplicação do agrotóxico nas lavouras de Mato Grosso e enviasse a relação das
autorizações que porventura já tivessem sido concedidas, mas o INDEA não respondeu
satisfatoriamente aos questionamentos feitos pelo subscritor da presente ACP.

Dentro da ACP 05/2014/MT, o MPF também apresentou um tópico específico


onde apontou medidas alternativas para a emergência fitossanitária ocasionada pela
lagarta “helicoverpa armígera” e baseou a sua linha de argumentação em termos técnico-
científicos, ressaltando que a Empresa Brasileira de Agricultura e Pecuária - EMBRAPA
orienta que o combate à praga passe por restabelecimento do equilíbrio dos sistemas de
produção agrícola, com a adoção de medidas emergenciais e de práticas de Manejo
Integrado de Pragas –MIP.

Além disso, colacionaram ao estudo informações do Instituto Mato-grossense do


Algodão – IMAmt, que deslocou os pesquisadores Jean Belot, Patrícia Andrade Vilela
(melhoristas), Rafael Galbieri (fitopatologista) e Miguel Soria (entomologista) de seu

110
A ACP estudada traz mais detalhamentos dessa disputa em página e nota de rodapé da na própria ação
em estudo quando diz que: “Logo em seguida, mesmo diante do posicionamento contrário do CTA, o
Ministro da Agricultura decidiu unilateralmente atender aos pleitos dos produtores rurais e fez publicar a
Instrução Normativa MAPA n° 13, de 3 de abril de 2013, através da qual permitiu que a Secretaria de
Defesa Agropecuária – SDA, autorizasse a importação de agrotóxicos a base de benzoato de emamectina,
para o controle da praga de lagartas. Ou seja, o MAPA, em tese, autorizou a importação de agrotóxicos que
não possuem o devido registro no Brasil [...] A liberação da importação de tais agrotóxicos sem registro no
Brasil causou forte polêmica em Brasília, por não observar os procedimentos aplicáveis, caso registrado
pelos meios de comunicação. A decisão gerou questionamentos, inclusive, dentro do próprio setor
produtivo, vindos, e.g., da AENDA (Associação Brasileira dos Defensivos Genéricos), que achou estranho
o fato de agrotóxicos sem registro terem obtido liberação mais célere do que outros já registrados no país,
sendo que todos teriam como alvo o combate à helicoverpa spp
<http://www.agrolink.com.br/biotecnologia/noticia/5-inseticidas-podemcontrolar
lagartahelicoverpa_168885.html>. Tal fato sugere a possibilidade da ocorrência de forte lobby de empresas
produtoras/comercializadoras da molécula benzoato de emamectina. O fato gerou, também,
questionamentos junto à Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos
Deputados <http://www2.camara.leg.br/atividadelegislativa/
comissoes/comissoespermanentes/cmads/noticias/sarney-filho-questiona-liberacao-deagrotoxico-sem-
registro-no-pais>. Ministério Público Federal in: (MPF, 2014c, página 06).

262
instituto para visitarem centros de pesquisas e diversas fazendas australianas nas regiões
de Moree, Goondiwindi, Wee Waa e Narrabri, os quais ficaram impressionados com a
forma como os cotonicultores australianos lidam com a Helicoverpa spp. (Helicoverpa
armigera e Helicoverpa punctigera), praga-chave da cultura do algodoeiro na Austrália e
responsável por grandes perdas na produção desde o início do cultivo do algodão naquele
país.

Todavia, diferentemente do Brasil, a Austrália, praticamente, não utiliza


agrotóxicos e, quando aplicados, são usados inseticidas seletivos. As experiências
australianas são repetidamente citadas como exemplo pelas entidades ligadas ao setor
agrícola, sendo afirmado, inclusive, que a ideia da utilização do benzoato de emamectina
partiu do modelo australiano de controle de pragas na cultura do algodão, pois em caso
de uso de agrotóxicos, para evitar danos ao meio ambiente, a entidade indica a
observância de uma ordem preferencial, na qual o benzoato de emamectina ocupa a
penúltima posição, explica o procurador em sua ACP.

O Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos – CTA indicou


conclusões semelhantes às da Embrapa, ou seja, que estudos científicos sugerem inúmeras
alternativas ao uso do benzoato de emamectina, algumas consideradas mais eficientes
para o controle de lagartas. Desta feita, a ACP 05/2014/MT solicitou com urgência que o
INDEA fosse proibido de expedir autorizações de aplicação de agrotóxicos que
contivessem o benzoato de emamectina e que as autorizações já emitidas fossem
suspensas.

O MPF/MT também solicitou que o INDEA fosse obrigado a cumprir a legislação


que determina que ele é o órgão fiscalizador e deve impedir a entrada, a comercialização,
o armazenamento e o uso de agrotóxicos que contenham a substância e apreenda todos os
produtos encontrados em Mato Grosso que contenham o benzoato de emamectina.

Assim como em boa parte das ACPs estudadas até agora, a valoração e disputa
em relação a dados técnico-científicos fazem parte da construção de muitos argumentos
utilizados pelo MPF. Um dado que diferencia a presente ação, é que esta, ao invés de ter
uma disputa com órgãos operativos como a Anvisa e o CTNBio, conforme observamos
nas ACPS 03/2014/DF e 04/2014/DF, contrariamente, apoia-se nos dados produzidos

263
pela Anvisa e também traz estudos, como o Dossiê Abrasco do ano de 2012 111 e a obra
de Flávia Londres – Agrotóxicos no Brasil, um guia em defesa da vida, ambos tratados
no capítulo 03 desta tese, além de utilizarem-se de doutrina e jurisprudência referentes à
área específica do Direito Ambiental, com obras de Paulo Affonso Leme Machado,
Superior Tribunal de Justiça e obras correlatas.

Além dos estudos dos técnicos da EMBRAPA e IMAmt, já mencionados no


começo deste tópico, na instrução da ACP, mais especificamente no item IV-E, apontam
estudos do EPA – Agência de Proteção Ambiental dos EUA, conforme observamos no
seguinte trecho que destacamos abaixo:

Várias análises sobre os efeitos do uso de benzoato de emamectina


foram realizadas pela Agência de Proteção Ambiental
(Environmental Protection Agency – EPA) dos Estados Unidos. As
conclusões apresentadas seguem a mesma linha, afirmando que o
benzoato de emamectina é altamente tóxico para insetos benéficos
(como abelhas), mamíferos, peixes, aves e invertebrados aquáticos.
A EPA também reafirma que o benzoato de emamectina é uma
potente neurotoxina e que ainda existem inúmeras incertezas sobre
a extensão e gravidade dos efeitos decorrentes de seu uso, sendo que
parte dessas incertezas deriva da ausência de estudos sobre todas as
variáveis relacionadas à substância.

No Brasil, não existem estudos disponíveis sobre os efeitos do benzoato


de emamectina sobre o meio ambiente, uma vez que o produto teve seu
registro negado perante ao Ministério da Agricultura, devido ao parecer
contrário da ANVISA. Daí, não existem informações conclusivas sobre
quais impactos o produto irá provocar nos ecossistemas presentes no
território nacional.

Não existem respostas conclusivas para perguntas fundamentais


relativas ao impacto ambiental específico nos ecossistemas do
Estado de Mato Grosso, nem mesmo para impactos de âmbito
nacional. Qual o potencial de transporte no solo (mobilidade, absorção,
solubilidade) da substância? Qual o seu grau de persistência,
considerando os mecanismos de degradação biótica (biodegrabilidade)
e abiótica (hidrólise e fotólise)? Qual seu potencial de bioacumulação
na cadeia alimentar dos ecossistemas onde será aplicada? (sem destaque
no original). (MPF, 2014c, p. 33-34).112

111
Na ocasião da propositura da presente ACP não havia saído ainda o dossiê ABRASCO que trabalhamos
no capítulo 03, uma vez que a ação é da data de 2014 e o novo dossiê é do ano de 2015.
112
Referido trecho por nós citado, possui duas importantes notas que aqui colacionamos. Uma traz o site
do EPA pesquisado pelo MPF, o qual pode ser encontrado nesse link:
<http://www.epa.gov/pesticides/chem_search/cleared_reviews/csr_PC-122806_25-Jul-08_a.pdf>. e outra
nota fala dos impactos em relação às populações de abelhas e diz que: “Os impactos extremamente nocivos
dos agrotóxicos sobre as abelhas tem despertado a preocupação dos órgãos ambientais por todo o mundo,
tendo em vista que estudos sobre a ação das abelhas no meio ambiente apontam a extraordinária
contribuição desses insetos na preservação da vida vegetal e também na manutenção da biodiversidade.
Nos ecossistemas mundiais, as abelhas são os principais polinizadores. No Brasil, sobre o tema, o IBAMA

264
O MPF resume suas colocações nesse ponto informando que estudos realizados
em outros países comprovam o elevado potencial nocivo do benzoato de emamectina para
o meio ambiente, mas que no Brasil vigora a incerteza científica quanto à extensão desses
impactos negativos sobre os biomas nacionais, fato esse que deve levar à utilização do
princípio da precaução e do princípio in dubio pro natura113, sendo assim finalizada a
ACP.

A seguir, passamos a análise dos usos e contextos dos termos desenvolvimento


sustentável e/ou sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futuras gerações, dentro das
ações civis públicas em estudo.

4.2. ACPs E USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUSTENTABILIDADE, RISCO,


JUSTIÇA AMBIENTAL E FUTURAS GERAÇÕES.

Neste tópico, buscaremos identificar a emergência, nas ACPs já enumeradas, de


questões relacionadas aos termos supramencionados, bem como as circunstâncias e
sentidos que são atribuídos a tais temas, inclusive, dentro da própria legislação nacional
e internacional acionada pelo MPF em suas peças processuais.

4.2.1 ACP 01/2006/RS

A ACP acima informa que teve por escopo:

[...] constranger a União, através de seus Ministérios do Meio Ambiente


(MMA) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), e o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis
(IBAMA) a realização de efetiva de fiscalizações junto ao entorno da
Floresta Nacional de Passo Fundo (FLONA), tendo em vista a vedação
legal de plantio de soja geneticamente modificada nessa área. (MPF,
2006, p. 02).

Informamos que a Lei de Biossegurança, datada de 2005, havia permitido a


comercialização de transgênicos no ano anterior e que talvez isso explique o fato dessa
ACP estar destacada no GT do MPF que ora observamos.

publicou trabalho intitulado Efeitos dos Agrotóxicos sobre Abelhas Silvestres no Brasil
<http://www.ibama.gov.br/publicadas/publicacao-do-ibama-aponta-efeitosdos-agrotoxicos-sobreasbelhas-
silvestres-no-brasil>, no qual são indicadas as consequências dos agrotóxicos sobre as abelhas e propostas
medidas para mitigar esses danos.
113
Assim como o Direito Penal possui o princípio do “in dubio pro reu”, o direito ambiental aloca-se no
princípio do “in dubio pro natura” que pode ser traduzido como “na dúvida, proteja-se a natureza”.

265
No item II – Dos fatos, destacamos o seguinte trecho:

A soja geneticamente modificada começou a ser plantada


irregularmente no Estado do Rio Grande do Sul, pelo que se tem
conhecimento, em meados do ano de 1998, mediante contrabando de
sementes da Argentina. A cultura alastrou-se primeiramente na
região sul do País e posteriormente em outros Estados da
Federação, em virtude de ser economicamente mais viável o cultivo
eis que é necessário basicamente a utilização do Herbicida Glifosato
de nome comercial Roundup no controle de ervas daninhas, sendo
que o produto é produzido pela multinacional Monsanto que
também desenvolveu a tecnologia da transgenia na soja. A questão
referente à liberação do cultivo e comercialização de grãos
geneticamente modificados tem sido alvo de intensa discussão, em
face do grau de incerteza científica quanto aos reflexos no meio
ambiente e na própria saúde humana. (sem destaque no original).
(MPF, 2006, p. 02-03).

Observamos no excerto acima – ao mesmo tempo em que levamos em conta o


lapso temporal desta primeira ACP, que lidar com a emergência de um novo modelo
agroprodutivo que trazia em seu estofo sementes geneticamente modificadas era visto
pelos “fiscais da lei”114, como elemento causador de insegurança jurídica, além de
causador de impactos ambientais e objeto de desconhecimento e potencial perigo ao meio
ambiente e à saúde humana haja vista ser novidade advinda da engenharia genética.
Observamos, também, que a referência à Monsanto e ao agrotóxico glifosato já se fazia
presente.

Em relação aos elementos da legislação invocados na ACP 01/2006/RS, o


princípio da precaução e da prevenção são a base legal do que se pleiteia, e, de forma
específica, podemos elencar os principais dispositivos jurídicos invocados pelo MPF de
Passo Fundo/RS. São eles: a Constituição da República, em seu artigo 225, caput, que
garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-o
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.

114
Fiscal da Lei ou Custos legis são termos que servem para descrevermos o Ministério Público e que fazem
parte do denominado jargão jurídico ou “juridiquês” como preferem alguns. Outra referência que podemos
encontrar em relação ao Ministério Público é o vocábulo de origem francesa denominado parquet que
provém da tradição francesa, inclusive, Lebouch, jurista francês, afirmou a existência de duas espécies de
magistraturas: a sentada, representada pelo Juiz, que trabalha sentado nas audiências e exerce suas funções
passivamente; e a magistratura de pé, representada pelo Parquet, que é o Ministério Público, que trabalha
em pé, uma vez que seria um órgão provocador, funcionando de forma ativa.

266
Aproveitamos para informar que esse é o único momento em que o termo futuras
gerações aparece, sendo acionado como objeto jurídico a ser tutelado nesta ACP que
também faz alusão ao princípio n. 15 da Declaração do Rio de Janeiro, mas não apresenta
expressa preocupação com o efeito da insegurança jurídica das sementes transgênicas
para parcelas etárias específicas da população, parecendo-nos que a preocupação com o
futuro da humanidade fica revelada através da invocação ao princípio da precaução e
prevenção que comporta de forma extensiva um certo vislumbre de preocupação com o
futuro da humanidade e a perpetuação da espécie. Destacamos, inclusive, referido trecho
da ACP que faz alusão a uma obra da doutrina jurídica ambiental do já mencionado autor
Paulo Affonso Leme Machado:

O ínclito pesquisador Paulo Affonso Machado ensina que o “princípio


da precaução, para ser aplicado efetivamente, tem que suplantar a
pressa, a precipitação, a rapidez insensata e a vontade de resultado
imediato. Não é fácil o confronto com esses comportamentos, porque
eles estão corroendo a sociedade contemporânea. Olhando-se o mundo
das Bolsas, aquilata-se o quanto a cultura de risco contamina os setores
financeiros e os governos, jogando na maior parte das vezes, com os
bens alheios. O princípio da precaução não significa a prostração
diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas equivale à
busca da segurança do meio ambiente, indispensável para a
continuidade da vida”. (sem destaque no original). (MPF, 2006, p.
32).

Mencionamos que a ausência da ACP 01/2006/RS do item anterior sobre uso de


produções técnico científicas se deve ao fato de que não encontramos referências a
pesquisas técnico-científicas que tratassem de engenharia genética, pois os estudos
apresentados na ACP são da ordem jurisprudencial e doutrinária, no tocante a pontos da
legislação e sua interpretação.

No que tange à menção do termo sustentabilidade e seus correlatos, informamos


que não encontramos nenhuma referência ao vocábulo ao longo das 43 páginas que
compõem a ACP 01/2006/RS.

Em relação a percepção de risco, temos a mesma alinhada aos já comentados


princípios da precaução e prevenção, mas não existe alusão a proposta de Ulrich Beck
sobre sociedade de risco ou similares. O mesmo ocorre em relação ao conceito de Justiça
ambiental ou menção a grupos de pessoas vulneráveis.

267
4.2.2 ACP 02/2013/MA

Referida ACP 02/2013/MA, conforme já detalhado no tópico 4.1.1, trata da falta


de adequada fiscalização no uso do glifosato, principalmente no cultivo de soja, no Estado
do Maranhão, bem como da falta de fiscalização quanto ao armazenamento irregular de
embalagens vazias do agrotóxico e irregular descarte das embalagens do herbicida.

Na seção “Do Direito”, a ACP, inicialmente, apoia-se na Lei n. 7.802/89 que trata
do ciclo de vida dos agrotóxicos e, em especial, nos artigos 3º e 6º que tratam do registro
de agrotóxicos e dos requisitos das embalagens, respectivamente, além dos artigos 9º e
12º que tratam das competências da União e da fiscalização do Poder Público. Após, foi
citado o Decreto n. 4.074/2002 que veio regulamentar referida Lei n. 7.802/89 e,
novamente, o MPF evoca a questão das competências, controle, inspeção e fiscalização -
Arts. 68 a 80A do referido Decreto e cuja reprodução dos artigos ocupam várias páginas
da ACP, mais especificamente, páginas de 16 a 20 com a reprodução dos textos legais.

Para efeitos do nosso estudo, destacamos o seguinte trecho da legislação acima


referenciada:

Lei n. 7.802/89 – Art. 3º [...] § 6º Fica proibido o registro de


agrotóxicos, seus componentes e afins:

[...] c) que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou


mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de
experiências da comunidade científica; d) que provoquem
distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor, de acordo com
procedimentos e experiências atualizadas na comunidade científica; e)
que se revelem mais perigosos para o homem do que os testes de
laboratório, com animais, tenham podido demonstrar, segundo
critérios técnicos e científicos atualizados; f) cujas características
causem danos ao meio ambiente.

Observamos que referido extrato jurídico se relaciona, em alguma dimensão, as


ideias preconizadas nos conceitos de futuras gerações e risco estudados em capítulo
próprio deste trabalho, ainda que isso não seja expresso pelo procurador da república em
nenhum momento, pois o mesmo aciona a legislação apenas em seu contexto operativo
ligado ao registro e fiscalização de agrotóxicos, objeto de sua ACP

Em relação à doutrina jurídica trazida na ACP 02/2013/MA, assim como na ACP


de 01/2006 /RS, que tratava dos transgênicos na FLONA de Passo Fundo/RS, traz-se,
novamente, o nome de Paulo Affonso Leme Machado, um dos primeiros pesquisadores

268
da área ambiental dentro do Direito, hoje promotor aposentado do Estado de São Paulo e
ainda combatente da área ambiental, tendo sido, inclusive, um dos idealizadores da Lei n.
6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente no país, primeiro marco
legal de uma proteção ambiental macro.

Todavia, a referência doutrinária a Paulo Affonso Leme Machado não toma mais
de um parágrafo das 27 páginas da ACP 02/2013/MA e reproduzimos na íntegra seu
trecho logo abaixo:
Nesse contexto, também Paulo Affonso Leme Machado pontua que “o
Poder Público precisa prevenir na origem os problemas de poluição e
de degradação da Natureza”, acrescentando que “o risco na produção
(da energia nuclear, por exemplo), na comercialização, no emprego de
técnicas (como biotecnologia) e de substâncias (como agrotóxicos),
tem que ser controlado pelo Poder Público (art. 225, §1º, V)” (sem
destaque no original). (MPF, 2013, p. 22).

Em relação à utilização do termo sustentabilidade e/ou desenvolvimento


sustentável, informamos que não encontramos nenhuma menção ao mesmo.

No que pertine à percepção de risco, não temos a presença de conceitos tratados


pelo sociólogo alemão Ulrich Beck ao longo da ACP, ainda que o termo seja encontrado
em alguns momentos na ação e até transcrito em alguns trechos já reproduzidos e que
tratam dos riscos ambientais da não fiscalização da utilização do glifosato e outros atos
correlatos que estruturaram boa parte da demanda proposta pela MPF.

Em relação a menção ao conceito de Justiça ambiental ser reconhecido,


percebemos que não há alusão formal ao termo, mas que o mesmo se faz presente através
dos dados técnico-científicos produzidos pelo relatório de pesquisa sobre conflitos
socioambientais do leste maranhense do Grupo de Estudos Rurais e Urbanos do Programa
de Pós- graduação em Ciências Sociais da UFMA e que informa que o cultivo da soja
com uso do glifosato, além de provocar graves problemas ambientais, promove a
precarização das condições de vida e de trabalho de milhares de famílias camponesas da
região do leste maranhense.

Assim, parece-nos que dentro da pluralidade semântica existente em relação ao


termo Justiça ambiental que aborda populações marginalizadas, tradicionais, excluídos
socialmente face aos prejuízos inerentes a uma política desenvolvimentista e
ecologicamente prejudicial (MADEIRA FILHO, 2002, p. 11), os camponeses do leste
maranhense poderiam vir a ser um exemplo de populações excluídas socialmente face ao
269
modelo agroprodutivo da região, ainda que tal categorização não seja expressamente
mencionada pelo procurador da república em nenhum momento de sua peça processual.

4.2.3 ACP 03/2014/DF e ACP 04/2014/DF

Inicialmente, destaca-se na construção de referidas peças processuais a seção


enumerada como “Violação aos Direitos Fundamentais de Proteção à Saúde Humana, à
Alimentação Adequada e ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado”, e busca-se,
em ambas ACPs, relacionar a não reavaliação toxicológica do 2,4-D e dos demais
ingredientes ativos parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram,
paraquate e glifosato, por parte da Anvisa, com a violação dos direitos fundamentais
acima elencados.

Assim, começam as ACPs a trazer as legislações que utilizarão para argumentar


sua linha de defesa afirmando que existem violações desses direitos e trazem,
primeiramente, o artigo 6º da Constituição Federal que, através de Emenda Constitucional
de 2010, elevou ao patamar de direitos fundamentais o direito à saúde. Notamos que a
mesma emenda trouxe a alimentação como direito social. Outro artigo da constituição
federal invocada pelo MPF é o 196, que trata do direito à saúde.115

Notamos, ao longo de ambas ACPs, que existem trechos de parágrafos idênticos,


haja vista, como já falamos, serem ações da lavra do mesmo procurador da república e
serem assinadas na mesma data. Um dos trechos idênticos em ambas ACPs, argumenta
que:

Impende destacar que as políticas sociais que visem à redução do risco


de doença e outros agravos são parte do núcleo essencial dos
deveres do Estado na garantia do direito humano fundamental à
saúde e à alimentação adequada.

Por outro lado, no que tange ao reconhecimento normativo


internacional da existência de um direito humano à saúde e à
alimentação adequada, o Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), adotado pela Assembleia

115
BRASIL. CF/88 - Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 64, de 2010);
BRASIL. CF/88 – Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

270
Geral da ONU em 1966 e ratificado pelo Brasil no ano de 1992
(promulgado pelo Decreto n. 591/1992), apresenta como um dos
principais instrumentos internacionais de proteção dos Direitos
Econômicos, Culturais e Sociais. Dentre os direitos sociais, o referido
Pacto consolidou o direito à alimentação e ao mais elevado nível de
saúde física e mental, com a seguinte previsão [...]. (sem destaque no
original). (MPF, 2014 a, p. 8-9; MPF, 2014 b, p. 12-13).

Na sequência dos argumentos acima trazidos, as ACPs reproduzem os artigos 11


e 12 do PIDESC – Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais116,
e relacionam referidos dispositivos legais com os fatos narrados nas peças processuais,
defendendo que, para a promoção do direito à saúde e alimentação enunciados nos artigos
mencionados, é direito da população exigir do Estado que realize ações efetivas para que
se alcance o mais alto nível de saúde física e mental, e que a saúde não deve ser
compreendida apenas como o direito de estar sadio. Em relação ao direito à alimentação,
argumentam que o comentário geral do PIDESC inclui o acesso estável e permanente a
alimentos saudáveis, seguros, sadios e em quantidade suficiente, além de culturalmente
aceitos, produzidos de forma sustentável e sem prejuízo para a implementação de outros
direitos para as presentes e futuras gerações.

Ainda na abordagem da legislação internacional, eles colacionam os artigos 10 e


12 do Protocolo de San Salvador117 (promulgado pelo Decreto n. 3.321/1999), e

116
PIDESC - Artigo 11 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um
nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia
adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão
medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância
essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
2. Os Estados Partes do presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar
protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas,
inclusive programas concretos, que se façam necessárias para: a) Melhorar os métodos de produção,
conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e
científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos
regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos
naturais; b) Assegurar uma repartição equitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às
necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de
gêneros alimentícios.
PIDESC - Artigo 12 - 1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de
desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.
2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno
exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:
a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento é das crianças;
b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente; c) A prevenção e o
tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas
doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso
de enfermidade.
117
Protocolo de San Salvador - Artigo 10 - Direito à saúde - 1. Toda pessoa tem direito à saúde, entendida
como o gozo do mais alto nível de bem-estar físico, mental e social; 2. A fim de tornar efetivo o direito à
saúde, os Estados Partes comprometem-se a reconhecer a saúde como bem público e, especialmente, a

271
argumentam que, após demonstrarem essas legislações nacionais e internacionais, não
resta dúvida de que o direito à saúde e à alimentação foram recepcionados como direitos
humanos fundamentais, e relacionam o acesso permanente e estável da população a
alimentos saudáveis e seguros com o direito à saúde, trazendo na sequência o artigo 225
da Constituição Federal que trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Mais
uma vez, as ACPs buscam mostrar que ao se assegurar o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, estão sendo protegidos, também, os direitos individuais à
vida e à dignidade humana e, por consequência, se estaria garantindo a promoção dos
direitos civis e econômico-sociais, aí incluídos o direito à saúde e alimentação adequada.

Comentamos em relação às argumentações do MPF em suas ACPs que a ideia do


direito à alimentação encontra-se presente, bem como o direito à saúde, conforme resta
claro na própria “letra da lei” dos artigos colacionados, entretanto não verificamos
qualquer ilação maior no que pertine aos conceitos de soberania alimentar, segurança
alimentar e nutricional, modelos agroprodutivos ou qualquer menção à solidariedade
intergeracional ou proteção de grupos minoritários, ainda que, por exemplo, o artigo 10
do Protocolo de San Salvador, em sua alínea “f” determine que, para que se efetive o
direito à saúde, os Estados-Partes comprometeram-se a reconhecer a saúde como bem
público e adotaram medidas para garantir este direito como a satisfação das necessidades
de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação de pobreza, sejam mais
vulneráveis.

Dentro do esposado pela legislação acima comentada, não pertenceriam as


crianças da primeira infância, bebês, mulheres grávidas, por exemplo, aos grupos de
diferenciada vulnerabilidade, conforme estudos já apresentados no capítulo anterior e
conceitos como justiça ambiental? Acreditamos que sim, todavia, parece-nos que o viés

adotar as seguintes medidas para garantir este direito: a. Atendimento primário de saúde, entendendo-se
como tal a assistência médica essencial colocada ao alcance de todas as pessoas e famílias da comunidade;
b. Extensão dos benefícios dos serviços de saúde a todas as pessoas sujeitas à jurisdição do Estado; c. Total
imunização contra as principais doenças infecciosas; d. Prevenção e tratamento das doenças endêmicas,
profissionais e de outra natureza; e. Educação da população sobre prevenção e tratamento dos problemas
da saúde; e f. satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por sua situação
de pobreza, sejam mais vulneráveis. (sem destaque no original).
Protocolo de San Salvado - Artigo 12 - Direito à alimentação - 1. Toda pessoa tem direito a uma nutrição
adequada que assegure a possibilidade de gozar do mais alto nível de desenvolvimento físico, emocional e
intelectual; 2. A fim de tornar efetivo esse direito e de eliminar a desnutrição, os Estados Partes
comprometem-se a aperfeiçoar os métodos de produção, abastecimento e distribuição de alimentos, para o
que se comprometem a promover maior cooperação internacional com vistas a apoiar as políticas nacionais
sobre o tema.

272
de abordagem do MPF é contundente, porém limitado a aspectos legislativos e técnico-
científicos.

A ACP 03/2014/DF, quando traz o artigo 225 da constituição federal, que


conforme já mencionamos, trata do meio ambiente ecologicamente equilibrado traz,
conjuntamente, a declaração de Estocolmo de 1972 que em seus princípios 1º e 2º 118
tratam, embrionariamente, da sustentabilidade, ao propor a preservação do meio ambiente
para as presentes e futuras gerações.

Observamos também que o MPF utiliza diversas vezes a menção à palavra risco,
sempre associando-a às consequências da não reavaliação toxicológica dos princípios
ativos que são objeto das ações em comento e sua relação com a saúde humana e meio
ambiente, ou seja, não há menção à construção sociológica esposada por Ulrich Beck e já
comentada em capítulo próprio deste trabalho, mas existe uma percepção de risco.

Ainda na seção “do Direito”, ambas ACPs se subdividem no item 6.2 que possui
o mesmo título: “Necessidade de Observância dos Princípios da Precaução, da Prevenção
e da Proteção da Saúde Humana”, e invocam a já referenciada Lei n. 7.802/89 – conhecida
como Lei dos Agrotóxicos e já arguida em outra ACP comentada neste capítulo, bem
como no Decreto n. 4.074/2002.

Na ACP 03/2014/DF, após tratar-se da Lei n. 7.802/89 e do Decreto n. 4.074/2002,


referida ação invoca a Lei n. 8.080/90 – Lei Orgânica da Saúde, que aparece pela primeira
vez nas ACPs, até então estudadas. A abordagem dessa legislação não é extensa e se dá
pelo viés dos princípios da precaução e prevenção.

Assim, o MPF advoga que, além dos requisitos de qualidade, eficácia e segurança
referentes às práticas e produtos de interesse da saúde, a Vigilância Sanitária deve fazer
valer, intransigentemente, o princípio bioético do benefício, além dos princípios da
prevenção e da precaução para que seja garantida a proteção da saúde da coletividade.

118
Declaração de Estocolmo – Princípio 1º - “(o) homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade
e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar
uma vida digna, gozar de bem-estar, e é portador solene de obrigação de melhorar o meio ambiente, para
as gerações presentes e futuras...”
Declaração de Estocolmo – Princípio 2º - “(o)s recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a
flora e a fauna e, especialmente, parcelas representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados
em benefício das gerações atuais e futuras...”.

273
4.2.4 ACP 05/2014/MT

Quando vislumbramos a estruturação da ACP acima, percebemos que muito do


que será tratado ao longo da ação é formalmente parecido, em argumentação técnica-
jurídica, com o já apresentado em outras ACPs estudadas até agora, pois no que tange à
legislação aplicável, princípios aplicáveis – precaução e prevenção e temas correlatos, já
tivemos contato em ACPs anteriores. Ademais, a ACP matogrossense é do ano de 2014,
datada 04 dias após a ACP 03/2014/DF e a ACP 04/2014/DF, ou seja, não apresenta um
lapso temporal significativo.

Apenas para relembrar, mencionamos que a presente ACP se deu contra o Estado
do Mato Grosso e o Instituto de Defesa Agropecuária - INDEA para impedir o uso de
agrotóxicos que contenham a substância benzoato de emamectina em sua composição.
Referida substância não possuía registro no Ministério da Agricultura para ser utilizado
no Brasil, e a Anvisa não indicava a utilização da substância, por conta de sua alta
toxicidade para a saúde humana, ao mesmo tempo em que o INDEA já havia recebido
pedidos para utilização de 63 toneladas do agrotóxico nas lavouras matogrossenses.

Em relação ao uso do termo sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável,


percebemos que não existiu uma preocupação em invocar-se o conceito de
desenvolvimento sustentável de maneira específica, não aparecendo sequer na menção da
legislação invocada. O mesmo acontece com a referência ao termo futuras gerações, que
não aparece explicitado, bem como os conceitos de solidariedade ou equidade
intergeracional, ainda que se mencione o artigo 225 da Constituição Federal que trata do
tema, bem como uma preocupação com saúde e meio ambiente e a potencialidade de
danos que podem vir a ocorrer por conta da liberação e não fiscalização do benzoato de
emamectina.

No que tange à percepção de risco como a proposta por Ulrich Beck, temos que a
palavra risco aparece muitas vezes ao longo das páginas da ACP 05/2014/MT, mas que
está sempre ligada às interpretações da legislação ou dos estudos técnico-científicos
adotados na ação como o Dossiê Abrasco e a obra de Flávia Londres, que tratam, de forma
específica, da relação entre agrotóxicos e seus desdobramentos e riscos para a saúde e
meio ambiente.

274
No tocante ao termo Justiça ambiental, temos uma citação da obra de Flávia
Londres na página 19 da ACP 05/2014/MT que menciona que as pessoas mais expostas
aos perigos da contaminação pelos agrotóxicos são aquelas que têm contato com eles no
campo e cita os aplicadores, preparadores de caldas e responsáveis por depósitos, que têm
contato direto com os produtos, bem como, os trabalhadores que têm contato indireto com
os venenos quando realizam suas atividades de colheita, roçados e similares. Referida
citação reconhece que tais grupos são alvos de grande risco, mas não adentra de forma
mais específica na questão e nem tece comentários mais aprofundados em relação à
percepção do risco e da construção social deste.

Em relação a legislação invocada, não há grandes inovações, sendo abordadas


algumas instruções normativas do MAPA, a lei de Agrotóxicos e seu decreto
regulamentador, já citados em outras ACPs estudadas, além de citarem a Lei n. 8.171/91
- Lei da Política Agrícola e o Decreto n. 5.741/06, que organiza o Sistema Unificado de
Atenção à Sanidade Agropecuária – SUASA. Em âmbito estadual, citam a Lei n.
8.588/2006 e seu decreto regulamentador n. 1.651/2013 que trata da temática de
agrotóxicos no Estado do Mato Grosso.

Finalmente, é possível concluir, até o presente momento, o quanto a busca por


uma decisão judicialmente favorável é acionada por parte dos mais diversos procuradores
do MPF em uma base técnico-científica, muito mais do que em uma base conceitual de
termos como sustentabilidade, riscos, justiça ambiental e futuras gerações ou até mesmo
em bases doutrinárias e jurisprudenciais.

Percebemos que os procuradores subscritores das ACPs estudadas desejam


demonstrar que, ainda que não se tenha certeza sobre a potencial contaminação do meio
ambiente, nutrição e saúde humana por agrotóxicos, na dúvida, é preciso agir de forma
precautória, o que implica na fiscalização do uso de glifosato, suspensão de ingredientes
ativos de agrotóxicos de farta comercialização no país como o 2,4-D e outros ingredientes
ativos, além da regulamentação do uso de pesticidas em casos de emergências
fitossanitárias, como parece demonstrar a situação externalizada pelo uso de benzoato de
emamectina, entre outras situações tratadas nas ACPs.

Parece-nos que a dúvida no MPF não reside no fato de que “o agro seja tech ou
que o agro seja pop”, pois o arcabouço técnico-científico utilizado nas ACPs entra em

275
consonância com estudos que tratam das revoluções agroprodutivas e o alto consumo de
agrotóxicos no país e seu modelo monocultor. A questão a ser respondida pelo MPF,
assim como a de estudos técnicos do capítulo anterior, aparenta ser: o agro é tóxico em
níveis comprometedores ao meio ambiente, saúde humana e segurança alimentar? Em
caso positivo, ou em caso de dúvidas, podemos continuar a arriscar direitos em nome de
potenciais suspeitas?

A seguir, acompanharemos as decisões judiciais das ACPs em comento, bem


como o uso que juízes fazem de produções técnico-científicas e dos termos em estudo no
presente capítulo em sua relação com os agrotóxicos na instrumentalização de suas
posições.

4.3 DECISÕES JUDICIAIS: USO DE PRODUÇÕES TÉCNICO-CIENTÍFICAS E


USOS E CONTEXTOS DOS TERMOS SUSTENTABILIDADE, RISCO, JUSTIÇA
AMBIENTAL E FUTURAS GERAÇÕES.

Conforme já informado previamente, as decisões de 1ª instância também serão


objeto de análise de referidas ACPs para que seja possível vislumbrar se os discursos de
referidas instâncias jurídico-operativas se coadunam ou se rechaçam no que tange ao uso
de produções técnico-científicas no embasamento de suas peças processuais, bem como
no uso e contexto que se fazem dos termos nominados no título deste tópico.

4.3.1 Decisão e Sentença ACP 01/2006/RS

Começamos informando que, ao final da ACP 01/2016, foram realizados os


seguintes pedidos:

Procedência da ACP e requerimento dos efeitos da tutela


antecipada para que o IBAMA em um prazo de 20 (vinte) dias
apresente os limites territoriais do entorno da FLONA contidos no
raio de 10 Km (dez quilômetros) e a identificação das propriedades e
respectivos proprietários contidas nesses limites, impondo multa diária
de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); 2º) dentro desse prazo de 20 (vinte)
dias, forneça essas informações para a União; e 3º) após o cumprimento
da obrigação de fazer descrita no 1º item, publique, em um prazo de 10
(dez) dias, no Diário Oficial da União e nos jornais de grande circulação
dos Municípios atingidos pela área de vedação, os limites territoriais
do entorno da FLONA onde é vedado o plantio de soja transgênica
por três vezes dentro de uma semana; e que seja determinado à União
e ao IBAMA que apresentem, dentro de suas esferas de competências,
em um prazo de 30 (trinta) dias, a contar da informação do IBAMA,
276
um plano de fiscalização sobre a área vedada ao plantio de soja
transgênica no entorno da Floresta Nacional de Passo Fundo
(FLONA), sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
(sem destaque no original). (MPF, 2006, p. 41-42).

Em relação à presente ACP analisada, o processo recebeu o n. 2006.71.04.004855-


5/RS119, sendo exarada, na data de 01 de agosto de 2006, através do juiz federal substituto,
Rodrigo Becker Pinto, a seguinte decisão inicial: “Vindas as respostas, ou decorrido o
prazo, retornem os autos conclusos para apreciação do pedido de liminar. Intimem-se.”

A sentença no juízo de Passo Fundo – 1º grau de jurisdição foi prolatada,


entretanto, apenas na data de 01 de abril de 2008, sendo da lavra do mesmo juiz federal
substituto, Rodrigo Becker Pinto, o qual no ano de 2006 indeferiu o pedido liminar do
MPF, que entrou com um recurso denominado agravo de instrumento, autuado sob n.
2006.04.00.030510-0 no TRF da 4ª. Região e que teve deferida a antecipação da tutela
recursal.

Após a “reforma” de sua decisão, o já citado juiz federal julgou procedente o


pedido veiculado pelo MPF contra o IBAMA e condenou referido órgão a: 1) realizar a
delimitação e demarcação da faixa de 500 metros em projeção horizontal a partir do seu
perímetro; identificar todas as propriedades rurais e respectivos proprietários abrangidos
pela faixa limite de 500 metros; dar publicidade no Diário Oficial da União e em jornais
de circulação nas cidades abrangidas, nos termos da fundamentação; apresentar plano de
fiscalização do cultivo e produção da soja transgênica na faixa delimitada e demarcada.
2) condenar a União, nos âmbitos dos seus Ministérios da Saúde, da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento e do Meio Ambiente, a, de posse das informações fornecidas pelo Ibama,
apresentar plano de fiscalização do cultivo e produção da soja transgênica, nos moldes
dos artigos 1º e 16 da Lei n. 11.105/2005.

A última movimentação processual da ACP 01/2006/RS data de 29 de fevereiro


de 2016 e é da lavra do Juiz Federal Substituto na Titularidade Plena, Bruno Polgati Diehl,
e trata-se de decisão que determina que após ter vistas da última manifestação da União,

119
Referido processo pode ser consultado através do número referenciado no site:
<https://www2.jfrs.jus.br/>.

277
o MPF peticiona (fls. 1670-1671)120 requerendo, em vista do cumprimento integral dos
termos acordados, o arquivamento do processo.

Na sentença, em relação aos termos pelos quais nos referenciamos, temos que a
expressão “futuras gerações” aparece apenas quando é citado o artigo 225 da Constituição
Federal, não se aprofundando o questionamento sobre a segurança do modelo
agroprodutivo desenvolvido na região, mas apenas mencionando-se, na parte denominada
“Relato”121 da sentença, os argumentos trazidos pelo MPF em sua ACP.

O conceito de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável não aparece


evocado em nenhum momento da sentença, bem como o conceito de Justiça Ambiental
ou referência a grupos de populações vulneráveis. Em relação ao termo “risco”, o mesmo
encontra-se albergado na percepção dos princípios da precaução e prevenção, invocados
pelo MPF em sua ACP e também recepcionados pelo juízo federal em sua sentença, sem
maiores inovações, o mesmo ocorrendo com a legislação invocada.

Não se demonstraram nas decisões judiciais e na sentença, assim como na ACP


que a motivou, a inserção de estudos técnico-científicos sendo acionados como elementos
formadores de convicções das partes.

4.3.2 Decisão ACP 02/2013/MA

A ACP, presentemente analisada, recebeu o n. de processo: 20849-


29.2013.4.01.3700/MA122 e na data de 21 de maio de 2013 foi proferido o seguinte
despacho inicial: “faculto a manifestação prévia dos representantes judiciais da União,
do Estado do Maranhão e da Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Estado do
Maranhão - AGED no prazo de 72h.”

Houve manifestações prévias da União e AGED, e o Estado do Maranhão deixou


o prazo transcorrer sem manifestação. Na data de 24 de julho de 2013, através do juiz

120
Observamos que em pouco mais de 10 anos, o processo já ultrapassou as 1500 páginas, o que parece ser
revelador de que, desde o início das ACP’s escolhidas pelo GT de Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR
do MPF, os temas são densos e se prolongam no tempo e no espaço.
121
O elemento “relato”, assim como os “fundamentos” e “dispositivo” são partes legalmente obrigatórias
na elaboração de uma sentença.
122
A movimentação processual pelo número da presente ação pode ser conferida no site do TRF 1, no
seguinte endereço eletrônico: <http://processual.trf1.jus.br/consultaProcessual/processo.php>. Acesso em:
23 de agosto de 2017.

278
federal substituto, Caio Castagine Marinho, foi proferida a seguinte decisão inicial:
“decisão com deferimento de tutela definida em partes”.

No relatório da decisão inicial, destacamos o seguinte trecho que remete às


respostas iniciais da União e da AGED ao reportado pela ACP 02/2013/MA do MPF. Em
síntese, a AGED relatou que realiza seu trabalho de fiscalização de maneira regular e que
não é responsável pelo controle de licenciamento ambiental ou do lançamento de produtos
agrotóxicos por via aérea. A União se manifestou como parte ilegítima da demanda,
sustentando que sua atuação é supletiva e que, portanto, estaria responsável, apenas, pelo
suporte aos demais responsáveis pela fiscalização. O estado do Maranhão, conforme já
relatamos, não se manifestou.

Comentamos que as respostas das partes que integram o polo passivo da presente
demanda chegam a ser pueris, pois a impressão que nos passam é de que a AGED informa
estar plenamente em dia com suas obrigações, enquanto a União parece tentar mandar o
recado de que “não tem muito o que fazer” em relação à problemática exposta pelo MPF
em sua ACP 02/2013/MA.

Serão os argumentos acima esposados acolhidos pelo juízo federal?


Reproduzimos abaixo trecho da decisão inicial para melhor vislumbre da questão:

Parece fora de dúvida, pois, que a utilização indevida dessa


substância - sem a competente fiscalização dos órgãos de proteção
do meio ambiente e de controle agrícola - vêm comprometendo o
equilíbrio e a qualidade de ecossistemas em vários municípios deste
estado. Sobreleva registrar que a ausência de atuação estatal
envolve órgãos e entidade de todas as esferas da Federação. Nesse
sentido, parece ser inegável a responsabilidade ambiental da União,
bem assim sua legitimidade para figurar no polo passivo desta ação.

Malgrado o caráter supletivo de sua atuação esteja estabelecido em lei


(Lei n. 7.802/89, art. 12), - não se me afiguro possível a interpretação
do comando legal em contraposição à Constituição Federal - que
esclarece ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a
poluição sob qualquer de suas formas. (sem destaque no original) (CF,
art. 23, VI). (DECISÃO INICIAL. PROCESSO N.: 20849-
29.2013.4.01.3700, 2013, p. 7).

O juiz continua argumentando em sua decisão que pareceria desarrazoado concluir


que, diante da omissão de estados e municípios, estaria também a União isenta do dever
de agir e apoia seu entendimento em decisão jurisprudencial do Superior Tribunal de

279
Justiça123. O magistrado continua sua linha de convencimento informando que é visível o
risco de dano ao meio ambiente e a outros interesses difusos e que é preciso, através da
jurisdição, assegurar a eficácia e a integridade dos direitos fundamentais - proteção ao
meio ambiente, à integridade física e à vida de um elevado número de pessoas, e considera
o manejo da ACP 02/2013/MA como instrumento adequado à proteção de referidos
direitos fundamentais, sobretudo por causa da alta significação ambiental e segurança
pública de tal atuação.

Na decisão, o magistrado também reconhece a urgência que reside no comprovado


risco que a omissão do Poder Público pode provocar à consolidação de uma situação de
gravíssima degradação ambiental, qual seja, a continuidade do uso incorreto de substância
agrotóxica, que comporta perigo elevado ao ecossistema local e à saúde humana.

Em relação ao uso das produções técnico-científicas para fins de decisão judicial


inicial na ACP 02/2013/MA, observamos que o juiz também aciona elementos técnicos-
científicos na operacionalização de sua decisão, pois fez menção em seus argumentos de
que os relatórios de fiscalização, os pareceres e trabalhos científicos que acompanham a
petição inicial e os apensos da ACP 02/2013/MA consubstanciam a necessidade de se
determinar a antecipação de parte dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida pelo MPF.

Assim, apesar de reconhecer referidos dados científicos e outros pedidos do MPF,


o magistrado entende que a tutela não deve ser concedida em sua totalidade em referido
momento processual, mesmo se mostrando ciente do teor técnico esposado nos relatórios
que ele mesmo referencia, pois afirma entender que seja viável o desenvolvimento do
empreendimento quando demonstrado, no licenciamento ambiental a ser realizado, que o
produtor vem utilizando o produto nos limites idealmente estabelecidos e, assim, passa as
suas considerações e deferimentos que reproduzimos a seguir:

[...]. Com tais considerações, DEFIRO o pedido de antecipação parcial


dos efeitos da tutela jurisdicional para DETERMINAR: I- União, à
AGED e ao Estado do Maranhão, que promova no prazo de 180

123
Mencionamos que é comum ao “modus operandi” do universo jurídico ou campo jurídico (Bourdieu)
seja por parte de advogados, membros do ministério público ou juízes a utilização das jurisprudências dos
tribunais superiores – STJ e STF, principalmente e TST para o caso da justiça do trabalho, como elementos
basiladores de sua produção documental de petições, decisões, sentenças e similares, sempre acompanhadas
da doutrina – que são os estudos feitos por mestres e doutores da área que alguns denominam por ciência
jurídica. As jurisprudências nada mais são do que a manifestação daquilo que é interpretado e decidido
pelos Tribunais em relação a determinados aspectos. No caso mencionado, o juízo de primeiro grau evoca
a posição do STJ para basilar seu entendimento de que a União tem sim responsabilidade e, portanto,
legitimidade para ser parte passiva na presente ACP.

280
(cento e oitenta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$
30.000,00 (trinta mil reais), o levantamento das condições das
lavouras de soja e demais culturas agrícolas que empreguem o
herbicida Glifosato no Estado do Maranhão, relatórios de vistorias
em todas elas e estudos técnicos necessários a definição da
contaminação do solo e em corpos hídricos afetados pelo lançamento
do herbicida, com as medidas de correção pertinente; II) à União e ao
Estado do Maranhão, que realizem. no mesmo prazo e sob pena de
incidência da mesma multa diária do item anterior, análise de
resíduos de Glifosato nos produtos de origem vegetal, a fim de
monitorar a presença excessiva do referido agrotóxico; III) ao
Estado do Maranhão, que no procedimento de concessão de novas
licenças ambientais, ou renovação dos anteriormente concedidas
aos empreendimentos agrícolas que façam uso do herbicida
Glifosato observe as seguintes condicionantes/requisitos: a.
constatação, da utilização do Glifosato anteriores dentro dos limites
ideais (...); b. demonstração de correto descarte das embalagens
utilizadas, conforme dispõe as normas legais sobre o tema; c. vedação
da utilização do uso de aeronaves na aplicação do Glifosato.

A inobservância dessas condições implicará a aplicação de MULTA ao


Estado do Maranhão, no valor de RS 100.000.00 (cem mil reais) para
cada licença ambiental irregularmente concedida, sem prejuízo do
exercício do poder-dever de fiscalização pelos demais órgãos de
proteção do meio ambiente. À União e ao Estado do Maranhão, que
não admita o usa de aeronaves para aplicação de herbicida
Glifosato, inclusive adotando medidas de fiscalização e controle
pertinentes pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e
comunicando à situação à Agência Nacional de Aviação Civil -
ANAC (após levantamento da situação), para adoção de eventuais
providências de controle sobre a aviação. (sem destaque no original).
(DECISÃO INICIAL. PROCESSO n.: 20849-29.2013.4.01.3700,
2013, p. 9-11).

Observamos, da decisão acima exarada, que os pontos nevrálgicos de


argumentação giraram em torno da fiscalização, licenciamento, pulverização aérea, não
admitida pelo magistrado como adequada para aplicação do glifosato e descarte correto
de embalagens de agrotóxicos.

Percebemos que, até aqui, não apareceu nenhuma terminologia que nos remeta a
aos termos de análises que nos propusemos. Assim, ainda que se fale de risco e saúde
humana e proteção ambiental, parece haver carência de um maior enfrentamento jurídico
ou sociológico de conceitos como risco (Beck), justiça ambiental, sustentabilidade e
proteção das presentes e futuras gerações.

A última movimentação processual da ACP 02/2013/MA data de 19 de julho de


2017 e refere-se a uma petição do MPF que não possuímos acesso ao teor pelo fato do

281
documento do processo não se encontrar disponibilizado digitalmente. Atualmente o
titular da vara onde corre o processo é Ricardo Felipe Rodrigues Macieira.

4.3.3 Decisão ACP 03/2014/DF

Optamos pela separação da análise de decisões das ACPs 03/2014/DF e


04/2014DF, haja vista a tramitação se dar em varas diferentes e as decisões serem
originadas de juízes diferentes. Assim, em relação à ACP 03/2014/DF, a mesma foi
distribuída para a 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal e recebeu o
número de processo: 0021371-49.2014.4.01.3400.

A primeira decisão ocorreu na data de 23 de abril de 2014 por parte do juiz federal
em auxílio na 7ª Vara, José Márcio da Silveira e Silva, que apresentou sua decisão em
pouco mais de 03 páginas.

Em exatos 04 parágrafos, o juiz sintetizou o conteúdo de 28 páginas da ACP


03/2014/DF e trouxe informações de que o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos
para Defesa Vegetal – Sindiveg e da FMC Química do Brasil Ltda foram admitidos como
assistentes litisconsorciais das rés. Também informou que o MPF reiterou o pedido de
antecipação dos efeitos da tutela através de nova petição, onde carreou vários estudos
científicos e notas técnicas sobre as características teratogênicas, carcinogênicas e
mutagênicas dos ingredientes ativos em questão.

Após seu sucinto relato, o juiz passa a sua decisão, que passamos a reproduzir em
sua quase totalidade na citação abaixo, onde afirma que:

Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela faz-se necessária


a presença da verossimilhança, suportada pela prova inequívoca do
direito alegado, além do fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação.

Nenhum dos requisitos se configura, apesar do zelo demonstrado


pelo MPF ao tratar de matéria tão sensível. A suspensão dos
registros dos produtos que se utilizam dos ingredientes ativos
mencionados é decisão que demandaria fortes e inequívocos
elementos no sentido de evidenciar prejudicialidade alarmante à
saúde humana em primeira consideração. Não é o que ocorre,
entretanto. Tais produtos vêm sendo utilizados nas lavouras
brasileiras há muitos anos sem registros notórios de danos à saúde.
A determinação de suspensão dos registros pela Anvisa requer
estudo aprofundado, de ordem técnico-científica, a qual não pode
ser abreviada por decisão em âmbito antecipatório.

282
Além disso, a própria Anvisa, em sua manifestação prévia, reforça a
necessidade de longo prazo de análise, cercado das cautelas de
reavaliação toxicológica está em pleno curso, e uma decisão judicial
precipitada traria prejuízos não só para a indústria de defensivos
agrícolas, como, também, para os agricultores, que utilizam tais
produtos ao longo de anos e não contariam com a reposição de
outros, em substituição, em curto prazo de tempo.

Em síntese, medida tão drástica e com imensa repercussão em todo


o setor agropecuário não se coaduna com a precariedade da decisão
a ser adotada neste momento processual. É necessário aguardar a
formação do contraditório. Ante o exposto, DENEGO A
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. Admito o ingresso
do Sindiveg e da FMC Química do Brasil Ltda como assistentes
litisconsorciais das rés. Intimem-se as empresas elencadas às fls. 13
verso a 15 verso (à exceção da FMC) sobre seu interesse em ingressar
na ação. Publique-se. Intimem-se e citem-se as rés.

Após a leitura do trecho decisório acima, temos a impressão de que os argumentos


técnico-científicos tão apaixonadamente advogados pelo MPF em sua ACP 03/2014/DF
não são vistos com o mesmo ardor por parte do juiz federal, que se limita a afirmar que,
apesar do zelo do MPF, não conseguiu vislumbrar os elementos necessários para que se
concedesse a tutela requerida e determinasse, assim, a suspensão dos 8 ingredientes ativos
objetos da ACP até o período de finalização de sua reavaliação toxicológica pelo órgão
competente.

Referido trecho decisório é revelador também do fato de que o magistrado não


buscou acionar estudos técnico-científicos que se contrapusessem às pesquisas apontadas
pelo MPF em sua peça processual e nem mesmo buscou alguma forma de perícia ou
estudo independente que pudesse guiá-lo a um caminho decisório que contemplasse o
elemento técnico em seu convencimento judicante.

Outro ponto que nos chamou a atenção na análise de referida decisão, é o fato de
que em nenhum momento o juiz chama agrotóxicos de agrotóxicos, como esposado em
toda a ACP 03/2014/DF do Ministério Público Federal, pois percebemos a utilização de
termos como defensivos agrícolas e produtos, o que parece deixar transparecer um certo
entendimento de que, para o magistrado, talvez, a ideia da toxicidade dos elementos
utilizados nas lavouras brasileiras seja tida como um tanto quanto exagerada, sendo mais
seguro encampar a expressão utilizada pelos setores do agronegócio. Corroborando tal
entendimento, temos o trecho no qual o decisor informa que: “tais produtos vêm sendo
utilizados nas lavouras brasileiras há muitos anos sem registros notórios de danos à
saúde.”

283
Percebemos ainda, pela curta decisão judicial, que não são concedidas muitas
justificativas em relação a não consideração dos elementos técnico-científicos carreados
pelo MPF nos autos da ação em questão, todavia parece ser esposada uma preocupação
de viés econômico, pois o magistrado afirma que referida decisão favorável à suspensão
dos defensivos agrícolas geraria prejuízos a indústria produtora e também aos
agricultores.

Outro ponto que nos causou curiosidade é porque antes da determinação de citação
e intimação das partes rés, o Sindiveg – Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para
Defesa Vegetal e a FMC Química do Brasil Ltda já se apresentavam como assistentes
litisconsorciais das rés, mesmo sem citação ou intimação formal, como ficaram sabendo
da demanda? Estariam de sobreaviso desde, provavelmente, a instauração do Inquérito
Civil? O nome do Sindicato também chama a atenção, Sindicato de Defesa Vegetal, ou
seja, não se busca o nome agrotóxico, mas a aparência de “defesa vegetal” contra as
pragas nas lavouras do país.

No desdobramento processual da demanda, temos que a disputa não acabou na 1ª


decisão denegatória de 23 de abril de 2014, pois o MPF reiterou, mais uma vez, os pedidos
de antecipação da tutela no ano seguinte, desta feita informando em sua petição que
ocorreu o banimento de dois ingredientes ativos pela Anvisa: o forato e a parationa
metílica. O primeiro por meio da RDC n. 12, de 13/3/2015, e o segundo, por meio do
Despacho n. 84 da Diretoria Colegiada da Anvisa, e o reconhecimento, pela Organização
Mundial da Saúde – OMS, por intermédio da International Agency for Research on
Cancer - Iarc, em março de 2015, de que o glifosato é, muito provavelmente, causador de
câncer em seres humanos, informação proveniente dos Centros de Informações
Toxicológicas dos três estados da Região Sul do País, que registram inúmeros óbitos
causados pelos ingredientes ativos objeto da RDC n. 10/2008.

A nova decisão diante da reiteração de pedido do MPF na ACP 03/2014/DF foi


exarada em 22 de junho de 2015 e, desta feita, foi da lavra da juíza federal substituta da
7ª Vara Federal, Luciana Raquel Tolentino de Moura. Também é uma decisão sucinta e
sustenta que:

O MPF informou, às fls. 1.508, o banimento de dois dos ingredientes


ativos objeto desta ação. Assim, o ingrediente forato teve seu banimento
regulado pela RDC n. 12 de 13/3/2015, e o ingrediente parationa
metílica, por meio do Despacho n. 84 da Diretoria Colegiada da Anvisa,

284
aprovada a proposta de RDC para regular seu banimento [...] Quanto a
esses dois ingredientes, portanto, fica evidenciada a perda
superveniente do objeto, considerando que já não há mais interesse
processual pela reavaliação toxicológica, posto que realizada.
Subsistem, no entanto, os outros seis ingredientes ativos, cuja
reavaliação toxicológica encontra-se em andamento. Neste particular,
a Anvisa informou, em manifestação prévia, que pretendia finalizar
os processos de reavaliação até julho de 2015 (fls. 246). Embora tal
prazo, estabelecido pela própria Anvisa, esteja próximo de seu
termo, não se pode ignorar que esta ação prolonga-se por mais de
quatorze meses, tendo como resultado concreto o banimento de
apenas dois dos oito ingredientes ativos sujeitos à reavaliação e,
destes dois, um aguarda a publicação da regulamentação há quase
seis meses. Considerando, ainda, as novas notas técnicas, que
abrangem os ingredientes lactofem, carbofurano, abamectina,
tiram e paraquate, com recomendação de banimento em todos os
casos, urge que a Anvisa, como órgão de especial atuação em todos
os setores relacionados a produtos e serviços que possam afetar a
saúde da população brasileira, finalize os processos de reavaliação
toxicológica, os quais se arrastam desde o ano de 2008.

No que se refere à interrupção de concessão de novos registros de


produtos que contenham tais ingredientes, entendo que ainda seria
prematuro determiná-la, devido à ausência efetiva de certeza
técnico-científica, decorrente das reavaliações ainda não
finalizadas e do impacto considerável para a
agricultura do país.
Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE A
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA apenas para
determinar à Anvisa que finalize os processos de reavaliação
toxicológica dos ingredientes ativos glifosato, lactofem,
carbofurano, abamectina, tiram e paraquate no prazo máximo de
noventa dias, findos os quais deverá informar este Juízo sobre o
resultado alcançado.

Apesar de não negar totalmente a antecipação dos efeitos da tutela, mais de um


ano após a primeira decisão denegatória, parece-nos que a mudança de juízo, a inserção
de novos dados técnico-científicos e até o banimento de 02 dos 08 ingredientes ativos
objetos da ACP 03/2014/DF, não se mostraram suficientes para a suspensão dos demais
ingredientes ativos, ainda que a própria juíza mencione que o processo de reavaliação da
ANVISA “se arrasta desde o ano de 2008”.

Além disso, mesmo considerando que existam novas técnicas capazes de auferir
a toxicidade dos elementos objetos da ACP, a juíza entende que a totalidade de estudos
técnico-científicos trazidos pelo MPF é ainda insubsistente, sem maiores explicações
sobre a base em que ela se sustenta para auferir tal convencimento sobre a subsistência
ou não de estudos científicos da própria OMS – Organização Mundial da Saúde, através

285
da sua agência de combate ao câncer – Iarc, entre outros, como é o caso da ACP em
comento.

Mais uma vez, vemos repetir-se o discurso de preocupação com a suspensão de


referidos ingredientes ativos e a agricultura do país, bem como o tratamento dos
agrotóxicos pelo termo “ingredientes”, sem maiores fundamentações para referida
inquietação ou decisão por parte da magistrada, que, paradoxalmente, parece se inquietar
com a queda da produção agrícola, mas não com os riscos colacionados pelo MPF em sua
ação. E, assim, concede-se os efeitos da tutela, apenas, de forma parcial para que a Anvisa,
no prazo máximo de 90 dias, apresente reavaliação toxicológica.

O processo em análise teve seu último despacho em 23 de março de 2017, onde a


mesma juíza, Luciana Raquel, solicitou que a Anvisa fosse intimada para que, no prazo
máximo de 10 dias, comprovasse o cumprimento da decisão exarada anteriormente.
Notemos que dos 90 dias anteriormente concedidos, passaram-se quase 02 anos, ou mais
de 600 dias de prazo, e quase 10 anos entre o período de início das reavaliações
toxicológicas em 2008.

Até o fechamento deste capítulo, em janeiro de 2018, fizemos uma rápida busca
ao site da Anvisa, onde foi possível encontrar um link com o seguinte questionamento:
“quais reavaliações encontram-se em andamento na Anvisa?”, vindo logo abaixo a
resposta de que, atualmente, há seis reavaliações toxicológicas em andamento, dos
seguintes ingredientes ativos de agrotóxicos: Determinada pela RDC 124A/2006: n-
Ácido 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D) e Determinada pela RDC 10/2008: Abamectina,
Carbofuran,Glifosato, Tiram e Paraquate.124

Integram a parte ré da presente ação a Anvisa, a Monsanto, o Sindiveg, a Nortox,


a FMC Química e a Associação Brasileira dos Produtores de Soja – APROSOJA.

Em relação aos questionamentos sobre usos e contextos dos termos de análise,


temos que sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável não se encontram
mencionado pelos magistrados, assim como não há referência à proteção das presentes e

124
Maiores informações podem ser vistas no site da ANVISA, setor de regularização de produtos –
Agrotóxicos. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/registros-e-
autorizacoes/agrotoxicos/produtos/reavaliacao-de-agrotoxicos>. Acesso em: 27 ago. 2017.

286
futuras gerações. Quanto à percepção de risco, apenas, menciona-se o risco inerente aos
insumos químicos e nada é acionado em relação a proposta feita por Ulrich Beck.

Sobre o termo Justiça ambiental ou reconhecimento de grupos minoritários, não


observamos referências, ainda mais por se tratarem de decisões enxutas, conforme já
mencionamos ao longo deste tópico. Chamamos a atenção para o fato de que, em relação
à legislação acionada, não percebemos preocupação em justificar juridicamente ou rebater
com legislação os argumentos legais trazidos pelo MPF, por parte dos magistrados, o que
seria apropriado aos aspectos técnico-jurídicos da processualística da seara do Direito.

4.3.4 Decisão ACP 04/2014/DF

No que pertine à ACP que tratou da substância ativa 2,4-D, a primeira decisão
data de 04 de abril de 2014 e se apresenta em 12 páginas, sendo da lavra do juiz titular da
de 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, Jamil Rosa de Jesus Oliveira.
Referido ação ganhou o seguinte n. de processo: 0021372-34.2014.4.01.3400.

A decisão traz 04 páginas de relatório e informa que a União foi intimada a se


manifestar sobre o pedido de tutela antecipada feito pelo MPF e o relatório da decisão
comporta os argumentos da ACP 04/2014/DF- que já conhecemos e os argumentos da
União que passaremos a tratar agora.

Diz a União, em sua resposta, que o 2,4-D é uma das substâncias químicas mais
estudadas no mundo e que está registrado em mais de 70 países e também informa que o
MPF se equivoca quando associa o 2,4- D ao “agente laranja” que é o 2,45-T, sendo esse
componente jamais utilizado na agricultura brasileira. Informa, ainda, que a Justiça
Federal do Paraná julgou improcedente pedido idêntico ao exposto na ACP 04/2014/DF,
sendo produzida, segundo a União, prova pericial conclusiva no sentindo de que o 2,4-D
não causa danos aos lençóis freáticos e tampouco às águas superficiais e que não existem
evidências de seu caráter teratogênico, carcinogênico e nenhum perigo ao meio ambiente
ou à saúde humana.

Por fim, aduz a União no relato da decisão, ora examinada, que não estão presentes
elementos para a não concessão da tutela e destaca que existe um alto uso do 2,4-D nas
culturas de soja, cana-de-açúcar, milho, trigo, arroz, café, assim como nas pastagens,
arguindo que toda a população brasileira que depende da produção agrícola seria
287
absurdamente prejudicada, no caso de concessão de liminar, além dos prejuízos de
enorme conta causados para o país.

Antes de adentrarmos na parte que revela a decisão do juiz, comentamos a defesa


da União que, pelas argumentações acima expostas, parece não compactuar da mesma
pretensão precautória levantada pelo MPF em sua ACP 04/2014/DF, ao deixar
transparecer a ideia de que se satisfaz com o fato de haver uma enormidade de estudos
sobre o 2,4-D no mundo, bem como na alusão que faz à decisão judicial que traz “perícia
conclusiva” em ação julgada improcedente pela Justiça Federal do Paraná. Em tempos de
tantas novidades e avanços científicos, a ideia de que uma perícia conclusiva em um
processo possa servir como “perícia conclusiva” para outras ações judiciais, parece
projetar a ideia de que, ao usar dados técnico-científicos, a União lhes fornece um
tratamento um tanto quanto conservador, semelhantemente ao que acontece na
aplicabilidade de diversos mecanismos legais de nosso ordenamento jurídico, que, por
vezes, podem ter seu entendimento e operatividade mantido por décadas, cite-se, apenas
como exemplo ilustrativo, o direito ao divórcio, surgido apenas no final da década de 70
no país.

A questão da dependência da produção brasileira dos insumos químicos, ventilada


pela União, sem diferenciação quanto a base agrofamiliar ou agroindustrial demonstra o
quanto o elemento econômico pesa nas argumentações de determinados setores que
discutem judicialmente a questão. Assim, passemos a análise da decisão do magistrado já
comentada, para que mais alguns pontos que giram em torno da problemática que se
estuda possam se aclarar.

O magistrado inicia sua decisão informando que considera “absolutamente


louvável a preocupação do Ministério Público Federal, à vista da iniciativa da Agência
Nacional de Vigilância Sanitária de proceder a reavaliação toxicológico do 2,4-D”, mas
que referida ação não tem o condão de desencadear medidas de suspensão de
comercialização do produto, além de sua utilização na agricultura brasileira, pois
considera que “não há nada indicativo de que este produto deva ter seu uso
imediatamente proibido no país”(decisão de 04 de abril de 2014, item 12, p. 04).

Prossegue informando que os estudos e opiniões que basilaram a ação do MPF


não são conclusivos no sentido de que o 2,4-D possua níveis de toxicidade acima dos

288
níveis permitidos para os seres humanos e para o meio ambiente, e assim como as decisões
da 7ª vara federal em ACP correlata – ACP 03/2014/DF, diz o magistrado que: “Os
estudos e opiniões em que o Autor se baseou para requerer a providência de suspensão
dos registros não são conclusivos no sentido de que referido produto tem sua toxicidade
acima dos níveis considerados seguros para o ser humano e o meio ambiente, em ordem
a reclamar uma tão drástica medida, sobretudo se se considerar seu uso há tanto tempo
no país e sem notícias ministradas pelo Autor no seu manuseio ou em decorrência do seu
uso na agricultura, que podem correr aqui e ali, como ocorrem com outros produtos
tóxicos, perigosos e inflamáveis” (decisão 4 de abril de 2014, item 13, p. 05).

Nos itens 14 a 16 o magistrado apresenta as posições antagônicas colhidas da ata


de audiência pública de 12 de dezembro de 2013, mas, antes de adentrarmos nesse ponto,
comentamos o quanto se torna visível, desde o primeiro parágrafo da decisão judicial, que
aquilo que para o MPF é considerada robusta prova técnica, para o juízo parece em nada
depor como indicativo para a suspensão do 2,4-D. Informa, ainda, que considera que os
laudos técnicos trazidos pelo MPF podem ser considerados “estudos e opiniões” e se
apoia no argumento de que “sempre foi assim a cultura no país”.

A ata de audiência pública reproduzida em trechos de quase 04 páginas de decisão,


parecem materializar a disputa das técnicas conflitantes, entre os que consideram não
haver perigos para a saúde, meio ambiente e nutrição humana com a utilização do 2,4-D
e seus antagonistas. Na decisão são colacionados argumentos contrapostos e que, em
relação aos defensores do uso do 2,4-D, aponta os que encampam a ideia de que essa
substância deve ser aplicada de forma tratorizada e não de forma aérea, de que não há
como não utilizar agrotóxicos na agricultura atual, que a transgenia causa menos danos
ao meio ambiente, que os agricultores querem ter acesso às melhores tecnologias e que o
Brasil vive um verdadeiro apagão diante da morosidade em se implantar novas ideias que
beneficiem a produção, bem como questionou-se se o uso inadequado não seria devido
ao mau uso feito pelos aplicadores dos produtos.125

125
Em relação à aplicação tratorizada, lembramos que o Brasil é um dos poucos países que possuem ainda
a pulverização aérea como método de aplicação de agrotóxicos e que o mencionado apagão parece não
condizer com os dados já ofertados ao longo desse estudo, uma vez que o país pode ser considerado o maior
consumidor de agrotóxicos do mundo e o 2º maior consumidor de transgênicos. Já a pretensa culpabilização
pelo uso inadequado dos agrotóxicos caber aos aplicadores de produto, já tratamos da questão em capítulo
próprio desse trabalho.

289
O magistrado também reproduz os argumentos contrários ao 2,4 –D, muitos deles
já abordados quando da análise da ACP 04/2014/DF, os quais orbitam em torno do
desrespeito dos órgãos técnicos, estudos científicos, além da influência da toxicidade do
2,4-D nas colmeias de abelhas e contaminação de mulheres grávidas.

A transcrição dos argumentos conflitantes feita pelo magistrado, parece retratar


muito bem imbróglio entre aqueles que acham que o agro é tech e outros que consideram
que o agro é tóxico.

Assim, após apresentar esse panorama, o juiz considera que um ambiente de


absoluto dissenso foi gestado ao se, pretensamente, pensar em proibir a utilização do 2,4-
D, e afirma no item 17 de sua decisão:

Isso não tem sentido, porque nada, absolutamente nada, é


conclusivo. Desses debates participaram pessoas dos mais variados
interesses, de produtor agrícola a produtor de sementes transgênicas;
de técnicos do Estado a pesquisadores e professores universitários; de
médicos toxicologistas a biólogos, enfim, uma plêiade de
pessoas expressivamente interessadas na
manutenção ou erradicação do uso do herbicida e das
sementes transgênicas. E mesmo havendo dissenso, o Ministério
Público Federal resolveu promover esta ação, cerrando fileiras com
corrente contrária ao uso do herbicida e de sementes transgênicas.
(sem destaque no original).

Interessante observarmos a escolha de palavras do magistrado, que parece mostrar


espanto diante do que ele referencia como dissenso em relação ao que ele trata como
herbicidas e não agrotóxicos e que considera que o MPF tomou partido contrário aos
herbicidas no cenário de disputas por ele analisado quando da audiência pública já
comentada.

A expressão utilizada pelo julgador quando considera a situação por ele analisada
como “sem sentido e que nada, absolutamente nada é conclusivo” pode ser reveladora
do quanto o judiciário pode não estar preparado para tratar da materialização de disputas
em torno da técnica, ao mesmo tempo em que nos causa um certo estranhamento, pois
acreditamos que o juiz poderia esperar consenso se estivéssemos em um simpósio da
Monsanto para sojicultores e similares ou em um Congresso de agroecologia e afins, não
em uma audiência pública que pretendeu colacionar, nas próprias palavras do magistrado:
“uma plêiade de pessoas expressivamente interessadas na manutenção ou erradicação
do uso do herbicida.”

290
Temos a impressão, diante de afirmações como as acima expostas, que parece
faltar ao magistrado a percepção de elementos que compõe a sua própria atuação
jurisdicional (técnica-operativa), entre os quais podemos destacar o de decidir em
momentos de dissenso e, mais ainda, ter sempre em mente que a seara jurídica é elemento
de constante evolução e transformação por conta da presença de posicionamentos
antagônicos. O Direito e a lei, inclusive, se materializam e se aplicam em meio aos mais
amplos dissensos, nas mais variadas épocas126. Assim, imaginamos que diante de uma
discussão que claramente orbita entre discursos técnico-científicos que defendem ou
criticam a utilização do 2,4-D na agricultura, há muito sentido na existência de
contrapontos, ao contrário do que argumenta o juiz em comento.

Quase ao final da decisão, o magistrado informa que “diante de trechos tratados


aqui e ali” de estudo do Ibama, também referenciados na ACP 04/2014/DF e na audiência
pública, não existem elementos do próprio Ibama que contra-indiquem o uso do 2,4-D.

O vocábulo acionado pelo juiz, através do uso da expressão “trechos tirados aqui
e ali”, sem demonstrar um esforço de sistematização de pensamento ou de reprodução
dos “trechos aqui e ali” por ele mencionados parecem ser indicativos de uma linha
decisória mais intuitiva do que propriamente técnica, fato que talvez fique mais claro
quando analisarmos a decisão da ACP 05/2014/MT, onde a magistrada utiliza-se de outras
construções frasais e aciona uma base técnica-operativa diferenciada ao observado até
aqui.

O magistrado continua sua decisão informando que, diante do quadro de incerteza


científica quanto aos efeitos do referido herbicida, não se justifica atender a pretensão do
MPF em sua ACP e que, ainda que exista a potencialidade de danos, isso sucede de modo
geral com produtos dessa natureza e finalidade, bem como considera que não se pode,
abruptamente, retirar do mercado um produto de largo uso na agricultura,
reconhecidamente eficaz no combate às ervas daninhas e responsável por ganhos na
produção agrícola e que não existem bases de estudos conclusivos.

126
Apenas para utilizarmos uma analogia, sabemos que, certamente, não havia consenso entre abolicionistas
e escravagistas no século XIX no nosso país, sem falar nos terríveis reveses econômicos que a ideia da
abolição deveria provocar na mente da sociedade abastada da época, fato que, pretensamente, poderia
compor os argumentos dos juízes da época da escravidão. Vale lembrarmos, inclusive, que quando da
existência da escravidão no país, o Direito produzia seus juristas e sua doutrina “pró-escravidão”, a qual
dava conta, inclusive, no Código Civil da época, de que escravos não eram coisas, mas também não eram
seres humanos dotados de personalidade e dignidade humana completa, mas seres de natureza jurídica
híbrida.

291
Sugere o julgador em sua decisão que sejam criados debates amplos e em foros
apropriados e que se forneçam aos órgãos competentes, inclusive ao Poder Legislativo,
informações suficientes, claras e tecnicamente irrespondíveis e que não se pode paralisar
a produção e o uso de tão importante herbicida, com reflexos na produção de alimentos,
pastagens e matérias-primas para a produção de biocombustível, bem como das empresas
geradoras de empregos, divisas e tributos. Por fim, considera que, embora louvável o
trabalho do MPF, o pedido de antecipação de tutela não pode ser deferido.

Percebemos, até o presente exposto, que ambos juízes, das distintas varas (7ª e 14ª
vara federal de Brasília), parecem decidir ancorar seus argumentos na ideia de que a
agricultura no país já funciona dessa forma há muitos anos e sem o que eles denominam
como “graves prejuízos” e que a perda maior para a nação se daria com a suspensão de
referidos ingredientes ativos por conta dos reflexos comentados no parágrafo acima e que
tratam da produção de matérias-primas, pastagens, alimentos, biocombustíveis e ganhos
das empresas, não se comentando, entretanto, sobre saúde, meio ambiente, nutrição
humana ou se acionando termos como sustentabilidade e justiça ambiental.

No que tange aos usos e contextos dos termos de nossa análise, temos que não se
faz presente a menção as futuras gerações, mesmo quando se trata da contaminação por
agrotóxicos de mulheres grávidas, pois a informação é vista pelo magistrado apenas
“como um estudo inconsistente e inconclusivo, embora louvável, apresentado pelo
MPF”.

Em relação ao questionamento sobre a percepção de risco, temos o mesmo


entendimento em relação ao julgamento da ACP 03/2014/DF, onde menciona-se o risco
inerente aos insumos químicos, tão somente.

Um ponto que chamou a atenção do MPF nesta decisão, tratou da expressão usada
pelo magistrado quando este afirma que há “um quadro de incerteza científica”. Referida
afirmação foi objeto de recurso por parte da procuradoria da república denominado de
“embargos de declaração”, pois conforme esmiúça a legislação atinente ao caso, na
ocasião de incerteza científica, é cabível a utilização do princípio do Direito Ambiental
denominado de “princípio da precaução”127.

127
Aproveitamos para comentar de forma breve que o desconhecimento de boa parte dos juristas em relação
aos temas ambientais, mesmo aqueles dentro da seara jurídica, são notórios, sendo vista referida área com
um certo desdém pelos operadores do Direito. Inclusive, neste momento, saio da 3ª pessoa e me comunico

292
Por ocasião da resposta aos embargos, o juiz - que não acolheu referido recurso
ofertado pelo MPF, na data de 14 de abril de 2014 informa que:

Nada a prover quando aos declaratórios do Ministério Público


Federal, até porque a incerteza científica a que me referi na decisão
inicial seria para a suspensão dos registros, e não para a sua
manutenção, pois “não se justifica suspender os registros
atualmente em vigor, nem de proibir sua comercialização, não
depois de tantas décadas de uso e com potenciais resultados
deletérios ainda pouco conhecidos sobre os quais não há consenso
técnico algum.

2- Reconhecer que há risco potencial no agrotóxico não quer dizer


que deve ser proibido, porque até a gasolina, que se vende por todos
os lugares, é potencialmente deletéria, mas o uso e o manuseio
adequado tornam o combustível seguro, por isso que se diz que a
diferença entre remédio e veneno está na dose ministrada.

3- Em verdade, os “estudos” e “opiniões” [grifo original] trazidos pelo


Ministério Público Federal são cientificamente inseguros para tão
drástica medida de suspensão dos registros. Por isso concluí “como
temerária a suspensão, em antecipação da tutela, dos registros deferidos
pelos órgãos e entidades competentes na área de produtos agrotóxicos,
sem estudos técnicos conclusivos, o que já está sendo empreendido, no
que concerne ao 2,4–D, pela agência especializada, a título de
reavaliação”. Por essa razão, não invocar o princípio da precaução
[grifo original] que se aplica para defesa, não de uma tese, mas de toda
a sociedade.

5- Os fundamentos do pedido de apresentaram desacompanhados de


certeza científica para a antecipação da tutela almejada; os agrotóxicos
registrados presumem-se legitimamente aprovados [grifo original],
até prova em contrário. [...] Portanto, não há omissão, nem contradição,
daí que rejeito os embargos declaratórios. (sem destaques no original).

O magistrado começa enfático, assim como em sua primeira decisão, em sede de


negação de tutela antecipada, e diz que não há nada a ser provido em relação aos
embargos. Interessante notarmos que em sua justificativa de uma lauda, que se segue após
essa frase, não invoca, em nenhum momento, qualquer legislação. Parece-nos que a
decisão, apesar de diminuta, está eivada de atecnia jurídica, ainda que sobejando senso
comum, pois, logo no primeiro parágrafo, o juiz informa que não se justifica a suspensão
do registro de agrotóxicos depois de tantas décadas de uso e com potenciais resultados
negativos ainda pouco conhecidos.

na 1ª para informar que como professora de Direito Ambiental que sou há alguns anos, enfrento,
diuturnamente, o desafio de demonstrar o quanto o Direito Ambiental é tema relevante e necessário ao
desenvolvimento da denominada ciência jurídica.

293
Observamos que a ênfase de que o atual modelo agroprodutivo não parece ser
danoso ao longo dos anos é novamente acentuada, assim como em sua decisão inicial e
que, portanto, não há porque determinar a suspensão, pois os riscos ainda são pouco
conhecidos e os “estudos e opiniões” trazidos pelo Ministério Público Federal são
cientificamente inseguros”, além de não existir consenso técnico algum, na percepção do
decisor

Referidas afirmações, por parte do magistrado, podem ser explicadas pela postura
extremamente normativista, comum ao campo jurídico, onde escolhe-se um lado e
posiciona-se “como dono da verdade”, sem maiores explicações. No caso em tela,
observamos que as conclusões do MPF e da justiça federal de contrapõem frontalmente,
ficando cada um enfileirado em seu lado da trincheira e com linhas de defesa que,
basicamente, parecem oscilar entre a convicção do MPF de que o agro é tóxico e a
convicção do juiz federal de que o agro é tecnicamente (tech) seguro por conta do tempo
que vem sendo aplicado como modelo agroprodutivo no país.

No segundo parágrafo, o juiz traz um argumento que, mais uma vez, não
demonstra a preocupação com o acionamento da técnica jurídico-operativa ou da técnica-
científica, mas que parece estar muito mais próximo ao senso comum e mera oposição ao
posicionamento do MPF, pois afirma que: “até a gasolina, que se vende por todos os
lugares é potencialmente deletéria.” E mais adiante, emenda no mesmo parágrafo,
argumentando que: “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose ministrada”.

Em qualquer mínimo esforço cognitivo, perceberíamos que a comparação judicial


é de caráter eminentemente retórico e quase sofismático, pois se analisarmos que
gasolina, diferentemente do agrotóxico, não tem contato com substâncias vivas – não vai
no prato de ninguém, por exemplo, mas em motores dos mais variados automóveis e
similares já não veríamos muito sentido em tal afirmação.

O magistrado, todavia, ao tratar o agrotóxico como potencial remédio ou,


contrariamente, potencial veneno, de acordo com a dose ministrada, nos abre espaço para
o possível vislumbre de uma discussão já esposada no capítulo anterior e que trata
exatamente da existência do uso (in)seguro de agrotóxicos e doses mínimas ou máximas
capazes de causar efeitos deletérios e toda a discussão em torno desta temática, como nos
estudos de Gurgel (2017), Alonzo e Abreu (2016), Friederich (2015) e outros.

294
Todavia, ao mesmo tempo em que finaliza o penúltimo parágrafo de sua decisão
dizendo que não há certeza científica para a antecipação da tutela pretendida pelo MPF
em sua ACP, o magistrado legitima os estudos técnicos da Anvisa, quando diz que “os
agrotóxicos presumem-se legitimamente aprovados” até prova em contrário.

Por fim, noticiamos que o presente processo que envolve a ACP 04/2014/DF está
em trâmite ainda na 14ª Vara Federal do Distrito Federal, sendo sua última decisão datada
de 08 de março de 2017, onde foi deferida a entrada da Associação Brasileira de
Produtores de Soja – APROSOJA, como assistente dos requeridos na ação. O juiz federal
atualmente responsável pelo caso é, Waldemar Cláudio de Carvalho128 - o mesmo da
decisão que em setembro de 2017 ampliou a margem de interpretação da Resolução
01/1990 do Conselho Federal de Psicologia, dando margem à aplicação da reversão de
reorientação sexual, ou como alguns popularmente denominam: “cura gay”.129

4.3.5 Decisão e Sentença ACP 05/2014/MT

Referida ACP recebeu o número de processo 0004546-12.2014.4.01.3600, na 2ª


Vara Federal do Mato Grosso. Na data de 27 de março de 2014, a juíza Vanessa Curti
Perenha Gasques emitiu despacho determinando que as partes requeridas se
manifestassem em 48 horas sobre o pedido liminar, e na data de 28 de abril de 2014 emitiu
sua primeira decisão.

Importante notarmos que prazos na justiça sempre se revelam muito mais elásticos
do que estamos acostumados, pois 48 horas transformam-se em pouco mais de 1 mês,
haja vista que foi preciso intimar as partes, as mesmas manifestarem-se, foram juntadas
respectivas manifestações e, só então, decidido.

A segunda decisão ainda não tratou do deferimento ou indeferimento do pedido


de tutela antecipada por parte do MPF e informou que a Associação Matogrossense dos

128
No final do ano de 2014, o juiz Jamil Rosa de Jesus Oliveira foi promovido como desembargador federal
pelo critério da antiguidade, conforme notícia do TRF – Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Mais
informações em: <https://trf1.jusbrasil.com.br/noticias/137366061/trf-indica-o-juiz-federal-jamil-rosa-de-
= jesus-pelo-criterio-de-antiguidade-e-define-lista-triplice-para-segunda-vaga-de-desembargador-
federal>. Acesso em: 30 ago. 2018.
129
BETIM, Felipe. ‘Cura gay’: o que de fato disse o juiz que causou uma onda de indignação. Disponível
em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/19/politica/1505853454_712122.html>. Acesso em: 20 set.
2017. Tal fato nos fez questionar, ao fim da análise da presente decisão, se a dificuldade em tomar decisões
polêmicas não seria um problema para alguns juízes federais, mas a dificuldade residiria em tomar decisões
contramajoritárias.

295
Produtores de Algodão – AMPA e a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado
de Mato Grosso – APROSOJA apresentou petição com documentos e informações que
consideraram ser de grande valia na tomada de decisões pelo Juízo acerca do caso dos
autos e que entenderam que a liminar requerida nos autos deveria ser negada e o pedido
ser julgado improcedente.

A juíza então informou que, embora não tenham formulado pedido expresso de
intervenção no feito, as associações AMPA e APROSOJA manifestaram interesse em
prestar informações e acompanhar o trâmite do presente processo, já que possuem grande
número de associados e que não vislumbrou empecilho na participação dessas associações
no feito, na qualidade de amicus curiae, principalmente pelo fato de que são constituídas
para defenderem os interesses de seus associados, os quais certamente, serão atingidos
em suas esferas jurídicas por eventual decisão exarada nos autos.

Na mesma decisão, a magistrada informou que o INDEA/MT e o Estado de Mato

Grosso manifestaram-se sobre o pedido de liminar formulado na inicial e que o


Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, foi quem decidiu autorizar
o uso de agrotóxicos à base de benzoato de emamectina em território matogrossense, mas
que não está integrando a lide e concede prazo de 10 (dez) dias para o MPF promover a
emenda da inicial e requerer a citação da União, na qualidade de litisconsorte passivo
necessário e que, após a manifestação da União, através do MAPA, os autos devem lhe
retornar para decisão.

Assim, em 28 de abril de 2014, temos uma decisão de 14 páginas que, de forma


diferente das demais decisões analisadas até agora, defere o pedido liminar do MPF. A
magistrada fundamenta suas decisões em alguns pontos eminentemente técnico-jurídicos,
com a citação de fundamentação legal, como o já informado em outras partes deste
trabalho - art. 225, caput, da Constituição Federal e busca de elementos jurídico-
doutrinários como o princípio da precaução.

Traz, também, à lume, a Lei n. 12.873, que trata em seu artigo 52 das emergências
fitossanitárias ou zoossanitárias, quando for constatada situação epidemiológica que
indique risco iminente de introdução de doença exótica ou praga quarentenária, ausente
no país, ou haja risco de surto ou epidemia de doença ou praga já existente e artigos
seguintes que tratam da questão e, em nível estadual, traz a Lei n. 8.588/2006

296
Importante notarmos que na questão suscitada no presente processo, existe uma
disputa entre a aplicação da chamada Lei de Agrotóxicos – Lei n. 7.802/89, já mencionada
pelo MPF em várias de suas ações e a Lei n. 12.873, de 24 de outubro de 2013, que
dispensou a exigência de registro, dispondo, in verbis, que: “A importação, produção,
comercialização e o uso de agrotóxicos, seus componentes e afins, ao amparo da
autorização emergencial temporária, prescindem do registro de que trata o art. 3º da Lei
n. 7.802, de 11 de julho de 1989”. Na decisão a juíza entendeu que não é caso de aplicação
da Lei n. 7.802/89, mas informa que ainda existem outras questões que merecem análise,
a despeito do afastamento do registro do agrotóxico que possua o princípio ativo benzoato
de emamectina em órgão federal.

A magistrada elenca uma série de itens a serem analisados em sua decisão, e que
o primeiro deles é saber se os agrotóxicos que possuem em sua composição tal princípio
ativo são os únicos que se mostram eficazes no combate à lagarta Helicoverpa armigera,
e informa que os réus e as intervenientes associações sustentam que sim, enquanto o MPF
entende que não.

Na sequência e demonstrando o quanto a disputa e dissenso entre dados e


elementos técnicos ganham peso nas argumentações e ações de referidas instâncias
jurídico-operativas, reproduzimos o seguinte trecho da decisão judicial:

A informação contida no documento “Ações Emergenciais Propostas


pela EMBRAPA para o Manejo Integrado da Helicoverpa spp. em
Áreas Agrícolas”, disponível no endereço eletrônico
http://www.embrapa.br/alerta-helicoverpa (e que também se encontra
na página do Ministério da Agricultura sob o título “Medidas
Emergenciais de Defesa Sanitária Vegetal”) demonstra que no âmbito
da empresa de pesquisa agropecuária há outras alternativas ao uso
do benzoato de emamectina.

No documento, estabeleceu-se uma ordem de preferência para a


utilização de produtos para o combate à lagarta, consistindo em: 1)
inseticidas biológicos ou liberação de inimigos naturais devidamente
registrados; 2) inseticidas do grupo dos reguladores de crescimento de
insetos; 3) inseticidas dos grupos das diamidas ou espinosinas; 4)
inseticidas bloqueadores de Na; 5) inseticidas do grupo das
evermectinas; 6) carbamatos (Tabela 5). Segundo o documento, o
benzoato de emamectina está incluído na Tabela 5 e, nesse caso, sua
utilização seria possível em último caso.

Também na página do Ministério da Agricultura há um outro


documento denominado Programa de Supressão da Helicoverpa
Armigera, no qual não é sugerido o uso de quaisquer produtos
agrotóxicos.

297
Assim, ao confronto desses dois documentos com as alegações
dos réus permite-se concluir que há outras alternativas menos
gravosas ao meio ambiente e à saúde humana. (sem destaque no
original). (MPF, 2014c, p. 8-9).

A magistrada demonstra no trecho acima que, ao confrontar os argumentos


técnicos trazidos por ambos os lados, entendeu que existem alternativas menos danosas
ao meio ambiente e continua levantando questões de ordem técnica, informando que seu
segundo item para análise é baseado no parecer técnico130 da Anvisa, que concluiu pelo
indeferimento do registro do produto técnico à base do ingrediente ativo benzoato de
emamectina, inclusive reproduzindo trecho do parecer em sua decisão.

A terceira questão enfrentada pela juíza diz respeito aos danos que a utilização do
benzoato de emamectina pode causar à saúde humana e ao meio ambiente e argumenta
que a documentação trazida pela União, em especial a que se refere ao processo
instaurado no âmbito do Ministério da Agricultura (processo n, 21000.001367/2014-66),
indica que o produto oferece grande possibilidade de causar graves danos ao meio
ambiente. Neste tópico de análise, o peso de elementos técnico-científicos também é
sentido, pois mencionam-se informações sobre intervalo de entrada de pessoas nas
culturas e áreas tratadas, limitações de uso, precauções de uso e advertências quanto aos
cuidados de proteção ao meio ambiente - produto altamente perigoso ao meio ambiente e
altamente tóxico para abelhas, peixes e organismos aquáticos.

A juíza ainda transcreve trechos da ficha de informações de segurança de produto


químico, relativamente ao benzoato de emamectina CCAB 50 WG e informa que no
tópico identificação de perigos, está elencado como perigo mais importante que o produto
pode ser nocivo ao homem se não utilizado conforme as recomendações. Além disso,
produz efeitos adversos à saúde humana, sendo o produto nocivo, se ingerido, contato

130
Segue trecho do parecer constante na página 09 da decisão que ora comentamos: Referido parecer
conclui que “A substância benzoato de emamectin demonstra um perfil toxicológico bastante desfavorável,
tanto do ponto de vista agudo como crônico. Particularmente, os efeitos neurológicos são tão marcantes e
severos que as respostas de curto e longo prazos se confundem, isto é, efeitos tipicamente agudos são
observados nos ensaios de longo prazo, e vice-versa. O produto revelou sinais de neurotoxidade para todas
as espécies e em doses tão baixas, por exemplo, 0,1 mg/kg (LOAEL) em camundongos CF-1 e 0,5 mg/kg
em cães, mesmo em estudos nos quais este efeito não estava sendo investigado. Como demonstrado, cabe
ainda destacar, que efeitos neurotóxicos foram evidenciados em todos os estudos que não tinham por
finalidade avaliar a neurotoxidade do agrotóxico. Incertezas no que diz respeito aos possíveis efeitos
teratogênicos, e as certezas dos efeitos deletérios demonstrados nos estudos com animais corroboram de
forma decisiva para que não se exponha a população a este produto, seja nas lavouras ou pelo consumo de
alimentos. Assim sendo, o produto técnico ora em pleito é considerado impeditivo de registro, do ponto de
vista da saúde humana” (fls. 58/59, item IV, CONSIDERAÇÕES FINAIS).

298
com a pele, provocando irritação moderada à pele e irritação ocular. Traz, também, a
classificação toxicológica Anvisa, onde o produto está classificado na Classe I –
Extremamente tóxico (fls. 481). Na Classificação do Potencial de Periculosidade
Ambiental IBAMA: Classe I – Produto Altamente Perigoso ao Meio Ambiente.

Assim, conclui a magistrada que o benzoato de emamectina pode causar danos


não somente à saúde humana, mas também ao meio ambiente, fato que impediria sua
utilização, na forma da legislação ambiental vigente, incluindo a recente Lei n.
12.873/2013, em especial o art. 53, § 4º, caput, e inciso V.

A quarta questão a ser abordada pela magistrada é a que diz respeito à previsão do
art. 53, § 4º, inciso II, qual seja, de que o produto agrotóxico tenha antídoto ou tratamento
eficaz no Brasil e informa que não existe antídoto específico para o produto no Brasil e
que isso já justificaria sua concessão de liminar ao MPF.

Por fim, a última questão a ser abordada pela juíza trata do fato de que o Estado
de Mato Grosso somente permite a admissão, no território estadual, para armazenamento,
comercialização e uso os agrotóxicos e afins já cadastrados e cujas instruções de uso
estejam integralmente atualizadas no INDEA/MT, conforme estabelece o art. 10 da Lei
Estadual n. 8.588, de 27 de novembro de 2006. O § 2º do referido diploma legal
estabelece, ainda, que o cadastramento de agrotóxicos e afins fica condicionado ao prévio
registro no órgão federal competente e, que, segundo o MPF, os produtos agrotóxicos que
tenham o princípio ativo benzoato de emamectina não se encontram cadastrados no
Estado de Mato Grosso e que as partes adversas silenciaram sobre a questão em suas
manifestações.

Assim, considera, que após explanar esses 5 pontos de análise, não vislumbra que
exista obstáculo para a concessão de medida liminar, mas que, pelo contrário, estão
presentes os requisitos para a concessão de tutela e chega à conclusão de que existem
outros métodos eficazes e menos nocivos no combate à praga; que a Anvisa já proibiu o
uso de tais produtos; que os produtos agrotóxicos que possuam o princípio ativo benzoato
de emamectina em sua composição podem causar sérios danos à saúde humana e graves
danos ao meio ambiente, sendo altamente tóxicos; que não há antídoto específico para o
caso de contaminação; que há expressa vedação na legislação estadual para a admissão

299
de produtos agrotóxicos que não estejam cadastrados no órgão estadual e que não estejam
registrados no órgão federal competente.

Também destaca que em relação à alegação de que a concessão da liminar esgota


o objeto da presente ação, entende que um dano muitíssimo maior está sendo evitado, em
face do grande risco que a utilização do benzoato de emamectina pode causar à saúde
humana e ao meio ambiente e informa que outras unidades da federação já proibiram a
utilização do benzoato de emamectina em seus territórios, como é o caso da Bahia e Minas
Gerais, informando, por fim, que a República do Paraguai também suspendeu o uso de
tal substância em seu território e, assim, determina em sua decisão, 3 pontos que
reproduziremos abaixo:

1 - determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Grosso obrigação de não


fazer, a saber, não expedir autorizações de aplicação de agrotóxicos
que contenham a substância denominada benzoato de emamectina,
devendo indeferir a emissão do termo de autorização de aplicação,
inclusive quanto aos pedidos já feitos (informados no OF.PRES.
CDSV. N. 486/2014); (II) suspender os efeitos de todas as
autorizações de aplicação de agrotóxicos que contenham a
substância denominada benzoato de emamectina concedidas pelo
INDEA; (III) determinar que o INDEA promova a apreensão e
recolhimento de todos os agrotóxicos contendo benzoato de
emamectina que já estema em território matogrossense; (IV)
determinar que, relativamente aos agrotóxicos que contenham a
substância denominada benzoato de emamectina, o INDEA e os
demais órgãos do Estado de Mato Grosso dêem cumprimento às
determinações contidas na legislação, notadamente: a) fiscalizando
e impedindo a entrada em território matogrossense, a comercialização,
o armazenamento e o uso de agrotóxicos que contenham em sua
composição o benzoato de emamectina; b) apreendendo todos os
produtos à base do benzoato de emamectina encontrados no Estado de
Mato Grosso, inclusive aqueles que foram objeto das autorizações de
aplicação expedidas; c) lavrando os devidos autos de infração e
adotando as demais providências administrativas cabíveis;

2 - determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Grosso, quanto à


apreensão dos agrotóxicos, que os produtos já presentes em
território matogrossense sejam recolhidos em local adequado,
evitando que os biocidas sejam deixados sob a responsabilidade de seus
adquirentes ou de seus fornecedores, como forma de garantir o efetivo
cumprimento da tutela de urgência, até a prolação da decisão final de
mérito nesta demanda. Para tanto, deve o INDEA indicar a relação dos
distribuidores – e sua localização – que já obtiveram a autorização de
importação e de aplicação de agrotóxicos e afins que contenham o
ingrediente ativo benzoato de emamectina no Estado de Mato Grosso;
e,

3 - determinar ao INDEA e ao Estado de Mato Grosso, para


controle judicial do cumprimento da decisão liminar, que juntem

300
aos autos, no prazo de 30 (trinta) dias, provas da efetiva realização
das providências impostas, inclusive cópias das autorizações de
importação e de aplicação já expedidas e dos atos administrativos
correlatos.

Referida decisão foi objeto de recurso denominado agravo de instrumento por


parte da Associação Matogrossense dos Produtores de Algodão – AMPA, e a Associação
dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso – APROSOJA, e foi dado
efeito suspensivo à decisão da magistrada favorável ao pedido do MPF em sua ACP. No
andamento de referido processo, ainda houve a diligência da juíza em audiência pública
sobre o usos de agrotóxicos nas lavouras matogrossenses na data de 11 de setembro de
2015131.

Na decisão, que trata de referida diligência em audiência pública, e que data de 21


de agosto de 2015, a magistrada ainda solicitou a intimação da Procuradoria Regional do
Ministério Público do Trabalho para, querendo, manifestar-se no processo em exame,
bem como trazer informações que fossem úteis sobre o tema discutido, uma vez que sua
atuação também engloba as condições de trabalho e a saúde dos trabalhadores que
realizam a aplicação do agrotóxico e que sofrem as consequências dos seus possíveis
efeitos nocivos.

A magistrada continua na decisão de 21 de agosto de 2015, informando que, no


intuito de obter maiores informações para subsidiar a formação de seu convencimento,
considerou necessária a requisição de informações sobre possíveis casos de
contaminação, na utilização de agrotóxicos que contenham como princípio ativo benzoato
de emamectina, ao Centro de Informação Anti-Veneno de Mato Grosso, e que a mesma
informação também deveria ser requisitada ao Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas - SINITOX, vinculado ao Instituto de Comunicação e Informação
Científica e Tecnológica em Saúde – ICICT, e à Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ,
na cidade do Rio de Janeiro.

O que nos chama a atenção nesse instante é que, diferentemente, das decisões dos
juízes das ACPs 03/2014/DF e 04/2014/DF que analisamos anteriormente, na construção

131
A audiência foi promovida pelo Comitê Multi-Institucional do Sistema Judicial de Mato Grosso,
composto pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, Ministério Público do Estado de Mato Grosso, Ordem
dos Advogados do Brasil - Seccional de Mato Grosso, Justiça Federal, Defensoria Pública de Mato Grosso,
Defensoria Pública da União, Associação Matogrossense de Magistrados (AMAM) e Escola Superior da
Magistratura de Mato Grosso (ESMAGIS), na sede da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no
município de Sorriso – MT.

301
do convencimento judicial da presente ação, existe um esforço visível por parte da
magistrada de se cercar de elementos técnico-científicos que sustentem sua linha decisória
e posterior sentença. Alie-se a isto, o fato de que os juízes das ACPs 03/2014/DF e
04/2014/DF estavam em um centro de acesso a informações muito mais vasto -
Brasília/DF, do que Cuiabá, no Mato Grosso, mas ainda assim, não demonstraram o
esforço esboçado pela magistrada do presente processo.

Finalmente, a sentença foi prolatada em 12 de maio de 2016, contando com 31


páginas que trazem alguns dos elementos já arguidos quando da decisão que concedeu a
antecipação de tutela ao MPF e outros elementos novos. Nos ateremos aos novos
elementos, haja vista termos descrito a decisão em comento e seus desdobramentos de
forma acuidada nos trechos acima.

Na seção da sentença denominada “do mérito” que é onde se evocam os


dispositivos legais e fundamenta-se a razão de decidir, a magistrada modifica seu
entendimento em relação à aplicação da lei de agrotóxicos – Lei n. 7.802/89 e seu
respectivo decreto regulamentador – Decreto n. 4.074/2002, e não a Lei n. 12.873/2013,
inclusive descrevendo um emblemático “jogo de bastidores” que tão bem retrata a
materialização da disputa dentro da arena jurídico-operativa em relação à aprovação de
determinadas leis. Vejamos a descrição literal da sentença da magistrada no trecho
abaixo:

Visando a obtenção de registro emergencial do benzoato de


emamectina, houve uma reunião extraordinária do Comitê Técnico de
Assessoramento para Agrotóxicos - CTA, órgão previsto no art. 95 do
Decreto n. 4.074/2002, em 13/03/2013.

Nesta foi consignado que agrotóxico anterior, sob o nome PROCLAIM


teve pedido de registro indeferido no Brasil. Tal negativa ocorreu, vez
que a ANVISA e o IBAMA se manifestaram contrariamente, apontando
riscos para fauna e a saúde humana, em virtude de seus elevados índices
de neurotoxidade.

Posteriormente, em 18/03/2013, o MAPA tentou aprovar o registro


emergencial do produto, o que foi mais uma vez refutado pelo CTA. O
MAPA, contudo, publicou a Instrução Normativa n. 13, de 3/4/2013,
permitindo que a Secretaria de Defesa Agropecuária - SDA autorizasse
a importação de agrotóxicos a base de benzoato de emamectina. Na
sequência, em 5/4/2013, a DAS publicou a Instrução Normativa n. 8,
autorizando e definindo os critérios de importação do agrotóxico em
comento, estabelecendo que "não será exigido do interessado registro
do produto junto ao MAPA"

302
Em 22/4/2013, foi publicada a Instrução Normativa n. 12 da SDA, a
qual dispõe que fica a cargo do órgão estadual de vigilância sanitária
todo o controle sobre a aplicação do produto.

O INDEA, através da Instrução Normativa Conjunta


SEDRAF/INDEAMT n. 001/2014, autorizou o uso do benzoato de
emamectina em caráter emergencial e temporário para controle e
contenção da praga Helicoverpa armigera.

Importante frisar que os atos praticados pelo Ministério da


Agricultura e Pecuária foram antes da entrada em vigor da Lei n.
12.873, de 24 de outubro de 2013, bem como do respectivo decreto
regulamentador, n. 8.133, de 28 de outubro de 2013.

Sendo assim, razão assiste ao MPF em pretender que a legislação


que se aplique à matéria seja a Lei n. 7.802/89 e o decreto n.
4074/2002, pois ainda não existia em nosso ordenamento jurídico a
Lei n. 12.873/2013. É de se destacar, ademais, que a Lei n. 7.802/89 se
encontra plenamente em vigor e não foi revogada pela Lei n.
12.873/2013, podendo perfeitamente incidir sobre o caso em tela.

As instruções normativas expedidas pelo MAPA possuem natureza


jurídica de ato administrativo e, por tal razão, devem estar
amparadas pelo princípio da legalidade, não sendo possível a
convalidação do ato. (sem destaque no original). (JUSTIÇA
FEDERAL, 2016, p. 10-11).

Não nos parece obra do acaso tantos movimentos em instâncias operativas, como
CTA, MAPA e similares e, logo em seguida, a existência de uma nova legislação e de um
novo decreto regulamentador que flexibiliza a entrada de determinados agrotóxicos no
país sem os procedimentos de registro, haja vista as situações de emergência
fitossanitária.

Assim, a magistrada muda sua análise e passa, na sentença, a descrever como


verificará a validade das instruções normativas expedidas pelo MAPA à luz da Lei n.
7.802/89 e Decreto n. 4.074/2002 e, após citar alguns dispositivos legais destas
legislações, observa que os agrotóxicos só poderão ser importados se previamente
registrados em órgão federal, e que o registro de novo produto só poderá ser concedido
se sua ação tóxica sobre o ser humano e meio ambiente for comprovadamente igual ou
menor aos que já registrados para o mesmo fim.

Informa, no que tange às emergências quarentenárias, fitossanitárias, sanitárias e


ambientais, que o registro não era dispensável, sendo apenas concedido por prazo
determinado e em conformidade com "as diretrizes e exigências dos órgãos responsáveis
pelos setores de agricultura, saúde e meio ambiente".

303
Assim, conclui a juíza que as instruções normativas expedidas pelo MAPA foram
totalmente dissonantes do previsto na legislação, pois, primeiramente, era necessário
registro, mesmo nos casos de emergências quarentenárias, fitossanitárias, sanitárias e
ambientais. Além disso, registra que não há determinação que se sigam as diretrizes e
exigências dos órgãos responsáveis e que, tanto a Anvisa, como o Ibama se manifestaram
contrariamente à entrada do produto no país, ressalvando os danos à saúde e ao meio
ambiente.

Em item próprio da sentença, ainda na seção “do mérito”, surge uma seção
intitulada “da controvérsia sobre o uso do benzoato de emamectina” e são trazidos novos
dados técnico-científicos, nos quais a juíza informa que, em pesquisa sobre o tema em
apreço, facilmente identificam-se estudiosos e instituições que tratam de uso de
agrotóxicos contrários à aplicação do benzoato de emamectina e inicia sua descrição de
dados técnico-científicos informando que o Paraguai, em 2014, suspendeu o uso da
substância, pois o Serviço Nacional de Qualidade e Sanidade Vegetal e de Sementes do
Paraguai – SENAVE, divulgou nota informando que havia a falta de estudos conclusivos
para garantir a segurança do produto para a saúde ambiental e humana.

A magistrada também reserva duas páginas de sua sentença para descrever como
o site da Embrapa, no campo que trata sobre o "alerta Helicoverpa", "perguntas e respostas
sobre o uso de Benzoato de Emamecina", traz esclarecimentos sobre o tema e cita também
reportagem veiculada no Globo Rural, que informava que agricultores do oeste baiano
estariam superando o problema da Helicoverpa armígera com defensivo biológico, a
exemplo do que ocorreu na Austrália e Estados Unidos. Ainda sobre o controle biológico,
cita a juíza que o site do Sistema Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas
Gerais – FAEMG, que representa os produtores rurais daquele estado, veiculou
reportagem que dizia que a saída contra a Helicoverpa armigera estava no combate
biológico e que a EMBRAPA trabalha com o que denominam de biofábrica que utilizam
cerca de 100 mil vespinhas por hectares, sendo 10 por metro quadrado e que conseguiram
controlar a lagarta em comento. Na sequência, a sentença traz reportagem do site da
Pioneer sementes, onde foi publicado um artigo de autoria do MSc. Eng. Agrônomo
André Aguirre Ramos, com o título "Helicoverpa armigera, o novo desafio da agricultura
brasileira", em que este defende os bioinseticidas, ressaltando os bons resultados obtidos
na Austrália.

304
Assim, aduz a magistrada que muito do que se sustentou nos autos - e também na
audiência pública realizada em 11 de setembro de 2015, que o benzoato de emamectina é
substância com uso liberado em vários países, merece ser melhor analisado, pois vários
dos países que liberaram o uso do benzoato de emamectina possuem clima totalmente
diferente do brasileiro, tais como EUA, França, Japão e Canadá e que nas localidades em
que existe o clima frio, este, por si só, já ajuda no combate às pragas. Para corroborar sua
análise, a juíza traz à colação trecho de reportagem veiculada no Portal DBO, empresa
jornalística do ramo da agropecuária, que informa que a agricultura desenvolvida em
países de clima tropical, como é o caso do Brasil, é propícia ao aparecimento de muitas
pragas, diferente de culturas desenvolvidas na Europa e Estados Unidos, onde as pragas
e doenças desaparecem durante o período frio.

Continua a sentença trazendo dados da revista Promoalgo, de abril de 2013, onde


se publicou informe tendo como capa a "Experiência na Austrália", relatando métodos
eficazes para o combate da lagarta e conclui a juíza que é possível verificar, de forma
clara, que o uso do benzoato de emamectina não é a única opção ao combate da
Helicoverpa armigera, como sustentam os réus e intervenientes e frisa pelo conjunto de
dados técnico-científicos colacionados que, até mesmo nos países em que ele é permitido,
é utilizado como medida de exceção - não como regra ao combate à larva -, vez que esta
pode facilmente se tornar resistente à substância e, cada vez mais, ser necessária a
aplicação de agrotóxicos nas lavouras.

Continuando com os dados técnico-científicos colacionados, a sentença traz


informações da página do Ministério da Agricultura, na qual há um outro documento
denominado Programa de Supressão da Helicoverpa Armigera, onde não é sugerido o uso
de quaisquer produtos agrotóxicos e informa que da junção desses dois documentos com
as reportagens que tratam da experiência na Austrália, permite-se concluir que há, sim,
outras alternativas menos gravosas ao meio ambiente e à saúde humana e ainda afirma
que a grande diferença entre a Austrália e o Brasil é que, naquela, há comprometimento
do poder público e dos produtores rurais na execução e acompanhamento do plano de
manejo proposto. No Brasil, aplicou-se a solução mais fácil e rápida, contudo mais
danosa, em total conflito com princípio da precaução.

305
Por fim, traz a magistrada em sua sentença que, em pesquisa realizada no Portal
PubMed - US National Library of Medicine National Institutes of Health, existem estudos
reconhecidos pela comunidade científica sobre a toxidade do benzoato de emamectina.132

Quase ao final da sentença, informa que ainda como reforço de argumentação,


apesar de considerar que todos os dados trazidos até o presente momento da sentença já
se mostraram mais do que suficientes, considera que deve se agregar a esses dados
técnico-científicos a informação de que em 17 de dezembro de 2015, foi publicado no
DOU, o Decreto n. 8.591, de 16/12/2015, que alterou o § 11 do art. 6º do Decreto n. 8.133,
de 28/10/2013, dispondo que a autorização nos casos de estado de emergência
fitossanitária pode ser prorrogada um ano até decisão final sobre o registro e que, em
janeiro do ano de 2016, o MAPA publicou a Portaria n. 9, de 12/01/2016, prorrogando
até 15/01/2017 o prazo de vigência para utilização do benzoato de emamectina em Mato
Grosso. Todavia, a magistrada informa que o estado de emergência fitossanitária
pressupõe um período curto, como o próprio nome já diz, de "emergência", e que não
podem ocorrer prorrogações por tempo indeterminado, já que o §11 do Decreto
supracitado possibilita sua extensão até "decisão final sobre o registro", fato que não se
sabe quando ocorrerá.

Após, a magistrada rememora em sua sentença os pedidos formulados pelo MPF


em sua ACP e passa a seção “dispositivo” da sentença, que contém o teor de suas decisões
e determinações, as quais reproduziremos de forma integral a seguir:

DISPOSITIVO

Por todo o exposto:

1. rejeito as preliminares arguidas;

132
Na sentença são citados os 03 estudos a seguir: O artigo "Developmental neurotoxicity evaluation of the
avermectin pesticide, emamectin benzoate, in Sprague-Dawley rats" que conclui que houve evidência de
neurotoxicidade na prole F1 dos ratos Sprague-Dawley, [...]; O "Toxic effects of sub-chronic exposure of
male albino rats to emamectin benzoate and possible ameliorative role of Foeniculum vulgare essential
oil" que aponta resultados que mostram diminuição dos parâmetros da imunidade como total de leucócitos,
linfócitos, monócitos, plaquetas, proteínas totais, albumina, globulinas IGG e IGM, bem como dano
hepático com aumento das enzimas ALT e ALP e evidências histopatológicas de necrose de coagulação e
congestionamento dos vasos no fígado de ratos albinosmachos; "Detection on emamectin benzoate-induced
apoptosis and DNA damage in Spodoptera frugiperda Sf-9 cell line" que conclui que houve efeitos
citotóxicos (dano no DNA e apoptose celular) em celulas Sf-9 in vitro, sendo que essas ações citotóxicas
de EMB também passaram para as célusa HE-Lcancerosas humanas usadas como um grupo de células
controle e no ano de 2004, foi registrada na literatura médica um relato de caso de intoxicação aguda por
benzoato de emamectina, em humano, em Taiwan, o que está registrado no artigo "Acute poisoning with
emamectin benzoate". (JUSTIÇA FEDERAL, 2016, p. 26-27).

306
2. julgo procedente o pedido, com resolução do mérito (CPC, art.
487, inciso I), para determinar que o INDEA e o Estado de Mato
Grosso não autorize a manipulação, a produção, a pesquisa, a
experimentação, o transporte, o armazenamento, a
comercialização e a utilização, no Estado de Mato Grosso, de
agrotóxicos não registrados e não cadastrados nos órgãos
competentes e que utilizem a substância benzoato de emamectina,
devendo indeferir a emissão do termo de autorização de aplicação,
inclusive quanto aos pedidos já feitos;

3. julgo procedente o pedido, com resolução do mérito (CPC, art.


487, inciso I), para determinar que a UNIÃO não autorize a
importação e utilização no Estado de Mato Grosso de agrotóxicos
não registrados e não cadastrados nos órgãos competentes e que
utilizem a substância benzoato de emamectina, devendo-se indeferir
a emissão do termo de autorização de importação, inclusive quanto aos
pedidos já feitos;

4. julgo improcedente o pedido, com resolução do mérito (CPC, art.


487, inciso I), de que, em caso de eventual utilização do benzoato de
emamectina indevidamente autorizado em território
matogrossense, sejam os réus solidariamente condenados à integral
reparação dos danos, patrimoniais e extrapatrimoniais, causados
pelo produto ao meio ambiente e à saúde pública que porventura
sejam constatados.

Presente o fumus boni juris nas próprias razões de decidir da presente


sentença. O periculum in mora se verifica, vez que a tutela do meio
ambiente deve ser concedida à luz dos princípios da prevenção e
precaução. Permitir que o benzoato de emamectina seja amplamente
utilizado no Estado de Mato Grosso é permitir que danos ambientais e
à saúde humana possam ocorrer sem intervenção do órgão estatal
competente. Sendo assim, concedo a liminar para os réus cumpram, a
partir da intimação da presente sentença, os itens 2 e 3 supra. (sem
destaque no original). (BRASIL. 2016, p. 28-29).

Do exposto na presente sentença, temos que houve um farto uso por parte da
magistrada de produções técnico-científicas. Quanto ao uso e contexto do acionamento
de termos, percebemos que em relação ao conceito de sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, a expressão não aparece em nenhum momento das decisões
ou sentença. Em relação a referência às futuras gerações, observamos que a mesma apenas
se encontra nominada quando reproduzido o teor do artigo 225 da Constituição Federal.

No que tange a percepção do termo risco, existe claramente a evocação ao risco


que o benzoato de emamectina pode causar para a saúde humana e para o meio ambiente,
mas em nenhum momento parece haver a evocação de uma concepção ecológica global
de riscos ou algo similar ao concebido por Ulrich Beck em sua teoria da Sociedade de
Risco. Já em relação ao termo Justiça ambiental, presenciamos que não emerge essa

307
compreensão de que possa estar ocorrendo, no presente caso do processo, uma injustiça
ambiental.

Outro ponto que nos causou reflexão na presente decisão, trata do fato de que para
negar a tutela antecipada de algumas ACPs analisadas anteriormente, verificamos que as
decisões foram sucintas e de pouca argumentação técnica, enquanto que para deferir a
liminar ou para sentenciar, as argumentações por parte da presente magistrada foram
numerosas.

Informamos, quase ao final, que em relação ao presente processo, a sentença foi


objeto de recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sendo
interpostos recursos pelos réus União, Associação Matogrossense dos Produtores de
Algodão – AMPA, Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado do Mato Grosso
– APROSOJA, Estado do Mato Grosso e Instituto de Defesa Agropecuária do Estado do
Mato Grosso – INDEA/MT, conforme informações de última movimentação do processo
na data de 22 de novembro de 2016. Referida apelação foi recebida no efeito suspensivo,
ou seja, até julgamento do recurso, a sentença da juíza não surtirá seus efeitos.

Finalmente, temos que O Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento


- MAPA, por meio do Departamento de Fiscalização de Insumos Agrícolas (DFIA),
concedeu na data de 29/11 o registro definitivo para o produto Proclaim 50, a base do
ingrediente ativo benzoato de emamectina, sendo relatado no site do MAPA que “O
produto foi avaliado pelo ministério quanto a eficiência agronômica e está apto a entrar
no mercado”; “ele também foi avaliado e aprovado pelos órgãos de meio ambiente e de
saúde humana. É seguro e atende a todos os parâmetros de registro”. (MAPA, 2018)

O ministro Blairo Maggi disse que:

O registro definitivo da molécula é um marco histórico, pois demandou


todo um esforço conjunto, de vários setores, enquanto permanecia a
convivência com a praga.

A partir deste momento”, disse ainda o ministro, “a empresa


responsável pela substância assume a garantia de manter um regime de
produção e de estoque e que deverá atender a todo o mercado brasileiro
(MAPA, 2018).

Assim, temos que, para o presente caso, a ação judicial proposta pelo MPF quando
voltar a ser movimentada, perderá seu objeto, haja vista a mudança de panorama em
relação a toxicidade do benzoato de emamectina, que no início do desenrolar do presente
308
processo foi considerado inseguro pela própria Anvisa e Ibama e que agora está registrado
como algo seguro para o meio ambiente e saúde humana.

Não houve alterações na fórmula do produto, mas talvez a presença do acima


citado, Blairo Maggi, ministro da agricultura, agronegociante e originário do estado Mato
Grosso, ajudem a explicar a dinâmica técnico-operativa que transformou em poucos anos
um produto de alta toxicidade como o benzoato de emamectina em algo seguro e
definitivamente registrado.

Quase no fechamento deste capítulo, voltamos ao poeta Leminski e percebemos


que “reparar no não dito”, verificar o que emerge ou não emerge nas instâncias jurídico-
operativas que observamos no presente capítulo em relação aos usos e contextos de usos
de termos como sustentabilidade, risco, justiça ambiental e futuras gerações, bem como
o uso de pesquisas técnico-científicas, nos trazem um norte de reflexão e desafios de
estudo de forma ainda mais acentuada, conforme já comentamos ao longo de todo este
tópico de estudos e análises.

Para finalizarmos nosso campo documental de pesquisa, passaremos, a seguir, a


observar algumas imagens veiculadas pelo Ministério Público Federal em sua página
oficial no facebook e o quanto a temática de agrotóxicos e transgênicos têm ocupado suas
postagens nesse período, bem como que mensagens trazem.

4.4 MPF E MÍDIAS SOCIAIS

Informamos, inicialmente, que nos concentramos nas fotos da “linha do tempo”


da página do Facebook do Ministério Público Federal e que, na data, de 16 de setembro
de 2017 – último dia de nossa pesquisa em relação à página, contava com 2328 fotos e
quase 500 mil “curtidas”.

Examinamos todas as fotos expostas, sendo que a primeira postagem sobre a


questão dos agrotóxicos é datada do ano de 2014, e que o ano de 2016 foi o ano com mais
postagens sobre o tema. Apresentaremos apenas as imagens que tratam dos agrotóxicos.
Em relação à abordagem dos transgênicos, as mesmas aparecem mais vinculadas ao
debate sobre a rotulagem, ou não, de alimentos que contêm transgênicos, que por hora é
obrigatória no país, apesar de forte pressão para a supressão de referida legislação.

309
Informamos que muitas postagens sobre Lava Jato e seus procuradores são feitas,
mas que dada a diversidade de áreas de atuação temática do MPF, vários outros temas são
abordados em linguagem criativa e própria das redes sociais, como direitos indígenas,
questões atinentes ao direito do consumidor, direito ambiental, entre outros, ainda que as
postagens sobre a atuação da Lava Jato sejam em número irremediavelmente superior na
página de referida rede social.

Começamos a exposição das imagens na sequência e vemos que o MPF, em sua


mídia social, endossa o tom de suas ACPs e em dias simbólicos como o dia 11 de janeiro
de 2015, considerado o dia de controle da poluição por agrotóxico, quando oferta a
imagem à esquerda em que trata dos perigos dos agrotóxicos, aqui não tratados como
potenciais perigos, mas como reais perigos e enumera a morte de animais, a poluição de
riso e solos e a intoxicação humana como seus efeitos. Na imagem à direita, aproveitando
a semana do meio ambiente, é feita a exposição de um número que busca alertar os
seguidores de sua página no facebook em relação ao consumo de agrotóxicos no país.

Figura 24 – Facebook MPF - 11 de janeiro de 2015. Figura 24 - Facebook MPF - 03 de junho de 2015.

De maneira nada sutil, no avançar do ano de 2015, a página do MPF vai ofertando
imagens como as colacionadas a seguir. À esquerda, alusão a um bordão comum na
internet que diz originalmente: “keep calm and carry on”, que pode ser traduzido
livremente como mantenha a calma e prossiga, aqui substituído pelos dizeres: “don’t keep
calm, você pode estar sendo envenenado” e a imagem de uma caveira.

O simbolismo da caveira, que pode estar associado a perigos e mortes, aparece em


outras postagens e emitem o mesmo tom de alerta. O uso das cores é também alusivo de

310
um tom emergencial e de espanto, que parece demosntrar que, para o MPF, sua posição
em relação ao uso de agrotóxicos no país é muito clara e o quanto ele busca gerar através
de suas postagens um sentimento de preocupação em relação a sua toxicidade. Talvez,
referida sensibilização em relação aos agrotóxicos, sirva como estrategia, haja vista as
derrotas sofridas judicialmente no ano anterior de 2014 nas decisões das ACPs
03/2014/DF e 04/2014/DF já estudadas.

Talvez, o que esteja subjacente a tais postagens, seja a tentativa de sensibilização


da população e, consequente, provocação de um “clamor popular”, através do qual seria
possível insuflar adeptos ao combate aos agrotóxicos, assim como foram insuflados
patriotas lavajatistas nas ações de sua famosa operação.

Figura 25 – Facebook 31 de agosto de 2015 Figura 26 – Facebook MPF - 17 de fevereiro de 2016.

Figura 27 – Facebook MPF - 18 de janeiro de 2016 retrospectiva.

Há também a exposição de situações onde existem ações em curso com pedidos


do MPF em relação a determinadas substâncias, assim, temos as imagens abaixo que
citam uma série de ingredientes ativos que são objetos de ações proibitivas por parte do

311
MPF. Na imagem da direita, por exemplo, podemos visualizar facilmente que se trata da
ACP 03/2014/DF.

Figura 28 – Facebook MPF - 27 de novembro de 2015. Figura 29 – Facebook MPF - 21 de abril de 2016.

A luta contra o benzoato de emamectina também aparece retratada como na


imagem abaixo e pode ser facilmente relacionada a ACP 05/2014/MT:

Figura 30 – Facebook MPF - 12 de setembro de 2016 e Retrospectiva 04 de janeiro de 2017.

O MPF parece ter em mente em sua página no facebook, a percepção de que o


problema da produção de alimentos dentro do atual sistema agroprodutivo é um grande
problema ambiental, como retrata a imagem da esquerda, a seguir. Na imagem da direita,
aborda o modelo de produção atrelado a monocultivos e o quanto eles concentram o maior
consumo de agrotóxicos. Ao centro, e mais abaixo, eles apresentam imagem que enumera
a preocupação com os efeitos das intoxicações por agrotóxicos.

312
Figura 31 – Facebook MPF - 06 de agosto de 2016. Figura 32 – Facebook MPF - 25 de outubro de 2016.

Figura 33 – Facebook MPF - 18 de dezembro de 2016.

Outro interessante ponto acessado pelo MPF dá conta da tentativa de se mudar a


nomenclatura de agrotóxicos para defensivos fitossanitários, sendo também feitas várias
inserções em tom de alerta, como se percebe nas imagens a seguir, as quais sempre
encontram-se com símbolos de caveiras, cores chamativas e pouco texto, o que parece ser
próprio das mensagens de redes sociais como facebook, mas que também parece se
coadunar à retórica utilizada pelo MPF em suas ACPs, a qual apresenta elementos do que
Hannigan (1995) denominou como retórica da retidão, que possui atrelada a si um elevado
componente moral.

313
Figura 34 – Facebook MPF - 17 de agosto de 2016. Figura 35 – Facebook MPF - 24 de agosto de 2016.

Figura 36 – Facebook MPF - 17 de outubro de 2016. Figura 37 – Facebook MPF - 21 de outubro de 2016.

Figura 38 – Facebook MPF - 07 de janeiro de 2017.

314
Até mesmo a percepção em relação ao tema das futuras gerações parece se
encontrar albergado nas mídias do MPF quando se observam imagens como a abaixo:

Figura 39 – Facebook MPF - 13 de junho de 2017.

Ao final da exposição das imagens acima referenciadas, temos que alguns dos 6
fatores expostos por Hannigan (1995, p. 74-75) apresentados na introdução deste
trabalho, podem ser aqui identificados, como por exemplo: Atenção por parte dos meios
de comunicação, nos quais o problema é visto como algo novo e relevante, aqui
representada pela comunicação via mídias sociais; dramatização do problema em termos
simbólicos e visuais, perceptível pelas inúmeras caveiras, palavras e cores escolhidas para
as postagens no facebook e emergência de um patrocinador institucional que assegure
legitimidade e continuidade, representado pelo próprio MPF e ACPs por ele patrocinadas.

Por fim, seja através das imagens capituladas neste trabalho, seja através das ACPs
selecionadas pelo GT Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do MPF, parece-nos que o
discurso contramajoritário foi apropriado não apenas pelas ACPs, mas pelas próprias
postagens do facebook do Ministério Público Federal como bandeira a ser defendida por
referida instância técnica-operativa, ainda que não encontre eco, muitas vezes, nas
instâncias judiciais de decisão.

315
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A tese pretendeu abordou o problema de pesquisa de forma abrangente e


interdisciplinar, buscando dentro de sua resposta alcançar fatores que se relacionassem
ao objeto da tese. Conforme já mencionado na introdução do trabalho, várias áreas foram
trazidas à lume durante diferentes momentos da escrita, uma vez que o próprio tema da
potencial contaminação humana por agrotóxicos dentro do atual sistema agroprodutivo
dominante no país é abordado por instâncias diversas, as quais tratei como instâncias
técnico-operativas ou técnico-científicas.

O presente trabalho ecomeçou com a introdução, na qual foi abordado o problema


de pesquisa, seus objetivos, metodologia e hipóteses.

Inicialmente, examinei o processo de evolução do atual modelo agroprodutivo


dominante no país e, para isso, transitei pela Revolução Verde, Revolução Genética e
Biofortificação, sendo que a abordagem do contexto histórico-social das primeiras fases
do atual modelo agroprodutivo foram analisadas através de uma perspectiva mais global,
com a presença de autores como Rachel Carson e Vandana Shiva. Em relação aos
alimentos biofortificados, todavia, ancorei-me no material produzido pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional - FBBSAN e por estudos da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, uma vez que esse estágio
pretensamente revolucionário do sistema agroprodutivo tem um grande protagonismo
brasileiro, pois segundo o Diretor Geral do HarvestPlus, expoente mundial na produção
de alimentos biofortificados: “Se alguém quiser conhecer o futuro da biofortificação
precisa conhecer os trabalhos desenvolvidos no Brasil”.

O que se evidenciou, desde o início da pesquisa, é o quanto a solução do


“problema da fome no mundo” é disputada por diferentes atores, guiados por eixos
estruturantes (Bourdieu) como governos, políticas públicas, modelo agroalimentar, entre
outros e que buscam incutir uma significação própria e, ao mesmo tempo, capaz de dar
conta da dominação que pretendem incutir.

Dentro desse cenário de disputas simbólicas e retóricas, o estudo do histórico-


evolutivo dos modelos agroalimentares no Brasil pareceu passar ao largo de uma
discussão democratizada, sendo que a própria história insistiu em revelar que nem sempre
o interesse público na saúde da população foi o fio condutor e criador de insumos para a

316
produção agrícola. Exemplo emblemático foi o caso do DDT, na década de 60,
denunciado por Carson, e só retirado oficial e totalmente de circulação do Brasil em 2009,
ou o fato de que ainda não enfrentamos o banimento de agrotóxicos já banidos em vários
países do mundo. Também percebi, através da pesquisa no capítulo primeiro, o quanto o
discurso da “erradicação da fome no mundo” se fez presente nos marcos revolucionários
de produção alimentar do planeta.

Assim, ainda de forma inicial, ficou a lembrança das palavras ditas por Philip
McMichael (2016), que apontou para o fato de que a agroexportação não se confunde
com “alimentar o mundo” e alimento não se confunde com mercadoria ou commodities.

Na sequência de desenvolvimento de capítulos e perquirindo os objetivos


específicos da tese, busquei compreender como foram acionados termos como
sustentabilidade, futuras gerações, justiça ambiental e risco. Abordei em tópicos próprios
a forma como foi acionado o termo sustentabilidade/desenvolvimento sustentável em
concepções majoritárias, como as apresentadas pela ONU em Estocolmo ou no Relatório
Brudtland, ou em construções mais holísticas e contramajoritárias, como a de Leonardo
Boff, ou Ignacy Sachs, ou em referenciamentos jurídicos como o de Juarez Freitas, sendo
que a expressão “presentes e futuras gerações” se mostrou inclusa de forma inequívoca
junto ao conceito de sustentabilidade nos mais diversos espectros de análise.

Em relação ao termo futuras gerações, o mesmo foi utilizado muitas vezes


relacionado à figura da criança em sua primeira infância, ainda que não se tenha realizado
um recorte etário, jurídico ou biológico específico, fato comum ao ambiente jurídico133 e
científico134 de forma geral na representação da infância e afeito ao pensamento social.
Ainda neste momento, questionei-me acerca da equidade no potencial envenenamento
das presentes e futuras gerações e que critérios como espacialização, classe social, cor,
renda e outros de natureza vulnerabilizadora fazem com que determinados grupos sociais
sejam desigualmente afetados nas presentes e futuras gerações, sendo realizados estudos
acerca do Movimento de Justiça Ambiental em sua perspectiva global e nacional e
percebido que em seus variados focos, como racismo ambiental, ecologismo dos pobres,

133
O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) do ordenamento jurídico brasileiro
definiu por critérios etários e biologizantes o que sejam crianças na primeira infância (até 06 anos
incompletos), crianças (até 12 anos incompletos) e adolescentes (entre 12 e 18 anos incompletos).
134
Perceptível em divisões etárias e biologizantes feitas em estudos como o de Larissa Bombardi e Flávia
Londres no 3º capítulo.

317
injustiça ambiental e saúde, o modelo agroprodutivo alocado em monocultura e
agrotóxicos é visto como catalisador de lutas por justiça ambiental no Brasil e fora dele.

Questionei a possibilidade de se pensar a categoria intergeracional como uma


categoria de vulnerabilidade a ser inserida e pensada pelos Movimentos de Justiça
Ambiental e considero, ao final da tese, que inserir a categoria de justiça intergercional
como fator de promoção de justiça ambiental seja algo necessário e enriquecedor aos
debates que transitam pelos Movimentos de Justiça Ambiental.

Em relação as construções teóricas como Justiça Ambiental e Sociedade de Risco,


concluí que tanto o Movimento por Justiça Ambiental – plural em sua composição, atores
e teorizadores, como a Teoria da Sociedade de Risco - que tem em Ulrich Beck seu
idealizador, não se excluem, mas complementam-se em certa medida e abrem, ainda mais,
o leque que pode auxiliar a compreensão de como isto se materializa em pesquisas
técnico-científicas e sua posterior relação com o Poder Judiciário através do MPF e dos
juízes de 1ª instância, conforme observado no campo empírico.

Na sequência da pesquisa, analisei as disputas do campo técnico-científico sobre


o tema dos agrotóxicos e sua relação com os termos risco, justiça ambiental,
sustentabilidade e futuras gerações. Através de variadas obras ficou perceptível o quanto
o discurso da contaminação humana, ambiental e comprometimento da segurança
alimentar de presentes e futuras gerações por agrotóxicos e transgênicos era uma fala
contramajoritária e circunscrita a círculos de pesquisa acadêmica, como Fiocruz e
similares patrocinadores institucionais e o quanto os anos de 2016 e 2017 parecem ter
sinalizado uma transição dos discursos contramajoritários para setores de maior alcance
global e maior popularidade no que tange à propagação institucional, conforme
apontaram, por exemplo, a ONU e a OMS, trazidas nesta tese.

Referidas pesquisas apresentaram, por vezes, um misto de caráter técnico-


científico e operativo, uma vez que alguns de seus subscritores são pesquisadores com
papel ativo na militância contra o atual sistema agroprodutivo alocado em produtos
químicos e monocultivos, fato que foi possível auferir através da própria palavra “uso”
de agrotóxicos, acionada em tais pesquisas como sinônimo de: “contaminação”,
“insegurança” e “intoxicação”, o que me fez concluir que muitos dos que pesquisam e
criticam cientificamente a utilização destes produtos parecem partilhar da compreensão

318
de que não existe um uso seguro de agrotóxicos para a saúde, nutrição humana, meio
ambiente e presentes e futuras gerações. Desta forma, para eles, o uso de agrotóxicos
implicaria, automaticamente, em insegurança, contaminação e intoxicação das pessoas
expostas.

Outro fato que me chamou a atenção, quando da observação e análise dos temas
supramencionados, ligou-se a percepção de que existe uma preocupação dos críticos do
sistema monocultor e agroquímico em demonstrar, em sua exposição científica, a
apresentação de dados que abarquem os rigorismos técnicos-científicos do campo onde
atuam, cujo enfrentamento se dá de acordo com as regras deste mesmo campo e que se
materializa visualmente através da inserção de mapas, tabelas, gráficos e similares em
suas publicações, reproduzidas, de forma muito sucinta, nesta tese.

Para um vislumbre prático de como isso de materializava nas instâncias técnico-


operativas do Poder Judiciário e de acordo com um de meus objetivos específicos, passei
a examinar junto ao GT – Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª Câmara de Coordenação e
Revisão - CCR do Ministério Público Federal – MPF, os usos que são feitos das produções
técnico-científicas sobre agrotóxicos nas formulações das Ações Civis Públicas – ACPs
e nas decisões judiciais correlatas, bem como busquei identificar a emergência nos
processos e nas decisões judiciais de questões relacionadas à sustentabilidade e/ou
desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça ambiental, bem como
compreender as circunstâncias e os sentidos que são atribuídos a tais temas.

Sobre o acionamento de estudos técnicos-científicos, percebi que o MPF acionou


constantemente expressões como “neurotoxicidade”, “imunotoxicidade”,
“mutagenicidade”, “efeitos tóxicos”, “carcinogênicos”, entre outros termos que remetem
a um variado número de estudos e documentos tratados no capítulo terceiro, os quais,
concluí, são emprestados pelo MPF da literatura científica para a construção de suas
demandas jurídico-processuais.

O MPF pareceu se mostrar ciente, em suas ACPs, que os estudos técnico-


científicos por ele acionados podem estar equivocados e se escorou no princípio jurídico
da precaução para legitimar suas demandas, pois tal princípio atua com base na ideia de
incerteza científica e não advoga pelo “risco-zero” e que, ante à existência de uma ameaça
de danos irreversíveis à saúde da população brasileira, nasce a sua obrigação de agir,

319
mesmo que os conhecimentos científicos disponíveis não confirmem o risco de forma
indubitável.

Percebi que dentro da disputa de ordem técnica no embate sobre o uso de


determinados agrotóxicos, a percepção utilizada pelo MPF em suas Ações Civis Públicas
foi quase sempre distinta das decisões judiciais nas mesmas ações. Assim, seja através
das imagens capituladas neste trabalho, seja através das ACPs selecionadas pelo GT
Agrotóxicos e Transgênicos da 4ª CCR do MPF, concluí que o discurso contramajoritário
foi apropriado não apenas pelas ACPs, mas pelas próprias postagens do facebook do
Ministério Público Federal como bandeira a ser defendida por referida instância técnica-
operativa, ainda que não encontre eco, muitas vezes, nas instâncias judiciais de decisão.

Inclusive, foi possível concluir, na análise das ACPs, o quanto a busca por uma
decisão judicialmente favorável é acionada por parte dos mais diversos procuradores do
MPF em uma base técnico-científica, muito mais do que em uma base conceitual de
termos como sustentabilidade, riscos, justiça ambiental e futuras gerações ou até mesmo
em bases doutrinárias e jurisprudenciais.

Outro fator que apareceu de forma contundente no capítulo do campo empírico


foi o quanto a falta de fundamentação técnico-jurídica na tomada de algumas decisões se
fez presente, o que, infelizmente, tem sido elemento corriqueiro em algumas deliberações
dentro da seara jurídica.135

Observei também que alguns silenciares se mostraram um tanto quanto gritantes,


tanto por parte do MPF como por parte da justiça federal, e que se ligaram à percepção e
utilização dos termos sustentabilidade, justiça ambiental, futuras gerações e sociedade de
risco, os quais se mostraram pouco ou nada evidenciados dentro das atuações técnico-
operativas e jurídicas no campo de pesquisa analisado.

Referidas ausências me pareceram sinalizadoras da necessidade que possuem as


instâncias judiciais de buscarem uma maior interface com setores multidisciplinares, para
que a legislação já existente seja compreendida e aplicada dentro de bases que permitam
a operacionalização e até mesmo concretização de alguns dos ideais presentes nos termos

135
Exemplo simbólico disso foi a condenação do ex-presidente Lula no ano de 2017, objeto, inclusive, de
obra coletiva denominada “Comentários a uma sentença anunciada - o processo Lula”, assinada por mais
de 120 juristas e que busca demonstrar a parcialidade do juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba, bem
como, as atecnias e violações legais produzidas de forma conjunta com o MPF de Curitiba.

320
acima comentados, pois em relação ao próprio princípio da precaução foi possível
visualizar entendimentos díspares entre MPF e juízes federais e o quanto a compreensão
mais aprofundada de conceitos como justiça ambiental, sustentabilidade, sociedade de
risco e futuras gerações poderiam modificar o operar técnico-jurídico.

Em relação às hipóteses levantadas acredito que foi confirmada a hipótese de que


o campo técnico-científico é cenário de disputas e que os usos e contextos de termos como
sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e justiça
ambiental se mostraram divergentes ou inexistentes.

Para a hipótese que tratou dos usos e produções técnico-científicas por parte do
MPF e dos juízes federais serem tão acionados quanto a própria legislação atinente ao
tema durante a produção das respectivas peças processuais, percebi que esse uso é mais
evidente e abrangente por parte do MPF do que dos juízes federais.

Por fim, na hipótese que tratou das circunstâncias e sentidos que são atribuídos
aos temas sustentabilidade e/ou desenvolvimento sustentável, futuras gerações, risco e
justiça ambiental pelo campo técnico-jurídico, confirmou-se o fato de que a utilização das
questões relacionadas a estes conceitos ainda são muito inexpressivas tanto por parte do
MPF e da justiça federal e, quando existentes, apresentam um viés conceitual
multivariado.

Assim, tem-se que dentro dos objetivos específicos perquiridos e das hipóteses
levantadas, boa parte da pesquisa conseguiu ser atendida de forma satisfatória.

De certa forma, ao terminar esta parte de minhas considerações finais, acredito


que esteve presente a abordagem do problema de pesquisa da forma mais multidisciplinar
e abrangente possível, ainda que sem a pretensão de esgotar os caminhos que adentrei.
Tenho suspeitas de que caso o leitor deste trabalho decida, por exemplo, focar-se em uma
área específica como a saúde pública, o meio ambiente, a nutrição humana, as ciências
sociais ou jurídicas, poderá encontrar aqui placas indicativas para um trajeto que se
mostrará muito mais extenso do que o por mim demonstrado.

Sobre finais e começos:

Exorbitando a pretensão de pesquisa deste trabalho, mas de forma a tentar não


perder alguns pontos que observei e absorvi durante o presente estudo, considerei
321
perceptível a relação entre a ruptura institucional ocorrida com o impeachment da
presidenta eleita Dilma Roussef com o fato de que a curva ascendente que parecia
despontar na atuação do MPF em relação à temática dos agrotóxicos e transgênicos
retrocedeu, pois não houve quase nenhuma reunião do GT no ano de 2017, segundo as
atas publicadas e também não ocorreu a inserção de novas ACPs no mesmo GT.

Pareceu-me que a pauta relacionada à insegurança ambiental, nutricional e da


saúde da população brasileira foi preterida pela cruzada anticorrupção capitaneada pelo
juiz federal Sérgio Moro e pelo procurador da República Deltan Dallagnol. Ao mesmo
tempo e talvez, paradoxalmente, acredito que as ACPs tratam de dados técnico-científicos
e evocam a legislação aplicável em similaridade aos “promotores da Lava Jato” com
intensa midiatização e discurso moral, evocando algo parecido com a denominada
retórica da retidão (HANNIGAN, 1995).

Além disso, em alguma medida, parece-me que existe uma conexão entre a
aparente perda de combatividade em relação à emergência do tema agrotóxicos e
transgênicos na instância operativa do MPF, comentada no capítulo quatro, em razão da
emergência de uma pauta com muito mais “aceite” popular e apoio midiático – afinal de
contas o slogan: “o agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo”136 do horário nobre, é repetido
diariamente para milhões de famílias brasileiras, ao mesmo tempo em que a luta contra a
corrupção – ainda que ‘delimitada onde está’, conforme nos lembrará para sempre o
senador Romero Jucá, continua a pleno vapor.

Ao fazer uma pesquisa no site google com o nome do magistrado que assina as
decisões da ACP 04/2014/DF, por exemplo, constatei que ele foi o mesmo responsável
pela decisão que suspendeu o passaporte diplomático do filho do ex-presidente Lula137.
Obviamente, não estou aqui para discutir o cabimento, ou não, da concessão ou retirada
de referido passaporte, mas o quanto alguns juízes federais e procuradores da república
podem se mostrar parciais e voltados ao que alguns chamam de antipetismo ou
antilulismo e talvez seja por isso que o procurador da república subscritor das ACPs

136
Alusão à propaganda veiculada no horário nobre da Rede Globo de Televisão. Para visualização da
campanha que vem sendo passada desde o ano de 2016 é possível acessar o link:
<https://www.youtube.com/watch?v=nfkcWJQzjH8>. Acesso em: 30 ago. 2017.
137
G1. Justiça manda suspender passaporte diplomático dado a filho de Lula. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2012/07/justica-manda-suspender-passaporte-diplomatico-dado-
filho-de-lula.html>. Acesso em: 13 ago. 2017.

322
03/2014/DF e 04/2014/DF, que analisei, tenha decidido “focar em Lula” em suas
posteriores ações.

Explico: após as ACPs de 2014, envolvendo a temática de agrotóxicos, o


procurador da república Anselmo Henrique Cordeiro Lopes pareceu ter mudado de área
temática, pois teve seu nome muito noticiado na mídia por conta de entrevista inicial
concedida à Revista Época138, na qual contava sobre a abertura de investigação contra o
ex-presidente Lula no ano de 2015, sendo que no ano de 2017 foi alvo de notícia que o
descrevia como o procurador da república que (sic) “Joesley queria trocar”139. Imagino
que a temática de agrotóxicos esteja longe de ser esgotada nas vias judiciais, mas parece-
me que tratar do nome “Lula” traz decisões mais favoráveis, rápidas e midiatizadas140 do
que enfrentar gigantes do ramo agroprodutivo como Monsanto, Basf e similares.

Toquei na temática política porque ela se mostrou como um dos elementos


tensionadores das disputas do campo técnico-jurídico e técnico-científico analisado nesta

138
Na ocasião o procurador utilizou as redes sociais para se defender da repercussão de sua entrevista, o
que nos faz lembrar do fato observado nacionalmente através do procurador-chefe da operação Lava-Jato
Deltan Dallagnol que sempre recorre à entrevistas em mídias de massa e a sua conta pessoal na rede social
“Twitter”. Recentemente, inclusive, o próprio MPF noticiou um curso sobre a utilização da rede social
“Twitter”, conforme informação obtida no twitter de Wellington C Saraiva - Conta verificada no twitter:
@Wsarai e coordenador da Assessoria Constitucional da Procuradoria Geral da República e que trazia o
seguinte tweet em 14 de agosto de 2017: “Oficina Conhecendo Boas Práticas de Uso do #Twitter, na
#PGR. O Procurador @AlanMansur, Diretor da @ANPR_Brasil, fala sobre uso da rede”, a informação
estava acompanhada de imagens e ao se fazer busca em referida mídia social, encontramos várias imagens
e tweets sobre o evento. Mais informações disponíveis em: https://twitter.com/WSarai. Acesso em: 14 de
ago. de 2017.
139
Notoriamente são notícias veiculadas por mídias de massa e que tiveram protagonismo acentuado
quando da ocorrência dos fatos narrados, mais informações em: BRONZATTO, Thiago e COUTINHO,
Filipe. As suspeitas de tráfico de influência internacional sobre o ex-presidente Lula: O Ministério Público
Federal abre uma investigação contra o petista – ele é suspeito de ajudar a Odebrecht em contratos
bilionários. Disponível em: <http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2015/04/suspeitas-de-trafico-de-
influencia-internacional-sobre-o-ex-presidente-lula.html>. Acesso em: 30 ago. 2017; LEITÃO, Matheus.
Anselmo Lopes é procurador que Joesley queria ‘trocar’. Disponível em:
<http://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/procurador-anselmo-lopes-e-o-investigador-que-
joesley-queria-trocar.html>. Acesso em: 12 ago. 2017.
140
Em rápida busca ao google, encontramos as seguintes referências ao nome do procurador subscritor das
ACPs 03 e 04 - Procurador é alvo de ataques e se defende após reportagem de ... Disponível em:
epoca.globo.com/.../procurador-e-alvo-de-ataques-e-se-defende-apos-reportagem-de [...] Época - O
procurador da República Anselmo Henrique... | Facebook
<https://www.facebook.com/epoca/posts/10152829009876430>. O procurador da República Anselmo
Henrique Cordeiro Lopes diz que está sendo alvo de críticas infundadas, calúnias e difamações na internet
após [...]. ConJur - CNMP começa a discutir limites de procuradores da República. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2015-nov.../cnmp-comeca-discutir-limites-procuradores-republica>. - Foram
discutidos os casos dos procuradores da República Anselmo Henrique Cordeiro Lopes e Valtan Timbó
Mendes Furtado [...] Lula faz queixa contra procurador que pediu sua investigação | Valor ... Disponível
em: www.valor.com.br/.../lula-faz-queixa-contra-procurador-que-pediu-sua-investigacao - O ex-
presidente Luiz Inácio Lula da Silva entrou com uma reclamação disciplinar contra o procurador Anselmo
Henrique Cordeiro Lopes [...]. Acesso em: 12 de ago. de 2017.

323
tese e percebo que, enquanto o país trava sua luta contra a corrupção e se divide entre
“coxinhas e mortadelas” e o Lavajatismo impera em grandes áreas do judiciário, a
ascensão de Michel Temer à presidência da República fortaleceu ainda mais a pauta do
modelo agroprodutivo alocado em commodities e agrotóxicos. Símbolo disso, foi a
própria nomeação de Blairo Maggi141 para Ministro da Agricultura que, com sua bancada
no Congresso, vem fazendo articulações que envolvem o que alguns chamam de “pacote
de veneno” e que visa flexibilizar o processo de registros de agrotóxicos no país.142

Inclusive, referido ministro pressionou a ANVISA para que esta concedesse, no


final de 2017, o registro definitivo para o produto Proclaim 50, base do ingrediente ativo
benzoato de emamectina, objeto da ACP 05/2014 e única ação analisada em que o pleito
do MPF foi majoritariamente atendido por um magistrado. Ação esta que agora perderá
seu objeto, haja vista a mudança de panorama em relação a toxicidade do benzoato de
emamectina.

Quase ao final desta pesquisa e diante de todo o cenário já descrito ao longo da


tese, pergunto-me se o que ocorre hoje com a utilização de agrotóxicos é similar ao que
ocorreu no passado com a indústria do tabaco. Explico: durante décadas as corporações
fumageiras financiaram pesquisas científicas em seus próprios laboratórios, bem como
em universidades, escolas de medicina e institutos de pesquisa do câncer.

141
Inclusive, em uma de suas primeiras viagens como ministro, Blairo Maggi foi a Índia – a mesma de
Bhopal que aqui estudamos e anunciou investimento de R$ 1 bilhão através da implantação de uma fábrica
de agrotóxicos indiana no Brasil. Mais informações em:
<http://outraspalavras.net/deolhonosruralistas/2016/09/22/mais-agrotoxicos-maggi-anuncia-investimento-
indiano-de-r-1-bilhao/>. Acesso em: 30 ago. 2017.
142
Em relação ao “pacote de veneno”, um projeto de lei merece atenção especial, trata-se do PL 3200/2015,
do deputado Covatti Filho (PP-RS), que altera toda a normatização e revoga a lei n. 7.802 de 1989, criando
uma legislação completamente diferente. Atualmente, ele está apensado ao PL 6299/2002, de Blairo Maggi.
Há vários projetos tramitando juntos, constituindo o que está sendo chamado de pacote do veneno. O PL
3200 é o mais preocupante, pois altera toda a legislação. Informamos, inclusive, que uma questão muito
importante da nossa legislação vigente sobre agrotóxicos é que ela submete o registro dos produtos a um
órgão ambiental (IBAMA), a um órgão da Saúde (ANVISA) e ao Ministério da Agricultura. Pela proposta
do deputado Covatti Filho, a avaliação será feita apenas por um órgão novo a ser criado, a CTNFito, nos
moldes da CTNBio, com 23 membros nomeados pelo ministro da Agricultura – imaginemos a disparidade
em relação à representatividade, já que deste total, um integrante será indicado pelo Ministério da Saúde,
um pelo Meio Ambiente e um por algum órgão de proteção à saúde do trabalhador. Mais informações
disponíveis através da entrevista da procuradora da república Ana Paula Carvalho de Medeiros ao site Sul
21 pelo link: <https://www.sul21.com.br/jornal/temos-um-pacote-do-veneno-tramitando-no-congresso-
nacional-alerta-procuradora/>. Acesso em: 24 ago. 2017.

324
Trago, inclusive, uma breve analogia com tal indústria que durante anos produziu
e financiou estudos com o escopo de criar uma imagem de um pretenso debate científico
quando, na verdade, já sabia da periculosidade do fumo143.

Fazendo-se um paralelo em forma de questionamento: representaria o agrotóxico,


nos dias de hoje, o que o cigarro representou no passado? O tabaco foi, inicialmente,
tratado como inofensivo, enquanto sua indústria produtora se esforçava em enganar,
distrair e criar estratégias de marketing que passavam a imagem de que um debate
científico sério ocorria, enquanto instalavam a dúvida acerca do potencial prejuízo do
fumo para a saúde humana – incerteza essa comprada cientificamente pelas empresas,
com vistas à proteção da indústria contra as demandas legais e legislações restritivas144.

Estaria a indústria agroprodutiva interessada na aplicação das denominadas


“quatro estratégias de defesa do cão” 145, bem conhecidas do mundo corporativo e que se
instrumentalizam através dos seguintes pontos: 1 – “Meu cão não morde” - que pode ser
entendida como a negação da empresa de que seu produto cause dano, enquanto
desacredita estudos científicos que apontam que o “cachorro morde”, ou seja, que seu
produto apresenta males para a população; 2 – “Meu cão morde, mas não morde você” -
não existindo mais meios de se negar os primeiros argumentos científicos de que seus
produtos químicos causam mal à saúde da população, a indústria passa a informar que
ainda que seu produto cause mal, sua utilização se dá longe das cidades ou longe da
potencial contaminação de seres humanos, o que leva ao próximo ponto; 3 – “Meu
cachorro morde, mas não machuca” - que pretende informar que as doses de determinado

143
Para uma maior elucidação sobre o tema, vale assistir o documentário “the human experimente”,
disponível no site: https://www.youtube.com/watch?v=qTZDmTI-kIQ ou ler a entrevista da Revista ihu
on-line, intitulada “O engano de negar a mudança climática” feita com Naomi Oreskes, professora de
História da Ciência e professora associada de Ciências da Terra e do Planeta na Universidade de Harvard,
com tradução de André Langer e que faz um paralelo entre o negacionismo hoje presente em relação às
mudanças climáticas e o negacionismo produzido pela indústria do tabaco há décadas passadas. Disponível
em: <http://www.ihu.unisinos.br/544133-o-engano-de-negar-a-mudanca-climatica>. Acesso em: 25 ago.
2017. Seria o atual modelo agroprodutivo outro elemento-alvo do negacionismo mercadológico ancorado
em estudos técnicos-científicos que visam suscitar dúvidas muito mais do que esclarecimentos?
144
Sugiro o documentário “A Experiência Humana” que trata a partir de seu 25º minuto da contaminação
e desinformação sistemática provocada pela indústria do tabaco a partir da década de 50, quando se
iniciaram os questionamentos de seu potencial cancerígeno.
145
As expressões originais vêm da língua inglesa e são: “does not bite”; “didn’t bite you”; “Bite. Didn’t
hurt” e “wasn´t my fault.”

325
produto químico não são suficientes para a contaminação da população 146 e já discutido
nesta tese, no terceiro capítulo; e, por fim, 4 – “Meu cão mordeu você, machucou, mas
não foi culpa dele” – quando a corporação admite a sua culpa, mas a transfere, afirmando
que foi uma escolha individual consumir determinado produto.

Outro ponto que me trouxe reflexões e inquietações para futuras pesquisas, ligou-
se a ideia de que a provável epidemia contaminante trazida pelo modelo agroprodutivo
baseado no monocultivo e agrotóxicos seja apenas um sintoma da própria “epidemia da
superprodução” - inerente ao sistema capitalista, sendo o envenenamento do agronegócio
um desdobramento da própria crise que alimenta esse mesmo sistema capitalista e que o
faz incessantemente se transformar, pois paralelo a todo esse movimento de potenciais
contaminações de alimentos, percebo o alto custo dos produtos orgânicos, os quais
precisam de certificação e etiquetas para sua comercialização. Ao mesmo tempo em que
angaria em suas fileiras grupos sociais voltados à métodos alternativos de produção
agroalimentar, traz em sua esteira empresários e todo um mercado de economia verde,
ainda que ao custo do greenwashing147, mais compatível com uma noção de alimento-
mercadoria.

Pergunto-me: não deveria ser o inverso? O alimento que possui agrotóxico é que
deveria vir etiquetado e certificado, pois o natural e embrionário é o alimento puro de
modificações genéticas e de veneno. Percebo nesta inversão um fato sintomático do
próprio domínio do sistema agroprodutivo monocultor e quimificado.

Mais indagações e apontamentos ligaram-se a impressão de que vivenciamos um


certo “terrorismo nutricional”, no qual as pessoas já não têm certezas sobre que alimentos
ingerir e que emergem cotidianamente, em parcelas da sociedade com melhor poder
aquisitivo, as quais externalizam sua preocupação com o risco de alimentos que contêm
glúten, lactose e agrotóxicos, por exemplo. Essas mesmas parcelas da população são

146
Talvez já se esteja nesta atual esfera de defesa da indústria agroprodutiva, pois o parecer 01/2015
disponível nos documentos do GT Agrotóxicos e transgênicos da 4ª CCR do MPF, realizado pelos
professores da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Sonia Corina Hess e Rubens Onofre Nodari
informam que o Decreto n. 2.914/2011 que permitiu 0,5ppm de concentração máxima de glifosato está
acima dos padrões aceitáveis para o ser humano (2015, p. 07).
147
Em livre tradução, “lavagem verde” ou “pintando de verde” e consiste na estratégia de promover
discursos, anúncios, ações, documentos, propagandas e campanhas publicitárias sobre ser
ambientalmente/ecologicamente correto, green, sustentável, verde, eco-friendly e similares, com a intenção
primordial de relacionar a imagem de quem divulga essas informações à defesa do ambiente, mas, na
verdade, medidas reais que colaborem com a minimização ou solução dos problemas ambientais não são
realmente adotadas e, muitas vezes, as ações tomadas geram impactos negativos ao meio ambiente.

326
aquelas com capacidade de adquirir “ovos e alfaces felizes”, como pontuou Ulrich Beck
(2011), e que parecem compor o mesmo grupo social com maiores tendências à opção
pelo vegetarianismo ou veganismo.

Ainda que isso não seja meu objeto específico de tese, mas dentro desta
perspectiva de fim de pesquisa e começo de novas inquietações, percebo que, ao mesmo
tempo em que certos setores da sociedade parecem sinalizar preocupações com riscos de
ordem alimentar e com o próprio funcionamento do sistema agroprodutivo, temos grandes
corporações e empresários, como Bill Gates148, investindo, não apenas, em alimentos
biofortificados, mas na denominada “carne vegetal”. Seriam sintomas da crise
superprodutiva e agrointoxicante produzida pelo sistema capitalista e que agora precisa
ser vendida como solução de um problema por ele mesmo criado?

Afirmo o quanto esta questão é complexa e imbricada, pois, de um lado, existe o


discurso da escassez de alimentos no mundo sendo gerido por pessoas atreladas ao capital
financeiro e todo o status quo mantenedor da desigual distribuição de alimentos nas mais
diversas mesas do mundo, que se arvoram como patrocinadoras do fim deste mesmo
problema desde a Revolução Verde. De certa forma, todo o modelo produtivo que elas
patrocinam parece “criar esse problema” e temos, paradoxalmente, os mesmos “criadores
de problemas” oferecendo-se como portadores de soluções há décadas.

Sinal disto é que, além de um certo ‘terror nutricional”, a Revolução verde, a


Revolução genética e a biofortificação, ao influenciarem o padrão agroprodutivo no
mundo e prometerem “acabar com a fome do planeta”, de forma contraditória, parecem
ter transformado a fome contemporânea em um fenômeno rural, no qual a maior parte da
população faminta do mundo constitui-se de agricultores empobrecidos pela
revolucionária transição de regimes alimentares (MCMICAHEL, 2016, p.04).

Ao mesmo tempo, continuo questionando: seria a emergência da preocupação


com a intoxicação ambiental, humana e nutricional por alimentos com agrotóxicos e
transgênicos, bem como com a potencial insustentabilidade do atual modelo
agroprodutivo algo que realmente alcançou os mais abastados e os fez pensar na potencial
transição defendida por Ulrich Beck de uma sociedade de classes para uma sociedade de

148
Bill Gates e Richard Branson investem em ‘carne artificial’. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/bill-gates-richard-branson-investem-em-carne-
artificial-21744719>. Acesso em: 16 out. 2017.

327
riscos como algo iminente? Seriam recomendações como a da ONU, OMS e Tribunal
Monsanto simples recomendações ou fariam parte de alguma estratégia maior? O
potencial julgamento da empresa Monsanto como ecocida pelo Tribunal Penal
Internacional seria sinalizador de mera evolução legislativa? Essas estratégias teriam o
viés meramente protetivo de riscos ou seriam incubadoras de uma transição entre modelos
agroalimentares capitaneados pelos setores mais abastados da sociedade? 149

Estaríamos sendo levados a fazer algumas indagações de forma contramajoritária


e combativa, ou conduzidos em nossos questionamentos como elementos necessários às
transições biofortificantes e vegetarianistas do grande capital? Ou seria, relembrando
Antônio Cândido150, mais um dos momentos em que aquilo que se pensa ser a face
humana do capitalismo é o que o socialismo arranca dele com suor, lágrimas e sangue?
Será que a agroecologia e todo o combate a modelos potencialmente agrointoxicadores
seriam frutos de sangue, suor e lágrimas da luta de movimentos contramajoritários?

A minha inquietação inicial, ao ingressar no PPGSD, relacionava-se à potencial


contaminação do “leitinho das crianças” com agrotóxicos e o consequente
comprometimento de seu desenvolvimento. Todavia, agora, se redimensionam diante de
mim algumas reflexões e indago: até que ponto é possível manter um protagonismo
combativo em relação a um determinado modelo agroprodutivo frente as mudanças nos
sistemas agroalimentares que parecem se (retro)alimentar de crises e superproduções e
que “para garantir o leitinho das crianças”151 de seus gestores multimilionários, podem se
mostrar capazes de, literalmente, contaminar com agrotóxicos o “leitinho” de seres
vulneráveis, ao mesmo tempo em que se imiscuem em retóricas de retidão social,
ambiental, nutricional e humanitária, quando pretendem, tão somente, concentrar em suas
mãos o controle das formas de alimentação no mundo.

Com questionamentos que talvez beirem a “teoria da conspiração”, lembro das


considerações de Riobaldo que, nas veredas do Grande Sertão, me ensinou que: “a gente

149
Nesse instante caio no risco de me inserir em teorias de tom conspiratório e de começar não mais a
analisar, mas a profetizar prognósticos sobre o sistema agroprodutivo do mundo e resolvo parar minhas
ilações.
150
A entrevista complete pode ser acessada no link: <https://www.brasildefato.com.br/2017/05/12/morre-
o-critico-e-sociologo-antonio-candido-leia-uma-de-suas-ultimas-entrevistas/>. BRASIL DE FATO. Morre
o crítico e sociólogo Antonio Candido; leia uma de suas últimas entrevistas. Acesso em: 14 maio 2017.
151
Fazendo uma alusão à antiga e popular expressão que relaciona o trabalho árduo ao papel dos
mantenedores da casa e garantidores, portanto, do “leitinho das crianças.”

328
só sabe bem aquilo que não entende” e que através de sua alma sertaneja me ensina
sempre que: “eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.” 152

Finalmente, tenho entre minhas maiores desconfianças, após o trilhar deste longo
caminho de pesquisa, a percepção de que o agrotóxico, (pop)ularizado em nosso modelo
agroprodutivo, visto como elemento (tech)nológico e revolucionário no controle de
pragas no campo é tóxico, insustentável, eivado de perigos e riscos, comprometedor do
desenvolvimento das presentes e futuras gerações, bem como não promotor de justiça
ambiental e intergeracional.

152
Trechos retirados das páginas 25 e 311 in: ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 21 ed. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.

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2017.

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Ciência e Sociedade. Brasília: MDA, 2011.538p.

338
ANEXOS

A - Tabela com informações acerca de Procedimentos Administrativos - PAs instaurados


no MPF, sobre a temática OGM:

339
340
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B - Atas das 7ª e 8ª reuniões ocorridas em 23 de novembro de 2016 e 10 de abril de 2017:

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