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toda a obra de medicina cujo método era importante. As esco- - a da ordem empírica, da constituição das ordens empíri-
lhas que se podem fazer são inconfessáveis e não devem exis- cas.
tir. Deveríamos ler tudo, estudar tudo. m outras palavras, e Pareceu-me que, de fato , a idade clássica que se tem o há-
preciso ter sua disposiçao o-arquivo geral de uma época num bito de considerar como a idade da mecanização radical da
momento dado. E a arqueologia é, em sentido estrito, a ciênci natureza, da matematização do vivo era, na realidade, comple-
desse arg_uivo. j tamente diferente, existia um domínio muito importante que
- O que é que determina a escolha do período histórico compreendia a gramática geral, a história natural e a análise J
(aqui, como em História da loucura, do Renascimento aos das riquezas. E esse domínio emp'rico se s entava no prQje~
nossos dias) e sua relação com a perspectiva arqueológica de uma ordenâção coi s. E isso não a as à at , -
adotada por você? ticas, à geometria, J!lªS as ~ a sistemática dos ~ s
- Esse gênero de pesquisas só é possível como análise de uma espécie de taxinomia ger e si temática das co as,.:
nosso ró ri su s . Não é uma falha dessas disciplinas re- --:!! Foi então o reenvio à idade c ássica que determinou os
trospectivas encon arem seu ponto de partida em nossa atua- três eixos. E como se opera, nesses três domínios, a passa-
lidade. Não resta nenhuma dúvida de que a questão da divisão gem da idade clássica para o século XIX?
entre razão e desrazão só se tornou possível a partir de Nietzs- - Fui intensamente surpreendido por algo que ali se reve-
che e de Artaud. E foi o subsolo de nossa consciência moderna lou: o homem não exis a n interior do saber clássico. Nesse
sobre a loucura que eu quis interrogar. Se não tivesse havido lugar :Õndefioje descobrimos o homem, exis a o poder pró-
nesse solo alguma coisa como uma falha , sua arqueologia não prio ao discurso, à ordem verbal de representar a ordem das
teria sido nem possível, nem requerida. Do mesmo modo se, coisas. Para estudar a gramática ou o sistema das riquezas,
depois de Freud, Saussure e Husserl, a questão do sentido e não havia necessidade de pa sar por uma ciência do homem,
da relação entre o sentido e o signo não tivesse aparecido na mas, sim, pelo discur~o.
cultura europeia, é evidente que não seria requerido pesquisar - No entanto, aparentemente, uma literatura que parecia
o subsolo de nossa consciência do sentido. Nos dois casos, são de Jato falar do homem era a nossa literatura do século XVII.
análises críticas n ssa cond ção. - Uma vez que no saber clássico existiam representações
~ que o impeliu a adotar os rês eixos que orientam toda ordenadas num discurso, todas as noções fundamentais à nos-
a sua análise? sa concepção do homem como as de vida, de trabalho e de
- De um modo geral, foi o seguinte. Depois do final do sécu- linguagem não tinham razão de ser nem nenhum lugar naquela
lo XIX, as ciências humanas apareceram como se tomadas por época.
uma dupla obrigação, uma dupla postulação simultânea: a da No final do século XVIII, o discurso
hermenêutica, ou da interpretação, ou da exegese, segundo a o papel or anizado - or el
qual é preciso compreender o sentido que se oculta; e a outra, ouve mais transparência entre a or em as coisas e a as I
segundo a qual é preciso formalizar , encontrar o sistema, a ;representações que se podiam ter delas; as coisas, de algum
invariante estrutural, a rede das simultaneidades. Ora, essas modo, redobraram-se sobre suas próprias espessuras e sobre
duas questões pareciam defrontar-se de maneira privilegiada uma exigência exterior à representação. E assim apareceram
nas ciências humanas, a ponto de termos a impressão de ser as linguagens com sua história, a vida com sua organização
necessário que elas fossem isto ou aquilo, interpretação ou or- e sua autonomia, o tra , ia ca
malizaç -o. Empreendi precisamente a esquisa arq oló ·c pr ão Diãi~an
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do que havia tornado essa ambi idade oss'vel quis encon-
trar o ramo que trazia a bifurcação. Tive então de responder a
uma dupla questão concernindo à época clássica:
- a da teoria dos signos; vive, fala e trabalha.
142 Mlchel Foucault - Ditos e Escritos
1966 - Mlchel Foucault, As palavras e as coisas 143
- Sobre essefundo, como então se apresenta nossa situa- primeiro humanismo, o do romantismo, a Flaubert, depois à
ção nos dias de hoje?
literatura do sujeito encarnada pela geração da NRF (Nouvel-
- Atualmente, encontramo-nos numa situação muito ambí- le Revue FrançaiseJ, ao novo humanismo do antes e do pós-
gua. O homem só existiu de ois do século XIX ~o ue o guerra e, nos dias de hoje, ao formalismo do p,52vo rom nc .
curso cessara de ter for a d i sobre o m do írico. o Todavia, a literatura alemã obstaculiza inteU-amente um es-
homem existiu ali onde o scurso calou-se. Ora, eis que com quema evolutivo dessa ordem, seja qualfor o sentido em que
Saussure, Freud e Husserl, no cerne do que há de mais fun- a consideremos.
damental no conhecimento do homem, o roblema do senti o - Talvez pelo fato de o classicismo alemão ter sido contem-
e do signo reapare~ . Quer dizer que podemos nos perguntar porâneo dessa idade da história e da interpretação, a literatura
se esse retorno o grande problema do signo, do sentido e da alemã encontrou-se, desde sua origem, diante de;,se confronto
ordem dos signos, constitui uma espécie de superposição em que conhecemos hoje. Isso explicaria o fato de Nietzsch«; não
nossa cultura do que havia constituído a idade clássica e a mo- ter feito outra coisa senão tomar consciência dessà.--sttUãção, e,
dernidade, ou então se é questão de marcas anunciadoras do agora, é ele que nos serve de luz.
desaparecimento do homem, já que, até o presente, ordem - Isso explicaria como ele pôde aparecer, ao longo de todo
do homem e a dos signos aviam sido incompatíyeis em o seu livro, como afigura exemplar, o sujeito cuja arqueolo-
~ ª-
Q homem morria dgg sigQQ§..na&: os nele, foi
Nietzsche, o rimeiro ui er. ,-=~::... "11...
gia não poderia ser feita (ou não ainda) , já que a questão só
pôde se formular em toda a sua violência a partir do que ele
- Parece-me que essa ideia de uma f.;!í;ompatibilidade en- abriu.
tre a ordem dos signos e a ordem~dóhomem deve ter certo . po o e e qu . aves cultura e ã, compre-
número de consequências. ~ f>G..~ endeu que a redescoberta da dimensão própri~ à linguagem é
- Sim, por exemplo: >~ {).;::::. -41-compatível com o homem. Disso resulta o fato de Nietzsclie
l ll) enviar às quimeras a ideia de urna ciência do ho er ornado um valor profético para nós e, em contrapartida,
que seja ao mesmo tempo análise dos signos; de ser preciso condenar com total severidade todas as tenta-
2ll) anunciar a primeira deterioração na história europ ia do tivas para insipidar esse problema. Por exemplo, a u~
e isódio antropoló~ _./'Ie humanista ~ I
que conhecemos no sé o das noções mais familiare do século XVIII, os esquemas de
.., , quan d o se ensava que as ciencias do homem ser ao seme ança e de contigui ade,t'üdo isso para constru ,ciên-
mesmo tempo a libe[s!&ão do homem, do ser humano, evi a cias humanas e fundam tá-las me parece ser uma covardia
plenitude. ~experiência mostrou que, ao se desenvolverem as intelectual e serve ara co mar o fato do que :t,f_ietz h n
ciências do homem coo uzem muito..ID__ ats ao des ~~o entanto, nos significou, há-aproximaaamente um século, a sa-
do pmem do que à sua apote se; oer: ali onde há signo não pode haver o homem, ali ode se faz
3ll) ~ ª· que mudou de s tatus no século XIX, quando faÍar os signos, é precis que o homem se RJe·
cessou de pertencer à ordem do discurso e se tornou a m - O que me parece decepcionante, ingênuo nas reflexões, nas
~ tação da 11,? em em sua s essura, deve agora, sem. análises sobre os signos, é que os supomos sempre já ali , de-
duvi~a. passar a um outro status; e a hesitação manifestada postos sobre a figura do mundo ou constituídos pelos homens
por ela entre os humanismos débeis e o formalismo puro da sem jamais interrogarmos o ser esmo os signos. _que quer
linguagem é, sem dúvida, apenas urna das manifestações desse dizer o fato de haver signos, marcas da linguagem? E ,U!Ci o
fenômeno fundamental para nós, que nos faz oscilar entre a apresentar o problema do ser da lin em como tarefa ara
interpretação e a formalização, entre o homem e os signos. nào se voltar a cair um nível de reflexão cme ser!a o o ~
- Vemos, assim, delinearem-se perfeitamente as grandes culo XVIII, o nível do ~ ir~
determinações da literaturafrancesa desde a idade clássica. - Uma coisa me impàcr'o u- muito intensamente em seu li-
Em particular, vê-se muito bem o esquema que levou de um vro: a perfeita singularidade de sua posição no que concerne,
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