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‘‘Desperte, você que está dormindo. Levante-se dentre os mortos, e Cristo o iluminará.

’’
(Efésios 5,14b)
Quem cochila desperte... O que dorme levante
Preparemos a estrada do Senhor caminhante
Nossos olhos ganharão nova luz, com tua presença Jesus...
(Edson Montenegro)

Neste tempo que ficou tão pesado, precisamos pedir emprestado a palavra da poesia:
Poema de Natal
Para isso fomos feitos: Não há muito o que dizer:
Para lembrar e ser lembrados
Uma canção sobre um berço
Para chorar e fazer chorar
Um verso, talvez, de amor
Para enterrar os nossos mortos —
Uma prece por quem se vai —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mas que essa hora não esqueça
Mãos para colher o que foi dado
E por ela os nossos corações
Dedos para cavar a terra.
Se deixem, graves e simples.
Assim será nossa vida:
Pois para isso fomos feitos:
Uma tarde sempre a esquecer
Para a esperança no milagre
Uma estrela a se apagar na treva
Para a participação da poesia
Um caminho entre dois túmulos —
Para ver a face da morte —
Por isso precisamos velar
De repente nunca mais esperaremos…
Falar baixo, pisar leve, ver
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
A noite dormir em silêncio.
Nascemos, imensamente.
(Vinícius de Moraes, Rio de Janeiro, 1946)

Neste mundo embrutecido-emburrecido, rezamos para chover: palavra & sabedoria:


Era uma vez um homem devoto que, na sua oração, pede a Deus uma coisa desmesurada...
O homem pede que Deus fosse visitá-lo na sua casa! Tendo obtido o sim de Deus, o homem iniciou
grandes preparativos (limpeza, reparações, ornamentos...) para receber o seu Hóspede.
No dia estabelecido para a visita, o homem coloca-se à porta de casa, à espera de Deus.
De manhã cedo vem um rapazinho que procurou, da janela, roubar-lhe uma maçã sobre a mesa,
mas ele impede-o, repreendendo-o duramente.
Ao meio-dia, um mendigo vem perturbá-lo com os seus pedidos, mas ele explicou-lhe que estava à
espera de uma visita ilustre, que viesse noutro dia.
À tarde, um viajante exausto pede-lhe hospedagem, o que ele negou porque esperava Deus.
Quando cai a noite, também o homem cai num grande desânimo, por que Deus não viera visitá-lo.
Durante a sua oração protestou contra Deus, pois não tinha mantido a sua palavra....
Mas Deus responde-lhe: «Por três vezes procurei entrar em sua casa, mas você próprio me
impediu!»
Neste tempo parado e que anda em marcha ré, evangelizamos com a palavra rebeldia
“Alegrem-se o deserto e a terra seca, o campo floresça de alegria; como o narciso, cubra-se de
flores transbordando de contentamento e alegria, pois lhe será dado ver... a beleza do nosso Deus.”
(Isaías 35,1-3) Esta formosura divina, tão discreta e silenciosa, é acolhedora como a escuridão da
noite e aberta como o vazio de um ventre... Deus é liberdade, Cristo é uma imensa árvore que se
manifesta sem copa e sem tronco... Só o ardente perfil despojado de tudo, vazado, capaz de conter
tudo, todos! Feito criança, crescendo no ventre, dança escondido aguardando o momento de se
revelar! (cf. Hélio Pellegrino, Meditações de Natal)
A mística não é um estado de impermeabilidade, de pura rigidez, de perfeição inabalável... Mas
exatamente o seu contrário: uma radical porosidade sobre a vida e sobre os outros. Uma pele, uma
presença, um batimento do coração, um encontro, uma alegria partilhada com os pobres.
Neste mundo de comodidades e pânicos, semeamos e colhemos a palavra teimosia
São estes os caminhos do Advento,
cheios do vento, da brisa-orvalho do Espírito,
a derrubar as folhas secas das árvores
e nos faz provar que somos todos como a erva,
e a nossa glória não é mais do que a flor do campo.
Seca a erva e murcha a flor e nós passamos.
Sim, estamos de passagem.
Mas sentimos no rosto e, quem dera, no coração,
a tua aragem mansa,
que nos enche de paz e confiança.
O Advento é uma escola de esperança
e de oração, de coragem e de alento.
O Advento é uma viagem até ao nascimento
do menino de Belém, lá na manjedoura,
verdadeiro alimento dentro de nós também.
(adaptação de um poema de Antônio Couto)

Nestes tempos de tirania nos quintais e praças, movimentamos a palavra utopia

Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
De rostos serenos, de palavras soltas Quero um carnaval no engarrafamento
Eu quero a rua toda parecendo louca E que dez mil estrelas vão riscando o céu
Com gente gritando e se abraçando ao sol Buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu quero ver a bola da criança livre Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
Quero ver os sonhos todos nas janelas Rasgar a noite escura como um lampião
Quero ver vocês andando por aí Eu vou fazer seresta na sua calçada
Eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou Hoje eu quero que os poetas dancem pela rua
Quero ver meu coração no seu sorriso Pra escrever a música sem pretensão
E no olho da tarde a primeira luz Eu quero que as buzinas toquem flauta-doce
E que triunfe a força da imaginação
(Oswaldo Montenegro)

És Tu quem nos espera nas esquinas da cidade Por Ti é que lançamos as sementes e esperamos
e ergue lampiões de aviso o fruto das searas que se estendem nas colinas
mal o dia se veste de sombra...
Por ti a nossa face se descobre em alegria
Teu é o nome que dizemos se o vento nos fere de temor e os nossos olhos parecem feitos de risos...
e o nosso olhar oscila pela solidão dos abismos...

(Revelação, Cardeal José Tolentino Mendonça)


SAMBA DA UTOPIA
Se o mundo ficar pesado, eu vou pedir emprestado a palavra poesia

Se o mundo emburrecer, eu vou rezar pra chover: palavra sabedoria

Se o mundo andar pra trás, vou escrever num cartaz a palavra rebeldia

Se a gente desanimar, eu vou colher no pomar a palavra teimosia

Se acontecer afinal de entrar em nosso quintal a palavra tirania

Pegue o tambor e o ganzá, vamos pra rua gritar a palavra utopia

(Jonathan Silva)

No chão, no opaco-escuro, somos pastores e ousamos a canção

Grão de Amor
Me deixe sim, mas só se for/ Pra ir ali e pra voltar
Me deixe sim, meu grão de amor/ Mas nunca deixe de me amar
Agora as noites são tão longas/ No escuro eu penso em te encontrar
Me deixe só até a hora de voltar

Me esqueça sim pra não sofrer/ Pra não chorar pra não sentir
Me esqueça sim que eu quero ver/Você tentar sem conseguir
A cama agora está tão fria/ Ainda sinto seu calor

Me esqueça sim/ mas nunca esqueça o meu amor


É só você que vem no meu cantar meu bem
É só pensar que vem, lara rara/ Me cobre mil telefonemas
Depois me cubra de paixão/ Me pegue bem
Misture alma e coração

(Arnaldo Antunes)

Junto à fonte, no movimento-impermanente,


somos anjos e ouvimos a convocação
Sutilmente
E quando eu estiver triste/ simplesmente me abrace
Quando eu estiver louco/ subitamente se afaste
Quando eu estiver fogo/ suavemente se encaixe

E quando eu estiver triste/ simplesmente me abrace


E quando eu estiver louco/ subitamente se afaste
E quando eu estiver bobo/ sutilmente disfarce

Mas quando eu estiver morto/ suplico que não me mate, não


Dentro de ti, dentro de ti
Mesmo que o mundo acabe, enfim/ dentro de tudo que cabe em ti

(Nando Reis)
Por paixão ao diálogo-palavra, somos meninas e ensaiamos a contemplação
Anunciação
Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo, peito nu, cabelo ao vento
E o Sol quarando nossas roupas no varal

Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais

A voz do anjo sussurrou no meu ouvido


Eu não duvido, já escuto os teus sinais
Que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais

Tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais


(Alceu Valença)
No ambiente em plena expansão, somos estrelas e peregrinamos em doação
Idade do Céu
Não somos mais que uma gota de luz, uma estrela que cai
Uma fagulha tão só na idade do céu

Não somos o que queríamos ser


Somos um breve pulsar em um silêncio antigo
Com a idade do céu

Calma! Tudo está em calma


Deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure
Deixe que a alma tenha a mesma idade
Que a idade do céu

Não somos mais que um punhado de mar, uma piada de Deus


Um capricho do sol no jardim do céu

Não damos pé entre tanto tic-tac, entre tanto Big Bang


Somos um grão de sal no mar do céu

Calma! Tudo está em calma


Deixe que o beijo dure, deixe que o tempo cure
Deixe que a alma tenha a mesma idade
Que a idade do céu
A mesma idade que a idade do céu
(Paulinho Moska)
Eis o Mistério, encontro-encanto de criança Salvação-Redenção
Boas-vindas
Sua mãe e eu/ Seu irmão e eu/ E a mãe do seu irmão
Meus irmãos e eu/ Minha mãe e eu/ E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe/ Lhe damos as boas-vindas/boas-vindas, boas-vindas
Venha conhecer a vida/ Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua/ Tem o medo e tem a rosa/ Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia/ A poesia e tem a prosa/ Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor/ E tem o mote e tem a glosa
Eu digo que ela é gostosa/ Eu digo que ela é gostosa
Sua mãe e eu/ Seu irmão e eu/ E o irmão da sua mãe
(Caetano Veloso)

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