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O Cemitério no Brasil

Pouco se sabe sobre os cemitérios, devido à escassa bibliografia existente, e o enorme


medo que nos causa falar sobre a morte. O fim da vida, a decomposição da matéria, o
encontro com Deus ou com o diabo, a incerteza da vida após a morte, além da constante
angústia por não saber de que forma acontecerá a própria morte: facada, tiros, doenças,
acidentes, de repente, etc., o fato é que não temos como fugir, e não discuti-las nos
proporciona um certo conforto e esperança.

Apesar de ser conhecida por todos, a morte e seus rituais exigem a construção de novas
reflexões, numa perspectiva mais econômica e menos religiosas, mais exploradora e
menos sentimentalista, entrelaçando os valores, os preços, os modelos, os lugares e os
rituais, que definem o novo perfil econômico-social estabelecido pelo ato de morrer.

Maria Inês Cortêz de Oliveira sustenta que os funerais representavam num ritual de
nivelamento social. "A morte era uma das poucas chances, e a última, de estabelecer
simbolicamente a igualdade entre brancos e negros, escravos e senhores, ricos e pobres.
Viver mal, mas morrer bem, seria o lema. O pobre que consumia economias ou entrava
numa irmandade para ser enterrado com dignidade talvez desejasse se igualar aos
poderosos pelo menos uma vez na vida. Mas os poderosos repetidamente faziam da hora
da morte uma ocasião de reafirmar a distinção social em que viveram, contratando
inclusive os pobres para esse fim".

Devemos questionar essa idéia do "ritual de nivelamento social" como conceito de


morte. Aliás, é possível ver nitidamente as contradições socioeconômicas dentro de um
cemitério, seja pela quantidade de mármores nos túmulos e mausoléus, seja pelo
cemitério escolhido para o enterro, seja pelas coroas de flores ou pelo preço do
sepultamento. Todos morremos, contudo a duração de nossas vidas e as formas com as
quais teremos nosso fim são diferentes segundo as classes em que estamos inseridos.

O certo é que a morte é um fator social e temporal, morre-se dentro do horizonte


cultural e de classe em que se viveu, não se morre da mesma maneira em nossos dias
que na Idade Média ou no período do Brasil Imperial. Não se morre da mesma maneira
num bairro operário ou numa mansão dos bairros de classes médias e ricas. Existem
diferenças, contradições econômicas, não em favor ou benefício do morto, mas para
satisfação dos vivos em fazer da morte uma reafirmação dos seus mecanismos
opressores.

No Brasil dos primeiros séculos, transferiu-se de Portugal o hábito dos sepultamentos


nas igrejas. Mas já dentro da Casa do Senhor era nítida uma certa classificação
(discriminação) de indivíduos, de forma que quem mais houvesse contribuído com
donativos para a igreja teria o direito incondicional de ser enterrado mais próximo do
altar-mor, e os ricos e endinheirados ainda chegavam a construir lápides, muitas delas
destruídas após a instituição dos cemitérios civis no século 19.

As pessoas vitimadas por doenças contagiosas eram enterradas longe das igrejas, e foi
em 1874 que o Bispo Frei Dom Manuel da Ressurreição, em São Paulo, resolveu adotar
o mesmo critério para os indigentes escravos e suplicados, escolhendo um terreno
pertencentes á Mitra, em frente à Chácara dos Ingleses, mais tarde chamado de largo de
São Paulo e Praça Almeida Júnior, onde se chegava pela atual rua da Glória e que era
delimitada pelas atuais ruas dos Estudantes, Galvão Bueno e Liberdade.

Cemitérios Revelam Passado


em 14/07/2002
O passado de Vale do Sol, município do Vale do Rio Pardo, está sendo desenterrado de
três cemitérios locais.

A partir do estudo de lápides, túmulos e escrituras, a professora Carmen


Halmenschlager está ajudando a contar a vida dos antigos habitantes da região e
preenchendo uma lacuna histórica.

A pesquisa capitaneada por Carmen levou dois anos e foi motivada por um dilema
profissional: a professora não tinha informações sobre os antigos moradores para
repassar aos mais de cem alunos.

Além da análise de lápides e escrituras, Carmen recorreu a exemplares do jornal


Kolonie, periódico publicado semanalmente em alemão, que trazia as participações de
falecimento.

– Os túmulos forneceram muita informação por ser repletos de escrituras, mas foi
preciso mais dados. Por isso recorri ao Kolonie, que tinha obituários imensos – explica
a professora, que pesquisou a vida da população entre os anos de 1900 e 1920.

Os obituários eram não só imensos mas também detalhados. Os textos se assemelhavam


ao que hoje seria uma reportagem jornalística: relatavam a vida do falecido, com
informações inclusive sobre a vinda da Alemanha, as doenças e a causa da morte. Para
traduzi-los, a historiadora contou com a ajuda do pesquisador Roberto Steinhaus, que
também desvendou as escrituras góticas dos túmulos.

Com persistência, visitas quase diárias aos cemitérios e muita leitura, Carmen
identificou as epidemias que atingiram a região, entre elas as de tifo e difteria – que
acometeram dezenas de pessoas em 1907 e 1908 – e a gripe espanhola e coqueluche.
Também mostraram-se comuns mortes de mulheres depois do parto.

– Os cuidados com a higiene eram mínimos na época, daí a disseminação dessas


doenças. Além disso, não havia médicos nem hospitais como hoje – conclui Carmen.

No cemitério de Rio Pardense, a professora Carmen estranhou a distância de três


túmulos. Depois de pesquisar no jornal e conversar com antigos moradores de Vale do
Sol, ela descobriu a razão da discriminação:

– Eles se suicidaram, e os suicidas eram repudiados pela sociedade a ponto de o caixão


entrar no cemitério por cima do muro, e não pelo portão. Por isso, eles foram deixados
no fundo do cemitério, contra o muro.

Os túmulos do início do século 20 em Vale do Sol são uma curiosidade à parte.


Diferentemente de hoje, alguns trazem escrituras em alemão gótico em todas as
extremidades da lápide. Nos textos há poemas, referências à causa da morte e
mensagens de afeto.

– Sabendo desses detalhes, pude conhecer características da sociedade, seu modo de


pensar e agir. Esse povo, por exemplo, trouxe para cá os costumes alemães. Eram muito
religiosos e detalhistas – diz.

Desde o início do ano, ela utiliza a pesquisa em aula. As informações sobre o Vale do
Sol, que segundo ela eram poucas e contavam somente com registros dos primeiros
colonizadores agora são mais completas.

– Valeu a pena passar tanto tempo nos cemitérios. Agora as crianças da cidade vão
conhecer melhor a história dos antepassados – orgulha-se.

OS ANÚNCIOS FÚNEBRES DO JORNAL KOLONIE:

• Ele há 18 anos sofria de asma, sendo que este problema nos últimos anos se associou a
água no sangue, e a morte veio como salvadora do sofrimento no dia 22 de dezembro de
1913 (...). O falecido trabalhou por longos anos na fábrica de máquinas e locomotivas
em Essen. Ele imigrou com sua esposa e quatro filhos em março de 1878. Morou
primeiro em Karlsruhe (hoje Vera Cruz) e de lá se mudou para Linha Formosa (Vale do
Sol).
• Para todos os parentes, amigos e conhecidos, levamos ao conhecimento a triste notícia
de que, pela vontade de Deus, o onipotente, levou meu muito amado filho (...), o
solteirão Wilhelm Jeggli, que faleceu calmamente após um longo e pesado sofrimento.
Há seis meses adoeceu de influenza espanhola (...) Especial agradecimento (...) ao
senhor Antonio Teichmann de Linha Facão pelo transporte do falecido sem qualquer
despesa abaixo de torrencial chuva (...)

Zero Hora - Porto Alegre/RS - 14/07/02

A HISTÓRIA DOS CEMITÉRIOS NO


BRASIL
No século XIX eram muitos os problemas graves e urgentes enfrentados pelas cidades.
O aspecto sanitário era um deles, como a precariedade dos hospitais, a não existência de
cemitérios, os enterros, as prisões, etc.
Naquele tempo era costume se enterrar os mortos nas igrejas. Mas isso apresentava
graves inconvenientes sanitários, sobretudo nas cidades onde a população crescia e
assim diminuía a oferta disponível de sepulturas.
Nas igrejas, nos conventos e nas capelas particulares, sepultavam-se os mortos da
nobreza rural e da burguesia urbana. Não se usava caixões e o defunto era envolto numa
mortalha e conduzido em uma padiola. Havia dois horários para os enterros, pela manhã
e à tarde, e durante esses horários diariamente as igrejas tocavam os sinos com o dobre
continuado e monótono de finados, o que provocava mal estar e reclamação da
população,
Também no século passado, os recifences adotavam extenso e espalhafatoso cerimonial
nos sepultamentos. Era costume enterros à noite, unicamente porque esse horário
possibilitava uma encenação bem mais dramática do que seria possível de dia. O
objetivo maior desse ritual era chamar atenção dos vivos para a riqueza do morto.
Quanto mais rico o defunto, mais aparato e fausto. O enterro era feito em forma de
procissão, tudo em meio a tochas e archotes acessos e os acompanhantes faziam
recitações em voz alta. Nunca se via um enterro de dia, porque a noite permitia uma
grande ostentação.
Mas essa ostentação não tinha nada a ver com os aspectos sanitários dos enterros, pois
os mortos eram colocados em catacumbas dentro das igrejas, as quais na maioria das
vezes só era fechada dias depois. Não havia também,prazo determinado para se ficar
com o defunto em casa e assim era comum que os mortos exalassem muito mau cheiro.
As vezes os defuntos chegavam a tal estado de decomposição que dos corpos "dos
cadáveres escorriam líquidos corrompidos que vão caindo por todo o caminho".
Apesar dos grandes males sanitários que os sepultamentos nas igrejas provocavam , o
preconceito para enterrar mortos em cemitérios construídos só para tal fim, era muito
grande, tanto entre a população como entre os religiosos.
As paredes das sepulturas das igrejas não apresentavam dimensões adequadas à vedação
completa das catacumbas, o que deixava passar sempre o mau cheiro e as pessoas não
podiam ficar muito tempo nos templos. As irmandades religiosas eram apontadas como
as principais causadoras desse mal e os vizinhos das igrejas eram os que mais sofriam.
Se fosse em época de alguma epidemia, quando o número de mortos era maior,
sepultava-se um ou dois corpos na mesma catacumba ou retiravam-se os corpos antes
que passasse o tempo necessário para decomposição do cadáver.
As catacumbas deixavam passar assim um mau cheiro infecto "que pode influir bastante
sobre a saúde pública, além do que nem sempre são fechados logo... e os cadáveres
passam toda a noite expostos ao ar, já estando em um ponto elevadíssimo de putrefação
e mais ainda... depois de abertas para receberem outros cadáveres", reclamava o médico
Joaquim de Aquino Fonseca.
O mau cheiro era tão terrível que as vezes famílias que iam muito cedo a missa, não
podiam nem entrar na igreja!
O defunto era conduzido no caixão envolto em uma mortalha e transferido 'sem caixão'
diretamente para a sepultura. A população usava caixões alugados que serviam a
enormes quantidades de corpos e "nem mesmo quem o vai buscar lembra-se que pode
trazer para sua casa um germem destruidor, porque pode muito ter ele servido a algum
indivíduo morto de afecção contagiosa e daí, desenvolver-se a mesma infecção nos
indivíduos da família. Esses caixões de aluguel, são forrados de panos, neles passam
corpos muitas horas em estado avançado de corrupção, de sorte que é impossível que
todos esses panos não se achem impregnados dos líquidos corruptos provenientes dos
cadáveres... ninguém indaga se o caixão que aluga serviu na véspera, a algum morto de
varíola ou de qualquer epidemia".
As próprias irmandades religiosas é que se encarregavam do aluguel dos caixões. Havia
muitas delas, de brancos, de negros, de mulatos e pardos.
As sepulturas, além do mais, estragavam muito as igrejas, sobretudo em tempos de
surtos epidêmicos, quando se acendiam fogueiras dentro delas. Destruíam os pisos, os
retábulos, as talhas de madeira, as pinturas dos tetos e as imagens.
A questão do mau cheiro, além do incômodo que causava, era, levada muito mais a
sério, era uma questão comprometedora e assustadora, pois até o século XIX a própria
medicina considerava que a principal fonte de contágio de doenças ocorria através do ar,
o qual disseminava as emanações provenientes do solo e da água por toda parte. Essas
emanações, esses cheiros, eram chamados de miasmas, era a teoria da origem
miasmática das doenças epidêmicas, que era universalmente reconhecida e aceita por
todos os médicos. O ar era assim, o principal propagador das doenças. O mau cheiro era
assim, uma terrível ameaça.
A construção de cemitérios públicos no século XIX era inovação urbana recente.
Consequência do surgimento da cidade industrial, que acelerou a urbanização de forma
descontrolada. Repentinamente os gestores da higiene e da salubridade públicas tiveram
que medicalizar as cidades e promover a remodelação do espaço urbano.
Vale a pena lembrar que a palavra cemitério, em sua origem latina, designava a parte
exterior da igreja, isto é, o adro ou atrium, que é a área externa na frente da igreja.
Primitivamente, o próprio conceito de igreja era também muito mais abrangente e igreja
significava não só seu interior mas, todos os espaços ao redor. Pouco a pouco esse
conceito de igreja-cemitério como coisa única, foi se modificando e na segunda metade
do século XIX esses dois conceitos já significavam construções diferentes.
O surgimento dos cemitérios foi consequência direta da insalubridade das cidades: "a
individualização do cadáver, do caixão e do túmulo aparece no final do século XIII, não
por razões religiosas de respeito ao cadáver, mas por razões político sanitárias de
respeito aos vivos. Para que os vivos estejam ao abrigo da influência nefasta dos
mortos... Não era uma idéia cristã, mas médica, política".
Mesmo depois de construídos cemitérios, havia ainda um problema de preconceito e
discriminação com que não era católico. Nas igrejas só eram sepultados os católicos.
Quando em 1802 faleceu no Recife o inglês Daniel Savage, enterraram-no, por ordem
do presidente da província, no fosso da Fortaleza do Brum.
Mesmo depois da assinatura do tratado de Abertura dos Portos em 1808 não havia
lugares "decentes" para se enterrar estrangeiros e só em 1811 foram determinados
terrenos para servir de cemitério aos estrangeiros no Rio de Janeiro e na Bahia. Em
Pernambuco, o terreno para um Cemitério dos Ingleses foi escolhido em 1814, pelo
presidente da província, no lugar chamado Santo Amaro. Assim é que, este Cemitério,
construído para servir de cemitério, foi o primeiro do Recife.
Só na década de 1850 é que se construiu um cemitério público para os pernambucanos.
Há algumas dúvidas quanto a autoria do projeto dele. Se é do engenheiro francês Louis
Léger Vauthier ou do engenheiro pernambucano José Mamede Alves Ferreira. Em 1851
iniciam-se as obras para construí-lo, e sua inauguração ocorre no dia 1º de março. Foi
chamado de cemitério do Senhor Bom Jesus da Redenção de Santo Amaro.
Alguns historiadores de arte referem que este campo santo ,com seu paisagismo
geometrizado, com linhas radiais e sessões poligonais, têm uma concepção que garantiu
o predomínio da paisagem sobre o túmulo.
Este cemitério pernambucano foi o 1º de todo Império, e comparava-se aos melhores da
Europa. Com o passar do tempo, o Campo Santo de Santo Amaro transforma-se até em
lugar de encontros chiques das dondocas recifenses.
Mas não foi fácil a população aceitar o cemitério. A epidemia de febre amarela que se
iniciou em 1849 e estendeu-se por alguns provocou o uso sistemático do mesmo.
Depois, em 1856, com a epidemia do Cólera Morbus, que chegou a matar mais de 100
pessoas por dia, no Recife o cemitério foi definitivamente incorporado à vida dos
pernambucanos.
Fonte: www.ars.com.br/projetos/ibrasil/1999
http://www.sincep.com.br/?key=1efa39bcaec6f3900149160693694536

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