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Ida Alves
Aline Duque Erthal
Aula 19 • A linguagem como pele, o corpo no mundo
Meta
Objetivos
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LIteratura Portuguesa II
Introdução:
poesia na carne
TRADUZIR-SE
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Interface concreta que o sujeito usa para tocar e ser tocado, a linguagem
tem poros, por onde circulam intensidades a ponto de deixar de fazer
sentido a divisão estrita entre dentro e fora do texto (como entre dentro
e fora do sujeito e também entre autor e leitor). Manipula-se a matéria
verbal como um corpo profundamente amado ou profundamente odia-
do: acariciando e esfacelando.
Nesta aula, então, a proposta é observar em textos de diferentes poetas
portugueses do século XX e já XXI de que forma os corpos dos sujeitos
reivindicam a ocupação física de um espaço, e como essa matéria corpo-
ral é motivo para se tecerem questionamentos acerca de vida, morte, es-
crita, cotidiano e transcendência. Pelo caminho, encontraremos unhas,
cabelos, dentes; curvas sinuosas e rugas de velhice. Corpos corroídos
pela idade, mas também corpos desejantes e desejados.
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Figura 19.2: “Os troncos das árvores doem-me como se fossem os meus
ombros / Doem-me as ondas do mar como gargantas de cristal” (Sophia de
Mello Breyner Andresen).
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:%C3%89paule_mus%C3%A9e_
arch%C3%A9ologique_de_Naples.jpg
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Atividade 1
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Resposta Comentada
Observe como se dá o cruzamento entre a materialidade dos sujeitos e
da paisagem nos dois poemas: em Eugénio de Andrade, velhas raízes
e rugas, mágoas e secura próximas às dos galhos caracterizam o cor-
po. Em Ruy Belo, sujeito e árvore tornam-se quase indistintos: ambos
são alvos do outono, com troncos vergados e perdendo folhas. Os dois
textos, portanto, trazem corpos e paisagens em toda a sua concretude,
sujeitos ao passar do tempo e com contornos que se confundem entre si.
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Figura 19.3: “No regaço, e protegido pelos joelhos agudos, / tinha um boné
no qual / esmolavam os transeuntes.” (Jorge de Sena)
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bettler_IMGP4637_wp.jpg
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Atividade 2
Atende ao Objetivo 3
Resposta Comentada
Observe como, a partir de uma percepção sensível – do olfato –, o su-
jeito associa ao dinheiro atributos corporais relacionados à pobreza e à
sujidade: o cheiro da roupa que não é trocada mesmo depois da chuva e
depois do suor. Pensando sobre que relação o dinheiro tem com o suor
de quem não possui sequer outra roupa para usar, fica fácil perceber a
crítica tecida ao sistema econômico, cuja riqueza é produzida com a
exploração do trabalho de quem vive na pobreza.
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tem esse gesto herbertiano, pense em como esse corpo feminino alta-
mente sexualizado (com um “buraco de água” e ânus como uma “flor
animal”) contrasta com as figuras de mulheres etéreas, inatingíveis do
Romantismo. Enfrenta-se, portanto, uma tradição portuguesa que é po-
ética e também moral.
Há, ainda, outra função ética para o sexo nessa poesia: a possibi-
lidade de encontro do sujeito com o outro. Nas palavras do também
professor Luis Maffei, “sendo a falta a própria condição do humano, an-
drógino feito metade e sempre à procura daquilo que o complete, o sexo
é o que possibilita a re-união, e sempre numa situação de movimento”
(MAFFEI, 2006, p. 196).
Jorge de Sena é outro autor em que o sexo muitas vezes comparece
ao poema de forma bastante evidente. Vejamos, porém, um texto de
sensualidade mais sutil:
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Conclusão
Da pele aos pelos, das gengivas às unhas do pé, das rugas aos ór-
gãos genitais: o corpo assume espaço inegável nos versos de seis dos
principais poetas portugueses do século XX. A materialidade é suporte
para que esses autores elaborem reflexões sobre vida, deus e poesia. Ul-
trapassam-se as dicotomias dentro/fora, sujeito/objeto, sensível (espa-
ço)/inteligível (pensamento): traços da paisagem atravessam recepções
sensoriais e configuram (ou desconfiguram) subjetividades e escritas, e
estas, por sua vez, também alteram a paisagem.
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Nesse lirismo que se faz no pôr-se para fora, em contato físico com
os outros do mundo, constrói-se um estar no mundo ético, que modela
as maneiras como os sujeitos sentem, amam e envelhecem.
Atividade Final
Atende ao Objetivo 4
Resposta Comentada
Lembre-se de que os poetas do século XX não foram os primeiros a
trazer o sexo para os domínios da poesia. Já no século XVIII, Bocage
causava furor entre seus contemporâneos com seus poemas eróticos. A
representação do corpo em seus detalhes mais íntimos é um dos traços
comuns a essas poéticas. O ato sexual é dito muitas vezes de forma dire-
ta, sem metáforas ou idealizações, e essa erotização poética é, em Boca-
ge e nos autores que estamos estudando, uma via de questionamento de
valores sociais, morais e políticos.
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Resumo
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