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A argumentação talvez não seja o que parece ser - Patrick Charaudeau*

Introdução
Questionamentos
Não há pergunta relativa à linguagem que seja simples de tratar, mas a que diz respeito à argumentação
talvez seja uma das mais difíceis e uma das mais ardilosas.
Em que sentido é preciso entender essa noção? Num sentido geral, remetendo ao fato de que todo ato de
linguagem seria, de qualquer maneira, argumentativo? Num sentido restrito, que consideraria que a atividade
argumentativa só seria uma atividade entre outras, como a descritiva ou a narrativa? Aceitando-se a existência
dessa noção, pode-se falar indiferentemente de argumentação, de explicação, de demonstração, de persuasão;
são simples variantes, outras categorias, subcategorias? Será que toda argumentação incluiria uma explicação, ou
seria o inverso? Toda argumentação seria ao mesmo tempo uma informação?
Caso se aborde essa questão por meio dos tipos de textos, enfrentam-se ainda mais dificuldades: uma receita
de cozinha, uma bula farmacêutica, o texto redacional de uma publicidade, um artigo de uma revista científica, a
lição de um manual escolar, certa crônica jornalística podem ser perfeitamente distinguidos como
argumentativos, explicativos, persuasivos ou demonstrativos? Correlativamente, quais seriam os critérios que
permitiriam distinguir um texto argumentativo de outros tipos de textos? Seriam as marcas de encadeamento
lógico (conectores)? Em outras palavras, um texto seria argumentativo à vista unicamente de sua manifestação
explícita, não podendo ele ser implicitamente argumentativo?
Enfim, poder-se-ia considerar as coisas por um outro lado e perguntar para que serve a argumentação, qual é
sua finalidade comunicativa e social (o que faz com que, em uma dada circunstância de comunicação, se escolha
preferencialmente narrar, descrever ou argumentar?) e se essa finalidade não permitiria classificar diferentes
tipos de discursos.

Algumas reflexões preliminares


Inicialmente, exporei algumas reflexões que permitirão ver os diferentes fatores que essas questões revelam.
Um primeiro fator que está em jogo é saber se é a argumentação ou a narrativa que seria o todo da
linguagem.
Desde a Antigüidade, existe uma dupla resposta. Uma defende a idéia de que tudo é argumentação
argumentando que, em presença de qualquer enunciado, mesmo o do poeta (a terra é azul como uma laranja),
poder-se-ia perguntar: por que ele disse isso? ou por que ele o disse assim?, o que conferiria a todo enunciado ou
ato de linguagem uma orientação argumentativa.
A outra resposta defende a idéia de que tudo é narração, porque esta seria o que permite ao homem relatar o
mundo e, dessa forma, contar-se, fazendo com que a linguagem servisse essencialmente para descrever uma
busca, a do destino humano. Evidentemente, esses dois aspectos estariam ligados, mas, em cada uma dessas
posições, uma dominaria a outra: para a argumentação, a narração só seria uma expansão descritiva necessária
para preencher de carga semântica os argumentos da cadeia de raciocínio; para a narração, a argumentação só
viria como um apoio da descrição dos fatos.
Assim, narração e argumentação revelariam duas atitudes diferentes mas complementares do sujeito falante.
A que consiste em produzir a narração, isto é, em descrever as qualidades de seres do mundo e suas ações, não se
impõe ao outro (aquele que recebe a narrativa); ela lhe propõe, ao contrário, uma trama narrativa do mundo do
qual ele pode fazer parte. Essa atitude pode ser denominada projetiva: ela permite ao outro se identificar com as
personagens da narração.
Em contrapartida, aquela que consiste em produzir a argumentação, isto é, explicar o porquê e o como dos
fatos, obriga o outro a se incluir num certo esquema de verdade. Essa atitude pode ser denominada impositiva:
ela impõe ao outro seu modo de raciocínio e seus argumentos. Essas duas atitudes se mesclam, se interpenetram
em muitos dos atos de comunicação, mas pode-se considerar que, conforme as situações e o que está em jogo na
comunicação, cada uma, a seu turno, será dominante.
Um segundo fator está em jogo na questão de saber se a argumentação depende de uma atividade de
pensamento, de uma atividade de língua ou de uma atividade de discurso.
Declarar que a argumentação depende de uma atividade de pensamento remete à tradição dos estudos de
lógica que, na filiação da filosofia platoniana, concedem ao pensamento uma autonomia em relação à linguagem:
aquele realizaria operações de raciocínio independentemente desta. A linguagem seria, pois, uma simples (e às
vezes mal feita) manifestação. Aqui é afirmada a existência de uma lógica formal (a dos silogismos e das condições

* In: GIERING, Maria Eduarda e TEIXEIRA, Marlene. Investigando a linguagem em uso: estudos em Lingüística Aplicada. São Leopoldo, RS: Editora Usininos, 2004. pp. 33 – 44.
necessárias e suficientes, retomada e mantida pela lógica matemática) como referência e garantia da boa
argumentação.
Declarar que a argumentação depende de uma atividade de língua revela uma tomada de posição
radicalmente oposta à precedente. Esse ponto de vista afirma que o que concerne ao raciocínio só pode ser
apreendido por meio da atividade de linguagem e que esta impõe sua própria lógica, denominada lógica natural.
A argumentação deve, então, ser estudada como um fenômeno estritamente linguageiro. Todavia, alguns vão
ainda mais longe, tentando demonstrar que é na língua que se encontra a argumentação. Trata-se, aqui, de
considerar que as palavras (gramaticais e lexicais) possuem nelas mesmas uma força de orientação semântica.
Elas adquiriram essa orientação pelo emprego em contextos recorrentes; além disso, tal orientação se encontra
reforçada ou refutada conforme as particularidades semânticas de outras palavras do contexto. Assim, todo
enunciado participaria de um fazer crer, e a escolha de cada palavra far-se-ia segundo a orientação argumentativa
desta.
Enfim, declarar que a atividade argumentativa depende do discurso remete à dita tradição dos estudos de
retórica argumentativa, pelo menos aqueles que tentam descrever as categorias e os mecanismos da
operacionalização da linguagem com fins de persuasão. Sabe-se que essa tradição, forte na filosofia clássica,
conheceu momentos de declínio após sua ascensão e, atualmente, passa por uma certa recrudescência.
Um terceiro fator em jogo se dá em torno da questão de saber se um texto argumentativo será declarado
como tal pelo seu aspecto explícito (é possível localizar marcas específicas, como os conectores e um certo tipo de
construção frástica) ou se um texto pode ser igualmente considerado argumentativo por sua organização
implícita. Por exemplo, pode-se dizer que uma receita de cozinha é um texto argumentativo, mesmo se ele não
apresenta qualquer conector?
Isso levanta a questão de critérios que deveriam permitir diferenciar os textos: são critérios que remetem às
características formais de textos ou critérios que remetem à finalidade da situação em que se inscreve o texto?
Um testemunho, por exemplo, que é, ao mesmo tempo, uma mini-narrativa, podendo ter um valor de prova, será
reconhecido pelas marcas particulares ou pelo fato de se encontrar em uma situação que lhe confere estatuto de
testemunho? Responder a essas questões supõe que se tenha recorrido a uma teoria de gêneros e de tipos
discursivos.
Enfim, o que está em jogo em torno da questão é saber qual a finalidade comunicacional da argumentação.
Caso se considere essa questão do ponto de vista do julgamento social, por meio do que se chama o discurso
circulante, que é portador de representações, percebe-se que ter uma atitude argumentativa ou falar de
argumentação faz surgir julgamentos opostos: ora positivos, porque essa atitude manifesta -por parte daquele
que argumenta bem - rigor de pensamento, domínio do raciocínio, força de persuasão e saber dizer (seu raciocínio
é sem falha, tem argumentos incontestáveis), ora negativos, pelo fato de que ela é tida como coercitiva; o sujeito
que argumenta se impõe ao outro, tomando a palavra por muito tempo e se colocando em posição superior
relativamente a seu interlocutor (que raciocínio!, que expositor de conhecimentos!).
Quanto à escola, outro lugar a que diz respeito essa problemática, percebe-se, ao analisar o que dizem as
instruções, o que propõem os manuais e o que revelam as sondagens feitas junto aos professores, um mal-estar,
que, com certeza, não aparece quando se trata de outros objetos de ensino. Como ensinar a argumentação?
Quando se trabalha com atividades tais como a dissertação literária, a análise gramatical ou lógica, a análise de
textos, a produção de textos não-literários? Além disso, a aula de francês é, de fato, o lugar de aprendizagem da
lógica do pensamento? Não seria preferencial na aula de matemática? Não obstante, trata-se do mesmo rigor de
pensamento daquele exigido para a escritura de um texto?
Vê-se, mediante essa série de perguntas e de reflexões, que não se pode responder pontualmente a cada uma
delas sem propor um quadro geral de tratamento dessa noção. O meu será um quadro de análise de discurso que
tenta definir as condições semiolingüísticas da comunicação.

Proposição de um ponto de vista


Eu continuo a defender a idéia - já exposta em diferentes textos - de que todo ato de linguagem só tem
significado em função da situação de comunicação na qual ele é produzido, da identidade e da intencionalidade
do sujeito que é o responsável por ele, do tema de que trata (a tematização) e de circunstâncias materiais em que
ele se encontra. A argumentação é, então, considerada uma prática social (ordinária ou erudita) na qual o sujeito
que quer argumentar se encontra restringido pelos dados da situação comunicacional a que se subordina e, ao
mesmo tempo, livre para jogar com essas restrições, dispondo de uma margem de manobra que lhe permite
realizar seu próprio projeto de fala e trabalhar estratégias. É, portanto, no cruzamento desses dois espaços de
imposição e de liberdade que se constitui a especificidade de um ato de linguagem. A argumentação não deve ser
julgada em referência a um modelo absoluto de pensamento lógico (a argumentação formal); esta não é melhor
do que uma outra, ela é simplesmente diferente. Cada situação de comunicação produz seu próprio quadro de
referência; portanto, não há lugar para se falar em quadro falacioso.
Entretanto, visto que todo sujeito falante é levado a experimentar diversos tipos de situações de
comunicação, pode-se aventar a hipótese de que, por recorrência e acumulação dessas experiências linguageiras,
ele é levado a descobrir e utilizar maneiras de argumentar que acaba por assimilar sob diversas formas:
esquematizações abstratas que correspondem às condições do modo como argumentar (por oposição ao modo
como descrever, como narrar), estoques de argumentos e uma reserva de procedimentos discursivos. Isso justifica
que se tente definir o que são as condições gerais da atividade argumentativa dos pontos de vista cognitivo,
situacional e estratégico.

As condições enunciativas da atividade argumentativa


A atividade argumentativa se define em uma relação triangular cujos pólos são os seguintes: um sujeito
argumentador, um sujeito-alvo ao qual é proposta-imposta a argumentação e um propósito sobre o mundo que é
o objeto de uma busca de verdade. É preciso, conseqüentemente, que o sujeito argumentador conduza o sujeito-
aivo a um mesmo quadro de questionamento, que lhe proponha um modo de tratar esse questionamento e que
lhe traga, ao mesmo tempo, o modo de julgar a validade desse tratamento. Isso determina as condições
enunciativas de base que fazem com que um discurso seja reconhecido como argumentativo, desde que o sujeito
argumentador se entregue a uma tripla atividade: problematizar, elucidar e provar, sem prejulgar por ora o que
poderia ser a especificidade de seu projeto de fala ou da situação de comunicação (monolocutiva ou
interlocutiva).
Problematizar é uma atividade cognitiva que corresponde a fazer saber não somente aquilo de que se trata
(qual é a questão), mas também o que se deve pensar sobre isso. Problematizando, o sujeito argumentador
fornece a seu interlocutor o meio (mais ou menos explícito) de determinar o quadro de questionamento ao qual é
preciso ligar o ato de asserção9. Uma asserção não se presta a nenhuma discussão (nem argumentação) enquanto
não se percebe a possível problematização: o enunciado o primeiro-ministro demitiu-se pode ser apenas uma
simples constatação; ele só se torna problematização a partir do momento em que é considerada a asserção
oposta o primeiro-ministro não se demitiu, o que nos obriga a interrogar sobre as causas e as consequências dessa
oposição. Em outras palavras, cada vez que um locutor profere um enunciado e que o interlocutor lhe retruca e
daí?, isso quer dizer que ele não apreendeu a problematização. O questionamento pode incidir sobre o enunciado
ou sobre o próprio ato de enunciação mediante o seguinte: a) se o questionamento incide sobre o enunciado, ele
obriga o interlocutor a se interrogar sobre como foi dito, sobre qual é a causa ou sobre a conseqüência do fato em
si mesmo (por que é assim? como é possível? o que vai acontecer?); b) se o questionamento incide sobre a
enunciação, ele obriga o interlocutor a se interrogar sobre o que autoriza o locutor a enunciar tal asserção (porque
você disse isso!) e sobre o que autoriza o locutor a envolver o interlocutor (porque você me disse isso, você, para
mim?).
Problematizar consiste, então, em propor-impor um quadro de questionamento que põe em oposição duas
asserções a respeito de cuja validade o sujeito-alvo é levado a se interrogar.
Elucidar é uma atividade cognitiva que corresponde a um fazer compreender as razões que são admitidas por
hipótese, para explicar o estado do fato asseverado ou as conseqüências possíveis deste sobre a sequência dos
acontecimentos. Toda elucidação pressupõe, então, que o fato seja verificado, que sua existência não seja posta
em questão. Não se trata de provar a existência ou a autenticidade do fato, mas de explicar o porquê e o como do
fato. Elucidar é entrar no universo discursivo da causalidade, e não no universo da existencia-lidade fenomenal. O
universo da causalidade se inscreve necessariamente no tempo e tem, portanto, algo a ver com a experiência que
o homem pode ter da sucessão de acontecimentos do mundo e do tipo de relação que estes mantêm entre si.
A causalidade, como já se disse, está ligada à narrativa de acontecimentos. Ela compreende dois aspectos,
conforme a consideremos acima ou abaixo do fato descrito.
No que precede o fato descrito, encontram-se as causas suscetíveis de terem originado o fato. Face a essas
causas, a elucidação pode consistir em dar como origem o fato imediatamente anterior ou uma sucessão de fatos.
Tratar-se-á, aqui, de urna elucidação que explicita o que se pode chamar de causas imediatas. Entretanto, a
elucidação pode igualmente procurar fornecer origens múltiplas, elementos diversos cuja convergência, por um
jogo de paralelismos e de analogias, tornar-se-ia indício de explicação. Tratar-se-á, aqui, de uma elucidação que
analisa causas profundas.
No que segue o fato descrito, encontram-se as conseqüências possíveis dos fatos. Estas, evidentemente, só
podem ser da ordem do possível, imaginado num futuro mais ou menos imediato. Se esse futuro é mais imediato,
falar-se-á de previsão, a qual supõe, além disso, que tenha sido operado um cálculo racional que a torne válida
(como para a meteorologia); se esse futuro é menos imediato, falar-se-á de predição, a qual repousa, antes, numa
visão não-racional de acontecimentos vindouros, visão que o senso comum denomina sentimento, intuição,
vidência ou profecia.
É no âmbito dessa atividade de elucidação que são operados alguns modos de raciocínio (dedutivo, indutivo,
restritivo, associativo, etc.) cuja escolha e validade dependem de imposições da situação de comunicação.
Provar é uma atividade cognitiva que corresponde a um fazer crer, o qual serve para fundamentar o valor de
uma elucidação. De fato, problematizar e elucidar não constituem o todo do discurso argumentativo. É preciso,
ainda, que o sujeito argumentador se posicione em relação à validade de elucidações possíveis e que, do mesmo
modo, ele dê ao interlocutor os meios de julgar a validade do ato de elucidação que foi instaurado a partir da
problematização inicial. É preciso que esse último esteja, por sua vez, apto a aderir à elucidação proposta ou a
rejeitá-la. Um elo de causalidade entre duas ou várias asserções só pode ser julgado quanto ao conteúdo da prova
que dirá se esse elo é de possibilidade, de probabilidade, de necessidade ou de fatalidade.12 Não basta estabelecer
um elo entre o consumo de tabaco e a saúde, como em o consumo de tabaco prejudica gravemente a saúde; é
preciso, ainda, poder provar que essa ligação é da ordem do possível ou da fatalidade. É por isso que se recorrerá
a argumentos de ordem empírica, experimental ou estatística, que têm um valor ético, pragmático ou hedônico.
Todo sujeito argumentador é, portanto, levado a escolher argumentos que desempenham um papel de garantia
do raciocínio. Por meio dessa atividade, sempre tentando validar seu raciocínio, ele revela, ao mesmo tempo, seu
posicionamento face a sistemas de valores que circulam na sociedade a que ele pertence.

As restrições da situação
Entretanto, as condições dessa atividade cognitiva não poderiam constituir o todo da argumentação, pois esta
aparece sempre em uma situação particular de troca linguageira. O conjunto de dados de um tipo de situação
define o que se denomina um contrato de comunicação. Ora, a natureza do quadro comunicacional e do contrato
de comunicação aparece como absolutamente determinante para a qualidade de argumentações que aí se
desenvolvem^. Eu defini e justifiquei essa noção em vários escritos e não me estenderei, portanto, em relação a
eles. Só lembrarei seus componentes e darei um exemplo deles.
Os componentes do contrato de comunicação são em número de quatro: a finalidade, que determina por que
se fala, o que está em jogo no ato de comunicação; a identidade dos parceiros da troca, que determina quem fala
a quem, em função de estatutos e de lugares que estes devem ocupar; o tema, que determina de que se fala, o
domínio temático que é objeto da troca; enfim, as circunstancias, que constituem os dados materiais do quadro
da troca.
Assim, julgar a validade de um discurso argumentativo remete à interrogação, antes, sobre as características
do contrato em que ele se insere. Tomemos o exemplo do contrato de informação midiática. Este se caracteriza
por uma dupla finalidade de credibilidade e de captação. De credibilidade, porque ele se inscreve numa lógica
simbólica de democracia que consiste em construir a opinião pública; de captação, porque ele se inscreve numa
lógica comercial que o obriga a dirigir-se a um maior número de pessoas. É, portanto, com um duplo problema de
veracidade do discurso e de sedução que está confrontado o sujeito informante que quer argumentar nesse
quadro, situação muito pouco confortável na medida em que ele deve, ao mesmo tempo, a) explicitar a
causalidade imediata de acontecimentos da maneira mais verdadeira possível; b) analisar as causas profundas do
acontecimento, o que ele dificilmente pode fazer, pois não tem suficiente distância em relação à atualidade
fenomenal; é por isso, aliás, que freqüentemente se recorre a especialistas externos; c) provar neutralidade; d)
dramatizar seu discurso para torná-lo o mais atraente possível.

As estratégias do sujeito argumentador


Uma vez instaurado o quadro de questionamento no interior de dados do contrato de comunicação, o sujeito
argumentador pode desenvolver estratégias de argumentação em função dos alvos de influência que
correspondem a seu projeto de fala. Propor-se-á considerar que essas estratégias se desenvolvem em torno de
três elementos que estão em jogo, que não são exclusivos uns dos outros, mas que se distinguem pela natureza de
sua finalidade.
Um elemento é a legitimação, que visa a determinar a posição de autoridade do sujeito, de modo que este
possa responder a: em nome de que eu tenho fundamento para argumentar?. O que entra em jogo na legitimação
está, portanto, voltado para o próprio sujeito falante (está voltado para o eu) e pode se fundamentar sobre dois
tipos de posição: a) de autoridade institucional, posição que está fundada sobre o estatuto do sujeito, conferindo-
lhe autoridade de saber (expert, sábio, especialista) ou de poder de decisão (responsável por uma organização); b)
de autoridade pessoal, posição que está fundada sobre a atividade de persuasão e de sedução do sujeito que lhe
dá uma autoridade de fato, a qual pode, aliás, se sobrepor à precedente.
Essa posição de autoridade do sujeito é pressuposta e percebida pelo outro, mas ela pode igualmente não ser
percebida ou posta em dúvida, ou mesmo ser contestada. A partir daí, o sujeito pode ser levado a produzir um
discurso de autojustificação.
Um segundo elemento que está em jogo é a credibilidade, que visa a determinar a posição de verdade do
sujeito, de modo que ele possa responder a: como posso ser levado a sério? (o que está em jogo está então
orientado para o ele). Para fazer isso, o sujeito pode escolher dois tipos de posições: a) de neutralidade, posição
que o levará a apagar, no seu modo de argumentação, toda marca de julgamento e de avaliação pessoal, seja para
explicitar as causas de um fato ou para demonstrar uma tese; b) de engajamento, o que levará o sujeito,
contrariamente ao caso precedente, a optar (de modo mais ou menos consciente) por uma tomada de posição na
escolha de argumentos ou na escolha de palavras, ou por uma modalização empregada em seu discurso. Isso
produzirá um discurso de convicção destinado a ser partilhado pelo interlocutor.
Outro elemento em jogo é a captação, que visa a fazer entrar o parceiro da troca comunicativa no quadro
argumentativo do sujeito falante, de sorte que este chegue a resolver o problema de: como fazer para que o outro
possa "ser levado" por aquilo que digo. Para isso, o sujeito pode escolher dois tipos de objetivos: a) polêmico,
objetivo que o leva a questionar alguns dos valores que seu parceiro (ou um terceiro a que se refere) defende, ou
a própria legitimidade deste, objetivo que o leva a produzir um discurso de interpelação; b) de persuasão e de
dramatização, objetivo que levará o sujeito a instaurar uma atividade discursiva feita de analogias, de
comparações, de metáforas etc. que se apóiam mais em crenças do que em conhecimentos para forçar o outro a
partilhar certos valores ou a sentir certas emoções. Logo, o sujeito que argumenta pode, no momento em que
deve fornecer uma explicação, pôr em cena dois tipos de causas que são suscetíveis de ter cada uma um efeito
dramático particular: causas humanas, que constroem um universo de discurso em que o homem é julgado
responsável, o que pode ter um efeito de responsabilidade pelo fato de que esse discurso apresentaria à
sociedade um espelho mediante o qual ela poderia julgar a culpabilidade dos outros ou sua própria culpabilidade;
causas não-humanas, que constroem um universo de discurso em que o homem está ausente, remetendo-o, por
essa mesma razão, à sua impotência diante de forças obscuras que estão acima dele, o que pode ter um efeito de
irresponsabilidade pelo fato de que esse discurso apresentaria à sociedade um espelho no qual ela só poderia ver
seu implacável destino.

Conclusão
Reitero, descreveram-se aqui as condições de uma atividade linguageira, e não um tipo de texto. Disso,
podem-se tirar alguns ensinamentos:
a) Inicialmente, não mais se referir à idéia de que existiria uma maneira ideal de argumentar; portanto, seria
a partir desse parâmetro que se julgaria a argumentação. É claro que o ato de argumentar depende de uma certa
mecânica (a atividade cognitiva), mas só pode ser julgado e validado em função de imposições da situação de
comunicação e do projeto de fala que o sujeito opera dentro de estratégias. Não há mais quadro falacioso; cada
situação contratual produz seu próprio quadro de validação.
b) Em seguida, não procurar, a qualquer preço, tipos de textos que seriam definidos como unicamente
argumentativos, pois os textos são plurais, extraídos mais freqüentemente de tipos discursivos diferentes; um
gênero textual não se define nem por seu modo de organização discursiva (ainda que este sirva para alguma
coisa), nem por suas condições de produção, condições que não são discursivas mas situacionais; isso obriga, do
mesmo modo, a não reduzir a argumentação unicamente à sua parte explícita.
Enfim, é necessário esclarecer que, ao tratar a argumentação como uma prática social da qual se procura
determinar as condições de enunciação, vê-se melhor como podem se exercer os jogos de manipulação e de
contra-manipulação nas trocas linguageiras. Isso impede a crença de que a argumentação é um privilégio apenas
dos dominantes e de que ela é um acontecimento ligado exclusivamente ao sujeito argumentador. A
argumentação diz respeito ao conjunto de parceiros do ato comunicativo, o que mostra o papel que a escola pode
desempenhar no ensino dessa atividade linguageira, que é o principal instrumento da formação da opinião
pública.

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