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3/16/22, 10:26 AM jurisprudência.

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jurisprudência.pt

Tribunal da
Relação de
Guimarães
Processo

2569/07-1
Relator

ESPINHEIRA BALTAR
Sessão

10 Abril 2008
Votação

UNANIMIDADE
Meio Processual

APELAÇÃO
Decisão

IMPROCEDENTE

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TÍTULO EXECUTIVO

Sumário
1 - O cheque incompleto é um título executivo,
quando apresentado a pagamento, devidamente
preenchido, dentro do prazo de oito dias, após a
sua emissão, porque reúne todas as
características de um título de crédito.

2 - Para neutralizar a sua força executiva, incumbe


aos opoentes alegarem e provarem que não houve
acordo de preenchimento ou que o seu
preenchimento foi abusivo, porquanto violador do
acordo de preenchimento nos termos do Ac. STJ.
14/05/1996, uniformizador de jurisprudência,
publicado no DR. II Série, n.º 154, de 11/07/1996,
https://jurisprudencia.pt/acordao/5743/ 1/10
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pag. 9345 a 9347.

3 - Mesmo numa perspectiva de um mero


documento quirógrafo, revela-se como título
executivo nos termos do artigo 46 al. c) do CPC.,
porque estamos perante um cheque nominativo
em que consta o nome do devedor, do credor e e a
respectiva data, requisitos essenciais do título
executivo.

Texto Integral
Acordam em Conferência na Secção Cível da
Relação de Guimarães

A e B vieram deduzir oposição à execução contra


C.

No processo executivo, o exequente deu à


execução um cheque no valor de €26.915,00,
subscrito pelos executados, emitido à ordem do
exequente.

Alegam os opoentes, em síntese, que o cheque se


destinava tão só a evitar a remoção dos bens do
seu filho, no âmbito do procedimento cautelar de
arresto que o exequente moveu contra este,
apenas servindo como caução e garantia de
pagamento.

Concluem, dizendo que o cheque não tinha a


natureza de meio de pagamento exigível que
confere ao cheque força executiva, pugnando pela
procedência da oposição à execução.

Válida e regularmente citado, o exequente não


apresentou contestação

Mantêm-se os pressupostos de validade e


regularidade da instância, não subsistindo nem
sobrevindo quaisquer questões prévias que
obstem ao conhecimento do mérito da causa.

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A final foi prolatada decisão que julgou


improcedente a oposição à execução ordenando o
prosseguimento dos autos de execução.

Inconformados com o decidido, os opoentes


interpuseram recurso de apelação formulando
conclusões.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

Das conclusões de recurso ressaltam as seguintes


questões, a saber:

1 – Se deve ser aditada matéria de facto ao abrigo


do disposto no artigo 817 n.º 3 do CPC, conjugado
com os artigos 484 e 485 do mesmo diploma.

2 – Se o cheque junto aos autos e que serviu de


fundamento à execução, reúne os requisitos de
título executivo.

Iremos decidir as questões enunciadas.

1 – A decisão recorrida, ao abrigo do disposto no


artigo 817 n.º 3 do CPC, conjugado com os artigos
484 e 485, do mesmo diploma legal, deu como
assente um conjunto de factos alegados na
oposição que não foram objecto de impugnação,
por parte do exequente. E, a final, refere que o
restante da matéria alegada no articulado da
oposição é de natureza conclusiva, de direito ou
irrelevante para a decisão, pelo que não foi incluída
no elenco da matéria de facto dada como assente.

Os recorrentes insistem, nas alegações de recurso,


que a matéria dos artigos 3.º, 5.º e 6.º deve ser
levada ao elenco da matéria de facto provada,
porque tem interesse para a decisão da causa.
Pois, conjugada com a restante matéria de facto,
leva o tribunal a concluir que o cheque dado à
execução não foi preenchido pelos exequentes,
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mas apenas assinado por estes, em data que não


foi possível apurar, mas seguramente diferente
daquela que nele foi aposta por terceiros.

Julgamos que há aqui um lapso quando se diz que


o cheque não foi preenchido pelos exequentes,
mas apenas assinado por estes. Pois, o que se
pretendeu dizer é que o cheque não foi preenchido
pelos executados mas apenas assinado por eles.

Ressalvado este lapso, resta-nos analisar o teor da


matéria articulada nestes artigos da oposição.
Efectuada a análise que se impõe, conclui-se que a
matéria em causa é meramente circunstancial,
instrumental, explicativa da subscrição do cheque,
na medida em que estava em causa um arresto de
bens do seu filho, que foi suspenso por acordo do
exequente, porque os executados assinaram o
cheque em discussão. E da matéria de facto
assente resulta que os executados não realizaram
qualquer outro contrato senão o de garantir o
pagamento da quantia em débito por parte do seu
filho, que gerou o processo de arresto. Em face
disto, julgamos que não é de aditar a matéria de
facto dos artigos referenciados na oposição.

Além disso, esta questão nem faz parte do objecto


do recurso, porque não está expressa, nem
implícita, nas conclusões de recurso, sendo estas
que determinam o objecto sobre que deve
debruçar-se o tribunal para que se recorre.

Porém, no que respeita ao ponto de facto n.º 2 da


decisão, que dá como assente que “ os executados
assinaram o cheque em data anterior àquela que
nele consta- 29/10/2004”, julgamos que há um
lapso de escrita ou então um erro de julgamento
sobre a análise do cheque junto à execução. Na
verdade, olhando para o rosto do cheque, no local
da data da sua emissão, constata-se que está
escrito, com caneta ou esferográfica de bico fino a
seguinte data “ 2004 – 10 – 20”. E no rosto do
mesmo cheque foram apostos, com caneta de
feltro ou de bico grosso, dois traços oblíquos entre
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o meio e o lado direito, em paralelo, e ainda dois


traços verticais um ao canto esquerdo e outro ao
direito. E o do canto direito atinge o algarismo “0”
referente ao dia. E quem fizer uma abordagem
rápida, poderá ser induzido em erro, no sentido de
que aquele zero representa o algarismo “9”. Daí que
o julgador, ao elencar os factos se tenha
confundido com um nove, por mero lapso ou então
por erro de julgamento. Porém, comparando os
dois tipos de caneta ou esferográfica utilizados,
um de bico grosso e outro fino, verifica-se que o
traço vertical sobre o canto direito do rosto do
cheque que atinge o algarismo “0” referente ao dia,
foi colocado posteriormente ao preenchimento da
data da emissão do cheque e é contemporâneo dos
outros traços feitos com bico grosso. O que quer
dizer que este traço não altera o algarismo em
causa, pelo que a data aposta como de emissão foi
“2004 – 10 – 20” e não “ 2004 – 10 – 29”, como consta
da matéria de facto da decisão recorrida.

O certo é que a Relação pode corrigir este lapso ou


erro de julgamento, ao abrigo do disposto no artigo
249 do C.Civil ou de acordo com o disposto no
artigo712 n.º 1 al. a) do CPC, porque está na posse
de todos os elementos que levaram o tribunal
recorrido a decidir sobre matéria de facto. Assim
vamos corrigir o facto em causa no sentido de nele
passar a constar “ 2004 – 10 – 20”.

Agora vamos fixar a matéria de facto considerada


assente, que passamos a transcrever:

1. Foi dado à execução um cheque de €26.915,00


subscrito pelos executados, emitido à ordem do
exequente, tendo as demais menções nele
constantes sido indicadas e preenchidas por
terceiros.

2. Os executados assinaram o cheque em data


anterior àquela que nele consta - 20/10/2004.

3. O cheque foi sacado da conta pessoal dos


executados e entregue ao exequente como caução
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e garantia de pagamento do débito do filho


daqueles a este último.

4. Exequente e executados acordaram que o


cheque se destinava tão só a evitar a remoção dos
bens e permitir que o arrestado, filhos dos
executados, com mais tempo, pudesse arranjar o
dinheiro para pagar aquela quantia.

5. Os executados informaram o exequente que não


tinham a quantia aposta no cheque depositada na
sua conta, nem possibilidades para a provisionar.

2 – A sentença recorrida decide no sentido de que


o cheque em causa, é de garantia, porque visa
garantir uma dívida de terceiro para com o
tomador, tendo havido acordo entre os sacadores
e o tomador do cheque, quanto a esta função dada
ao cheque. Daí que face a esta função não seja
colocada a respectiva data de emissão. O certo é
que concluiu que, mesmo nesta situação, estava-
se perante um título de crédito com pagamento à
vista ao abrigo do disposto no artigo 28 da LUC.
Pelo que o cheque dado à execução não tenha
perdido as características de cheque, devendo
considerar-se como título executivo. E, em face
disto, uma vez que os executados não provaram o
acordo em que o mesmo deveria ser pago, julgou a
oposição improcedente.

Os opoentes consideram que o cheque em causa


não reveste as características de título executivo,
porque foi apresentado a pagamento fora do prazo
de oito dias, como o impõe a LUC. Além disso,
como cheque garantia não se apresenta como
meio de pagamento, característica fundamental do
cheque como título cambiário. E, em face disto,
consideram que o mesmo não reúne as condições
para ser qualificado como título executivo,
fundamento da acção executiva.

Analisando a matéria de facto, poderemos


concluir, com segurança, que estamos em
presença dum cheque que foi assinado pelos
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opoentes, aqui recorrentes, que no momento da


sua subscrição constava no mesmo o montante de
26.915,00 € e o nome do tomador. Apenas faltava a
data respeitante à emissão. E isto estava de
acordo com o fim que foi dado ao cheque, no
momento em que foi assinado. Dispunha-se o
mesmo a garantir o crédito do tomador sobre o
filho dos sacadores, para evitar, nesse momento, a
concretização do arresto. Com a subscrição do
cheque com este montante, o tomador exequente
e recorrido deu ordens para suspender a execução
do arresto. Foi a consequência imediata da
emissão do cheque. O objectivo pretendido pelos
executados foi atingido. Agora questiona-se se o
cheque que assinaram sem a aposição da data de
emissão, tem valor de cheque, isto é, de título de
crédito.

A LUC permite a emissão de cheques incompletos


que venham a ser completados posteriormente,
como resulta do disposto no seu artigo 13. É o caso
do cheque em discussão. É um cheque incompleto
relativamente à data de emissão, porque no
momento em que foi emitido esta não constava do
mesmo. E foi aposta posteriormente, como resulta
da análise do mesmo. E sendo colocada a data de
20 de Outubro de 2004, constata-se que foi
apresentado a pagamento a 20 do mesmo mês e
ano e devolvido por falta de provisão a 25 de
Outubro de 2004, isto é, dentro dos 8 dias exigidos
pelo artigo 28 da LUC, como se vislumbra da
análise do rosto e verso do cheque ( fls. 47 e 54). O
que quer dizer que se verificam os pressupostos
formais, para considerarmos o cheque em causa
como título de crédito, portador duma relação
cambiária, com força executiva nos termos do
artigo 40 e 41 da LUC, conjugados com o artigo 46
al. c) do CPC, que abrange os cheques que revistam
estas características.

Incumbia aos opoentes, nas relações imediatas,


alegar e provar, na oposição à execução, a
existência dum acordo de preenchimento e a sua
inobservância, por parte do tomador ou de outra
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pessoa a seu mando, para neutralizar a força


executiva do cheque dado à execução, como
resulta da leitura do Ac. STJ de 14 de Maio de 1996,
uniformizador de jurisprudência, publicado no DR II
Série, n.º 154, de 11/7/1996, a pag. 9345 a 9347 que
reza o seguinte: “ Em processo de embargo de
executado é sobre o embargante, subscritor do
cheque exequendo, emitido com data em branco e
posteriormente completado pelo tomador ou a seu
mando, que recai o ónus da prova da existência de
acordo de preenchimento e da sua inobservância”.
Ora como os opoentes não alegaram o pacto de
preenchimento, e muito menos provaram a sua
inobservância, não conseguiram com a sua
oposição neutralizar a força executiva do cheque
apresentado à execução. Não basta dizer que o
cheque era para garantia e que, no momento não
tinha provisão, nem possibilidades de o
provisionar. Se fosse assim, o cheque em causa
não valia o que quer que fosse, criando uma
insegurança jurídica tal, que o portador e o público
em geral não mais acreditava nos cheques. E não é
isso que a LUC pretende ao possibilitar a emissão
de cheques incompletos. O que não permite é que
valham como tal, enquanto não estiverem
devidamente preenchidos com os requisitos
considerados essenciais. Uma vez regularizado o
seu preenchimento, o cheque aparece como título
de crédito, incorporando um direito cambiário
sujeito ao princípio da literalidade e abstracção. E
só nas relações imediatas é que o sacador do
cheque pode opôr-se ao preenchimento abusivo.

O certo é que terá de alegar que o seu


preenchimento não está de acordo com o
combinado. E os opoentes não o fizeram no seu
articulado da oposição. Pois não disseram que a
data nele aposta não corresponde ao que foi fixado
por acordo entre eles e o portador do cheque, aqui
recorrido e exequente. Assim, a sua oposição, face
ao que foi exposto, não neutralizou a força
executiva do cheque, enquanto título de crédito.

Além disso, mesmo numa perspectiva de mero


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documento quirógrafo, julgamos que estamos


perante um documento capaz de satisfazer os
requisitos do título executivo, consignado no artigo
46 al. c) do CPC. E isto, porque no mesmo está o
nome de quem subscreveu o documento, o nome a
favor de quem foi subscrito e o montante. Este
documento revela que quem o subscreveu deve a
quantia nele inscrita à pessoa nele mencionada.
Pois, através desse documento, foi dada uma
ordem a uma instituição bancária, para que
pagasse à pessoa nele inscrita, como tomador do
cheque, uma vez que estamos perante um cheque
nominativo. E quem faz isso, porque credor dessa
instituição, é porque reconhece que lhe deve o
dinheiro e assim ordena que lhe seja entregue pela
apresentação desse cheque. Sabemos quem é o
devedor e o credor. Verificam-se, nestas
circunstâncias, todos os requisitos do título
executivo consignados no artigo 45 e 46 al. c) do
CPC. Mesmo que se exija que o exequente alegue
no requerimento executivo a relação jurídica
subjacente ao cheque, para que este valha como
título executivo, como defende alguma doutrina e
jurisprudência publicada, tanto do STJ e das
Relações, para que o executado se possa defender,
neste caso, os executados defenderam-se,
alegando, inclusive, a relação jurídica subjacente,
traduzida na garantia de pagamento do débito que
o seu filho tinha para com o exequente. O que quer
dizer que assumiram, através da subscrição do
cheque, o pagamento da dívida do seu filho para
com o exequente, tomador do cheque, a quem o
entregaram.

Portanto, os executados tiveram toda a


oportunidade de se defenderem e manifestaram a
assunção da dívida do seu filho para com o
exequente. E se isso não tivesse acontecido, o
credor do filho não teria permitido que o arresto
tivesse sido sustado. Daí que julgamos que se
verificam os requisitos para se qualificar o
documento intitulado cheque, mesmo como
quirógrafo, como título executivo, fundamento da
acção executiva.

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Decisão

Pelo exposto, acordam os juizes da Relação em


julgar improcedente a apelação, e,
consequentemente, confirmam a decisão, embora
com outros fundamentos.

Custas a cargo dos recorrentes.

Guimarães,

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