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O argumento do desígnio ou argumento teleológico

 a ordem do mundo implica que os seres tendam todos para um fim, não em
virtude de um acaso, mas de uma inteligência que os dirige. Logo, é
necessário que exista um ser inteligente que ordene a natureza e a
encaminhe para a sua finalidade.

Tal como o argumento cosmológico, também o argumento do desígnio se baseia em


informação empírica para estabelecer a existência de Deus. É, portanto, um
argumento a posteriori. O argumento clássico do desígnio baseia-se numa analogia
entre artefactos (objetos criados pelos seres humanos) e a natureza. Mas como
funciona um argumento por analogia?
Premissa do exemplo: Os artefactos são criados por seres inteligentes.
Premissa da analogia: O mundo é como um artefacto.
Conclusão: Logo, o mundo foi criado por um ser inteligente. E esse ser só pode ser
Deus.
Objeções
Ainda que o argumento teleológico possa demonstrar a existência e a necessidade
de um ser criador, não prova que ele seja único, como não prova que, existindo, seja
o deus teísta. Se Deus existe e governa os fins para que tudo tende, sendo, por
definição, omnisciente, omnipotente e sumamente bom, como se explica a
existência do mal – catástrofes, sofrimento, crueldade, etc. – e a inação de Deus
perante isso?

Como dissemos, um dos grandes críticos deste argumento é David Hume. A primeira
objeção é que a analogia entre artefactos e o mundo ou os objetos naturais é muito
fraca. Ou seja, os artefactos não são suficientemente parecidos com os objetos
naturais, ou com o mundo no seu todo, nos aspetos relevantes. Por exemplo,
poderíamos usar um argumento semelhante para concluir que, tal como os carros,
também as motas tiveram de ser construídas, pois é muito fácil estabelecer
semelhanças entre carros e motas. Mas a semelhança entre um carro e um organismo
vivo parece muito menos evidente. E para que um argumento por analogia seja forte,
as semelhanças não podem ser vagas e difíceis de estabelecer. Mas isto é o que
acontece com o argumento do desígnio. O que levanta muitas reservas quanto à sua
conclusão. Contudo, mesmo que fosse legítimo concluir que o mundo ou os objetos
naturais têm um criador, a única coisa que poderíamos inferir acerca desse criador
seria que é engenhoso e talvez todo-poderoso. Mas nada no argumento mostra que
esse criador tem de ser Deus. Ou seja, nada no argumento mostra que esse criador é
omnisciente, sumamente bom e pessoal. Inferir da existência de um criador a
existência de Deus é um passo inválido. Se olharmos atentamente à nossa volta,
vemos que o mundo está longe de ser perfeito: há seres vivos deformados e mal
adaptados ao meio ambiente, há doenças, cheias, catástrofes, etc. Se o criador do
mundo fosse supremamente perfeito, isto é, se fosse Deus, a sua criação teria de ser
igualmente perfeita. Contudo, o mundo está longe de ser perfeito. Logo, mesmo que o
argumento estabelecesse a existência de um criador, não poderíamos inferir daí que
esse criador é Deus.
O argumento do desígnio foi muito popular no séc. XVIII, mas perdeu muita da sua
força quando surgiu a teoria da evolução pela seleção natural de Charles Darwin
(1809-1882). Esta teoria fornece uma explicação bastante completa e amplamente
aceite da complexidade e aparente ajuste que os seres vivos exibem. Além disso, a
teoria da evolução dispõe de uma explicação para as imperfeições dos seres vivos,
coisa que o argumento do desígnio não consegue explicar. E fá-lo de modo mais
abrangente. Esta teoria também fornece uma explicação do processo de evolução que
o argumento do desígnio aparentemente ignora. Sabemos que as espécies não são
estáveis e imutáveis; à medida que o tempo passa, vão-se transformando e adaptando
às novas circunstâncias – e as que não conseguem adaptar-se acabam por se extinguir.
A moderna teoria da evolução, baseada na teoria original de Darwin, explica
cabalmente este processo. Mas a ideia de uma criação divina parece não explicar este
processo de evolução das espécies. Se Deus criou os seres vivos, por que motivo
precisaram eles de evoluir de modo a sobreviver? Se fossem criações divinas, já
deveriam estar suficientemente adaptadas ao meio ambiente. Em resumo, a teoria da
seleção natural tem uma maior capacidade explicativa do que a hipótese de um
desígnio divino.
Outra objeção é que mesmo que a analogia entre artefactos e o mundo fosse boa não
poderíamos concluir daqui que Deus é o criador do mundo. Se levássemos a analogia a
bom termo, devíamos concluir que o criador do mundo, tal como os criadores de
relógios, têm nariz, olhos, boca, orelhas, etc. Ou seríamos levados a concluir que existe
mais do que um criador à semelhança do que acontece com os artefactos. Afinal, os
«criadores» humanos trabalham normalmente em equipa. E quanto mais complexo for
o objeto construído, mais pessoas são necessárias para a sua construção. De modo
que, se o mundo foi criado, foi criado por um grupo de divindades e não por uma só.

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