Você está na página 1de 15

RESSIGNIFICAÇÕES PELA FORMAÇÃO CONTINUADA: A

CONSTANTE BUSCA PELO APERFEIÇOAMENTO


PROFISSIONAL NO COMBATE AO RACISMO NO AMBIENTE
ESCOLAR

Ressignifications for continued training: the constant search for


professional improvement in combating racism in the school environment
Elder Bruno Fernandes Pereira1
Benedito Gonçalves Eugênio2
Marinete da Frota Figueredo3
1
Professor da Rede Estadual de Ensino da Bahia, psicólogo, mestrando em Ensino
pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB. E-mail.
eldergbi@hotmail.com
2
Professor Titular da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – Doutor em
Educação – UNICAMP. E-mail: beneditoeugenio@bol.com.br
3
Professora da Rede Municipal de Ensino da cidade de Guanambi/BA. Especialista
em Educação Física Escolar. E-mail: marinetefrota@hotmail.com

RESUMO

Importantes conquistas foram alcançadas como a implantação das leis 10.639/2003 e


11.645/2008 que regulamentam a inclusão nas escolas de temáticas da história afro-
brasileira e indígena, conforme demonstram pesquisas realizadas em diferentes
instituições brasileiras. Contudo, desenvolver práticas pedagógicas para o trabalho com
a educação das relações étnico-raciais tem se mostrado ainda muito difícil. Portanto,
para que sejam eficazes as ações de combate ao racismo na escola, é preciso que haja
uma mobilização personalizada, abarcando elementos específicos, presentes em seu
projeto político-pedagógico e investindo na formação centrada na escola. O objetivo
deste trabalho é apresentar os resultados parciais de uma pesquisa em andamento acerca
da contribuição de um processo formativo desenvolvido na escola, com professoras do
ensino fundamental, para o repensar de práticas racistas na sala de aula e a adoção de
ações racialmente orientadas que contribuam para a ressignificação do currículo. As
atividades foram realizadas com professoras dos anos iniciais da educação básica de
uma escola municipal da cidade de Guanambi-Bahia. Os fundamentos metodológicos
foram erigidos com autores que dialogam com as contribuições da pesquisa auto-
biográfica, narrativas e pesquisa-formação por intermédio de ações biográficas-
formativas e relações étnico-raciais. Por meio de ateliês formativos, buscou-se analisar
as contribuições de uma pesquisa-formação para o desenvolvimento de práticas
pedagógicas voltadas à desarticulação de práticas racistas no cotidiano escolar. As
análises preliminares dos encontros, articulados com as discussões sobre a formação
docente, indicam uma contribuição significativa dos ateliês para a mobilização de
saberes centrado em demandas específicas que potencializam a construção de práticas
pedagógicas racialmente orientadas.
Palavras-chave: Combate ao racismo, formação-continuada, pesquisa-formação,
relações étnico-raciais.

ABSTRACT

With the perpetuation of racist actions in the school environment, the result of a socio-
historical construction, the need to improve pedagogical practices in combating them
becomes essential. Important achievements were achieved as the implementation of law
11.645 / 2008, which establishes guidelines for inclusion in the thematic curriculum of
Afro-Brazilian and indigenous history and culture. However, due to the peculiarities
inherent in individuality among schools, the application of affirmative action must first
involve the members of their respective communities. Therefore, in order to be effective
in combating racism in daily school life, it is necessary to have a personalized
mobilization that includes elements specific to each school. The objective of this work
is to present an experience report of master 's project aimed at the realization of
workshops mobilizing knowledge aimed at combating racism in the school context with
teachers of the basic education of a municipal school. The preliminary analyzes of the
meetings articulated with the discussions on teacher education aim to contribute to the
construction of powerful pedagogical practices against racism.

Keywords: Combating racism, training-continued, research-training.

1 – INTRODUÇÃO

A pesquisa-formação é uma abordagem teórico-metodológica que possibilita a


materialização e a formulação de reflexões para uma melhor proposta de formação de
professores. O docente que envereda pela observação crítica de sua prática profissional
pode conduzir um estudo dialogado entre os saberes pedagógicos com a viva vivida em
sua globalidade no cotidiano escolar. Pensar a prática profissional entrelaçando-a com
os fenômenos resultantes das reverberações do que se vive é dar aos sabres
historicamente construídos uma utilidade prática para o cotidiano.
Os desafios ligados ao racismo vivenciado pelas comunidades escolares podem
ser enfrentados eficazmente quando problematizados dentro da perspectiva da pesquisa
centrada na escola. A observação das singularidades de uma problemática por
intermédio de uma pesquisa reflexiva auxilia na produção de aprimoramentos e
ressignificações formativas. Trata-se de uma questão de perspectiva, do lugar de onde se
fala, de ouvidos interessados em ouvir e de reflexões aprimoradas sobre a construção da
imagem de si e do outro.
Ter a formação continuada como instrumento de combate do preconceito racial
no cotidiano escolar é buscar soluções personalizadas construídas pelo professor por
meio de sua prática. Por esses passos, o docente converte sua ação pedagógica em
multiplicadora e reforçadora de ações afirmativas. A ação pedagógica pautada pelo
planejamento crítico que dialogue conceitos interculturalmente orientados intercalados a
ações cotidianas da unidade educacional produzem o esfacelamento de ideologias
racistas.
O processo de formação continuada por meio da pesquisa auto-biográfica, tendo
a narrativa como instrumento de organização e análise dos dados, traz questões
coletivas e individuai e permite que as pessoas em formação saiam do isolamento e
comecem a refletir sobre a possibilidade de desenvolver novos recursos, estratégias e
solidariedades que estão por descobrir ou inventar (JOSSO, 2007).
Tendo em seu bojo recortes de representações socioculturais do local onde está
situada, a escola fervilha em pluralidades ideológicas. Nesse universo de encontros e
desencontros complexos, ela está colocada em um ponto estratégico para a realização de
ações agregadoras para a formação cidadã. Por esses termos, fugindo de desejos
romantizados e críticas simplistas, acreditamos que a promoção de práticas pedagógicas
interculturalmente orientadas contribua fortemente com a formação de uma sociedade
justa e solidária. Como bem descreveu Nascimento (2010, p.230), “ao reconhecer que as
manifestações culturais também são formativas para o indivíduo, abre perspectiva, desse
modo, para que se leve em conta às especificidades dos diferentes grupos sociais”.
Este trabalho tem o propósito de compartilhar brevemente as percepções iniciais
resultantes de realização de oficinas mobilizadoras de saberes destinado ao combate do
racismo no contexto escolar com professores da educação básica de uma escola
municipal de Guanambi-BA. A proposta é fruto de projeto de pesquisa de Mestrado em
Ensino, em curso junto à Universidade Estadual do Sudoeste Baiano (UESB) e tem por
fundamentos metodológicos estudos sobre as contribuições da pesquisa auto-biográfica,
narrativas e pesquisa-formação por intermédio de ações biográficas-formativas como
instrumentos de combate ao racismo no ambiente escolar.

2- BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO SOBRE NARRATIVA NA PESQUISA-


FORMAÇÃO E NO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA

Percorrer um caminho metodológico em que o pesquisador também faz parte da


ação de pesquisa é colocar-se na posição pesquisador e pesquisado. Falar desse lugar
não reduz a possibilidade de encontrar dificuldades. Na verdade, é possível que ocorra o
oposto. O pesquisador se depara com a necessidade de reavaliar suas próprias
convicções. É exigido dele uma postura ética da auto- avaliação a cada passo dado,
tendo em mente que “o desafio de aprender a transitar nesse duplo lugar acrescenta,
então, mais um objetivo à investigação pretendida: a nossa própria formação”
(PERRELLI et al, 2013. p. 278).
A proposta da pesquisa-formação possibilita uma vivência dialógica por permitir
que os integrantes da pesquisa, incluindo o pesquisador, possam produzir e ressignificar
saberes ao compartilhar suas experiências. Os envolvidos nesse processo, tutelados por
reflexões advindas das singularidades de suas experiências existenciais e profissionais
agora compartilhadas, tem a possibilidade de alcançar um novo entendimento de sua
prática.
Tendo em vista que o dinamismo no cotidiano escolar é uma sequência inédita
de encontros que produz efeitos nos seus atores, fica fácil compreender a necessidade de
o professor ver-se como perpetuo aprendiz. O ponto fulcral desse intercâmbio de
pluralidades é que o seu resultar tem uma poderosa influência na constituição
indenitária do ser. Como bem ressalta Josso (2007), não há individualidade sem
ancoragens coletivas.
O professor pesquisador, na pesquisa-formação, não busca apartar-se do
fenômeno estudado. Ele está aberto a todas as influências geradas na ação de pesquisa.
A pesquisa-formação é “uma experiência a ser elaborada para que quem nela estiver
empenhado possa participar de uma reflexão teórica sobre a formação e os processos
por meio dos quais ela se dá a conhecer” (JOSSO, 2004, p. 113).
Por ser uma prática disciplinada e requerer que diferentes elementos convirjam
para que a ação ocorra, a pesquisa-formação pode encontrar diferentes elementos que
limitem sua operacionalização. Além da disponibilidade e implicação dos participantes,
adequação de calendário para não concorrência com outras práticas e tantas outras
variáveis, constantes revisões e readaptações podem fazer parte da rotina de pesquisa.
Ela se articula com as interações sociais do cotidiano vivido, mobilizando saberes
plurais em permanente ressignificações.
A produção de dados se dá por meio da ação compartilhada, negociações,
adaptações e readaptações da participação implicada de seus integrantes. Essa
itinerância permite o pesquisador vivenciar a pesquisa “como dispositivo de auto-
formação e de formação em uma postura de olhar plural, um olhar para si e para os
outros que compõem a complexidade do fenômeno pesquisado” (RIBEIRO, SANTOS,
2016, p. 298).
A narrativa como instrumento de pesquisa implica está atento às possibilidades
das dimensões expressivas do sujeito. Por meio dela, o sujeito pode ter uma de
consciência motivada pela apropriação da ação que é elevada a um novo patamar, pois a
compreensão delas é repensada. Uma das formas possíveis de acessar esse material
subjetivo é o instrumento das narrativas. Essa opção encontra apoio no pensamento de
Josso (2008, p. 27), que diz:

A história de vida narrada é assim uma mediação de conhecimento de


si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor
oportunidades de tomada de consciência sobre seus diferentes
registros de expressão e de representações de si, assim como sobre as
dinâmicas que orientam a formação.

Cunha (1997, p. 4) valoriza a narrativa como ferramenta transformadora por


analisar que esta metodologia possibilita que o ser visualize uma melhor compreensão
de si e do outro, pois, “ao „ouvir‟ a si mesmo ou „ler‟ seu escrito”, ao tomar “distância
do momento de sua produção [...], o produtor da narrativa seja capaz, inclusive, de ir
teorizando a própria experiência”.
Segundo Bruner (2002, p.46), “uma narrativa é composta por uma sequência
singular de eventos, estados mentais, ocorrências envolvendo seres humanos como
personagens ou autores”. Partindo do pressuposto de que o sujeito interpreta a seu modo
à forma como o mundo lhe é apresento, atribuindo sentidos particulares que inferem em
sua constituição enquanto ser acreditamos que a narrativa de experiências distintas se
vale mais que um recorte biográfico. Trata-se de um evento que infere na constituição
cognitiva e singularidade da personalidade do individuo.
Os caminhos a serem percorridos pela proposta pesquisa teve o intuito de
alcançar, na medida do possível, a singularidade das percepções e elaboração de
sentidos do sujeito relacionados ao objeto de pesquisa. Tendo a entrevista narrativa
como meio de investigação, buscou-se compreender as relações entre o sujeito e a forma
pessoal das percepções do fenômeno relacionado ao objeto de pesquisa e o impacto
desse movimento em possíveis ressignificações. A forma artesanal de comunicar
experiências, embebida pela subjetividade de como o ser ver e atribui sentido ao mundo
por meio da percepção do fenômeno, valida a narrativa como instrumento de alcance e
exteriorização da subjetividade do ser.
A profundidade que se vislumbra alcançar nas narrativas dos informantes por
meio de entrevistas narrativas advém do bailar entre a memória seletiva, novas
interpretações por ressignificar recordações articuladas entre o contexto que se vive com
o já vivido. Dessa forma, conforme nos diz Dutra (2002), nas narrativas o autor não
informa sobre sua experiência, mas conta sobre ela, tendo com isso a oportunidade de
pensar algo que ainda não havia pensado.
Para que se alcance a máxima potencialidade de uma entrevista nas perspectivas
da narrativa é necessária à consideração de alguns elementos. Um conjunto de fatores
precisam trabalhar harmonicamente para possibilitar ao informante exteriorize a sua (re)
construção de sentidos advindas de recortes de suas memórias.

Conceitualmente, a ideia da entrevista narrativa é motivada por uma


crítica do esquema pergunta-resposta da maioria das entrevistas. No
modo pergunta-resposta, o entrevistador esta impondo estruturas em
um sentido tríplice: a) selecionando o tema e os tópicos; b) ordenando
as perguntas; c) verbalizando as perguntas com sua própria linguagem.
Para se conseguir uma versão menos imposta e por isso mais valida da
perspectiva do informante, a influência do entrevistador deve ser
mínima e um ambiente deve ser preparado para se conseguir esta
minimização da influência do entrevistador. As regras de execução da
entrevista narrativa restringem o entrevistador. A entrevista narrativa
vai mais além que qualquer outro método ao evitar uma pré-
estruturação da entrevista. É o empreendimento mais notável para
superar o tipo de entrevista baseado em pergunta-resposta. Ela
emprega um tipo específico de comunicação cotidiana, o contar e
escutar história, para conseguir este objetivo (JOVCHELOVICH;
BAUER, 2002, p. 95).

As interações perceptivas entre o sujeito e o fenômeno na busca constante do


sentido das coisas fecundam o arsenal cognitivo do ser. Nesse labor diário de
autoconstrução, o individuo tem como base referencial do pensar e agir as significações
resultantes do exercício individual de dar sentido aos fenômenos vividos. A
complexidade desse movimento é realçada pelas múltiplas forças que atravessam o
sujeito nesse processo como fatores físicos, psicológicos, culturais, econômicos, etc.
Tão complexo quanto apoderar-se conscientemente de todas as possíveis ressonâncias
desse conjunto contínuo de movimentações é expressar-se verbalmente sobre elas. É
possível que a oralidade encontre limitações para expressar o conjunto de pensamentos
e sentimentos sobre algo. Devemos, portanto, estar atentos as diferentes reações do
informante. Par Gibbs (2009), a maior parte dos pesquisadores se movimenta entre os
ditos e os não ditos do discurso circulante, favorecendo uma análise mais enquadrada do
contexto narrado.
Caminhando pelos preceitos epistemológicos estabelecidos pelo método, as
narrativas (auto) biográficas corroboram potencialmente como um instrumento de
investigação para a análise da formação de professores. As subjetividades inerentes à
práxis humana podem indicar reverberações decorrentes do interagir socialmente.
Sobre o processo de formação do sujeito, o uso da metodologia de
investigação de natureza biográfica mostra que a construção da
biografia narrativa não é uma narrativa de vida, tal como resultaria da
narração de uma história de vida considerada em sua globalidade. É o
fruto de um processo de reflexão parcial, a meio caminho do percurso
seguido pelo sujeito no decorrer da vida. Cada etapa desse percurso se
constitui tanto no fim de uma interrogação como é o ponto de partida
de outra. O trabalho com narrativas autobiográficas implica a forte
participação do indivíduo que, por sua vez, se compromete com o
processo de reflexão, orientado pelo seu interesse, e que o leva a
definir e a compreender seu processo de formação (SANTOS;
GARMS, 2014, p. 4099).

A narrativa opera como instrumento do pensamento ao construir a realidade. As


esferas do pessoal e profissional estão imbricadas e ganham manifestação de maneira
interligada. A narrativa de nós nos ajude a perceber como nos fomos construindo
profissionalmente, através de um olhar mais personalizado. Quando revisitamos um
tempo passado de nossas vidas com um olhar implicado, podemos trazer a tona novos
significados do nosso presente. A interação de múltiplas trajetórias colocadas como
mobilizadoras de verdades internas reforçam o exercício do autoconhecimento já que
essa trafega pelas versões que se tem das experiências vividas. A partilha dessas
experiências tem a potencialidade de proporcionar novas aprendizagens para o sujeito
assim como para o outro.

Olhar para o passado pode ajudar-nos a encontrar explicação para


significados nas ações que temos hoje como pessoas que foram
construindo um percurso pessoal e profissional rico de cruzamentos
com os outros e a dar sentido ao nosso posicionamento como
professoras e formadoras de professores.
O recurso à narrativa autobiográfica inscreve-se na ideia de que, ao
narrarmos episódios com significado, os analisaremos de uma forma
contextualizada, tentando que essa análise ponha em evidência
emoções, experiências ou pequenos fatos marcantes, dos quais antes
não nos tínhamos apercebido (FREITAS, 2007, p. 220).

Por intermédio da adequação de princípios epistemológicos e metodológicos, as


narrativas de histórias de vida tornam-se um instrumento que possibilita alcançar uma
metareflexão do conhecimento de si. Por esses elementos, considerando o contexto de
sua produção, a abordagem biográfica é um instrumento valioso para os estudos ligados
a formação continuada.

Desta forma, entendo que a abordagem biográfica e a autobiografia


das trajetórias de escolarização e formação, tomadas como “narrativas
de formação” inscrevem-se nesta abordagem epistemológica e
metodológica, por compreendê-la como processo formativo e
autoformativo, através das experiências dos atores em formação.
Também porque esta abordagem constitui estratégia adequada e fértil
para ampliar a compreensão do mundo escolar e de práticas culturais
do cotidiano dos sujeitos em processo de formação (SOUZA, 2006, p.
26).

Bolívar (2002) aponta a narrativa por destacar sua relevância na pesquisa


educacional e introduzir nesse campo uma forma valiosa de construção de
conhecimento. Ele assinala que seu aporte metodológico dá conta da atual recomposição
das categorias epistemológicas do que se entende por fazer ciência; mostra as principais
linhas de fundamentação epistemológica das histórias autobiográfico, ecoando as
disputas teóricas e epistemológicas que ocorreram nos últimos anos; reafirma como um
modo próprio (narrativo) de conhecer; e que seus princípios teóricos da abordagem
narrativa compõem uma própria maneira de investigação.

3- PERCURSO METODOLÓGICO

3.1- CONSIDERAÇÕES GERAIS

Um dos fatores relevantes no tocante à questão racial é a contextualização da


construção histórica do termo raça e negro em sua carga simbólica. Pensar
reflexivamente sobre a forma como se consolidaram as simbologias implícitas e
explicitas referentes ao termo negro é reconhecer a complexidade que lhe cabe. Por essa
ótica, é possível aprofundar em discussões referentes à sobreposição do imaginário em
detrimento do real bem como se instala essa questão relacional hierarquizada do sujeito
com seu próximo.
No contexto educacional é necessário construir uma discussão referente ao
contexto relacional entre os indivíduos quando a formação do ser político onde o sujeito
negro diz de si mesmo por si mesmo. Trata-se de histórias que se entrelaçam na
correlação entre o sujeito consigo e com o outro na constante formação indenitária.
A construção simbólica do negro como uma invenção em um jogo de poder
relacional deve ser questionada. Trilhar por esse caminho nos ajuda a entender que o
preconceito racial não é um termo transparente, ou seja, ele não depende
necessariamente do seu referente, mas da função representacional dos signos e de como
esses produzem discursos de sentido. Por meio de ateliês formativos numa perspectiva
intercultural, os professores podem reafirmar a valorização da ideia do ser múltiplo,
divergente e não universalizado, pois entre os homens há aproximações, limites e
distanciamentos independentes de semelhanças biológicas.
Esse trabalho consiste em um relato de análises preliminares resultantes da
aplicação de ateliês de formação que tinham como eixo central promover discussões
mobilizadoras de saberes voltada à desarticulação de possíveis ideologias racistas no
cotidiano escolar. A iniciativa foi dada por meio do desenvolvimento ateliês biográfico-
formativos, em um total de seis encontros, em uma escola da educação básica da Rede
Municipal de Ensino na cidade baiana de Guanambi.

3.2 – ESTRUTURAÇÃO E APLICAÇÃO DOS ATELIÊS.

Gauthier (1999, p. 24) aponta que “(...) cada dispositivo do olhar e da


observação modifica o objeto de estudo (...) por isso, nunca estudamos um objeto
neutro, mas sempre um objeto implicado, caracterizado pela teoria e pelo dispositivo
que permite vê-lo, observá-lo e conhecê-lo”. Tomando essa ideia como pavimento do
caminho a ser construído, abraça-se o intercâmbio dialógico presente no por vir.
Um dos requisitos base para a implantação da pesquisa-formação é o de
proporcionar a formação. Embora o transcorrer da ação não se limite ao que foi
antecipadamente planejado, devido às características dinâmicas em seu bojo, é
necessário o estabelecer de um ponto norteador. Na pesquisa em questão se propôs, foi
realizado um total de sete oficinas, com duração de duas horas cada, com cinco
professores no ambiente escolar durante as atividades complementares (ACs).

Nessa perspectiva, a formação continuada precisaria: 1) privilegiar


situações a partir das quais os próprios educadores se envolvessem e
produzissem práticas e saberes novos, articulados com as teorias
educacionais, mediante processos de investigação e colaboração em
seus espaços de trabalho; 2) ter como objeto de estudo as demandas da
instituição, as necessidades e interesses formativos dos professores e
as necessidades de aprendizagens dos estudantes. (PRADA;
LONGAREZI, 2012, p. 256).

Sendo elas devidamente registradas e gravadas em áudio, a estruturação temática


de cada encontro teve como roteiro semiestruturado:

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 01
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Entrega do classificador contendo material de
Entrega do Kit Pedagógico uso pedagógico junto com os textos a serem
utilizados em todos os encontros para que os
membros do Grupo de formação possam
estudar, registrar informações, conteúdos e etc.
Entrega e leitura dos documentos necessários
para a realização das atividades: Termo de Assinatura dos termos pelos cursistas
Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE)/Termo de Autorização de Imagem
e/ou Depoimentos
Aplicação do questionário investigativo Coleta de Informações acerca da Formação
voltado a formação profissional docente Docente (Inicial e Continuada)

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 02
TEMA: CULTURAS NEGADAS E SILENCIADAS NO CURRÍCULO
TEXTO UTILIZADO:
SILVA, T. T. Alienígenas na Sala de Aula. In: SANTOMÉ, J. T.et.al.(Orgs). As Culturas
Negadas e Silenciadas no Currículo. 3.ed. Petrópoles, RJ: Vozes, 1995. Cap. 7, p. 159 – 177.
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Exposição dialogada: A articulação entre o
currículo escolar com a perspectiva Momento Discursivo1
eurocêntrica
Exposição dialogada: As vozes negadas e
silenciadas Momento Discursivo 2

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 03
TEMA: PLURALIDADE RACIAL: UM NOVO DESAFIO PARA A PSICOLOGIA
TEXTO UTILIZADO:
OLIVEIRA, C. M. Pluralidade Racial: Um Novo Desafio para a Psicologia. Rev. Psicologia,
Ciência e Profissão. SP, v.22, p.34 – 45. 2002.
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Exposição dialogada: Refletir sobre os Momento Discursivo
elementos que constituem o racismo e
a discriminação por meio de uma
perspectiva psicossocial.

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 04
TEMA: A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA NEGRA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL.
TEXTO UTILIZADO:
SILVA, L. M.; RIBEIRO, D. M. A Ressignificação de uma Pedagogia: Construção da
Identidade da Criança Negra na Educação Infantil. Disponível em:
<www.unesp.br/Home/debateacademico/artigo_revisado_layla_maryzandra-1.pdf> Acesso em:
24 abr. 2018.
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Exposição dialogada: Possíveis consequências Momento Discursivo
da discriminação racial na construção da
identidade em crianças e adolescentes.

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 05
TEMA: RESSIGNIFICAÇÃO DO ESTIGMA PELA ACEITAÇÃO E COMPROMISSO
TEXTO UTILIZADO:
MONTEIRO, E. P. et al. Terapia de aceitação e compromisso (ACT) e estigma: revisão
narrativa. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas. 11(1). p. 25-31. 2015.
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Exposição dialogada: Trabalhando a Momento Discursivo
autoestima

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 06
TEMA: CORPO NEGRO E CABELO CRESPO
TEXTO UTILIZADO:
GOMES, N. L. Trajetórias Escolares, Corpo Negro e Cabelo Crespo: Reprodução de
Estereótipos ou Ressignificação Cultural? Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de
Educação. Set/Out/Nov/Dez 2002 Nº 21. Disponível em: <
www.scielo.br/pdf/rbedu/n21/n21a03.pdf> Acesso em 24 abr. 2018.
ATIVIDADE DESENVOLVIMENTO
Exposição dialogada: O corpo com campo da Momento Discursivo
manifestação indenitária

ATELIÊ DE FORMAÇÃO 08
TEMA: Socializando Saberes

3.3 ANÁLISE DOS DADOS

A construção dos dados se deu a partir da interação do pesquisador com os


sujeitos da pesquisa por intermédio das relações vividas e na (re)construção de saberes.
Os movimentos orquestrados durante a ação da pesquisa podem abrir possibilidades de
um repensar da prática profissional também do pesquisador. Essas potencialidades
latentes no caminho dessa pesquisa que se mostra complexa e plural é permeado de
surpresas e exige do pesquisador e pesquisados uma postura aberta ao por vir.

A bricolagem nos remete à ideia de que precisamos perceber os


fenômenos estudados em sua complexidade, sendo a interação do
pesquisador com os objetos de sua investigação sempre complicada,
volátil, imprevisível. Não existe pesquisa-formação que não seja
inédita na sua criação e inventividade, uma vez que sua tessitura
acontece no entrelaçamento de saberes fazeres vivencias dos/nos atos
de currículos enredados nos sentidos dos praticantes, com as questões
de pesquisa e os referenciais teóricos, possibilitando trazer à cena a
multiplicidade de olhares sobre/com o objeto pesquisado (RIBEIRO;
SANTOS. 2016 p. 308).

Para maximizar as potencialidades de uma pesquisa formativa com instrumentos


narrativos é preciso organizar elementos de diferentes espaços que dialoguem
harmonicamente entre si. As complexidades envoltas nas experiências narradas exigem
do pesquisador robusto empenho no manuseio desse material. Segundo Souza (2014) o
mapeamento e a análise das unidades temáticas perpassam por três tempos de análise
que mantem aproximações entre si.

(...) o Tempo I centra-se na organização e leitura das narrativas, tendo


em vista a construção do perfil do grupo pesquisado, para, em seguida
avançar na leitura cruzada, a fim de apreender marcas singulares,
regularidades e irregularidades do conjunto das histórias de vida-
formação (SOUZA, 2014, p.43).

No que se refere ao Tempo II - Leitura temática ou unidades de


análise temática/descritiva -, cabe destacar que o mesmo vincula-se às
leituras cruzadas (Tempo I), tendo em vista a construção do perfil
biográfico do grupo pesquisado e a possibilidade de apreensão de
regularidades, irregularidades, particularidades e subjetividades de
cada história individualmente e do conjunto das narrativas do grupo,
mediante a organização temática e agrupamento de unidades de
análise que possibilitam a compreensão-interpretação do texto
narrativo, através do seu universo de significados e significantes. Cabe
destacar que o objeto central da análise temática, como tempo II,
consiste na construção, após a leitura cruzada, das unidades de análise
temática, tendo em vista a análise compreensiva-interpretativa.
(SOUZA, 2014, p.44).

O Tempo III – análise interpretativa-compreensiva – vincula-se ao


processo de análise, desde o seu início, visto que exige leituras e
releituras individuais e em seu conjunto do corpus das narrativas,
recorrendo aos agrupamentos das unidades de análise temática e/ou ao
conjunto das narrativas e das fontes utilizadas (SOUZA, 2014, p.46).

4- RESULTADOS E DISCUSSÕES

Pensar o lugar que ocupa a estruturação das experiências formativas dentro da


atuação profissional é um exercício que mobiliza o universo particular das memórias do
sujeito. Suas inquietudes, desafios e sentidos construídos no transcorrer de suas
vivências em diferentes momentos da vida vão se articulando de modo não unívoco e
ainda assim particular incorporando e (re)construindo na prática a identidade
profissional.
Os primeiros encontros foram marcados pela expectativa e ansiedade tanto do
pesquisador quanto dos sujeitos da pesquisa. Os debates tiveram a presença marcante de
implicações das singularidades vividas pelos sujeitos sempre em dialogo com a
globalidade da vida. As histórias de vida emprestavam sentido para as discursões e as
compreensões resultantes desse movimento refletiram na construção de novas
representações e apropriações.
Os desdobramentos nas relações entre o sujeito e um dado objeto numa
perspectiva colaborativa, resulta em singularidades em sua versão da história. As tidas
lembranças reportam a identidade e as certezas mórficas sobre quem se é. Uma das
constatações marcantes foi à percepção da naturalização da fala irrefletida que traziam
elementos de cunho racista. Termos como “ela é negra, mas é tão bonita”, ou “aquele
rapaz moreno” para definir um negro foi percebido e, aparentemente, ressignificados.
Refletir sobre si mesmo em um processo formativo demonstrou ser um exercício
salutar. Em muitos momentos dos debates foram vivenciado mobilizações de saberes da
esfera individual que fomentaram desdobramentos no coletivo atrelando as diferentes
formas de lidar com o racismo manifesto no ambiente escolar. Dentre as pluralidades
perceptivas e singularidades relacionais de cada professor com seu trabalho nas salas de
aula, foram emergindo sugestões de um para com o ouro no trato com a problemática.
Esse importante espaço de partilha e socialização de experiências individuais
com o coletivo tendo como pano de fundo discussões interculturalmente orientadas
enriqueceu o repertório de ideias aplicáveis as sutilezas relacionais no ambiente de
trabalho. Experiências de práticas profissionais foram compartilhadas e repensadas. De
certa forma, as marcas pessoais e profissionais representativas de cada sujeito foram
acessadas, enquanto esboços de propostas pedagógicas antirracistas foram sendo
ventiladas e ganhando contornos sólidos.
Por intermédio dos ateliês, os professores tiveram a oportunidade de refletir e
aprender sobre os processos de aprendizagem, os impactos de determinadas
experiências educativas, os problemas e as dificuldades que enfrentam ao longo de sua
carreira, as estratégias que utilizam para superá-las, a importância das práticas
colaborativas, entre outros aspectos. O processo de aprendizagem tornou-se mutuo
(SANTOS; GARMS, 2014).

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho apresentou aspectos gerais da realização de ateliês formativos


interculturalmente orientado como estratégia de pesquisa formação no combate ao
racismo no ambiente escolar. Foram apresentadas as bases metodológicas para a
construção e análises preliminares dos dados obtidos.
É importante frisar que o bom fluir de um processo de formação continuada
depende do envolvimento e entrega por parte de seus participantes. As ressonâncias dos
resultados obtidos estão diretamente ligadas as ressignificações construídas com a
edificação de novos saberes formativos. A interação entre pesquisador e pesquisados
corroborou com esse processo, pois o mesmo era pesquisador e pesquisado no
transcorrer da construção dos dados.
Em realidade, a prática de formação continuada por meio da pesquisa formação
mostrou ser um instrumento valoroso para o professor crítico de suas ações
profissionais. O estímulo a práticas pedagógicas interculturalmente orientada promoveu
subsídios ao professor para que esse caminhe contra a prática do racismo no cotidiano
escolar, minimizando o seu potencial destrutivo por ressignificar suas ideologias.
Os ateliês formativos pela perspectiva da formação continuada, tendo a narrativa
como elementos para a construção e análise dos dados mostram-se eficaz em função da
quantidade e profundidade de saberes mobilizado promovido em cada encontro.
Entender o racismo como fenômeno social problematizando-o em suas peculiaridades
contextuais permite a elaboração de estratégias pedagógicas assertivas no seu
enfrentamento.

REFERÊNCIAS
BOLÍVAR, A. (2002). ¿De nobis ipsis silemus? Epistemología de la investigación
biográfico-narrativa. Revista Electrónica de Investigación Educativa (REDIE), vol. 4
(1).

BRUNER, J. Atos de significação. 2. ed. Trad. Sandra Costa. São Paulo: Artmed, 2002.

CUNHA, M. I. Conta-me agora! As narrativas como alternativas pedagógicas na


pesquisa e no ensino. Revista da Faculdade de Educação [on line], São Paulo. v. 23,
n.1-2, jan./dez. 1997.

DUTRA, E. A narrativa como uma técnica de pesquisa fenomenológica. Estudos de


Psicologia; 2002;7(2), p.371-378.)

FREITAS, F. de; GALVÃO, C.. O uso de narrativas autobiográficas no


desenvolvimento profissional de professores. Ciências & Cognição; Ano 04, vol. 12,
2007.

GAUTHIER, J. O que é pesquisar: entre Deleuze e Guattari e o candomblé. Pensando


mito, ciência, arte e culturas de resistência. Educação e Sociedade, Campinas, ano XX,
n. 77, dez. 1999.

GIBBS G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed; 2009.

JOSSO, M. C. Experiências de vida e formação. Trad. José Claudino e Júlia Ferreira.


São Paulo: Cortez, 2004.

____________. As histórias de vida como territórios simbólicos nos quais se


exploram e se descobrem formas e sentidos múltiplos de uma existencialidade
evolutiva singular-plural. São Paulo: Paulus, 2008. p. 23-50.

_____________. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida.


Revista de Educação: Porto Alegre/RS, p. 413-438, set./dez. 2007.

JOVCHELOVICH S, BAUER M.W. Entrevista Narrativa. In: BAUER MW,


GASKELL G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático.
Petrópolis: Vozes; 2002, p. 90-113.
NASCIMENTO, R. G. Educação Escolar Brasileira e Diversidade Étnica e
Cultural: Contribuições do movimento negro e indígena para o debate. São Paulo:
Moderna, 2010 (p. 223-252).
PERRELLI, M. A. S.; REBOLO, F.; TEIXEIRA, L. R. M.; NOGUEIRA, E. G. D.
Percursos de um grupo de pesquisaformação: tensões e (re)construções. Revsita
bras. Est. pedag., Brasília, v. 94, n. 236, p. 275-298, jan./abr. 2013.

PRADA, L. E. A.; LONGAREZI, A. M. Pesquisa-formação de professores nas


dissertações, teses: 1999-2008. Revista Pedagógica - UNOCHAPECÓ - Ano -16 - n.
29 vol. 02 - jul./dez. 2012.

RIBEIRO, M. R. F.; SANTOS, E. Pesquisa-formação multirreferencial e com os


cotidianos na cibercultura: tecendo a metodologia com um rigor outro. Revista de
Educ. Pública, Cuiabá, v. 25, n. 59, p. 295-310, maio/ago. 2016.

SANTOS, H. T.; GARMS, G. M. Z. Método autobiográfico e metodologia de


narrativas: contribuições, especificidades e possibilidades para pesquisa e formação
pessoal/profissional de professores. Anais Congresso Nacional de Formação de
Professores, 2.; Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, 12., 2011,
Águas de Lindóia. Anais 2. Congresso Nacional de Professores 12. Congresso Estadual
sobre Formação de Educadores... São Paulo: UNESP; PROGRAD, 2014. p. 4094-4106.
Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/141766>. Acesso em 20 jul.2018.

SOUZA, E. C. de. A arte de contar e trocar experiências: reflexões teórico-


metodológicas sobre história de vida em formação. Revista Educação em Questão,
Natal, v. 25, n. 11, p. 3-4, jan./abr. 2006.

_____________. Diálogos cruzados sobre pesquisa (auto)biográfica: análise


compreensiva-interpretativa e política de sentido. Revista Educação, Santa Maria, v.
39, n. 1, p. 39-50, jan./abr. 2014.

Você também pode gostar