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Vilma Aparecida de Souza

Fernanda Duarte Araújo Silva


Armindo Quillici Neto
Organizadores

FORMAÇÃO DE
PROFESSORES

Uberlândia, MG
2015
Revisão
Organizadoras

Diagramação
Adriana Cardoso

Impressão e acabamento
Composer

Conselho Editorial

Adriana C. Omena dos Santos


Aparecido José Cirillo
Cesária Alice Macedo
Gazy Andraus
Glayson Arcanjo
Lídia Maria Meirelles
Leda Maria de Barros Guimarães
Luciana Arslan Mourão
Mara Rúbia Marques
Miguel Rodrigues de Sousa Netto
Raquel M. Salimeno de Sá
Renato Palumbo Dória
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................7

CAPÍTULO I
FORMAÇÃO DOCENTE: CONCEPÇÕES, VOZES E PERCEPÇÕES DE
PARTICIPANTES DO CURSO DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL
ESPECIALIZADO PARA ALUNOS SURDOS
Introdução.................................................................................................................11
Formação de Professores para a Educação de Surdos................................................12
Organização do curso e sujeitos da pesquisa.. .........................................................20
A Formação de Professores para atuar com alunos surdos: concepções, vozes e
percepções.................................................................................................................21
Algumas considerações.............................................................................................25
Referências bibliográicas.........................................................................................25

CAPÍTULO II
A EDUCAÇÃO, O JECA E A COMPLEXIDADE DA CULTURA BRASILEIRA
Introdução.................................................................................................................29
A ilmograia e a educação não escolar.....................................................................30
Considerações inais..................................................................................................42
Referências...............................................................................................................43

CAPÍTULO III
POLÍTICA DE FORMAÇÃO DOCENTE DO CURSO DE PEDAGOGIA -
PARFOR: CONSTRUINDO NOVAS POSSIBILIDADES
Caminhos formativos e perspectivas inovadoras da prática docente.........................45
As Políticas de Formação: Breves apontamentos......................................................51
A formação de professores em serviço e o curso de Pedagogia do PARFOR/ Câmpus
de Tocantinópolis......................................................................................................55
Algumas Considerações...........................................................................................56
Referências...............................................................................................................56

CAPÍTULO IV
EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL E FORMAÇÃO DE EDUCADORES
Palavras iniciais: as concepções e atendimento da Educação em Tempo Integral .....59
A Educação Integral e pressupostos para a formação docente....................................63
Iniciativas de formação docente em Educação Integral: Curso de Especialização
Educação Integral em Direitos Humanos da Universidade Federal da Paraíba...........66
Referências...............................................................................................................70

CAPÍTULO V
PROJETO DE FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA: CONTRIBUIÇÕES DAS
EXPERIÊNCIAS DE VIDA NA FORMAÇÃO INICIAL NOS CURSOS DE
LICENCIATURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – MG.
Introdução.................................................................................................................73
Escritas relexivas sobre si........................................................................................74
A formação docente compartilhada...........................................................................80
Considerações Finais................................................................................................86
Referência Bibliográica............................................................................................87

CAPÍTULO VI
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DIVERSIDADE: SEXUALIDADE E
GÊNERO NAS ESCOLAS DO BICO DO PAPAGAIO
Analisando os dados.................................................................................................90
O PNE e a ‘ideologia de gênero’ – o papel do professor..............................................97
Perspectivas... ...........................................................................................................98
Referencias bibliográicas.......................................................................................100
Sites consultados.....................................................................................................101

CAPÍTLO VII
GÊNERO, SEXUALIDADES E FORMAÇÃO DOCENTE: OLHARES SOBRE A
PRÁTICA PEDAGÓGICA DE PROFESSORAS BRASILEIRAS
Introdução...............................................................................................................103
Nuances da educação não formal como espaço de formação docente.....................106
Gênero e sexualidades: indícios de uma formação docente queer.........................109
Considerações.........................................................................................................116
Referências..............................................................................................................116

CAPÍTULO VIII
FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL PARA
ALTAS HABILIDADE/SUPERDOTAÇÃO: TRAJETÓRIA DO MUNICÍPIO DE
UBERLÂNDIA
Introdução...............................................................................................................119
Contribuições do curso e da pesquisa e seus desdobramentos..................................123
Considerações inais, ainda que preliminares.........................................................129
Referências.............................................................................................................130

CAPÍTULO IX
POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
Introdução...............................................................................................................133
O programa de formação continuada de professores na educação especial no âmbito
da Universidade Aberta do Brasil – UAB...............................................................134
O Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial na
Universidade Federal de Uberlândia.......................................................................139
Discutindo o conceito de Inclusão no Fórum de Discussão................................140
Considerações inais................................................................................................145
Referências.............................................................................................................146

CAPÍTULO X
AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A GESTÃO DO
TRABALHO DO PROFESSOR - UTOPIA E A SAÚDE DO TRABALHADOR.
O trabalho do professor do Ensino Superior e a educação no capitalismo
contemporâneo........................................................................................................149
Os mecanismos de avaliação de programas e a educação a distância: fatores impactantes
na gestão do trabalho do professor..........................................................................153
Considerações inais...............................................................................................158
Referências.............................................................................................................159
Artigos....................................................................................................................159
Documentos e Legislação.......................................................................................160
Livros......................................................................................................................160

CAPÍTULO XI
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE LITERATURA NA VALORIZAÇÃO DA
ESCRITA EPISTOLAR: ANÁLISE DE UMA CARTA DE OLGA BENARIO
Introdução...............................................................................................................161
A carta.....................................................................................................................163
Considerações inais................................................................................................173
Referências .............................................................................................................174

DADOS SOBRE AUTORES..................................................................................177


APRESENTAÇÃO

A partir de alguns anseios em relação a questão da formação de


professores, propomos a construção de um livro, cuja temática trata das
variáveis que envolvem este tema que ainda é parte da preocupação de
muitos educadores. A proposta surgiu entre proissionais que compartilham
das preocupações sobre a formação de professores e que trabalham em
cursos de Pedagogia, Licenciaturas e na Pós-Graduação em Educação.
O objetivo desta produção é alavancar um debate sobre a formação
de professores nas suas várias perspectivas, assim, apresentamos
publicações que tratam das práticas pedagógicas, das tendências políticas
e ideológicas que norteiam a educação nas últimas décadas, bem como
seus princípios teóricos e o debate sobre os seus fundamentos.
Iniciamos o livro com o capítulo I: “Formação Docente:
Concepções, Vozes e Percepções de Participantes do Curso de Atendimento
Educacional Especializado para Alunos Surdos, de autoria de Fernanda
Duarte Araújo Silva, Vilma Aparecida de Souza e Viviane Buiatti que
apresenta resultados de uma pesquisa realizada na 4ª Edição do Curso
de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado para
Alunos Surdos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). O objetivo
dessa pesquisa foi identiicar as concepções de uma das turmas atendidas
por esse curso no que diz respeito à formação de professores para atuar
com alunos surdos.
O capítulo II: “A Educação, o Jeca e a Complexidade da Cultura
Brasileira”, dos autores Armindo Quillici Neto e Juscimar Maria Paula,
apresenta uma pesquisa que teve o intuito de abordar a análise da
produção cinematográica de Mazzaropi e sua contribuição para a história
da Educação no Brasil.
O capítulo III, “Política de Formação Docente do Curso de
Pedagogia - PARFOR: Construindo Novas Possibilidades”, de autoria de
Fabíola Andrade Pereira e Maria José de Pinho, promove uma discussão
sobre os caminhos formativos e perspectivas inovadoras da prática
docente, as políticas de formação e a formação de professores em serviço
do Curso de Pedagogia do Plano Nacional de Formação de Professores
(PARFOR) da Universidade Federal do Tocantins (UFT)/Campus de
Tocantinópolis.
Em seguida, continuando as discussões sobre a formação docente,
o livro contempla o capítulo IV intitulado: “Educação em Tempo Integral
e Formação de Educadores”, de autoria de Monalisa Porto Araújo e
Orlandil Moreira de Lima. Neste capítulo são apresentados estudos

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sobre a educação integral e pressupostos para a formação docente, com
ênfase nas iniciativas de formação docente em educação integral do
Curso de Especialização em Educação Integral em Direitos Humanos da
Universidade Federal da Paraíba (UFP).
Prosseguindo a discussão sobre formação docente, o capítulo V:
“Projeto de Formação para a Docência: Contribuições das Experiências
de vida na Formação Inicial nos Cursos de Licenciatura da Universidade
Federal de Uberlândia – MG”, de autoria de Vanessa T. Bueno Campos
e Fernanda Duarte Araújo Silva, aborda a discussão e relexão sobre o
uso de Projetos de Formação enquanto um instrumento auto formativo
no âmbito da formação inicial de professores. Trata-se de um relato de
experiências, contemplando apontamentos sobre as vivencias nas aulas
de Didática Geral oferecida nos cursos de licenciatura da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), desde 2011.
Dando continuidade à discussão sobre a formação de professores,
o capítulo VI: “Formação de Professores e Diversidade: Sexualidade e
Gênero nas Escolas do Bico do Papagaio”, de autoria de Eliseu Riscaroli
apresenta uma pesquisa desenvolvida com adolescentes e jovens que teve
como objetivo principal discutir sobre as representações desses jovens
sobre suas sexualidades, e como o tema tem sido, ou não, abordado
pela escola e pelos professores, sobretudo tendo presente a premissa do
Parâmetro Curricular Nacional (PCN) – Tema Transversal.
Ainda nessa relação entre sexualidade e formação docente, no
capítulo VII: “Gênero, Sexualidades e Formação Docente: Olhares Sobre
a Prática Pedagógica de Professoras Brasileiras”, os autores Neil Franco
e Nilce Vieira Campos Ferreira apresentam uma pesquisa realizada entre
2010 e 2014, que objetivou contextualizar a prática docente de professoras
trans brasileiras no sentido de ressaltar como as temáticas de gênero e
sexualidades entrelaçam seu cotidiano proissional, buscando indícios do
processo de formação docente no qual estiveram/estão imersas.
No capítulo VIII, intitulado: “Formação de Proissionais da
Educação Especial para Altas Habilidade/Superdotação: Trajetória do
Município de Uberlândia”, as autoras Maria Isabel de Araújo, Marta
Emídio Pereira Oliveira e Márcia Arantes Buiatti Pacheco apresentam
uma investigação que teve como objetivo relatar os primeiros passos
do município de Uberlândia/MG no processo de formação docente de
proissionais da Educação Especial para identiicação e implantação do
Serviço de Atendimento Educacional Especializado (AEE) para Alta
Habilidade/Superdotação.
O capítulo IX: “Política de Formação Continuada de Professores
da Educação Básica no Âmbito da Universidade Aberta do Brasil”, das

8
autoras Vanuza Aparecida de Souza, Vanilda Aparecida de Souza e Vilma
Aparecida de Souza apresentam resultados de uma pesquisa que teve
como objetivo analisar os desdobramentos da atual política de formação
continuada de professores da educação básica iniciada no governo Lula,
a partir da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Tal estudo procurou
discutir os desdobramentos dessa política de formação continuada
a partir das percepções dos professores que participaram do Curso de
Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional
Especializado (EEAEE), proposto pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), no período de 2009/2010.
No penúltimo capítulo: “As Transformações no Mundo do Trabalho
e a Gestão do Trabalho do Professor - Utopia e a Saúde do Trabalhador”,
de autoria de Aparecida Carneiro Pires e Inayá Maria Sampaio, abordam
um debate sobre o trabalhador docente, nas novas formas de gestão do
seu trabalho, permeada pela atual política de avaliação de agências de
inanciamento no ensino superior, pela expansão da educação a distância,
pelos questionamentos em relação à precarização na sua atuação
proissional, intensiicação, e “produtivismo acadêmico”.
O último capítulo: “Relexões sobre o Ensino de Literatura na
Valorização da Escrita Epistolar: Análise de uma Carta de Olga Benario”
da autora Mariana Bisaio Quillici discute a importância da escrita
epistolar na transmissão de experiências signiicantes dentro da história
universal, para tanto, analisaremos uma das epístolas escritas por Olga
Benario enquanto esteve presa na Prisão feminina Barnimstraße, em
Berlim. Traçando este percurso, salientaremos, ainda, a criação de uma
memória coletiva que envolve a participação do Brasil na Shoah
Em suma, este livro reúne resultados de estudos envolvendo o tema
formação de professores para os diferentes níveis de ensino e demarca
esse processo a partir de percursos repletos de lutas e de conlitos, de
hesitações e de recuos.

Vilma Aparecida de Souza


Fernanda Duarte Araújo Silva
Armindo Quillici Neto

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CAPÍTULO I

FORMAÇÃO DOCENTE: CONCEPÇÕES, VOZES E


PERCEPÇÕES DE PARTICIPANTES DO CURSO DE
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO PARA
ALUNOS SURDOS

Viviane Prado Buiatti


Fernanda Duarte Araújo Silva
Vilma Aparecida Souza

Introdução

O presente texto apresenta dados de uma pesquisa realizada na


4ª Edição do Curso de Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional
Especializado para Alunos Surdos, no ano de 2012. O mesmo é desenvolvido
pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) por meio do Centro
de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial
(CEPAE) desde o ano de 2007 e constitui-se como uma vertente da rede
de formação continuada à distância de professores em Educação Especial
do Ministério da Educação (MEC) e Secretaria de Educação Especial
(SEESP), em parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB). Entre
os principais objetivos do curso está: proporcionar formação contínua à
distância, via web, para proissionais da educação que atuam ou pretendem
atuar com alunos surdos na modalidade de Atendimento Educacional
Especializado. O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), Moodle,
é a principal forma de interação e comunicação entre tutores e alunos.
O curso possui carga horária que contempla 200 (duzentas) horas/
aulas à distância e conta com uma equipe média de 17 (dezessete)
professores pesquisadores e formadores e 50 (cinquenta) tutores, ele se
apresenta como uma tentativa de contribuir com a formação continuada de
professores que atendem ou pretendem atender alunos surdos, na busca de
implementar a Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva.
Vale ressaltar que compreendemos a Educação Inclusiva como
sendo um processo em que se amplia a participação de todos os estudantes
nas instituições de ensino regular, a partir de uma reestruturação da
cultura, da prática e das políticas educacionais no intuito de atender toda
a diversidade dos sujeitos que compõem esse espaço. (CASTRO, 1997)
Temos como objetivo nesse artigo identiicar as concepções de
uma das turmas atendidas por esse curso no que diz respeito à formação
11
de professores para atuar com alunos surdos. Para isso, utilizaremos um
de seus fóruns, destinado a propiciar espaço para que os participantes
se posicionem exclusivamente sobre essa temática. Acreditamos que
esses fóruns podem propiciar, em ambientes virtuais de aprendizagem,
a discussão e a interação, uma vez que os cursistas devem dialogar entre
si, como em uma “conversa presencial”. Sobre essa questão da interação
para a construção de conhecimentos, concordamos com Kenski (2002)
ao airmar:

Interagir com o conhecimento e com as pessoas para


aprender é fundamental. Para a transformação de um
determinado grupo de informações em conhecimentos
é preciso que estes sejam trabalhados, discutidos,
comunicados. As trocas entre colegas, os múltiplos
posicionamentos diante das informações disponíveis,
os debates e as análises críticas auxiliam a sua
compreensão e elaboração cognitiva. As múltiplas
interações e trocas comunicativas entre parceiros do
ato de aprender possibilitam que estes conhecimentos
sejam permanentemente reconstruídos e reelaborados
(KENSKI, 2002, p. 258).

Apresentaremos a seguir uma pesquisa bibliográica sobre a


formação de professores para atuar na educação de surdos, com o
propósito de embasar as discussões realizadas sobre os dados obtidos.

Formação de Professores para a Educação de Surdos

A inclusão das pessoas com surdez na escola comum enfrenta


muitos desaios e grande parte deles relacionam-se às condições de
comunicação, interação entre seus pares e o conhecimento dos professores,
sua capacitação para o trabalho com esta população. É preciso situar a
análise da formação de docentes para a educação de pessoas surdas com
a sua constituição histórica, social e psicológica.
Numa retrospectiva histórica, Goldfeld (2002) retrata que no
século XVI eram utilizadas diversas metodologias para a educação de
surdos, em alguns locais a ênfase na língua oral, em outros a língua de
sinais e uso de códigos visuais para a comunicação. No século XVIII
várias instituições de ensino para surdos foram abertas e houve um
fortalecimento para a aprendizagem da linguagem oral, tendo destaque,
a concepção de que a pessoa com surdez precisava adentrar-se ao mundo
da grande maioria das pessoas, com a oralidade.
A formação de professores nesta fase baseava-se na cura, nas
práticas ortopédicas e a pessoa surda deveria ser “corrigida” para ser
12
incluída na escola e na sociedade. Segundo Machado (2010, p. 49) “a
formação de proissionais especialistas na atuação com alunos surdos,
tem, neste momento, uma obsessão pela surdez, que é a materialidade
dessa diferença e busca a compreensão de sua superação e cura”. Neste
sentido, cursos de formação para professores especialistas no trabalho
com a pessoa com surdez utilizavam o método oral puro, o Ministério
da Educação adotou cartilhas propagando métodos e técnicas da fala
oral, numa perspectiva clínica da surdez e orientada para meta de
normalização. O surdo constituía-se em uma população que estava fora
da norma estabelecida e nesta concepção médica, o anormal era aquele
que escapava daquilo que a sociedade desenhava como sendo o normal.
Rezende et all (2010) destacam que no ano de 1970 com a
publicação de um artigo sobre a língua de sinais americana, associado
a grande insatisfação à utilização da linguagem oral, a língua de sinais é
retomada. Outra ilosoia proposta neste momento é a comunicação total
que considera qualquer recurso possível para a comunicação. Damázio
(2007) considera que a comunicação total é uma feição do oralismo,
sendo método questionável quando se observa a pessoa com surdez frente
aos desaios da vida cotidiana.
A partir destas discussões, a língua de sinais passa a ser uma das
frentes nos debates das políticas públicas de inclusão para pessoas surdas.
Nos anos de 1990 com o surgimento dos documentos na perspectiva
da inclusão, como a Conferência Mundial sobre Educação para Todos
(1990) e na Declaração de Salamanca (1994) tem-se o fortalecimento da
língua de sinais e a inclusão de todos na classe comum. As propostas
educacionais e o bilinguismo se estruturam a partir do decreto de 5.626/05
que regulamenta a lei de LIBRAS. O decreto deine a LIBRAS como
a primeira língua para os alunos surdos e a Língua Portuguesa como
segunda língua na modalidade escrita. Orienta, ainda, a formação inicial
e continuada de professores e formação de intérpretes para a tradução e
interpretação da LIBRAS e da Língua Portuguesa.
De acordo com Silva et all (2010, p. 21) o decreto traz dois aspectos
necessários para caracterizar a surdez:

• Vinculação do conceito de surdez à interação com o mundo


através das experiências visuais, presentes e manifestas na
cultura própria das comunidades surdas nas quais a presença
da língua de sinais é o principal diferenciador;
• Demarcação dos parâmetros clínicos a serem medidos em
decibéis.

13
Vigotski (2007) destaca a língua de sinais como acesso das pessoas
surdas no convívio social e na aprendizagem escolar. Para o autor, as leis
gerais do desenvolvimento são iguais para todas as crianças, porém, é
necessário considerar que a criança com deiciência necessita de recursos
especiais e caminhos alternativos. Góes (2007, p.99) defende que “não
é o déicit em si mesmo que traça o destino da criança. Esse “destino” é
construído pelo modo como a deiciência é signiicada, pelas formas de
cuidado e educação recebidas pela criança, enim, pelas experiências que
lhes são propiciadas”.
Bueno (1999) aponta os cuidados que emergem a proposta de
educação inclusiva, denunciando que a presença física do aluno com
deiciência não garante a inclusão, é necessário o preparo da instituição
para trabalhar com as diferenças e promover capacidades, potencialidades
e construção de conhecimentos. Nesta perspectiva, são necessários
projetos diferenciados e não apenas pequenos ajustes.
O decreto 5.626/05 demarca a formação docente para atuar
na educação de pessoas surdas, incluindo a LIBRAS como disciplina
curricular, como se lê no artigo 3º:

Art. 3o A LIBRAS deve ser inserida como disciplina


curricular obrigatória nos cursos de formação de
professores para o exercício do magistério, em nível
médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de
instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema
federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios.
§ 1o Todos os cursos de licenciatura, nas diferentes
áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio,
o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o
curso de Educação Especial são considerados cursos
de formação de professores e proissionais da educação
para o exercício do magistério (BRASIL, 2005, p. 4).

Com este documento, todos os cursos de formação de professores


devem implementar em seu currículo a disciplina de LIBRAS e, assim,
o ensino superior possui a responsabilidade pela formação inicial para
que a LIRAS esteja efetivamente presente na escolarização das pessoas
surdas. Este decreto destaca, também, sobre a formação do professor de
LIBRAS e do Instrutor:

Art. 4o A formação de docentes para o ensino de


LIBRAS nas séries inais do ensino fundamental,
no ensino médio e na educação superior deve ser
realizada em nível superior, em curso de graduação de

14
licenciatura plena em Letras: LIBRAS ou em Letras:
LIBRAS/Língua Portuguesa como segunda língua.
Art. 5o A formação de docentes para o ensino de
LIBRAS na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental deve ser realizada em curso de
Pedagogia ou curso normal superior, em que LIBRAS
e Língua Portuguesa escrita tenham constituído
línguas de instrução, viabilizando a formação bilíngue
(BRASIL, 2005, p. 4).

Neste sentido, o decreto dispõe um curso de graduação especíico


para a formação de docentes no ensino de LIBRAS o que demonstra um
grande avanço, considerando esta a primeira língua das pessoas surdas.
No capítulo VI determina a garantia do direito à educação das pessoas
surdas ou com deiciência auditiva, “Art. 22. As instituições federais de
ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de
alunos surdos ou com deiciência auditiva, por meio da organização de”:

I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a


alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues,
na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental;
II - escolas bilíngues ou escolas comuns da rede
regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes,
para os anos inais do ensino fundamental, ensino
médio ou educação proissional, com docentes
das diferentes áreas do conhecimento, cientes da
singularidade linguística dos alunos surdos, bem como
com a presença de tradutores e intérpretes de LIBRAS
- Língua Portuguesa (BRASIL, 2005, p. 6).

De acordo com este texto, o aluno surdo tem o direito da


escolarização bilíngue na qual a língua de sinais é instrumento de
comunicação, ensino e aprendizado, e a Língua Portuguesa é língua de
instrução na modalidade escrita. Garante também a presença do tradutor
e intérprete de LIBRAS.
O Capítulo IV destaca o uso e difusão da LIBRAS e da Língua
Portuguesa para o acesso das pessoas surdas à educação, no artigo 1º
descreve o atendimento educacional especializado para esta população e
a formação de proissionais para realização deste atendimento,

I - promover cursos de formação de professores para:


a) o ensino e uso da LIBRAS
b) a tradução e interpretação de LIBRAS - Língua
Portuguesa; e

15
c) o ensino da Língua Portuguesa, como segunda
língua para pessoas surdas;
V - garantir o atendimento às necessidades educacionais
especiais de alunos surdos, desde a educação infantil, nas
salas de aula e, também, em salas de recursos, em turno
contrário ao da escolarização (BRASIL, 2005, p.7).

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é deinido


pelo decreto nº 7611 cujo objetivo é proporcionar um atendimento
complementar ou suplementar à escolarização dos alunos com deiciência,
transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,
não substitui o ensino regular e é ofertado em horário contraturno.
Segundo este documento, os proissionais que atuam no AEE terão
formação continuada para o trabalho com a demanda deste serviço.
O AEE deve atuar em conjunto com a sala comum e “prover
condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e
garantir serviços de apoio especializados de acordo com as necessidades
individuais dos estudantes” (BRASIL, 2011, p.1). Suas ações envolvem a
acessibilidade, recursos pedagógicos, planejamento educacional e uso de
tecnologia assistiva.
Destaca a inclusão das pessoas surdas no ensino comum e a
disponibilização de um espaço bilíngue em toda a escola, isto é, consolida
a Língua Portuguesa, a língua de sinais, os serviço de tradutor-intérprete
de LIBRAS e de Língua Portuguesa e desenvolve o ensino da LIBRAS
para todos os alunos da escola. Os proissionais que atuam no AEE tem
a função de auxiliar o desenvolvimento e consolidação da acessibilidade
para cada caso, levando em consideração as diferenças linguísticas.
Neste contexto, a escola necessita de proissionais capacitados,
tanto no AEE quanto na sala comum com formação inicial e continuada
que contemple a docência e os conhecimentos especíicos relacionados à
escolarização de pessoas surdas. Como ressaltam Silva et all (2010)

Organizar a Educação Especial na perspectiva da


educação inclusiva implica disponibilizar nas escolas
as funções de Instrutor Surdo, Tradutor-Intérprete de
LIBRAS e Guia Intérprete bem como de Monitor ou
Cuidador para os alunos com necessidade de apoio
nas atividades de higiene, alimentação, locomoção,
entre outras que exijam auxílio constante no cotidiano
escolar (silva, 2010, p.24).

O Ministério da Educação (MEC) com vistas a contemplar a


qualiicação de proissionais para o atendimento da surdez disponibiliza a
formação para o AEE com os cursos de formação continuada presenciais
16
e à distância e a criação das salas de Recurso Multifuncionais equipadas
com materiais em LIBRAS para o AEE. Houve também a abertura de
Centros de Formação de Proissionais de Educação e de atendimento às
Pessoas com Surdez (CAS) responsáveis pela capacitação de proissionais
da educação, apoio na instrumentalização de materiais pedagógicos
e grupos de convivência. O Instituto de Educação de Surdos (INES) é
outra instituição avaliada como referência nacional que realiza cursos
de formação, produção de conhecimentos na área, encontros, fóruns e
orientação às famílias.
A formação inicial é contemplada na legislação. O curso de
Graduação em Letras/LIBRAS (Licenciatura e Bacharelado) está sendo
oferecido em algumas Universidades Federais e Estaduais. Segundo Silva
et all (2010) são 20 polos contemplados em 12 estados, além de oferecer
nestas instituições o curso de Bacharelado pra formação de tradutores
Intérpretes de LIBRAS.
Contudo, apesar de alguns avanços nas políticas públicas com o
decreto nº 5.626, diversos autores (SILVA ET ALL 2010; MACHADO,
2010; OLIVEIRA, 2008) discutem a falta de proissionais com qualiicação
para o trabalho com o aluno surdo. O professor do AEE e aqueles que
realizaram a capacitação em LIBRAS, seja na formação inicial, ou
continuada, tornam-se os responsáveis por este discente e neste sentido,
permanece isolado no processo de escolarização. E então, questiona-se:
será que o aluno surdo está realmente incluído no sistema educacional?
De que forma as práticas pedagógicas estão sendo disponibilizadas para
este aluno?
Lacerda (2006) realizou uma pesquisa em uma escola da rede
privada que continha uma aluna surda do ensino fundamental e a presença
de intérprete da língua de sinais. A autora entrevistou a coordenadora
da escola, a intérprete, a aluna surda, a professora a família e os alunos
ouvintes. Fez também observações na sala de aula. O estudo revelou que
a aluna surda mantinha contato quase que exclusivo com a intérprete e
pouco dialogava com os demais colegas e com a professora. A docente
apresentava muitas diiculdades na interação com a aluna e no trabalho de
escolarização dela, principalmente com o ensino da língua portuguesa. A
pesquisadora declara que o aluno surdo permanece anos na escola e pouco
aprende, “em muitos casos, termina a oitava série com conhecimentos
de língua portuguesa e matemática compatíveis com a terceira série”
(LACERDA, 2006, p. 177). Em seu estudo detectou que a escola conhecia
muito pouco sobre a surdez e suas peculiaridades, e havia ausência de um
planejamento entre os proissionais.
Em outra pesquisa, realizada em uma escola pública estadual com
alunos surdos inseridos nas classes de ensino fundamental no Estado de
17
São Paulo, Oliveira (2008) detectou que existia a separação entre alunos
ouvintes e alunos surdos no interior da escola e permanecia a crença
de que estes alunos seriam incapazes de aprender. Os conteúdos eram
diferenciados e esperava-se que aprendessem poucas coisas, o conteúdo
era menor e a gramática desnecessária. Segundo a autora,

As práticas escolares voltadas ao atendimento dos


surdos poderiam ser interpretadas como práticas que
excluem o aluno surdo no interior das escolas (...).
Depois de permanecer anos a io na escola, ao inal
obtêm certiicados desvalorizados de acordo com as
manifestações dos próprios professores que airmaram
esperar que esses alunos pegassem um “pouquinho” da
matéria, que não acreditavam que eles prosseguissem
seus estudos e que só poderiam trabalhar em coisas
simples (OLIVEIRA, 2008, p. 185).

Os cursos de formação inicial proposto pelo decreto ainda são


oferecidos em pequena quantidade e são recentes, assim, a grande maioria
dos proissionais que estão na escola comum e no ensino especial possuem
graduação em Pedagogia ou outra Licenciatura. Nestes cursos a grade
curricular oferece um número quantitativo muito reduzido de conteúdos e
disciplinas voltadas para a educação especial. Diversos autores (BUENO
2002; MARTINS, 2008; SILVA, 2009) constataram esta realidade em
pesquisas nos cursos de licenciatura.
Bueno (2002) pesquisou 58 instituições do Brasil, de ensino
superior, e veriicou que apenas 51,7% das instituições ofereciam
disciplinas com conteúdos da educação especial. Silva (2009) realizou
uma pesquisa em diversos currículos de cursos de licenciatura e averiguou
que dos 29 cursos pesquisados, 45% apresentaram em seus currículos
a presença da educação inclusiva e/ou especial e 55% não abordavam
esta questão. Martins (2008) argumenta que as instituições de ensino de
graduação não se estruturaram de forma apropriada para a inclusão de
disciplinas ou conteúdos referentes à temática nos diversos cursos de
licenciatura. Segundo o autor:

Outros o fazem de maneira precária, através da


oferta de uma disciplina com carga horária reduzida,
que muitas vezes é ministrada de forma aligeirada,
o que não favorece a aquisição de conhecimento, o
desenvolvimento de destrezas, habilidades e atitudes
que sejam relacionadas ao processo de atenção à
diversidade do alunado. Outro aspecto a destacar é
que muitas disciplinas ainda são ofertadas apenas no
curso de Pedagogia, e em caráter eletivo, ou seja, não

18
existe obrigatoriedade da parte dos alunos para cursá-
las (MARTINS, 2008, p.83).

Nesta perspectiva, a formação continuada é um serviço de extrema


importância para que as práticas da educação inclusiva se efetivem. É
destaque na Lei de Diretrizes e Bases 9394/96, no art. 63, no inciso III,
deine que as instituições formativas deverão propiciar programas de
formação continuada para os proissionais de educação nos diversos
níveis. E no art. 67, inciso II declara que os sistemas de ensino deverão
promover aperfeiçoamento proissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico para esse im (BRASIL, 1996).
Prada (1997, p. 103) declara que a formação continuada de
professores em serviço, realizada no lócus de trabalho dos proissionais,
“implica em envolver as experiências individuais e coletivas construídas
no cotidiano do trabalho docente a partir do desenvolvimento de projetos
institucionais de formação”. A formação com a equipe de trabalho autoriza
troca de experiências, melhoria das relações, discussão e percepção das
situações-problemas possibilitando mudanças e propostas de solucionar
as problemáticas. “É no contexto da escola que a formação pode partir
de uma prática social e retornar a ela como transformação da realidade”
(LONGAREZI e ALVES, 2009, p. 127).
A formação continuada presencial constitui-se em um valioso
meio para garantir o suporte, a instrumentalização, a pesquisa e o
desenvolvimento de conhecimentos para permear a atuação do professor.
Mas, aliada a esta formação as propostas de capacitação à distância
oferecidas pelo MEC também possibilitam a discussão, a implementação
e o movimento dos proissionais para as ações no atendimento à população
com deiciência seja no ensino regular ou na educação especial.
Cabe ressaltar que o AEE na escola e a presença do intérprete não
são as únicas necessidades do aluno surdo, de fato, é preciso contar com
proissionais com formação para suprir suas necessidades, mas toda a
equipe da escola deve estar disponível para trabalhar com esta população,
o aluno surdo é da escola e não de alguns proissionais.
A formação docente para a construção de materiais e a utilização
dos recursos pedagógicos é de grande importância tanto para o professor
do AEE, do intérprete, quanto para o professor do ensino regular, haja
vista que o aluno transitará nestes dois lugares. A acessibilidade curricular
a as novas metodologias são tarefa de construção da escola e não cabe a
um proissional apenas realizar de forma isolada porque a inclusão de
pessoas surdas no ensino regular sugere uma nova postura de organização
e modelo de escola que será adotado.

19
Organização do curso e sujeitos da pesquisa...

Como já mencionamos, apresentaremos nesse artigo uma análise


sobre as concepções de formação de professores para atuar com alunos
surdos dos participantes da 4ª Edição do Curso de Formação Continuada
“Atendimento Educacional Especializado para Alunos Surdos”, realizado
no ano de 2012, pela Universidade Federal de Uberlândia, em parceria
com o Centro Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação
Especial (CEPAE) e que possui como objetivo central realizar um curso
para professores que atendam ou queiram se qualiicar para atuar no
Atendimento Educacional Especializado para alunos surdos.
Sabemos que a educação das pessoas surdas no Brasil tem ocorrido
meio a grandes desaios e diiculdades e muitas vezes essas ocorrem
por dois motivos: o não reconhecimento da Língua de Sinais como um
instrumento de comunicação natural da comunidade surda e a ausência
de proissionais qualiicados para atender na escola esta demanda. Nessa
linha, César (2003) apresenta limites para a construção de escolas na
perspectiva inclusiva:

Escola inclusiva é uma escola onde se celebra a


diversidade, encarando-a como uma riqueza e não
como algo a evitar, em que as complementaridades das
características de cada um permitem avançar, em vez
de serem vistas como ameaçadoras, como um perigo
que põe em risco a nossa própria integridade, apenas
porque ela é culturalmente diversa da do outro, que
temos como parceiro social. (César, 2003: 119).

Nesse sentido, optamos por analisar uma amostra dos fóruns de


discussão do curso, mais especiicamente de uma turma do Curso de
Aperfeiçoamento Educacional Especializado para Alunos Surdos. O fórum
é realizado na Unidade II do curso que discuti as políticas educacionais
públicas brasileiras destinadas à educação de pessoas surdas e entre os
conteúdos abordados estão: Políticas Públicas da Educação (Constituição
de 1988, Lei nº 9.394/96, Declaração de Salamanca, Decreto Legislativo
Nº 186 e Decreto Nº 6.949/09, Política Nacional de Educação Especial e
Decreto nº 6.571/08) e Atendimento Educacional Especializado (conceito,
organização, público-alvo).
Nesse fórum encontramos a participação de 16 sujeitos e todos são
professores em efetivo exercício em escolas públicas de diversos estados
do país. Além disso, entre as condições necessárias à inscrição no curso
estão: possuir curso superior (graduação/licenciatura) e conhecimentos
básicos em informática, além de estarem atuando preferencialmente

20
no Atendimento Educacional Especializado e/ou Sala de Recursos
Multifuncionais de instituições escolares públicas.
De modo geral, temos como objetivo conseguir, por meio dos
fóruns, identiicar as concepções desses sujeitos sobre a formação de
professores para a educação de surdos; assim a questão proposta no fórum
foi: O processo de educação das pessoas surdas exige muita dedicação
e uma formação adequada dos proissionais envolvidos no cotidiano
escolar. O que você conhece e pensa sobre este processo? O espaço
buscou então apreender as opiniões, medos e expectativas dos cursistas.
A seguir, apresentaremos algumas das análises realizadas no trabalho.

A Formação de Professores para atuar com alunos surdos: concepções,


vozes e percepções...

A Conferência Mundial Educação para Todos, realizada em


Jomtien, em 1990 e a assinatura da Declaração de Salamanca, em 1994,
constituíram-se como marcos nas discussões, políticas e práticas para a
educação geral no mundo, ainal, por meio deles, inúmeros compromissos
foram assinados pelos dirigentes dos países, propostas e metas de atuação
foram estabelecidas no sentido de construirmos práticas educativas
que realmente contemplassem e respeitassem as diferenças de todos os
sujeitos que compõem o espaço educacional. Nessa linha, a formação de
professores constitui-se como uma importante vertente a ser considerada
para que a inclusão realmente aconteça.
Mas apesar de todas essas discussões, os sujeitos que participaram
do Curso de Aperfeiçoamento Educacional Especializado para Alunos
Surdos, no ano de 2012, izeram questão de enfatizar a precária formação
que o seu Curso de Pedagogia que ofereceu, no que diz respeito à atuação
com alunos surdos:

A pouca experiência que tenho sobre a formação do


proissional que irá trabalhar com alunos surdos me
permite dizer que é uma formação muito intensa e que
exige dedicação e treino constante. Durante minha
graduação em Pedagogia tive um semestre de LIBRAS
e pude aprender um pouco sobre essa língua que é
muito prazerosa de se aprender e de ensinar, mas
que exige prática constante, pois os sinais e os gestos
nos confundem um pouco na hora de nos comunicar
(Sujeito 1).
Concordo totalmente com o que foi dito. É um
trabalho que exige muita dedicação, comprometimento
e que sem dúvida o proissional precisa de uma
formação rica e adequada. Trabalhar com pessoas

21
surdas não é fácil, ainal, temos que aprender uma
nova língua e ainda sendo a estrutura gramatical da
LIBRAS diferente do português, além de existirem
palavras no português que não existe na LIBRAS.
Eu como a Fátima, tive um semestre de LIBRAS na
faculdade que foi muito básico (Sujeito 2).
Concordo com vocês, penso que a base de LIBRAS
que recebemos na Pedagogia não é suiciente para
desenvolver um trabalho efetivo com alunos surdos
(Sujeito 4).

Um sujeito destaca que os sujeitos acima pelo menos foram


contemplados com alguma formação para área, diferentemente da sua
realidade, em que não recebeu nenhuma formação:

Vocês que izeram ou estão fazendo Pedagogia


recentemente ainda tem sorte porque tem algumas
disciplinas voltadas para os surdos, quando iz
Pedagogia não existiam essas disciplinas. Se tenho
algum conhecimento foi adquirido por conta própria.
Essa lei que inclui LIBRAS no currículo da pedagogia
é nova pelo menos aqui no meu estado existem
poucas pessoas formadas que tem essas disciplinas no
currículo (Sujeito 6).

Percebemos então que os sujeitos compreendem que a formação


dos proissionais para atuar com a educação de surdos é um grande
desaio e que os cursos de formação de professores ainda não possuem
uma estrutura que dê conta de contemplar a diversidade dos alunos, e em
especial da formação docente para atuar com os surdos que fazem parte
desse espaço.
Os cursistas dessa forma sentem falta de condições de formação e
de elaboração de projetos escolares que considerem as especiicidades dos
alunos surdos. E essa questão pode ser ainda mais séria ao analisarmos a
fala do Sujeito 6, que destaca que em seu município poucas pessoas que
atuam tem essa discussão na formação inicial.
Como já mencionamos em outro momento desse artigo, o decreto
5.626/05 estabelece a inclusão da LIBRAS como disciplina curricular
na formação docente para atuar na educação de pessoas surdas, dessa
forma os cursos de formação de professores devem implementar em seu
currículo a disciplina de LIBRAS e o ensino superior deve então assumir
a responsabilidade pela formação inicial dos docentes.
Vale destacar que ao enfatizarmos a questão da formação inicial,
não estamos defendendo somente que a formação deva ocorrer apenas
na Universidade e em nível superior, mas salientamos a importância
22
desse primeiro momento de formação, que detectamos ainda não ser uma
realidade efetiva em nosso país, apesar da legislação. Concordamos com
Candau (1987) ao airmar que nenhuma formação inicial ou em nível
superior é exclusivamente suiciente para o desenvolvimento proissional,
mas é importante que a formação docente conceba que a prática docente é
construída em um movimento constante entre teoria e prática do docente,
sendo então compreendido como um processo natural, que ocorre em
diversos espaços e relações.
Andrade (2008) assinala que a formação inicial se constitui num
período breve, no entanto, é de extrema importância o estabelecimento
de conhecimentos teórico-práticos como suporte inicial para organização
do desenvolvimento proissional. Como constatamos nos depoimentos
das participantes, bem como nas pesquisas realizadas por diversos
autores, a formação inicial para a inclusão educacional é muito reduzida,
fragmentada e não tem proporcionado o suporte teórico e prático para a
atuação do docente.
Sobre a diversidade dos espaços para aprendermos a lidar com
os alunos surdos, encontramos dois sujeitos que enfatizam no fórum
a necessidade de utilizarmos diferentes espaços e situações para a
construção de conhecimentos:

Acredito que para se comunicar bem com os alunos


e indivíduos surdos em geral, é necessário o contato
diário para treinar e ampliar o vocabulário, e sem
dúvida precisa treinar a expressão ao fazer os sinais,
pois desta forma a comunicação se torna mais fácil e
prazerosa para ambos, ouvinte e surdo (Sujeito 15).
Concordo com o Sujeito 15. O contato diário com a
pessoa surda possibilita uma apropriação mais rápida
e eicaz da Língua de Sinais. A LIBRAS se organiza
visualmente, com estrutura diferente, e sem dúvida
a expressão facial, corporal e natural (depende do
contexto - ex.: explicar conteúdo de matemática)
também são essenciais para uma boa comunicação.
Aqueles que ainda não tem alunos surdos em sala de
aula, mas que tem interesse em aprender a língua, uma
boa oportunidade de aprender/treinar é o contato com
a comunidade surda local - shoppings (eles se reúnem
pelo menos uma vez na semana), associações, igrejas,
entre outros (Sujeito 11).

A questão da formação continuada também apareceu no fórum, no


qual os sujeitos demonstraram compreender que a formação para atuar
com alunos surdos deve ser contínua:

23
Quero acrescentar que mesmo ultrapassando a
formação inicial (muito falha), temos que ter
consciência da grande responsabilidade em atuar no
atendimento a clientela surda.
Sou professora de alunos surdos desde 2000 ,quando
iniciei os trabalhos nessa determinada comunidade
os surdos também estavam conhecendo a LIBRAS
e aprendemos juntos, no entanto até hj tenho que
aprender. Tenho o convívio direto com surdos, tenho
curso básico de 180 h, bacharelado pela FENEIS_CE,
e atualmente estou fazendo curso de conversação em
LIBRAS no centro de formação de professores do
Estado do Ceara e mesmo assim tenho diiculdade em
ensinar a língua (Sujeito 5).
É necessária uma formação continuada, para
que esse proissional esteja preparado para
lidar com todas as divergências existentes.
O proissional de LIBRAS precisa está buscando,
estudando, trocando experiências e fazendo cursos
sempre (Sujeito 7).

Sobre a responsabilidade da formação desses proissionais,


encontramos apenas duas menções no fórum, sendo que para um sujeito
os sistemas educacionais de modo geral:

Penso que o processo de ensino aprendizagem do surdo


é um verdadeiro desaio para educação. Pois a escola
precisa urgentemente assumir seu papel enquanto
instituição de ensino preparando e capacitando seus
proissionais para melhor trabalhar com seus alunos
surdos (Sujeito 16).
Olá Sujeito 16. Acredito que não é papel somente da
escola prepara e capacitar os proissionais, os sistemas
educacionais precisam assumir junto com as escolas
esta necessidade urgente de formação para atender ao
aluno surdo. Vale salientar que o acesso a formação
continuada não é fácil, as Secretarias Municipais
de Educação não criam as estratégias para favorecer
o processo deformação continuada, nas escolas as
direções não querem assumir o ônus de “liberar “ o
professor para estudar, são muitos os proissionais que
até querem aprender , mas entraves existem (Sujeito 5).

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na


perspectiva da educação inclusiva publicada no ano de 2008, entre as
funções dos sistemas de ensino, estão:

Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação


especial na perspectiva da educação inclusiva,

24
disponibilizar as funções de instrutor, tradutor/
intérprete de LIBRAS e guia intérprete, bem como
de monitor ou cuidador aos alunos com necessidade
de apoio nas atividades de higiene, alimentação,
locomoção, entre outras que exijam auxílio constante
no cotidiano escolar (BRASIL, 2008, p 17).

Percebemos assim que o processo de inclusão exige da escola


novos recursos de ensino e aprendizagem, concebidos a partir de uma
mudança de atitudes dos professores e da própria instituição, reduzindo
todo o conservadorismo de suas práticas, em direção de uma educação
verdadeiramente interessada em atender ás necessidades de todos os alunos
(MANTOAN, 1997).
Acreditamos que a formação de professores para atuar com a
educação de surdos ainda precisa ser transformada no intuito de realmente
conseguirmos uma inclusão desses alunos nas instituições escolares,
possibilitando assim, o acesso, a permanência de todos nesses espaços e
garantindo que todos tenham a oportunidade de construir conhecimentos
signiicativos à vida em sociedade.

Algumas considerações...

A nosso ver, a formação continuada precisa ir ao encontro das reais


necessidades e problemáticas do cotidiano escolar, pois estas requerem
soluções coletivas, institucionais, que não estão no âmbito de propor
receituários, mas, sim, de relexões advindas do debate com os grupos, que
possibilitem surgir novas propostas metodológicas e estruturais.
O estudo, o conhecimento e a pesquisa são fortes aliados para
mudanças atitudinais e conceituais, sendo assim, fundamental a formação
continuada dos docentes. Se quisermos que a atuação do professor promova
a acessibilidade e construção do conhecimento do discente, a formação
deste proissional precisa valorizar a construção ativa do educador,
que promova as relexões de seus fazeres e na organização de ações
fundamentadas num conhecimento teórico que viabilize o fortalecimento
de práticas consolidadas.

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27
CAPÍTULO II

A EDUCAÇÃO, O JECA E A COMPLEXIDADE DA CULTURA


BRASILEIRA

Armindo Quillici Neto


Juscimar Maria Paula

Introdução:

Este texto é resultado de pesquisa desenvolvida para obtenção do


título de Mestrado, na Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Uberlândia, onde o foco de interesse se pautou na análise da produção
cinematográica de Mazzaropi e sua contribuição para a história da
Educação no Brasil, como também um importante veículo de difusão do
conhecimento na sociedade atual, o cinema passa a ser um espaço de
ensino e aprendizagem de fundamental importância.
Pesquisamos um momento histórico em que a linguagem áudio-
imagética tem exercido expressiva inluência cultural, devido os efeitos
que ela engendra ao criar uma nova sensibilidade, novos valores, ideias
e comportamentos. É irrefutável que as relações que se estabelecem
entre espectadores e os ilmes, entre cinéilos e cinema, entre outros, são
extremamente educativas.
Apesar desse interesse não ser recente, ainda permanece um domínio
a ser explorado. Daí a relevância, na atualidade, deste tipo de análise
que discute as relações entre cinema, história e educação. Entendendo-o
como uma fonte profícua, agradável e instigante, consideramos necessária
uma ampla discussão para que este recurso possa ser aproveitado como
fonte de conhecimento. De nossa parte, pretendemos contribuir para este
debate com a análise das produções cinematográicas de Mazzaropi e sua
contribuição para a história da Educação no Brasil.
A análise de imagens nos permite educar o nosso olhar, e desse
modo, nos possibilita avançar rumo à democratização dos meios de
comunicação. Somente um olhar baseado na criticidade amplia os
horizontes da cidadania e da democracia. Caso contrário, a predominância
da estética dispensará à ética e nos tornaremos seres alienados, prisioneiros
de um sistema de imagens. Assim, buscamos lançar mão do cinema, mais
especiicamente das produções cinematográicas de Amácio Mazzaropi,
para ampliarmos o conhecimento da História e da Educação brasileiras.
Trata-se de um trabalho que almeja contribuir para expandir o universo
29
de análise dos educadores, através do uso da linguagem cinematográica
como documento para as investigações sobre as questões históricas e
educacionais do Brasil.
Por que consideramos que o cinema pode ser utilizado como fonte
alternativa para o conhecimento da história da educação? A relação
cinema/história/educação é possível porque entendemos que as questões
educacionais não podem ser compreendidas em sua profundidade se
não estiverem relacionadas ao contexto mais amplo da sociedade,
correspondendo aos interesses e necessidades materiais surgidas em
cada momento histórico da sociedade humana. Visto que, as questões
educativas não se encerram na particularidade da prática pedagógica, ao
invés de focalizar diretamente as questões educacionais, priorizamos,
em nosso trabalho como docentes e pesquisadores, a relação educação/
sociedade, com a preocupação básica de recuperar o processo histórico em
que a educação se realiza, através de um objeto de estudo que representa
uma “síntese de culturas” (SILVEIRA, 1981).

A ilmograia e a educação não escolar

Para iniciarmos esta discussão optamos primeiramente por


analisarmos os diferentes conceitos de educação, visto como um
processo de transmissão e aquisição de conhecimento. Salientamos
que não encontramos uma deinição unívoca para esse termo,
visto que ele é tão diversiicado quanto são as relações humanas.
Justiicamos essa airmativa com a fala de C. R. Brandão (1985)
que, nas primeiras linhas de “O que é educação”, nos diz:
Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na
igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós
envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender,
para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber,
para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias
misturamos a vida com a educação (BRANDÃO,
1985, p. 7).

Embasamo-nos nesse conceito de educação apresentado por


Brandão (1985), para quem a educação não se caracteriza apenas por
práticas de ensino institucionalizadas como aquelas existentes nas
escolas, mas considera que a educação abrange todos os processos de
formação dos indivíduos, de modo que, toda troca de saberes se constitui
como uma prática educativa e pode se desenvolver nos mais variados

30
ambientes sociais. Portanto, a educação é um processo, no qual está
presente a dinamicidade das ações e relações entre as pessoas e grupos o
que faz desse processo um mecanismo que pode produzir transformações
sociais. Podemos airmar, deste modo, que em todas as dimensões da
vida existem processos educacionais, como diz Luckesi:

A educação é um típico ‘que-fazer’ humano, ou seja, um


tipo de atividade que se caracteriza fundamentalmente
por uma preocupação, por uma inalidade a ser
atingida. A educação dentro de uma sociedade não se
manifesta como um im em si mesmo, mas sim como
um instrumento de manutenção ou transformação
social (LUCKESI, 2001, p. 30).

Portanto a Educação é um processo inerente à formação do “ser”


humano e, desta forma, não é a escola o seu único espaço de manifestação
e nem é o professor o único sujeito a praticá-la.
Atualmente vislumbramos uma crescente demanda por educação
e, em contrapartida, uma diiculdade do Estado no cumprimento de suas
obrigações no que se refere ao atendimento a essa necessidade, surgindo,
assim, como propostas curriculares alternativas, especialmente para
as camadas populares, novas formas de educação que, por sua vez, se
apresentam com uma metodologia diferenciada daquela oferecida nas
instituições de ensino formalizadas.
Nessas novas concepções educacionais busca-se romper com
as metodologias tradicionais e com currículos que não consideram e/
ou respeitam o conhecimento de mundo, os saberes, valores e modos
de vida das classes populares. A Educação Não-Formal e a Educação
Popular são duas representações dessas concepções de educação.
Portanto compreender a distinção desses termos se faz necessário para
que compreendamos a complexidade do processo educativo. O sociólogo
português Almerindo Janela Afonso diferencia o papel da educação
formal, não-formal e informal. Segundo ele

Por educação formal, entende-se o tipo de educação


organizada com uma determinada sequência
e proporcionada pelas escolas enquanto que a
designação educação informal abrange todas as
possibilidades educativas no decurso da vida do
indivíduo, constituindo um processo permanente e não
organizado. Por último, a educação não-formal, embora
obedeça também a uma estrutura e a uma organização
(distintas, porém, das escolas) e possa levar a uma
certiicação (mesmo que não seja essa a inalidade),
diverge ainda da educação formal no que respeita
31
à não ixação de tempos e locais e à lexibilidade na
adaptação dos conteúdos de aprendizagem a cada
grupo concreto (apud SIMON; PARK;FERNÁNDEZ,
2001, p. 9).

Para Gohn (2006) na Educação Não-Formal existe a intencionalidade


de buscar determinados objetivos em espaços não escolares atuando em
várias dimensões que objetivam a formação do indivíduo no sentido
de conscientizar os sujeitos de seus direitos enquanto cidadãos, de
capacitá-los ao trabalho, por meio da aprendizagem de habilidades e/
ou desenvolvimento de potencialidades, de promover a aprendizagem
e exercício de práticas que capacitem os indivíduos a se organizarem
com objetivos comunitários, como também, o ensino-aprendizagem
diferenciado dos conteúdos da escolarização formal.
A Educação Não-Formal vem se constituindo historicamente e se
tornando um instrumento essencial na dialógica dos saberes, formando uma
dimensão de conhecimentos que transcendem os dos conteúdos formais.
Seu objetivo maior é formar o sujeito em seus mais variados aspectos.
Trataremos agora da Educação Popular, mas não isoladamente,
pois queremos pensá-la a partir das ideias freireanas. Assim por Educação
Popular, entendemos aquela educação voltada para nos conduzir de uma
situação de passividade à proatividade, no que diz respeito à luta pelos
nossos direitos na sociedade.

A Educação Popular, na versão em que a conhecemos


no Brasil e na América Latina, ao longo dos últimos
cinquenta anos, inspirada, originalmente, na obra e
na prática política de Paulo Freire, vem passando por
marcantes transformações. Seu caráter militante e
engajado, seus fortes vínculos inicias com Movimento
de Cultura Popular (MCP) e o Movimento de
Educação de Base (MEB) da Igreja Católica, entre
outros que emergiam na década de sessenta, vão sendo
nuançados por outras aproximações políticas – como,
por exemplo, do Movimento dos Sem Terra (MST)
– misturando-se aos matizes dos mais diversiicados
movimentos sociais populares deste inal de milênio.
Com manifestações em vários continentes, a
Educação Popular continua se caracterizando por
suas vinculações com grupos populares, entendidos,
estes, como segmentos populacionais marcados por
discriminações, por diferentes formas de exclusão e
marginalidade social. Trata-se, assim, da educação que
tem se ocupado dos “pobres” e, como diria Freire, dos
oprimidos (COSTA, 1998, p. 9-10).

32
Portanto, abordar esse tema requer que discorramos sobre pessoas,
englobando as suas identidades e culturas. De certo modo, a cultura e
identidade de um povo parecem se misturar.
A cultura inclui as formas de comportamento do povo, festas,
folclore, crença, religião, costumes, etc. Nas manifestações culturais,
estão de certa forma inseridos o pensamento do povo, o seu nível de
criticidade e sua tradição de luta ou não luta no que diz respeito à busca
pela liberdade. Essa libertação ou emancipação que apresentamos,
perpassa pela linguagem e pela capacidade de comunicação, uma vez que
libertar-se da opressão não é algo isolado, mas coletivo.
Na proposta da Educação Popular há uma busca pela emancipação.
A emancipação que garante aos aprisionados galgarem os degraus que
levam ao conhecimento e se libertarem através desses, daqueles que
detenham os privilégios sociais, econômicos e políticos. É preciso,
portanto, uma articulação dos que estão presos para que venham alcançar a
libertação das cadeias opressoras. É justamente a necessidade dessa união
entre os oprimidos como forma de alcançar a liberdade que Mazzaropi
apresenta em suas produções, de modo sátiro, cômico e muitas vezes
dramático.
Neste processo, a habilidade em comunicar-se tem papel
fundamental. A comunicação com os outros e consigo, em torno de
relexões sobre a situação atual e a que se pretende atingir, constrói
certa conscientização. Freire (1980) propõe uma educação popular a
qual tem por princípio a libertação dos indivíduos que, por meio de um
desenvolvimento da consciência, passam a atingir um nível de criticidade
e ação diferenciada.
Dessa forma, a Educação Popular é algo que se originou, ou ainda
desenvolveu-se, ligada a lutas e movimentos sociais, por mais anônimos
que estes possam parecer. Isso nos faz pensar acerca das mobilizações e
lutas populares.

O movimento de Educação Popular foi uma das


numerosas formas de mobilização de massas
adotadas no Brasil. É possível registrar numerosos
procedimentos de natureza política, social e cultural
de mobilização e de conscientização de massas, a
partir da crescente participação popular por meio do
povo (participação geralmente dirigida pelos líderes
populistas) até o movimento de cultura popular
organizado pelos estudantes (FREIRE, 1980, p.16-17).

Lembramos que as lutas populares surgem a partir da conscientização


de alguns. E Mazzaropi em nossa concepção foi um desses agentes

33
conscientizados. O caipira, personagem emblemático criado por ele,
presente em todos os seus 32 ilmes, mesmo naqueles em que a narrativa
transcorre no meio urbano, é segundo Barsalini (2002, p. 19)

[...] um consciente agente social, inserido determinado


contexto socioeconômico, que convive com situações
impostas pelo sistema capitalista, mas que, como
o caipira seus fundamentos (CÂNDIDO, 1978),
ou seja, convive com as relações econômicas sem
corromper seus valores tradicionais de honestidade e
solidariedade, criando um jeito próprio de sobreviver
às agruras impostas socialmente, e ao inal de cada
ilme vencendo à sua maneira.

A conceituação de Educação Popular está ligada a outros


“aspectos” populares, como por exemplo, “cultura popular”. Quando
escutamos este termo, logo pensamos em uma cultura do povão. Mas é
possível vislumbrarmos a questão por outros ângulos. Cultura enquanto
ação popular:

[...] vínculo entre a ação cultural e a prática. A Educação


Popular foi e prossegue sendo a sequência de ideias
e de propostas de um estilo de educação em que tais
vínculos são restabelecidos em diferentes momentos
da história, tendo como foco de sua vocação um
compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas
de teor político, realizadas através de um trabalho
cultural estendido a sujeitos das classes populares
compreendidos não como beneiciários tardios de um
“serviço”, mas como protagonistas emergentes de um
“processo” (BRANDÃO, 2002, p.142).

A cultura popular, basicamente, refere-se a uma forma especíica de


consciência: A consciência política, que automaticamente se transforma
em ação política. Entretanto, não é a ação política em geral, mas a ação
política do povo, ou seja, é um movimento de ascensão das massas em
direção à conquista do poder na sociedade de classes (ESTEVAM, 1983).
E é essa consciência política que pode ser identiicada nas produções
de Mazzaropi. Ao analisar os seus ilmes, vemos que ele conseguiu com
seus trabalhos criar uma nova ideia do caipira brasileiro, retratando nas
telas do cinema uma parte da identidade nacional que por vezes sofre
preconceitos e é esquecida. Ele reelaborou a identidade de nosso povo,
através da releitura dos acontecimentos da época e sua reprodução de
maneira que seu público entendesse. Embora as histórias mudem em
cada ilme, é comum na maioria deles a igura do empregado que era

34
injustiçado pelo patrão (geralmente um mau patrão), mas, que, no inal da
história, conseguia superar as estruturas sociais. Isso é um grande sonho
na vida desses trabalhadores, submetidos ao processo de dominação.
Ao se discutir acerca de educação e os espaços em que esta ocorre,
compreendemos que a construção de saberes se tece numa relação de
espaços e grupos diferenciados, com conceitos, características e atributos
distintos. No entanto, a partir destas, cada processo educativo se
complementa e contribui de formas diferenciadas na formação do indivíduo.
Partindo da concepção que a educação deve ser vista como um
elemento democrático, capaz de possibilitar aos indivíduos uma participação
mais ativa e concreta na sociedade, compreendemos as produções
cinematográicas de Mazzaropi como instrumentos indispensáveis no
processo educativo, visto que “sua obra dialoga com a história artística,
social, política e econômica de nosso país, desde a Era Vargas até o
momento de abertura política dos anos 80” (BARSALINI, 2002, p. 25).
Os ilmes de Mazzaropi além de serem representações da
sociedade brasileira são o testemunho da sociedade no qual foram
produzidos. Airmamos isto, porque acreditamos que nenhuma produção
cinematográica, embora retrate a particularidade da vida, os sentimentos
e comportamentos dos indivíduos e a sua interioridade subjetiva, deixe
de expressar a sociedade de uma época. Suas imagens são repletas de
historicidade, tornando-se, por sua função social, testemunhos visuais de
uma dada época e lugar. Como tais, retratam o espírito de uma época,
permitindo-nos a compreensão de como os homens e mulheres constroem
a vida social, uma vez que estes expressam e deixam registrados para
a posteridade práticas sociais, modos de pensar, valores, símbolos,
sentimentos, comportamentos, tensões, expectativas, temores, próprios
de uma determinada sociedade, como também é fonte de informação
sobre determinadas mudanças. Isto nos permite considerar que a obra de
Mazzaropi pode se transformar numa importante fonte para que o povo
brasileiro conheça seu momento histórico, suas relações sociais, o como
e o porquê os homens se educam, subsidiando a reconstrução histórica do
objeto educação, e com isso constroem sua identidade nacional.
Sabemos que a construção de uma identidade nacional surge do
sincretismo de vários elementos: étnico, linguístico, religioso, social,
cultural, político e econômico. Portanto a identidade é a deinição de
um grupo sobre si mesmo e sua trajetória, social, cultural e histórica,
ressaltando suas diferenças sobre o outro. De acordo com Ortiz (1992),
como a memória nacional, a identidade de uma nação vincula-se a história
e pertence ao domínio da ideologia, simbolizado pelo Estado.
Desse modo, o cinema é essencial na mediação destas
representações, exerce o papel de uma poderosa ferramenta capaz de
35
promover a disseminação de práticas sociais e culturais. Além disso,
auxilia na criação da identidade nacional de um grupo e é produzido
através de uma visão de homem e mundo, que faz parte de uma sociedade.
Neste contexto, deparo-me com a ilmograia Mazzaropi, um
gênero fílmico exclusivamente brasileiro, que teve seu início na década de
1950, se estendendo até a década de 1980. Esse diretor-autor, empresário,
ator, chamado Amácio Mazzaropi que durante mais de vinte anos foi
um dos principais produtores do cinema nacional, atuou em 32 ilmes e
personiicou uma das iguras mais marcantes da cinematograia brasileira:
o Jeca. Sua extensa obra contribuiu para a consolidação de uma memória
nacional sobre o caipira e constitui o registro da agressiva urbanização
brasileira, com consequências profundas na memória social.

O ladino Jeca de Mazzaropi aborda questões cruciais


como a migração dos antigos parceiros do campo para
cidade, a transformação dos sitiantes em operários, o
racismo, e tantas outras. Atribui o constante sucesso
dos ilmes de Mazzaropi ao fato de seu personagem
resgatar o que há de mais essencial na cultura do
brasileiro: a capacidade de resistir às diversidades
com jogo de cintura, com criatividade (...) mantendo
a identidade e recriando sua história (CARDOSO,
Haydée no prefácio de Mazzaropi: o Jeca do Brasil).

A personagem central dos ilmes de Mazzaropi representava o


momento desenvolvimentista vivenciado pelo povo brasileiro, sem perder
os elementos culturais que formam sua essência, ou seja, adquiria nova
coniguração à medida que o tempo passava, mas fortalecia a memória do
que é efetivamente: “a síntese das origens do povo que retratava, a partir
da síntese das origens do trabalhador brasileiro”. (BARSALINI, 2002, p.
25). Portanto, os ilmes de Mazzaropi identiicam-se com a população
brasileira, e esta se reconhece nos o personagens ali representados.
Geralmente seu público é carente em sua formação educacional formal;
são pessoas para as quais as imagens são muitas vezes a única possibilidade
de acesso às informações (BARSALINI, 2002).
Assim, essa ilmograia é produto de um contexto determinado pela
forte urbanização que o Brasil vivenciou na segunda metade do século
XX. Destacamos que no ano de 1950 o Brasil possuía 75% da população
residindo na área rural, em 2000 os moradores das cidades equivaliam
a esse patamar (IBGE, 2000). Assim, a sua ilmograia foi constituída
no decorrer do processo de ascensão do predomínio das cidades como
principal espaço econômico, político e social da sociedade brasileira. As
consequências deste processo são signiicativas em relação à produção,

36
reprodução e circulação das expressões culturais identiicadas com a
cultura caipira, principalmente quanto ao deslocamento da população do
meio rural para as cidades. O trabalho no espaço urbano é antagônico
ao realizado no meio rural e o contato comunitário realizado em todas
as dimensões da vida social é substituído por relações fragmentadas
em grupos distintos em função do local de trabalho e de moradia, o que
provoca a separação entre a vida comunitária e a atividade produtiva,
que não ocorria no meio rural. As referências culturais da população
que participou do êxodo rural são diferentes em relação à sociedade de
consumo que era constituída no país. Não há como negar a habilidade
de Mazzaropi em produzir cinema mediante as injunções entre as
expectativas do público e a linguagem cinematográica mundializada,
adaptada aos tipos humanos e temas representados nos seus ilmes. Para
Barsalini (2002, p. 41) “Mazzaropi era um intelectual do povo, um homem
que compreendia perfeitamente a forma popular de enxergar o mundo,
que tinha organicidade com a forma com que o trabalhador vê o mundo”.
Foi nesse contexto político, econômico e social, que Mazzaropi
construiu seu personagem caipira e analfabeto, que acabou sendo
consagrado no ilme Jeca Tatu, mas que já vinha sendo formatado em
produções anteriores, como, por exemplo, em Candinho (1953) e em Chico
Fumaça (1958). Vale lembrar que, embora Mazzaropi fosse apreciado
pelo grande público em todo o país, seus ilmes com personagens caipiras
eram referências para os migrantes do interior do estado de São Paulo, que
passaram a morar, em geral, nas periferias da capital paulista, formando
o seu principal público-alvo. Vanilda Paiva (2003, p. 408) nos informa
que nos anos 1950 e 1960, a taxa de analfabetos absolutos de 15 anos ou
mais, em nosso país, aproximava-se dos 16 milhões, conforme podemos
veriicar na tabela a seguir:

TABELA 1 - Brasil: População e número de analfabetos absolutos– 15 anos e mais (em


milhões)
Ano 1950 1960
População 51,9 70,9
Analfabetos 15,272 15,964
Percentuais 29,2% 22,4%
Fonte: IBGE

Era essa população de analfabetos o público cativo do cineasta


Mazzaropi. Apesar de se encontrar fora das esperas de decisão, esse povo
é capaz de identiicar soluções para os problemas econômicos, sociais e
políticos que o alige. (BARSALINI, 2002). Mazzaropi proporcionava a

37
esse trabalhador, rural ou urbano, um olhar sobre si mesmo. Acreditamos
que por vivenciarem um momento extremamente confuso gerado
pela modernização, pela imposição de um novo modo de vida, esses
trabalhadores ansiavam por meio das mais diversas manifestações
artísticas, culturais, gostos culinários ou do vestir, refazer sua identidade,
participando da legitimação dessa nação em construção.
Assim, por acreditarmos que a ilmograia de Amácio Mazzaropi
não pode ser compreendida apenas como um processo de comunicação
cinematográica, mas nos aspectos intrínsecos que a compõe, propomos
analisar duas de suas trinta e duas obras. Objetivando permitir ao leitor
traçar um paralelo entre o início e o im de suas produções cinematográicas.
Analisaremos os ilmes: “JecaTatu” (1959) e O Jeca e a Égua Milagrosa (1980).
Em Jeca Tatu (1959), o segundo longa da PAM Filmes, Mazzaropi
exerce as funções de ator, de argumentista e de produtor. Nesse ilme, o
artista sintetizou os tipos populares que havia feito até então e concebeu
o personagem que o tornaria famoso em todo o Brasil: o caipira ingênuo
e simples, mas esperto e malicioso. O Jeca Tatu não representa apenas
o homem do campo, mas o brasileiro de modo geral. Ele é branco, mas
é pobre. Não tem conhecimento, mas é esperto. Aproxima-se ainda dos
negros, compreendendo sua situação de subalternidade. Em alguns ilmes,
mora no campo; em outros, se muda para a cidade. O personagem expressa
ao mesmo tempo a nostalgia do que passou e a esperança do que virá.
Nesse ilme, Mazzaropi representa um caipira preguiçoso e visto
pela intelectualidade da época como símbolo do atraso. O aspecto de
maior evidência do ilme Jeca Tatu é o choque entre a sociedade do
trabalho racional, representada por Giovanni (fazendeiro capitalista), e
o comodismo de Jeca. O modo como às cenas são organizadas enfatiza
esse conlito: a câmera revela uma fazenda onde cedo os trabalhadores já
estão no campo desenvolvendo diversas atividades, sendo inspecionados
pelo proprietário italiano. Na próxima cena, Jerônima, a esposa de Jeca,
já está trabalhando (prepara o café, corta a lenha, soca o pilão) e a ilha do
casal, Marina, sai para buscar água. Enquanto Jeca, depois da insistência
de Jerônima, espreguiça-se, abre a janela com o pé (sem se levantar da
cama), lentamente senta, acende o cachimbo, cospe no chão e faz o sinal
da cruz olhando para a santa colocada na cabeceira, ao lado da cama.
Em outro momento do ilme, vemos a cena, em que o rancho do
Jeca é queimado pelos “homens do coronel”, como retaliação ao não
apoio político e, ele sem moradia ou qualquer perspectiva de sobreviver
naquela fazenda resolve migrar para Brasília. Os seus amigos camponeses,
que são também os empregados de Giovanni, solidariamente se unem e
decidem falar com o “coronel” da região (Florêncio) ligado à política,

38
que por sua vez os encaminha a um deputado na capital, o Dr. Felisberto.
Este vai para o interior, e em um comício organizado por Florêncio,
num discurso demagogo e populista, promete publicamente doar terras e
equipamentos de trabalho, em troca dos votos. Destacamos, aqui, o papel
de Mazzaropi como educador popular, pois ao denunciar tal realidade, ele
a problematiza e sugere possibilidades. Assim, de acordo com a proposta
pedagógica freireana, que requer um educador problematizador, visto que
se trata de uma pedagogia da pergunta, uma vez que “[...] ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou
sua construção” (FREIRE, 2004, p. 22).
Nessas cenas Mazzaropi revela ao seu público que o coronelismo,
não apenas ainda vigorava no campo, como existiam políticos nas
cidades, consideradas símbolos da democracia, que faziam uso dessas
práticas. Enfatizando a existência dessas práticas contraditórias no
estado de São Paulo ele nos diz que, enquanto a capital crescia com as
migrações (do interior e do nordeste) e a industrialização, modernizando-
se e incorporando-se ao capitalismo, no interior a troca de votos e o voto
de cabresto ainda eram comuns.
Na cena em que após ter ganhado as terras do deputado, todos os
companheiros de Jeca trabalham na construção de sua nova casa, vemos
a prática do mutirão, uma das principais características da cultura caipira.
De acordo com Antônio Candido (2001), em sua obra Os parceiros do
Rio Bonito, tanto as atividades da lavoura, como as domésticas, eram
as ocasiões ideais para a reunião dos caipiras, essa necessidade de
cooperação teria gerado intensa sociabilidade entre eles. Curiosamente,
durante o mutirão não havia uma divisão de tarefas, todos desenvolviam
a mesma atividade de forma conjunta, ou seja, era a cooperação simples.
São as palavras de um velho caipira, entrevistado por Candido, que melhor
explicam o sentido do mutirão: “não há obrigação entre as pessoas, e sim
para com Deus, por amor de quem serve o próximo; por isso, a ninguém
é dado recusar auxílio pedido”. (CANDIDO, 2001, p. 89).
No inal do ilme, o caipira deixa de ser um Jeca Tatu vira “coronel”,
afastando-se ainda mais das práticas capitalistas. Deste modo, percebemos
que o discurso fílmico associa-se à ideia de uma modernização na qual
sobrevivem de forma estrutural às marcas de um Brasil oligárquico.
Invertendo a lógica da modernização, o caipira mais uma vez atravessa a
noção de arcaico no projeto do desenvolvimentismo brasileiro. E isso é
feito associando, de forma irônica e muito bem humorada. Nesse ponto
estão presentes as características da ilmograia de Mazzaropi: de um
riso marcado pelos códigos de inversão que pontuam as contradições das
regras e das hierarquias sociais.

39
Assim o roteiro dessa obra critica principalmente as condições de
vida em um interior castigado pelo subdesenvolvimento, a má distribuição
de renda (economia do Brasil) e os impactos nos menos favorecidos. Nela
a resistência e crítica social que Mazzaropi apresenta não é uma proposta
elaborada e politizada, ele o faz de uma forma ingênua e sutil, muitas
vezes espontânea e contraditória. Todavia, “Como um insatisfeito com o
mundo de injustiças que vivencia, ao qual o discurso pragmático sugere
que simplesmente se adapte, Mazzaropi, assim como Freire, está desperto
e atuante para as relações entre a tática e estratégia”, no eterno movimento
de se fazer história. (FREIRE, 2007, p.91). Nesse sentido, é importante
considerar que, mesmo o discurso conservador e repressor, muitas vezes
utilizado pelo cineasta revela as contradições sociais que permeavam o
Brasil na década de 1950.
O último ilme de Amácio Mazzaropi (1912 - 1981), Jeca e a Égua
Milagrosa (1980), nos apresenta dois fazendeiros em busca de votos, para
se elegerem prefeito numa cidade do interior. Um deles honesto e sem
recursos inanceiros para subsidiar uma campanha eleitoral, e o outro,
um homem sem caráter que enriqueceu explorando a fé de um povo e
alicerça sua campanha em favoritismo e presentes para a população.
(BARSALINI, 2002).
Nessa obra Mazzaropi promove um rico debate acerca da abertura
política que o Brasil vivenciava, além da vinculação entre a religião e
o debate político, num país como o nosso, em que 92% dos brasileiros
se declaram religiosos. Conirma em suas cenas a existência de uma
fronteira relativamente luida entre as esferas sociais, religiosa e política,
em razão de aproximações e passagens existentes entre elas que, no
entanto, têm ocorrido de forma diferenciada segundo as expressões
religiosas e os momentos históricos e políticos. Além disso, chama a
atenção do expectador para as generalizações estabelecidas acerca das
religiões Afro-Brasileiras.
Os dois coronéis, Libório e Afonso, têm terreiros de umbanda
e candomblé e utilizam os espaços para inluenciar os moradores,
arrebanhando iéis para seus cultos e votos nas próximas eleições.
Raimundo (personagem interpretada por Mazzaropi) é amigo do coronel
Afonso. O fazendeiro Libório tem em seu “terreiro”, como atração, uma
égua a quem os iéis atribuem poderes de cura. Os milagres feitos pela
égua correm pela cidade e contribuem para indispor Afonso e Libório.
Raimundo gosta muito do animal, mas sua amizade com o coronel Afonso
o afasta do pessoal do Libório. Diante desses fatos, o Coronel Libório,
cria todo um conjunto de artimanhas para obrigar o Jeca a casar com a
chamada Égua Milagrosa. Pois ele acredita que a aliança com Raimundo,

40
os agitados comícios que antecedem as eleições e outros mecanismos
escusos que utiliza como a compra de votos e o terror imposto as pessoas
por meio da exploração da crença ingênua lhe garantirão a prefeitura.
Mazzaropi, nesse ilme, chama-nos a atenção para a “Indústria
de exploração da fé”, através da qual os “religiosos” atraem os “féis”,
com a promessa, por exemplo, de livrá-los do inferno, se doarem certa
quantia à casa de Deus, que eles representam, evidenciando-se o processo
de manipulação que conduz à massiicação do indivíduo. A manipulação
é “apresentada como forma de dirigismo, que explora o emocional dos
indivíduos, inculca neles aquela ilusão de atuar ou de que atuam na
atuação de seus manipuladores” (FREIRE, 1982, p.42).
Além de denunciar a Indústria de exploração da fé, Amácio
Mazzaropi chama a atenção de seu público para o fato de que, em 1979,
ano de aprovação da Lei de Anistia, os vícios que permeiam a democracia
em nosso país estão mais vivos do que nunca. O diálogo a seguir denuncia
essas práticas.

Jeca – E o senhor, seu padre, por que não se candidata?


Eu voto no senhor!
Padre – Não gosto de política.
Jeca – Faz muito bem. Ai, ai que pouca vergonha. Foi
só fala em abertura tá começando tudo de novo (...)
seu Libório tá comprando todo mundo. Desse jeito ele
ganha a eleição. Seu Afonso vai perdê, ele é pobre.
( ... )
Jeca – O senhor pensa que nói tem vontade de votá?
Nói num tem vontade de votá não. É que é obrigado.
Agora, se o governo fala ansim: num é obrigada a
votá, ah... nói fai um feriadão e vai pesca.
Delegado – Pode ser.
Jeca – Pode sê não. Nói tá desiludido com esses
candidato, antes da eleição lava até nossa cueca,
depois a gente chega lá, vem aquela tar de secretária
e fala que ele tá de reunião, reunião. Essa conversa de
reunião é uma mentira que ói, ih...
Padre – O que falta é fé (...) Jesus precisa voltar.
Jeca – Ah, Jesus precisa vortá, mais tem de vortá de
um jeito muito ispiciar, porque senão, do jeito que o
povo tá, vão tacá ele na cadeia como refém e vão fazê
ele sortá tudo os pecador do inferno.
Delegado – Isso é uma indireta seu Raimundo (o nome
do Jeca)?
Jeca – É nada, óh, dos jeito que as cosa tão, o senhor vai
vê, ói qui um exempro, o senhor vê, a Nhá São, do Seu
Pinto ( um casal de idosos ). Seu Pinto icô duente, caiu
de cama, tá lá a Nhá São passando miséria. Vê se o Seu
Libório agora manda argum mantimento pros dois?
41
Padre – Cuidado Raimundo, nem todas as verdades
podem ser ditas!
Jeca – Qué vê? Ô Seu Líbório! ( o político vinha se
aproximando do grupo que conversava), - Num dá pro
senhor arrumá um pouco de mantimento pra mim leva
lá na casa do Seu Pinto? Ele tá muito mar.
Libório – Prá quê? Ele está de cama, não vai poder
votar. Mantimento, Raimundo, só pros eleitores.
Jeca – Tá vendo, ele tá com a razão. Não vota mais,
porrete nele.
Libório – Bom, com licença, com licença. ( e vai
embora)
Jeca – Ah, ia da (segura-se para não falar o resto ). (
BARSALINI, 2002, p. 121 e 122).

Vemos assim, que no contexto de abertura política do Brasil,


Mazzaropi satiriza “a ideologia autoritária, colonial, elitista. [...] A
ideologia, cuja morte foi proclamada mas continua bem viva, com seu poder
de opacizar a realidade e de nos miopizar. [...]”. (FREIRE, 1995, p.76-77).
Ele reconhece e se apropria dessa realidade que é alicerçada no conlito de
classes e utiliza esse ilme como mecanismos de denúncia em favor dos
que estão à margem da sociedade, mostrando-nos que só existe oprimido
porque existe o opressor, “lembrando que a tradição do coronelismo e
do desrespeito entre os seres humanos não se tem alterado em função de
regime ou sistema político” (BARSALINI, 2002, p.122), o cineasta instiga
seu público a reletir acerca das práticas políticas vigentes no Brasil.

Considerações inais

O que expusemos neste texto sintetiza alguns resultados da nossa


investigação sobre a relação entre a produção cinematográica de Amácio
Mazzaropi e sua contribuição para a educação do povo brasileiro. Não
temos, em nosso trabalho, a pretensão de formular questões inovadoras
ou de esgotar o assunto, mas consideramos que esse recurso audiovisual
é um potencial que não deve ser menosprezado pelos pesquisadores para
reletir sobre a história, sobre a sociedade, sobre os comportamentos
humanos e as formas de os homens educarem-se.
Reletir sobre a função da educação e fornecer elementos para a
exploração de fontes alternativas para as atividades de ensino e pesquisa
são passos indispensáveis para abrir novas possibilidades e perspectivas
de aprendizagem e investigação na sociedade contemporânea.
Nessa pesquisa evidenciamos que os ilmes de Mazzaropi sempre
abordaram problemas concretos, que afetavam o Brasil em determinado
momento, e esse jeito desengonçado do jeca permitia que o público,
42
ao mesmo tempo em que se identiicava com os problemas na tela,
ria das situações apresentadas. Ele falava a língua do público ao qual
direcionava suas produções. Além disso, a memória social evocada nos
ilmes do ator e cineasta é uma construção que corresponde à projeção
dos conlitos disparados com a intensa urbanização, particularmente com
o seu impacto sobre a população que passa a habitar as cidades, mas é
portadora de valores ligados a práticas sociais e culturais desenvolvidas
nas áreas rurais. Em todos os seus ilmes, o caipira e a cultura popular
estão presentes, com seu personagem Jeca, o que caracteriza Mazzaropi
como um líder de opinião de seu tempo.
Concluímos airmando que as produções cinematográicas de
Mazzaropi sempre tiveram a preocupação de trazer uma discussão
existencial acerca da justiça social. Ele soube representar, de modo
ingênuo, muitas vezes caricato, o contexto histórico por ele vivenciado,
permeado pelas angústias do povo brasileiro sempre ameaçado pela
instabilidade econômica predominante em uma sociedade cuja maior
característica é a desigualdade social. E isso abre a possibilidade de se
estudar estes ilmes enquanto subsídios para a compreensão da própria
realidade brasileira e os valores ideológicos que permeiam a mentalidade
de nosso povo.

Referências

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SILVEIRA, M. Jeca-Mazzaropi, uma síntese de culturas. Folha de São
Paulo, São Paulo, Ilustrada, p. 30, 19 de junho de 1981. (acervo do Museu
Mazzaropi disponível em http://www.museumazzaropi.com.br/ Acesso
em 03/09/2010.
SIMON, Olga R. de M. Von; PARK, Margareth B.; FERNÁNDEZ,
Renata S. (Org.).
Educação não-formal: cenários da criação. Campinas: UNICAMP, 2001.

44
CAPÍTULO III

POLÍTICA DE FORMAÇÃO DOCENTE DO CURSO


DE PEDAGOGIA - PARFOR: CONSTRUINDO NOVAS
POSSIBILIDADES

Fabíola Andrade Pereira


Maria José de Pinho

Caminhos formativos e perspectivas inovadoras da prática docente

A dinâmica da produção intelectual, acerca da temática da formação


de professores e suas interfaces, coloca-nos, a priori, diante de dois
grandes desaios: o primeiro consiste em compreender que a atualidade
do tema desvela uma variedade de novos olhares que não desconsideram
os velhos (olhares) por entender que eles foram/serão necessários ao
surgimento do novo. Segundo, por considerar que o aprendizado advindo
do Curso de Pedagogia do PARFOR em Tocantinópolis, no estado do
Tocantins constitui, neste momento, ponto de partida no sentido de
redimensionar, a partir de nossas experiências construídas em sala de aula
e nos diferentes espaços, a ideia de que estas representem ricas fontes de
saberes práticos (BRITO. 2011, p. 175) e teóricos.
A primeira grande inspiração que move nosso imaginário docente
reporta, sem sombra de dúvidas, aos escritos de Paulo Freire (1997).
Ele desperta em nós os fundamentos para reletir, por meio de uma
prática educativa, os saberes necessários para pensar a formação do
professor dentro e fora da escola. Entendemos, igualmente, que o ato de
ensinar constitui uma especiicidade da formação humana, o que exige
comprometimento, segurança e competência proissional.
Assim sendo, a formação docente na proposição de perspectivas
inovadoras educacionais, concepção que defendemos neste artigo, se
constrói a partir de uma ruptura paradigmática, tanto em relação à concepção
de ciência quanto à de educação, conforme salienta Cunha (1998). Para
tanto, optar por esse caminho exige e requer a tomada de consciência de cada
sujeito no sentido de desestabilizar antigos conceitos, nada inovadores,
que têm permanecido ao longo dos tempos em nossa história educativa. É
possível perceber, como airma Wachowicz (2006, p.143), que “a tomada
de consciência do processo é o que há de mais importante na aprendizagem,
porque pode tornar-se uma atitude, quando trabalhada durante um
tempo sistemático e com a intencionalidade da formação humana”.
45
Em nosso entendimento, além da criação de novos espaços para
a formação docente, faz-se necessário um (re)pensar do papel político e
pedagógico do professor. Temos a clareza de que formar professores não
signiica formar reprodutores e, sim, produtores de novas construções.
Uma formação consistente de professores deve ser pensada como um
todo, um “continuum” (NÓVOA, 1995) que não pode restringir-se
à formação inicial, mas inclui a formação continuada, propiciando a
constante construção de um novo proissional.
Na visão de Almeida e Pimenta (2009), a formação docente não
pode mais ser focalizada nos moldes de um currículo normativo que
apresenta, primeiramente, a ciência para, posteriormente, detalhar sua
aplicação e, por último, o estágio. Essa formação, segundo as autoras,
não contribui para a articulação de teorias e práticas. Para elas, a relexão
é preponderante nesse processo, pois, ao redimensionar sua experiência,
o professor aperfeiçoa a relexão na ação. Este ato, por sua vez, propicia
mudanças nas práticas docentes que deixariam de ser mecânicas e
reprodutivas para serem pensadas e repensadas, tal como airma Freire
(1997, p.32): “ensinar exige relexão crítica sobre a prática”.
Tendo em vista possibilitar a compreensão de como os docentes
vivenciam seus processos de formação de modo sintetizado, apresentamos
modelos de formação de professores presentes na história da educação
que, ao longo do tempo, também sofreram várias interferências. Pereira
(1999), analisando os atuais modelos de formação docente no Brasil, faz
referência, primeiramente, à racionalidade técnica, “em que o professor
é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor, na sua
prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento cientíico e do
conhecimento pedagógico” (p.112). Vale aqui salientar que as principais
críticas apontadas a esse modelo referem-se ao fato de que ele separa
teoria e prática, não se ocupa das relações estabelecidas entre professor e
aluno e não possui um estatuto epistemológico próprio.
O segundo modelo é o da racionalidade prática: “o professor é um
proissional autônomo que relete, toma decisões e cria durante sua ação
pedagógica, a qual é entendida como um fenômeno complexo, singular,
instável, carregado de incertezas e conlitos de valores” (PEREIRA, 1999,
p.113). Esse modelo também é criticado, uma vez que, corre-se o risco de
valorizar apenas os conhecimentos oriundos da prática, sem o rigor inerente
aos fundamentos teórico-metodológicos que a embasam. Dessa forma, os
problemas e questões do cotidiano são mais valorizados o que leva a um
favorecimento da improvisação no preparo dos proissionais da educação.
O terceiro modelo refere-se ao professor investigador: “as
universidades devem formar professores sem dissociar o ensino, a pesquisa

46
e a extensão, um proissional dotado de uma postura investigativa e que
se revele um pesquisador de sua própria ação docente” (PEREIRA, 1999,
p.118). Esse modelo enfatiza a importância de os educadores assumirem
uma postura de investigação em relação às próprias práticas, com vistas a
problematizar a realidade em busca de soluções inovadoras.
Assim, os modelos que estruturam a formação docente sofrem a
inluência tanto do paradigma de ciência tradicional, conservador, quanto
daquele que se inspira na perspectiva da transformação. Neste caso, os
docentes são produtores de conhecimento e não simples mediadores entre
a ciência, o conhecimento, os produtos da pesquisa e o licenciando.
No entanto, não há mais sentido em tratar a formação docente na
universidade como aquela que propicia o domínio do conteúdo e a aquisição
de habilidades básicas a serem conferidas aos futuros proissionais, como
tem sido marcado o trabalho docente na universidade. O domínio de
conteúdos e de técnicas passou a constituir o pano de fundo da prática
educacional na universidade, ou seja, um proissional, um especialista na
área de conhecimento pela qual optou em sua carreira. Assim, participa e
ensina a partir da sua experiência como aluno inspirado nos modelos de
seus antigos professores.
Entendemos que uma formação docente que se inspira nesses
modelos está fundamentada na manutenção dos processos de reprodução
cultural (paradigma conservador) absorvidos das visões de mundo,
das concepções epistemológicas, das posições políticas e experiências
vivenciadas, fortalecidas, conscientemente ou não, nos esquemas
cognitivos e afetivos.
Cunha (2006) argumenta que a carência da relexão na formação
docente deixa os proissionais mais suscetíveis e voltados para a reprodução
cultural e a manutenção das práticas de repetição. Esse movimento
certamente os distancia da problematização e do questionamento do
conhecimento, propiciando que os processos de alienação tendam a se
repetir. Assim ocorrendo, realimentam o aligeiramento da formação e da
apropriação supericial dos conhecimentos. Para esse autor, uma formação
que teve por base uma visão reducionista, herdada da modernidade, leva
os docentes a enfrentarem diiculdades de dialogar com outras áreas do
conhecimento, de perceber a multidimensionalidade do processo de ensino
e de superar a lógica da fragmentação à qual se contrapõe um ensino
concomitante com a produção do conhecimento, numa visão de totalidade.
De fato, na formação docente, o difícil é superar a visão
reducionista, dissociada da percepção de que o conhecimento tem
diferentes dimensões e estas se inter-relacionam. Destarte, contra esse
reducionismo metodológico faz-se necessária a busca de alternativas

47
para a proissionalização e para as atuais práticas pedagógicas, além de
conferir-lhes pressupostos teórico-metodológicos que lhes dariam um
novo sentido, a im de que o docente possa intervir de forma consciente
e coerente na realidade educacional, bem como realizar a contento a
inalidade precípua de sua prática, que é o ensino.
Sob essa ótica, a formação docente reconhece a existência de
múltiplos saberes e a necessidade da articulação entre eles, buscando-se a
compreensão e a interpretação desses fundamentos epistemológicos para
modiicar, sobretudo, a relação do sujeito conhecedor com o objeto a ser
conhecido. Por isso, as práticas inovadoras inserem-se nessa perspectiva
estreitando a relação entre a formação pessoal e a proissionalização docente.
Julgamos importante reconhecer nesse contexto que a formação
docente e as práticas pedagógicas de ensino não têm sido objeto de
relexão na maioria das instituições. Além de a prática pedagógica não
ser neutra ela não se refere apenas a uma ação individual. Trata-se, na
verdade, de uma prática social situada, em que estão presentes as relações
sociais que servem aos interesses humanos, sociais, culturais e, portanto,
políticos, produtos de relações de força que têm pendido para a dominação
de classes. A relexão guarda, pois, estreita relação entre o pensamento e
a ação, serve à transformação das situações reais e históricas em que os
docentes se encontram. Nessa direção, leva a um compromisso com a
transformação social e a busca por práticas inovadoras, a im de tornar
possível um ensino no qual se insiram os processos emancipatórios.
Vale ressaltar que a formação que se ancora na relexão consciente
possibilita ao docente desconstruir sua experiência vivida, tendo em vista
favorecer a emancipação e a autonomia proissional de modo a não fazer
do seu próprio trabalho simples reprodução, mas criação de um espaço de
práxis. Somente na ação reletida com outra consciência pode o docente
redimensionar sua prática, transgredir as fronteiras das disciplinas e,
intencionalmente, romper com o paradigma da ciência moderna.
Nesses termos, a formação inicial de professores, considerando-se
a complexidade do real, requer saberes de diferentes naturezas e espaços
para que as conexões entre os diversos conhecimentos propiciem práticas
inovadoras. Estabelecem-se, dessa forma, novas relações entre teoria e
prática que vão além da mera transmissão e aplicação. Assim, defendemos
que o exercício da docência não pode ser estático, “ao contrário, é
sempre processo, é mudança, é movimento, é arte, são novos ares, novas
experiências, novo contexto, novo tempo, novo lugar, novas informações,
novos sentimentos e novas interações” (CUNHA, 2006, p. 24).
Com base nesses novos pressupostos teórico-metodológicos, o
processo de formação docente considera as situações de emergência que

48
acontecem nos ambientes educativos e esclarece que todo objeto, mesmo
isolado, precisa ter decifrado o seu sentido, uma vez que este não se
encontra à parte no mundo. Esses pressupostos podem auxiliar o docente a
perceber que a educação, a cultura e a sociedade são sistemas complexos,
envolvem diferentes áreas do conhecimento e exigem um olhar mais
amplo e abrangente sobre as situações que aloram no contexto da prática
educativa, isto é, uma base teórico-metodológica sólida propicia que o
docente relita conscientemente para aprender a buscar novos caminhos,
sabendo para onde ir e aonde quer chegar.
A formação docente apresenta ainda inúmeras diiculdades, entre as
quais a questão básica, é a predominância do paradigma da reprodução do
conhecimento nos currículos de formação, o que leva o professor a considerar
a prática docente de forma isolada e desarticulada. Com isso, vemos que
“O mesmo paradigma tradicional que temos criticado nas duas últimas
décadas continua presente nas salas de aula e nos processos de formação
docente em que predominam os esquemas decisórios verticais, a alienação,
o conformismo, o individualismo” (MORAES e VALENTE, 2008, p.210).
Tais proposições, para serem modiicadas, demandam a introdução de
um novo paradigma de produção do conhecimento, como propôs Cunha.
As ideias das autoras supracitadas enfatizam uma formação docente
com base no paradigma da produção do conhecimento, sob a luz do
pensamento complexo como possibilidade de superar a visão dicotômica
e dualista de ensino e aprendizagem que separa o processo do produto,
a dimensão cognitiva da afetiva e a teoria da prática. Esses elementos
tomados de maneira não-dicotômica são imprescindíveis à reconstrução do
conhecimento, assim como são igualmente importantes as transformações
acontecidas no interior dos sujeitos. As percepções que decorrem das
interações entre docente e discente permitem expandir novos olhares
e desenvolver uma prática educativa em que o educador e o educando
estejam abertos ao diálogo e sejam partícipes do processo histórico.
Destacamos ainda que, para o pensamento complexo, a formação
docente tem como objetivo essencial a evolução da consciência do sujeito
docente. Este comporta, segundo Morin (2005), um caminhar para uma
concepção mais enriquecida e transformada de ciência (que evolui,
como todas as coisas vivas e humanas). Para tanto, faz-se indispensável
desintegrar falsas certezas e pseudo-respostas, esquecer que a descoberta
de um limite ou de uma carência em nossa consciência já constitui
progresso fundamental e salutar para essa consciência. Isso implica dizer
que a formação docente necessita mobilizar todos os estruturantes do
pensamento e da ação, o que requer a transformação do sujeito e de seu
modo de pensar. Requer, inclusive, modiicação de suas atitudes e, ao

49
mesmo tempo, foco no objeto da formação, considerando-o como um
olhar que aponta os aspectos da proissionalização e da prática docente
que precisam ser modiicados, além de outras ações com esse im que
necessitam ser desenvolvidas na instituição.
Nesse contexto, acreditamos que as práticas inovadoras na
formação docente possam assumir papel signiicativo no sentido de
ajudar o professor universitário a modiicar e a transformar os rumos da
docência. A difusão e as proposições inovadoras se contrapõem à posição
de centralidade e domínio do conteúdo, à dicotomia entre teoria e prática,
enim, suas posições metodológicas e, inconscientemente, praticam um
exercício descontextualizado, como tem sido caracterizado o trabalho
docente na universidade.
Sem dúvida, um princípio capaz de unir o pensamento e a ação
requer que a formação docente seja tratada por meio de um processo de
formação integral, conforme apontam Torre e Barrios (2002) e Moraes e
Torre (2004). Esses autores recomendam um modelo de ensino integrador
em suas propostas, adaptado aos diferentes contextos, e polivalente em
suas estratégias e sistemáticas de avaliação. O pressuposto da formação
integral é a mudança

[...] como organizadora conceitual da realidade


e princípio de construção do conhecimento; a
consciência como construto que faz presente o
que estava ausente, visível o invisível, possível o
imaginário, a confrontação ou tensão inferencial que
está na origem de toda mudança; a complexidade como
qualidade inerente à ação, ao pensamento e sentimento
humanos; a comunicação como veículo de expressão e
realização (TORRE e BARRIOS, 2002, p.77).

Nessa construção teórica, a complexidade nos ajuda a perceber


que a mudança é um dos pressupostos fundamentais a todo o processo
de inovação, componente essencial a todo processo transformador que
se encontra presente na construção do conhecimento e na aprendizagem.
Os pressupostos ontológicos, epistemológicos e metodológicos desse
paradigma não permitem separar o ser da realidade, a subjetividade da
objetividade, o educador do educando, o sujeito da cultura. Sob esse
olhar, a realidade educacional não é feita de racionalidade técnica e
fragmentação, mas de processos que consideram o todo e também as
partes, o conhecimento intuitivo, o emocional, o imaginativo e o sensível.
Devemos enfatizar também que a formação docente, a proissionalização e a
prática educativa, com base na perspectiva da complexidade, tornam-se um

50
desaio estimulante. Essa base conceitual reconhece a existência de outros
tipos de conhecimento e realidades que visam contribuir para a evolução
da consciência como condição fundamental para atender os desaios e a
reforma do pensamento na universidade, conforme esclarece Edgar Morin.

As Políticas de Formação: Breves apontamentos

É sabido que a centralidade da formação docente, tanto em relação


ao discurso quanto ao surgimento das políticas, ocupa cada vez mais
destaque no cenário internacional e nacional na perspectiva de uma
reedição da Teoria do Capital Humano1. Essa crença levou as agências
multilaterais a prescreverem no seu receituário neoliberal a escolarização
como alternativa para o desenvolvimento, o que aumentou sobremaneira a
busca por educação e, em consequência, a pressão cada vez mais frequente
pela abertura de vagas na educação superior que, no Brasil, apresenta
grave déicit histórico. Shiroma Moraes e Evangelista (2000) apontam
que as reuniões promovidas pelos organismos internacionais, além de
reconhecerem o fracasso na oferta de educação básica de qualidade para
todos, colocam a educação no foco das atenções mundiais.
Quanto à ênfase que os organismos internacionais têm dado à
educação básica para os países periféricos, destacam-se vários eventos
que ratiicam essa preocupação. Como exemplo, podemos citar a
realização, em 1979, na cidade do México, do Projeto Principal de
Educação (PPE) para a América Latina, promovido pela CEPAL, tendo
o objetivo delinear uma política educacional contínua com impactos nas
políticas educacionais (CABRAL NETO e CASTRO, 2005). A esse
respeito, o relatório produzido pelo BM em 1995, intitulado Prioridades
y Estratégias para la Educación, diz que a educação básica deveria ser
fortalecida, inclusive na perspectiva da formação docente em serviço, e a
educação precisaria ser considerada dentro de um paradigma produtivo.
No que concerne à realidade brasileira, sobressai a dívida histórica
referente ao fato de a formação de professores ser elemento essencial
para a oferta de uma educação escolar de qualidade para a população
(GUIMARÃES, 2001). No que tange às conigurações da legislação
nacional e em decorrência dos compromissos que o governo brasileiro

1
A Teoria do Capital Humano proposta por Schultz é, em sua essência, uma teoria econômica que
exerceu grande inluência, a princípio, no período desenvolvimentista. Defende que a educação é um
bem econômico a ser consumido, admitindo-se uma relação direta do grau de conhecimento com o
grau de desenvolvimento de cada país. Em razão disso, é correto airmar que as orientações de cunho
neoliberal determinam um redirecionamento educacional amplo em todos os níveis educacionais
balizados nessa teoria.

51
assumiu na Carta de Jomtien2, passaram a ser programadas políticas
para a educação em todos os aspectos, como na aprovação da LDBEN
nº. 9.394/96 que previa inicialmente, em seu Artigo 87, que todos os
professores deveriam ter formação em nível superior em apenas dez anos.
Com tais prerrogativas, a formação docente no Brasil foi colocada
em pauta com grande centralidade. Para alcançar esse im, os governos,
um após outro, têm implementado políticas voltadas para a formação
em serviço. Desse modo, destacamos a seguir alguns documentos que
fundamentam essa política, os quais, a nosso ver, ajudarão o leitor a
entender o PARFOR / Plano Nacional de Formação de Professores da
Educação Básica.
A Resolução CNE/CP Nº 2, de 26 de junho de 1997 que Dispõe
sobre os programas especiais de formação pedagógica de docentes para
as disciplinas do currículo do ensino fundamental, do ensino médio e da
educação proissional em nível médio aponta a necessidade de formação, em
nível superior, em cursos regulares de licenciatura e em programas especiais
de formação pedagógica a quem já possua diploma de nível superior.
Esse documento aponta a necessidade de regulamentação desse grupo de
professores a im de suprir um déicit histórico imenso existente no Brasil.
Outro documento que merece destaque é a aprovação do Parecer
CNE – CP Nº 9, de 08 de maio de 2001, que estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação
Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. O
documento pontua que é “preciso fazer uma formação de proissional
de alto nível” (CNE p. 29). Para tanto, tornava-se necessário que
o professor em formação realizasse ações, tais como: adquirir ou
desenvolver competências e compromissos relacionados com os valores
inspiradores da sociedade democrática, compreender o papel social da
escola, ter domínio do conhecimento pedagógico e dos conteúdos a
serem socializados, adquirir competências referentes ao conhecimento de
processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática
pedagógica, bem como competência em relação ao gerenciamento do
próprio desenvolvimento proissional. Por outro lado, o Parecer CNE-CP
Nº 5, de 04 de abril de 2006 na perspectiva da lexibilização possibilitada
pela LDB 9394/96, destaca que:

[...] Programas Especiais de Formação Pedagógica de


Docentes poderão ser ministrados, independentemente
de qualquer autorização prévia, por qualquer instituição
2
Essa Carta é resultado da Conferência de Jomtien, que ocorreu na Tailândia, em março de 1990,
convocada pelos seguintes organismos internacionais: UNESCO, UNICEF, PNUD e pelo Banco
Mundial. Essa Conferência pode ser considerada como o maior marco na formulação de políticas
governamentais tomando-se como referência a última década do século passado.

52
de educação superior que mantenha no mínimo um
curso de licenciatura já reconhecido no mesmo campo
de conhecimento [...] (CNE-CP Nº 5, de 04 de
abril de 2006, p.03).

Salientamos que a ênfase dada ao termo “mínimo” associado ao


algarismo “um” de maneira aparentemente redundante, como se fosse
possível a existência de algo menor que “um” para se tornar “mínimo”
nesse universo numérico em que vivemos. O entendimento é de que essa
linguagem expressa realmente a situação emergencial pela qual passava
(e ainda passa) a formação docente no Brasil, na medida em que os
aspectos quantitativos se sobrepõem aos qualitativos de maneira evidente
nos textos oiciais em tom apelativo como o exposto anteriormente.
Acreditamos, igualmente, que essa escolha evidente pelo
elemento quantitativo relacionado à formação docente é corroborada
pela realidade. Assim, traçando um paralelo de dados, constatamos que,
tratando-se especiicamente da função docente por grau de formação no
ensino fundamental de 1ª a 4ª série, em 1996, no Estado do Tocantins,
“A formação em nível superior, em licenciatura, era insigniicante,
apresentando apenas 1,7%” (PINHO, 2004, p.76).
Araújo (2008), por sua vez, airma que, do ponto de vista estatístico,
a realidade brasileira não desaina da realidade tocantinense. Dessa
forma, O Diário online (Diário do Grande ABC) registra que, de acordo
com estudos da ONU presentes no Relatório Educação para Todos/2006,
o Brasil é, “[...] na América Latina, um dos países com menor grau de
formação de professores”. Avaliamos que essa constatação salienta
o prognóstico de que precisaremos de “mais de 396 mil professores
até 2015 para manter o atendimento nas escolas de ensino básico”. O
mesmo relatório sinaliza ainda que 92% dos professores brasileiros da
primeira fase do ensino fundamental izeram apenas o magistério médio.
Isso coloca o Brasil, na América Latina, na mesma situação de países
como a Nicarágua e o Panamá e, no mundo, esse índice nos equipara
a países como a Indonésia e o Egito. Já no Chile, por exemplo, são
92% de professores formados em nível superior que atuam na primeira
fase do ensino fundamental. No que diz respeito à taxa de reprovação,
o documento indica um percentual de 21%. Esse resultado equipara o
Brasil, quando comparado com o restante do mundo, a países como a
Eritréia e Moçambique, perdendo inclusive, para Ruanda e Lesoto.
Nesse cenário de carência e emergência historicamente acumuladas,
o governo federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), em abril de 2007, e sua articulação com o Decreto Nº 6094, de 24
de abril e 2007, que “Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas e
Compromissos Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de
53
colaboração com Municípios, DF e Estados, e a participação das famílias
e da comunidade, mediante programas e ações de assistência técnica e
inanceira, visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da
educação básica”. Cabe sublinhar que, entre as XXVIII metas estabelecidas
pelo documento, distingue-se a diretriz de nº XII que estabelece a garantia
de “[...] programa próprio ou em regime de colaboração federativa para
formação inicial e continuada de proissionais da educação”.
Posteriormente surge o Plano Nacional de Formação de Professores
Da Educação Básica – PARFOR que, de per si, está inserido no PDE.
Este, por sua vez, articula-se com o Plano de Ações Articuladas –
PAR, que constitui, em acordo com a Seção II, Art. 9º do Decreto Nº
6094/2007, como o “[...] conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou
inanceiramente pelo Ministério da Educação, que visa ao cumprimento
das metas do Compromisso e à observância das suas diretrizes”.
Para dar materialidade ao PARFOR, surge o Decreto nº 6.755, de
29 de janeiro de 2009, que “Institui a Política Nacional de Formação de
Proissionais do Magistério da Educação Básica, disciplina a atuação da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
no fomento a programas de formação inicial e continuada e dá outras
providências”. No Decreto nº 6094/2007, destacamos o Art. 1º que institui
“[...] a política Nacional de Formação de Proissionais do Magistério da
Educação Básica, com a inalidade de organizar, em regime de colaboração
entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação
inicial e continuada dos proissionais do magistério para as redes públicas
da educação básica”.
Pontuamos aqui que a inserção de uma agência bastante conceituada
em nível nacional como a CAPES confere grau maior de compromisso e
seriedade à política ora discutida, inclusive associando a formação com
a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Nesses termos, a
ênfase se acentua na medida em que essa política se vincula principalmente
a universidades ou instituições públicas de educação superior (Art. 3º,
III), “[...] preferencialmente na modalidade presencial” (Art. 3º, VI).
Para o cumprimento dos objetivos elencados, o Decreto Nº
6094/2007 prevê “[...] a criação de Fóruns Estaduais Permanentes de
Apoio à Formação Docente [...] em regime de colaboração” (Art. 4º, §
1º), tendo assento garantido nesses eventos vários segmentos vinculados a
entidades educacionais oiciais e de representação e classe. Esses Fóruns
têm como um de seus objetivos principais acompanhar a execução do
plano estratégico e promover sua revisão periódica (Art. 4º, VIII, § 6º).
Como desdobramento dessa política, a Resolução CNE-CP Nº 1,
de 11 de fevereiro de 2009, “Estabelece Diretrizes Operacionais para a
implementação do Programa Emergencial de Segunda Licenciatura para
54
Professores em exercício na Educação Básica Pública [...]” Fazemos esta
ressalva em razão de que o PARFOR também prevê a existência de cursos
de segunda licenciatura aos professores da rede de ensino que atuam fora
de sua área de primeira formação. O documento acentua que essa formação
se caracteriza por uma emergência, sendo destinada a professores em
exercício da educação básica pública há pelo menos três anos em área
distinta da sua formação inicial. A formação seria coordenada pelo
MEC em regime de colaboração com os sistemas de ensino e realizada
por instituições públicas de educação superior articulando formação
pedagógica e formação especíica dos conteúdos da área.
Como desdobramento dessas ações3 surge a Portaria Normativa Nº
9, de 30 de junho de 2009, que “Institui o Plano Nacional de Formação dos
Professores da Educação Básica no âmbito do Ministério da Educação”.
Esse Plano determinou, inclusive, o fomento em geral para a efetivação
dessa política, além de apoio técnico: “As despesas decorrentes da
implantação das ações e programas estarão consignadas nas dotações
orçamentárias anuais de Ministério da Educação, da CAPES e o Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE” (Art.5º).

A formação de professores em serviço e o curso de Pedagogia do


PARFOR/ Câmpus de Tocantinópolis

A Universidade Federal do Tocantins – UFT se insere na política


mencionada na condição de Instituição de Educação Superior – IES
envolvida com o processo de formação docente. Por desdobramento, o
Câmpus Universitário de Tocantinópolis foi contatado para se envolver
nesse processo em 2009 quando recebeu a visita de uma comitiva da reitoria
composta pelo Magníico Reitor, à época, Prof. Dr. Alan Barbiero e pela
Pró-reitora de graduação, Profª. Dra Isabel Auler. Em reunião, expuseram
as demandas do PARFOR para o Tocantins com o intuito de estimular
o Campus a se envolver nesse desaio. A princípio seriam oferecidos os
mesmos cursos presenciais, isto é, pedagogia e ciências sociais. Dessa
maneira, o colegiado do curso de pedagogia aceitou o desaio sendo que
o então coordenador, Prof. Nataniel da Vera-Cruz Gonçalves Araújo,
assumiu também a coordenação do PARFOR, implantando duas turmas.
Já o curso de ciências sociais não conseguiu abrir turma por algumas
razões, entre as quais, a pouca demanda de alunos.
3
Ratiicamos, no entanto, que existem outras legislações adicionais, as quais complementam
a efetivação do PARFOR. Citamos aqui as Resoluções do FNDE Nº 44, de agosto de 2009, e a
Nº 48, de 14 de setembro de 2009 que direcionam a concessão e pagamento de bolsas. Citamos
também a Portaria Nº 883, de 16 de setembro de 2009, que estabelece as diretrizes nacionais para
o funcionamento dos Fóruns Estaduais Permanente de Apoio à Formação Docente, criados pelo
Decreto 6.775, de 29 de janeiro de 2009.

55
Convém salientar que, para o sucesso desse trabalho, a colaboração
de todos os que compõem a UFT foi fundamental, Incluem-se aqui os
terceirizados, os técnicos e os professores que, desde o início do curso,
estiveram envolvidos na formação. Desvelamos a força de vontade dos
alunos envolvidos e que chegam ao im desse curso enfrentando os mais
diversos problemas de ordem material, familiar e proissional.

Algumas Considerações

Ante o exposto, vemos que as ideias e apontamentos feitos até


então nos levam ao entendimento de que o PARFOR no campus de
Tocantinópolis constitui, para nós, uma experiência salutar. Os nexos
estabelecidos entre as políticas de formação docente e suas práticas,
que nos levam a reletir sobre o saber e o fazer na e para a educação
torna-se mais que uma necessidade. Assim compreendemos que os
saberes construídos durante todo esse processo, seja na implantação do
curso, seja no trabalho diário com os professores/pesquisadores e com
os alunos/professores, revelam que o ensinar e o aprender emergem na
relação teoria e prática fortalecida num processo permanente que envolve
comprometimento, bom senso, mudança, alegria, esperança. Enim, esse
aprendizado que implica mudanças “nos modos de ser, de pensar e de agir
de todos os professores” (BRITO, 2011, p.189) deve ser efetivado nos
diferentes contextos, sejam eles institucionais ou práticos.

Referências

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58
CAPÍTULO IV

EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL E FORMAÇÃO DE


EDUCADORES

Monalisa Porto Araújo


Orlandil Moreira de Lima

Palavras iniciais: as concepções e atendimento da Educação em


Tempo Integral

Ao longo de nossa história, a Educação em Tempo Integral foi


vivenciada por meio da dualidade: ora como privilégio de determinados
grupos sociais, uma minoria de pessoas que possuíam os recursos
suicientes para bancar a educação erudita de seus ilhos; ora destinada
aos pobres, buscava apenas a formação de mão de obra para o trabalho
na área agrícola, industrial ou de serviços, se travestindo pelo discurso
assistencialista de livrar os pobres da ociosidade. Segundo Giolo (2012),
a Educação em Tempo Integral sempre existiu no nosso país, desde
colégios jesuíticos até liceus e internatos do período Colonial ao Império,
destinados aos jovens da elite. Ainda segundo esse autor, aos jovens
das camadas populares, pelas necessidades existenciais e pecuniárias
imediatas, a prioridade era a de inserção no mundo do trabalho, limitando
a jornada escolar em um único turno sem atividades complementares no
contra turno.
Para a Educação em Tempo Integral desenvolvida entre o período
Colonial e a República, vemos o embate entre duas visões de educação
bastante distintas: uma com inalidade de erudição e intelectualidade e
outra para trabalhos manuais, conforme alerta Coelho e Portilho (2009),
ao discorrerem sobre os pressupostos ilosóicos da Educação em Tempo
Integral. Airmam que esse embate reproduz as visões da dualidade
clássica grega entre a formação do corpo e do espírito, para governantes,
e das habilidades manuais e práticas, para governados:
tal como o do clássico dualismo grego, que
fundamentou o pensamento cartesiano e seccionou a
educação em dois tipos: a contemplativa e a do corpo e
dos ofícios, ou seja, a educação intelectual e a educação
manual ou técnica, sendo esta segunda preterida pelas
elites, em detrimento daquela primeira (COELHO E
PORTILHO, 2009, p.91).

59
Em nosso contexto, e como pretendido por uma luta histórica em
defesa da educação pública e popular, a Educação em Tempo Integral
parte da preocupação central de ressigniicar a escola enquanto espaço
de formação de sujeitos em sua integralidade, priorizando a formação
humana em todas as suas dimensões (cognitiva, afetiva, ética, estética,
social, cultural, política). De acordo com Moll (2012), esse é um legado
que foi iniciado com Anísio Teixeira e as Escolas Parque, na década de
1950 e Darcy Ribeiro e os Centros Integrados de Ensino Público (CIEP),
da década de 1980, e é retomado, no contexto atual, devido à urgência de
reconstrução e fortalecimento da escola pública e da percepção de que um
período parcial é insuiciente para garantir a formação integral.
Entender de forma ampliada a educação realizada em tempo
integral, não signiica apenas a ampliação do tempo de permanência
dos estudantes na ‘mesma’ escola, sem as necessárias transformações
de tempos, espaços e atividades, o que representaria, segundo Arroyo
(2012), a precarização dos tempos-espaços do viver e uma violência
contra a infância e adolescência das pessoas das camadas populares.
Reclamamos, portanto, com essa ressigniicação do conceito de educação,
a defesa de uma escola que amplia seus tempos e espaços à comunidade,
que consiga incorporar as dinâmicas, as atividades e as necessidades
formativas de seus sujeitos. Que reconstrua o currículo escolar na direção
de um reconhecimento da importância da diversiicação das atividades
e da inclusão de outros agentes sociais na educação, o que garante
dialogicidade epistemológica, territorial e temporal.
Nos últimos anos, presenciamos a construção de propostas de
educação integral em tempo integral em diferentes municípios pelo o
Brasil, fazendo emergir iniciativas pedagógicas inovadoras que ajudam
nesse movimento de renovação da escola. Nesse tempo, iniciativas de
formação também foram se desenhando no sentido de contribuir para esse
novo momento. Pesquisa realizada pelo Ministério da Educação ilustra
bem esta realidade (BRASIL, 2010).
A Educação Integral não se apresenta, ainda, em nosso país enquanto
uma política pública consolidada, mas existem diversas estratégias
para induzir a construção dessa política, dentre essas, o Programa Mais
Educação, do Ministério da Educação, compondo as ações do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE), para induzir a ampliação da
jornada escolar e a organização curricular na perspectiva da Educação
Integral. Criado pela Portaria Interministerial nº 17/2007 e regulamentado
pelo Decreto 7.083/10, estava voltado inicialmente para escolas urbanas.
Em 2012 a proposta é ampliada para as populações e escolas do campo. A
inserção e ampliação do Programa Mais Educação para escolas do campo

60
aparece como demanda do Programa Nacional de Educação do Campo
(PRONACAMPO), lançado em 20 de março de 2012.
A ampliação do atendimento da Educação em Tempo Integral
existência
se deve ao fato da existência do Programa Mais Educação, que em
atendimento de 12,5%
seus primeiros seisdoanos
público matriculado
garantiu na Educação de
o atendimento Básica em escolas
12,5% públic
do público
segundo dados na
matriculado do Inep em 2013.
Educação Ainda conforme
Básica em escolasos dados do Educasenso
públicas, segundo2013dados do
Inep em 2013. Ainda conforme os dados do Educasenso 2013 é possível
vislumbrar o percentual da população matriculada que recebeu Educação
em Tempo Integral, ver gráico na sequência.

Gráico 1: Atendimento Educação em Tempo Integral – 2010-2013

Cresimento no Atendimento da Educação em Tempo


Integral nas Escolas Públicas - 2010-2013
2013,5
2013
2012,5
2012
2011,5
2011
2010,5
2010
2009,5
2009
2008,5
4,7 6,4 8,3 12,5

Fonte: Inep, 2013. Fonte: Inep, 2013.

De acordo com o gráico vemos que a oferta de Educação em


Tempo Integral pela escola pública praticamente triplicou em três anos,
passou de 4,7% em 2010 para 12,5%anos, em passou
2013. deEmbora
4,7% emem
2010 para 12,5%
relação a
em 2013. Embora
demanda em relação
e ao direito a demanda e ao em
de aprendizagem direito de aprend
período diário ampliado, esses
percentual ainda esteja aquém, a população atendida já consegue garantir
outra dinâmica à escola, pela inserção de novas atividades e novos agentes
educativos. Porém, não houve uma preparação inicial para os educadores
que irão trabalhar com as novas necessidades formativas.
Desta feita, ampliaram-se as iniciativas de formação no campo da
educação integral, principalmente pelo esforço do Ministério da Educação
em mobilizar as universidades públicas para esta contribuição junto aos
sistemas de educação estadual e municipal. Somam-se a esse processo
diversas iniciativas de organizações não governamentais, que também
vem desenvolvendo esforços no sentido de contribuir na formação de

61
educadores para a educação integral, a exemplo da Associação Cidade
Escola Aprendiz, o Centro de Referência em Educação Integral e o
Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(Cenpec), com a promoção de seminários, cursos, publicações e
assessorias pedagógicas aos sistemas estaduais e municipais de ensino.
A Universidade Federal da Paraíba (UFPB), através do Núcleo de
Cidadania e Direitos Humanos (NCDH), iniciou essa colaboração em
2009, a partir da participação de professores em um Seminário em Brasília,
promovido pelo Ministério da Educação, tendo como tema a Educação
Integral. A contribuição da UFPB no campo da formação docente para a
Educação Integral se realiza tendo como referência os direitos humanos e
a Educação Popular. Ou seja, “buscamos a base conceitual na Educação
Popular, como io que costura as redes de inter-relações entre a Educação
Integral e Educação em Direitos Humanos”. Historicamente, a UFPB
tem desenvolvido ações no campo dos direitos humanos, já com uma
produção relevante nesse campo, tendo como principal referência o NCDH
(ZENAIDE e DIAS, 2006). Da mesma forma, a Educação Popular, com
uma produção importante no Programa de Pós-graduação em educação,
em especial na linha de pesquisa em Educação Popular (RODRRIGES,
et.al., 2007). Perspectivas que orientaram a proposta pedagógica da
formação do curso de especialização em Educação Integral em Direitos
Humanos.

A preocupação com a educação em Direitos Humanos


no contexto da Educação Integral está vinculada à
promoção de uma educação comprometida com a
equidade de gênero, contra a discriminação étnica,
cultural e de orientação sexual que hoje se delineia
na política educacional brasileira (PROJETO
PEDAGÓGICO DO CURSO, 2012).

Com o intuito de contribuir com o processo de formação e


capacitação dos educadores, professores e gestores envolvidos com a ação
educativa no campo da educação integral, a UFPB vem desenvolvendo
iniciativas formativas que possibilitem a esses sujeitos uma visão de
Educação Integral na perspectiva de uma educação emancipadora.
O processo de formação tem se desenvolvido a partir da realização
de cursos de extensão, seminários, cursos de especialização, além da
participação de professores no Comitê metropolitano de Educação
Integral, o qual reúne diferentes atores institucionais: interlocutores
do Programa Mais Educação das secretarias estadual e municipal de
educação, representantes de universidades e outras instituições que
porventura queiram participar.
62
A primeira iniciativa nesse sentido foi um curso de extensão
realizado em 2009, tendo como tema central os Direitos Humanos no
contexto da Educação Integral. A escolha do tema ocorreu em função
de um dos macrocampos do Programa Mais Educação ser Educação
em Direitos Humanos e Cidadania. Daí em diante, outras ações foram
realizadas, sempre buscando fortalecer a perspectiva da educação em
direitos humanos como aspecto fundamental para a formação integral
das crianças, adolescentes e jovens, a exemplos de seminários, cursos de
extensão e acompanhamento ao comitê metropolitano de educação integral
e um curso de especialização em Educação Integral em direitos humanos.

A Educação Integral e pressupostos para a formação docente

A formação docente é um campo de discussão muito amplo,


envolve desde a formação inicial para licenciar a atuação em sala de aula,
a continuada especíica para a qualiicação da ação dos docentes que
já exercem suas atribuições educativas nos vários âmbitos de inserção
proissional, e ainda a formação pela prática, enquanto âmbito de
proissionalização docente. Interessa-nos aqui a discussão sobre formação
continuada, já que a Educação de Tempo Integral é incorporada na escola,
para os proissionais em atividade, antes mesmo de ser uma discussão
inclusa nos currículos dos cursos de formação inicial.
Tivemos como avanço neste ano de 2015 a aprovação, em 09 de
junho, do Parecer CNE 2/2015 das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a formação Inicial e Continuada dos Proissionais do Magistério
da Educação Básica, aguardando homologação. Esse documento visa
dar organicidade e assegurar o que foi previsto no Plano Nacional de
Educação, decénio 2014-2024, em que encontramos a diretriz IX de
valorização proissional, e a meta 16 formar, em nível de pós-graduação,
50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica,
considerado sua área de formação e as demandas contextuais dos sistemas
de ensino. Essa é uma demanda de extrema relevância, principalmente
quando ainda apresentamos déicits na formação inicial docente. Segundo
o Parecer 2/2015, até 2013 o percentual de docentes que não possuíam
o Ensino Superior e estão atuando em sala de aula é: 40% na Educação
Infantil, 27,6% no Ensino Fundamental e 7,3% no Ensino Médio.
Diante de tais diiculdades que envolvem o campo da formação
docente, considerando os déicits referentes a formação inicial, o que se
constitui como uma problemática ainda maior para a formação continuada,
já que não há uma habilitação especíica do docente para a atuação em sala de
aula, tal documento considera dentre as bases comuns a serem consideradas

63
no processo de formação continuada e que elegemos como pressupostos
centrais para nossa análise do processo de formação para proissionais
da Educação em Tempo Integral: a práxis; a interdisciplinaridade;
a educação pela pesquisa; visão ampla do processo formativo.
A práxis no processo de formação docente diz respeito a interrelação
da teoria e da prática, da relexão e ação, buscando a autorrelexão da
atuação como docente a im de avaliar e reconstruir o sentido da prática.
A práxis é um conceito que remete a necessária dialogicidade do processo
educativo, um conceito que Freire revela desde que escreve a Pedagogia
do Oprimido, quando ressalta a necessidade de a prática educativa nem se
constituir de ativismo (ações descoladas da relexão) nem de verbalismo
(palavras sem ações que a sustentem). Essa consciência revela o
entendimento de que a transformação da educação é processual, e que
depende do amadurecimento teórico-metodológico dos que a vivenciam.
A interdisciplinaridade busca superar a visão linear da construção
do conhecimento, da aprendizagem e do ensino, buscando alicerces de
contextualização e cotidianidade para dar sentido as aprendizagens a serem
construídas. Interdisciplinaridade signiica, segundo Fazenda (2008) um
rompimento epistemológico que altera não só a relação disciplinar, mas
quando agrega sentido na dinâmica que ultrapassa a simples busca de
conexões de conteúdos entre as disciplinas, mas incorpora à interação
professor-aluno, aluno-aluno e escola-família, para criação de signiicados
aos conteúdos da realidade (relação teoria/prática). A dinâmica de
integração de conteúdos pode ser um dos primeiros passos na interação
entre pessoas, condição para a transformação do ambiente escolar.
A educação pela pesquisa diz respeito a superação da
unilateralidade do processo de ensino em que a aprendizagem se
constrói pela memorização e associacionismo, sem a vinculação com
conhecimentos prévios que permitam que o saber construído e tenha
sentido. Segundo Demo (1996) educar pela pesquisa prescinde do
fortalecimento do papel da indagação como motor para o processo de
ensino-aprendizagem, de onde se estimula a criatividade e o compromisso
social, tanto no levantamento de problemas atrelados a cotidianidade,
quanto na superação dos mesmos pela investigação e ação na realidade.
A educação perde seu falso caráter de neutralidade e as aprendizagens
passam a ter sentido, ampliando não apenas os horizontes culturais dos
educandos, mas também as capacidades de enxergarem soluções.
A visão ampla do processo formativo é um pressuposto fundamental
para a Educação em Tempo Integral, superar a visão usual de aula, com
espaço deinido, autoritarismo docente e do conhecimento livresco. A
ampliação da noção de formação, vem acompanhada da ampliação dos

64
tempos e espaços formativos, a diversiicação das atividades envolvidas
e dos agentes, permitindo maior interação entre escola e comunidade, a
reconstrução em relação ao papel educativo da comunidade. A educação
integral sinaliza para um repensar a escola, exigindo um novo paradigma
que ajude a reconigurar o modelo tradicional. A escola precisa romper
o seu isolamento e construir pontes, no sentido de ampliar os espaços
educativos para além da instituição escolar, assim como a ampliação dos
tempos educativos, o que signiica romper com uma escola de meio turno
(ARROYO, 2012).
Tal perspectiva pedagógica exige dos educadores e educadoras
um processo de formação que os possibilite e os ajude a reletir sobre
a escola e suas práticas pedagógicas nesse novo cenário educacional
contemporâneo, o qual requer dos professores/as outras capacidades para
o desempenho de suas funções nos espaços de gestão, no cotidiano da
prática docente e pedagógica e na articulação da escola com outros atores
e espaços educativos.
Nesse novo contexto, a formação dos/as educadores/as merece uma
atenção especial, de modo a proporcionar capacidades educativas que
contribuam para a descontinuidade de uma escola que prioriza o sujeito na
sua dimensão cognitiva, passando a proporcionar a formação das crianças,
adolescentes e jovens outros saberes, fundamentais para a formação
humana. Portanto, uma nova perspectiva de escola articulada com o seu
território. A airmação de Verônica Branco reforça esse novo momento:

Na sociedade contemporânea a escola sozinha não pode


mais dar conta de toda a formação e da aprendizagem
que os jovens necessitam, mas cabe a ela assumir o
papel de protagonista no processo de organização das
forças sociais comunitárias. Assim a educação integral
que se propõe hoje não pensa em uma escola que isole
a criança de sua comunidade objetivando protegê-la,
pois sem conviver em sua comunidade ela não tem
como desenvolver o direito de cidadania (BRANCO,
2009, p 38).

Em vista dessa nova realidade é preciso, sobremaneira, repensar


também o processo de formação docente. A formação dos/as educadores/as
deve contemplar uma perspectiva que rompa com a tradição de isolamento
da escola. Um processo formativo que ajude os/as educadores/as recriar
a escola, dando a ela o seu papel protagonista na construção de uma
comunidade de aprendizagem, dialogando com outros atores no território.
Para pensar sobre esta perspectiva formativa, a Educação Popular
pode nos ajudar nessa tarefa, a partir do pensamento pedagógico de Paulo

65
Freire. Nesse sentido, construir uma escola ampliada para além dos seus
muros exige de seus educadores a capacidade de diálogo com outros
atores e espaços. Ou seja, pensar a escola articulada com o seu território,
dialogando com os diferentes saberes existentes, além do conhecimento
escolar. (FREIRE, 1996).

Iniciativas de formação docente em Educação Integral: Curso


de Especialização Educação Integral em Direitos Humanos da
Universidade Federal da Paraíba

O curso de Especialização em Educação Integral em Direitos


Humanos foi criado em 2012 e aprovado pela UFPB no mesmo ano,
com uma carga horária de 375 horas e onze componentes curriculares.
Foi resultado das demandas de formação colocadas pelo Programa
Mais Educação e viabilizado a partir de convênio junto a Secretaria de
Educação Básica do Ministério da Educação.
O mesmo foi ofertado pelo Núcleo de Cidadania e Direitos
Humanos (NCDH) do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes
(CCHLA) e o Centro de Educação (CE), tendo como público os/as
educadores/as envolvidos na ação de Educação Integral desenvolvida
através de programas governamentais, os quais têm como objetivo
a ampliação da jornada escolar, através da realização de ações sócio
culturais e esportivas, desenvolvidas, normalmente no turno contrário a
realização das atividades relativas ao conteúdo do “currículo regular”.
Participaram do curso educadores/as envolvidos em atividades dos
Programas Mais Educação, Escola aberta, Segundo Tempo, do governo
federal, e o Ciranda curricular do município de João Pessoa.
A realização desse curso teve a colaboração das Secretarias de
Educação do Estado e dos municípios da região metropolitana de João
Pessoa, através dos coordenadores estadual e municipal do Programa
Mais Educação. O seu objetivo foi contribuir com esse momento de
construção de práticas educativas no campo da educação Integral em
tempo integral, mesmo que, as condições sejam pouco favoráveis,
como icou bastante evidenciado durante os debates nas disciplinas.
Considerando esta realidade, objetivou-se criar condições, a im de
que educadores e educadoras que atuam nas escolas públicas junto ao
Programa Mais Educação e demais programas (Gestores/as, Professores/
as Comunitários/as e Oicineiros/as) possam atuar de forma coletiva,
criativa, crítica e solidária na construção de uma Educação Integral, como
sugere o Projeto pedagógico do curso:

66
A proposta de formação que norteia o Curso de
Especialização em Educação Integral em Direitos
Humanos parte da necessidade de repensar, com
os proissionais que vivenciam e materializam a
proposta do Programa Mais Educação, o acesso e
permanência das crianças da escola pública, em um
período estendido de atividades, não como doação da
escola e assistencialismo do Estado, mas como direito
conquistado de Educação Básica para todos em tempo
e formação integral (PROJETO PEDAGÓGICO DO
CURSO, 2012).

Procuramos tomar o curso enquanto um processo formativo


continuado que colabora no sentido de dar conta da realidade de vida dos
educandos e educandas, na implantação de uma Educação Integral nas
escolas públicas, como também ser uma ferramenta na construção de uma
Educação Pública e Democrática.
O curso foi realizado a partir de componentes curriculares básicos,
de forma a contemplar as duas temáticas centrais: a Educação Integral
e Educação em Direitos Humanos, além de outros temas importantes
para o objetivo a que se propôs o curso. As disciplinas ofertadas foram
organizadas de modo dar conta de aspectos relativos à fundamentação
teórica em educação integral e educação em direitos humanos, conteúdos
metodológicos e questões acerca da metodologia de pesquisa, como
demonstra o quadro a seguir:

Quadro 01:Disciplinas do curso de Especialização Educação Integral em Direitos Humanos


Disciplinas
Saberes e vivências em educação integral
Fundamentos sócio históricos da educação integral
Fundamentos da educação em direitos humanos e cidadania
Escola, saberes e espaços educativos
Metodologias e prática da educação em direitos humanos
Metodologias e prática em educação integral
Educação Integral e protagonismo juvenil
Diversidade artístico cultural e educação integral
Metodologia da pesquisa
Seminários temáticos
Seminário de pesquisa
Fonte: Projeto pedagógico

67
O curso teve duração de 12 meses de forma presencial. As disciplinas
buscaram contemplar, além dos conteúdos acerca das temáticas centrais
do curso, o debate sobre os sujeitos envolvidos nas práticas educativas
e a realidade de seus territórios, bem como, as orientações teóricas e
metodológicas propostas no projeto pedagógico do curso: a relação teoria
e prática, as crianças como protagonistas, a escola enquanto possibilidade
histórica, o diálogo como princípio e im da educação e a relação escola-
comunidade (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO, 2012).
Participaram do curso 50 proissionais da educação, distribuídos
entre gestores/as de escolas, professores comunitários, oicineiros,
coordenadores, monitores e professores. Público com inserções
diferenciadas nas ações de ampliação da jornada escolar, na perspectiva
da educação integral, o que possibilitou visões plurais sobre ações
educativas desenvolvidas pelos diversos programas.
A participação dos educadores no curso foi uma oportunidade
para a relexão de suas práticas, ao mesmo tempo em que possibilitou a
ampliação e produção do conhecimento sobre problemáticas vivenciadas
no cotidiano das escolas. A partir dessa observação e do envolvimento
direto dos cursistas com os problemas e situações nas escolas, foram
surgindo os temas e objetos de analises para a elaboração de suas pesquisas
e produção das monograias.
As temáticas de estudo das monograias foram bem diversas, mas
todas em sintonia com a problemática central do curso. Trinta e duas
monograias foram concluídas e apresentadas de forma pública, como
demonstra o quadro a seguir.

Quadro 02: Monograias do curso Especialização Educação Integral em Direitos Humanos

Títulos das monograias


1 O programa Mais Educação na EEEFM Monsenhor Pedro Anísio Dantas: as
diiculdades enfrentadas para a inclusão no contexto de educação integral
2 Interfaces entre a implantação e consolidação da educação em tempo integral
em João Pessoa
3 Experiência da oicina em educação em direitos humanos do programa Mais
Educação no colégio da Polícia Militar em João Pessoa
4 O futsal no programa Mais Educação: um movimento de educação integral em
prol da sociabilidade entre jovens em favor do contexto comunitário
5 Teatro e educação – um diálogo fortalecedor dos direitos humanos
6 A indisciplina escolar no contexto da educação integral: a contribuição do
programa Mais Educação
7 Educação e inclusão escolar sob a perspectiva do programa Mais Educação

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8 As oicinas do Programa Mais Educação e a motivação dos estudantes para a
aprendizagem integral
9 A formação do monitor do programa Mais Educação
10 Violência domestica: suas implicações diante do processo ensino aprendizagem
na comunidade da Ilha do Bispo
11 A lei 10.639/03 e a sua aplicabilidade no ensino de história na EMEF professora
Antônia do Socorro Machado
12 Trilhas e experiências que chegam à escola municipal Monsenhor João Coutinho
e a associação cultural império do samba: um olhar sobre a educação integral
13 Educação integral no bairro João Paulo II na cidade de João Pessoa/PB: limites
e possibilidades
14 Efetivação dos direitos das crianças e adolescentes através do programa Mais
Educação
15 Educação integral: contribuições para a aprendizagem signiicativa e o
desenvolvimento social do estudante
16 Contribuição do programa Mais Educação para a efetivação dos direitos da
criança e do adolescente
17 As interfaces do professor comunitário que atua no programa mais educação da
rede municipal de ensino de João Pessoa
18 Diversidade na educação integral: um estudo sobre o bullying em razão da
orientação sexual e/ou da identidade de gênero
19 O processo de aprendizagem dos alunos no projeto Mais Educação a partir da
oicina de rádio escolar
20 Saberes populares na escola: uma articulação necessária
21 A contribuição do Programa Mais Educação para o protagonismo Infanto-juvenil
22 Educação em direitos humanos e o processo participativo de educandos (as) no
espaço escolar e comunitário: desaios e perspectivas da vivencia da educação
integral
23 Violência e mídia: a inluência da mídia na formação de cidadãos críticos
24 Escola integral: professor integrado
25 Currículo, educação integral e o programa Mais Educação
26 Educação integral – Do prescrito ao concretizado: relexões sobre uma
experiência em João Pessoa
27 Empoderamento discente frente à violência escolar pela educação em direitos
humanos no programa “mais educação”
28 O papel da dança na promoção do protagonismo: um olhar para a educação
integral e os direitos humanos
29 Os direitos humanos através do programa mais educação
30 Violação dos direitos do docente no âmbito escolar
31 O livro paradidático: uma ferramenta no processo ensino-aprendizagem numa
perspectiva do letramento
32 Inclusão digital no Programa Mais Educação
Fonte: Relatório inal do curso
69
Os trabalhos monográicos, como podem ser observados a partir dos
títulos, buscaram reletir sobre temas presentes no cotidiano das escolas,
em especial questões inerentes às atividades desenvolvidas através das
ações educativas dos programas que trabalham com a ampliação da
jornada escolar na perspectiva da educação integral. O Programa Mais
Educação foi a temática mais analisada nos trabalhos, cada um com uma
problemática especíica, tendo como foco alguma ação desenvolvida
através dos macrocampos, a exemplo do teatro, inclusão digital, cultura,
letramento, esporte, etc. Outro aspecto muito presente nas monograias
foi temas relacionados aos direitos humanos, em especial aos direitos das
crianças e adolescentes e a violência na escola. Além de trabalhos que
avaliaram a contribuição do programa Mais Educação no contexto escolar
de aprendizagem, de inclusão social, e construção de uma educação em
direitos humanos.
Trata-se, portanto de uma contribuição importante no campo da
formação docente na perspectiva de construção da educação integral em
tempo integral, ainda frágil, mas que tem provocado grande aprendizado,
seja por parte dos professores envolvidos, seja pelos interlocutores do
Programa Mais Educação. A participação nesse campo tem possibilitado
contribuir no processo de qualiicação da escola pública, trazendo para
o debate a necessidade de um compromisso social com os sujeitos, na
perspectiva de inserir nessa ação de educação integral uma visão crítica,
democrática e emancipadora, sendo a Educação Popular, os direitos
humanos e a cidadania eixos orientadores na formação docente.

Referências

ARROYO, Miguel G. O direito a tempos e espaços de um justo e digno


viver. In: MOLL, Jaqueline (org.). Caminhos da Educação Integral no
Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos. Porto Alegre: Penso,
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02/07/2015 http://www.ppge.ufpr.br/teses/D09_branco.pdf.
BRASIL. Censo Escolar da Educação Básica 2013. Resumo Técnico/
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
– Brasília – INEP, 2014. Acesso em 02/07/2017 http://portal.inep.gov.br/
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concepções e práticas na educação brasileira Mapeamento das experiências
70
de jornada escolar ampliada no Brasil. Brasília: Ministério da Educação,
2010 Acesso em 02/07/2015. ile:///C:/Users/Orlandil/Downloads/8_1_
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BRASIL. Educação Integral/Educação Integrada E(m) Tempo
Integral: concepções e práticas na educação brasileira mapeamento das
experiências de jornada escolar ampliada no Brasil: Estudo Qualitativo.
Brasília: Ministério da Educação, 2010 a. Acesso 02/07/2015. ile:///C:/
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BRASIL. Parecer 2/2015. Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação Inicial e Continuada dos Proissionais do Magistério da
Educação Básica. MEC/CNE. Brasília, Distrito Federal: 2015. Acesso
em 02/07/2015 http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_co
ntent&view=article&id=21028:resolucoes-do-conselho-pleno-
2015&catid=323&Itemid=86
COELHO, Ligia Martha C. da C. PORTILHO, Danielle Barbosa.
Educação Integral, tempo e políticas públicas: relexões sobre concepções
e práticas. In: COELHO, Ligia Martha C. da C (org.). Petrópolis: DP et
al; Rio de Janeiro: FAPERJ, 2009.
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Curso de especialização em educação integral em direitos humanos.
Relatório inal. João pessoa: UFPB, 2014.
DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. Campinas: Editora Autores
Associados, 1996.
FAZENDA, Ivani Catarina A. (org.). O que é interdisciplinaridade? São
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Ed. Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia do Oprimido. Ed. Paz e Terra, São Paulo, 1998.
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históricos e conceituais para o debate. In: MOLL, Jaqueline (org.).
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MOLL, Jaqueline (org.). Caminhos da Educação Integral no Brasil:
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RODRIGUES, Janine Marta Coelho, et al. (Orgs.). Pesquisa em Educação
na Paraíba: 30 anos (1977-2007). João Pessoa: Editora Universitária/
UFPB, 2007.
71
CAPÍTULO V

PROJETO DE FORMAÇÃO PARA A DOCÊNCIA:


CONTRIBUIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS DE VIDA NA
FORMAÇÃO INICIAL NOS CURSOS DE LICENCIATURA DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA – MG.

Vanessa T. Bueno Campos


Fernanda Duarte Araújo Silva

Introdução

Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo...


Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou...
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma...
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade
em mim.
(Fernando Pessoa, 1944)

A busca por estratégias metodológicas que favoreçam a formação


de professores em cursos de licenciatura para o exercício da docência
na educação básica tem sido o objeto estudos e investigações de muitos
professores formadores, sobretudo daqueles que trabalham com os
componentes curriculares: Didática, Prática de Ensino e Estágio.
Nesta perspectiva, esse texto tem como eixo estruturante a
discussão e relexão sobre o uso de Projetos de Formação enquanto um
instrumento auto formativo no âmbito da formação inicial de professores.
Trata-se de um relato de experiências, contemplando apontamentos
sobre as vivencias nas aulas de Didática Geral oferecida nos cursos de
licenciatura da Universidade Federal de Uberlândia, MG, desde 2011.
Essas experiências têm suscitado inquietações e provocam recorrentes
questionamentos, entre eles: como instigar o interesse dos estudantes em
relação à docência? Por que os licenciandos, em geral, não assumem a
docência como proissão? Por que será que os discentes não conseguem
compreender que a proissão docente requer campo epistemológico
especíico como base de sua formação?
Nessa perspectiva, o desaio da disciplina Didática passou a ser a
elaboração de um instrumento que possibilitasse aos estudantes falarem
de si. Um exercício de olharem-se na tentativa de aproximarem-se de si
mesmos, ou como propõe Josso (2005) “caminhar para si, na imbricada

73
trama do próprio mundo vivido” e que possibilitasse aos graduandos
reverem-se em um cenário que transcende o tempo e o espaço no seu
processo de formação.
As observações e análises advindas das atividades em sala de aula
indicaram que a assunção da proissão docente pelos licenciandos pode
ser alcançada num movimento que contemple a relexão sobre a própria
vida. A esse respeito Nóvoa (1992, p. 26-27) considera que os cursos de
formação docente necessitam promover condições para que os futuros
proissionais se assumam como “produtores de sua própria proissão”.
Trabalhar na perspectiva da autobiograia é recuperar a dimensão de que o
professor é a pessoa; e parte importante da pessoa é o professor (ibidem).
O referencial teórico-metodológico utilizado – Walter Benjamin
(1994), Ecléa Bosi (1983), Cunha (1990), Christine Delory-Momberger
(2004), Pierre Dominicé (2000), Paulo Freire (2000), Selva Fonseca
(1997; 2006), Marie-Christine Josso (2005), António Nóvoa (1992 a; 1992
b), António Nóvoa e Mathias Finger (1988), entre outros – contribuiu
signiicativamente para ampliar a compreensão do processo de formação
a partir de interrogações sobre a imagem constituída pelo discente em
formação inicial.
A partir do referencial teórico adotado escolhemos um instrumento,
o qual nomeamos “Projeto de Formação: o discente como sujeito de sua
formação”. Com esse instrumento temos desaiado os discentes a se
posicionarem frente a escolha pela proissão docente.
Aprender com a própria experiência e questionarem-se sobre suas
escolhas foi a nossa proposta aos discentes, pois acreditamos tal como
propõe Cunha (1998, p.40), que esse é “um processo profundamente
emancipado em que o sujeito aprende a produzir sua própria formação,
autodeterminando sua trajetória”.
Acreditamos que o desenvolvimento dessa experiência tem
possibilitado ampliar as nossas relexões sobre os dilemas e desaios
enfrentados no território da formação inicial de professores, sobretudo,
no que concerne à inclusão de práticas de ensino alternativas que
promovam um olhar mais apurado sobre as interfaces das histórias de
vida – percursos pessoal e proissional – dos sujeitos em formação e suas
implicações na construção da identidade proissional docente.

Escritas relexivas sobre si

Não seremos de todo infelizes se pudermos contar a nós


mesmos a nossa história. Se nos for garantido o direito
ao conhecimento de nós mesmos como proissionais.
(Arroyo, 2007)

74
A escrita de memórias implica em lembrar-se de acontecimentos
passados. O processo de recordar não é apenas sonho, mas sim um
exercício de compartilhamento de experiências vividas. A narrativa da
própria vida, considera Bosi (1983), é o testemunho mais eloquente
dos modos que a pessoa tem de lembrar. É a sua memória. Memória
compreendida não como sonho, porém como trabalho. Lembrar não é
reviver, mas refazer o percurso, repensando e reconstruindo, com imagens
e ideias de hoje, as experiências do passado. Ao recordar, reletimos sobre
como compreendemos nossa própria história e a dos que nos cercam.
Inscrevemo-nos cotidianamente na história que não está mais
distante e, sim, impregnada das memórias que nos tomam e da qual muitos
outros fazem parte. Essa concepção nos levou a formular a hipótese de que
se os alunos escrevessem suas histórias de vida retomariam o aprendido,
num movimento de expansão de suas formações que complementaria as
lacunas, preencheria os não-ditos, instigaria a busca de novas respostas,
explicaria, justiicaria suas ações e opções tal como propõe Souza (2005,
p. 53) “a escrita da narrativa remete o sujeito para uma dimensão de
auto-escuta de si mesmo, como se tivesse contado para si próprio suas
experiências e as aprendizagens que construiu ao longo da vida por meio
do conhecimento de si”.
De acordo com Josso (2005), o recurso biográico no devir
formativo permite o exercício do “autoformar-se”. A autora analisa
a abordagem biográica como metodologia de pesquisa-formação e
discute sobre o poder transformador das narrativas, à luz dos diferentes
papéis desempenhados na sua construção e interpretação. Airma que a
pesquisa sobre a “formação de si” implica necessariamente que façamos
questionamentos para que aprendamos a aceitar os desaios postos pelas
histórias de vida.
A ideia do Projeto de Docência teve origem em nossa experiência
acadêmica ao elaborarmos nosso Memorial no curso de graduação e pós-
graduação. O memorial (do latim memoriale) é a escrita de memórias
e signiica memento ou escrito que relata acontecimentos memoráveis.
O memento – que quer dizer ‘lembra-te’ – de modo geral pode ser
compreendido como uma marca que serve para lembrar qualquer coisa.
Ao contar as coisas lembradas, os acontecimentos passados
assumem vários matizes e nos dobramos sobre a própria vida. Ao recordar,
passamos a reletir sobre como compreendemos nossa própria história e a
dos que nos cercam. Essa concepção levou a formular a hipótese de que
se os alunos escrevessem suas histórias de vida retomariam o aprendido,
num movimento de expansão de suas formações que complementaria as
lacunas, preencheria os não-ditos, instigaria a busca de novas respostas,

75
explicaria, justiicaria suas ações e opções. Ao se encontrarem no passado
“de-senhariam-se”.
A partir dessa concepção consideramos que o estudante ao escrever
o Projeto de Formação para a Docência, tem a possibilidade de recuperar
em sua trajetória escolar as concepções pedagógicas, conteúdos, valores,
marcas que implícita e explicitamente inluenciam e/ou inluenciarão sua
prática docente.
Deinido o instrumento propomos, no início do semestre
letivo, a elaboração de um Projeto de Formação para a Docência aos
alunos, enquanto instrumento relexivo, cujo objetivo é a assunção da
proissão docente. Para instigá-los a lembrarem-se propusemos alguns
questionamentos:

— Se você tivesse a chance de encontrar com a criança que você era, com
mais ou menos oito anos de idade, você acha que você criança icaria feliz
em ver o que você se tornou?
— Você acha possível aprender algo com sua própria vida e com as
experiências compartilhadas com outras pessoas que passaram e ainda
estão presentes na sua trajetória? O que você aprendeu? O que você
ensinou? O que foi mais marcante e signiicativo?
— Quais são as lembranças mais recorrentes sobre o tempo vivido na
escola, como estudante?
— Como era a relação com a escola? Gostava de frequentá-la ou fazia
por obrigação?
— Quais as lembranças que mais lhes marcaram a respeito dos
professores? Relate tanto as memórias boas quanto as ruins e a relacione
com a imagem que construiu para si mesmo, ao longo do percurso escolar,
sobre o “bom” e o “mau” professor.
— Como a família percebia a importância do estudo em sua vida? A
escola era uma condição necessária ou um produto do acaso ou mesmo
escolha pessoal?
— Os pais e familiares próximos atribuíam importância ao chamado
“mundo letrado”? A escola chegou a ser uma via de mobilidade social
ascendente, ou seja, de possibilidade de um futuro melhor?
— Como se deu a escolha de sua proissão? O passado escolar interferiu
na decisão?
— O signiica a minha formação?
— Como eu dou sentido à minha própria história?

Constatamos nos primeiros momentos que a elaboração do Projeto


de Formação para a Docência provoca resistências, pois os discentes

76
revelam o medo da exposição e a consequente avaliação e airmam que
lembrar tudo sobre suas vidas e responder aos questionamentos propostos
lhes parece uma tarefa impossível. Outros contestam a proposta por a
compreenderem subjetiva demais e questionam a pertinência da memória
individual como contributo no processo de formação.
Na primeira turma em que o Memorial de formação foi usado,
um dos alunos não apresentou o trabalho e um outro escreveu somente
uma folha, alegando que não sabia nada sobre sua infância, não lembrava
de seus professores. Outros, reencontrando-se com determinadas
passagens de sua história e com muitos de seus personagens, reavaliaram
situações vividas, surpreenderam-se com acontecimentos ressigniicados,
entusiasmaram-se com o que tinham para contar e reconheceram quão
signiicativo fora esse mergulho em suas respectivas histórias.
Atualmente, após alguns anos propondo esse trabalho às diferentes
turmas o acolhimento é signiicativo: os mais jovens anseiam por
contarem suas histórias e até ilustrá-las com fotos (um desejo de muitos
alunos negociado e acatado pela professora); alguns mais experientes
sentem-se sensibilizados ao falarem sobre suas vidas, mas a maioria dos
alunos dedica-se com satisfação e esmero a essa tarefa, pois a medida em
que entram em contato com o referencial teórico passam a redimensionar
a concepção da memória como produto de uma atividade meramente
subjetiva. Halbwachs (1956) considera que as lembranças são frutos de
uma atividade de reconstrução do vivido. Para compreender o presente
faz-se necessário pesquisar sobre o percurso vivido, identiicar, analisar
e conhecer as interações feitas. A memória revela, segundo o autor, e
acompanha as opções pelas mudanças ou a resistência a estas. Representa
uma arte não só do que aconteceu, como também do que deixou de
acontecer, aquilo que poderia ou deveria ter acontecido.
Constamos nos relatos dos licenciandos que, uma vez superadas as
diiculdades iniciais para realizar a narrativa de si, o mergulho em busca
de si é inevitável, porque a ação de “escrever sobre si” desaia os alunos
a (re)contarem o vivido e questionarem o sentido de “ser humano”, em
especial, o de ser humano na condição de formação para a docência e o
valor por eles atribuído a proissão docente e a própria vida. A palavra
narrar vem do verbo latino narrare, que signiica expor, contar, relatar.
Nessa perspectiva, ser professor, ser professora passa a ser uma
construção singular que vai tomando forma no processo da própria
existência, sobretudo porque a ação de ensinar suscita uma aprendizagem
permanente, contınua, marcada pela descontinuidade que implicará
na compreensão e assunção da passagem de aluno a professor. Nóvoa
(1992, p.26-27) também assinala essa relevância, ao dizer que os cursos

77
de formação necessitam promover uma formação em que os futuros
proissionais se assumam como produtores de sua própria proissão,
sinalizando como princípio de formação produzir a vida do professor.
Signiica a oportunidade de se perceberem como autores da própria vida.
Para tanto, na elaboração do Projeto de Formação para a
Docência os graduandos devem contemplar as seguintes etapas: uma
primeira parte introdutória contendo as impressões deles colhidas
em suas lembranças, recuperando as pessoas que inluenciaram sua
aprendizagem: pais, familiares, professores. A segunda parte deve
contemplar os posicionamentos dos discentes frente a fundamentação
teórica, indicada e discutida na disciplina. Por im, a terceira parte tem
caráter crítico-relexivo: (a) os limites e possibilidades de ser Professor
(a); (b) perspectivas após a disciplina; (c) contribuições para o exercício
da docência na sua área de formação. Com essas orientações objetivamos
que os alunos compreendam que o Projeto de Formação para a Docência
não visa somente o registro das reminiscências individuais, mas que ao
recuperarem, na escrita de si, apreenderão o próprio processo de aprender.
Para produzir a “escrita de si” é relevante saber sobre as condições
em que estão circunscritas as lembranças, assim como os acontecimentos
e personagens que predominaram segundo as escolhas feitas. Nesse
sentido, o Projeto de Formação para a Docência não é somente uma crítica
que forçosamente avalia as ações, ideias, impressões e conhecimentos do
sujeito narrador; é também autocrítico da ação daquele que narra, seja
como autor do texto ou como sujeito da lembrança e tem muito a ver
com as condições, situações e contingências que envolveram a ação do
narrador, protagonista das memórias. Além de ser crítico e autocrítico,
é também um pouco confessional, apresentando paixões, emoções,
sentimentos inscritos na memória.
O Projeto de Formação para a Docência é um gênero textual
predominantemente narrativo, circunstanciado e analítico, que trata do
processo de formação num determinado período. O passado lembrado
não é linear. A narração avança e recua sobre a linha do tempo, como
que transbordando a initude espaço-temporal que é própria dos
acontecimentos vividos (BENJAMIN, 1929, p.37).
A palavra narrar vem do verbo latino narrare, que signiica expor,
contar, relatar. E se aproxima do que os gregos antigos chamavam de
épikos – poema longo que conta uma história e serve para ser recitado.
Narrar tem uma característica intrínseca: pressupõe o outro.
A narrativa de formação oferece um terreno de implicação e
compreensão dos modos como se concebe o passado, o presente e, de forma
singular, as dimensões experienciais da memória de escolarização. Para

78
Souza (2006, p.59) “a escrita da narrativa da trajetória de escolarização
permite ao sujeito compreender, em medidas e formas diferentes, o
processo formativo e os conhecimentos que estão implicados nas suas
experiências ao longo da vida”.
As narrativas são instrumentos efetivos de recriação da realidade
social e possibilitam às pessoas terem não apenas um lugar na história,
mas, sobretudo, um papel importante na produção do conhecimento. A
realidade cotidiana é percebida por cada um de nós de um modo muito
particular, damos sentido às situações por meio do nosso universo de
crenças, elaborado a partir das vivências, valores e papéis culturais
inerentes ao grupo social a que pertencemos.
As representações das pessoas e suas inquietações vivenciadas
estão contempladas no interior das narrativas e nos permitem decodiicar,
interpretar as situações que vivemos; contudo, a narrativa de vida, como
propõe Josso (2005, p. 153), não tem em si poder transformador, mas,
em compensação, a metodologia de trabalho sobre a narrativa de vida
pode ser a oportunidade de uma transformação, segundo a natureza das
tomadas de consciência que aí são feitas e o grau de abertura à experiência
das pessoas envolvidas no processo. As narrativas, nesse caso, não dizem
respeito, necessariamente, à totalidade da vida das pessoas, porém
aos aspectos dessa vivência, os quais constituem informações para a
reconstituição de fatos e problemáticas.
Na interpretação e análise das narrativas, reletem-se as condições
construídas historicamente por esses sujeitos, com variações limitadas e
que permitem identiicar diferentes pontos de vista parciais, contradições
e tensões, leituras e interpretações diversas em permanente processo de
construção.
Catani, Bueno e Souza (1997) entendem que o trabalho com história
de vida, memória e autobiograia tem contribuído na pesquisa educacional
e na formação para a construção de uma “contra-memória”, através da
produção de relatos autobiográicos, os quais possibilitam desconstruir
imagens e representações sobre a prática docente, os fundamentos teóricos
da prática e, desta forma, contrapor-se à memória oicial disseminada pelas
políticas de formação e pela literatura pedagógica que vem estruturando
o trabalho docente.
O Projeto de Formação para a Docência no contexto da disciplina
Didática Geral converteu-se em um recurso valioso para a análise
da prática pedagógica: nele os alunos izeram uso de narrativa, foram
incentivados a escreverem e a reletirem sobre o percurso escolar,
sobre a trajetória de vida salientando o caráter histórico; compreendem
o papel de protagonistas que representam na História e, sobretudo,
sentiram-se instigados a buscarem nas diversiicadas inluências que, de
79
alguma forma, os levaram a escolherem a docência como proissão. Ao
escreverem sobre suas histórias e relembrarem as condições escolares
vivenciadas, ou mesmo ao reverem a própria prática como estudantes,
ou como professores, identiicam o próprio processo de aprendizagem.

A formação docente compartilhada

Somos o lugar onde nos izemos, as pessoas com quem


convivemos. Somos a história de que participamos.
A memória coletiva que carregamos [...]ser professor
faz parte de nossa vida pessoal. É um outro em nós
(ARROYO, 2007).

Compartilhar fragmentos das histórias contadas por futuros


professores representa a possibilidade de ouvir do outro o que está, muitas
vezes, silenciado em nós. Ser contada ou ser lida: é esse o destino de toda
história1.
No processo de leitura dos Projetos de Formação para a Docência
foi possível entendermos melhor, a partir do conceito de experiência
formadora, o que cada um dos alunos elegeu como atividade signiicativa
de suas vidas, articulando-se com experiências diversas e, surgindo,
às vezes, paradoxalmente entre o passado e o futuro, questionamentos
contextuais vividos no presente, como podemos perceber nos fragmentos
a seguir:
Relatar minha trajetória pessoal e proissional trata-
se, antes de tudo, de um grande desaio. Em primeiro
lugar, porque as reminiscências são sempre diversas
e diferentes umas das outras, ainda que sendo sobre
de um mesmo momento da vivência. Depois porque
o esquecimento parece ser algo inerente à condição
humana. Penso que tanto “lembrar quanto “esquecer”
recheiam as experiências de homens e mulheres,
independendo de espaços e tempos (Licenciatura
História, 2011).

Ao escrever o meu Projeto de Formação para a


Docência resgatei muitas lembranças adormecidas;
lembrei das pessoas que contribuíram para minha
constituição do ser professor, dos muitos ensinos que
tive durante toda minha vida. Pude reletir mais sobre
o papel do professor e perceber o quanto inluenciamos
nossos alunos com nossas atitudes e valores que
defendemos (Licenciatura Geograia, 2014).
1
O uso de excertos das narrativas discentes, organizadas nos Projeto de Formação para a Docência
foi autorizado por seus autores. Os nomes não foram revelados para resguardar a identidade dos
alunos.

80
O Projeto de Formação para a Docência, de forma geral, desaiou
os alunos a se posicionarem frente à escolha pela docência.

Eu ainda continuo não querendo ser professor, mesmo


depois de escrever sobre eles. Acho que não tenho
essa vocação. A gente tem que fazer o que gosta. Pode
ser que eu mude de opinião. Escrever esse Projeto de
Formação para a Docência me mostrou a importância
dos professores na minha vida. Não falo só dos “tios”
da escola. Foram meus pais, avós, amigos e tantas
pessoas que já nem lembro dos nomes ou do rosto, mas
que me marcaram muito e contribuíram muito para que
eu seja o que eu sou (Licenciatura Enfermagem, 2013).

Para aqueles que já possuíam uma posição deinida pode não ser tão
relevante, mas foi fundamental para aqueles que precisavam se perguntar
sobre as razões de estar cursando a licenciatura e que im daria a esta fase
da vida acadêmica.

Não me recordo qual foi o momento exato da vida


que escolhi ser professora. Tive uma infância repleta
de brincadeiras, amigos e liberdade. Nesse tempo, que
não faz tanto tempo assim, há uns vinte poucos anos
atrás, brincávamos na rua livremente. Brincávamos de
tudo, mas a minha brincadeira preferida era de escola.
Minhas amigas brincavam representando médicas,
modelos, advogadas, psicólogas, artistas e eu..., a
professora (Licenciatura Matemática, 2014).

Escrevo primeiramente sobre minha formação, minhas


memórias, meus anseios, frustrações, aprendizados e
relexões. Desde criança queria ser professora. Acho
que foi inluência de minha avó, de minha mãe e das
tias. Quando prestei vestibular para Letras ninguém
entendeu (...) iquei frustrada porque pensei que todo
mundo sabia que eu seria professora (Licenciatura
Letras, 2012).

Eu não queria ser professor, mas a opção de entrar


na universidade, em um curso pouco concorrido foi a
minha opção na época. Hoje penso de outra maneira.
Ser professor exige comprometimento comigo e com
os outros. É muita responsabilidade e acho que ainda
não estou preparado. Tenho que aprender muito ainda
(Licenciatura Física, 2013).

Historicamente a proissão docente tem sido alvo de muitas críticas,


cobranças e acusações avindas de variados setores sociais, gerando assim
81
um clima de insatisfação e desconforto em relação à escolha proissional
docente. A imagem social docente é uma construção social atravessada por
inúmeras concepções formuladas a partir das relações sociais, políticas,
culturais, que imbricadas, desencadeiam representações que os docentes
fazem de si mesmos, de suas funções e dos discursos que circulam no
mundo social e cultural. A esse respeito Pimenta (1999, p.19) airma que:

A identidade proissional se constrói, pois, a partir da


signiicação social da proissão, da revisão constante
dos signiicados sociais da proissão; da revisão das
tradições. [...] constrói-se também pelo signiicado
que cada professor, enquanto ator e autor, confere `a
atividade docente no seu cotidiano a partir de seus
valores; de seu modo de situar-se no mundo, de sua
história de vida, de suas representações, de seus
saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que
tem em sua vida o ser professor (PIMENTA, 1999,
p.19).

Segundo Josso (2010), as narrativas de vida constituem um


importante instrumento de investigação na compreensão do processo
de construção da identidade, visto que, favorece a relexão sobre as
expressões identitárias, evidenciando sua pluralidade, fragilidade e
recomposições.
O diálogo com os estudantes sobre as imagens construídas no
cotidiano escolar nos ajuda a compreender que o professor não se
constitui por uma única identidade, mas sim por várias, pois são sujeitos
plurais, múltiplos, resultado da união de diversas imagens, individuais e
coletivas. Inúmeras possibilidades de ser:

Somos a imagem que fazem de nosso papel social,


não o que teimamos ser. Teríamos de conseguir que
os outros acreditem no que somos. Um processo social
complicado, lento, de desencontros entre o que somos
para nós e o que somos para fora. Entre imagens e
autoimagens (ARROYO, 2007, p.29).

Nesse sentido, o Projeto de Formação para a Docência permitiu


que o discente desmistiicasse certos tabus e crenças construídos ao longo
de sua vida a respeito do que é ser “bom” ou “mau” professor. Muitos
alunos relataram situações de constrangimento, angústia, decepção,
frustração e outros sentimentos negativos ligados a lembranças de sala
de aula. Entretanto, ao analisarem estes problemas, alguns estudantes
parecem encontrar uma motivação para superá-los em sua prática pessoal
e proissional.
82
O Projeto de Formação para a Docência me fez reletir
sobre as atitudes dos meus professores. Erros e acertos
foram constantes e inevitáveis. Levarei estas relexões
para a minha vida de educador, buscando despertar
em meus alunos tantas coisas bonitas que a memória
dos professores despertou em mim (Licenciatura Artes
Visuais, 2014).

Além da percepção do professor como elemento humano, os alunos


deiniram o espaço escolar como um espaço de relações, de emoções.

Acredito que esses anos passados na escola mexem


profundamente com nossa experiência de vida. Nesse
momento, a escola nos educa muito mais do que a
família. E não é simplesmente a educação formal. O
convívio, muitas vezes doloroso, com os nossos colegas
nos ensinam muito. Nos intervalos, e mesmo na sala,
convivemos com preconceitos de ordem estética, racial
e de classe. Sobreviver a isso não é fácil. Porém, isso
nos prepara para a vida (Licenciatura Filosoia, 2014).

Na observação e análise das relações entre professores e alunos,


nos diferenciados espaços-tempos vividos, nos quais identiicamos não
só como aprendemos ou ensinamos, mas também como nos formamos
para ensinar e, para compreendermos, pelas pesquisas que aí realizamos,
as diversas relações entre professores e alunos. Os espaços-tempos
educativos existentes dentro e fora da escola são:

[...] o locus do que denomina-se docência coletiva,


dentro do qual somos, todos e todas, discentes –
docentes [...] admitindo que em todos os espaços-
tempos educativos se dão trocas diversas e múltiplas,
nas quais aprendemos e ensinamos, todos a todos, o
tempo todo (ALVES, 2006, p.26).

Os espaços-tempos, escolares estão repletos de relações e


mediações que remetem às pessoas que por eles transitaram e ainda
transitam e neles inscreveram e continuam a inscrever a história de suas
vidas, como também têm suas vidas neles inscritas.
A análise dos relatos nos permitiu compreender que cada
proissional se constitui em diferentes espaços e tempos, pois compomos
um emaranhado de tramas, de redes, espaços dos quais participaram e
participam muitos professores, muitos e muitos outros “eus” que numa
tessitura de ios, de texturas e cores variadas nos tornaram em parte aquilo
que somos, tal como poeticamente Álvaro de Campos escreveu: “Sim,
sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo... Quanto fui, quanto não
83
fui, tudo isso sou...Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma”
(PESSOA, 1993, p. 114).
Para compreender a natureza do ensino é necessário considerar
a subjetividade dos professores. A maneira como eles assumem suas
práticas se dá de acordo com o signiicado que atribuem à proissão:

No convívio com professoras e professores percebo


que há um a preocupação por qualiicar-se, por
dominar saberes, métodos, por adequar sua função
social aos novos tempos, novos conhecimentos e
novas tecnologias. Porém não é por aí que se esgotam
as inquietações. Há algo mais fundo em questão: o
próprio sentido social de suas vidas, se seus esforços,
de sua condição de mestres. Entender o papel que
exercem, o peso social e cultural que carregam. Sua
condição. Seu ofício. Seu ser professor, professora
(ARROYO, 2007, p.34).

Tardif (2000, p. 116) enfatiza que a subjetividade não se limita


à cognição ou às representações mentais, porém engloba a história de
vida dos professores, suas experiências familiares e escolares anteriores,
sua afetividade, sua emoção, suas crenças e valores pessoais, etc.
Compreendemos o Projeto de Formação para a Docência como um
caminho investigativo da constituição da subjetividade docente, ao analisá-
los pudemos apreender o entrelaçamento dos vários contextos formativos
ou espaços estruturais de formação e sobretudo identiicar nos relatos
dos aluno a oportunidade ímpar (e também par e primos) de mudanças:
Ao recuperar o conceito de docência tanto no espaço sensível quanto
no intelectual, se constitui em um ponto importante a ser agregado na
formação do aluno, se entendermos que o ato educativo é revestido dessa
gama de emoções, sentimentos, afetos que não podem ser ignorados. A
pesquisa e a relexão não excluem o papel dessa dimensão humana. Os
Projetos de Formação para a Docência como instrumentos de pesquisa na
constituição da docência, desencadeiam a relexão do aluno, não só sobre
si, como também sobre os demais envolvidos no entorno educacional
onde estão inseridos. Essa percepção nos permite ampliar a compreensão
de que aprender, como nos ensina Josso (2005, p. 241), “não é apenas
aprender isto ou aquilo; é descobrir novos meios de pensar e de fazer
diferente; é partir à procura do que poderá ser este diferente”.
O “fazer diferente” do aprendido é o desejo de muitos alunos,
responsabilidade atribuída à Didática:

E é justamente aí que reside o meu interesse: a Didática


consegue desvelar, com certa segurança, um pouco

84
essa realidade que está por vir. Sem sobressaltos,
consigo perceber que a minha formação em História
passou a ter mais “substância”, os meus objetivos não
icam mais presos somente a própria História, mas
ao processo educativo de forma geral (Licenciatura
História, 2013).

Acredito que poderei ser um professor melhor. Agora


compreendo o quanto é difícil mudar, fazer diferente
dos meus professores. Eu pensava que não era
importante essa “coisa” da pedagogia. Ensinar exige
muito do professor, mas sem o compromisso e sem a
formação (acho que é para o resto da minha vida) não
conseguirei uma pratica, uma didática que possibilite
a aprendizagem dos meus alunos (Licenciatura
Matemática, 2013).

As narrativas de formação, registradas nos Projetos de Formação


para a Docência revelaram-se instrumentos signiicativos para os(as)
futuros(as) professores(as), por favorecer relexões sobre as experiências
formadoras e promover o aprofundamento sobre o conhecimento de si,
bem como ampliaram os signiicados da prática didático-pedagógica
vivenciada através de suas experiências individuais com seus professores.
O ato de narrar a sua história de vida exige do sujeito o pensar sobre
a sua vivência e a sua trajetória pessoal, permeadas por valores, atitudes
e crenças que demonstram a sua visão de mundo, com implicações na
construção da sua identidade (FONSECA, 2006).
Na análise dos Projetos de Formação para a Docência, constatamos
que docência, na perspectiva dos licenciandos, ainda circunscreve-se ao
exercício da docência na educação básica, signiica, de forma geral “dar
aulas” enquanto ação restrita ao espaço da sala de aula. Foi possível
também identiicar que os estudantes consideram que a formação
especíica para a proissão docente ainda é algo supérluo, ou mesmo,
desnecessário e, raramente, identiicam a necessidade de formação para
a docência. A representação de docência ainda está cristalizada em um
ideário difícil de ser superado: como a visão do magistério como vocação
ou dom, a imagem de perfeição do professor, como alguém que tudo sabe
e, consequentemente, “quem sabe ensina”.
Quanto à identiicação com seus professores na educação básica e
na graduação, os estudantes reclamam que eles, apesar de dominarem o
conteúdo especíico da disciplina, não sabem como transmiti-lo; airmam
que os professores não sabem conduzir a aula, não se importam com
o aluno, são distantes, por vezes arrogantes, ou que não se preocupam
com a docência, priorizando seus trabalhos de pesquisa e não subsidiam
85
a sua formação para além do espaço de sala de aula e além-muros da
instituição. Esse descontentamento provoca, principalmente no primeiro
e no segundo ano do curso de graduação, a evasão.
Avaliamos que o Projeto de Formação para a Docência tem
possibilitado aos alunos reletirem a respeito da dimensão humana do
ato educativo e os dilemas, os desaios subjacentes à prática educativa
e as mudanças no processo formativo que se amalgamam a identidade
docente. A construção da identidade docente, airma Nóvoa (1992, p.16),
“não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A
identidade é um lugar de lutas e de conlitos, é um espaço de construção
de maneiras de ser e de estar na proissão”.
A prática alternativa de pensar, ensinar e aprender a docência,
através do recurso biográico, conigura a importância desse instrumento
e eixo organizador do trabalho na produção de conhecimentos no âmbito
das Licenciaturas, superando assim, concepções e práticas adjetivadas
como tradicionais e, ainda, presentes nas realidades formativas.

Considerações Finais

O Projeto de Formação para a Docência foi concebido e tem sido


vivenciado como uma possibilidade de relexão mais aprofundada sobre
os processos formativos, em que o sujeito em formação compartilha
experiências e práticas, utilizando-se de um referencial teórico que
promove análises e relexões sobre a constituição da sua identidade
docente.
Ao elaborarem o Projeto de Formação para a Docência, os alunos
reconhecem que caminhar para si signiica olhar para a própria vida e
muitos conseguem enfrentar seus medos, aceitam os momentos difíceis
como aprendizado e celebram os bons momentos. Descobrem que o
sentido do aprendizado está no próprio viver.
Ainda que a proposta de elaboração do Projeto de Formação
seja comum às diferentes turmas e o seu desenvolvimento aconteça em
semestres diferentes, a produção de cada um deles tem se apresentado
de maneira particular, revelando singularidades, relatos múltiplos e
diferenciados. Diferem também em como os alunos tecem, tramam e se
enredam suas lembranças.
A partir do conjunto de mais de quatrocentos Projetos de Formação
para a Docência, que formam atualmente um vasto acervo e fonte de
dados, podemos airmar que quando os alunos organizam os fragmentos
de suas histórias de vidas é como se costurassem colchas de retalhos, nas
quais os pedaços de tecidos, com suas tramas e texturas diversas, são
unidos pelo io da memória. Esse trabalho é único e artesanal; nele os
86
alunos, autores de suas histórias, imprimem suas marcas indeléveis. O
Projeto de Formação para a Docência adquire, por esse viés, um valor
social e afetivo para os seus autores.
As conclusões conirmam a importância dos Projetos de Formação
para a Docência como uma forma relevante de acesso para compreender,
guiada pelos olhos dos próprios alunos, ao universo de sua formação, pois
sinalizam que na dialética entre o “coletivo” e o “individual”, instaura-se
a margem criadora da subjetividade social e histórica partilhada.

Referência Bibliográica

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alunas: sobre a idéia de “docente coletivo” ou os “docentesdiscentes”. Rio
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88
CAPÍTULO VI

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E DIVERSIDADE:


SEXUALIDADE E GÊNERO NAS ESCOLAS DO BICO DO
PAPAGAIO

Eliseu Riscaroli

Questões iniciais
O tema da sexualidade é recorrente na vida escolar, seja porque
os alunos estão sempre interessados, pois ele “agrada”, seja porque
os professores em sua maioria não conseguem satisfazer o desejo de
informação dos adolescentes e jovens.
Se os estudos feministas e mais recentemente as teorias sobre
estudos de gênero contribuíram para que a sexualidade da mulher se
desvinculasse do papel de mãe/genitora; por certo essa contribuição
não surtiu muito efeito na formação de professores haja visto que os
sujeitos mais reticentes em fazer essa discussão na escola são os próprios
professores, a depender do nível, em sua maioria pelas professoras.
Desde a oicialização da Lei de Diretrizes e Base 9394/96 e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais as questões ligadas a diversos temas
foram cunhadas como “temas transversais”, entre eles a sexualidade.
Discutir ou trabalhar este tema ou as questões relacionadas à sexualidade
na escola, tem se constituído num grande desaio, primeiro porque a
formação recebida pelos professores esta muito aquém dos anseios
da geração que frequenta a escola; segundo porque a escola, em seu
currículo, quando se propõe a realizar alguma atividade cujo objetivo
é ampliar a relexão sobre a sexualidade, cai no tradicional impasse de
relacionar este tema com as questões pequenas de macho/fêmea sob a
ótima do cristianismo e da biologia, com isso, desconsidera quase que
completamente as interfaces ligadas ao gênero e a complexa teia que
envolve a sexualidade que vai além da heterossexualidade.
Embora o tema do presente trabalho seja sexualidade na escola,
invariavelmente teremos que nos reportar às atitudes dos proissionais da
educação, o objeto central da nossa relexão são as questões colocadas
pelos alunos/as.
Desse modo, a discussão sobre a sexualidade na escola sempre
tem cruzado nosso caminho quando alunos do curso de pedagogia
manifestam interesse em realizar algum trabalho referente à sexualidade
89
de adolescentes e jovens, sua relação com gays, direitos relacionados
às minorias, comportamento de pais e professores ou personagens que
surgem nesse cotidiano. Diante disso compreendemos que, na verdade,
as crianças não têm ‘problemas com a sexualidade’, nós adultos é que
imaginamos que elas tenham os problemas que na verdade são nossos.
Também há certa rejeição de professores/as responderem questionários ou
doarem parte de seu tempo numa entrevista que aborde este tema. Assim,
a idéia mais sensata nos pareceu ir à busca de adolescentes e jovens e
tentar mapear suas angústias sobre o tema e de quebra colher dados sobre
o trabalho que a escola e professores têm realizado em relação a isso.
Os dados aqui utilizados foram coletados por uma acadêmica do
curso de pedagogia e serviu de base para a elaboração do Trabalho de
Conclusão de Curso. Inicialmente a intenção da aluna era trabalhar com
crianças da 3ª série do ensino fundamental, após uma conversa preliminar
decidimos que uma investigação com adolescentes e jovens poderia
colaborar sobremaneira com as próprias escolas e com o poder público
na proposição de políticas para este segmento da sociedade, visto que
os resultados poderiam ser apresentados nas escolas e nas secretarias de
educação e saúde do município.
O público da pesquisa foram alunos de uma turma 9º ano e um 2º
ano do ensino médio dos Colégios Dom Orione e Colégio Padrão. Ambos
são colégios estaduais, mas o Dom Orione é administrado pelos padres
orionitas. Esta pequena imersão na vida dos jovens tem por objetivo
colher informações preliminares sobre as representações deles acerca de
sua sexualidade, e como o tema tem sido, ou não, abordado pela escola
e pelos professores, sobretudo tendo presente a premissa do PCN – tema
transversal.
Também é verdade que na atualidade a construção da sexualidade
da pessoa está muito imbricada naquilo que Bauman (2004) chama de
“modernidade líquida”, mudanças rápidas e confusas fazendo emergir
uma nova forma de relacionamento pautado na satisfação do desejo
imediato. Assim o “icar” soluciona os desejos, porém não cria/explica/
fomenta uma responsabilidade-compromisso.

Analisando os dados

O trabalho se insere na perspectiva metodológica da microanálise,


querendo abordar a sexualidade como fenômeno educativo a partir das
respostas dos questionários dos/as alunos/as do nono ano do ensino
fundamental e do 2º ano do ensino médio e sua relação com o trabalho
dos professores em sala de aula.

90
Dos cerca de 150 questionários distribuídos, 120 foram devolvidos
e constituem a base de dados de nossa relexão, sendo 53 dos alunos do
nono ano e 67 dos alunos do ensino médio. O recorte dado à questão
escolar se deve ao fato de que a escola é um espaço onde as conversas
sobre o tema luem com mais frequência aparecendo explicitamente nas
relações entre colegas, muito embora seja desconsiderado do currículo
formal ou apenas tratado como um apêndice – tema transversal – sem
grande profundidade e na maioria das vezes com um viés teológico que
não contribui para o esclarecimento que a questão exige.
Essa falta de conhecimento dos professores ica evidenciada
quando perguntamos com que frequência os professores abordam o tema
na sala de aula, e temos os seguintes dados:

Tabela 01 - Abordagem do tema sexualidade na sala de aula


Turma 1 vez semana 1 vez mês Raramente
9º ano 8 7 36
2º ano EM 7 12 45

Tal ‘desconhecimento’ deve ser reletido com o dado da tabela


04, que reporta um percentual de 60% dos professores sem domínio
das ferramentas/conceitos sobre o tema, seja por falta de interesse, seja
porque a sua formação na universidade não despertou/realizou este papel.
O público investigado é constituído de adolescentes e jovens cuja idade
varia de 12 a 20 anos distribuídos nos seguintes grupos:
Tabela 02 - Faixa etária da população pesquisada
Turma 12 a14 anos 15 a 17a 17 a 19a + de 20
9º ano 39% 54% 9% -
2ºano EM - 55% 37% 8%

Em relação a sua opção sexual, os pesquisados manifestaram-se


como sendo: 90% heterossexuais, 6% homossexuais e 4% bissexuais.
As condições socioeconômicas do público se enquadram naquilo
que chamaríamos de classe C/D considerando os dados do Instituto
Brasileiro de Geograia e Estatística. Cerca de 93% moram em casa
própria na companhia dos pais e 95% desejam ser pais para constituir
família. De modo geral as condições de emprego são representadas pelo
funcionalismo público empregados da Tobasa Bio industrial e Frango
Norte. Outra possibilidade é o trabalho na Usina Caimann no estado do
Maranhão.
Embora os jovens manifestem o desejo de constituir família, aquilo
que seria uma barreira “natural”, as condições econômicas precárias,

91
tornam-se argumentos apresentados para a não concretização de tal fato,
pois não estão preparados para a carga de responsabilidade que isso
acarreta na vida do sujeito.
Via de regra, a questão da sexualidade na escola e na
sociedade ganha relevância graças à ação dos movimentos sociais
– feministas, gays, direitos humanos, grupos e núcleos de pesquisas
nas universidades. Na escola, de modo particular, essa questão
timidamente se apresenta naquilo que se convencionou chamar de
tema transversal, inadequado a nosso ver, pois ica implícito que
a escola tem a função de contribuir na deinição do papel sexual
dos sujeitos e não reletir sobre as questões ligadas a sexualidade
– desejo, amor, casamento, namoro, “icar”, gravidez, entre outros
- fato que não se resume a opção sexual, geralmente culminando
numa admoestação moral sobre o comportamento dos adolescentes
e jovens.
‘Orientação sexual’ como tema de currículo, segundo Silva:
“surge como uma tentativa de preencher as lacunas de informação
deixada pelas famílias e preparar as crianças e jovens para a vivência de
sua sexualidade prazerosa e saudável” (2003. p.306).
Ora, a partir disso a autora deixa transparecer que a sexualidade
poderia ser prazerosa se a escola discutisse o tema. Resta saber se a escola
tem toda essa competência e disponibilidade. Mais ainda, se ela quer
fazer isso, já que quando os jovens tem sua primeira experiência, ou o
resultado dessa experiência resulta numa gravidez a primeira reação das
instituições é recriminação, sobretudo se os envolvidos não usaram um
método preventivo.
Isso se relete nas respostas dos sujeitos da pesquisa sobre com
quem foi seu parceiro nas relações sexuais: 33,9% responderam que a
relação foi com o/a namorado/a; 40,9% com amigo ou outra pessoa. Essa
primeira relação ocorreu quando eles/as tinham entre 12 a 14 anos. Vale
lembrar que estamos ‘falando’ de relações heterossexuais. Os outros
sujeitos, que expressam sua sexualidade e afetividade com parceiros do
mesmo sexo, são vistos pela escola como aqueles que fogem à regra. Alias,
o comportamento de uma travesti já afronta a escola, não precisamos
nem falar de sua sexualidade. Recentemente dois alunos se beijaram num
banheiro de uma escola, na cidade de Ribeirão Preto, e por isso foram
suspensos, ou seja, as pessoas se sentem afrontadas com um gesto de
carinho entre duas pessoas.
Assim, a questão da sexualidade no âmbito da escola ganha espaço,
mas perde em profundidade já que nas poucas vezes quando se discute
92
sobre o tema isso é feito numa abordagem que não interessa ao público,
muito embora alunos e professores defendam a importância dele como
assunto pedagógico. Restam então aos movimentos sociais, grupos gays/
GLBT e grupos de pesquisa nas instituições de ensino superior trabalhar
com a temática.
À escola coube, através dos temas transversais, a orientação sexual,
inadequadamente, ao nosso entendimento, uma vez que o papel da escola
não é orientar, já que o termo remete a escolha entre ser hetero, bi ou
homossexual, mas sim realizar o trabalho de elucidar, explicar, conversar
com adolescentes e jovens. Fato diicilmente enfrentado pelas questões já
postas. Melhor seria discutir sexualidade como um elemento próprio do
currículo já que este é um componente físico-biológico do sujeito; além
de propor ao menos uma disciplina nos cursos de formação de professores
para tratar do tema, uma vez que no roldão da interdisciplinaridade todos
os professores devem ter um conhecimento para poderem encaminhar
as discussões quando elas aparecem na sala de aula. Conforme relatório
da audiência publica na câmara federal de 2010, 60% dos professores
admitem não ter condições de trabalhar com o tema, pois não tiveram
formação para isso.
Deste modo, sexualidade não diz respeito apenas à escolha do tipo
de parceiro, mas também ao namoro, gravidez na adolescência, desejos,
casamento, “icar”, etc.. Nessa perspectiva discordamos de Silva (2003)
ao airmar que “o tema transversal orientação sexual, surge como tentativa
de preencher as lacunas de informação deixadas pelas famílias e preparar
as crianças e jovens para a vivência de uma sexualidade prazerosa e
saudável” (p.306). Ora, se o tema só aparece na escola, porque a família
não encontra tempo para fazê-lo, temos o entendimento de que a escola
abre mão de sua função social mais nobre conforme os art. 205 e 206 da
CF e o art. 2º da LDB para assumir uma função assistencialista.
A importância do tema está no fato que ele é parte constitutiva do
sujeito e não porque a família se nega a fazê-lo ou algo parecido.
Cremos que na sua função pedagógica a escola
pode contribuir na produção/construção de uma
subjetividade, de uma possibilidade desejante que, se
em muitos casos se mostra insubmissa, conlitante com
o pacto civilizatório, revela também, certo silêncio,
sobretudo das mulheres (KEHL. 1996. p.56-7).

Intimamente ligada à sexualidade dos seres humanos está a


gravidez. Assim, entre os alunos da 8ª série participantes da pesquisa
33% airmaram que em suas famílias alguma jovem engravidou antes

93
Intimamente ligada à sexualidade dos
os alunos da 8ª série participantes da pesquisa 33% afirmaram que em suas famílias
dos 17engravidou
anos; já entre os jovens do 2º ano do ensino médio o índice sobe
antes dos 17 anos; já entre os jovens do 2º ano do ensino médio
para 41%. Isso pode ser relexo da pouca utilização do preservativo nas
o índicerelações,
sobe paraapenas
41%. Isso
30%pode ser reflexo
airmaram da pouca
usá-lo. Já em utilização
relação à do preservativo
gravidez nas
fora da
relações,família o índice
apenas 30% salta para
afirmaram usá 73% e 74% respectivamente, permanecendo
a idade de até 17 anos.
salta para 73% e 74% respectivame Embora o índice assuste, não houve tempo hábil
para um levantamento na secretaria de saúde onde poderíamos veriicar
dados mais precisos em relação ao pré-natal e condições de saúde dos
envolvidos, fato que demandará novas investigações, todavia, os dados
do Ministério da saúde nos oferecem um panorama, que tem diminuído,
mas ainda é preocupante.

Figura 1. Evolução do número de gestações em adolescentes entre 2000 a 2009 no Brasil.

Dados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), no


Brasil, realizada em 2009, para o conjunto dos Municípios das Capitais,
revelaram que 30,5% dos escolares do 9º ano do ensino fundamental já
haviam
2009, para tido relação
o conjunto sexual alguma
dos Municípios vez narevelaram
das Capitais, vida, sendo
que em maior
30,5% dos proporção
escolares do
para os meninos (43,7%) do que para as meninas (18,7%), bem como
9º ano do ensino fundamental já haviam tido relação sexual alguma vez na vida, sendo em
entre
aqueles que estudam em escola pública (33,1%) e com idade acima de 15
maior proporção para os(BRASIL,
anos (47,3%). meninos (43,7%)
2013). Odo uso
que do
para as meninas na
preservativo (18,7%),
últimabem como
relação
sexualque
entre aqueles foiestudam
de 75,9%, e também
em escola públicafoi(33,1%)
a “camisinha” (74,7%)
e com idade acima odemétodo
15 anos
(47,3%).contraceptivo
(BRASIL, 2013). mais utilizado
O uso na última
do preservativo narelação sexual.sexual
última relação Os resultados da e
foi de 75,9%,
PeNSE 2012, para o Brasil, revelaram que 28,7% dos escolares já tiveram
também foi a “camisinha” (74,7%) o método contr
ao menos uma relação sexual alguma vez na vida. As proporções deste
relação sexual.
indicadorOs foram
resultados da PeNSE
de 40,1% entre2012, para o Brasil,
os meninos revelaram
e de 18,3% paraque 28,7% dos
as meninas.
A Região Norte apresentou o maior percentual (38,2%) de escolares
para este indicador, seguida das Regiões Centro-Oeste (32,1%), Sudeste
(29,1%), Sul (27,3%) e Nordeste (24,9%). (BRASIL, 2013).
94
Já Nos dados do Boletim Epidemiológico de DSTs, do Ministério
da Saúde, ano de 2009, foram identiicados 3.398 casos de AIDS entre os
jovens de 13 a 14 anos; a taxa de detecção foi de 8,3 casos por 100.000
habitantes, sendo 1.875 casos do sexo masculino e 1.523 no feminino.
A maior proporção de AIDS nesse grupo está atribuída à categoria de
exposição sexual, sendo 73,8% do sexo masculino e 94% do sexo
feminino, no mesmo ano. O número de mortes entre os jovens de 1998 a
2009 foi de 7.443, sendo 58% do sexo masculino e 42% do sexo feminino,
nesse período o país registrou uma média de 589 óbitos por ano entre os
jovens, por conta de DSTs (BRASIL, 2010).
Ainda temos que falar sobre as consequências desta ou daquela
sexualidade assumida, sobretudo daquelas que fogem ao padrão ‘normal’:
a heterossexualidade. A Agência dos Direitos Humanos da União
Europeia (2012) e da Federação LGBT da Espanha (2013) apontam
dados preocupantes:

Tabela 03 - Pesquisa FELGBT sobre assedio e violência contra LGBT


26% dos Lgbt
Ataques violentos
35% dos transgêneros
Discriminação sexual 90% na escola
Não denuncia 49% não acreditam na punição
Assedio devido a sua sexualidade 47% já foram vitima
Assedio ou violência física 57% dos jovens
Incomodo em ter amizades com gays 38,5% dos adolescentes de Madrid
18% dos meninos
Depreciar ou discriminar gays
11% das meninas
Sofreu assedio na escola e não contou a
34% dos casos
ninguém
Medo de retaliação 35% dos casos
Assedio durou mais de um ano 69% dos casos investigados
Pensou em suicídio e ou agiu contra a
43% e 17%
própria vida
57% entre 12 e 15 anos, 23% antes dessa
Idade em que se inicia o assedio
idade.
Fonte: FELGBT – Espanha – 2013. Compilação do autor.

Assim,

“Los resultados de la investigación han puesto


de maniiesto el enorme riesgo de aislamiento,
discriminación y acoso escolar que corren los y las
adolescentes transexuales, algo que comparten con
todos esos “variantes de género” que ponen en cuestión
el binarismo de sexo/género. Entre las consecuencias
más extremas de la vulnerabilidad de estas personas
95
están los episodios de violencia física y verbal y el
subsiguiente abandono escolar en el que a menudo
desembocan” (COGAM/UAM, 2010).

No Brasil estes dados parecem menores, porém o engano não é


apenas visual, ou de informação, já que a mídia não veicula este tipo de
notícia. Desse modo, na maioria das vezes, os dados icam restritos as
universidades e seus grupos de pesquisa ou tem divulgação restrita. A
pesquisa da Fundação Perseu Abramo (2009) e o relatório da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da Republica (2011), apresentaram
números que devem deixar pais, educadores e gestores preocupados com
a crescente onda de violência em relação à sexualidade das pessoas.

Tabela 04 - Mapa da violência LGBT, peril de vitimas e suspeitos


Vitima de preconceito* 27%
Pessoas da comunidade que tem algum grau de preconceito* 87%
Meninos que não gostariam de ter amigos gays* 39%
Pais que não gostariam que seu ilho estudasse com um gay* 37%
Professores que admitiram não ter base para lidar com a diversidade sexual* 60%
Jovem do sexo masculino vítimas de ataque** 67,5%
Homossexuais vítimas** 85,5%
Suspeitos do ataque – heterossexuais** 43,9%
Idade das vitimas (15 a 29 anos)** 69%
Idade dos suspeitos (15 a 29 anos)** 40%
Fonte: FPA* e FEA-USP**.

Nas palavras de Louro,

A escola é, sem dúvida, um dos espaços mais


difíceis para que alguém “assuma” sua condição de
homossexual ou bissexual. Com a suposição de que só
pode haver um tipo de desejo sexual e que esse tipo –
inato a todos – deve ter como alvo um indivíduo do
sexo oposto, a escola nega e ignora a homossexualidade
(provavelmente nega porque ignora) e, desta forma,
oferece poucas oportunidades para que adolescentes
ou adultos assumam, sem culpa ou vergonha, seus
desejos. O lugar do conhecimento mantém-se, com
relação à sexualidade, o lugar do desconhecimento e
da ignorância (LOURO, 2000, p. 30).

96
O PNE e a ‘ideologia de gênero’ – o papel do professor

Recentemente, veio à baila, sobretudo nas redes sociais, uma repulsa


aos legisladores, prefeitos e governadores que vetaram proposições do
PNE municipal ou estadual que tratava de metas e estratégias acerca do
tema sexualidade e gênero. Ora, é preciso ter em conta que, fazer esta
conversa e/ou formação na universidade é bem diferente do que fazê-la
na escola básica. Tenho dúvidas se de fato os termos necessitam estar
colocados de forma explicita no PNE. Basta lembrar um conceito muito
caro nos anos 90, no campo da educação, o “currículo oculto” que parece
ter saído de cena. Então, se um professor realmente estiver comprometido
com uma formação sobre gênero e sexualidade dos seus alunos, com ou
sem metas ele vai fazer isso, porque tal compromisso é maior do que
um mero ponto num plano. Óbvio que não considero o Plano Nacional
de Educação desnecessário, mas a inteligência deve ir além do Plano.
No campo da diversidade podemos explicitar outras demandas instituídas
por lei, porém sem implementação no cotidiano das escolas. Tomemos,
por exemplo, a questão dos professores de libras, a questão da historia e
cultura afros, a questão do meio ambiente, que desde 1992 está na agenda
dos governos “e das escolas”, todavia, a seca, o desmatamento, o degelo,
a extinção de espécimes vem se agravando a cada ano, mesmo com a
visibilidade e a insurgência de grupos em relação a estes temas.
A escola tem se ocupado com eles apenas em dias especíicos, o
“tema transversal” não transversalizou no currículo nem na prática dos
professores. Todavia, o professor pode e deve abordar estes temas, não por
estarem na lei ou no PNE, mas porque a formação do homem exige que
tais conhecimentos sejam colocados na mesa, discutidos, reorganizados.
E ele pode, via currículo oculto, falar destes e outros temas. Arrisco a
dizer que, exceto em escolas particulares e confessionais, há pouca
chance de um professor sofrer retaliações sobre seu modo de conduzir a
aula e as discussões em sala. É verdade que para fazê-lo o professor deve
ter segurança sobre o conteúdo, logo ele precisa estudar sobre o assunto.
Se formar para dar conta do recado.
Aqui faço uma observação em relação à formação na graduação. Há
dezenas de cursos, sobretudo nas licenciaturas que incluíram disciplinas
sobre libras, gênero, sexualidade, direitos humanos, questão indígena,
afro, entre outras. Pois bem, tenho observado que tais iniciativas carregam
dois problemas: 1- alunos que as fazem e depois de ‘formados’ sentem-
se catedráticos na causa, logo se acomodam; 2- resolve o problema
da universidade, mas não o do formando, uma vez que disciplinas de
45 ou 60 horas são apenas um arremedo para inserir a discussão. A

97
universidade brasileira incorporou uma prática nefasta de priorizar bolsas
das mais diversas modalidades em detrimento das bolsas de Pibic que,
de fato, forma um estudante mais comprometido com método, conceitos,
disciplina de estudo, formação.

Perspectivas...

Assim, o desenvolvimento da sexualidade seja no âmbito biológico,


seja em sua dimensão psicológica, social e cultural, varia de individuo para
individuo. Se as questões apresentadas aos professores pelos adolescentes
e jovens resultam na constatação da desinformação do professor ou
no ‘medo’ de tratar o tema na sala de aula, isso nos mostra que o tema
sexualidade, como fenômeno educativo, implica não apenas num esforço
de mudança pedagógica, mas, sobretudo, cultural (Carvalho. 2005. p.07).
Desse modo, as conclusões preliminares apontam para um público
novo cuja primeira experiência sexual acontece antes dos 15 anos, são
adolescentes que moram com os pais e, menos da metade, usa algum tipo de
contraceptivo, fato que conirma o alto índice de gravidez antes dos 17 anos.
Outro dado levantado pela pesquisa, diz respeito à falta de
compromisso/formação dos professores para lidar com este tema tão
presente no cotidiano escolar, segundo os alunos, 67% raramente
abordam o tema. Resta então, sugerirmos às escolas e a secretaria de
saúde, maior atenção e deinição de estratégias em termos de políticas
de saúde e pedagógicas no sentido de desenvolver cursos e projetos que
auxiliem professores e jovens no sentido de construir com uma pedagogia
da prevenção, da atenção mais focada a este tema tão caro à sociedade,
à escola e à família, uma vez que, os relexos da falta de planejamento
e políticas de prevenção acabam, via de regra, forçando o jovem a
abandonar a escola, aumentando os índices do INEP, do IBGE, da ONU
em relação aos anos de estudo dos cidadãos, da qualidade de vida e do
desnível em relação à renda aferida por homens e mulheres com mais ou
menos anos de estudo/qualiicação proissional.
Não obstante, com os Programas Nacionais de Direitos Humanos,
editais do Ministério da Educação sobre Diversidade na Escola e a maior
visibilidade dos trabalhos de grupos de pesquisa das universidades,
vislumbra-se outras possibilidades de compreensão e tolerância a
grupos cuja sexualidade não se ‘enquadram’ na heteronormatividade.
Infelizmente, esse mesmo avanço no PNDH não tem sido relexo nos
Planos Estaduais e Municipais de Educação que neste ano estão sendo
aprovados pelo país. Isso estava posto na Diretriz 10 e 19 do PNDH. E
Foucault é enfático sobre a questão:

98
Esta nova caça às sexualidades periféricas provoca a
incorporação das perversões e nova especiicação dos
indivíduos. A sodomia – a dos antigos direitos civil
ou canônico – era um tipo de ato interdito e o autor
não passava de seu sujeito jurídico. O homossexual do
século XIX torna-se uma personagem: um passado,
uma história, uma infância, um caráter, uma forma
de vida; também, uma isiologia misteriosa. Nada
daquilo que ele é, no im das contas, escapa à sua
sexualidade. Ela está presentes nele todo: 5 subjacente
a todas as suas condutas já que ela é o princípio
insidioso e ininitamente ativo das mesmas; inscrita
sem pudor na sua face e no seu corpo já que é um
segredo que se trai sempre como natureza singular
[...] A homossexualidade apareceu como uma das
iguras da sexualidade quando foi transferida, da
prática da sodomia, para uma espécie de androginia
inferior, um hermafroditismo da alma. O sodomita era
um reincidente, agora o homossexual é uma espécie
(FOUCAULT, 1984, p. 43ss).

Embora haja iniciativas em diferentes frentes, a constatação


é de que a ação docente em relação a este tema é ainda muito frágil.
Milhares de professores presos as suas convicções religiosas, ignoram
o direito do aluno em saber e ser orientado acerca da sexualidade e seus
assuntos correlatos. Vale lembrar que democracia escolar não se realiza
se a laicidade for ignorada. Mas também não se realiza a democracia
laica quando os professores se apegam a questões teológicas ou ao
preconceito por falta de conhecimento sobre o tema. Veja por exemplo
o caso do garoto britânico Romeo Clarke, estampado na capa da revista
nova escola ano 30, Nº 279 – tal revista serve de base teórica pra muitos
professores, infelizmente – intitulada: Vamos falar sobre ele? Como lidar
com um aluno que se veste assim? (ele vestia um vestido rosa e azul). A
reportagem irritou muitos educadores, agradou outras centenas e, diga-se
de passagem, a reportagem é bem melhor e mais esclarecedora do que as
edições anteriores que trataram do tema. Finalizo minha intervenção com
a observação de Baptista, curta, clara e precisa:

O io da faca que esquarteja, ou o tiro certeiro nos olhos,


possui aliados, agentes sem rostos que preparam o solo
para esses sinistros atos. Sem cara ou personalidade,
podem ser encontrados em discursos, textos, falas,
modos de viver, modos de pensar que circulam
entre famílias, jornalistas, prefeitos, artistas, padres,
psicanalistas etc. Destituídos de aparente crueldade,
tais aliados amolam a faca e enfraquecem a vítima,
99
reduzindo-a a pobre coitado, cúmplice do ato, carente
de cuidado, fraco e estranho a nós, estranho a uma
condição humana plenamente viva. Os amoladores
de facas, à semelhança dos cortadores de membros,
fragmentam a violência na cotidianidade, remetendo-a
a particularidades, a casos individuais. Estranhamento
e individualidades são alguns dos produtos desses
agentes. Onde estarão os amoladores de facas?
Já que invisíveis no dia a dia, a presença desses
aliados é difícil de detectar. A ação desse discurso é
microscópica, complacente e cuidadosa. Não seguem
as regras dos torturadores, que reprimem e usam a dor.
Ávidos por criarem perguntas e respondê-las, por criar
problemas e solucioná-los, defendem um humanismo
que preencha o vazio de um homem fraco e sem força,
um homem angustiado e perplexo, necessitado de
tutela (BAPTISTA, 1999, p. 46).

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Trad. Carlos A. M. São Paulo. Jorge Zahar. 2004.
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faca. Educar em Revista. Curitiba. 2011.
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janeiro. FGV. 2004.
BRASIL. Constituição Federal. São Paulo. Editora Ridel. 2002.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Carlos R. J. C. (org).
Rio de janeiro. DP&A. 2003. 6ª edição.
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Republica. Brasília. 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico: Aids e DST. MS,
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DINIS, N. F. Homofobia e educação: quando a omissão também é signo
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DUARTE, L. F. A sexualidade nas ciências sociais: leitura critica das
convenções. “In”: Sexualidades e saberes – convenções e fronteiras. Rio
de Janeiro. Garamoud. 2004.

100
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E BISSEXUAIS. Acoso escolar por orientación sexual e identidad de
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FOUCAULT, M. A história da sexualidade I: a vontade de saber. 5ª ed.
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STEARNS, P. N. História da sexualidade. Trad. Renato marques. São
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2015
http://educacao.uol.com.br/noticias/agencia-estado/2015/07/01/
universidade-federal-do-abc-apura-pichacoes-de-teor-homofobico.htm
acesso em julho 2015
http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/04/17/alunos-promovem-
beijaco-contra-homofobia-na-ufmg.htm
http://www.felgtb.org acesso em abril 2015
http://observatoriodaimprensa.com.br/feitosdesfeitas/_ed840_sexo_
sexualidade_e_genero_na_formacao_de_professores/ acesso em abril
2015

101
CAPÍTLO VII

GÊNERO, SEXUALIDADES E FORMAÇÃO DOCENTE:


OLHARES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA DE
PROFESSORAS BRASILEIRAS

Neil Franco
Nilce Vieira Campos Ferreira

Introdução

Nas últimas décadas o princípio da inclusão social tem sido um dos


focos norteadores da ampliação da Educação Básica brasileira inclusive
na formação docente, fazendo emergir temáticas especíicas sobre
sujeitos que habitam as margens da sociedade ou, são interpretados/as
como dissidentes do gênero e/ou das sexualidades.
Ancorados nas contextualizações de Judith Butler (2003),
concebemos o gênero como uma construção cultural negando que ele
seja aparentemente ixo como o sexo ou um resultado casual deinido
por sua estrutura biológica. Denegamos também a possibilidade de
compreender o sexo apenas como um dado da natureza ou do destino.
Nessa perspectiva, apreendemos que sexo foi desde sempre gênero,
porém matizado pelo discurso. Com isso, abrimos um espaço para pensar
o gênero como a interpretação múltipla do sexo, ou ainda, os signiicados
culturais assumidos pelos corpos sexuados, não decorrendo de um sexo
propriamente dito, mas considerando que “[...] a distinção sexo/gênero
sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros
culturalmente construídos.” (BUTLER, 2003, p.24).
Partilhando de dimensões intrínsecas ao gênero, a sexualidade
está inserida na condição humana de forma ontológica, ou seja, é uma
manifestação inerente a todos e a cada ser humano em particular, é uma
das dimensões privilegiadas de sua manifestação subjetiva, histórica
e social (NUNES; SILVA, 2000). Sopesamos que a sexualidade
também pertencente ao campo político, é “[...] ‘aprendida’, ou melhor,
é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os
sujeitos.” (LOURO, 1999, p.11).
Situando-nos no trajeto histórico e considerando que a escola desde
sua criação assumiu o papel social de disciplinamento e ajustamento
dos corpos de acordo com as normas vigentes de cada sociedade em
especial, Henriques et al. (2007) observam que as questões de gênero e
103
sexualidades sempre foram preocupações e pauta presente no contexto
educacional brasileiro ancoradas em princípios de normalização.
Esse quadro somente se modiicou a partir do inal da década
de 1970 e na década de 1980 quando o movimento feminista passou a
requerer novos olhares sobre as hierarquias de gênero e de sexualidades
enfatizando essas discussões também nos espaços escolares. Esses efeitos
no campo educacional brasileiro foram consolidados mais especiicamente
na década de 1990 com a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCN). Esse documento em um de seus cadernos contemplou a “orientação
sexual” como tema transversal.
No âmbito da legislação federal, contudo, o enfoque dos PCN nos
conteúdos sobre “corpo: matriz da sexualidade”, “relações de gênero”
e “prevenção às Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS” pouco
avançaram além dos limites previstos para o campo da saúde e nas rotinas
escolares prevaleceram concepções curriculares hegemônicas.

Não por acaso, é muito recente a inclusão das questões


de gênero, identidade de gênero e orientação sexual
na educação brasileira a partir de uma perspectiva de
valorização da igualdade de gênero e de promoção
de uma cultura de respeito e reconhecimento da
diversidade sexual. Uma perspectiva que coloca sob
suspeita as concepções curriculares hegemônicas e
visa a transformar rotinas escolares, e a problematizar
lógicas reprodutoras de desigualdades e opressão
(HENRIQUES et al., 2007, p.11).

Esses/as autores/as mencionados/as destacaram o surgimento


dessas preocupações no contexto escolar na segunda metade dos
anos de 1980, principalmente pelo interesse dos programas de
pós-graduação brasileiros na constituição de núcleos de estudos e
pesquisas sobre gênero e população de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais (LGBT) cuja abrangência inicial se
restringia ao segmento de lésbicas e gays.
A partir da segunda metade dos anos 1990 e até os dias atuais
algumas pesquisas sobre o universo da homossexualidade e o
contexto escolar integraram o campo investigativo dos intitulados
processos de inclusão. A partir dos anos inais da década de 2010
surgiram demandas de pessoas trans1 junto ao contexto escolar que
1
Pessoas travestis, transexuais e/ou transgêneros são por nós identiicadas como pertencentes ao
“universo trans”, expressão descrita por Marcos Benedetti (2005, p. 17) com o intuito de possibilitar
a ampliação do leque de deinições que abrange as “transformações do gênero” e as “personiicações”
de gênero polivalente, transformado e modiicado.

104
passaram a identiicar a escola como um lugar de pertencimento,
apesar de diversos obstáculos enfrentados por esse segmento social
coninado ao universo da marginalidade.
Nessa linha de raciocínio, procuramos contextualizar a prática
docente de professoras trans brasileiras no sentido de ressaltar como as
temáticas de gênero e sexualidades entrelaçam seu cotidiano proissional,
buscando indícios do processo de formação docente no qual estiveram/
estão imersas.
Cabe-nos ressaltar que essas contextualizações integram as
problematizações de uma tese de doutorado em Educação cujo objetivo
foi identiicar e problematizar indícios de desestabilização que a presença
de professoras trans provocaria nas escolas nas quais atuam (FRANCO,
2014).
Metodologicamente, a pesquisa realizada entre 2010 e 2014
analisou fontes bibliográicas, documentos, entrevistas e questionários.
Doze professoras trans de cinco regiões do país compuseram o universo
investigado: duas da região sul, quatro da região sudeste, três da região
centro-oeste, duas da região nordeste e uma da região norte.
No ano de 2014, essas docentes se encontravam na faixa etária
de vinte e sete a quarenta e seis anos. Sete delas se identiicavam com
a identidade de gênero transexual, quatro como travestis e uma como
transgênero. Como identidades sexuais, sete se interpretaram como
heterossexuais; três como homossexuais; três não se identiicaram. A área
de formação nas ciências humanas e sociais era predominante entre as
professoras. A licenciatura em Letras foi o curso concluído por seis delas.
A atuação em escolas da rede púbica de ensino foi uma das características
marcantes do grupo. O tempo de experiência na docência formal variou
de um a vinte e um anos. A atuação na Educação Básica constituiu uma
experiência vivenciada por todos os sujeitos da pesquisa.
Teoricamente a pesquisa se sustentou nos princípios da teoria
queer por ancorar-se numa forma múltipla e dinâmica na proposição
de problematizações dos campos identitários. Com isso, possibilita-
nos visualizar, analisar e contextualizar o campo geral no qual todas as
identidades, sexuais, gêneros, raciais, classes, são construídas, percebendo-
as necessárias e inter-relacionadas, constituindo uma realidade complexa
e em constante movimento nas mais variadas dimensões: históricas,
sociais, políticas e educacionais (LOURO, 2004).
Marcado por confusões, conlitos e incômodos tanto no campo
identitário como no campo disciplinar, o termo queer sugere “uma
expansão politicamente volátil’ das categorizações identitárias que
procura incluir as mais diversas formas de outsiders do sexo e do gênero.
105
Queer marca uma identidade que, deinida como tal
por um desvio das normas relativas ao sexo e ao gênero
pelo eu interior ou por comportamentos especíicos,
está sempre mudando; a teoria queer e os estudos
queer propõem um enfoque não tanto sobre populações
especíicas, mas sobre os processos de categorização
sexual e sua desconstrução (GAMSON, 2007,
p.347).

Dentro desses processos de categorizações, a teoria queer propõe


o desaio da forma como compreendemos as categorias sexuais e de gênero.
Visando o seu sentido mais característico, Gamson (2007, p. 347) utiliza o
termo queer “[...] como um marcador da instabilidade da identidade.” Situa
os sujeitos bissexuais e transgêneros - ao serem incluídos nas políticas queer
e assumirem o status de dissidentes do sexo e do gênero - como sujeitos
que mais representam esse ‘desaiar e confundir’ em razão da forma como
transitam, transgridem ou permanecem na fronteira das sexualidades e
do gênero, despertando, com isso, maior interesse para esse campo
analítico nas mais variadas vertentes. Dentre essas vertentes, a formação
docente é nosso foco para este estudo, principalmente ao lançarmos
nosso olhar sobre como essas professoras se ediicam como proissionais
inluenciadas por elementos de sua pessoalidade advindos, em especial,
de suas vivências fora do contexto escolar, ou, da educação não formal.

Nuances da educação não formal como espaço de formação docente

Pensar a docência remete-nos a condição humana na/para qual ela


se estrutura. Com isso, as ênfases dadas pelas pesquisas atuais destacam a
importância de direcionarmos nosso olhar sobre a realidade cotidiana na
qual essa ação é construída. Espaço no qual se intercruzam as dimensões
históricas, sociais, culturais, políticas juntamente com o conjunto de
interações humanas estabelecidas por docentes, discentes, pais e mães,
gestores/as e outros/as colaboradores/as nesse processo.
Maurice Tardif e Claude Lessard (2005) apresentam-nos a docência
como uma proissão fundamentada na interação humana, na qual
ensinar é trabalhar com/sobre/para seres humanos, ação deinida como a
problemática central do trabalho docente e, constituindo uma das chaves
para a compreensão das transformações atuais da sociedade. Outro
aspecto importante argumentado por estes autores é de que ensinar é agir
na ausência de indicações claras sobre os ins do ensino escolar, o que
requer autonomia e responsabilidade dos/as professores/as que procuram
construir seus objetivos antes de realizá-los. Na verdade os objetivos são
concretizados no dia a dia da docência.
106
Os/as professores/as utilizam no cotidiano saberes práticos
provindos de suas vivências que ultrapassam os muros da escola e
suas técnicas não se fundamentam absolutamente da ciência, mas nos
saberes cotidianos, sociais e na linguagem natural (TARDIF; LESSARD,
2005). Essa argumentação nos aproxima das relexões de Gimeno
Sacristan (2002) para quem a ciência – de forma isolada - produzida
pelo conhecimento cientíico aos/às professores/as não lhes ajudam a
pensar sua prática, como explicita Bernard Charlot (2002) ao aludir que
se a teoria está falando da prática e faz sentido, os/as professores/as se
interessam por ela.
O/a docente é um/a mediador/a entre vários conhecimentos que
não se restringem, como há tempos, somente aos saberes escolares
(TARDIF 2005). Essa airmativa nos remete a “relação conteúdo/forma”,
mais especiicamente na vertente da “teoria como expressão da ação
prática” sugerida por Pura Martins (1996). Atentos a essa vertente e nos
detendo aos relatos dos sujeitos investigados compreendemos como a
formação docente das professoras trans é construída e subsidiada por
conhecimentos advindos de processo não formais de educação, sobretudo
no que tange à discussão sobre gênero e sexualidades.
Moacir Gadotti (2005) deine a educação formal como representada
por escolas e universidades pautadas em objetivos claros e especíicos.
Dependente do currículo, que consiste de uma diretriz educacional
centralizada, a educação formal se fundamenta em hierarquias e
burocracias deinidas por órgãos nacionais responsáveis pela educação.
De caráter mais difuso e menos burocrático e hierarquizado, a
educação não formal não se prende a um sistema sequencial e burocrático
de progressão. Consiste de um processo sistemático e organizado de
ensino e aprendizagem que ocorre, muitas vezes, fora do sistema formal de
ensino enfocando necessidades singulares de subgrupos ou comunidades
especíicas. Organizações Não Governamentais (ONGs), igrejas, clubes,
sindicatos, partidos, a mídia, associação de bairros e também nas escolas,
são espaços em que a educação não formal se processa. A lexibilidade do
tempo de aprendizagem é uma característica importante da Educação não
formal que privilegia as diferenças e capacidades de cada um/a, da mesma
forma que se faz lexível na criação e recriação de seus múltiplos espaços.
Como veremos a seguir, o olhar sobre a singularidade de subgrupos
ou comunidades especíicas, que consiste no foco da educação não
formal, desencadeia intervenções que se ampliam para o contexto escolar,
uma vez que estruturam um processo de formação docente para o campo
do gênero e das sexualidades que na educação formal ainda encontra-se
lentamente em curso. A maioria das professoras investigadas estabelecia

107
relações estreitas com o movimento social organizado LGBT que, além
de oferecer subsídios para a construção de sua identidade de gênero trans,
possibilitava-lhes estabelecer relexões e questionamentos voltadas para
o contexto da escola, trazendo à tona indícios de uma pedagogia queer ou,
uma formação docente queer, destinando um olhar atento ao universo das
diferenças (SILVA, 2007; LOURO, 2004).

A pedagogia queer não objetiva simplesmente incluir


no currículo informações corretas sobre a sexualidade;
ela quer questionar os processos institucionais e
discursivos, as estruturas de signiicação que deinem,
antes de mais nada, o que é correto e o que é incorreto,
o que é moral e o que é imoral, o que é normal e o que
é anormal (SILVA, 2007, p.108, itálicos no original).

Nessa linha de contextualização, uma política da diferença que


levanta indícios de uma possível transformação da cultura hegemônica
avançou partindo do reconhecimento do/a ‘outro/a’ historicamente
interpretado/a como diferente - por divergir das normas de gênero,
sexualidade, raça entre outros, sendo muitas vezes “apreciados como
curiosidades exóticas.” (LOURO, 2004, p.48).
A partir dessa política, se desencadeou um processo de crítica aos
princípios do Multiculturalismo e da retórica da diversidade ressaltando
a necessidade de ultrapassar os limites conceituais da tolerância e da
inclusão, nos quais aqueles/as interpretados/as como diferentes passaram
a compor também o centro das relações sociais, cultuais e educacionais
fazendo do/a ‘outro/a’ integrante e necessário à constituição do ‘nós’
(LOURO, 2004; SILVA, 2007; MISKOLCI, 2012).
Considerando essas questões, nossas relexões perscrutam o
universo das teorias pós-críticas do conhecimento. Para Silva (2007), esse
campo sucedeu às teorias críticas cujo foco consiste na inluência dos
processos de dominação de classe subsidiados pela exploração econômica
que se efetivaram como poderosas e insubstituíveis ferramentas de análise
das sociedades de classes realizadas pela teoria marxista. Partilhando
fundamentos epistemológicos elaborados pelas teorias críticas, as teorias
pós-críticas ascenderam ao campo de análise social outros processos de
dominação tais como raça, etnia, gênero e sexualidades, oportunizando
outras interpretações para os conceitos de alienação, emancipação,
libertação e autonomia. Ampliam-se, como isso, as possibilidades de
compreensão dos processos estabelecidos a partir das relações de poder e
dominação que nos têm.constituído.historicamente.

108
Gênero e sexualidades: indícios de uma formação docente queer

Pura Martins (1996) observou que a problemática relação conteúdo/


forma permeia a discussão pedagógica desde a criação da “Didática
Magna” por Comênios, no século XVI, que propunha um método único
com o intuito de ensinar “tudo a todos”. No século XVIII, a “transmissão
de conhecimento”, valorizada e estruturadora dos princípios da pedagogia
tradicional, predominou no processo educativo até o século XX, quando
os princípios tradicionais foram questionados pela pedagogia crítica na
qual a relação conteúdo/forma pode ser interpretada sob dois vieses.

Comprometidos numa mesma unidade de perspectiva


(visão crítica da educação), encontramos, de um lado,
grupos que tomam, como eixo central, a concepção
da teoria como guia da ação prática. De outro, grupos
que colocam no centro de suas relexões e propostas,
a concepção de teoria como expressão da ação prática
(MARTINS, 1996, p.85, itálicos no original).

Nas histórias de docências de duas professoras, Marina Reidel e


Adriana Lohanna, nas ações pedagógicas que realizavam e que analisamos,
a “teoria como expressão da ação prática” pareceu-nos a perspectiva
que mais se aproximou das manifestações das práticas pedagógicas
ao contextualizarem gênero e sexualidades na escola. Predominaram
nessas ações atividades como projetos, oicinas e, principalmente, aulas
dialogadas nas quais a utilização de recursos como a exposição de ilmes,
artes visuais e a produção textual entrelaçaram as interações professora-
aluno/a. Nessas ações capturamos indícios de como a professora trans
seria percebida e interpretada por alunos/as no cotidiano escolar e como
estruturavam e eram afetadas pelo processo de formação docente.
Em 2010, na escola na qual atuava na cidade de Porto Alegre,
Marina, professora de Artes, foi convocada para completar sua carga
horária semanal assumindo a disciplina Ensino Religioso. Isso lhe deixou
bastante assustada: “Eu? E agora? Professora transexual, batuqueira2?
Como é que eu vou dar aula de religião?” (Marina, Canoas-RS, novembro
de 2010).
Encontramos em sua fala a menção a um evento representativo
em sua carreira que a levou a provocar novas estruturações no processo de
ensino e aprendizagem não só no que se refere à discussão sobre gênero e
sexualidades, mas no que tange ao universo da diversidade humana.
Logo de início Marina sugeriu à direção da escola que a disciplina
fosse reestruturada, uma vez que não se sentia em condições de trabalhar
2
A expressão “batuqueira” indica que Marina pertence a uma vertente religiosa de origem africana.

109
com aquele conteúdo, sobretudo, pela predominância dos princípios
católicos nos quais a disciplina ancorava-se.
Os questionamentos de Marina resultaram na convocação de uma
assembleia com a comunidade escolar para que reavaliassem o Projeto
Político Pedagógico e se rediscutisse a disciplina Ensino Religioso naquele
espaço. Apesar da resistência inicial da direção da escola, realizou-se uma
assembleia na qual os docentes, funcionários/as, pais e mães de alunos/as
decidiram pela alteração da disciplina. De Ensino Religioso a disciplina
foi redimensionada para Ética e Cidadania.
Com essa alteração, Marina conseguiu realizar diversas discussões
em temáticas que pouco adentravam ou não eram reconhecidas dentro
do contexto escolar. Dentre elas, destaca-se a criação do projeto “Diga
não à homofobia escolar: valorizando as singularidades e as diferenças”,
que foi classiicado e premiado ao concorrer ao Prêmio Educando para a
Diversidade Sexual/2010 promovido pela Aliança Global para Educação
LGBT (GALE)3. O projeto teve como objetivo desenvolver propostas
de Educação e Direitos Humanos, trazendo para o cotidiano da sala de
aula temas como gênero, sexualidade, orientação sexual, homofobia,
preconceito e cidadania, numa visão contemporânea em que o/a aluno/a é
sujeito das ações.
Ressalvamos que muitas são as razões que nos constituem
historicamente homofóbicos/as. Ao discorrer sobre essas razões Bruce
Hilton (1992) expôs a recusa do discurso religioso em considerar o sexo
como um de seus princípios sociais, o que tem se irradiado ao longo dos
séculos e de forma generalizada pela sociedade.
De acordo com os escritos da Igreja primitiva, ética sexual não
era foco de interesse desses documentos, incorporando-se nos discursos
religiosos a partir dos três primeiros séculos da Era Cristã, quando a
Igreja estendia suas relações com o Império Romano, absorvendo normas
rígidas que defendiam o antagonismo entre mente e corpo.
Marco Antônio Torres (2005) detalhou que essa concepção
antagônica entre mente e corpo que incide nas práticas sexuais refere-se
à vertente estoica do helenismo apropriada pelo Cristianismo na qual o
sexo se consagrou como sinônimo de procriação, recusando a dimensão
do prazer por ele proporcionada, independente da dimensão heterossexual
ou homossexual.
Os autores citados são unânimes na airmativa de que essas
ideias antigas são recorrentes no imaginário social atual. Mesmo com o
3
A GALE é uma comunidade internacional de aprendizagem para educadores/as que objetiva a
inclusão de pessoas que são prejudicadas em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
Visa produção e aprimoramento de conhecimento nesse campo. Informações disponíveis no site
www.lgbt-education.info.

110
transcorrer de tantos séculos, isso explica por que é tão problemático em
nossa sociedade lidar com as manifestações do gênero e das sexualidades
que contrariam os padrões normativos.
Interpretada dentro de uma perspectiva queer, a proposta de
Marina desencadeou processos de subversão de conteúdos considerados
imutáveis na prática docente ao propor a discussão sobre homofobia. Com
isso, conseguiu deslocar o foco hegemônico da prevenção de gravidez
na adolescência e DST/Aids para a possibilidade de contextualização
das múltiplas formas de constituição do gênero, das sexualidades e suas
vivências na dimensão social. Marina buscou desconstruir mecanismos
culturalmente estabelecidos que designem formas de valorização
hierárquicas de supremacia do ‘eu’ e submissão e desvalorização do/a
‘outro/a’ nas dimensões históricas, sociais e culturais.
Para Silva (2007) e Louro (2004), há uma exaltação da discussão
da diferença distante de uma concepção estabelecida por “programas
multiculturais bem-intencionados” em que o ser diferente se interliga
muito mais ao ser exótico.

Ao colocarem em discussão a forma como o “outro”


é construído, levariam a questionar as estreitas
relações do eu com o outro. A diferença deixaria de
estar lá fora, do outro lado, alheia ao sujeito, e seria
compreendida como indispensável para a existência
do próprio sujeito: ela estaria dentro, integrando e
constituindo o eu. A diferença deixaria de estar ausente
para estar presente: fazendo sentido, assombrando e
desestabilizando o sujeito (LOURO, 2004, p.48).

Outro aspecto representativo referiu-se ao fato de que o projeto


envolvia todas as turmas nas quais Marina atuava e todos/as os/as
discentes. Não consistiu de uma atividade fora da carga horária curricular
envolvendo apenas àqueles/as discentes interessados/as, o que geralmente
predomina nas iniciativas que focam as discussões sobre gênero e
sexualidades na escola, como sugerido, por exemplo, nos PCN.
Ainda nesse contexto, em 17 de maio de 2012, realizou-se em
Porto Alegre a assinatura do decreto lei 49.122 que legitimou a utilização
da carteira de nome social para o segmento trans do Rio Grande do
Sul. Nesse evento, Marina esteve presente juntamente com seus/suas
alunos/as. No retorno à escola, houve um processo de discussões e
esclarecimentos da representação daquela cerimônia para a população
trans. Essa experiência e vivência concebem signiicativa expressão
como ação pedagógica uma vez que abrange os espaços internos e
externos à sala de aula, proporcionando, inclusive, embates diretos entre

111
os sujeitos envolvidos nos quais a recusa de atitudes homofóbicas foram
evidenciadas.

Eu levei uma turma de 7ª série lá. Eles não estavam


entendendo nada do que estava acontecendo. Estavam
entendendo por partes, mas, depois eu voltei para
a sala de aula e nós conversamos sobre isso. Um
menino entrou e disse: “o que esses gays querem?”
Aí, deu pano para as mangas, porque as meninas
compraram a briga e começaram a chamá-lo de
homofóbico, [...] porque ele era evangélico, inclusive
ele não foi no dia (Marina, Canoas-RS, novembro de
2012, sublinhado nosso).

É importante compreendermos que as atividades desencadeadas


por Marina na prática docente instigando processos de subversão da
hierarquia sexo/gênero têm como ponto de partida a constituição de seu
gênero trans, que passou a entrelaçar sua atuação proissional dando novo
sentido ao seu constituir-se humano no que se refere a incorporar uma
vivência que desencadeia o transbordar de dúvidas e questionamentos.
Na perspectiva das teorias críticas, identiicamos um processo de
formação docente inspirada nas argumentações de Selma Pimenta (2000)
para quem transformações na prática docente só ocorrem quando o/a
professor/a amplia sua consciência sobre sua própria prática, expandindo
sua compreensão sobre os contextos históricos, sociais, culturais e
organizacionais no qual atua, e esclarecido/a de que a democratização
do ensino passa por suas mãos. Sob o prisma das teorias pós-críticas,
esse fato se aproxima da solução encontrada pelos/as teóricos/as queer ao
compreenderem essa teoria como uma política pós-identitária, pois “[...]
o foco sai das identidades para a cultura, para as estruturas linguísticas
discursivas e para seus contextos institucionais.” (LOURO, 2004, p. 60).
Em 2009, em Equidabã-SE, Adriana retornou como professora para
a escola na qual foi aluna no ensino médio e na qual havia vivenciado
diversas formas de preconceito e discriminação por ultrapassar e/ou
viver na fronteira do gênero e das sexualidades. Naquele novo momento,
percebia a escola como um espaço que carecia de transformações para
que processos de exclusão fossem amenizados.
Na posição de professora de Português e Redação, Adriana
utilizava ilmes de temática LGBT como recurso pedagógico para
instigar a discussão sobre gênero e sexualidades mesclados ao conteúdo
programático utilizando técnicas de análise dissertativa e argumentativa
na construção textual.

112
Primeiro ano, nós estamos trabalhando resumo e
resenha, “então, vamos lá, vamos fazer uma resenha
crítica sobre o ilme [Transamérica] assistido”. A
partir daquela resenha crítica eu direcionava a aula
para eles. O segundo ano, com o ilme “Orações para
Bobby”, trabalhando a tipologia textual. “Vamos
narrar num texto como foi o ilme.” Como se eles
fossem narrar para alguém, descrever para alguém o
ilme. (...) No terceiro ano, já estávamos trabalhando
um texto dissertativo-argumentativo para a redação do
vestibular. “Tratamos de um ilme, ‘O amor de Sião’, a
condição do amor, de relacionamento, mais o quê? (...)
E aí, eles acabavam dissertando em relação ao ilme
e trabalhava a temática sem nenhum problema
(Adriana, Aquidabã-SE, abril de 2013, sublinhado
nosso).

Abrangemos que a proposta pedagógica de Adriana se aproximou


de vários elementos apresentados por Deborah Britzman (1999),
principalmente quando a autora pondera que a sexualidade está em
movimento e esse movimentar perpassa além dos limites da cultura. Isso
ocorre mesmo que a cultura tente por todo tempo capturar e cristalizar a
sexualidade, conirmando a estreita relação entre sexualidade, curiosidade
e aprendizagem. A construção do gênero e da sexualidade de Adriana
foi o tempo todo propulsionador de uma curiosidade de conhecer e, em
seguida, desconstruir os processos heteronormativos que diziam que os
espaços sociais não poderiam ser por ela habitados. Ao mesmo tempo,
ao sugerir a correlação dos conteúdos programáticos da disciplina às
temáticas LGBT, por meio da análise de ilmes, rompia com a tentativa
da cultura escolar em aprisionar a sexualidade em seus domínios o que,
na maioria das vezes, culminam em um saber silenciado.
Adriana interpretava seu trabalho com os ilmes de temática LGBT
como uma forma de militância que, ao mesmo tempo, desencadeava
efeitos nas suas relações interpessoais com os/as alunos/as, os/as
quais passavam a respeitá-la e compreender de forma diferenciada as
demandas da comunidade LGBT. Contou-nos que em uma dessas aulas
as alunas choraram emocionadas após assistirem os ilmes, expondo suas
percepções: “Professora, eu não parei para perceber essa visão do quanto
os gays amam, o quanto os gays são seres humanos como a gente.”
(Adriana, Aquidabã-SE, novembro de 2010).
O relato da aluna sugeriu a proposta de Adriana como instigadora
e desaiante para a imaginação envolvendo “discussões surpreendentes
e interessantes” (BRITZMAN, 1999) assumindo possibilidades de
expressão da dimensão humana até então desconhecidas, fora dos padrões
113
da cultura dominante. Ao mesmo tempo, encontra relação com uma das
razões levantadas por Hilton (1992) como justiicativa para a construção
social e cultural da homofobia em nós. Segundo o autor, persiste no
imaginário social um pensamento em relação à homossexualidade que
restringe a complexidade que envolve a relação amorosa entre duas
pessoas unicamente à forma como se supõe que se busque o prazer
por meio dos órgãos genitais. Daniel Borrillo (2009) ampliou essa
discussão ao argumentar o processo de hostilidade social em relação à
homossexualidade que, dentre tantas mazelas, dissemina o estereótipo
da impossibilidade de pessoas homossexuais terem “uma vida amorosa
plena”. Dentro deste contexto, outros/as alunos/as diziam de como o uso
de ilmes em aulas modiicaram suas formas de pensamento.
Até uma aluna evangélica, que o pai era pastor, menina
de segundo ano, fez um relato muito importante. Só
começou a perceber o quanto é diferente essa discussão
a partir de quando passei os ilmes em sala de aula. O
pai era evangélico que tem toda uma visão em relação
à coisa, mas só que ela chegava e falava com o pai que
não era aquilo que ele [...] [e] a sociedade colocavam.
Então, esse foi, eu acho, o relato mais interessante que
eu ouvi (Adriana, Aquidabã-SE, abril de 2013).

Os relatos das alunas quanto à forma como passaram a interpretar


as vivências LGBT após as intervenções de Adriana enfatizaram uma
“redeinição de representações”, como descrito por Jimena Furlani (2009,
p. 316), desencadeada pela constituição do gênero de Adriana vinculada
à sua prática pedagógica e a uma política de visibilidade e militância das
demandas LGBT, o que acabou por contribuir para um relacionamento
satisfatório com a maioria desses/as alunos/as. Após o impacto inicial,
eles/as passaram a respeitá-la e reconhecê-la como sujeito de direito à
humanidade. Isso remeteu-nos ao que Furlani (2009, p. 316) referiu-se
como apropriação de um “olhar queer” dentro das práticas educacionais
e de formação docente:
Penso que certa subversão, no âmbito social e escolar,
já ocorra através da gradual visibilidade queer, seja
ela do ativismo gay e lésbico, dos estilos de vida
queer, das práticas sexuais queer, seja das identidades
queer. Esta visibilidade é fundamental para subverter
a dicotomia sexo/gênero heteronormativa, mostrando
uma ininidade de estranhos arranjos de identidades e
de estilos, o que possibilita uma desestabilização do
entendimento das conigurações de gênero e do desejo
serem únicas ou ixas, até mesmo no contexto das
identidades marginais.
114
O efeito de como o grau de proximidade com as professoras trans
possibilitou a construção de percepções menos pejorativas a respeito
das identidades LGBT conirmou-se no relato de Adriana ao destacar na
sua prática docente, a construção de suas relações interpessoais com os
alunos do gênero masculino.
Os meninos icam mais receosos, mas, depois de todo
o conhecimento, de todo o processo no dia-a-dia da
vivência, eles mudam totalmente. Então, temos alunos
meninos, hoje, que não poderiam fazer isso, mas, hoje
podem me encontrar na rua e sentar comigo em um
barzinho para tomar um refrigerante. Antes não faziam
isso. Por quê? Porque tinham uma visão errônea da
travestilidade e da transexualidade e quando passam
a conviver com a professora na sala de aula, eles
percebem que não é aquilo (Adriana, Aquidabã-SE,
abril de 2013, sublinhado nosso).

Os relatos de Marina e Adriana nos incitam à teoria de Tardif (2002)


ao airmar que os saberes proissionais docentes são consolidados no
tempo. Concepções e a forma como ensinam são resultados de vivências
docentes e principalmente das vivências escolares que tiveram. O mesmo
autor especiicou que, na maioria das vezes, a construção da prática
docente muito se aproxima daquela dos/as que foram nossos/as mestres.
Sobre este último aspecto, os relatos das docentes levantaram
indícios de que se apropriam de outros modos de conhecer, pensar e se
constituírem como docentes, sobretudo porque lidam com um contexto
social e cultural contemporâneo em constantes transformações a partir de
suas construções de gênero e sexualidades. Em razão disso, reletem em
suas práticas docentes e evidenciam os indícios de uma formação docente
que busca o rompimento com estruturas conceituais e institucionais
normativas. Isso em um olhar queer incitaria o que Louro (2004) deiniu
como uma “política de conhecimento cultural”, interpretada por Furlani
(2009, p. 314) como a possibilidade de estruturação de uma proposta
pedagógica que recuse qualquer forma de normatividade não somente
da dimensão das sexualidades, mas, da mesma forma, em relação às
questões de gênero, raça, etnia, geração e outras, isto é, “[...] trata-se de
uma atitude intelectual, investigativa e crítica, de recusa a um sistema de
signiicação normativo”.

115
Considerações

De maneira ampla, as teorias críticas da educação já sugeriram que


o/a docente deve ser um intérprete, produtor/a e mediador/a dos diversos
conhecimentos existentes na sociedade. Nesse processo, o aprimoramento
intelectual é inerente a sua condição proissional assim como a busca por
outros espaços teóricos e metodológicos como forma de manter viva a
produção do conhecimento.
Essa perspectiva nos parece evidente na maneira como as
professoras investigadas buscaram diretrizes para sua formação e
atuação docente. No entanto, parecem ir além, uma vez que levantaram
indicativos de estruturação de procedimentos didático-metodológicos de
interferência crítica e/ou subversiva enfocando a opressividade existente
na produção dos regimes de gênero e sexualidades heteronormativas. Em
outras palavras, como explica Furlani (2009, p. 316), numa perspectiva
queer, exalta-se “[...] na tentativa de demonstrar como a produção da
normalidade é intencional, histórica, política e, sendo assim, instável,
contingencial e mutável”.
Essa dimensão instável, contingencial e mutável da produção da
normatividade parece-nos nutrir e conduzir as ações pedagógicas da
maioria das professoras nessas circunstâncias, representadas neste artigo
pelos relatos de Marina e Adriana. Essa dimensão também mobiliza de
forma singular e concomitante seus processos de formação docente que
nos foram apresentados como uma constante busca de compreensão
e respostas para os diversos mecanismos de exclusão humana que
contaminam nossa sociedade e adentram a escola de forma voraz.
Outra questão que merece destaque é que o campo não formal
da educação tem sido um representativo vetor para a construção desse
processo, espaços nos quais os sujeitos dissidentes – do gênero e das
sexualidades – têm encontrado acolhimento e subsídios para pensarem sua
inserção e reconhecimento social. Para a educação formal, como já dito,
essa possibilidade ainda é um caminho em construção e a lentos passos.

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Psicologia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte: 2005.

118
CAPÍTULO VIII

FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL


PARA ALTAS HABILIDADE/SUPERDOTAÇÃO: TRAJETÓRIA
DO MUNICÍPIO DE UBERLÂNDIA

Maria Isabel de Araujo


Marta Emídio Pereira Oliveira
Márcia Arantes Buiatti Pacheco

Introdução

O contexto atual se apresenta pela defesa de uma escola para todos


em meio a uma sociedade do conhecimento, que se mostra como um novo
poder e que exige uma revisão nos serviços e nos próprios conceitos.
Alicerçada e fundamentada nessa defesa e no discurso de escola
inclusiva, a educação tem como base espaços de respeito às diferenças, à
democratização do ensino e à igualdade de oportunidade para todos.
Na educação estes espaços de produção do conhecimento se
materializam na busca por novas informações, formações e em saber
trabalhar com elas, desenvolvendo os aspectos humano, social e político
de forma crítica e transformadora para todos. É sob esse paradigma
que a formação dos proissionais da educação deve transitar tendo
como eixo dois elementos importantes que são: o processo ilogenético
do desenvolvimento, pelo qual o homem relete o ser homo, coletivo,
semelhante a todos os outros da sua espécie; e a perspectiva ontogenética,
em que se apresenta singular, único e idiossincrático. Mediante esse
paradoxo se instala a maior riqueza do homem que é ser uno e diverso,
heterogêneo e pluri e nesta riqueza está sua maior diiculdade. Sabe-se
que essa condição uni e multi, implica necessariamente em reconhecer
as suas particularidades e especiicidades, assim como as do outro, e em
aprender a conviver com elas e respeitá-las, pois somente assim as trocas se
efetivam, as práticas e as concepções se ressigniicam e a diferença humana
é contemplada, possibilitando que o ato de compartilhar se concretize.
Mediante essa concepção, o objetivo deste trabalho é o de relatar
os primeiros passos do município de Uberlândia no processo de formação
docente de proissionais da Educação Especial para identiicação e
implantação do Serviço de Atendimento Educacional Especializado
(AEE) para altas habilidade/Superdotação. A proposta da Educação

119
Especial na perspectiva da Educação Inclusiva está articulada nas escolas
municipais deste município desde a década de 1990, ocasião em que
o país foi signatário e assinou os acordos internacionais advindos da
Educação para Todos por meio da Declaração de Jomtien na Tailândia em
1990 e da Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca,
na Espanha, em 1994.
Atualmente o município oferece os serviços da Educação Especial
por meio do AEE nas salas de Recursos Multifuncionais – SRM para 1442
alunos, público alvo da Educação Especial nos níveis infantil e básica.
Mas o que nos chamou a atenção e nos instigou para esse estudo foi
o fato de o município, em certo aspecto, ser “pioneiro” no atendimento ao
público alvo da educação especial no contexto da escola comum regular,
porém, ainda não apresenta um trabalho sistemático no atendimento a AH/
SD. Apesar de iniciar, em meados de 2006, um processo de identiicação
para possível atendimento, por questões de concepções políticas e mitos
em relação à necessidade de AEE para Altas Habilidades, os responsáveis
pela Educação Especial, naquela época, não puderam prosseguir com
a implantação de um trabalho para essa categoria, conirmando o que
Araújo e Alencar (2013) nos airmam:

Não obstante as garantias legais para o Atendimento


Educacional Especializado aos alunos com altas
habilidades/superdotação, a existência de antigos
mitos e preconceitos tem constituído signiicativos
obstáculos para a assistência educacional adequada ao
seu peril de necessidades. Nesse cenário, a população,
e também proissionais da Educação, ainda acreditam
que investimentos nessa área são desnecessários
(ARAUJO E ALENCAR 2013 p.97).

Isso materializa o que temos em muitos estados brasileiros, onde


a Educação Especial prioriza as pessoas com deiciência, possivelmente
por comiseração, esquecendo-se que as Altas Habilidades/Superdotação
devem receber a mesma atenção dada às outras necessidades especiais
(Pérez 2006).
Nesse contexto, Virgolim (2014), argumenta que é necessário
ampliar a política educacional voltada para as necessidades educacionais
de todos os indivíduos com oportunidades de desenvolver plenamente
e, ainda, engajar em programas bem planejados. As colocações da
educadora conirmam o que temos na realidade brasileira, ou seja, mesmo
com signiicativo esforço em termos de políticas e ações referentes à
implantação de saberes e práticas da Educação Especial, muito se tem a
caminhar e construir. Para enfrentar o desaio de diferenciados processos

120
de ensino-aprendizagem, os educadores, em especial, os proissionais
em exercício devem ter acesso a ações de formação, favorecendo o
desenvolvimento pessoal e proissional.
Contudo, a escola brasileira tem se mostrado um pouco frágil no
reconhecimento das diferenças, em especíico, das pessoas público-alvo
da educação especial, no caso em questão os estudantes com AH/SD.
Acredita-se que essa fragilidade pode ser resultado do desconhecimento
quanto ao papel da Educação Especial, do seu público-alvo e seus
objetivos, o que tem se apresentado como entrave, diicultando o trabalho
do AEE no contexto da escola comum e de suas parcerias.
Essa fragilidade e desconhecimento sobre o público de AH/SD
tem trazido à educação especial discussões, relexões e debates entre
famílias e proissionais do contexto escolar, o que revela a necessidade de
expansão do tema no interior da escola e no processo de formação desses
proissionais, das informações, do conhecimento e relexões sobre qual
concepção prevalece a respeito de quem é o estudante com AH/SD e de
atendimento a sua diferença. Isto ocorre devido ao contexto do campo
educacional de hoje e também pela própria literatura (Guenther 2000;
Virgolim, 2007), que nos revela uma realidade quase invisível dessa
categoria no ambiente escolar.
Assim, atender plenamente as necessidades desses alunos somente
será possível se houver por parte dos sistemas de ensino uma reestruturação
social capaz de valorizar o papel da escola e de seus proissionais,
qualiicando-os e propondo políticas públicas educacionais de formação
continuada que oportunize a participação das pessoas envolvidas
no contexto escolar, com elaboração de propostas pedagógicas mais
próximas das reais necessidades de cada escola e de cada estudante. Para
atender a cada um e a todos é preciso que estas políticas se multipliquem
e alcancem muitos olhares, saberes e pessoas no ambiente escolar.
É compreendendo o seu cotidiano que os professores poderão
minimizar as barreiras atitudinais e concepções positivistas que permeiam
as práticas educacionais atuais. Estas relexões são fundamentais para
promover a ruptura com os modelos tradicionais e rígidos de ensino-
aprendizagem, ao mesmo tempo em que favorecem o desenvolvimento de
uma prática inovadora, na qual tanto o professor quanto o estudante são
agentes e sujeitos de transformação do processo educacional. Conforme
airma NOVOA (1992)

Conhecimento na ação, relexão na ação e relexão


sobre a ação e sobre a relexão na ação ganha uma
pertinência acrescida no quadro do desenvolvimento
pessoal dos professores e remete para consolidação

121
no terreno proissional de espaços de auto-formação
participada. Os momentos de balanço retrospectivo
sobre percursos pessoais e proissionais são momentos
em que cada um produz a “sua” vida, o que no caso
dos professores, é também produzir a sua “proissão
NOVOA (1992, p.26)”.

Com produções pessoais e coletivas e com medidas de curto e


longo prazo é possível vislumbrar um trabalho complementar efetivo nas
redes de ensino, pois o contexto escolar em que atuamos é excludente
não somente para estudantes que apresentam AH/SD, mas para todos que
exibem diferenças peculiares em seu modo de agir no cotidiano da escola.
Por isso, o trabalho de identiicação e atendimento também perpassa pela
avaliação das práticas pedagógicas tradicionais, nas quais o estudante
considerado sujeito passivo e receptivo no processo de aprendizagem não
tem respeitados os seus ritmos e estilos de aprendizagem.
Também, é necessário oferecer formação que contemple atividade/
prática docente aos professores e suas escolas de forma a torná-los cada
vez mais comprometidos com as transformações no processo de ensinar
e aprender, somando a isso a valorização das vivencias, experiências e
os saberes em construção de cada proissional. PIMENTA (2005, p.44).
Nesse contexto e preocupados com a formação continuada do
educador, congregando com a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva da Educação Inclusiva, o município de Uberlândia
buscou a melhoria da práxis educativa que é fator primordial para o
desenvolvimento de ações inclusivas segundo Araujo e Alencar:

[...] a sistematização de ações – por parte da instituição


escolar – que permitam o desenvolvimento da
relexão das práticas pedagógicas, abre caminhos
para a construção da proissionalização docente,
transformando-a, assim, em um espaço democrático de
formação, onde os saberes vinculados à experiência,
ou seja, a sua realidade escolar são ressigniicados
por meio do confronto com as teorias implícitas ou
explícitas nesses contextos (ARAUJO E ALENCAR
2013.p.97).

Diante disso, procura-se dar corpus aos preceitos e orientações


legais e pedagógicas concernentes a uma educação inclusiva, pois se sabe
que após a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, o atendimento aos estudantes dessa
modalidade de ensino tem sido responsável por um aumento considerável,
ano a ano, de matrículas no contexto da escola regular de ensino comum.

122
Assim, consideramos de suma importância neste momento, relatar
os primeiros passos do município de Uberlândia no processo de formação
docente de proissionais da Educação Especial para identiicação e
implantação do Serviço de AEE para AH/SD.
O referencial teórico que subsidiou a elaboração do curso teve a
perspectiva do materialismo histórico dialético cultural que possibilita a
relatividade, a análise do concreto e a dialogicidade. Tendo em vista que
o método dialético implica sempre em uma revisão e em uma relexão
crítica e totalizante porque submete à análise toda interpretação pré-
existente sobre o objeto de estudo (LIMA E MIOTO, 2007).
Por se tratar de uma proposta de formação continuada para
os proissionais atuantes no AEE das escolas municipais, o local de
desenvolvimento do curso e da pesquisa foi o Centro Municipal de
Estudos e projetos educacionais-CEMEPE- unidade responsável pela
formação continuada de proissionais da educação na Rede Municipal
de Ensino, sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação.
Para desenvolver a proposta do curso de extensão/formação, nos
valemos da pesquisa qualitativa de caráter descritivo, pois ela proporciona
trabalhar e tratar os dados ou fatos coletados na própria realidade em suas
diferentes formas (GIL, 1997).
Para os procedimentos e metodologia no decorrer do curso de
formação, elegemos algumas categorias de análise, tendo em vista as
articulações existentes entre elas. Consideramos, principalmente, as
categorias da totalidade, do lógico e do histórico, da contradição, do
abstrato e o concreto. O processo de análise utilizado é o hermenêutico-
crítico, que consiste na abordagem crítica dos resultados obtidos pela
análise interpretativa.
Portanto, optamos por realizar uma pesquisa tendo em vista
procedimentos metodológicos de acordo com o contexto social em
constante movimento e transformação, marcado por contradições em seu
processo histórico e ontológico e dessa forma analisar todos os elementos
podendo fazer acréscimo nas observações e informações relativas aos
dados apresentados.

Contribuições do curso e da pesquisa e seus desdobramentos

Apesar dos avanços nas políticas e práticas em relação à Educação


Especial, constata-se que até a década de 1990 o município não havia
registrado matrícula de alunos, público-alvo da Educação Especial, em
suas escolas de Educação Infantil e Educação Básica. A inserção desta
demanda iniciou em 1990 e, em 2005, passou por uma ressigniicação

123
de matrículas, no atendimento e nas propostas de formação. Com a
deinição do público-alvo daquela modalidade de educação em 2006, em
Uberlândia, houve mais acréscimos de matrículas dessa demanda nesses
níveis de ensino e, consequentemente, na formação continuada para
atender os estudantes com deiciência.
Diante desse contexto, constatamos que, desde a década de 1990
até os dias atuais, o AEE e a formação continuada dos proissionais que
atuam nesse serviço deram maior ênfase para o atendimento aos alunos
com deiciência, havendo também uma ampliação do atendimento aos
alunos com Transtornos Globais do Desenvolvimento-TGD, excluindo os
estudantes com AH/SD dos atendimentos especiais.
Segundo Freitas e Pérez (2011), para conseguir tirar o preixo “in”
da invisibilidade (grifo nosso) de ações junto aos estudantes com AH/SD
é necessário formação docente e informação no contexto da sociedade
em geral.
Buscando mudar essa realidade, no ano de 2007 iniciaram-se
os estudos no município de Uberlândia e foram oferecidos 02 cursos
de formação continuada referentes à AH/SD para os proissionais que
atuam no AEE, sendo um de 80 horas (2007) e outro de 40 horas em
2008, segundo dados fornecidos pelo NADH. Também foram ofertadas
palestras inseridas nos seminários e simpósios da Educação Especial
do município e também pelo programa Educação Inclusiva: direito
à diversidade. Este, apesar de sua importância na disseminação de
conceitos e práticas referentes à Inclusão, não conseguiu contemplar com
profundidade a formação dos proissionais para a temática da AH/SD,
FREITAS e PÉREZ (2011).
Nesse sentido queremos salientar que ainda faltam ações voltadas
para identiicação de alunos que apresentam AH/SD e que também se
caracterizam como público-alvo da Educação Especial. Conforme dados
do NADH, o quantitativo de alunos com deiciência, atendidos em
escolas municipais é a maioria, sobrepondo-se em muito ao quantitativo
de alunos identiicados com características de AH/SD, que somam em 06
alunos em toda a rede. O que torna quase insigniicante a oferta do AEE
para essa demanda. Contudo é importante resgatar o dizer de (Virgolim,
2007), quando nos alerta que a identiicação da AH/SD só é signiicativa
se for realizada com o objetivo de oferecer atendimento especializado aos
estudantes conforme suas possibilidades e interesses.
Outro fator que parece ser impedimento ao AEE é o desconhecimento
em relação ao tema, o que ocasiona a falta de atendimento às suas
necessidades e muitas vezes olhares equivocados sobre os estudantes
com AH/SD rotulando-os como indisciplinados ou com algum transtorno

124
conforme nos mostra as respostas de questionário aplicado aos inscritos
no curso de formação continuada, implicando na pouca identiicação,
sendo prejudicados em suas necessidades conforme nos relata Freitas e
Peréz (2011):

A invisibilidade dos alunos com AH/SD está


estreitamente vinculada à desinformação sobre o tema
e sobre a legislação que prevê seu atendimento, à falta
de formação acadêmica e docente e à representação
cultural das Pessoas com Altas Habilidades/
Superdotação (FREITAS E PERÉZ, 2011.p.01).

Assim, retratando a realidade no Brasil, mesmo com todo aporte


legal, a incidência de estudantes com altas habilidades identiicados nas
escolas ainda é pequena e se caracteriza por parcas políticas públicas
que, em sua maioria, não são levadas a efeito e acabam por explicitar
a dissonância em relação às recomendações legais e a efetivação de
propostas.
Com base nesse pressuposto tem-se a busca incessante de
conhecimentos sobre o tema de forma a construir ações de formação
para proissionais e atendimento junto a estudantes com AH/SD, para
tanto o NADH, núcleo responsável pela Educação Especial nas escolas
municipais de Uberlândia-MG, em parceria com a Universidade Federal
de Uberlândia – UFU, criou em 2011 um grupo de estudos e pesquisas em
Altas Habilidades e Superdotação – GEPAHS.
O GEPAHS é constituído por proissionais da rede Municipal,
Estadual e Federal de Ensino da cidade de Uberlândia – MG e surgiu
com a intenção de conhecer, compreender para identiicar e assim
atender e organizar diversas ações referentes às pessoas que apresentam
características de AH/SD no contexto da escola comum regular.
Uma das ações desencadeadas pelo GEPAHS nos anos de 2014
e 2015, foi o curso de extensão proposto em parceria com o NADH/
CEMEPE-Centro Municipal de Estudos e Projetos Educacional e com
o Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação
Especial – CEPAE/UFU. Realizado pelos componentes do GEPAHS,
o curso atendeu proissionais atuantes no AEE da Rede Municipal de
Educação de Uberlândia-MG e região. Fundamentou-se na Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(2008), que estabeleceu uma nova concepção de prática pedagógica no
contexto da escola regular visando à inclusão e oferta do AEE ao estudante
com AH/SD. O curso partiu do pressuposto da necessidade de construção
de uma escola para todos e que atenda as diferenças e diversidades nela

125
existente. Tudo isso demanda signiicativo grau de transformação na sua
orientação pedagógica, na sua política e cultura escolar.
Mediante essa realidade, a formação continuada para
professores da rede municipal de ensino de Uberlândia-MG,
denominada: Reconhecendo os estudantes com altas habilidades
superdotação: saberes e fazeres teve seu conteúdo organizado em
três módulos com dois encontros mensais em cada turno (matutino
e vespertino) no decorrer do ano de 2014, totalizando 60 horas.
Apresentamos aqui, os desdobramentos de dois dos cinco
encontros do módulo 01 do curso em questão, o qual abordou
atividades sobre a temática: A educação das pessoas com Altas
Habilidades/Superdotação - história, concepção e deinições.
1º encontro- Apresentação do plano de curso pelos
componentes do GEPAHS, e concepções dos cursistas sobre os
estudantes com AH/SD.
No primeiro momento foi entregue, um questionário
estruturado enquanto instrumento de investigação com os objetivos
de: obter informações gerais sobre a formação acadêmica e
participação dos inscritos em cursos e outras atividades de
formação continuada; colher informações a respeito de ações
inclusivas relativas às AH/SD em suas escolas e/ou municípios;
veriicar a compreensão que os mesmos possuíam sobre AH/
SD e, por im, averiguar a existência de alguma ação pedagógica
que contemplasse os estudantes com AH/SD. O resultado dessas
informações foi o ponto de partida para subsidiar a retomada e
revisão do curso de formação, bem como orientar o processo de
implantação do AEE para Altas Habilidades.
Em relação a informações gerais, dos 35 inscritos para o
curso, 34 eram de Uberlândia e 01 de Prata-MG (município de
abrangência de Uberlândia). Desse total, 33 pessoas eram do sexo
feminino, a maioria estava na faixa etária de 40 anos. Foram 28
professores e 05 pedagogos que atuavam no AEE/Sala de Recursos
Multifuncionais - SRM, 01 inspetora de ensino da Secretaria
Municipal de Educação e 01 intérprete de LIBRAS atuante nas
escolas.
Quanto à formação acadêmica, todos os cursistas apresentaram
certiicado de especialização, dos quais 31 na Educação Especial e 04
na Psicopedagogia e Educação Especial, dos 35 com especialização,
126
07 eram mestres em educação com ênfase na Educação Especial/
pessoas com deiciência e 01 na área de Educação Digital. Os
dados nos mostraram que apesar de todos possuírem formação na
Educação Especial nenhuma estava relacionada à AH/SD.
Por esse questionário constatamos também que noventa por
cento dos cursistas atuavam no Ensino Fundamental, em média,
há 15 anos, portanto estavam na metade de sua vida proissional,
considerando a aposentadoria de 25 anos de trabalho. O que nos
apontou uma expectativa positiva de desenvolvimento pedagógico,
uma vez que esses proissionais ainda estariam por um período
relativamente longo em atuação na sala de aula e consequentemente
em contato com estudantes com AH/SD.
Dos 35 cursistas, 09 apontaram ter participado dos cursos e
outras atividades de formação continuada oferecidas pelo CEPAE/
UFU e CEMEPE/NADH, dentre eles o referente à AH/SD, de 80
horas em 2007 e outro de 40 horas em 2008. O restante (26 cursistas)
alegou nunca ter participado de cursos de formação na área.
Conirmando assim as estatísticas sobre a oferta e participação em
cursos para categoria das AH/SD. Conforme airmou AMARAL:
Embora haja a previsão legal de uma educação que
também contemple alunos com altas habilidades/
superdotação (artigo 59, inciso II da Lei de Diretrizes
e Bases, 1996), encontramos uma formação adequada
sobre o tema sendo oferecida aos futuros proissionais
de ensino, os quais lecionarão para alunos com altas
habilidades/superdotação em suas salas de aula.
Provavelmente, estes alunos passarão despercebidos
por seus professores devido à falta de formação
docente que propicie uma percepção mínima sobre
as características básicas de um educando com altas
habilidades/superdotação (AMARAL, 2013, p.17).

Assim ao identiicarmos essa lacuna, tínhamos um dado importante


que nos possibilitou sugerir novos espaços de formação inclusive no
contexto da própria escola.
Concernente à existência de ações inclusivas em suas escolas e ou
municípios, 09 cursistas participaram do I Curso de Extensão Presencial
oferecido pelo GEPAHS/CEPAE/UFU em 2013. E 05 relataram ter
participado do curso sobre práticas inclusivas oferecido em quatro
escolas da rede municipal no ano de 2010. Os demais argumentam falta
de oportunidade de participação em cursos dessa área.
127
Sobre a existência de alguma ação pedagógica que contemplava
AH/SD em suas escolas, apesar de constar no censo escolar (04 alunos no
ensino fundamental e 02 na educação infantil), nos relatos coletamos que
apenas duas escolas estavam iniciando um trabalho com esses estudantes.
Segundo estes cursistas, a orientação para o trabalho foi feita pelos
proissionais do NADH com colaboração do GEPAHS.
2º encontro (módulo I) - Foram abordados conteúdos e questões
relativas ao histórico dos estudos sobre AH/SD no Brasil e em outros países,
problemas enfrentados e progressos no campo, deinições, concepções
e terminologias, ideias pré-concebidas e mitos difundidos na área.
Seguindo nossos procedimentos metodológicos buscamos registrar
a realidade apresentada pelos participantes e assim entender e contribuir
para uma ampliação dos estudos e práticas pedagógicas voltadas às AH/
SD. Portanto, quando expressaram durante as discussões a compreensão
sobre a pessoa que tem AH/SD, constatamos que 07 cursistas relataram
ter conhecimento referente às características desse estudante alegando
que tiveram esse conhecimento em cursos de extensão presenciais,
oferecidos pelo GEPAHS/CEPAE/UFU, e 28 cursistas acreditavam ser
pessoas acima da média e, airmaram não saber como identiica-los e que
antes do curso haviam rotulado alguns como estudantes com transtornos
e/ou indisciplinados, sendo que somente naquele momento começavam a
entender e compreender essas características do comportamento.
Este momento foi muito rico, com informações salutares ao
processo de coleta de dados para implantação do atendimento, visto que,
em sua maioria, as concepções presentes nas atividades e as colocações dos
cursistas apresentaram pouco conhecimento sobre o assunto, reforçando
a necessidade de aprofundamento na formação do AEE, o que conirmou
a necessidade de cursos para que pudessem não apenas identiicar,
mas também atender ao estudante com AH/SD aplicando os modelos e
técnicas necessários à complementação pedagógica (Virgolim, 2007).
Para os demais módulos II e III, o curso aprofundou a abordagem
sobre a Concepção de Inteligência, Teóricos e pesquisadores das AH/SD;
Análise contextual sobre os aspectos trabalhados nos módulos anteriores,
em especíico, das concepções inerentes ao sistema educacional de
aprendizagem, as características cognitivas e afetivas do estudante com AH/
SD: Produtivo Criativo e Acadêmico. Também sobre os aspectos referentes
às situações e contextos que envolviam o ambiente familiar e educacional.
Somados a isso, os componentes do GEPAHS, apresentaram as
etapas, instrumentos, medidas e procedimentos de identiicação, modelos
e propostas atuais para a identiicação da Superdotação na escola regular,
através da motivação e da criatividade; o papel do professor, do psicólogo/
psicopedagogo, dos pais e da cultura no desenvolvimento de talentos.
128
E para concluir os módulos, desenvolvemos situações de
aprendizagem no curso para a visibilidade e apreensão de práticas
educacionais e programas e atendimento nos contextos brasileiro e
internacional tais como: Aceleração, Agrupamento e Enriquecimento.

Considerações inais, ainda que preliminares

Em uma análise preliminar, relexão e levantamento de dados sobre


a formação de professores em AH/SD, um dos aspectos que pudemos
evidenciar foi que nos primeiros encontros os participantes demonstraram
um desconhecimento a respeito do conceito de AH/SD apresentando
concepções e exemplos de situações pertinentes ao senso comum, o que
de certo modo inviabilizava a identiicação e o atendimento suplementar
aos estudantes com AH/SD.
Outra contribuição percebida diz respeito ao acolhimento,
por parte dos cursistas, em seu espaço escolar junto às famílias dos
estudantes em fase de identiicação, pois os mesmos desenvolveram no
curso, a competência técnica e pedagógica para esse im. Nesse sentido,
acreditamos que esses proissionais terão condição de diversiicar e
ampliar seu olhar para a diversidade humana e, com isso, desenvolver
atitude investigativa a respeito de seus estudantes assumindo a condição
de professor relexivo e pesquisador.
Um aspecto também importante apresentado durante os encontros
do curso de extensão/formação por parte de alguns cursistas foi a
manifestação do entendimento, compreensão e percepção de estudantes
que apresentam diversas características que estão associadas às pessoas
com AH/SD no contexto em que atuam. Portanto, a concretização dos
objetivos da formação foi gradativamente sendo realizada.
Percebe-se que a partir dessa formação continuada, os proissionais
do AEE tiveram condições de revisão de concepções e práticas, bem
como identiicar para atender os estudantes com AH/SD na rede de ensino
regular, contribuindo para estimular as suas competências, habilidades
e potencialidades. Também, dando visibilidade a essa categoria
proporcionando sua participação com equidade. Tais aspectos se
coadunam com a Rede pelo Direito de Ensinar e Aprender, compromisso
assumido pela Secretaria Municipal de Educação em consonância com os
fundamentos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva.

129
Referências

AMARAL, A.da S. S. A. A formação de professor a partir do lúdico:


um possível caminho para identiicação de alunos com altas habilidades/
Superdotação. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013.
ARAUJO, M. R. de ; ALENCAR,M. L. A criatividade no ensino de
atenção às diferenças: relexões acerca da educação de alunos com altas
habilidades/Superdotação . Disponível em: <http://www.revistaconbrasd.
org/wp/?p=97 >.Acesso em 20-02-2014.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Especial.
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva. MEC/SEESP, Brasília, 2008.
GUENTHER, Z. C. Capacidade e talento: um programa para a escola.
São Paulo: EPU, 2006.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1994.
LIMA, T. C.S. de ; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na
construção do conhecimento cientíico: a pesquisa bibliográica Rev.
Katál. Florianópolis v. 10 n. esp. p. 37-45 2007 Disponível em: <http://
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NÓVOA, Antônio. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote,
1992.
PEREZ, S. G. P. B. O atendimento educacional ao aluno com altas
habilidades/superdotação na legislação da Região Sul do Brasil: os
lineamentos para concretizar uma quimera. In: FREITAS, S. N. (Org.)
Educação e altas habilidades/superdotação: a ousadia de rever conceitos
e práticas. Santa Maria: UFSM, 2006.
______, S. G. P. B. Ser ou não ser, eis a questão: o processo de construção
da identidade na pessoa com altas habilidades/superdotação adulta /
Susana Graciela Pérez Barrera Pérez. – Porto Alegre, 2008. 230 f. : il.
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arttext> Acesso em: 20-07-2014.
PIMENTA, S.G. Professor relexivo: construindo uma crítica. In:
Pimenta, S.e Gledim,(orgs). Professor relexivo no Brasil: gênese e crítica
de um conceito. São Paulo: Cortez, 2005.
130
VIRGOLIM, A. M. R. O indivíduo superdotado: História, concepção
e identiicação. Psicologia: Teoria e Pesquisa. Disponível em: <http://
virgolim.wikispaces.com/ile/view/O+indiv%C3%ADduo+superdotado.
pdf>. Acesso em: 11-02-2014.

131
CAPÍTULO IX

POLÍTICA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES


DA EDUCAÇÃO BÁSICA NO ÂMBITO DA UNIVERSIDADE
ABERTA DO BRASIL

Vanuza A. de Souza
Vanilda A. de Souza
Vilma A. Souza

Introdução

O presente texto tem como objetivo analisar os desdobramentos


da atual política de formação continuada de professores da educação
básica iniciada no governo Lula, no contexto da Universidade Aberta
do Brasil (UAB). Tal estudo procurou discutir os desdobramentos dessa
política de formação continuada a partir das percepções dos professores
que participaram do Curso de Aperfeiçoamento Educação Especial
e Atendimento Educacional Especializado (EEAEE), proposto pela
Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no período de 2009/2010.
Nos últimos anos foi implementado um programa de formação
continuada de professores na educação especial, no âmbito no âmbito da
Universidade Aberta do Brasil – (UAB). Esse programa estabelece que as
Instituições Públicas de Ensino Superior podem se cadastrar no Programa
de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, por meio
da participação na seleção de propostas de cursos de formação continuada
na área de Educação Especial, em nível de extensão, na modalidade a
distância, para professores do ensino básico em exercício na rede pública
(BRASIL, 2007).
Nesse contexto, a UFU, por meio do Centro de Ensino, Pesquisa,
Extensão e Atendimento em Educação Especial (CEPAE), passou a
fazer parte da rede de formação continuada a distância de professores
em Educação Especial do Ministério da Educação (MEC) e Secretaria
de Educação Especial (SEESP), em parceria com a UAB. Dentre
as ferramentas utilizadas, o fórum de discussão foi um instrumento
de comunicação assíncrona empregado no decorrer do curso com o
objetivo de promover uma interação dialógica (argumentativa, narrativa,
expressiva, contratual), de caráter teórico conceitual-metodológico em
que todos os participantes se encontravam em posição de interlocução,
por meio da escrita autoral.
133
Este texto está organizado três seções. Na primeira seção
contextualiza-se o programa de formação continuada de professores na
educação especial no âmbito da Universidade Aberta do Brasil – UAB,
na esteira do Plano de Desenvolvimento da Educação e do Plano de
Metas Compromisso Todos pela Educação, que se apresentam como
marcos da política educacional brasileira. Em seguida, enfoca-se o
Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial
na Universidade Federal de Uberlândia, tendo como recorte o Curso
de Aperfeiçoamento Educação Especial e Atendimento Educacional
Especializado (EEAEE), proposto pela Universidade Federal de
Uberlândia (UFU), no período de 2009/2010. Por im, apresenta-se a
análise de conteúdo de uma amostra dos fóruns de discussão realizados
com professores que participaram do referido curso, buscando mapear
alguns desdobramentos dessa política de formação continuada a partir
das percepções dos professores que participaram do curso em questão.

O programa de formação continuada de professores na educação


especial no âmbito da Universidade Aberta do Brasil – UAB

Nos últimos anos, o Brasil vem passando por uma reformulação no


que diz respeito ao planejamento das políticas públicas. Ela é organizada
por meio do PDE/PAR, em que a Educação Especial e Inclusiva também
é parte integrante nesse processo.
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi apresentado
pelo Ministério da Educação, em 2007, como uma das ações da política
educacional do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Foi ressaltado, aos
estados e municípios, um conjunto de instrumentos de planejamento e
avaliação, tendo como justiicativa a melhoria na qualidade da Educação
Básica pública brasileira.
O PDE foi apresentado ao Brasil no dia 15 de março de 2007 e
lançado oicialmente em 24 de abril, juntamente com o Decreto n. 6.094,
que instituiu o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Pode-
se dizer que o PDE é o grande “guarda-chuva” que abriga vários programas
desenvolvidos pelo MEC (SAVIANI, 2009). O PDE foi lançado como
parte do Programa de Aceleração para o Crescimento (PAC) pelo governo
federal, sendo que cada ministério deveria indicar ações que estivessem
de acordo com o programa.
No contexto do PDE e do Plano de Metas, o MEC lança o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Esse indicador reairma
as avaliações externas que trazem muitos desdobramentos na organização
do trabalho pedagógico e do professor, sendo objeto de muitas críticas.

134
Saviani (2007) destaca o PDE como uma forma de controle,
com o intuito de criar uma educação padronizada a partir das avaliações
externas, o que faz com que a escola e a prática docente passem por
modiicações. Nesse sentido, o autor airma que:

[...] a singularidade do PDE se manifesta naquilo que


ele traz de novo. [...] Trata-se da preocupação em
atacar o problema qualitativo da Educação Básica
brasileira, o que se revela em três programas lançados
no dia 24 de abril: o Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (IDEB), o Provinha Brasil e o Piso
do Magistério (SAVIANI, 2007, p. 1242).

Não se pode airmar se tais intenções vêm sendo materializadas


na realidade. Além disso, Saviani (2007) nos chama a atenção que, por
meio dessas estratégias políticas, presencia-se no cotidiano das escolas
ações a serem cumpridas como condição para o recebimento de recursos
inanceiros do poder público. Percebe-se o fortalecimento de uma
“pedagogia de resultados” que exerce uma forte regulação da gestão da
escola e do trabalho docente.
Nesse movimento de regulação, mecanismos como o
ranqueamento das escolas revelam que a avaliação tem o papel de regular
o trabalho do professor para que resultados sejam atingidos, repercutindo
na intensiicação e nas condições do trabalho docente.
O Plano de Desenvolvimento da Educação, no que se refere à
Educação Básica, prevê as seguintes ações que contemplam todas as
modalidades de ensino:

•O Fundo de Manutenção e desenvolvimento da


Educação Básica e de Valorização dos Proissionais
da Educação (FUNDEB), aprovado em substituição ao
Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.
O Fundeb propõe ampliar as ações em relação ao
Fundef, estendendo-se a toda a Educação Básica.
Este fundo prevê a elevação da participação dos
municípios e estados na composição do montante de
recursos destinados à Educação, assegurando-se a
complementação da União.
•O “Plano de Metas Compromisso Todos pela
Educação”, que prevê um regime de colaboração
entre os entes da federação e a sociedade civil, para o
cumprimento de 28 diretrizes que visam à qualidade
educacional. Neste Plano de Metas se insere o Plano
de Ações Articuladas – PAR.
• O Índice de desenvolvimento da Educação Básica

135
– IDEB, criado para avaliar o nível de aprendizagem
dos alunos, tomando como padrão o rendimento dos
alunos no inal da 4ª e 8ª série do Ensino Fundamental
e 3ª série do Ensino Médio, nas disciplinas de
Língua Portuguesa e Matemática, juntamente com os
indicadores de luxo- taxas de promoção, repetência e
evasão escolar.
• Piso do Magistério, proposta de elevação gradativa
do salário dos professores da Educação Básica para se
atingir um piso nacional mínimo para a jornada de 40
horas semanais.
• Formação docente: o PDE propõe-se a oferecer
por meio da Universidade Aberta do Brasil – UAB –
cursos de formação inicial e continuada de docentes
da Educação Básica (SAVIANI, 2007, p. 1234-1237).

Juntamente com o lançamento do Plano de Desenvolvimento da


Educação (PDE), em 24 de abril de 2007, foi apresentado à sociedade o
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, por meio do Decreto
n. 6.094, que tem como objetivo ser o eixo central de articulação entre
municípios, estados e União.
Segundo o Ministério da Educação (MEC), o Plano de Metas:

[...] inaugura um novo regime de colaboração, que


busca consertar a atuação dos entes federados sem
lhes ferir a autonomia, envolvendo primordialmente
a decisão política, a ação técnica e atendimento
da demanda educacional, visando à melhoria dos
indicadores educacionais (BRASIL, 2007b, p. 2).

O Plano de Metas é um compromisso irmado entre os entes


federados a partir de 28 diretrizes; um mecanismo que compartilha
competências políticas, técnicas e inanceiras para a execução de
programas e manutenção/desenvolvimento da Educação Básica. Com
a aprovação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação,
os municípios terão como meta a elaboração dos planos municipais, de
acordo com as diretrizes do MEC:

I – estabelecer como foco a aprendizagem, apontando


resultados concretos a atingir;
II – alfabetizar as crianças até, no máximo, os oito anos
de idade, aferindo os resultados por exame periódico
especíico;
III – acompanhar cada aluno da rede individualmente,
mediante registro da sua frequência e do seu
desempenho em avaliações, que devem ser realizadas

136
periodicamente;
IV – combater a repetência, dadas as especiicidades
de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de
reforço no contraturno, estudos de recuperação e
progressão parcial;
V – combater a evasão pelo acompanhamento
individual das razões da não frequência do educando
e sua superação;
VI – matricular o aluno na escola mais próxima da sua
residência;
VII – ampliar as possibilidades de permanência do
educando sob responsabilidade da escola para além da
jornada regular;
VIII – valorizar a formação ética, artística e a educação
física;
IX – garantir o acesso e permanência das pessoas com
necessidades educacionais especiais1 nas classes
comuns do Ensino Regular, fortalecendo a inclusão
educacional nas escolas públicas;
X – promover a Educação Infantil;
XI – manter programa de alfabetização de jovens e
adultos;
XII – instituir programa próprio ou um regime de
colaboração para formação inicial e continuada de
proissionais da educação;
XIII – implantar o plano de carreira, cargos e salários
para os proissionais da educação, privilegiando o
mérito, a formação e a avaliação do desempenho;
XIV – valorizar o mérito do trabalhador da educação,
representado pelo desempenho eiciente no trabalho,
dedicação, assiduidade, pontualidade, responsabilidade,
realização de projetos e trabalhos especializados,
cursos de atualização e desenvolvimento proissional;
XV – dar consequência ao período probatório,
tornando o professor efetivo estável após avaliação, de
preferência externo ao sistema ao sistema educacional
local;
XVI – envolver todos os professores na discussão e
elaboração do projeto político pedagógico, respeitadas
as especiicidades de cada escola;
XVII – incorporar, ao núcleo gestor da escola,
coordenadores pedagógicos que acompanhem as
diiculdades enfrentadas pelo professor;
XVIII – ixar regras claras, considerados mérito e
desempenho, para nomeação e exoneração de diretor
de escola;

1 O Decreto utiliza a expressão necessidades educacionais especiais para denominar o


público da Educação Especial de pessoas com deiciência, transtornos globais de desenvolvimento e
superdotação/altas habilidades.

137
XIX – divulgar na escola e na comunidade os dados
relativos à área da educação, com ênfase no Índice
de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB,
referido no art. 3º;
XX – acompanhar e avaliar, com participação da
comunidade e do Conselho de Educação, as políticas
públicas na área de educação e garantir condições,
sobretudo institucionais, de continuidade das ações
efetivas, preservando a memória daquelas realizadas;
XXI – zelar pela transparência da gestão pública na
área da educação, garantindo o funcionamento efetivo,
autônomo e articulado dos conselhos de controle
social;
XXII – promover a gestão participativa na rede de
ensino;
XXIII – elaborar plano de educação e instalar Conselho
de Educação, quando inexistentes;
XXIV – integrar os programas da área da educação
com os de outras áreas como saúde, esporte,
assistência social, cultura, dentre outras, com vista ao
fortalecimento da identidade do educando com sua
escola;
XXV – fomentar e apoiar os conselhos escolares,
envolvendo as famílias dos educandos, com as
atribuições, dentre outras, de zelar pela manutenção da
escola e pelo monitoramento das ações e consecução
das metas de do compromisso;
XXVI – transformar a escola num espaço comunitário
e manter ou recuperar aqueles espaços públicos da
cidade que possam ser utilizados pela comunidade
escolar;
XXVII – irmar parcerias externas à comunidade
escolar, visando a melhoria da infraestrutura da escola
ou a promoção de projetos socioculturais e ações
educativas;
XXVIII – organizar um comitê local do Compromisso,
com representantes das associações de empresários,
trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público,
Conselho Tutelar e dirigente do sistema educacional
público, encarregado da mobilização da sociedade e
do acompanhamento das metas de evolução do IDEB
(BRASIL, 2007b, p.1. Destaque nosso).

Dentre os programas e ações, no âmbito do PDE, voltados para a


modalidade da Educação Especial, destacam-se o Programa de Formação
Continuada de Professores na Educação Especial e o Programa de
Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais.
O Programa de Formação Continuada de Professores na Educação

138
Especial foi lançado por meio do edital n. 2, de 26 de abril de 2007,
cujo objetivo é oferecer cursos de extensão/aperfeiçoamento e/ou
especialização nas áreas do Atendimento Educacional Especializado
para os professores das escolas públicas. Esses cursos são oferecidos
na modalidade à distância, nas instituições públicas de educação
superior, em três modalidades: aperfeiçoamento ou especialização em
Atendimento Educacional Especializado (de 180 a 360 horas); extensão
ou aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado
(máximo de 180 horas); extensão ou aperfeiçoamento para docentes do
Ensino Regular, que trabalham com o público da Educação Especial na
sala de aula comum (máximo de 180 horas). O programa é desenvolvido
por meio de uma parceria com a Universidade Aberta do Brasil (UAB).

O Programa de Formação Continuada de Professores na Educação


Especial na Universidade Federal de Uberlândia

No ano de 2007 a Secretaria de Educação Especial/MEC


implementou um programa de formação continuada de professores na
educação especial no âmbito da Universidade Aberta do Brasil – UAB.
Esse programa estabelece que as Instituições Públicas de Ensino Superior
podem se cadastrar no Programa de Formação Continuada de Professores
na Educação Especial, por meio da participação na seleção de propostas
de cursos de formação continuada na área de Educação Especial, em nível
de extensão, na modalidade a distância, para professores do ensino básico
(BRASIL, 2007).
Nesse contexto, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU),
através do Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em
Educação Especial (CEPAE), passou a fazer parte da rede de formação
continuada à distância de professores em Educação Especial do Ministério
(MEC) da Educação e Secretaria de Educação Especial (SEESP).
No de 2009 foi aprovado o Curso Básico de Aperfeiçoamento em
“Educação Especial e Atendimento Educacional Especializado” (EEAEE)
com o objetivo de capacitar 1000 professores do ensino regular do Brasil,
por meio da modalidade de educação a distância, via web, com uma carga
horária de 200 (duzentas) horas/aulas.
De acordo com sua proposta, o EEAEE tem como público alvo
proissionais da educação que assistem, ou pretendem assistir, alunos
com deiciência no Atendimento Educacional Especializado.
O curso EEAEE utiliza o Ambiente Virtual de Aprendizagem
Moodle. Sua estrutura é via Web, utilizando o Ambiente Virtual de
Aprendizagem MOODLE. Sua estrutura conta com o apoio de tutores

139
e professores formadores no acompanhamento dos cursistas ao longo
do curso. A plataforma Moodle disponibiliza ferramentas de interação
sincrônica, como chats e vídeo conferências, e de interação assincrônica,
como os fóruns de discussão, e-mails, diário de bordo, desenvolvidas na
modalidade de educação a distância, via Web.

Discutindo o conceito de Inclusão no Fórum de Discussão

O paradigma da inclusão, buscando a não exclusão escolar, propõe


ações que garantam o acesso e permanência do aluno com deiciência
no ensino regular. No entanto, o paradigma tradicional, o da segregação,
ainda encontra-se cristalizado nas práticas cotidianas das escolas. É
devido a essa forte presença do paradigma tradicional que se veriica que a
escola permanece ainda estruturada para trabalhar com a homogeneidade
e nunca com a diversidade.
Para Machado (2008) a inclusão escolar encontra-se num
movimento de releitura dos processos de ensinar e aprender

A inclusão escolar leva em consideração a pluralidade


das culturas, a complexidade das redes de interação
humanas. Ela não está limitada À inserção de alunos
com deiciência nas redes regulares de ensino, pois
beneicia todos os alunos, com e sem deiciência, que
são excluídos das escolas comuns, e denuncia o caráter
igualmente excludente do ensino tradicional ministrado
nas salas de aulas do ensino regular (MACHADO,
2008, p. 69).

Diante desse cenário, pode-se airmar que para que a inclusão seja
efetuada, não basta estar garantida na legislação, mas envolver outras
facetas, modiicações profundas e importantes no sistema de ensino, na
concepção de educação, de ensino, de aprendizagem e de ser humano.
Mazzotta (2005) destaca que a legislação garante a educação como direito
de todos, especialmente a Constituição Federal de 1988 e a LDB 9394/96,
mas, apesar de contempladas na legislação, a eicácia de tais conquistas
depende de ações mais efetivas como a inserção de mecanismos concretos
nos planos e ações educacionais que fazem parte da política educacional.
Nesse sentido o curso EEAEE, em sua segunda unidade
intitulada “Fundamentos e Princípios da Educação Especial”
propõe a discussão das mudanças ocorridas na organização das
políticas públicas brasileiras em uma atividade que tem como
objetivo discutir o conceito de inclusão, utilizando a ferramenta
FÓRUM DE DISCUSSÃO do ambiente virtual de aprendizagem.

140
Nesse fórum, um professor cursista da turma “Amazonas 1”,
quando solicitado a dar sua opinião sobre o processo de inclusão e as
diiculdades concernentes em seu processo de implementação, responde:

A proposta da Inclusão exige uma transformação radical


da escola, pois caberá a ela adaptar-se às necessidades
dos alunos, ao contrário do que acontece atualmente,
quando são os alunos que devem adaptar-se ao modelo
e expectativas da escola. Para que a meta do processo
de inclusão seja atingida, a escola inclusivista deve
estar preparada para oferecer um ambiente propício
ao desenvolvimento das potencialidades de todos os
tipos de alunos, com qualquer que seja sua deiciência,
diferença, déicit ou necessidades individuais. Sua
atenção deve ser voltada para a criança-todo, e não
só a criança-aluno, respeitando os três níveis de
desenvolvimentos essenciais - o acadêmico, o sócio-
emocional e o pessoal-, de modo a proporcionar a
essa criança uma educação apropriada, orientada
para a maximização de seu potencial. Essas novas
atitudes e formas de interação na escola dependem de
fatores, tais como: o aprimoramento da capacitação
proissional dos professores em serviço; a instituição
de novos posicionamentos e procedimentos de ensino,
baseados em concepções e práticas pedagógicas mais
modernas; mudanças nas atitudes dos educadores e no
modo deles avaliarem o progresso acadêmico de seus
alunos; assistência às famílias dos alunos e a todos os
outros que estejam envolvidos no processo de inclusão.
Todas estas mudanças não devem ser impostas, ao
contrário, devem resultar de uma conscientização cada
vez mais evoluída de educação e de desenvolvimento
humano (M.S.C.-FÓRUM DE DISCUSSÃO-TURMA
AMAZONAS 1).

Percebe-se na opinião de M.S.C. a escola ainda se encontra no


paradigma da integração. Nesse sentido, uma discussão acerca da relação
entre inclusão e integração merece atenção, uma vez que muito se tem
confundido práticas pedagógicas decorrentes do paradigma da integração
como se fossem inclusivas.
As políticas de integração encontram-se distantes de um modelo
de inclusão, pois, ao segregar o aluno no interior da escola regular, acaba
escamoteando um processo de exclusão. Esse processo de segregação
materializa-se por meio da adoção de espaços de atendimento segregados,
currículos adaptados, avaliações especiais, redução dos objetivos
educacionais para compensar as diiculdades desses alunos, etc. Ou seja,

141
o paradigma da integração, “a escola não muda como um todo, mas os
alunos têm de mudar para se adaptar às suas exigências” (MANTOAN,
2003, p. 18).
Outra professora cursista apresenta uma relexão mais apropriada
acerca do conceito de inclusão:

[...] a Legislação brasileira garante à pessoa com


deiciência o acesso aos ambientes físicos, sociais e
culturais, transporte, informação, tecnologia, meios
de comunicação, educação, esporte e lazer, para
participar ativamente da sociedade na qual deve esta
inserida de fato. No entanto, visualizamos que os
direitos garantidos pela Legislação, por si só, não são
suicientes para assegurar uma condição mais digna
para os deicientes em todos os sistemas da sociedade.
[...] num processo lento e gradativo, a sociedade vem
incorporando as ideias da inclusão (C.F.S.-FÓRUM
DE DISCUSSÃO-TURMA ALAGOAS 2).

O depoimento da professora cursista, de Alagoas, airma que para


que a inclusão seja efetuada, não basta estar garantido na legislação,
mas envolvem outras facetas, modiicações profundas e importantes no
sistema de ensino, na concepção de educação, de ensino, de aprendizagem
e de ser humano.
Mazzotta (2005) airma que a legislação garante a educação como
direito de todos, especialmente a Constituição Federal de 1988 e a LDB
9394/96. Entretanto, apesar de contempladas na legislação, a eicácia de
tais conquistas “dependerá, em grande parte, de sua inclusão nos planos
e ações educacionais compondo a política estadual de educação” (p.138).
Observa-se no âmbito dos sistemas estaduais e municipais a
implementação de diretrizes políticas conduzidas pelos princípios da
inclusão escolar. Entretanto, a falta de procedimentos de acompanhamento
de tais diretrizes pode comprometer o processo de implementação das
propostas (MENDES, 2006).
Nessa direção, Santos sinaliza que somente se a legislação vier
acompanhada de mecanismos para sua efetiva implementação, capazes
de modiicar a estrutura excludente da realidade educacional, pode-
se garantir uma educação para todos, sendo “desnecessárias todas as
políticas elaboradas nos anos 90, visto que, desde 1824, esse direito vem
sendo reairmado nos diversos textos legais que ixam as diretrizes e
bases da educação nacional” (Santos, 2008, p. 288).
Diante disso, para que se diminua a distância entre a retórica e
a realidade, além da compreensão do conceito de inclusão escolar,

142
faz-se necessário uma relexão dos vários aspectos essenciais para a
materialização do paradigma da inclusão, que exige da escola uma
reestruturação de seu modelo educativo e novos posicionamentos.
Uma reestruturação em busca de uma nova perspectiva que assegure a
qualidade de ensino nas escolas para atender às necessidades de cada um
de seus alunos, segundo suas especiicidades, abandonando as velhas
práticas de exclusão.
Para que a inclusão seja uma realidade, torna-se necessário superar
barreiras que envolvem a dimensão política e pedagógica. Política no
sentido de exigir do poder público assegurar as condições estruturais
para uma inclusão efetiva: recursos inanceiros, políticas de formação
continuada e permanente de professores, com ênfase na qualidade do
conhecimento e não na quantidade, aprofundando as discussões teóricas
e práticas, proporcionando subsídios com vistas à melhoria do processo
ensino aprendizagem e possibilitando alternativas que possam beneiciar
todos os alunos. Já a dimensão pedagógica, envolve a revisão de currículos
e metodologias, no sentido de considerar a singularidade de cada aluno,
respeitando seus interesses, suas idéias e desaios para novas situações.
Uma prática pedagógica que permita a diversiicação de conteúdos e
práticas que possam melhorar as relações entre professor e alunos.
Dentro dessa discussão acerca da dimensão política e pedagógica
envolvidas no processo e inclusão, foi realizada uma discussão sobre o
Projeto Político Pedagógico e sua interface com a inclusão escolar. Para
isso foi solicitado aos professores cursistas que entrevistassem um(a)
professor(a) de uma escola pública que possui alunos com deiciência nas
classes regulares.
Após as entrevistas, iniciou-se um movimento de relexão sobre o
Projeto Político-Pedagógico e sua interface com a inclusão escolar.
De acordo com essas relexões, M.I.N.P., da turma Amazonas 1,
destaca que

Observa-se ainda, em relação ao cotidiano escolar,


que não há como melhorar a reestruturação curricular,
pois a escola não dispõe de PPP, assim como outros
aspectos que perpassam o cotidiano escolar. As atitudes
de acolhimento é o menor dentre tantos problemas que
são enfrentados no dia a dia da escola. Constatamos
um despreparo do quadro de pessoal para lidar com as
crianças [...]. Muitos do próprio meio não acreditam na
capacidade desses alunos e confundem esse momento
sala de aula com atividades recreativas, como se a
escola servisse apenas para brincar com esses alunos.
Sabemos que esse momento não requer apenas

143
brincadeiras e que muitas deiciências não interferem
em nada na capacidade intelectual dos alunos. Nesse
sentido muito precisa ser feito no meio escolar por
esses alunos (M.I.N.P.-FÓRUM DE DISCUSSÃO-
TURMA AMAZONAS 1).

Evidencia-se no depoimento da professora cursista que a discussão


da inclusão ainda permanece no nível do discurso e que tal discussão não
atinge os aspectos legais da escola. A ausência de um projeto político-
pedagógico que contemple os pressupostos de uma educação inclusiva
representa uma grande lacuna para a materialização desse paradigma no
chão da escola.
O Projeto Político-pedagógico consiste em um documento que
precisa ser elaborado por meio de uma dinâmica coletiva que envolva
todos os sujeitos relacionados ao processo educativo da escola, resultado
de uma ação intencional e de compromisso assumido coletivamente. Uma
dinâmica que articula o compromisso sócio-político aos interesses da
comunidade e deine as ações educativas, num movimento permanente
de relexão e discussão educativos. A inclusão escolar deve fazer parte
dessa pauta de discussão, uma vez que a Educação inclusiva exige, antes
de tudo, um projeto político-pedagógico de democratização de acesso a
todos, independente de raça, credo, cor, sexualidade etc.
Nessa perspectiva, torna-se imprescindível que o projeto político-
pedagógico das instituições de ensino contemple os princípios de
uma educação inclusiva, a partir do compromisso político da inclusão
assumido pela comunidade educativa.
Entretanto, em muitas escolas o AEE foi implantado sem uma
revisão do Projeto Político-pedagógico, conforme relata L.L.C.D.:

Quanto a modiicações no Projeto Político-


pedagógico, apesar do AEE já estar inserido, alguns
ajustes ainda precisam ser feitos. Nos aspectos
relacionados à estrutura física está tudo de acordo com
as especiicações estabelecidas pela lei [...], mas em
relação à formação e aceitação de alguns proissionais
é preciso investir mais: quer em cursos de capacitação
e/ou de formação, quer em atitudes de acolhimento,
quer em sensibilização de todos da escola. No início
todos eram resistentes em estarem trabalhando com
alunos com deiciência. [...] o AEE foi implantado em
nossa escola em 2008 e vem realizando junto com os
proissionais da escola e alunos uma sensibilização, o
que está sendo muito bom. Percebemos que o “olhar”
destes proissionais, antes resistentes, está mudando e
estes estão juntando-se à equipe do AEE e fazendo cada

144
vez mais pelos alunos com deiciência. O movimento
da educação inclusiva fez vir à tona, a defesa dos
direitos das pessoas necessidades educacionais
especiais, dando visibilidade para sua situação de
exclusão no processo educacional. Dessa forma,
os avanços apresentados nas entrevistas mostram
que os sistemas educacionais estão em processo de
transformação e reletem uma nova visão do direito à
educação das pessoas com necessidades educacionais
especiais, exigindo uma mudança na formação de
professores e um planejamento para organização dos
recursos necessários para efetivar a educação inclusiva
(L.L.C.D. – FÓRUM DE DISCUSSÃO-TURMA
ALAGOAS 2)

A inclusão escolar exige um redimensionamento do Projeto


político-pedagógico da instituição escolar. Assim, a escola por meio de seu
PPP, precisa ampliar essa discussão e organizar sua prática pedagógica,
contribuindo com o processo de inclusão escolar. Somente por meio
do PPP, as discussões a respeito da inclusão podem ser ampliadas e
materializadas em toda a comunidade escolar.
Além dessa discussão, outro obstáculo para uma educação inclusiva
refere-se a questão da formação de professores.
Para a implementação de uma escola inclusiva torna-se essencial
inserir na pauta das discussões a questão da formação continuada de
professores. Essa formação continuada precisa ir do “saber fazer”
vazio, com vistas a contribuir com práticas efetivas que assegurem a
materialização da inclusão escolar. Nessa perspectiva, o curso EEAEE
apresenta-se como uma possibilidade de formação continuada com
vistas a contribuir no processo de formação de professores para atuar no
atendimento educacional especializado junto a alunos com necessidades
educacionais especiais.

Considerações inais

A partir do mapeamento discursivo realizado neste trabalho, pode-


se veriicar que a inclusão se materializa com uma educação para todos. O
processo de inclusão implica numa escola capaz de se adaptar às condições
dos alunos e não os alunos se adaptarem ao modelo da escola. Infere-se,
portanto, que a inclusão exige ruptura no atual sistema educacional, pois
estabelece o acesso à escola sem segregações em seu interior.
Sabe-se da complexidade envolvida para que a inclusão escolar
possa ser realidade na escola pública brasileira, envolvendo desde ações
macros, como a vontade política, como aspectos micros, como a questão
145
atitudinal. Nessa perspectiva de micro-ação, o curso EEAEE foi pensado
e implementado. Almeja-se que tenha contribuído para que a inclusão das
escolas públicas brasileiras abandone a dimensão discursiva e materialize-
se em ações efetivas, assumida como um compromisso coletivo de toda a
comunidade educativa.
Dentre as ferramentas utilizadas no curso EEAEE, o fórum de
discussão possibilitou o debate de temas entre os estudantes e professores,
permitindo a troca de informações e a tessitura de conceitos e sínteses
que produziram novos saberes e contribuíram para o conhecimento
coletivo na área da Educação Especial e do Atendimento Educacional
Especializado. A análise do conteúdo dos Fóruns de Discussão do Curso
EEAEE permitiu identiicar que para que a inclusão escolar seja realidade
nas escolas públicas, faz-se necessário uma ruptura com um conjunto de
concepções e estruturas cristalizadas ao longo da trajetória do modelo
tradicional de educação, processo esse iniciado no ambiente virtual de
aprendizagem por meio dos estudos, debates e interlocuções.

Referências

BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Rio de


Janeiro: FAE, 1988.
BRASIL. Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece Diretrizes e
Bases da Educação Nacional. D.O.U. de 23 de dezembro de 1996.
BRASIL. Programa De Formação Continuada De Professores Na
Educação Especial. Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial – MEC/ SEESP: Brasília, EDITAL N°. 02, 2007.
_____. Decreto nº 6.094 de 24 abril de 2007 que dispõe sobre a
implementação do Plano de Metas Compromissos Todos pela educação,
2007b.
CARVALHO, Rosita Edler. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”.
Porto Alegre: Mediação, 2004.
MACHADO, Rosângela. Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura
escolar. In: MANTOAN, Maria Tereza Eglêr. O desaio das diferenças na
escola. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
MANTOAN, Maria Tereza Eglêr. Inclusão escolar: o que é? Por quê?
Como fazer?São Paulo: Ed. Moderna, 2003.
MAZZOTA, Marcos José da Silveira. Fundamentos da educação
especial. São Paulo: Pioneira, 2005.
MENDES, Enicéia Gonçalves. A radicalização do debate sobre inclusão
escolar no Brasil In: Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006.
146
SANTOS, Cristiane da Silva.Discursos da inclusão escolar dos alunos
portadores de necessidades educativas especiais à luz da crítica da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. In: SILVA, Maria Vieira;
MARQUES, Mara Rúbia Alves (Org.). LDB: balanços e perspectivas
para a educação brasileira. Campinas, SP: Alínea, 2008.
SAVIANI, Dermeval. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise
do projeto do MEC. Educ. Soc., Campinas , v. 28, n. 100, Oct. 2007.
______. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise crítica da
política do MEC. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.

147
CAPÍTULO X

AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E A


GESTÃO DO TRABALHO DO PROFESSOR - UTOPIA E A
SAÚDE DO TRABALHADOR.

Aparecida Carneiro Pires


Inayá Maria Sampaio

O trabalho do professor do Ensino Superior e a educação no


capitalismo contemporâneo

Em uma sociedade cada vez mais mundializada a exigência por


proissionais multifuncionais, com formação institucional mais ampla e
qualiicação polivalente, é cada vez mais requerida. Desta forma, percebe-
se este relexo também na formação do proissional docente, tendo suas
condições de trabalho cada vez mais precarizadas, num meio em que a
educação se tornou mercadoria e que a lexibilização torna-se um atributo
da própria organização social da produção.
[...] a educação (e o ensino) é determinada, em última
instância, pelo modo de produção da vida material,
incluídas as relações de produção e as forças produtivas,
determina de que maneira os homens vivem, pensam
transmitem as idéias e os conhecimentos que têm
sobre a vida e sobre a realidade natural e social
(LOMBARDI, 2011, p.235).

Enfocando o olhar para a formação de professores, no discurso da


ideologia capitalista, é possível enxergar uma constante busca na direção
de horizontes que ampliem e produzam novos conhecimentos pertinentes
ao proissional, vinculada a isso está à importância dada hoje à formação
permanente, seja em serviço ou não, como continuidade à preparação
inicial. O “aprender a ser professor” não se limita a alguns anos de estudos
num curso de formação, muito menos em cursos relâmpagos com algumas
horas de duração. Essa aprendizagem se constrói numa continuidade,
envolvendo, além da formação especiica e dos cursos de reciclagem ou
capacitação, as situações de prática que trazem problemáticas a serem
reletidas no cotidiano do educador/educando.
Além disso, para os teóricos que fundamentam a concepção
burguesa de educação, o proissional de educação deve penetrar por

149
diversos conhecimentos, a im de poder corresponder às necessidades
geradas pela amplitude de sua função e ação.
Entretanto a educação deve ser pensada como “uma atividade
especiicamente humana cuja origem coincide com a origem do próprio
homem, e é no entendimento da realidade humana que devemos buscar o
entendimento da educação” (SAVIANI, 2007, p.224).
As contribuições dos estudiosos que dialogam com o materialismo
histórico dialético apontam para a compreensão da educação e de seus
processos como categoria de analise a partir do mundo do trabalho e
de suas contradições, buscando a superação da dimensão fenomênica e
aparente do objeto, procurando a sua concretude.
No contexto das transformações do mundo do trabalho sob o
processo de reestruturação produtiva e com a implantação das políticas
neoliberais a partir dos anos de 1990 na educação, perante o contexto
de crise gerencial do Estado, sendo que este reestrutura e reforma
a universidade pública. Depara-se com a intensiicação de políticas
internacionais e programas no contexto de uma educação mercadológica
voltada ao ideário capitalista.
A relação entre trabalho e educação sempre esteve atrelada às
modiicações na sociedade, provocadas por questões políticas, sociais e/
ou econômicas. As transformações, no mundo do trabalho, levaram às
reações de adaptação e reorganização nos modos e nos meios de produção,
assim como na relação entre as pessoas.
Assim, no âmbito caloroso das discussões sobre o papel da
educação as universidades têm um campo propício para exercer em
benefício para a sociedade suas três funções essenciais: a docência,
a pesquisa e a extensão. Contudo, a maior preocupação dos cursos de
formação de professores ministrados em universidades é a mudança da
visão de educação que deixa de estar centrada somente no processo de
ensino para estar centrada na aprendizagem.
As atuais discussões sobre o Ensino Superior se concentram na
diversiicação e diferenciação no sistema, na introdução de mecanismos
de mercado na gestão, na formação e no desenvolvimento da pesquisa
cientíica e na expansão acelerada da educação a distância (EaD).
Neste contexto, a formação do professor universitario é questionada
perante um quadro em que a sociedade se vê cercada pela diminuição do
salário e das frentes empregabilísticas, do aumento da taxa decrescente do
valor de uso das coisas, ou seja, as pessoas passam a valorizar e consumir
bens e trocá-los por outros mais modernos de forma arbitrária em sua
substituição. Para Lombardi,

150
é impossível entender a problemática educacional em si
mesma, pois metodológica e teoricamente é o contexto
e suas determinantes econômicas, sociais, políticas etc.
que fornecem a chave explicativa do conteúdo e do
formato que a educação assumiu (e assume) na história
das mais diferentes formações sociais e econômicas
(2001,p.219-220).

Ademais, o valor de uso passa a ser subordinado pelo valor de troca,


pois se reduz a vida útil das coisas para agilizar o ciclo reprodutivo. E é por
meio dessa ilosoia que o capitalismo tem crescido e se reestabelecido.
A mercadoria acaba por dissimular as características sociais do próprio
trabalho dos homens. “Com a valorização do mundo das coisas aumenta
em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens” (MARX,
1964, p.159).
Entretanto, neste processo de economia de consumo expansionista,
a força humana de trabalho se torna precária devido ao aumento da
concorrência, da competição e da própria intensiicação e lexibilização
dos processos de trabalho, atingindo de forma crucial as expectativas em
relação à formação do docente universitário. Que requer uma postura
mais dinâmica e multifuncional, principalmente nas instituições de
ensino superior privadas que tem como princípio básico o atendimento
ao mercado, em que vê o aluno como seu cliente e o professor como um
prestador de serviços a esse cliente.
Conforme Libâneo (2004), o mundo contemporâneo, denominado
ora de sociedade pós-moderna, pós-industrial ou pós-mercantil, ora ainda
modernidade tardia, está marcado pelos avanços na comunicação e na
informática e por outras tantas transformações tecnológicas e cientíicas.
Essas transformações introjetam-se nas várias esferas da vida social,
provocando mudanças econômicas, sociais, políticas, culturais, afetando,
também, as escolas e o exercício proissional da docência.
A proissão docente é um processo contínuo, que envolve as
vivências pessoais do professor juntamente com a proissional, sendo a
última construída pela prática em sala de aula, pela vivência com outros
professores, pela inluência de professores enquanto o docente era aluno e
pelo conhecimento adquirido ao longo de sua trajetória. Neste contexto, as
condições de trabalho interferem diretamente na construção da identidade
do professor universitário.
Entender o professor universitário como um proissional é
perceber que este possui capacidades e habilidades especializadas que
proporcionam destreza em determinado trabalho, associando-o ao grupo
proissional organizado e sujeito a controle. Faz-se necessário reconhecer
a proissão docente em sua especiicidade epistemológica.
151
Percebe-se que as novas formas de trabalho e de proissão têm
surgido concomitantemente ao processo de reestruturação produtiva
do capitalismo, isso não difere dos novos desdobramentos na proissão
docente, inclusive do professor que atua na educação a distância,
modalidade de ensino esta, que cresce paralelamente a expansão das
tecnologias de informação e comunicação.
Um dos desdobramentos mais relevantes sobre o processo de
reestruturação produtiva do capitalismo está no seu controle metabólico
nas dimensões econômicas, políticas e sociais, pois está relacionado
com a captura da subjetividade humana no local de trabalho por meio da
disciplina e excesso de carga de trabalho. Como aponta Alves (2011), a
captura da subjetividade do trabalho é a ativação de intensos dispositivos
de envolvimento do trabalho vivo com a lógica da produção do capital.
O processo de reestruturação produtiva do capital é caracterizado
pelo hibridismo de formas de produção entre o modelo Fordista e
Toyotista, os quais demandam um funcionário polivalente, a lexibilização
do aparato produtivo e dos direitos dos trabalhadores.
Autores como Frigotto (1998) e Antunes (1995) apontam que
vivenciamos dentro do processo de reestruturação produtiva e no plano
da ideologia neoliberal, a ação de mercado livre como o grande regulador
das relações sociais.
É no que insere as relações sociais, que percebemos a maior
intensiicação da exploração do trabalho humano, da captura da
subjetividade e da precarização nas novas formas de trabalho.
Como airma Alves (2007), outro aspecto relevante junto
às transformações no mundo do trabalho, perante o processo de
reestruturação produtiva do capitalismo, é a captura da subjetividade.
Para ele, o trabalhador é encorajado a pensar pró-ativamente, sendo que
o capital, captura sua disposição intelectual-afetiva, ou seja, captura
mente e corpo do trabalhador, operário, ou empregado, integrando suas
iniciativas afetivo-intelectuais aos objetivos da produção de mercadorias.
Ainda para esse autor, nós vivenciamos o “sóciometabolismo da
barbárie” 1, que se caracteriza por uma lógica formulada na criação de
valores-fetiche. Surgem novas utopias mercadológicas e criam-se distintas
expectativas de trabalho e de vida. O sóciometabolismo ou metabolismo
social (MESZÁROS, 2002) é um complexo social de dissocialização e
desefetivação do ser genérico do homem que surge a partir da degradação
ampliada do mundo do trabalho (ALVES, 2011).
É no contexto das novas expectativas de trabalho e de vida, que
se intensiica a gestão do trabalho do professor no Ensino Superior,
1
Sócio-metabolismo da barbárie. Ver em: ALVES, Geovanni. Dimensões da reestruturação
produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2ª ed. Maringá-PR: Práxis,2007.

152
caracterizada pela relação com os mecanismos de controle, disciplina e
hegemonia, impostos pelo neoliberalismo à sociedade do tempo presente.
Dentre os principais fatores que explicitam a intensiicação do
trabalho do professor no Ensino Superior, na atualidade, estão: os novos
mecanismos de avaliação dos programas de pós-graduação e o processo de
expansão do ensino superior público por meio da educação a distância (EaD)
Em se tratando dos programas de avaliação, estes são denunciados
pelos impactos de uma avaliação hegemônica nos programas de pós-
graduação Stricto Sensu, com critérios homogêneos abrangendo áreas
heterogêneas, o predomínio de uma perspectiva contábil, em que se
priorizam os resultados em detrimento de processos; um sistema pautado
no produtivismo, provocando prejuízos à qualidade do trabalho acadêmico
e à saúde dos trabalhadores da educação.
Concomitante a este processo, ocorre à larga expansão de cursos
de graduação e pós-graduação Lato Sensu na modalidade a distância nas
universidades públicas brasileiras. Assim provoca uma reorganização da
gestão e do tempo, do ser professor que passa atuar de forma intensiicada
e muitas vezes desregulamentada.
Os professores que trabalham com a EaD, geralmente oriundos de
uma formação e atuação no sistema presencial, veem nela uma opção
de trabalho, cada vez mais intensiicado, pois a expansão da educação
a distância no país tem menos de uma década, mas já atinge muitos
daqueles que foram contra a sua implantação, pela diminuição de frentes
empregabilísticas no ensino presencial, muitos professores migram para
EaD, assumem as condições de estranhamento do seu trabalho e extensão
de jornada de trabalho, e com a utilização das TIC´s, este professor
realiza correções e orientações, muitas vezes de sua própria casa, por
meio de redes e ambientes virtuais de aprendizagem.

Os mecanismos de avaliação de programas e a educação a distância:


fatores impactantes na gestão do trabalho do professor.

Um desses mecanismos de avaliação é o sistema de fomento e


avaliação – CAPES2, que tem se aperfeiçoado continuamente, objetivando
consolidar a qualiicação dos quadros para o ensino superior, a pesquisa
e possibilitar um padrão de excelência acadêmica aos programas de
mestrados e doutorados. Todavia, este sistema de avaliação apresenta
êxitos, mas também oferecem problemas, em especial, os critérios de
avaliação adotados a partir da década de 1990, detectados a partir da
efetivação do contrato de fomento e avaliação da CAPES, sob a gestão do
MEC, tem recebido muitas críticas por parte de docentes, mestrandos e
2
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

153
doutorandos. Dentre elas, pode-se destacar: o aligeiramento na formação
proissional; a intensiicação e precarização do trabalho docente; profundas
alterações das funções das universidades federais, que se transformam em
centros universitários, perdendo uma das principais características que
diferenciam e qualiicam este ensino: a indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, o que decreta o im da autonomia universitária.
Machado e Bianchetti (2006) elucidam que no paradigma atual
da avaliação da CAPES, a meta é formar pesquisadores, os resultados
esperados estão além dos sujeitos capacitados, e eles próprios são medidos
pelo valor de troca que a “mercadoria” que são capazes de gerar conquista
no mercado internacional. O valor de um pesquisador está em leilão e se
mede pelo quanto “vende” seus produtos.
Discorrem ainda, que talvez, seja esse o sofrimento maior que a
era da produtividade que vivemos, atualmente, impõe aos pesquisadores,
numa lógica desumana que merece relexões e posições suicientemente
consistentes para pôr limites nos rumos que, em nome de supostos
progressos e sucessos internacionais, têm esquecido algumas perguntas
fundamentais: como, para quê e para quem queremos e devemos produzir?
Quais os destinos do conhecimento que geramos? Uma relexão de cunho
ético se impõe aos pesquisadores quanto à sua responsabilidade social,
cultural e nacional.
Kuenzer e Moraes (2009) relatam que as exigências concernentes
à produção acadêmica geraram um verdadeiro surto produtivista,
não importa qual versão requentada de um produto, ou várias versões
maquiadas de um produto novo, o importante é publicar. A quantidade
institui-se em meta e a avaliação qualitativa reclama a leitura de artigos e
livros, além de teses e dissertações. A qualidade da produção diicilmente
pode ser mensurada, principalmente em termos do impacto social e
cientíico dos produtos na qualidade de vida, na democratização social e
econômica da sociedade brasileira.
Bianchetti e Sguissardi (2009) questionam os principais
acontecimentos que marcaram o processo percorrido pelo modelo de
avaliação da pós-graduação implementado pela CAPES a partir do biênio
1996 – 1997 e consolidado nos triênios subsequentes (1998 – 2000 e
2001-2003), o qual aprofundou e solidiicou mudanças na concepção e
direcionamento das políticas de avaliação para tal nível de ensino.
Cury (2009) chama a atenção através de uma importante indagação:
como conseguir uma eiciência dos Programas de tal modo que sua
base seja um arranjo sob o signo de uma avaliação crítica, mensurável
e qualitativa sem ser submissa nem à busca de um sucesso próprio do
mercado competitivo e nem a uma versão corporativa que não reconheça

154
a necessidade de avaliação crítica, séria e compromissada, pautada numa
educação como bem público e não como serviço privado.
Horta (2009) airma que o Comitê Avaliador precisa compreender
mais as condições e o contexto de cada Programa, pois os Programas
estão em contextos socioculturais diferentes. O padrão do Centro-Sul do
país não pode e nem deve ser aplicado ao Norte-Nordeste. Nesse sentido,
ao analisar a política de pós-graduação o autor nas diversas regiões do
país, destaca muitos desaios nas regiões Norte-Nordeste que necessitam
ser superados: falta de cursos de qualidade em número suiciente nestas
regiões; o problema da ixação de doutores com dedicação ao ensino,
pesquisa e extensão, em especial, à pós-graduação; e a diiculdade de
fomentar uma política que possibilite a produção em forma de publicações
qualiicadas, atendendo aos critérios estabelecidos pela CAPES (Qualis
A e B Internacional) e essencialmente como meios de formação da
sociedade brasileira.
Outro autor que também traz estas relexões acerca da assimetria
regional é Robert Verhine. Ao discutir sobre “As recentes políticas da capes
e suas implicações para a área de educação”, o autor airma que o aspecto
mais evidente do problema de assimetria refere-se à grande disparidade
entre as regiões relativamente mais ricas do Brasil, o Sul e o Sudeste, e
as outras três regiões do país. Atualmente a Região Sudeste, que abrange
quatro estados e 42% da população brasileira, é responsável por 56% dos
mestrados e 66% dos doutorados no Brasil. Em contraste, a Região Norte,
composta de sete estados e 8% da população brasileira, conta com apenas
4% dos Mestrados e 2% dos Doutorados no país. Essa diferença apenas
retrata uma parte da história. Aproximadamente metade dos programas
de pós-graduação da Região Norte está localizada em um único estado,
o Pará, e, dentre eles, mais de 80% estão concentrados em apenas uma
instituição, a UFPA (Universidade Federal do Pará). Se considerarmos
apenas os doutorados, o grau de concentração é ainda mais agudo, uma
vez que 23 dos 24 programas de doutorado da região estão localizados
no Pará (14) ou no Amazonas (9). A gravidade dessa situação torna-se
ainda mais conspícua quando observamos a qualidade dos programas
disponíveis. Em todo o país, aproximadamente um terço de todos os
programas de pós-graduação é alocado nos níveis 5,6, ou 7. Na Região
Norte, dos 92 programas reconhecidos pela CAPES, apenas três foram
alocados nas faixas superiores da escala de avaliação, com dois programas
5 e um 6, todos na UFPA. Além disso, segundo o Diretor da CAPES, em
pelo menos algumas áreas, a tendência predominante na Região Norte
é, “para a maior parte dos programas, declinar, mais que ascender”.

155
Para Verhine (2008), no campo da Educação, a assimetria entre
regiões é forte, mas não tanto quanto no geral dos programas de pós-
graduação. 45% dos Mestrados e 55% dos Doutorados da nossa área
estão localizados na Região Sudeste (comparados com 56% e 66% para
todas as áreas em conjunto). Entretanto, na Região Norte há apenas três
programas reconhecidos, nenhum dos quais com oferta de doutorado.
Felizmente, a tendência de declínio que aparentemente caracteriza
programas em outras áreas não está claramente manifestada na área de
Educação. Os dois programas de educação da Região Norte, avaliados
no triênio passado (na UFMA – Universidade Federal do Maranhão e
na UFPA), obtiveram conceito 4 e vêm demonstrando melhorias dos
indicadores-chave nos anos recentes. Por estes motivos, ele advoga uma
postura pró-ativa por parte da CAPES no fornecimento de orientações aos
programas e instituições situadas nas regiões mais pobres do país.
Esta questão se torna importante de ser analisada, tendo em
vista a necessidade de uma formação qualiicada, compreendida aqui
como formação omnilateral, de um desenvolvimento total, completo,
multilateral em todos os sentidos das faculdades de desenvolvimento
humano. Na compreensão de um programa que se debruce efetivamente
para os reais problemas desta região e perspective o seu desenvolvimento
social, econômico e cultural.
Contudo, Machado e Bianchetti (2006) elucidam que no paradigma
atual da avaliação da CAPES, a meta é formar pesquisadores, em que os
resultados esperados estejam para além dos sujeitos capacitados, uma vez
que eles próprios são medidos pelo valor de troca, sendo considerados
“mercadorias”, capazes de gerar conquistas até mesmo no mercado
internacional, pois o valor de um pesquisador está em leilão e se mede
pelo quanto “vende” seus produtos.
A penetração da lógica taylorista, controle dos corpos na produção
cientíica da pós-graduação Stricto Sensu brasileira, uma vez que os
princípios do taylorismo emergem na atualidade de maneira extremamente
centralizadora e autoritária, pautando-se no aumento da produtividade do
trabalho com bastante “economia de tempo” (ideologia da produtividade),
no controle, na vigilância do trabalhador, na padronização das formas de
produzir e na avaliação da produtividade em que cada movimento necessita
ter um tempo ideal de duração, sendo premiados os mais produtivos e
punidos os “indolentes”; verdadeiras regras modernas de controle social
onde se tenta transportar modelos disciplinares tradicionais oriundos das
instituições militares objetivando a fabricação de indivíduos docilizados,
submissos e produtivos, sendo controlados em suas atitudes, e assim perdem
sua autonomia e são destituídos de valores humano-sociais, políticos
e culturais voltados a criticidade e emancipação dos corpos/sujeitos.
156
Outro fator de intensiicação do trabalho do professor no ensino
superior está em quando este passa a atuar na educação a distância,
dentro de um processo de expansão do ensino superior público, em que a
universidade pública vê a cada momento maior crescimento dos cursos a
distância e pouca preparação do professorado.
Mas o que evidencia maior expansão da EaD é a implantação de
programas, como a UAB3 nas universidades federais e demais programas
semelhantes nas universidades estaduais em todo território nacional.
No catálogo de apresentação da UAB, até 2010, previa-se o
estabelecimento de mil polos estrategicamente distribuídos no território
nacional. E até 2013, amplia sua rede de cooperação para alcançar a
totalidade das instituições brasileiras e atender a 800 mil alunos. (CAPES,
2013, p.1)
Pelo Censo da Educação Superior de 2011 há uma estimativa
de 105.850 matrículas de cursos na modalidade EaD nas instituições
públicas em todo país, um número bastante signiicativo de ingressantes.
Em comparativo com o número de vagas no mesmo ano, nas diferentes
categorias administrativas das IES e organização acadêmica. Contávamos
com 956.741 vagas na modalidade presencial para 1.224.760 vagas para
os cursos na modalidade a distância.
No âmbito das universidades, a implantação da EaD escancara
um processo de intensiicação e desqualiicação do trabalho e de uma
supostamente nova categoria de trabalhadores que são os professores.
A intensiicação se dá nas formas e condições de trabalho. Ademais, o
professor da EaD é marcado pelo grande contingente de alunos que estão
sob sua orientação. Estes alunos, atraídos por propostas de realizarem a
graduação, cursos de complementação e pós graduação - latu sensu, em
curto tempo, em baixos custos e sem ter que frequentar a universidade
diariamente, aderem a essa modalidade de ensino.
Contudo, ainda para este proissional, surgem novas
“nomenclaturas”, pois boa parte dos responsáveis por esse tipo de
ensino, sequer tem direito a status de professor. São chamados de
“tutores” (conteudistas ou presenciais), “orientadores”, “coordenadores”,
“facilitadores”. No contexto da EaD, esvazia-se o sentido entre o ensino,
pesquisa e extensão, ao mesmo tempo em que se amplia as vagas na
universidade pública, se amplia as vagas em instituições privadas, ao
mesmo tempo piora as relações de contratação desse professorado que
passa por regime de substituição, temporário, estagiário, bolsista etc.
O que determina a posição desses proissionais da EaD na
cadeia produtiva como subcontratados não é a formação, a qualiicação
3
Universidade Aberta do Brasil

157
proissional ou a titulação acadêmica que estes possam ter, mas como
airma Kuenzer (2007), as demandas do processo produtivo que
combinam diferentes necessidades de ocupação da força de trabalho, a
partir da tarefa necessária a realização da mercadoria.

Considerações inais

A desregulamentação da proissão docente no capitalismo


contemporâneo é caracterizada pela mudança na jornada de trabalho
e pelo novo gerenciamento e organização dos processos de trabalho,
principalmente no desenvolvimento da pesquisa cientíica. Aos
professores e alunos dos programas de pós-graduação, cabe a indignação
aos processos de avaliação da CAPES, que se apropria da lógica do
produtivismo, em que, o saber intelectual passa a ser incorporado à lógica
capitalista de intensiicação. No emaranhado de contradições apontamos
que a agência CAPES deveria iscalizar os cursos em EaD para a melhoria
da formação e condições de trabalho dos docentes na esfera Lato Sensu,
nos quais sendo fomentados e avaliados como aos Stricto Sensu. Por
outro lado, apontamos que a lógica do “produtivismo acadêmico” para
os cursos Stricto Sensu, provoca no professor, uma nova gestão de sua
produção acadêmica, o que pode vir a prejudicar sua saúde física e mental.
Kuenzer (1998) ao discorrer sobre as categorias na área trabalho e
educação aponta que sob as novas formas de realização do capital continua
mais viva do que nunca a sua velha lógica, que produz crescentemente a
exclusão pela exploração do trabalho.

(...) há que se considerar, contudo, que atrás destas


novas formas, encontramos a velha inalidade da
acumulação ampliada; portanto, por trás de uma
aparente nova lógica, esconde-se a velha lógica do
fetiche da mercadoria, que continua não só dominante,
mas hegemônico (KUENZER, 1998, p.67).

Contudo, ica evidente que não se pode ignorar as principais


mudanças na gestão do trabalho do professor do Ensino Superior, mas
que estas devem ser analisadas a partir de suas contradições, buscando
superar a aparência dos fenômenos para evidenciar a velha inalidade do
modelo capitalista.

158
Referências

Artigos

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resultados de uma “indução voluntária”. In: REVISTA UNIVERSIDADE
E SOCIEDADE. Ano XVII n. 41, jan. 2008. p. 143 -164.
______. Os dilemas do coordenador de Programa de Pós – Graduação:
entre o burocrático – administrativo e o acadêmico – pedagógico.
SGUISSARDI, Valdemar & BIANCHETTI, Lucídio (orgs.); Dilemas
da Pós – Graduação, Gestão e Avaliação. Campinas, SP: Autores
Associados, 2009. – (Coleção educação contemporânea) p.16- 99
CURY, Carlos Roberto Jamil. Da crítica à avaliação a avaliação crítica.
SGUISSARDI, Valdemar & BIANCHETTI, Lucídio (orgs.); Dilemas
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Associados, 2009. – (Coleção educação contemporânea) Prefácio.
GATTI, B; ANDRÉ, M; FÁVERO, O; CANDAU, V. M.F. O modelo
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2011.
HORTA, José Silvério Baia. Avaliação da Pós – Graduação: com a
palavra os coordenadores de Programas. In: BIANCHETTI, Lucídio
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avaliação. Autores Associados, 2009
KUENZER, Acácia Zeneida. Desaios Teórico- Metodológicos da
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www.cedes.unicamp.br>. Acesso em 05 de maio 2013.
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e Históricos. Revista Brasileira de Educação, janeiro-abril, ano/vol. 12,
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VERHINE, R. As recentes políticas da CAPES e suas implicações para a
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Encontro de Pesquisa em Educação da Região Centro-Oeste - ANPEd.
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Documentos e Legislação

CAPES. COORDENAÇÃO DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL


DE NÍVEL SUPERIOR. Catálogos UAB. Disponível em:< http://www.
uab.capes.gov.br>. Acesso em: 20 jun.2013
INEP. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA. Censo da Educação Superior
2011. Disponível em: < http://portal.inep.gov.br/web/censo-da-educacao-
superior> Acesso em: 10 jun. 2013

Livros

ALVES, Geovanni. Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de


sociologia do trabalho. 2ª ed. Maringá - PR: Práxis,2007.
______. Trabalho e Subjetividade: o espírito do toyotismo na era do
capitalismo manipulatório. São Paulo: Boitempo, 2011.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: Ensaio sobre as Metamorfoses
e a Centralidade do Mundo do Trabalho. Cortez /Unicamp, São Paulo;
1995.
FRIGOTTO, Gaudêncio. (Org.) Educação e crise do trabalho:
perspectivas de inal de século. Petrópolis-RJ: Vozes, 1998. (Coleção
Estudos Culturais em Educação).
LIBÂNEO, J. C. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências
educacionais e proissão docente. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
LOMBARDI, José Claudinei. Educação e ensino na obra de Marx e
Engels. Campinas, SP: Editora Alínea, 2011.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-ilosóicos. Lda. Lisboa, Portugal,
1964.
MÉSZÀROS, I. Para além do capital rumo a uma teoria da transição.
São Paulo: Boitempo editorial, 2002.

160
CAPÍTULO XI

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE LITERATURA NA


VALORIZAÇÃO DA ESCRITA EPISTOLAR: ANÁLISE DE UMA
CARTA DE OLGA BENARIO

Mariana Bisaio Quillici

Introdução

O registro escrito pode ser para algumas pessoas o movimento que


possibilita um ato de relatar, ou desabafar. É interessante perceber que
a humanidade é pobre em experiências comunicáveis, principalmente
quando essas experiências estão relacionadas a situações traumáticas
como as da guerra, fome ou morte. Portanto, a prática da escrita, nesse
sentido, tem a importante missão de manter vivas histórias e experiências.
Walter Benjamin apresenta-nos essa questão em seu texto
Experiência e pobreza, e diz:

está claro que as ações da experiência estão em baixa,


e isso numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma
das mais terríveis experiências da história universal.
Talvez isso não seja tão estranho como parece. Na
época, já podia notar que os combatentes voltavam
silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em
experiências comunicáveis, e não mais ricos. Os
livros de guerra que inundaram o mercado literário
dez ano depois continham tudo menos experiências
transmissíveis de boca em boca (BENJAMIN, 2012,
p.123-124).

Se os livros de guerra não conseguiam registrar as experiências


comunicáveis, transmissíveis de boca em boca, foi preciso encontrá-las
em outros textos como os diários ou as correspondências. Tais textos
podem ser vistos como espaços autobiográicos e, assim, analisados
enquanto registros de relexões e experiências.
No presente texto discutiremos a importância da escrita epistolar
na transmissão de experiências signiicantes dentro da história universal,
para tanto, analisaremos uma das epístolas escritas por Olga Benario
enquanto esteve presa na Prisão feminina Barnimstraße, em Berlim,
Traçando este percurso, salientaremos, ainda, a criação de uma memória
161
coletiva que envolve a participação do Brasil na Shoah1.
Olga Benario pode ser considerada uma militante de relevância
da história política do Brasil. Nascida em Munique, na Alemanha, em
1908, ilha de judeus tradicionais. Aos 15 anos, entrou para a juventude
comunista e, em 1928, foi para Moscou, onde iniciou sua carreira no
Comintern. Em 1934 foi destinada a garantir a chegada segura de Luiz
Carlos Prestes ao Brasil, onde este lideraria a Intentona Comunista.2
Durante a viagem eles se apaixonam, mas com o fracasso da
revolução, os dois são presos e separados. Na prisão, ela descobre que está
grávida e empreende uma grande luta com o apoio da sogra, Leocádia,
para ter a ilha no Brasil, o que não acontece. O então presidente,
Getúlio Vargas, a envia como presente para os alemães nazistas. Passado
o período de amamentação, Anita, a ilha de Olga, é entregue à avó
paterna. Separado, o casal manteve sua relação através de cartas até
que, em fevereiro de 1942, Olga é morta na câmara de gás do campo de
concentração de Bernburg.3
Algumas dessas epístolas foram reunidas por Anita Leocádia e Lygia
Prestes em uma coleção de três volumes intitulada Anos tormentosos:
Luiz Carlos Prestes: correspondência da prisão (1936-1945), juntamente
com outras cartas escritas e endereçadas a Prestes durante os anos em que
ele esteve preso.
A importância da organização dessas cartas vai além de
simplesmente tornar documentos privados em algo público, visto que
chega a atingir um fenômeno contemporâneo no que diz respeito ao
trabalho com a memória da última grande guerra: a responsabilidade dos
herdeiros das vítimas da Shoah. Larissa Silva Nascimento e Michelle
dos Santos discutem, em seu artigo, Questões sobre (auto)biograia: as
modernas representações do holocausto em Maus, de Art Spiegelman, e
em Os emigrantes, de W. G. Sebald, como as representações da memória
da Shoah passam a ser responsabilidade dos ilhos das vítimas:
Com a morte de grande parte dos sobreviventes e
das testemunhas oculares, com o distanciamento do
ocorrido, com as comemorações pelos 70 anos do
início da Segunda Guerra Mundial e, ainda, com o
1
Termo da língua iídiche que signiica calamidade, catástrofe. A palavra “Shoah” substitui
“holocausto”, uma vez que este vem carregado de signiicados que tentam justiicar o genocídio sem
justiicativa, ou seja, provém da inconsciente exigência de “atribuir um sentido ao que parece não ter
sentido” (Cf. AGAMBEN, 2008, p.37).
2
A Intentona Comunista foi uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas realizado
em novembro de 1935 pelo Partido Comunista do Brasil (PCB) em nome da Aliança Nacional
Libertadora (ALN).

3
As informações presentes nestes dois primeiros parágrafos foram retiradas da biograia de Olga
escrita por Fernando Morais (MORAIS, Fernando. Olga. 16ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1994).

162
Holocausto se tornando um explícito objeto da cultura
de massa, as formas de representações literárias e
artísticas foram expandidas. Nesse momento, por
exemplo, quem passa a representar a Shoah é a segunda
geração (NASCIMENTO; SANTOS, 2012, p.98).

No caso de Olga, que foi morta no campo de concentração e,


consequentemente, só pode testemunhar seus dias enquanto prisioneira
através de cartas, que foram censuradas, qualquer tipo de fala ou
organização de documentos, como é o caso dessas cartas, devem vir de
sua ilha, Anita, que contou ainda com a ajuda de sua tia Lygia.
Sobre a obra, Anos tormentosos, João Luiz Duboc Pinaud
4
(2000) destaca sua importância para um país como o Brasil, que sofre
com a falta de memória. Segundo ele, a publicação da correspondência
de Prestes abre “possibilidades ao brasileiro de conhecer o seu presente
mediante a História [...] genuinamente nossa e sem nenhum compromisso
com esquemas de exploração das nossas riquezas e mutilação de nossa
potencialidade” (PINAUD, 2000, p.13).
De fato, tais cartas, apesar de apresentarem o ideal político de
Prestes e seus correspondentes, entre eles, Olga, não tem a intenção de
persuadir o leitor, visto que demonstra o diálogo entre pessoas que já
estavam convencidas de seus ideais. A proposta da publicação é revelar,
por meio das epístolas, o que havia por detrás dos militantes que ali
aparecem e que, até então, eram vistos apenas sob a perspectiva de sua
atuação política, como veremos a seguir.
Desta forma entendemos que tais cartas podem ser utilizadas por
professores nas escolas, em especial nas aulas de literatura ou até mesmo
em cursos de formação de professores. Signiica a valorização da literatura
que normalmente não é divulgada e investigada na Escola Básica.

A carta

Feitas tais considerações, proponho a leitura da carta escrita


por Olga em 24 de setembro de 1937, antes de ser enviada ao campo de
concentração, enquanto ainda se encontrava na prisão de mulheres em
Berlim, durante o período em que pôde estar com sua ilha, Anita.
Embora a carta seja um tanto longa, consideramos, por bem,
reproduzi-la por completo, já que ela revela muitos detalhes do cotidiano
da prisão e da relação entre mãe e ilha.
4
Pinaud é ex-secretário da justiça do Rio de Janeiro. Em 2000, enquanto ainda exercia o cargo,
foi convidado a escrever um pequeno texto, intitulado “Palavras prévias”, para a coleção Anos
Tormentosos. Seu texto precede a apresentação do livro e explica a importância da publicação da
correspondência de Prestes.

163
Berlim, 24/09/1937
Meu querido Carli!
Há alguns dias recebi tua carta de 18 de agosto e estou muito
triste porque tua carta de 31 de julho não me chegou às mãos.
Quem sabe se ainda a receberei. Um pedaço de papel pode trazer
tanta felicidade! Tuas queridas palavras me aquecem o coração.
Espero que entrementes tenhas recebido as minhas cartas de 28 de
julho, 9 de agosto, 22 de agosto e 7 de setembro, contendo grande
quantidade de notícias da nossa ilhinha.
Felizmente a Anita ainda pode permanecer comigo. Ainda
recentemente, o médico da prisão desaconselhou a separação,
tendo em vista que ainda estou em condições de amamentá-la.
Jamais pensei possuir tal faculdade de “vaca leiteira”. Podemos
nos felicitar com isso, pois até agora a pequenina não teve um
resfriado. Alegra-me saber que segues a curva do peso da
pequenina. Atualmente ela pesa 9.600 gramas. No que diz respeito
ao aumento de cada semana, imagina que, durante um trimestre, o
bebê aumentou 200 gramas por semana e, em três trimestres, 100
a 150 gramas, e agora ela aumentará menos. As crianças devem
pesar 10 quilos com um ano. Como vês, ela terá mesmo mais do
que isso. Podes, portanto, estar tranquilo a esse respeito.
Eu estava menos tranquila quanto aos seus ossos, pois ela
pôde sentar-se bastante tarde. Mas agora o seu desenvolvimento
transcorre muito depressa. Ela ica em pé sozinha em sua caminha
e corre (evidentemente de quatro). Quer sempre estar de pé e,
assim que tento fazê-la deitar, se levanta. Não se pode mais tirar
os olhos dela um minuto. Engatinha pelo chão por todos os lados
e ontem tentou seus primeiros passos segurando-me pela mão. Eu
chorei de alegria. A im de sustentar seus pés, comprei um par de
sapatos de couro, seus primeiros sapatos de verdade.
No que diz respeito à sua linguagem, o “gugel-gugel”
desempenha agora um grande papel. Então ela faz uma boquinha
pontiaguda e sopra como se quisesse assobiar. Quando quer ser
carinhosa, diz os “ai-daí-daí” e põe seus braços em volta do meu
pescoço. Não estão certo que ela te chame “Ba-ba”, mas não
sabemos dizer “p”. Sobretudo, isto demanda tempo. A Lyginha
quisera, por exemplo, que ela dissesse “Titia”; ela deve também
conhecer o teu retrato. Mas é ainda muito cedo; e, além disso, te
direi que sou contra tais métodos de adestramento, com os quais,
por exemplo, faz-se sofrer o cachorro “Stroblim” – lembras-te?
Quanto a cor de seus cabelos, eu mesmo não sei direito qual
virá a ser. Recebestes a ultima mecha, mas, quando todos os
cabelos estão juntos, mais parecem castanhos, mas mais claros
que os meus! De resto, tem no meio da cabeça um grande cacho
e sobre as orelhas também cachinhos. Como durante muito
tempo não conseguia manter-se sentada, os cabelos da nuca não
cresceram e ela tem uma nuca rala; às vezes a chamo também de
“Affenpapo”. Mas agora os cabelos começam também a nascer aí.
Tu perguntas como vivemos. O melhor é que eu te descreva um

164
dia na prisão. De manhã, às 5 ou 6 horas, a Anita se acorda e
começa a brincar. Até as 6 horas não me ocupo dela, pois não
quereria mais icar em sua cama. Às 6 horas, dou-lhe de mamar.
Depois disso tenho muito que fazer, pois às 7 horas devo estar
pronta e ter lavado o chão de minha cela. Às sete e meia tomo
o café e, nesse momento, a Anita dorme durante uma meia hora
ou uma hora. Aproveito esse repouso para ler os jornais, a menos
que tenha roupa para lavar ou outra coisa para fazer. Às 9 e meia
a pequenina já tomou banho e come uma segunda vez. Às dez e
meia vamos ao pátio. Se faz bom tempo, a Anita ica lá fora até
as 11 e meia e dorme, enquanto eu devo voltar para a minha cela
ao cabo de 45 minutos. Então almoço e, até a hora de receber de
volta a pequenina, leio ou faço um trabalho manual. Às 2 horas, a
Anita almoça e brinca. Às vezes, ela ainda dorme uma meia hora.
Às 5 e meia, recebo minha refeição da tarde e, entrementes, dou
ainda de mamar à pequenina. Fico me distraindo com ela até às 7
horas e a ponho na cama para dormir. Como já é noite a essa hora
e não disponho de iluminação, não me resta outra coisa a fazer do
que “fazer bons sonhos” e adormecer. Às 10 horas dou ainda de
mamar à pequenina (sempre no escuro) e as duas adormecemos até
o dia seguinte pela manhã. Posso assegurar-te que a pequenina me
ocupa de tal maneira que tirando os jornais não consigo ler mais
nada. Além disso, enviaram-me uma lã tão bonita, que emprego
muito tempo tricotando. É uma ocupação muito repousante: ica-
se sentada, tricota-se e pensa-se em todo o tipo de coisas ou em
nada, e faço lindas coisas para a pequenina. Já lhe iz um pullover
e um longo vestido combinando com ele.
Tu me perguntas se já pensei no que seria a nossa vida a três.
Imaginas bem, meu querido, que esse é o tema principal de meus
“lindos sonhos” noturnos. Nós teríamos sido muito felizes, mas
isso não devia ser. Tu pensas que a Mamãe me teria cuidado e que,
em retribuição eu também me teria ocupado dela, pois ela teria
realmente merecido um pouco de repouso e de felicidade.
É uma grande tranquilidade para mim saber que a tua situação
relativamente melhorou. Para mim será o contrário, se me tirarem
a pequenina, pois algumas considerações, de que me beneicio,
na medida em que amamento minha ilha, não terão mais razão
de ser.
Mas não te preocupes com minha saúde; tirando uns pequenos
achaques, não vou mal. No que se refere às tuas leituras sobre
Napoleão, recordo-me das cartas à sua mulher, que lemos juntos.
Quando li as cartas de Goethe à Mme. Von Stein, pensei muito
naquele tempo. Quanta gentileza de sua parte enviar-me a
tradução de “Heidröschens”! está bem feita e, ainda que a língua
portuguesa seja mais sonora de que a nossa, esses poemas de
Goethe, que são também canções, ao menos para mim, soam
melhor em alemão. Mas foi uma boa ideia para enriquecer meu
vocabulário em português e, após tanto tempo, foi a primeira
vez que vi tua letra. De resto icarias admirado com os meus

165
progressos em português que iz na prisão no Brasil. No inal, eu
falava quase correntemente. Para teus estudos de alemão, estou te
mandando uma canção infantil que, segundo penso é tão antiga
quanto a época a partir da qual as mães cantam para seus ilhos,
e que a pequenina também ouve com prazer. Tu me dirás se a
compreendeste!
A Lygia escreva que tomas mate. Na “Casa de Detenção”,
eu também era uma grande tomadora de mate. O Agildo Barata
fez o possível para isso e me mandou utensílios necessários.
Lamentavelmente, Carmen Guioldi icou com tudo isso, quando
fui transferida para o hospital. Quisera saber de ti se tens te
barbeado ou estás usando barba. Quanto aos meus cabelos, estão
tão compridos, que os uso amarrados. Mas devo terminar. Abracei
a Anita por ti, mas penso que gostaríamos muito mais de receber
os beijos pessoalmente, pois o papel é bem seco.
A pequenina te diz “ai-dai-dai” no ouvido e eu te abraço de todo
o coração. Tua
Olga.

P.S. – A cabo de descobrir que os dentes começam a aparecer


no maxilar superior da Anita. Já se vêem duas pontinhas!5

Aqui, temos uma das poucas alusões de Olga sobre a vida na prisão.
É curioso pensar em como ela escreve suas cartas. De forma geral, não se
nota que sua escrita esteja inserida em um contexto de guerra – tal como
compreendemos, comumente, essa experiência –, ela parece estar alheia
ao fato de ser uma judia, comunista, presa pelos nazistas. Um leitor,
sem estas informações, que tivesse acesso à carta em questão, poderia
entender que Olga era uma mulher livre que estava passando um tempo
em uma colônia de férias. Sua escrita, tão desgarrada da realidade, chega
a incomodar, pois sabemos que a realidade era completamente diferente.
Mesmo ciente de que permaneceria na prisão apenas durante o tempo de
amamentação da ilha e, depois, seria levada aos campos de concentração,
sua postura nas cartas é de indiferença a isso.
Primo Levi (1988), em É isto um homem?, relata sua experiência
no campo de concentração de Auschwitz, desde o dia em que foi preso
pelos alemães até o im da Guerra e sua libertação. Aqui, Levi, narra:

Tudo era silêncio, como num aquário e como em


certas cenas de sonhos. Teríamos esperado algo mais
apocalíptico, mas eles pareciam simples guardas.
Isso deixava-nos desconcertados, desarmados.
Alguém ousou perguntar pela bagagem; responderam:
“Bagagem depois”; outros não queriam separar-se da
mulher; responderam: “Depois de novo juntos”; muitas
5
BENARIO. [Carta] 24 set. 1937, Berlim [para] Prestes.

166
mães não queriam separar-se dos ilhos; responderam:
“Está bem, icar junto com o ilho”. Sempre com a
pacata segurança de quem apenas cumpre com sua
tarefa diária (LEVI, 1988, p.21).

Estaria Olga tão acostumada a realidades mais violentas de


confronto armado que chegou a pensar que esta “pacata segurança
de quem apenas cumpre com sua tarefa” (LEVI, 1988, p.21) fosse
a real situação? Ou suas regalias na prisão, em função da campanha
internacional de libertação dela e da ilha, promovida pela sogra,
não lhe permitiam entender o que acontecia de fato? Teria ela optado
por não acreditar na realidade e lidar com a situação da forma mais
natural possível, como se fosse algo passageiro? Não se pode saber
ao certo, o fato é que a tendência da situação era, a cada dia, piorar,
no sentido da violência e do desrespeito à vida do outro que, por sua
vez, era sempre aquele rotulado como diferente de um padrão pré-
estipulado por um único discurso, aquele que tinha em Hitler seu
catalisador; discurso, além disso, aceito por um grupo que detinha
as forças armada e psíquica.
Passemos a análise mais pontual dessa carta de Olga. No
primeiro parágrafo, deparamo-nos com a realidade da censura, no
seguinte trecho: “Há alguns dias recebi tua carta de 18 de agosto e
estou muito triste porque tua carta de 31 de julho não me chegou às
mãos. Quem sabe se ainda a receberei” (BENARIO. [Carta] 24 set.
1937). Olga faz menção a uma carta de Prestes que não recebeu e a
outras 4 que lhe enviou, mas não sabe se ele as recebeu. De fato, as
cartas mencionadas não foram publicadas na coletânea organizada
por Lygia e Anita Leocádia, o que nos leva a entender que estas
cartas também se perderam pelo caminho. A correspondência do
casal estava sujeita a duas grandes censuras, a brasileira e a nazista,
sendo assim, torna-se complicado imaginar quem censurou as
cartas que nunca chegaram ao destino inal. Como já mencionado, a
correspondência de Prestes sofria um censura anônima e a de Olga
sofria a evidente censura nazista.
Nesse mesmo parágrafo, Olga ressalta o valor da escrita da carta:
“Um pedaço de papel pode trazer tanta felicidade! Tuas queridas palavras
me aquecem o coração”. (BENARIO [Carta] 24 set. 1937). Para aqueles
que vivem a realidade da privação da presença física do outro, por quem
tem afeto, qualquer possibilidade de manifestação afetiva desenvolve

167
um valor muito maior do que possa transparecer. Um simples pedaço
de papel vem carregado de signiicados tão importantes que proporciona
felicidade e aquece o coração, mesmo o coração de uma mulher que
está a milhares de quilômetros do marido, vivendo sob o intenso frio
da Alemanha, que aqui interpretamos não apenas como circunstância
climática, mas também a frieza nas relações interpessoais, em razão da
ilosoia nazista de puriicação da “raça” alemã.
A carta segue com apontamentos sobre a ilha do casal, o fato de
ainda permanecer com a mãe, sua saúde e seu desenvolvimento. Sigmund
Freud (1996) diria, em “sexualidade feminina”, que “encontramos a
criança ternamente ligada ao genitor do sexo oposto, ao passo que seu
relacionamento com o do seu próprio sexo é predominantemente hostil”
(FREUD, 1996, p. 239). No caso de Anita, é interessante observar que
essa relação se estabeleceu de forma diferente. Nosso objetivo não é
desenvolver uma discussão que perpasse a psicologia, mas, sim, reletir
sobre o desenvolvimento de uma criança que, até os dois anos de idade,
só conviveu com a mãe, dentro de um cárcere nazista, portanto, tinha
apenas a ela como ideia de outro. É possível que isso justiique a insistente
referência de Olga em relação à ilha, além do mais, Anita representava a
união de um casal que não podia mais estar junto.
A carta também descreve a rotina de Olga e sua ilha na prisão.
A forma como o dia delas é sistematizado nos leva a reletir sobre a
desumanização das pessoas. Primo Levi escreve:
Estamos convencidos de que nenhuma experiência
humana é vazia de conteúdo, de que todas merecem
ser analisadas; de que se podem extrair valores
fundamentais (ainda que nem sempre positivos)
desse mundo particular que estamos descrevendo.
Desejaríamos chamar a atenção sobre o fato de que
o campo foi também (e marcadamente) uma notável
experiência biológica e social. Fechem-se entre cercas
de arame farpado milhares de indivíduos, diferentes
quanto à idade, condição, origem, língua, cultura e
hábitos, e ali submetam-nos a uma rotina constante,
controlada, idêntica para todos e aquém de todas as
necessidades; nenhum pesquisador poderia estabelecer
um sistema mais rígido para veriicar o que é congênito
e o que é adquirido no comportamento, do animal-
homem frente à luta pela vida (LEVI, 1988, p.127-
128).

A sistematização dos dias, mesclada à privação das atitudes de


vontade própria, processo natural de qualquer realidade de cárcere,
minimiza o ser humano à condição de objeto controlado por outro ser
168
humano considerado superior. Quando Primo Levi nos propõe reletir
sobre o processo de submissão de um indivíduo “a uma rotina constante,
controlada, idêntica para todos e aquém de todas as necessidades” (1988,
p.127), realidade que testa, física e psiquicamente, a resistência de quem
a ela está submetido.
A rotina sistematizada de Olga é descrita de forma muito tranquila.
Entre cinco e seis da manhã, sua única preocupação é a ilha e o cuidado
para que não se levante da cama tão cedo. Até as sete, já deve estar pronta
e ter lavado o chão de sua cela. Às sete e meia toma o café da manhã,
enquanto Anita dorme; depois disso, repousa, lê jornais ou lava a roupa.
Às nove e meia, Anita já tomou banho e come novamente; às dez e meia,
têm um momento no pátio, e até às onze e meia, Anita dorme e Olga volta
à cela, depois almoça, lê ou faz algum trabalho manual. Às duas horas,
Anita almoça e ainda dorme mais um pouco. Até aqui, vemos uma rotina
tranquila, comum a muitas mães, que se ocupam de seus ilhos e, enquanto
eles dormem, cuidam da casa e aproveitam o tempo para descansar, ler ou
fazer seus trabalhos. Seguindo com a rotina, às cinco e meia, Olga faz a
refeição da tarde e amamenta a ilha, distrai-se com ela até às sete horas,
quando a põe para dormir e, como nesse horário já lhe falta iluminação,
ela também dorme, e se refere a isto da seguinte forma: “Como já é noite
a essa hora e não disponho de iluminação, não me resta outra coisa a
fazer do que ‘fazer bons sonhos’ e adormecer” (BENARIO. [Carta] 24
set. 1937). Às dez horas, amamenta Anita mais uma vez e dormem até
o dia seguinte. Seria mesmo possível fazer bons sonhos estando ciente
de sua situação de cárcere? Desconhecendo o destino que a ilha terá?
Mesmo estando na prisão, sua maior ocupação era a ilha? Olga parece
tratar sua rotina com muita tranquilidade e distanciamento da realidade.
No caso aqui analisado, estamos cientes de que uma criança também
era submetida a isso. Anita deu seus primeiros passos e pronunciou
os primeiros sons nesse espaço de privação: nasceu submetida à dura
realidade de desumanização. Não contou com o direito à liberdade em
seus primeiros anos de vida e o espaço que conhecia era o que existia
entre os muros da prisão.
Pensar sobre as crianças nos campos de concentração não é tarefa
simples. Aceitar que crianças, privadas de sua liberdade, com a inocência
ignorada, foram mortas simplesmente por não serem ilhos e ilhas de
alemães de “raça pura”, o que fazia delas tão impuras quanto os pais,
diiculta ainda mais as relexões. Primo Levi, ao narrar o caso de uma
menina de 3 anos, Emília, que conheceu no vagão do trem que os levava
para Auschwitz, ressalta o fato de que “aos alemães conigurava-se
evidente a necessidade histórica de mandar à morte as crianças judias”

169
(1988, p.22). A menina, de Milão, era ilha do engenheiro judeu, Aldo
Levi, “uma criança curiosa, ambiciosa, alegre e inteligente” (1988, p.22);
durante a longa viagem à Auschwitz, em meio ao vagão lotado, seus
pais tinham conseguido dar-lhe apenas um banho, “em água morna que
o degenerado maquinista alemão consentira em tirar da locomotiva que
nos arrastava para a morte” (1988, p.22). Emília foi morta na câmara de
gás simplesmente por descer do vagão pelo lado errado. Segundo Primo
Levi, chegando ao destino inal, as portas dos dois lados dos vagões
eram abertas, sem qualquer tipo de orientação, aqueles que desciam por
determinado lado eram levados aos campos para trabalhar, os outros,
como Emília, eram levados diretamente à câmara de gás.
Anita foi uma das crianças, ilhas de judeus, que teve a sorte
de escapar viva. No seu caso, isso aconteceu graças à campanha de
mobilização internacional, promovida por Leocádia, mãe de Prestes, para
tentar garantir o direito da nora de ter a ilha no Brasil, visto que o pai era
brasileiro. Tendo esse direito negado, a reivindicação passou a ser a de
que Olga permanecesse com a ilha durante o tempo de amamentação e,
depois, a criança fosse entregue à avó: algo que, por sorte, conseguiram.
Outras crianças tiveram que ser entregues, não nas mesmas
circunstâncias. No livro em quadrinhos Maus, Art Spiegelman (2009)
dá vida a animais que narram a história real de sua família, desde o
início da perseguição nazista aos judeus até a libertação dos campos de
concentração. Durante essa longa trajetória, o personagem Vladek, pai de
Art, conta que ilhos de judeus foram entregues a famílias não judias para
tentar garantir a vida de seus ilhos, uma vez que pressupunham, diante
da realidade de perseguição que viviam, que seriam presos a qualquer
momento. O próprio Richieu, ilho mais velho de Vladek, foi levado por
um judeu inluente para Zawiercie; no entanto, anos mais tarde, a Gestapo
acabou invadindo o gueto e quando a nova mãe de Richieu percebeu que
seriam levados para o campo de concentração, matou as crianças que
estavam com ela e depois se matou.
Tendo feito tais ponderações, retomemos a carta. Acreditamos que
um dos motivos que levavam Olga a tratar tudo com muita tranquilidade
foi a esperança de um futuro e provável reencontro com Prestes e a
possibilidade de, junto dele e da ilha, formar uma família. Esses, talvez,
seriam os temas de seus sonhos, como comenta no trecho: “Tu me
perguntas se já pensei no que seria a nossa vida a três. Imaginas bem, meu
querido, que esse é o tema principal de meus ‘lindos sonhos’ noturnos”
(BENARIO. [Carta] 24 set. 1937). Eram tais sonhos que lhe davam ainda
esperança. Sobre esperança, Maurice Blanchot comenta:

170
A esperança é esperança verdadeira pelo fato de
pretender dar-nos, no futuro de uma promessa, aquilo
que é. Aquilo que é, é a presença. Mas a esperança
é tão somente esperança. Existe esperança se ela se
relaciona longe de toda a apreensão presente, de toda a
possessão imediata com aquilo que está sempre por vir,
e que talvez não virá jamais; e a esperança proclama
a vinda esperada daquilo que não existe ainda senão
como esperança (BLANCHOT, 2010, p.84).

Era, ao que parece, o sentimento daquilo que está por vir que
movia o coração dessa mulher que, abruptamente, se viu sozinha, apenas
com a ilha que lhe seria retirada muito em breve, em uma realidade de
cárcere. Sonhar esperançosamente com o futuro, esperar aquilo que não
virá, era a situação de Olga ao escrever, não somente esta primeira carta
que estamos analisando, como todas as suas outras correspondências que,
a cada dia, mostram-se mais carregadas da certeza de que seus sonhos não
passam de esperança.
É interessante reletirmos, ainda, sobre a forma como Olga escreve,
valorizando o fato de que Prestes apresenta progressos em sua situação no
cárcere, e consciente de que a situação dela própria, ao contrário, tendia a
piorar. Como lemos no seguinte trecho:

É uma grande tranquilidade para mim saber que a


tua situação relativamente melhorou. Para mim será
o contrário, se me tirarem a pequenina, pois algumas
considerações, de que me beneicio, na medida em que
amamento minha ilha, não terão mais razão de ser
(BENARIO. [Carta] 24 set. 1937).

Olga sabia que, muito em breve, seria separada da ilha, no entanto


não conhecia o destino que as duas tomariam quando isso acontecesse.
Ainda assim, a forma como escreve parece ser despreocupada. Em
sequência, ela tranquiliza Prestes sobre sua saúde e passa a falar sobre
algumas leituras. Faz referência às cartas que Napoleão escreveu a sua
mulher e às cartas que Goethe enviou à sua amante, Madame Charlotte
Von Stein, uma de suas grandes paixões; existe, parece-nos, certa ligação
entre esse relacionamento de Goethe e a história de Olga e Prestes:
percebemos que ambos os amores estavam fadados ao fracasso. Charlotte
Von Stein era uma mulher casada, mãe de sete ilhos e sete anos mais
velha que o escritor; eles trocaram cerca de mil e quinhentas cartas durante
os doze anos em que se relacionaram, mantendo um contato nesse amor
proibido,6 pois Goethe não poderia assumir um caso com uma mulher
6
Informações retiradas do site http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/goethe.htm

171
casada em pleno século dezoito. No caso de Olga e Prestes, o amor era
proibido pela distância, mas também resistiu a este obstáculo e aconteceu
devido aos quatro anos de correspondência. Por esta ligação, presumimos
que ela tenha se remetido ao tempo em que esteve com Prestes lendo as
cartas de Napoleão.
O estudo das epístolas de Olga Benario, no contexto de guerra no
qual estão inseridas, faz-nos pensar sobre a importância do que Rosani
Ketzer Umbach (2012) chama de “A escrita como imortalização da
memória” (UMBACH, 2012, p.217). A autora assinala que, no antigo
Egito, a escrita era considerada “o meio mais seguro de conservação da
memória” (2012, p.217), por meio dos estudos que faziam das escrituras
do papiro, perceberam que, mesmo que suas grandes construções fossem
arruinadas pelo tempo, o papiro resistiria e continuaria sendo estudado,
de modo que ele imortalizaria a memória. Entretanto, posteriormente,
passaram a considerar a escrita suporte da memória, uma espécie de
veículo, que acabou se tornando, também, destruidora da memória,
uma vez que, “ixada pela escrita, não necessitava mais ser ativada,
operacionalizada” (2012, p.217).
O fato é que, quando transformamos a memória em algo escrito,
como a carta, que estabelece o princípio da troca, passamos a lidar com
a memória como transmissão de experiências; e tal transmissão implica
uma série de fatores que nos levam a reletir sobre a real veracidade das
memórias narradas, como nos apresenta Umbach:

No processo da escrita de memórias relacionadas a


experiências de repressão, especialmente em casos
de testemunhos, é indispensável pensar a fronteira
a partir da qual a narrativa se torna icção. [...]
Memórias da repressão como os termos sugerem, estão
intrinsecamente associadas a experiências individuais
de violência. E estão ligadas também à memória
coletiva, localizando-se na transição entre literatura,
cultura e história (UMBACH, 2012, p.218).

Estando a memória de repressão ligada à memória coletiva,


ressaltamos que as cartas de Olga Benario não podem ser analisadas fora
de seu contexto. Sendo assim, esbarramos novamente em questionamentos
como: Olga, de fato, escreveu tudo o que estava vivendo? Até que ponto o
contexto de guerra, a censura e as privações interferiram em sua escrita?
Por mais que as respostas possam parecer óbvias, a realidade nos leva a
inúmeras relexões. É possível que Olga tenha escrito muito pouco do que
realmente vivia, para evitar que suas cartas fossem censuradas, ou para
que Prestes não se preocupasse com sua situação, ou ainda, para que ela

172
própria não tivesse consciência de sua situação, na tentativa de recriar a
realidade para que fosse mais fácil lidar com ela mesma.
Nesse sentido, Umbach ensina que, no intervalo de tempo entre
a lembrança e a escrita, existe um processo de transformação, “sendo
inerente à psicomotricidade do rememorar que lembrança e esquecimento
sempre icam inseparavelmente engrenados” (2012, p.220). Assim,
não se consegue fazer a ligação entre experiências vivenciadas e a sua
narração, o que nos leva a perceber que os conteúdos da memória são
transformados. Pensando o caso de Olga, as cartas eram, possivelmente,
escritas à noite, depois de cumprir com todas as obrigações rotineiras da
prisão; dessa forma, ao resgatar o que passou, não somente naquele dia,
mas nos últimos dias, desde suas condições de saúde, o desenvolvimento
da ilha, até as obrigações do dia a dia, alguns acontecimentos foram de
fato esquecidos. Lembrando, mais uma vez, que devemos ligar a escrita
de Olga à memória de repressão, o que intensiica o fato de que alguns
acontecimentos sejam esquecidos, quase como um mecanismo de defesa
que a livraria de sofrer com determinadas lembranças.

Considerações inais

Olga Benario faz parte da população massacrada nas câmaras de


gás, dos milhões de judeus que foram exterminados sem compaixão.
Mesmo estando condenada à morte, durante as leituras de suas cartas,
endereçadas a Luiz Carlos Prestes, percebemos uma mulher amorosa,
preocupada tanto com o cotidiano de uma prisão, atenta aos cuidados de
sua ilha pequena nascida no cárcere, como também uma guerrilheira,
política, leitora incansável, apaixonada pelo seu marido. As missivas
de Olga endereçadas a Prestes se parecem com uma longa conversa,
um diálogo sobre os mais variados temas. Fala-se de tudo: de poesia,
de insônia, dos primeiros passos da ilha Anita. Provavelmente, devido
à censura, estas missivas podem conter também mensagens cifradas.
Frases somente decodiicadas entre o casal. Assim, estamos de acordo
com Emerson Tin, quando airma que a “carta mantém certa semelhança
com o diálogo, ao pressupor um interlocutor presente em ausência, que
é o destinatário, além de guardar, por vezes, traços do diálogo, como a
coloquialidade e a informalidade. Essa proximidade com o diálogo parece
estar na raiz do gênero epistolar, e desde os mais remotos tempos, a carta
é deinida como uma conversa escrita” ([s/d], p.9).
Para o ilósofo Cícero, a carta é um diálogo entre ausentes, e, na
contemporaneidade, ela pode ser lida e usufruída como literatura, já que
vem revestida de simbologias, metáforas e alegorias de uma trajetória de

173
vida. Segundo Roland Barthes (1981), em Fragmentos de um discurso
amoroso, a carta é a igura que “visa à dialética particular da carta de
amor, ao mesmo tempo vazia (codiicada) e expressiva (cheia de vontade
de signiicar o desejo)” (BARTHES, 1981, p.32). Assim, acreditamos,
se constroe também a epístola aqui analisada. Aparentemente, são
mensagens sem grandes informações ou signiicados, mas trazem muito
mais do que se vê escrito, elas signiicam pelo que pretendem dizer.
São capazes de transmitir, por meio de discussões literárias e políticas,
poemas e descrições do cotidiano, mensagens que reportam à realidade
de censura que as permeia e ao sentimento de amor que por ali perpassa.
Olga, ao que parece, encontrou, na troca de cartas, uma forma de
se manter, não apenas viva, mas lúcida, no sentido de continuar buscando
forças para resistir e não se entregar àquela realidade. Seus estudos e
leituras lhe garantiam, de certa forma, a orientação, sabendo entender o
contexto em que vivia, suas limitações e restrições. Com isso, percebemos
que o signiicado da escrita epistolar depende da intenção e do objetivo
que o missivista tem sobre ela, pois, como bem entende Silvina Rodrigues
Lopes (2003), “há cartas para tudo” (2003, p.135). Já para Peter Gay
(1999), tanto os diários quanto as cartas “testemunham os desejos e as
ansiedades, os prazeres e os traumas, a discórdia interior descoberta ao
escrever, provocando às vezes uma luta íntima” (1999, p.373). Assim,
as cartas colaboram para o acumulo de experiências narráveis, que são
fundamentais na construção da memória e da educação, se forem utilizadas
nas salas de aulas, poderão despertar os jovens para uma relexão que
notadamente a escola atual não valoriza.

Referências

BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Trad.


Hortência dos Santos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense, 2012.
BLANCHOT, Maurice. O livro por vir. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São
Paulo: Martins Fontes, 2005.
FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud:
edição standard brasileira. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago,
1996.
GAY, Peter. O coração desvelado: a experiência burguesa da rainha
Vitória a Freud. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

174
LEVI, Primo. É isto um homem?. Trad. Luigi Del Re. Rio de Janeiro:
Rocco, 1998.
LOPES, Silvina Rodrigues. Na margem do desaparecimento. In: _____.
Literatura defesa do atrito. Lisboa: Vendaval, 2003.
MORAIS, Fernando. Olga. 16ª ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
NASCIMENTO, Larissa Silva; SANTOS, Michelle dos. Questões sobre
(auto)biograia: as modernas representações do holocausto em Maus, de
Art Spiegelman, e em Os emigrantes, de W. G. Sebald. Santa Catarina:
Outra travessia, 2012.
PRESTES, Anita Leocádia; PRESTES, Lygia Prestes (Org.). Anos
tormentosos: Luiz Carlos Prestes: correspondência da prisão (1936-
1945). 3 v. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
SPIEGELMAN, Art. Maus: a história de um sobrevivente. Trad. Antonio
Macedo Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
TIN, Emerson. Cartas e Literatura: relexões sobre pesquisa do gênero
epistolar. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/monteirolobato/
outros/Emerson02.pdf> Acesso em 15 jan. 2015.
UMBACH, Rosani Ketzer. Violência, memórias da repressão e escrita.
In: _____. Escritas da violência, vol. I: O testemunho. Rio de Janeiro:
7Letras, 2012, p.217-228.

175
DADOS SOBRE AUTORES

Aparecida Carneiro Pires


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás (2002),
mestrado em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2007)
e doutorado também em Educação pela Universidade Federal da Bahia.
Tem experiência na área de Educação: Infantil, Básica, EJA, de Graduação
e Pós-graduação lato sensu presencial e a distância. Atua principalmente
nos seguintes temas: Políticas Públicas Educacionais, Formação de
Professores, Planejamento, Currículo, Processo Ensino-Aprendizagem,
Metodologia do Ensino Superior, Didática e Prática de Ensino,
Cultura Corporal, Metodologia do Trabalho Cientíico, dentre outros.

Armindo Quillici Neto


Em 1988 ingressou no Curso de Mestrado em Filosoia na Pontifícia
Universidade Católica de Campinas - PUCAMP. Em 1997 ingressou
no Doutorado em Educação na Universidade Estadual de Campinas
- UNICAMP, tendo como área de concentração Filosoia e História da
Educação, pesquisou o ensino de Filosoia da Educação nos Cursos de
Pedagogia. Desde 2008 trabalha na Universidade Federal de Uberlândia -
UFU, atuando no Campus Pontal da cidade de Ituiutaba/MG., na FACIP,
onde é Diretor e leciona no Curso de Pedagogia, as disciplinas de Filosoia
da Educação e Pensamento Filosóico Brasileiro. Atua na Pós-Graduação
em Educação, no Mestrado e no Doutorado, na Faculdade de Educação -
FACED/UFU, atuando na linha de pesquisa de História e Historiograia
da Educação. Participa do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Historia e
Historiograia da Educação (NEPHE) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas
em Educação (NEPE). É avaliador Institucional e de Cursos do INEP/MEC.

Eliseu Riscaroli
Possui graduação em pedagogia pela Universidade Federal de Mato
Grosso (1994), mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Mato Grosso (1998) e doutorado em Educação pela Universidade Federal
de São Carlos (2007). Realizou estudos de pós doutorado na Universidade
de Coimbra com a temática Direitos Humanos LGBT, entre 2012 e 2013.
Docente ingresso por meio de concurso de provas e títulos na Universidade
Federal do Tocantins. Tem experiência na área de Filosoia, Fundamentos
Epistemológicos, Direitos Humanos e Gênero. Desenvolve pesquisa e
orientação de trabalhos com ênfase em educação e infância, sexualidade,
fundamentos da educação, gênero, trabalho e currículo. Participa da
REGGSILA - Rede de Estudos de Geograia, Gênero e Sexualidade Ibero
Latino Americana.
177
Fabíola Andrade Pereira
Possui graduação em PEDAGOGIA pela Fundação Universidade do
Tocantins - UNITINS (2001). ESPECIALISTA em Administração e
Supervisão Escolar, pela Universidade de Amparo em São Paulo. É
MESTRE em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (2008).
Atuou como docente do curso de Pedagogia do Campus de Miracema do
Tocantins. Atualmente é professora Assistente do Curso de Pedagogia da
Fundação Universidade Federal do Tocantins no Campus Universitário
de Tocantinópolis. Tem experiência na área de Educação, atuando
principalmente nos seguintes temas: Educação de Pessoas Jovens e Adultas,
Alfabetização e Letramento na EPJA, Educação de Idosos, Educação e
Envelhecimento. Atuou ainda como Coordenadora Pedagógica da UMA
- Universidade da Maturidade no período de 2009 a 2011 e no ano de
2013. Atua desde julho de 2014 na coordenação do curso de Pedagogia/
PARFOR no campus de Tocantinópolis. É doutoranda em Educação
vinculada à linha de pesquisa Educação Popular do PPGE - Programa
de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba.

Fernanda Duarte Araújo Silva


Professora do Curso de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia-
Campus Pontal. Fez Pedagogia, Especialização em Docência no Ensino
Superior, Mestrado e Doutorado em Educação. Possui experiência na
Educação Infantil e Ensino Fundamental como docente e coordenadora
pedagógica. Atualmente é Supervisora da Especialização em Educação
Especial e Inclusão Educacional da FACED/UFU e participa dos Grupos
de Pesquisa: Formação Docente e Representações e Grupo de Estudos
e Pesquisa em Políticas e Práticas em Educação Especial e Inclusão
Educacional (GEPEPES) ambos da FACED/UFU. Atua especialmente
nas áreas de Didática, Estágio Supervisionado, Alfabetização, Educação
Infantil, Currículo, Educação Inclusiva e Formação de Professores.

Inayá Maria Sampaio


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual de Londrina
(2003), Especialização em Pedagogia Empresarial(2005) e Mestrado em
Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2008), Doutoranda
em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Estudos na área de
Educação, com ênfase em Educação e Trabalho, atuando principalmente
nos seguintes temas: formação do trabalhador, políticas sociais, educação
proissional e ensino superior.

178
Juscimar Maria Paula
Possui graduação em pedagogia pelo Instituto Luterano de Ensino Superior
de Itumbiara (1999), graduação em História pela Universidade Estadual de
Goiás (2003), especialização em Docência Universitária, especialização
em Alfabetização e Mestrado em Educação pela Universidade Federal
de Uberlândia (2014). Atualmente é coordenadora pedagógica da
Prefeitura Municipal de Itumbiara - Secretaria de Educação e professora
titular da Faculdade Santa Rita de Cássia. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente
nos seguintes temas: História da Educação, prática pedagógica, lúdico e
ensino/aprendizagem, identidade cultural, diiculdades de aprendizagem
e análise fílmica e relação da epistemologia do cinema com as outras
áreas (história, ilosoia, cultura e educação).

Márcia Arantes Buiatti Pacheco


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia- UFU (1988), especialização em: Planejamento Educacional
pela UFU (1996), Inspeção Escolar pela Faculdade Politécnica-
FPU(2005), Tecnologias Digitais Aplicadas à Educação pela Uniminas
(2006), Educação Especial/Formação de professores em Atendimento
Educacional Especializado-AEE pela Universidade do Ceará -UFC
(2010-2011), Mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia (2011). Atualmente é Formadora na educação especial do
Núcleo de Apoio às Diferenças Humanas - NADH, no Centro Municipal
de Estudos e Projetos Educacionais CEMEPE; exerceu tutoria à distância
no 1º Curso de Pedagogia à Distância pela Universidade Federal de
Uberlândia (2009-2013). É Professora Formadora do Curso a distância:
Atendimento Educacional Especializado em Altas Habilidades/
Superdotação (Turma I), e membro participante dos grupos de estudos
Avaliação e Inclusão, GEPAHS - Grupo de Estudos e Pesquisas em Altas
Habilidades e Superdotação da Prefeitura de Uberlândia em parceria com
a Universidade Federal de Uberlândia. Atua também como pedagoga do
AEE, na Sala de Recursos Multifuncionais da Escola Municipal Professor
Sérgio de Oliveira Marquez, no município de Uberlândia-MG.

Maria Isabel de Araújo


Possui graduação em Pedagogia com habilitação em Orientação
Educacional pela Universidade Federal de Uberlândia, habilitação em
Supervisão Escolar pelo Centro Universitário do Triângulo - UNITRI.
Especialização em Psicopedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia e Especialização em Educação Especial-Atendimento
179
Educacional Especializado pela UAB/UFC e Mestrado em Magistério
Superior pelo Centro Universitário do Triângulo. Atualmente, professora
da Sala de Recursos Multifuncionais do CEPAE/FACED/UFU, professora
do curso de Pedagogia no Centro Universitário do Triângulo; Professora
convidada nos cursos de Pós-Graduação da UFU: Psicopedagogia
atuando como orientadora de TCC e disciplina de Altas Habilidades e
Pós em Educação Especial.

Maria José de Pinho


Possui graduação em História e graduação em Pedagogia. Mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (1995) e
Doutorado em Educação e Currículo pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2004). É professora Associado e atualmente
é Coordenadora do Programa de Iniciação Cientíica - PIBIC da UFT
e Bolsista Produtividade da Universidade Federal do Tocantins. Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Política Educacional,
atuando principalmente nos seguintes temas: formação de professores,
política educacional, proissionalização docente, avaliação institucional,
Seminário de Pesquisa e Trabalho de Conclusão de Curso. É professora no
Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Ensino de Língua
e Literatura. Leciona no mestrado e doutorado as disciplinas: Metodologia
de Pesquisa em Estudos Interdisciplinares; Interdisciplinaridade
e Formação Docente. Também é professora no Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Educação a partir de 2012. Leciona no mestrado
a disciplina: Teoria da Educação e Docência universitária. É membro
da Rede Internacional de Escolas Criativas: construindo a escola do
século XXI (RIEC Coord. UB/Espanha). Membro do grupo de pesquisa
A produção acadêmica sobre professores: estudo interinstitucional da
Região Centro-Oeste, vinculado ao Núcleo de Formação de Professores
(NUFOP) da FAE/UFG). Orienta mestrado sobre formação de
professores. Na graduação no Curso de Comunicação Social trabalha
com as disciplinas Seminário de Pesquisa; Trabalho de Conclusão de
Curso e Estudos contemporâneos. Desenvolve pesquisa sobre escolas
criativas; educação e formação de professor. Tem livro e capítulos
de livros publicados versando sobre o tema Formação de Professor.

Mariana Bisaio Quillici


Graduação em Letras, pela Universidade Federal de Uberlândia - MG.
Tem experiência na área de Letras, Literatura e Linguística, atuando
principalmente nos seguintes temas: ensino - línguas - espanhol - memória
- literatura. Tem experiência com coordenação do Ensino Fundamental

180
do Colégio INEI-COC, na cidade de Uberlândia. É mestre em Teoria
Literária pela Universidade Federal de Uberlândia. Doutoranda em
Estudos Literários na Universidade Federal de Uberlândia. Trabalha como
Assessora Pedagógica de Língua Portuguesa na Secretaria de Educação
do município de Ituiutaba-MG.

Marta Emídio Pereira Oliveira


Possui graduação em Geograia e especialização em: Análise e
Planejamento Ambiental pela Universidade Federal de Uberlândia,
Educação Especial - Formação Continuada de Professores para o
Atendimento Educacional Especializado - AEE, pela Universidade
Federal do Ceará/MEC na modalidade Educação à Distância. É
professora efetiva da Prefeitura Municipal de Uberlândia desde 1993.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Especial,
atua como Coordenadora do NADH - Núcleo de Apoio às Diferenças
Humanas setor da Secretaria Municipal de Educação de Uberlândia
responsável pela Educação Especial quanto à Formação Continuada,
Orientações Legais e Pedagógicas aos proissionais das escolas que atuam
no AEE- Atendimento Educacional Especializado em Sala de Recursos
Multifuncionais com os alunos público alvo dessa modalidade de ensino.
É Coordenadora do Programa Educação Inclusiva Direito a Diversidade
da - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão-SECADI/MEC no município Pólo de Uberlândia.

Monalisa Porto Araújo


Possui graduação em Pedagogia, área de habilitação em Educação de
Jovens e Adultos, pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB (2008).
Mestre em Educação pela UFPB (2011). Doutoranda em Educação pela
UFPB. Participou de projetos de Educação de Jovens e Adultos do Campo
(PRONERA; PROJOVEM CAMPO) e de Ensino Fundamental da Rede
Municipal de João Pessoa e da Construção de uma Proposta Curricular
do 2º segmento da EJA do município de João Pessoa. Tem atuação na
docência no Ensino Superior nos cursos de Pedagogia e na Especialização
em Educação Integral e Direitos Humanos da UFPB. Atualmente, integra
o quadro de Docentes dos cursos de Licenciatura do Instituto Federal do
Rio Grande do Norte (IFRN).

Neil Franco
Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física, Mestre e Doutor
em Educação, cursos concluídos em 1994, 2009 e 2014, respectivamente,
na UFU. Fundamentado nas teorias pós-críticas, investigo as relações
181
estabelecidas entre Educação, gênero e sexualidade. Atua no Curso de
Educação Física da UFMT/CUA, mais especiicamente nas áreas de Dança
e Ginástica Geral, desenvolvendo, além do conteúdo disciplinar, projetos
de extensão e de pesquisa nesses campos de conhecimento. Colabora,
ainda, com as disciplinas de Estágio Supervisionado na Licenciatura e no
Bacharelado, Natação e Métodos e Técnicas de Pesquisa.

Nilce Vieira Campos Ferreira


Professora da Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT/Campus
Cuiabá. Atuo no curso de graduação em Pedagogia e no Programa de
Pós-graduação em Educação da UFMT/Cuiabá. Integro o Comitê de
Ética e Pesquisa/CEP-UFMT. Coordenadora adjunta do Centro Memória
Viva/MT, membro dos conselhos editoriais e/ou cientíicos da revista
Pedagogia (UFMT), Revista de Educação Pública (UFMT), Revista
Entre Parênteses (UNIFAL/MG). Graduação em Letras (UNORP/SP)
e Pedagogia (UNIUBE/MG). Mestrado em Educação (UNIFRAN/SP).
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU/
MG). Participei do Programa Intercalar de Doutoramento em Educação
na Universidade de Lisboa (Doutorado Sandwich - 2012). Desenvolvo
pesquisas no campo da História da Educação e investigo a história da
organização da instrução pública; História das Instituições escolares
rurais e urbanas; História da educação feminina.

Orlandil Moreira de Lima


Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal da
Paraíba (1984), mestrado em Sociologia Rural pela Universidade Federal
da Paraíba (1996) e doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (2002). Atualmente é professor
associado I da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Educação Popular, atuando principalmente
nos seguintes temas: educação popular, Educação Integral, juventude,
movimentos sociais, poder local e participação cidadã.

Vanessa T. Bueno Campos


Bacharel em Biologia pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho,
UNESP/Rio Claro. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal
de Uberlândia - MG. Mestre em Educação Brasileira pelo Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia.
Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade de São Paulo. Atua proissionalmente como Professora
182
na área de Didática no Curso de Pedagogia e demais Licenciaturas da
Universidade de Uberlândia. Realiza pesquisas sobre Docência no Ensino
Superior.

Vanuza Aparecida de Souza


Possui graduação em Geograia pela Universidade Federal de Uberlândia
(2001), Especialização em Psicopedagogia pela Faculdade Católica
(2004) e Especialização em Tecnologias Aplicadas a Educação pela
Uniminas (2006). É professora efetiva da Prefeitura Municipal de
Uberlândia. Atualmente é diretora escolar da Escola Municipal Professor
Oswaldo Vieira Gonçalves. Tem experiência na área de Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: Política Educacional -
Gestão escolar - Educação Especial e Inclusiva- Educação a distância.

Vanilda Aparecida de Souza


Possui graduação em Pedagogia, Mestrado em Educação pela
Universidade Federal, na linha de pesquisa Estado, Política e Gestão
em Educação. Professora efetiva da Rede Municipal de Educação de
Uberlândia-MG. Atua como professora no Atendimento Educacional
Especializado. É tutora a distância no Curso de Pedagogia da Faculdade
de Educação, na Universidade Federal de Uberlândia. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Alfabetização, Políticas Públicas e
Educação Especial e Educação à Distância.

Vilma Aparecida de Souza


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de
Uberlândia (2000), mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Uberlândia (2006) e doutorado em Educação pela Universidade Federal
de Uberlândia (2014). Professora do Curso de Pedagogia da Universidade
Federal de Uberlândia- Campus Pontal. Tem experiência na Educação
Básica e Superior, atuando principalmente nas seguintes áreas: Política
e Gestão em Educação - Educação Especial e Inclusiva - Alfabetização -
Formação de professores - Prática de Ensino e Estágio Supervisionado e
Educação à Distância. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa Política
e Práticas em Educação Especial (GEPEPES). Professora formadora e
pesquisadora do Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento
em Educação Especial (CEPAE/FACED), atuando como professora
formadora em cursos de aperfeiçoamento e coordenadora do Curso de
Especialização em Educação Especial e Inclusão Educacional.

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