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CAPÍTULO 7
O GRUPO FAMILIAR
O termo “grupo familiar” designa não unicamente a influência exercida pela mãe, mas
também pelo pai, irmãos, os inter-relacionamentos, bem como, também, pelas demais
pessoas que interagem diretamente com a criança, como babás, avós, etc. No entanto, no
presente capítulo deter-nos-emos mais demoradamente na função materna, tomada em seu
sentido genérico, que tanto pode referir-se unicamente à mãe concreta como a qualquer outra
pessoa que, de forma sistemática e profunda, venha a exercer a sua função.
FATORES SOCIOCULTURAIS
Preliminarmente, é útil lembrar que a configuração dos “grupos familiares” vem sofrendo
profundas transformações reais com a passagem das sucessivas gerações, sendo
inquestionável que esse fato traz significativas repercussões no bebê, na criança, no
adolescente e futuro adulto, tanto no que diz respeito à formação de sua identidade individual
como à identidade grupal e à social. Alguns dos fatores culturais e sociológicos que contribuem
para este estado de coisas são, entre outros, os seguintes: • Um novo significado de família,
com novos valores, expectativas e papéis a serem desempenhados. • Uma maior emancipação
da mulher, que geralmente deve trabalhar fora e que, por isso, deve fazer uma extenuante
ginástica para conciliar as funções de maternagem com as profissionais. • Em contrapartida,
também o perfil do homem tem mudado bastante, especialmente quanto à sua maior
participação na economia doméstica e nos cuidados precoces com os filhos. • Igualmente os
avós, de modo geral, não têm mais o mesmo tipo de uma disponível participação ativa que
tinham junto aos netos. • O crescente índice de divórcios e recasamentos, sendo que neste
último caso acresce o fato de uma mistura dos respectivos filhos. • Um número cada vez maior
de mães adolescentes e solteiras. • Uma crescente mentalidade consumista, em grande parte
ditada pela “mídia”, que também exerce uma influência na formação de valores ideológicos. •
A angustiante necessidade de ter que conviver com a violência urbana; uma generalização da
angústia de ordem econômica, etc.
Uma adequada maternagem – que Winnicott denomina como sendo aquela provinda de uma
mãe suficientemente boa – alude ao fato de que essa mãe não frustra, nem gratifica, de forma
excessiva, e que possibilita um sadio crescimento do self do seu filho. Essa condição de
maternagem requer uma série de atributos e funções da mãe, que tanto podem pautar por
uma normalidade, como também podem adquirir caraterísticas patogênicas. Pela extrema
importância que esses múltiplos aspectos da relação mãe-filho exercem no desenvolvimento
do ser humano, cabe descrevê-los separadamente. Normalidade da Função Materna Uma mãe
“suficientemente boa” (termo de Winnicott), levando em conta as óbvias diferenças
individuais de cada uma delas, deve preencher satisfatoriamente as seguintes condições:
1. Ser provedora das necessidades básicas do filho (de sobrevivência física e psíquica:
alimentos, agasalho, calor, amor, contato físico, etc.).
2. Exercer a função de para-excitação dos estímulos que o ego incipiente da criança não
consegue processar pela sua natural imaturidade neurofisiológica. Esses estímulos tanto
procedem das tensões e traumatismos derivados das primeiras experiências sensoriais e
emocionais da infância, como também se originam nas desprazerosas sensações emanadas do
próprio corpo. Neste último caso, elas podem ser exteroceptivas (parte externa do corpo),
proprioceptivas (camadas profundas da pele), enteroceptivas (órgãos internos, como pode ser,
por exemplo, uma cólica intestinal do bebê), cinestésicas (sensação de equilíbrio). A mãe
compreendendo e, na medida do possível, atendendo aos apelos do bebê, alivia-o das tensões
insuportáveis que se expressam por um estado de excitação.
3. Possibilitar uma simbiose adequada: as sensações corporais acima referidas adquirem uma
grande dimensão na criancinha porque, além do fato dela não ter condições de reconhecer de
onde as sensações procedem e as diferenças entre si, essas ainda vêm acompanhadas de uma
arcaica sensação de “não-integração” das diversas partes do corpo. Assim, é função da mãe,
de certa forma, “emprestar o seu corpo” ao bebê, temporariamente, pelo “encaixe” dos
corpos de ambos, o que se traduz na forma de quando a mãe o segura no colo, embalao, faz a
sua higiene, etc.
6. Uma maternagem adequada também implica não só essa necessária presença da mãe, mas
também na sua condição de saber estar ausente e, com isso, promover uma progressiva e
necessária “desilusão das ilusões”.
9. Essa última consiste na função de a mãe: estar disponível para acolher o “conteúdo” das
necessidades e angústias da criança; contê-las dentro de si; decodificá-las; transformá-las; dar
para si própria um sentido; um significado; uma nomeação e, daí, uma devolução para o filho
da compreensão das referidas angústias, agora, devidamente desintoxicadas. Posteriormente,
além das necessidades básicas, com as respectivas angústias, a mãe também terá que ser
continente dos desejos, demandas e ataques agressivos, do tipo da fase da teimosia e birra
que acompanha aquela fase da criança sistematicamente dizer “não”; dela acusar a mãe com
“tu és má “, “não gosto de ti”, “tu não existes para mim”..., e a mãe “sobreviver”
tranqüilamente a esses ataques.
10. A função de rêverie deve vir acompanhada de uma capacidade de empatia, ou seja, de
uma forma de comunicação primitiva entre a mãe e o bebê, pela qual a mãe consegue “intuir”
o que está-se passando com o filho.
11. A capacidade de a mãe sobreviver aos ataques destrutivos e às demandas vorazes do filho
sem um revide retaliador e, muito menos, sem sucumbir a um estado de depressão (que
exacerba as fantasias da criança a respeito de sua maldade e destrutividade).
12. Uma boa maternagem implica que a mãe deve permitir que a criança exercite o seu direito
– e necessidade – de devanear, imaginar e fantasiar, assim como também deve permitir
temporariamente que a criança demonstre aquilo que Kohut (1971) denomina como “self
grandioso” e “imago parental idealizada”.
13. Deve ser destacada a importância do discurso da mãe, porquanto ela dá nomes e
significados, de toda ordem, que ainda são desconhecidos pela criança e que, por isso mesmo,
são potencialmente os fundantes dos valores e das auto-representações da criança. Uma
forma particularmente importante relativa ao “discurso” da mãe é aquela que diz respeito à
sua emissão de “duplas mensagens” para o filho, aspecto que será abordado mais adiante.
14. A mãe deve emprestar as suas “funções do ego”, como as capacidades de perceber,
pensar, juízo crítico, etc., de modo a organizar e processar essas funções do ego de seu filho,
enquanto ele ainda não as tem desenvolvidas.
15. Um importante aspecto da maternagem consiste no fato de que a mãe representa para a
criança ser como um espelho, tal como aparece nesta frase de Winnicott (1967), tão bela
como verdadeira: o primeiro espelho da criatura humana é o rosto da mãe, seu olhar, sorriso,
expressões faciais. etc.
16. Como decorrência do item anterior, torna-se necessário incluir a função materna de
reconhecimento, não só das angústias, mas também das capacidades de seu filho,
notadamente dos pequenos (para ele, enormes) progressos que ele esteja conquistando.
18. Da mesma forma, a mãe deve ter bem claro, para si, que ela funciona como um
importantíssimo modelo de identificação para o seu filho.
19. Uma adequada maternagem deve facilitar uma lenta e gradual dessimbiotização e, assim,
abrir um caminho para a entrada em cena de um pai, respeitado e valorizado. A partir daí, a
mãe estará promovendo a seu filho a passagem de uma díade exclusiva com ela para um
triângulo edípico. Assim, a criancinha adquire a capacidade de reconhecimento da existência
de terceiros, o que propicia a importante transição de um estado de narcisismo para o de um
socialismo.
FUNÇÕES DO PAI
• A segurança e a estabilidade que ele dá, ou não dá, à mãe, na tarefa, por vezes árdua e
extenuante, de bem educar e promover o crescimento do filho.
• Dentro da concepção da transgeracionalidade, é útil saber como foi o vínculo dele com o seu
respectivo pai, e até que ponto ele o está repetindo com seu filho; qual é a representação
interna que ele tem da esposa (mãe da criança) e que influirá bastante naquela que o filho terá
da mãe, e também qual o “lugar” que o pai ocupa no desejo e na representação que a esposa
tem dele.
• A ênfase que merece ser dada ao papel do pai incide no fato de que a sua presença – física e
afetiva – é de fundamental importância no processo de separação-individuação (Mahler, 1986)
referente à díade mãe-filho. Com outras palavras, é o pai que no papel de “terceiro”,
interpondo-se como uma cunha normatizadora e delimitadora entre a mãe e o bebê, irá
propiciar a necessária passagem de Narciso a Édipo.
Assim, é comum observar situações nas quais os irmãos criam camufladas brincadeiras
eróticas entre si; ou quando um irmão torna-se um zeloso e enciumado guardião dos namoros
de sua irmã mais velha; ou quando adota uma postura maternal em relação a um irmão (ou
irmã) mais moço; ou na situação em que se manifesta uma acentuada regressão a níveis de
necessidades que estão sendo gratificadas pela mãe para um irmãozinho caçula, ou doente, e
assim por diante.
Por outro lado, não é raro observar que a um irmão é dado substituir a um outro, já falecido
(ou abortado), de quem deve herdar tudo o que os pais esperavam daquele, como, por
exemplo, nome, gênero sexual, expectativas, etc. Da mesma forma, pode-se observar o fato de
que um dentre os irmãos desempenhe junto a um outro o papel de “duplo”, assim
complementando para este irmão, e vice-versa, tudo o que este não consegue fazer ou ter,
como é o caso das diferenças de sexo, por exemplo. Por vezes, essa condição de “duplo”
adquire tal intensidade que ambos não conseguem separarse, e envolvem-se em uma típica
folie a deux, sendo que a ruptura dessa ligação simbiótica, especialmente na adolescência,
pode trazer conseqüências graves para um dos dois. Esse tipo de ligação simbiótica entre
irmãos (posteriormente extensiva a todas demais inter-relações deles) pode estar refletindo o
modelo de como é a união dos pais, que freqüentemente assume uma característica de uma
simbiose que se manifesta disfarçada pelo predomínio de um recíproco sadomasoquismo, de
tal sorte que o casal não consegue viver junto, porém, eles tampouco conseguem viver
separados. Uma outra situação bastante comum é aquela encontrada nos indivíduos que se
sabotam ou deprimem-se diante de seus sucessos na vida adulta, nos casos em que eles
tenham tido irmãos precocemente falecidos, ou com sérias limitações orgânicas e psíquicas,
ou mal sucedidos de forma geral. Essa auto-sabotagem deve-se: 1) Às culpas inconscientes por
terem concretizado o triunfo de uma velha rivalidade com os irmãos; 2) Também pode dever-
se ao fato de que para não humilhar e fazer sofrer os que não acompanharam o seu sucesso, o
sujeito faça um voto de “solidariedade às vítimas” e boicote o seu próprio crescimento
enquanto não conseguir uma “reparação”, geralmente impossível, de que os demais irmãos (e
ou pais) acompanhem o seu sucesso.
São muitos os mitos bíblicos que referem diretamente aos conflitos entre irmãos –, entre
outros: os de Caim e Abel; de Esaú e Jacob; e de José e seus irmãos – sendo que todos eles se
constituem em um rico manancial para o entendimento da importância da patologia entre
irmãos, dentro de um contexto do grupo familiar (Zimerman, 1993).
Assim como a mãe, principalmente desde os primitivos vínculos com o bebê, constitui-se
como o primacial fator estruturante do desenvolvimento do filho, também costuma acontecer
que as falhas da função materna sejam poderosos determinantes da “desestruturação” do
psiquismo da criança e, por conseguinte, do futuro adulto. Dentre os fatores patogênicos – ou
seja, daqueles que promovem a gênese da patologia – impõe-se assinalar aos seguintes:
Simbiose
O tipo de amor que a mãe devota à criança é predominantemente objetal ou narcísico? Com
outras palavras: tanto pode prevalecer nela o desejo de ter um filho para ajudá-lo a crescer até
que ele tenha condições de emancipar-se, como também é possível que ela sinta o filho como
uma posse sua, dentro do seu projeto inconsciente de uma “gestação eterna”. Pode acontecer,
portanto, que a mãe tenha uma necessidade vital do seu filho e o induza a funcionar como
sendo o seu complemento sexual ou narcísico, ou ambos. Nos casos em que a mãe seja
basicamente uma pessoa deprimida, ou que tenha uma fobia de ficar sozinha, costuma
acontecer que essa mãe invista em algum do filhos (às vezes, em alguns ou em todos) um
vínculo simbiótico, cimentado de culpas, de modo a garantir o seu “seguro-solidão”, como
costumo definir essa situação nada rara.
Corpo
Prover e Frustrar
1) São por demais escassas, em cujo caso a mãe tende a resolver todas as necessidades e
desejos da criança antecipando-se à capacidade dessa de poder pensar para achar soluções
para os problemas criados. Assim, a mãe não só inibe no filho a capacidade para pensar, como
também, ao mesmo tempo, ela reforça excessivamente a onipotência, a vigência do “princípio
do prazer” e um vínculo simbiótico que pode atingir um nível tal a ponto de determinar uma
“identificação adesiva”, tal como Meltzer (1975) conceitua.
Conter
Espelho
Discurso
Significações
Diante de um mesmo fato, cada mãe pode atribuir uma significação que reflete o seu próprio
mundo interno. J. MacDougall (citada em Rocha, 1988, p. 33) exemplifica com três
possibilidades: a mãe que sistematicamente condena a experiência afetiva do filho (“basta,
ninguém gosta de criança que chora”), ou a nega (“não é verdade que você detesta seu irmão,
você o adora”), ou que a substitui por um discurso que esteja em relação com os problemas
inconscientes dos pais. Assim, uma mãe fóbica – portanto, alarmada e alarmante – emprestará
um significado de “perigo” a qualquer acontecimento (por exemplo, um raio acompanhado de
um trovão ou uma briga podem adquirir um significado terrorífico de tragédia iminente, etc.) e
fará a apologia da “evitação”, enquanto uma outra, de características paranóides, obsessivas,
narcisistas, hipocondríacas, e assim por diante, plantará na mente da criança os significados
correspondentes, que poderão acompanhá-la para o resto da vida (daí por que a psicanálise
contemporânea está valorizando bastante a necessidade de o psicanalista ajudar o analisando
a fazer dessignificações, seguidas de neosignificações).
Ideal do ego
Bateson e colaboradores (1955) utilizam esse termo para referirem-se a situações pelas quais
as mensagens contraditórias e paradoxais emitidas pelos pais, invariavelmente, deixam a
criança no papel de perdedora e num estado de confusão e desqualificação. Pode servir como
exemplo, banal, a sentença da mãe que diz ao filho: “Eu te ordeno que não deixes ninguém te
dar ordens”, ou grita a altos brados para que a criança nunca grite, etc. Dessa forma, a criança
fica presa nas malhas de um duplo vínculo: receia ser castigada se ela interpretar as
mensagens da mãe tanto acertada como equivocadamente. Aliás, o termo “bind “
originalmente alude a uma condição de “prisioneiro”, tal como é o cabresto nos animais. O
emprego do “duplo vínculo” é bastante comum por parte das mães que se sentem ameaçadas
com a aproximação afetiva do filho e, como uma forma de controlar a distância afetiva,
rejeitam-no, porém, ao perceberem e sentirem que a recusa foi um ato agressivo, que pode
ameaçar uma separação, buscam uma nova reaproximação simbiotizadora, num círculo
viciosos ambíguo e interminável. Na verdade, o uso do duplo vínculo visa à manutenção de
uma dependência eternamente simbiótica, sendo que na prática analítica pode acontecer que
pacientes que desde a infância tiveram esse molde impresso em seu psiquismo, desenvolvam
alguma forma severa de “impasse psicanalítico”. Resta evidente que, não obstante a ênfase do
presente texto tenha incidido na mãe, a mesma é indissociada da figura do pai. Mais
especificamente, a ação patogênica da figura paterna consiste nas condições em que o pai
esteja excessivamente ausente, tanto física como afetivamente, ou também quando ele é
demasiado frágil ou é por demais desqualificado pelo discurso materno. Nestes casos, haverá
uma grave falha na necessidade de que haja a presença de um “terceiro”, uma figura de pai
forte e respeitado, que exerça a função de impor a “lei” (a “castração simbólica”, como
conceitua Lacan) de modo a desfazer a “díade narcisística” com a mãe e instituir o “triângulo
edípico”. Da mesma forma, a presença de um pai excessivamente sedutor ou tirânico impedirá
uma boa e necessária simbiose transitória com a mãe, assim como dificultará a resolução
edípica.