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Graduanda do curso de psicologia da Universidade Estadual de Maringá.
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Psicólogo, Docente do departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá-UEM e Doutorando
do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Unesp-Assis.
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De acordo de Birman (2006, p. 65-96)
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Na edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, o título deste livro é
traduzido como “Inibições, Sintomas e Ansiedade”. Entretanto considera-se aqui como correto, a tradução
“Inibições, Sintomas e Angústia”, conforme indicado no vocabulário de psicanálise de Laplanche e Pontalis
(2001).
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precisamente, o que de fato proporciona o estado de desamparo no bebê é esta percepção da
sua incapacidade em satisfazer, por suas próprias forças, as exigências das suas necessidades
vitais. A partir disso, o bebê quando não seguro em relação ao cuidado do outro, vê-se
abandonado a sua própria sorte ante a sua condição de desamparo (PEREIRA, 1999).
Esta perspectiva objetivante é conseqüência da forma de pensar de Freud, que no
início de sua teoria, ainda no Projeto (1985), se pautava no paradigma positivista,
fundamentando-se assim, pela ciência biológica. Com o passar do tempo, encontramos uma
importante mudança à cerca da noção de desamparo, que é decorrente das próprias mudanças
ocorridas na teoria psicanalítica. Foi principalmente, a partir de seus estudos sobre angústia,
que Freud percebe que o desamparo vai além da condição de incapacidade biológica do bebê,
e o concebe como o fundamental para o funcionamento psíquico (PEREIRA, 1999). Essa
nova concepção a cerca do desamparo, vai além de um estado objetivo de impotência do bebê,
refere-se assim a uma vivência da perda do amor, principalmente, do amor objetal, que
segundo Freud, deixará marcas na estruturação psíquica do individuo (MENDLOWICZ,
2006).
A evolução teórica de Freud, em “Inibição, sintoma e angústia” (1926), ante a questão
do desamparo, confere-lhe um estatuto de dimensão fundamental da vida psíquica que indica
os limites e as condições de possibilidade do próprio processo de simbolização (PEREIRA,
1999). Além de discutir a questão do desamparo na criança, bem como à estruturação do
psiquismo a partir desta condição, Pereira avança também sobre o aspecto do plano simbólico
frente ao desamparo do homem (Outeiral e Godoy, 2003).
Assim, Freud, já no fim da sua obra, compreende que a falta de certezas do homem
frente às suas questões existenciais, estão relacionadas à sua própria condição de desamparo.
Percebe também que a criação de Deuses busca aliviar essa condição. Em “O homem Moisés
e o monoteísmo” (1939), Freud diz que quando o homem, inevitavelmente, se vê abandonado
por tudo e todos, inclusive pelos próprios deuses criados por ele, se depara com o seu
desamparo mais radical, o do lugar vazio do fiador último da sua história simbólica. “Freud
que chega até o ponto de ver na Hiflosigkeit4 a condição ultima de falta de garantias do
funcionamento psíquico, que o homem tem de enfrentar quando se livra de todas as ilusões
protetoras que cria para si mesmo” (PEREIRA, 1999, p. 130). Devemos ressaltar, contudo,
que a condição de desamparo nunca é completamente superada pelo individuo (PEREIRA,
1999). Esta condição passa a ser a situação existencial humana. Conduto, apesar de nunca ser
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Hiflosigkeit, em sua tradução, é um substantivo que designa o estado ou condição de alguém que se encontra
“sem ajuda”, “desamparado”.
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completamente superado, o individuo através do amadurecimento, obtém recursos psíquicos
que tornam possível sua existência perante essa condição (OUTEIRAL e GODOY, 2003).
Nesse trabalho buscamos compreender tanto a concepção do desamparo, bem como
suas relações. Na metapsicologia freudiana, a noção de desamparo tem sido freqüentemente
articulada, por vários autores, com o conceito de trauma (OUTEIRAL e GODOY, 2003).
Assim, foi necessário compreendermos o conceito de trauma, para em seguida, compreender
esta relação. O trauma, diferentemente do desamparo, recebeu o estatuto de conceito por
Freud. Masud Khan (1977), ao propor sua teoria do “trauma acumulativo”, divide as
formulações sobre o trauma em Freud em cinco momentos.
Na primeira fase (1885-1905), o trauma, baseado na teoria da sedução, era visto como
uma situação concreta e real, geralmente de cunho sexual (abuso) cuja energia libidinal
resultante da situação “invade” um ego ainda não suficientemente estruturado para agüentar,
descarregar ou elaborar (MASUD KHAN,1977). Posteriormente, ainda na primeira fase, em
1897, Freud abandona a teoria da sedução, por perceber que o trauma não era real, mas
psíquico. Substituindo a realidade objetiva da sedução traumática, pela realidade das fantasias
inconscientes e dos desejos (OUTEIRAL e GODOY, 2003).
A segunda fase (1905-1917) é caracterizada pela busca em compreender o
desenvolvimento infantil e conseqüentemente, a sexualidade infantil. Dentro deste contexto,
da sexualidade infantil, a situação traumática estaria envolvida com a castração, ansiedade de
separação, cena originaria, e o complexo de Édipo. Vemos assim, que a situação traumática é
permeada pela realidade psíquica das fantasias inconscientes. (MASUD KAN, 1977)
Na terceira fase (1917-1926), temos o sentido econômico do trauma, em que Freud
(1916) passa a considerar o trauma como sendo uma experiência cuja energia mental vai além
das possibilidades do psiquismo, isto é, quando a mente recebe um acréscimo de estímulo
excessivamente poderoso para ser manejado ou elaborado por aquela estruturação psíquica.
Em “Além do principio do prazer” (1920) o conceito de trauma adquire um referencial
exclusivamente intersistêmico e pulsional, dado a partir da hipótese da dualidade das pulsões,
da compulsão a repetição, e, mais tarde, a definição de estruturas como id, ego e superego
(MASUD KHAN, 1977).
Na quarta fase (1926-1939), temos a contribuição do importante texto de Freud,
“Inibição sintoma e angústia” (1926), no qual Freud distinguiu as situações traumáticas das
situações de perigo. Strachey (2006, p.85), em sua nota introdutória à “Inibições, sintomas e
angústia” (1926) nos oferece aspectos dessa diferenciação:
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O determinante fundamental de uma ansiedade automática é a ocorrência de
uma situação traumática, e a essência disto é uma experiência de desamparo
por parte to ego, diante de um acumulo de excitação, quer de origem externa
quer interna, com que não se pode lidar. A ansiedade ‘como um sinal’ é a
resposta do ego à ameaça da ocorrência de uma situação traumática. Tal
ameaça constitui uma situação de perigo. Os perigos internos modificam-se
com o período da vida, mas possuem características comuns, a saber,
envolver a separação ou perda de seu amor- uma perda ou separação que
poderá de várias maneiras conduzir a um acumulo de desejos insatisfatórios
e dessa maneira a uma situação de desamparo (STRACHEY, 2006, p. 85).
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no sentido de que o desamparo é o protótipo da situação traumática, uma vez que afirmam que
frente
Temos, portanto, até aqui, uma possível relação na qual a condição de desamparo,
situada como possibilidade do funcionamento psíquico, seria o fator primordial, para a
situação traumática.
Retomemos agora, a questão das referidas “patologias atuais”. Joel Birman (2006)
afirma com plena convicção que a produção fundamental da modernidade é o desamparo.
Este se apresenta como sintoma e como fonte permanente da produção de perturbações
psíquicas, nomeadas de patologias atuais. Assim, temos que o desamparo, como condição de
existência da era moderna, já se encontra enraizado sendo resultante de um processo histórico
que transformou radicalmente a forma de ser do sujeito no mundo.
Devemos compreender então este processo histórico, que transformou a natureza,
principalmente, das relações vivenciadas atualmente.
As novas formas de subjetivação na modernidade -patologias da atualidade- devem ser
pensadas dentro de uma perspectiva apontada por Lash (1979) e Debord (1992): a existência
da “cultura do narcisismo” e “a sociedade do espetáculo”, respectivamente. Anteriormente, a
subjetividade tinha seus eixos constitutivos nas noções de interioridade e reflexão. Contudo, o
que vemos agora é a valorização da exterioridade e o autocentramento. O outro serve apenas
como instrumento para o incremento da auto-imagem, podendo ser eliminado a qualquer
momento. O que importa para a individualidade é a exaltação gloriosa do próprio eu. O
sujeito vale por aquilo que ele parece ser. Vive-se assim para a exibição e para a exaltação do
eu (BIRMAN, 2007).
Maia (2005) ao discutir sobre “a sociedade do espetáculo” proposta por Debord,
afirma que no espetáculo existe uma espécie de aprisionamento e devastação de partes da
experiência existencial humana. Aprisionado no do mundo do aparecer, sua força desejante e
sua vida como um todo sofre um esvaziamento de sentido.
Além disso, Bauman (1998) também contribui com a compreensão desta natureza
quando faz uma diferenciação entre os mal-estares modernos e pós-modernos, nos dizendo
que os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança, mas que esta era
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um empecilho para a liberdade na busca da felicidade individual. Ao contrário, nos diz que os
mal-estares da pós-modernidade5 provém de uma espécie de liberdade de procura do prazer,
mas não oferece segurança aos indivíduos. Veremos adiante a quão esta falta de segurança
produz implicações nas subjetividades atuais.
Bauman (2001) nos apresenta uma nova forma de descrever a natureza da
modernidade. Ele correlaciona esta com aspectos da física quanto aos estados sólidos e
líquidos. Metaforicamente, coloca que os líquidos não mantêm sua forma com facilidade; e
por isso estão constantemente prontos, e propensos à mudança. Temos, portanto, a idéia
associada a uma modernidade leve, sem peso, móvel e sujeita á inconstância. A esta o autor
deu o nome de “modernidade líquida”.
Com o “derretimento dos sólidos”, isto é, com o estado líquido da nossa natureza
social, não é possível manter a questão da ordem. Na leveza e na inconstância, perdem-se as
referencias coletivas, que permeiam as nossas referencias individuais. Nessa perspectiva, o
individuo perde sua própria identidade. Ele precisa despir-se de suas histórias, identificações e
idéias para se tornar mais contingente e flexível. (BAUMAN, 2001)
Na contemporaneidade, os laços afetivos, isto é, o outro, precisa gerar prazer imediato.
A qualquer ameaça de sofrimento, de não-prazer, este outro é descartado, preservando a
ilusória sensação de felicidade e bem-estar (MAIA, 2005).
É nesse contexto que o desamparo aparece como forma de mal-estar, pois, o homem
que sobrevive nessa realidade padece da falta de referentes estáveis, relações sinceras, laços
afetivos seguros. Dessa forma, a atualidade é o tempo da incerteza, pois sem referências,
permeada pela inconstância, a vida particular deixa de ser determinada pelas construções, e
passa a ser, em sua totalidade, uma incerteza quanto ao próprio sentido do mundo, da
existência. Agravando esse quadro, não temos algo que é fundamental: a certeza, mesmo que
ilusória, de continuidade na existência (MAIA, 2005).
Outro ponto fundamental encontrado no mito de Totem e Tabu, descrito por Freud em
1914, nos apresenta a condição do homem moderno, que perde a proteção oferecida pelo Pai.
Tira o amparo que este oferecia aos filhos em relação à falta de ser. Temos indivíduos assim,
livres e desamparados - livres porque desamparados - carentes do Pai simbólico. Ressaltando
que, com a morte deste, temos irmãos sem proteção quanto às violências pulsionais. O Pai
fornecia uma identidade ao filho, uma certeza na continuidade da existência. Aparecem na
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Há controvérsias teóricas quanto ao nome dado ao momento em que nossa sociedade encontra. Não
adentraremos nessa discussão. Interessa-nos aqui compreender apenas natureza, a forma de ser, nessa
atualidade, seja ela moderna, pós-moderna, moderna – liquida, etc.
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modernidade, à crise sobre as certezas do ser, o bem e a verdade. Face contemporânea do
desamparo, gerada a partir de uma perda nas relações dos homens com o saber e com a
verdade (KEHL, 2002).
Ressalta-se que ao se referir ao Pai, estamos falando de da lei, religião, tradições, ou
seja, todas as estruturas capazes de fornecer amparo simbólico ao ser. Por exemplo, a tradição
situa as pessoas na sociedade em que vivem, fornecem modelos a serem seguidos; a religião
produz sentido para a vida e a morte, e orienta as escolhas morais; os mitos explicam por que
as coisas são como são (KEHL, 2005).
Diferentes construções subjetivas foram necessárias para se evitar o desamparo.
Birman (2006) coloca que o masoquismo e a servidão são os meios mais privilegiados na
atualidade para que o sujeito possa dominar o seu desamparo. No masoquismo, o corpo é
oferecido ao outro para que ele possa satisfazer seus desejos como queira desde que, seja
fornecida a proteção para o desamparo.
Com isso, de forma radical, na atualidade, o homem foi lançado sem qualquer
proteção às agruras do mundo. Foi com a morte do Pai que o desamparo se estabeleceu como
base existencial da condição humana. (BIRMAN, 2006)
Retomemos um trecho desde trabalho, em que dissemos que quando o homem se vê
abandonado por tudo e todos, inclusive pelos deuses- leia-se formas de certezas e segurança-,
se depara com o seu desamparo mais radical, o do lugar vazio do fiador último da sua história
simbólica. Finalizamos com as palavras de Pereira (1999, p. 310-311), ao comentar um caso
de uma paciente com pânico, em seu livro Pânico e Desamparo:
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REFERÊNCIAS
COSTA, J. A noção psicanalítica de desamparo. In: O risco de cada um: e outros ensaios de
psicanálise e cultura. Rio de Janeiro: Gramond, 2007.
KEHL, M. O homem moderno, o desamparo e o apelo a uma ética. In: Sobre ética e
psicanálise. São Paulo: Companhia das letras, 2002, p.39-75.
MENDLOWICZ, E. Trauma e depressão. In: RUDGE, Ana Maria (org). Traumas. São Paulo:
Escuta, 2006.