Você está na página 1de 6

Contabilidade

Da normalização
contabilística nacional
à internacional Por Rogério Fernandes Ferreira
Professor Universitário (Jubilado)

O tema em epígrafe mereceu-nos dezenas de anos de meditação e Dir-se-á, todavia, que não há bela sem
trabalho. Inclusive apresentámos dissertação de doutoramento sob senão ou que, por melhor que seja uma
solução, haverá sempre algo de dissonan-
este título e com esse conteúdo. te a contrapor-lhe, ainda que insuficiente-
mente relevante para retornar a pontos de
Apontámos, em Anteprojecto de Plano n A da análise macro-empresarial, para a partida, embora o progresso pensado possa
Geral de Contabilidade, editado em 1973 qual se passa a contar com critérios na- redundar em recuos, com custos e sacrifí-
pelo Ministério das Finanças (DGCI), as turalmente mais válidos, procedimentos cios enormes, como na longa História do
vantagens seguintes para a normalização mais convenientes, dados mais exacta- Mundo muitas vezes aconteceu.
contabilística: mente, terminologia uniforme, agregações O problema a suscitar é que numa nor-
n A da empresa: a normalização, na me- menos erradas, favorecendo-se estatísticas malização contabilística de nível interna-
dida em que assentar em planificação sectoriais nacionais e possibilitando-se cional é menos fácil atender a sugestões
bem aceite e concebida, haverá neces- um melhor conhecimento da Economia isoladas dos técnicos de um pequeno
sariamente de ser útil às empresas. Estas Nacional. As entidades oficiais e os pró- país.
virão a colher as vantagens de passar a prios empresários disporiam assim de A sabedoria portuguesa em contabili-
dispor de estatísticas de sector que mais correctos instrumentos de análise e dade é a comum e a actual. De modo geral,
mostrarão a sua posição relativa. Isso de previsão. não estaremos afastados do que aparece
incentiva quem, colocado em situação n A da tributação, que assentaria em pro- inserido em normativos internacionais. Po-
mais desfavorável, tenha de proceder a cedimentos mais ortodoxos e certeiros, pro- de dizer-se que não há dissonâncias entre a
revisões e alterações para melhorar a sua piciando-se assim um mais fácil controlo doutrina e a sã prática contabilísticas na-
posição e produtividade. dos elementos que servem de base ao esta- cionais e as normas internacionais. Ao con-
n A da profissão de técnico de contabi- belecimento da tributação das empresas. frontar a nossa estrutura conceptual com o
lidade que passa assim a dispor de um Porque assim se pensava em Portugal que se retira de normas internacionais não
código de regras e procedimentos. nas décadas de sessenta/setenta do século se encontram divergências sensíveis.
n A da didáctica e o da pedagogia. A passado não se estranhou que vingassem Nos nossos livros de contabilidade dos
normalização pode proporcionar orien- os trabalhos sobre normalização contabi- meados do século passado apresentavam-
tações menos discutíveis, evitando perdas lística a que se procedeu nas décadas se- se noções de Activo e Passivo como as
de esforços em “descobertas já descober- guintes. E também não se estranhou que seguintes:
tas”, transferindo a energia desses esfor- o tema esteja a encarar-se em termos de n Activo – compreende todos os elementos
ços para a crítica e remodelação posterior maior vastidão, atenta a evolução do patrimoniais activos, elementos que se
das normalizações efectuadas no que mundo no sentido da internacionalização, caracterizavam por serem propriedade da
estas carecem de correcções. da globalização hoje dominante. pessoa ou empresa considerada.

Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006 19


Contabilidade

Assim se referia nos livros de contabi- mentam-se as chamadas contas de gestão que hoje não raramente se tenha já passa-
lidade mais elementares. Em lições para cujos débitos, créditos ou saldos geram do a patrimonializar recursos contra o que
cursos superiores já se adoptavam acep- no fim do exercício transferências de e dantes se admitia. Aliás, hoje fala-se inclu-
ções técnico-contabilísticas de mais rigor. para Resultados ou Balanço (remanes- sive em recursos financeiros, mas anota-se
Não se acha assim estranho que as nor- centes), consoante os casos. que em tal caso está a referir-se a financia-
mas contabilísticas internacionais apon- A terminologia contabilística tem-se mentos, que são valores do Passivo e do
tem que não só tem valor relevante como adequado à nomenclatura da economia Capital Próprio e não do Activo.
Activo aquilo de que se dispõe em termos da empresa. E outros termos ou expres-
de propriedade plena ou de direitos reais sões passaram a utilizar-se também Um recurso controlado
menores ou de titularidade (direitos de (v.g. investimentos e financiamentos; Controlado – Eis aqui um adjectivo que
crédito) mas também elementos patrimo- aplicações e origens de capitais; capital configura sentidos extremamente vagos.
niais que embora pertença de terceiros funcional; etc.). Consideram-se úteis Veremos se no contexto sob exame o sen-
propiciam possibilidades de utilizações bivalências, multiplicidades e também tido é próprio.
rendosas bem como despesas a patrimo- particularizações de sentidos. Assim O verbo controlar chegou à nossa lín-
nalizar devido a gerarem benefícios em pensando, temos de louvar as buscas de gua primeiro por influência do francês,
exercícios futuros e ainda proveitos do novas conceituações, nada se estranhan- significando em especial verificar, fisca-
exercício que não geraram nem recebi- do se pretendam reformular os conceitos lizar.
mentos nem sequer competentes compro- tradicionais de Activo, Passivo, Provi- Nas Normas Internacionais de Contabi-
vativos dos efectivamente já devedores. sões, Custos e Proveitos como acontece lidade a palavra controlled aparece ligada
(caso, por exemplo, de activos inscritos no, digamos, normativo contabilístico in- à acepção de dominar, tutelar, supervisio-
em contas 27 do actual POC). ternacional (vejam-se, a este respeito, nar, governar, dirigir. Os últimos sentidos
n Passivo – a expressão Passivo comporta capítulos seguintes). justificavam a designação profissional de
sentidos mais ou menos amplos, impor- controller (das contas), de superintenden-
tando, quanto a nós, referir as seguintes: Novo conceito de activo te das contas. Hoje, contudo, entre os
– a noção que corresponde ao conjun- anglo-saxónicos aparece a designação de
to das dívidas existentes (passivo jurí- Nas Normas Internacionais de Relato executivo financeiro, o que é evolução
dico) e de encargos a satisfazer no futu- Financeiro (NIRF), refere-se que “activo justificável, pois o papel actualmente
ro mas ainda sem vinculação jurídica; é um recurso controlado por uma empre- desempenhado pelos profissionais da
– a noção técnico-contabilística (tout sa em resultado de acontecimentos passa- contabilidade é de elaboração e aprecia-
court), de amplitude intermédia, na dos e a partir do qual se espera que fluam ção dos elementos com que se norteia a
qual se compreendem, à excepção da benefícios económicos para a empresa” gestão financeira das empresas e outras
Situação Liquida (Capital, Reservas e (cf. Estrutura Conceptual das NIRF). instituições.
Resultados), todas as restantes contas Decerto que os leitores mais atentos e Dizendo-se que o Activo é um Recurso
que completam o 2º membro do balan- mais reflexivos terão já observado que a Controlado… está a usar-se a palavra
ço, como sejam, as contas do Passivo linguagem que nos chega (normas inter- controlado no sentido pelo qual se preten-
s.s. ou jurídico, as Antecipações Pas- nacionais) no sentido de nos dar noção de de expressar a ideia de que para se consi-
sivas (Acréscimos e Diferimentos) e as Activo (em contabilidade) é não só dema- derar dado elemento como património
Provisões. siado vaga como até se nos revela desa-
Com estas primeiras alusões preten- dequada. Mas ainda que nem todos assim
dem-se sublinhar consensos entre nós con- venham entendendo, estamos confiantes
seguidos no tocante a terminologia e a con- que persuadiremos pessoas interessadas
ceitos contabilísticos. Surgem agora, mercê por estas matérias.
da normalização contabilística internacio-
nal, conceitos de activo e passivo com Um activo é um recurso
sentidos úteis mas não para as aplicações A palavra recurso comporta em portu-
contabilísticas tradicionais. guês sentidos demasiado amplos e não era
Prosseguindo o exame anota-se que, entre habitual utilizá-la em definições de activo.
nós, os autores de livros de Contabilidade Recurso é termo substantivo, com mui-
geralmente aludiam, já em livros dos mea- tos e variados sentidos. Genericamente é
dos do século passado, a vários sentidos meio que se utiliza para fazer face a difi-
de Activo e Passivo e à necessidade de culdades ou superar obstáculos, nomea-
terminologia mais consentânea com damente como acto ou efeito de recorrer
novas configurações do balanço. de decisão ou sentença anterior.
Afirmava-se, entre o mais, que inte- Recursos são também os elementos
ressaria atribuir ao 1º e ao 2º membros dos com que se conta no desenvolvimento
balanços designação própria, sem que exis- das comunidades sociais, ou seja, as três
tissem dúvidas de que os termos Activo e seguintes categorias de recursos – natu-
Passivo têm sentidos menos adequados rais, culturais e humanos.
ou não técnicos para corresponderem a 1º Recursos são ainda outras realidades
e 2º membros do Balanço, sentidos que se que também não se visibilizam como
revelam confusos para os leigos. Por património ou como activo, isto é, como
outro lado, durante cada exercício, movi- elementos de carácter pecuniário, ainda

20 Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006


Contabilidade

activo basta que acerca dele a empresa claro. Não se reputa necessário, para a ex- sa-se só em relação a elementos ditos, con-
detenha o direito ou disponha de meios plicação do que é um activo, recorrer a tabilisticamente, patrimoniais (com valor
de o gerir, de o utilizar, de alcançar assim conexões com ocorrências anteriores, e pecuniário).
o designado por “benefícios económicos de modo tão vago. Vejamos caso “comezinho” mas elu-
futuros”. Haverá sequência nas operações de ges- cidativo a este respeito: – o dinheiro é um
Só que a palavra controlado, hoje já tão, conexões com passado (e com futuro activo. Porém, só com labor interpretati-
portuguesa, pode querer dizer fiscalizado previsível), correlações e interdependên- vo, se pode dizer que o dinheiro irá, pro-
ou dominado, sentidos estes que não se cias diversas, umas que afectarão muito e priamente, gerar benefícios económicos
revelam adequados para explicar o que é outras pouco cada aquisição de activo. É futuros. O dinheiro, a moeda, é o padrão
o activo na língua portuguesa. evidente que a obtenção de um activo im- comum de valores, o instrumento geral
Será perfeito contra-senso pretender que plica movimento em contrapartida (cone- de trocas, uma reserva imediata de valor.
certos activos se apelidem de recursos xão das partidas dobradas). E também é Do dinheiro em caixa não se espera, pro-
controlados. Por exemplo, será activo, evidente que a aquisição de um activo se priamente, que fluam benefícios futuros
valor que pertence à empresa, por ela deti- conexiona com propósitos futuros de ven- (pelo menos em sentidos que normalmen-
do, por ela gerido vá que não vá, mas dizer da ou de utilização desse activo, decerto te se retirem do contexto referido).
que Caixa é activo controlado é destituído com vista a alcançar ganho (ou criar fonte Qualquer empresa exerce a sua activi-
de sentido, quase de lógica. Desnecessário de produção de ganhos). dade através de activos, de valores patri-
se mostra também dizer que activos, como
Dívidas a Receber ou Despesas Proces-
sadas Adiantadamente e Receitas por “... quer acentuar-se que uma empresa não é só património.
Receber (contas 27 do POC) são Recursos E a cada activo, a cada parcela de activo, não se pode
Controlados.
Por uma empresa – Pode uma empre- (ou não se poderá sempre) atribuir o valor implícito
sa por si ser um ente controlador ? E só as na definição de activo das normas internacionais em
empresas controlam activos ? Se controlo
não houver, não se terá activo ? Pusemos comentário.”
a nós próprios estas e mais interrogações.
Poderia observar-se também que os Ac- A expressão acontecimento tem senti- moniais, mas também, naturalmente,
tivos são realidades não só de empresas. do amplo, há ocorrências de tipos diver- através de meios humanos (os dirigentes
A terminar o exame do conceito de sos, inclusive as que são fruto de intem- e os seus colaboradores - equipa) e de
activo utilizado nas normas internacio- péries, de factos anómalos, de eventos estruturas ou redes organizacionais.
nais de contabilidade, comenta-se agora a involuntários, de actos de vontade, opera- Toda a empresa, com os seus elemen-
indicação nelas contida de que será acti- ções de negócio, contratos (compra e tos humanos, patrimoniais, organizacio-
vo o elemento patrimonial (recurso?) “que venda ou outros), etc., Tudo isso é reve- nais, busca alcançar rendimentos (futu-
resulta de acontecimentos passados …”. lador da extrema imprecisão da caracte- ros). A empresa valerá tanto mais quanto
Na verdade, estas últimas palavras re- rização conceitual de Activo. E dizer que maior for a sua capacidade de gerar gan-
velam-se de contexto impreciso e menos são acontecimentos passados de certa hos no futuro. Dir-se-á, assim, que o
maneira torna-se inadequado, por redun- valor da empresa decorre do rendimento
dante. Tudo o que aconteceu é passado. O que dela se espera, mas não se pode ou
“acontecimento que não aconteceu” é que não se deve assumir que os rendimentos
carece de adjectivação, de modo a dissi- futuros a alcançar por uma empresa,
par o paradoxo que transparece da actualizados para dado momento, são,
expressão “acontecimento futuro”. intrinsecamente, o seu património ou o
“Se espera que fluam benefícios eco- seu activo (contabilístico).
nómicos futuros”. Com o exposto quer acentuar-se que
Este último conjunto de palavras, tam- uma empresa não é só património. E a
bém para explicação do que é o Activo, cada activo, a cada parcela de activo, não se
contém implícita a ideia de que só consti- pode (ou não se poderá sempre) atribuir o
tuem Activo os elementos (recursos, na ver- valor implícito na definição de activo das
são portuguesa das NIC - Normas Interna- normas internacionais em comentário.
cionais de Contabilidade) de que se esperam Atente-se desde logo que, de cada ac-
vantagens, rendimentos, ganhos no futuro. tivo, de per si, via de regra, não fluem be-
Se, de uma coisa, corpórea ou incorpórea, nefícios económicos futuros. Explicando:
nada com valor pecuniário se poder alcan- não se pode apurar – genericamente – o
çar, então a conclusão será que não existe valor de cada activo através de cálculos
Património, que não há Activo a contabilizar. de rendimentos futuros. A cada activo
O objectivo da contabilidade é estudar e pode atribuir-se, facilmente, o seu custo
movimentar valores. Se dada realidade não (a valor histórico, a valor de reposição, a
tem, ou deixa de ter, valor económico-con- valor de mercado). Porém, o valor econó-
tabilístico, então, não se regista ou retira-se, mico futuro de cada fracção do activo não
anula-se dos registos em que figurava. O será geralmente determinável, exacta-
valor (contabilístico) estima-se ou expres- mente porque a determinação do “valor

Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006 21


Contabilidade

de rendimento” respeitará à empresa no assumiu sentido mais amplo e que abre- mentos passados, cuja liquidação se espe-
seu todo. viaremos na designação capital fixo ra que resulte num exfluxo de recursos da
Ainda em relação à definição de (terra, edificações, equipamentos e outros empresa que incorpora benefícios econó-
Activo das NIC dir-se-á que o termo activos corpóreos e incorpóreos) e cuja micos (cf. versão em português da Estru-
recurso assume sentidos genéricos remuneração especificamente será: ren- tura Conceptual das NIC – Normas In-
vários, servindo inclusive para definir das ou alugueres ou royalties; o factor ternacionais de Contabilidade).”
factores de produção utilizados nas trabalho amplamente é constituído por
empresas e demais instituições, ou seja, direcção, conhecimento, trabalho e ao Comentário
os factores terra, trabalho e capital (no trabalho competem também benefícios Se definição é acção de definir, com a uti-
sentido lato de financiamento) e trabalho (futuros) – remunerações, participações lização de artigo indefinido não se estará a
e capital não são, obviamente, activo nos lucros. Por seu turno, o factor capital definir, a delimitar, antes está a indefinir-se,
(contabilístico). que em contabilidade se designará, em a dar indicação indefinida, porventura
Importa acentuar que “os benefícios sentido aqui conveniente, por financia- exemplificativa, mas não definidora. Definir
económicos futuros” (expressão aliás mento, decompõe-se em capital alheio é precisar, delimitar, explicitar o género,
pouco precisa ou algo incorrecta) de uma (passivo) e em capital próprio, chaman- identificar a essência do definido, mostran-
empresa não derivam somente do activo do-se remuneração do factor capital do o específico da realidade em definição.
(de sua movimentação), mas igualmente (financiamentos) juro e lucro (resíduo Quando se afirma, por exemplo, que o
da acção ou actividade intelectual e física que remanesce pagas as demais remune- homem é um animal racional, a diferença
dos dirigentes e trabalhadores da institui- rações dos componentes do valor acres- específica aí é a distinção de todos os res-
ção considerada e do papel que os finan- centado). tantes animais, catalogados em antítese –
ciamentos também aí desempenham e Talvez convenha ainda aludir a outro os irracionais.
ainda de conhecimentos humanos, tecno- factor de produção, factor corresponden- Dizendo que o passivo é uma obrigação,
lógicos, clientela, fama e elementos de te às acções ou intervenções de organiza- haverá que lembrar que os tratadistas de
carácter organizacional de que dispõem ções externas a cada empresa concreta. contabilidade assinalavam que o passivo
as instituições (empresas ou outros) ou os Essas organizações são: o Estado (que (contabilístico) não pode compreender toda
seus gestores e colaboradores. Nem todos recebe impostos e taxas presta apoios e qualquer obrigação e apenas as de nature-
estes factores se compreendem no activo genéricos e serviços específicos); outras za patrimonial, vulgo dívidas a pagar.
(contabilístico) da empresa. instituições (nacionais e internacionais), Por outro lado, não há que englobar na
Deveria antes dizer-se que os “benefí- que prestam apoios diversos: em cultura, noção de obrigação a expressão presente
cios económicos futuros”, tomada esta política, religião, sociologia; estas entida- por expletiva. As obrigações não presen-
expressão entre aspas em sentido lato, des ditas não económicas e os seus ele- tes é que carecem de adjectivação. Com
derivará da actividade ou “produção” da mentos pessoais ou humanos recebem ou efeito, as obrigações passadas já não são
instituição, encarando produção (lato podem receber na partilha do valor acres- passivo. Foram-no no passado mas no pre-
sensu) no sentido de valor acrescentado, centado das empresas, lucros, quotiza- sente já não. E as obrigações futuras por
de remuneração dos factores de produ- ções, donativos, etc. seu turno ainda não são passivo, sê-lo-ão,
ção. Na verdade, o que dada instituição porventura, mais tarde. Em suma e em rigor
obtém em termos de valor acrescentado é Novo conceito de passivo o termo obrigação será de adjectivar ape-
o correspondente à remuneração dos seus nas quando necessário. Assim, adjective-se:
factores de produção, a tradicional terra, “Um passivo é uma obrigação presen- obrigação passada e obrigação futura. Mas
trabalho e capital. Hoje, o factor terra te da empresa proveniente de aconteci- dizer obrigação presente é redundante.

Evidenciação de produção (1) ou valor acrescentado de uma empresa, através


da demonstração anual de resultados

Factores Remunerados Produção do Período

Despesa com o pessoal (deduzidas de remunerações Valor das vendas de mercadorias, produtos, trabalhos
recebidas pela empresa). para a própria empresa e prestações de serviços,
acrescido de subsídios e deduzido de impostos indirectos.
Despesas financeiras (deduzidas de receitas financeiras).
– (menos) Matérias, mercadorias, produtos (acabados
Rendas de terrenos e royalties puras, deduzidas de e em curso) e outros bens e serviços adquiridos para
receitas correspondentes. consumo ou venda existentes no início do período.

Deperecimentos do activo fixo (amortizações) e outras – (menos) Compras de matérias, mercadorias,


estimativas de redução do activo e de encargos de sub-contratos, fornecimentos e serviços de terceiros.
processamento futuro (provisões).
+ (mais) Matérias, mercadorias, produtos (acabados
Impostos directos. e em curso) e outros bens e serviços adquiridos ou
produzidos para consumo ou venda e existentes no fim
Lucros pós-impostos, retidos e distribuídos. do período.

Total = V.A.B. Total = V.A.B.

22 Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006


Contabilidade

Acresce que a palavra presente, no


contexto das NIC em apreciação, não se
revela aí adjectivo apropriado. É palavra
de muitos sentidos em português e entre
os contabilistas e economistas de há muito
se preferira para o efeito a palavra actual,
mais adequada nestes casos.
Por idênticas razões a referência na
definição em comentário de que o passi-
vo provém de acontecimentos passados é
igualmente de todo expletiva, não tendo
que fazer parte do conceito como também
não tem de fazer dele parte a outra men-
ção de que “da liquidação se espera resul-
te um exfluxo de recursos da empresa que
incorpore benefícios económicos”.
Aliás, o sentido técnico da expressão
liquidação não é o de pagamento, de
regularização ou extinção da dívida. Este
é o sentido corrente ou vulgar mas, no
rigor técnico, liquidação é acção de tornar
líquido, de apurar o valor devido (2).
Também se pode comentar a afirmação
que passivo é divida ou obrigação de uma n Um acontecimento que cria obrigações (ii) a quantia da obrigação não pode ser
empresa, pois será restrição ou ideia que é um acontecimento que cria uma obri- mensurada com suficiente fiabilidade.?
confunde, porquanto outras entidades ou gação legal ou construtiva que faça com
instituições que não empresas também que uma entidade não tenha nenhuma Uma provisão é um passivo
contraem dívidas – passivo. alternativa realista senão liquidar essa de tempestividade ou
Quando atrás comentámos a noção de obrigação. ? quantia incerta (cf. NIC)?
Activo das NIC igualmente observámos n Uma obrigação legal(4) é uma obrigação
imprecisões como as acima assinaladas, que deriva de: O título acima referenciado correspon-
incluindo sentido menos próprio e impreci- (a) um contrato (por meio de termos de à definição ou noção de provisão que
so de expressões utilizadas, como as de explícitos ou implícitos); aparece nas normas internacionais de
recursos e benefícios económicos futuros. (b) legislação; ou contabilidade. Dir-se-á que com o que se
Curiosamente, na NIC (ou IAS) 37 apa- (c) outra operação da lei. ? aponta nada ou muito pouco ficará a
recem ainda enumerações de diversida- n Uma obrigação construtiva é uma obri- saber-se. E é de todo criticável.
des de passivos (ver ADENDAS seguin- gação que decorre das acções de uma en- São muitas as nossas discordâncias
tes), podendo dizer-se que nalguns casos tidade em que: ? sobre noções e explicações apresentadas
nem sequer se estará a tratar de realidades (a) por via de um modelo estabelecido quanto aos significados e desdobramen-
que caibam devidamente na noção de pas- de práticas passadas, de políticas publi- tos de passivo constantes das normas
sivo apresentada nas NIC, pois não podem cadas ou de uma declaração corrente internacionais de contabilidade (IAS 37)
qualificar-se como “obrigação presente”. suficientemente específica, a empresa (ver, supra, ADENDA I).
Retomaremos, em outra oportunidade, tenha indicado a outras partes que acei- Não vamos de momento aludir às nos-
observações desta e de outra natureza sus- tará certas responsabilidades; e ? sas numerosas discordâncias mas em
citadas pelo exame das NIC, IAS, IFRS, (b) em consequência, a entidade tenha relação à noção de provisões em título
NIRF, etc., apelidando as normas interna- criado uma expectativa válida nessas queremos salientar desde já que ela é
cionais com tais siglas ou outras que even- outras partes de que cumprirá com manifestamente criticável. Na verdade
tualmente apareçam na actual profusão de essas responsabilidades. ? “passivo de tempestividade” nada revela.
termos e redacções. n Um passivo contingente é: ? E quase o mesmo se conclui quanto a
(a) uma obrigação possível que resulta dizer que provisão é um passivo de
Definições (Passivo) IAS 37 de acontecimentos passados e cuja “quantia incerta” (5).
existência será confirmada apenas pela Aliás, “quantia”, em português, corren-
Os termos que se seguem são usados ocorrência ou não de um ou mais acon- temente, significa quantidade, porção,
nesta Norma com os significados especi- tecimentos futuros incertos não total- soma de dinheiro. E os elementos patri-
ficados: mente sob controlo da entidade; ou moniais, activos ou passivos, devem
n Uma provisão é um passivo de tempes- (b) uma obrigação presente que resulta encarar-se com os valores que lhes cor-
tividade ou quantia incerta (3). ? de acontecimentos passados, mas que respondem. Porém, elementos patrimo-
n Um passivo é uma obrigação presente da não é reconhecida porque: ? niais, activos ou passivos (provisões
entidade proveniente de acontecimen-tos (i) não é provável que um exfluxo de incluídas), não são só valores. Substituir,
passados, cuja liquidação se espera que recursos que incorporam benefícios no caso, a palavra “valor” pela de “quan-
resulte num exfluxo de recursos da entidade económicos seja exigido para liquidar tia” é empobrecer a conceituação da rea-
que incorporam benefícios económicos. ? a obrigação; ou lidade patrimonial em definição. E falar

Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006 23


Contabilidade

de quantia incerta, de soma de dinheiro testes da materialidade e da relevância do te a: lucro pós-impostos, remunerações de
incerta ou de importância incerta é usar facto em causa), o processamento conta- trabalho, juros e impostos sobre os lucros.
forma de expressão algo contraditória, bilístico não será de efectuar através de (2) Lembra-se, por exemplo, que na fis-
paradoxal. conta de provisão e sim através de outra, calidade a liquidação é acto, sucessão de
dispondo o POC da rubrica Acréscimos actos, processo, conjunto de operações a
Provisões e Acréscimos de de Custos (conta 273) que poderá ser a realizar para e até à determinação do
Custos (subconta 273) apropriada. Esta última conta, de facto, é montante (líquido) do imposto devido.
destinada a registar despesas sem «docu- (3) Não vamos de momento aludir a dis-
Numa dissertação sobre o tema provi- mentação vinculativa», despesas incorri- cordâncias nossas sobre tudo isto, mas
sões, transcreve-se afirmação nossa de das, nos dizeres do POC, e que são tam- em relação à noção de provisões salienta-
que provisões são «custos actuais e esti- bém e já custos de exercício (contraria- mos desde já que ela é manifestamente
mados». Diz-se, todavia, não ser bem mente ao que está redigido no POC ou ao criticável. Porém, passou a ser legalmente
assim, com as observações seguintes: que se terá redigido com imprecisão)(6). adop-tada (cf. Dec.Lei nº 35/2005, de 17
a) nem sempre as provisões são custos As subcontas da aludida rubrica 27 – Acrés- de Fevereiro). Ainda assim o Dec.Lei nº
estimados, como por exemplo acontece cimos e Diferimentos, 273 – Acréscimos de 35/ 2005, de 17 de Fevereiro, veio agora
com as “Provisões para aplicações de Custos é conta de Passivo, mas passivo de restringir a noção de Provisões (conta de
tesouraria”, onde tal facto é evidente; montante certo ou quase certo. ba-lanço) para as provisões de passivo
podem sê-lo, todavia, relativamente a Porém, se as estimativas do montante (provisões para riscos e encargos) pas-
classes de valores, como as Existências da despesa ocorrida não se poderem efec- sando as provisões de activo (provisões
ou as Imobilizações Financeiras; tuar com grau razoável de aproximação de correcção destinada a comprovação
b) nem todas as estimativas originam então melhor será que a realidade consi- futura de activo, de reduções de activos, a
provisões. A ilustrar esta afirmação temos derada se configure em conta de provi- ser qualificadas e designadas por Ajus-
o caso da vida útil do imobilizado, pois sões, visto o conceito prefigurar movimen- tamentos (cf. citado diploma legal – seu
esta pode ser estimada mas o desgaste e tos de eventos de verificação incerta, com artº 2º – e alterações no POC por ele
subsequente depreciação são efectivos». grau razoável de incerteza, cabendo nes- introduzidas). Ainda assim, vejam-se
O assunto é relevante para os técnicos ses eventos também a incerteza do mon- adendas seguintes.
de contabilidade, pelo que importará um tante do evento verificado, quando for (4) No texto alude-se a passivos ditos
comentário: razoável a imprevisibilidade ou o risco da “obrigações legais”. É algo redundante
No tocante à alínea a) ocorre assinalar determinação do respectivo montante. mas justifica-se ponderando o destaque
que o exemplo das provisões para aplica- dado a outros passivos, designadamente
ções de tesouraria acima apresentado para Notas os que se diriam legalmente discutíveis
demonstrar que as provisões não são semp- ou a que a lei não obrigaria (casos de
re custos estimados não prova propriamen- (1) Na realidade os significados dados obrigações de exigibilidade controversa).
te o que afirmam mas em particular que o tradicionalmente à expressão “produção” De facto, actualmente, os gestores, após
POC estará, porventura, a usar o nome de de uma empresa como valor dos seus procederem a suas análises e juízos, mui-
provisões em desconformidade com fabricos, laborações, ou actividades, ou tas vezes preferem assumir definitiva-
conceito que reportamos mais adequado. como custo dos bens e serviços vendidos mente como passivos obrigações que
Quanto ao referido na alínea b) dir-se- tornam-se impróprios pois a produção poderiam controverter ou mesmo recusar
á que, obviamente, nem todas as estima- de uma empresa em rigor ou em termos pagar. É o caso de passivo dito “obriga-
tivas corresponderão a provisões. Porém, de contabilidade nacional, não pode ções construtivas”. Surge também (cf.
a exemplificação feita com as amortiza- abranger o que ela adquire no exterior, IAS 37, ponto 10) o “passivo contingen-
ções revela-se menos própria. isto é, as compras que faz no mercado te” (que, note-se, não é passivo).
Na verdade, revela-se até dispiciendo para a realização das suas actividades de (5) A categoria “passivo provisões”
estar-se a observar que as amortizações (de produção e de venda. Também produção caracteriza-se por assentar em valores
exercício, registo de depreciações) são cus- não é só criação de produtos mas sim estimados, com grau de incerteza relevan-
tos estimados. São-no, obviamente, mas, todas as actividades de uma empresa diri- te, quer eventualmente na quantia quer no
claro, custos relativos a despesas passadas, gidas aos seus fins que são acrescer a uti- próprio evento (a este respeito ver nossos
despesas já efectuadas e processadas. lidade dos bens e prestar serviços. antigos trabalhos: Normalização
Pessoalmente, sempre assinalámos que Explicando sumariamente a através de Contabilística, ed. Livraria Arnado, págs.
as provisões se encaram como custos exemplos: 166 e segs., 175 e segs. e Gestão,
estimados (de exercício) mas relativos a Se uma empresa industrial tem um volu- Contabilidade e Fiscalidade, vol. I, 3ª ed.,
processamentos futuros de despesas (ou me de vendas de um milhão de euros, a Caps. XI e XII, Ed. Notícias).
de não receitas), despesas de incerta sua produção no sentido referido será (6) O POC indica na sua nota explicativa
comprovação futura. dada pela diferença entre o valor e os à conta 273, a nosso ver de modo impre-
Anota-se que se tiver ocorrido a despe- materiais e serviços que adquiriu no exte- ciso ou incorrecto, o seguinte:
sa mas o seu quantitativo não se encon- rior (além de outros aspectos, v.g. varia- 273 – Acréscimos de custos
trar ainda perfeitamente determinável, ções de existências, que não importa Esta conta serve de contrapartida aos cus-
nesse caso há que encarar a questão da agora observar); se uma empresa comer- tos a reconhecer no próprio exercício,
previsibilidade do quantitativo dessa cial vende um milhão de euros será sua ainda que não tenham documentação vin-
despesa; se essa indeterminação e incer- “produção” a diferença entre o valor de culativa, cuja despesa só venha a incor-
teza disser respeito apenas a parcela de venda e o das compras e serviços adquiri- rer-se em exercício ou em exercícios pos-
valor total não significativa (conforme dos correspondentes, ou seja, o equivalen- teriores.

24 Revisores & Empresas > Abril /Junho 2006

Você também pode gostar