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Supremo Tribunal Federal

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.504 DISTRITO


FEDERAL

RELATOR : MIN. KENEDY VIEIRA


REQUERENTE(S) : PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT
REQUERIDO(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQUERIDO(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO GERAL DA UNIÃO

V O T O

Senhora Ministra Vitória Albuquerque:

1. BREVE RELATÓRIO

Trata-se de Ação Direta de


Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, por intermédio
de seus advogados José Raonei Borges e Andréia Luisa dos
Santos Lima, na qual se busca a declaração de
inconstitucionalidade da Emenda a Constituição 20132, de
31 de agosto de 2005, denominada “Emenda da Bengala”.

O dispositivo impugnado versa sobre o aumento


do limite de idade para a aposentadoria compulsória dos
servidores públicos em geral, passando de 70 para 75
anos, alterando o artigo 40 da Constituição Federal e o
Supremo Tribunal Federal

artigo 95 do Ato das Disposições Constitucionais


Transitórias, que estabelece o aumento do tempo de
serviço dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos
Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União.

Eis o teor do dispositivo impugnado:

Art. 1º O art. 40 da Constituição Federal


passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art.40 (...)
§1º (...)
II – compulsoriamente, com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição, aos
setenta anos de idade, ou aos setenta e cinco
anos de idade, na forma de lei complementar;

(...)” (NR)

Art. 2º O Ato das Disposições Constitucionais


Transitórias será acrescido do seguinte art. 95:

“Art. 95. Até que entre em vigor a lei


complementar de que trata o inciso II do § 1º do
art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais
Superiores e do Tribunal de Contas da União
aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos setenta e
cinco anos de idade, nas condições do art. 52 da
Constituição Federal.”

De acordo com a parte autora,


odispositivoimpugnado viola o art. 5º, caput, que
consagra o princípio da isonomia, e enseja o congelamento
do judiciário, fomentando assim um vício de poder aos
Magistrados.

2. ISONOMIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL


Supremo Tribunal Federal

Sabemos que o princípio da isonomia ou também


chamado de princípio da igualdade, é o pilar de
sustentação de qualquer Estado Democrático de Direito. O
sentimento de igualdade na sociedade moderna, anseia o
tratamento justo aos que ainda não conseguiram alcançar a
implementação de seus direitos mais básicos e
fundamentais, para que tenham não somente o direito a
viver, mas para que também possam ter uma vida digna.

A Constituição Federal de 1988, dispõe em seu


artigo 5º, caput, sobre o princípio da isonomia, nos
seguintes termos:

“Artigo 5º. Todos são iguais perante a


lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes.”

Percebe-se que há uma nítida discriminação


entre os agentes públicos feita pela Emenda 457/2005-DF,
pois cria categorias diferenciadas, isto é, certas
classes de agentes públicos, considerados de 1ª classe,
são de imediato beneficiados pelo texto constitucional
apresentado e os demais, que constituem a maioria dos
agentes públicos deverão submeter-se às disposições que
forem formalizadas em lei complementar.

O texto impugnado altera a idade para a


aposentadoria compulsória de 11 Ministros do Supremo
Tribunal Federal, 33 Ministros do Superior Tribunal de
Justiça, 17 Ministros do Tribunal Superior do Trabalho e
9 Ministros do Tribunal de Contas da União. No total 70
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agentes públicos do País são beneficiados com o aumento


da idade para aposentadoria compulsória. Assim trata-se
de um grupo de 70 agentes públicos de um universo de
cerca de 10 milhões de servidores públicos, dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos
parecendo claro a desigualdade no tratamento entre os
indivíduos.

Ora, se vai ser alterada a idade limite para


aposentadoria dos agentes públicos, que seja em igualdade
de condições para todos, como expressa o princípio da
isonomia. O que faz serem tratados de forma diferenciada
os membros dos tribunais no âmbito da União, em
detrimento, dos membros dos tribunais no âmbito dos
Estados, e os demais servidores públicos de todos os
poderes e esferas do país?

Portanto, o texto configura-se como


inconstitucional, ao contrariar o princípio supracitado,
consagrado em nosso ordenamento jurídico.

3. ENGESSAMENTO DA JURISPRUDÊNCIA

Analiso agora outro aspecto, o engessamento da


jurisprudência, combatido por inúmeros membros do Poder
Judiciário. É extremante necessário em qualquer esfera
seja ela pública ou privada; pertencente a qualquer um
dos três poderes a constante mudança e renovação, como
forma de atender às novas perspectivas, retirando os
monopólios detidos por determinadas entidades.
Supremo Tribunal Federal

Sabemos que muitos magistrados auguram


permanecer no serviço público ativo, não por motivações
altruísticas a serviço da Nação, conforme se declara, mas
em razão de apelos de conveniência, que nunca são
admitidos. À serviço de si mesmos e dos seus protegidos,
apadrinhados e subordinados, antes que ao país e seus
semelhantes. A natureza humana dos Juízes não pode ser
tomada como distinta daquela dos demais servidores
públicos, sobretudo quando se trata da concessão de
garantias que não reúnem especificidade alguma.

O que se pretende combater é o apego ao poder,


que consequentemente garante a oxigenação do sistema
judicial, a evolução das carreiras da Magistratura e a
impessoalidade dos veredictos. A aposentadoria
compulsória aos 70 anos garantia o revezamento na
ocupação dos tribunais, favorecendo a renovação do
posicionamento do Judiciário, que não pode permanecer
estático e precisa se adequar aos novos tempos e às novas
situações.

4. EFEITOS NA PREVIDÊNCIA

A parte autora afirma que a emenda traz


consigo forte impacto no sistema previdenciário, devido
às eventuais aposentadorias prematuras dos juízes
afetados com o aumento da idade limite para a
aposentadoria compulsória. Estes, desestimulados nas
instâncias inferiores, após longos anos em uma
desgastante carreira e não tendo muitas perspectivas de
ascensão,ao vislumbrarem as condições exigidas para a
Supremo Tribunal Federal

aposentadoria espontânea,aposentar-se-iam mais cedo,


retirando-se dos quadros de contribuição em grande
proporção, causando danos aos cofres públicos.

A presunção citada é demasiada abstrata, pois


primeiramente deve haver um grande número de
aposentadorias espontâneas e este deve ser superior aos
daqueles que se manterão nos cargos, para que assim haja
algum déficit na previdência, o que claramente não se
pode prever com exatidão.

Além do mais, ainda falta lei complementar que


venha regular a aposentadoria dos demais servidores
públicos, incluindo-se os juízes das demais instâncias
inferiores, valendo a lei a partir da data da publicação
apenas para Ministros do Superior Tribunal Federal, dos
Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União.
Portanto, não podemos levar em conta a suposição
supracitada ainda mais por conta da falta da
regulamentação legal, o que torna o argumento mais
incerto.

Agravando-se a situação de impropriedade da


presunção do rombo na previdência decorrente do grande
número de aposentadorias espontâneas, devido à falta de
perspectivas de ascensão na carreira da magistratura
pelos juízes de instâncias inferiores, relatamos,
acompanhando o parecer da Procuradoria Geral da
República, que os cargos, que, atualmente, estão sujeitos
ao aumento, são de escolha privativa do Presidente da
República, de caráter claramente discricionário. Assim, a
ascensão ou não aos cargos sujeitados ao aumento do
limite máximo para a aposentadoria compulsória, partem de
uma escolha da Presidência da República, garantida pela
Supremo Tribunal Federal

Constituição, e não decorrentes de elevação profissional


acessível a todos os juízes ou servidores públicos em
geral.

Sobre a afirmação dos requerentes de que o


aumento da idade-limite traria forte impacto negativo no
sistema previdenciário, entendemos tratar-se de um
equívoco, não podendo considerá-la como válida.

5. LEITURA CONTROVERSA DO ART. 52 DA CF

O Legislador ao elaborar o texto da “Emenda da


Bengala” equivocou-se ao citar o artigo 52 da CF,
estabelecendo no art. 2º da referida emenda que os
Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais
Superiores e do Tribunal de Contas da União, aposentar-
se-ão compulsoriamente aos setenta e cinco anos, nas
condições do art. 2º da Constituição Federal.

Vejamos:

“Art. 2º O Ato das Disposições


Constitucionais Transitórias será acrescido do
seguinte art. 95:
“Art. 95. Até que entre em vigor a lei
complementar de que trata o inciso II do § 1º do
art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores
e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão,
compulsoriamente, aos setenta e cinco anos de
idade, nas condições do art. 52 da Constituição
Federal.”
Supremo Tribunal Federal

A leitura do texto revela uma


incompatibilidade entre a parte inicial do art. 95, que
trata sobre a previsão de aposentadoria compulsória aos
75 anos, e a parte final do mesmo dispositivo, ao afirmar
que será feita nas condições do art. 52 da CF.

O art. 52 da CF refere-se à competência


exclusiva do Senado Federal para aprovar aqueles que
tenham sido indicados pelo Presidente da República para
ingresso nos respectivos Tribunais – Supremo Tribunal
Federal, Tribunais Superiores e Tribunal de Contas da
União – como estabelecidos no inciso III, alíneas “a” e
“b”. Dessa forma o previsto no art. 52 é pertinente ao
acesso ao cargo de ministro e não para a aposentadoria.

As condições de acesso dos ministros aos


referidos tribunais são a aprovação por voto secreto no
Senado Federal e a submissão à arguição pública anterior
à votação, a chamada sabatina, na qual os senadores devem
verificar se o ministro indicado tem capacidade para
assumir o cargo, rejeitando ou aprovando sua entrada no
tribunal.

Dessa forma, ao prever que os membros dessa


Corte Suprema, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de
Contas da União “aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos
setenta e cinco anos de idade, nas condições do art. 52”,
o legislador constituinte derivado acaba por mesclar
critérios de acesso com critérios de aposentadoria ou
continuidade do cargo, criando um texto nitidamente
ininteligível.
Supremo Tribunal Federal

6. CONSTITUCIONALIDADE NA ESCOLHA DOS


MINISTROS

Os ministros do Supremo Tribunal Federal são


escolhidos pelo Presidente da República entre os cidadãos
com mais de 35 e menos de 65 anos, de notável saber
jurídico e reputação ilibada. Depois de aprovada a
escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, os
indicados são nomeados ministros pelo Presidente da
República. O cargo é privativo de brasileiros natos e não
tem mandato fixo: o limite máximo é a aposentadoria
compulsória, quando o ministro atinge certo tempo de
idade, até então os setenta anos.

Imperioso se faz refletir o que levou o


constituinte a estipular no Texto Constitucional que as
escolhas para compor a mais alta Corte do país dar-se-iam
pelo Chefe do Executivo para posterior aprovação pelo
Senado Federal. Fomentou-se uma perspectiva de controle
das escolhas, repartida entre as funções de poder, nos
termos da política dos freios e contrapesos.

O Presidente da República é eleito com as


prerrogativas constitucionais de qualquer presidente da
República de indicar membros do STF de acordo com o
surgimento das vagas. Isso é conhecido antes das
eleições. Mudar o rito atual durante o exercício do
mandato seria como alterar as regras da partida com o
jogo em andamento. As regras devem ser cumpridas e a
constituição determina e deve garantir isso por sua
supremacia.
Supremo Tribunal Federal

Portanto, enxergo como incorreta a alteração


constitucional do limite de idade para a aposentadoria
compulsória dos ministros durante o exercício do mandato
do Presidente da Republica, devendo a emenda, caso esteja
de acordo com a constituição, entrar em vigor no início
do mandato, diferentemente do que alude a emenda
impugnada ao afirmar que a lei entra em vigor na data da
sua publicação.

Dessa forma, declarada sua


constitucionalidade, a emenda passará a valer não para os
atuais ministros, mas para os futuros indicados, e assim
não se atropelariam as regras já preestabelecidas.

7. EXPOSIÇÃO DO VOTO

Em suma:

Julgo procedente a ação direta de inconstitucionalidade,


e dispensável o pedido de medida cautelar, quanto a
Emenda impugnada, qual seja a de número 20132, “Emenda da
Bengala”.

É como voto.
Supremo Tribunal Federal

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