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A noite foi fresca, quase fria, mas o sol voltou a arder na manhã
do embate.
Os jornalistas locais estão excitados com as perspectivas de
choques entre brasileiros e escoceses nas ruas, mas tudo que se
consegue ver nas praças e mesas de bares é troca de garrafas e
amabilidades, eles de saiotes e com as caras vermelhas, e nós
mulatos de camisas amarelas e sotaque nordestino.
A ansiedade pela partida nos consome; como o tempo demora a
passar nesta canícula andaluza.
Estou em dúvida se vou à piscina do “Afonso Galo”, convidado
por amigos financistas, ou se acompanho o Mercador ao centro da
cidade, onde fica o Gran Magazine Cortefiel. Lá, no último andar,
posso cortar o cabelo: não porque esteja grande, mas por pura
ansiedade e para dizer no Brasil que quem me cortou o cabelo foi o
Barbeiro de Sevilha, rá rá rá.
Já o Mercador vai a trabalho.
Fomos para o jogo duas horas antes, convictos da vitória: nem
quando tomamos o primeiro gol nos assustamos. Quase já virou
tradição nesta seleção precisar ser provocada para brilhar, como as
estrelas temperamentais. E veio a resposta fulminante, a chuva de
gols, a exibição de talento, sem forçar o ritmo: tento controlar os gritos
de gol na garganta, ainda convalescendo de rouquidão dolorida e
ridícula, ainda mais em língua estrangeira, depois da epopeia russa.
O jogo foi tão limpo e a vitória tão inquestionável que, na saída do
estádio Benito Villamarín, pelo Paseo de las Delícias afora, o que se
via eram brasileiros e escoceses trocando camisas e bandeiras.
Nos bares, juntos, bebendo para comemorar e para
esquecer.
A Copa começa a esquentar com as goleadas sul-americanas em
Sevilha e Alicante: Brasil e Argentina arrasam adversários.
Na tribuna de imprensa de Vigo, um peruano se emociona com o
dramático empate de sua seleção: Mário Vargas Llosa, cronista
esportivo do La Vanguardia de Barcelona.
Nossa futura vitória contra a Nova Zelândia é líquida e certa,
resta saber o volume da goleada. Como primeiro do grupo, o Brasil
estará na mesma chave da Argentina, em Barcelona. Já estamos com
a cabeça lá e sete longos dias ainda nos separam do último jogo do
Brasil em Sevilha: partir do interior calorento e arribar ao mar que
banha a cidade onde moraram Vargas Llosa e García Marquez, onde
mora por uns tempos qualquer escritor latino-americano que se
preze...
Lembro de novo de Albert Camus dizendo que quase tudo que
aprendeu sobre a moral e os homens foi nos estádios.
Buñuel e Dalí filmando Um cão andaluz em Barcelona. Nos
mesmos cenários áridos, Glauber Rocha rodando Cabeças cortadas.
Dom Pepe tornou-se amigo instantâneo, íntimo, de um escocês
vermelhão e esporrento, Harry, que faz passar uma bolsa de couro
esguichando scotch goelas abaixo. O escocês está com a camisa
canarinho que dom Pepe lhe deu: o mouro já garantiu sua carona
para Barcelona com os escoceses, claro. Diz que agora se chama
MacPepe.
O Mouro de Sevilha fecha as malas, confere a presença de mais
quatro camisas “ensolaradas”, seus mísseis emocionais, “abre-te,
sésamos” multilíngues.
“Juntos até a vitória final” – nos despedimos na porta do Porta
Coeli.
Com a cara preta na janela, rindo com cerca de cinquenta dentes,
a Kombi xadrez some na curva sevilhana com uma bandeira brasileira
na antena.
Aquecimento
Espanha, 1982 | Turbilhão de emoções
México, 1986 | Tequila, sombreros e bola murcha
Itália, 1990 | crônica de uma derrota anunciada
Estados Unidos, 1994 | Festa da bola na terra do cinema
Atlanta, 1996 | Crônicas olímpicas
França, 1998 | festa, champanhe e futebol
Japão e Coreia, 2002 | Os perigos de ver a Copa ao vivo
Rio de Janeiro, 2007 | Jogos pan-americanos
África do Sul, 2010 | Vuvuzelas de fogo
Londres, 2012 | Mistérios esportivos