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As terapias cognitivo-comportamentais (TCC), como muitas outras modalidades terapêuticas, são o

resultado de um processo evolutivo e surgiram num período histórico da psicologia que reconheceu
o papel importante que as avaliações cognitivas desempenham na forma como as pessoas reagem
aos acontecimentos.

Este desenvolvimento dos modelos cognitivo-comportamentais da perturbação e da intervenção tem


duas raízes históricas.

Uma primeira tradição surgiu no campo da terapia comportamental, quando se tornou claro que a
abordagem não mediacional não conseguia explicar todo o comportamento humano. Surgiram vários
trabalhos de investigação a sublinhar que não eram as consequências ou o reforço de um
comportamento que influenciavam o comportamento do individuo, mas antes a perceção do
individuo da relação entre o seu comportamento e acontecimentos críticos.

Uma segunda tradição centra-se na modificação de pensamentos disfuncionais: modelo de disfunção


cognitiva. Beck e Ellis lideram esta tradição, baseando a psicoterapia no pressuposto de que a
perturbação emocional surge de pensamentos que são ilógicos, irracionais ou incorrectos.

De forma geral, as TCC podem organizar-se em três grandes classes, segundo os diferentes objetivos
de mudança:

 A reestruturação cognitiva;
 O treino de competências de confronto;
 O treino de resolução de problemas ( Dobson & Dozois, 2010);

A restruturação cognitiva – mudar os pensamento disfuncionais: Albert ellis e Aaron beck

Os trabalhos pioneiros de Aaron Beck e Albert Ellis, cuja formação inicial tinha sido de natureza
psicodinâmica, desenvolveram variantes da terapia cognitiva que enfatizam a reestruturação
cognitiva e a necessidade de analisar e potenciar a mudança de crenças mais persistentes ou
esquemas.

O modelo cognitivo presente nos seus trabalhos parte de duas ideias principais intimamente
relacionadas: a modulação cognitiva das emoções e comportamentos, conhecida como modelo ABC
pressupondo que os antecedentes situacionais são modulados por crenças que levam a
determinadas consequências emocionais e comportamentais; e a natureza construtivista do
significado, ou seja, a noção de que as pessoas dotam as situações de significado próprio,
estruturando a realidade de forma ativa.

( p, 153, Psicoterapias, Isabel Leal. Pactor 2018)

Estes pressupostos, de que os sintomas e os comportamentos disfuncionais são mediados


cognitivamente de que os conteúdos e significados cognitivos são possíveis de identificação e
alteração, abriram caminho a novas formas de intervenção psicoterapêutica.

A terapia racional emotiva comportamental (TREC), desenvolvida com base no trabalho


revolucionário de Ellis, em 1955, constitui o primeiro formato de psicoterapia cognitiva-
comportamental. Há mais de 70 anos, Ellis, com formação de base psicanalítica, desenvolveu o
modelo ABC que pressupõe que qualquer experiência ou acontecimento (A) ativa crenças da pessoa
(B) que, por sua vez, geram consequências (C) emocionais, comportamentais e fisiológicas. Ellis,
através da sua pratica clinica, identificou 12 crenças irracionais básicas, que surgem sob a forma de
expectativas irrealistas ou absolutistas que estão na base da perturbação emocional. O objetivo
terapêutico é identificar as crenças irracionais do individuo e, através do questionamento, confronto,
disputa e debate lógico-empírico, modificá-las. A TREC tem por objetivo estabelecer atitudes, face a
si ao mundo, adequadas, que incluiriam a aceitação da incerteza, a flexibilidade e a tolerância à
frustração, traduzindo-se numa filosofia racional de vida ( Ellis & Harper, 1961).

Durante as décadas de 50 e 60 do século XX, Aaron Beck tenta explicar os processos psicológicos da
depressão, procurando comprovar empiricamente as teorias psicanalíticas de que esta perturbação
resulta de uma hostilidade reprimida, voltada contra o próprio.

Nos seus primeiros estudos sobre a depressão não encontra evidencias para validar a explicação
psicanalítica, mas percebe que os sujeitos depressivos partilham, invariavelmenete, uma carga de
pensamentos negativos que produz uma leitura irrealista e desaptada da realidade., reforçando o
seu sofrimento. Beck observa também que estes pensamentos depressivos são experimentados
pelos sujeitos como respostas automáticas, involuntárias, e, influenciado pelo conceito de
processamento automático de informação (conceito proveniente da ciência e da psicologia
cognitivas), afirma que os processos cognitivos podem ser explicados em termos de automatismo.

No modelo cognitivo da depressão, Beck defende que as pessoas vulneráveis a experiencias


depressivas caracterizam-se por apresentar um esquema pessoa negativo. O termo “esquema” foi
inspirado em Piaget (1926, 1955) que o usou para descrever as estruturas que integram e atribuem
significado ás experiencias ou acontecimentos. Este esquema negativo é hipoteticamente ativado por
fatores ambientais adversos e produz distorções com conteúdos cognitivos depressivo que, por sua
vez, aumentam o risco de depressão.

Segundo a teoria de terapia cognitiva (beck, 1976, 2005; beck &Haigh, 2014), os esquemas ou modos
formam-se desde a infância, a partir do modo como o individuo conhece e interpreta os eventos
fundamentais da sua experiencia. Estes esquemas constituirão redes integradas que incluem
componentes cognitivos, afetivos, motivacionais e comportamentais, desenvolvidos inicialmente
como estratégias ou crenças protetoras, em reposta a experiencias de vida traumáticas ou a
situações-limite.

De forma geral, cada individuo desenvolve uma teoria acerca de si mesmo e do mundo, baseada num
conjunto de significados construídos, que lhe permite ordenar, assimilar, prever e modificar o mundo
( beck &haigh, 2014). O individuo constrói, assim, representações da realidade objetiva, organizando-
as de forma muito pessoal nos seus esquemas. Perante um estimulo que se encontra associado a
uma detrerminada experiencia, um esquema irá influenciar a recuperação da informação
armazenada que resultará num padrão automático de ativação do sistema de seleção, codificação,
categorização e interpretação, e que ter+a manifestações emocionais, fisiológicas, comportamentais
e cognitivas.

Segundo Beck, embora fenómenos como pensamentos, sentimentos e desejos possam surgir de
forma breve na nossa consciência, as estruturas subjacentes responsáveis por estas experiencias,
embora não conscientes, são relativamente estáveis e duráveis.

Beck (2005; beck &Cllark, 1997) defende, assim, que a psicopatologia tem origem num
processamento da informação distorcido, que influencia de foram sistemática a interpretação que o
individuo faz das suas experiencias. Esta distorção terá origem na presença de crenças centrais e
intermedias disfuncionais que se manisfestam habitualmente através dos pensamento automáticos.

Uma das grandes contribuições desta perspetiva (beck, rush, shaw & emery, 1979) foi a identificação
de Distorções Cognitivas (p. ex. pensamento dicotómico, inferência arbitraria) que, de forma análoga
ás crenças irracionais de Ellis, enviesam a visão que o individuo tem do mundo e conduzem a recção
emocionais adversas, dificuldades comportamentais e respostas fisiológicas desadaptadas.
O modelo de Beck introduz a hipótese da especialidade do conteúdo, onde defende que as várias
perturbações psicológicas se diferenciam pelo conteúdo cognitivo dos seus esquemas e pelas
distorções especificas no processamento da informação, sendo possível identificar perfis cognitivos
específicos. Assim, a título de exemplo, teríamos para a ansiedade um conteúdo que inclui a
perceção de ameaça, de vulnerabilidade e receio face ao futuro; para a depressão a percepção de
perda e de fracasso pessoal no passado; e para o sentimento de raiva a agressão alheia percecionada
como intencional e deliberada (beck &clark, 1988; beck & haigh, 2014).

Para Beck, estes esquemas disfuncionais podem ser modificados em resposta a novas informações
consideradas relevantes, eficazes e convincentes (tal como as intervenções terapêuticas), e uma vez
transformados desativam os anteriores, resultando numa redução dos sintomas.

TREINO DE COMPETÊNCIAS DE CONFORTO

Um dos primeiros métodos cognitivo-comportamentais envolvia ensinar ás pessoas competências de


autoinstrução de autocontrolo, para confrontarem situações fora da sessão terapêutica, uma vez que
uma das limitações da terapia comportamental era a fraca generalização das mudanças terapêuticas
ás situações do dia a dia (kanfer & Goldstein, 1975; Meichenbaum, 1977). Esta tradição pode ser
caracterizada por um modelo de défice cognitivo (Braswwll & Kendall, 2001) que pressupõe que o
desenvolvimento normal envolve a aquisição de certas estruturas e processos cognitivos para
orientarem o comportamento adaptativo e que as pessoas com perturbação não desenvolvem estes
processos. Estas psicoterapias incluíam a modificação cognitivo comportamental, o treino de
autoinstrução e a inoculação do stress (Meichenbaum, 1977, 1993).

O treino da autoinstrução foi desenvolvido na década de 70 do século XX por Donald Meichenbaum,


apoiado:

 Na literatura sobre o papel da linguagem na regulação do comportamento, com os estudos


de Luria (1961) e Vygotsky (1962) sobre a forma como as crianças aprendiam a utilizar
linguagem para regular o seu comportamento;
 Na investigação sobre a acção da modelagem e dos processos cognitivos na aquisição e
transformação do comportamento (Bandura, 1969);
 Nos trabalhos sobre o défice de medicação verbal (meichenbaum & Goodman, 1971)

Assim, o treino de autoinstrução envolve vários componentes, como as tarefas graduais, a


modelagem cognitiva, o treino medicacional directo (as autoinstruções) e o autoreforço.
Posteriormente, Meichenbaum (1993) desenvolveu outra abordagem de confronto
multicomponentes, o treino de inoculação do stress, que se baseia no pressuposto teórico de que ao
aprender a lidar com níveis suaves de stress os paciente ficam “inoculados” contra níveis mais
severos.

Também o treino de autocontrolo nasce do trabalho de clínicos, como Marvin Goldfried (1971), que
defendem a introdução de processos cognitivos nas conceptualizações do comportamento humano,
o que pressupunha a possibilidade de ensinar ás pessoas competências de confronto que pudessem
ser aplicadas em diferentes situações e tipos de problemas, como a dessensibilização sistemática
para eliminar a ansiedade. Na mesma linha, Rehm (1971). Neste modelo da depressão, os sintomas
são vistos como consequência de défices, num ou vários componentes, do processo de autocontrolo
que se desenrola em três fases: automonitorização, autoavaliação e autorreforço.

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