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Filosofia

Ética e Moralidade no Contexto


da Guerra e da Paz
“Guerra e paz não diferem nos seus objetivos, mas sim nos meios
utilizados para os alcançar.” - Barbera, 1973

Este trabalho foi realizado por Martim Maia Nº10, aluno da turma A do 10º ano do
ensino secundário do Externato de S.José, no âmbito da disciplina de Filosofia
orientada pela Professora Joana Gameiro.
Indíce

Abstrato………………………………………………………………………………………………..1
Conceito de Guerra…………………………………………………………………………………..2
Conceito de Paz……………………………………………………………………………………....2
Consequências e Objetivos da Guerra segundo Hobbes………………………………………..2
Reflexão Inicial………………………………………………………………………………………..3
Kant…………....……………………………………………………………………………………….3
Stuart Mill……………..……………………………………………………………………………….3
Carl von Clausewitz…………....…………………………………………………………………….4
Tomás de Aquino……………………………………………………………………………………..4
Reflexão Intermédia………………………………………………………………………………….5
Teoria da Guerra
Justa……………………………………………………………………………….5
Jus ad Bellum………………………………………………………………………………...5
Jus in Bello……………………………………………………………………………………6
Jus post Bellum………………………………………………………………………………6
Realismo e Pacífismo………………………………………………………………………………..7
Conclusão……………………………………………………………………………………………..8

Abstrato

Como trabalho final para a disciplina de Filosofia decidi abordar o tópico “Guerra e
Paz”, especialmente no que toca à moralidade da guerra e de que forma esta pode ser
comparada à paz, isto pois que acredito que seja um tema de grande relevância nos dias de
hoje, uma vez que tem a potencialidade de evitar determinados conflitos e prevenir um
conjunto de consequências que caso contrário poderiam ferir ou até mesmo constituir o fim
da humanidade.
No desenvolver do trabalho “Ética e Moralidade no Contexto da Guerra e da Paz”,
procurei explorar a validez da guerra do ponto de vista ético-moral, comparando a vertente
moral destes conflitos armados com a paz. Para isto, apresentei os pontos de vista de
diversos filósofos, incluindo Hobbes, Kant, Stuart Mill, Clausewitz e Tomás de Aquino,
expondo e comentando as suas teorias e teses, de modo a alcançar a noção atual daquilo
que é a “Guerra Justa”. Para além disto, confrontei ainda, sucintamente, esta última doutrina
com duas outras que se opõem à mesma.
Tudo isto foi feito à luz da definição dos conceitos de “Guerra” e “Paz” tendo em
conta a perspetiva de Thomas Hobbes em relação ao estado, que permitiu perceber como a
guerra e a paz, embora profundamente distintas, possuem os mesmos objetivos.
Como consideração final, concluí que, à semelhança da paz, a guerra pode ser
considerada viável do ponto de vista ético-moral, no entanto, estando sujeita a um número
de critérios que calculam precisamente se esta se enquadra nos parâmetros do moralmente
correto. Para além disso, pude chegar à interessante conclusão de que a paz nem sempre é

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a opção correta do ponto de vista moral, podendo a guerra em determinados casos
revelar-se como a solução moralmente mais viável e com maior sentido de justiça.
A guerra é uma constante universal de todas as culturas, do ponto de vista que os
conflitos a grande escala estão presente na maioria das civilizações e dos povos, muitos
dos quais, por sinal, surgiram ou terminaram caindo no esquecimento da história devido a
uma guerra.
O conceito de guerra é definido como um estado de conflito entre dois grupos
(nações, estados, organizações ou grupos sociais) que é caracterizado pelo uso da
violência e armas letais, quer seja entre combatentes ou em civis.
Constituem as causas da guerra as mesmas que estão por detrás de qualquer
conflito, as quais podem ser visualizadas na sua essência se voltarmos a nossa atenção
para o estado natural, particularmente aquele que Thomas Hobbes nos dá a conhecer em
“Leviatã” e numa das obras anteriores à última, “De Cive”. Em “De Cive” Hobbes afirma que
“O estado dos homens sem sociedade civil, estado que com legitimidade podemos chamar
estado de natureza, não é outra coisa senão uma guerra de todos contra todos…”​,
sugerindo que no estado natural, a mais primordial das condições do homem, os conflitos já
eram uma realidade e algo aparentemente frequente. Conjugando este facto com outra das
suas proposições, ​“A primeira causa impulsiona os homens a atacarem para obter um
ganho; a segunda, para obter segurança; a terceira para ganhar reputação.”​, expressa em
Leviatã, percebemos que da perspectiva do filósofo, o conflito entre os seres humanos
surge como um meio de melhorar a condição ou garantir o bem-estar do próprio indivíduo e
daqueles que lhe têm algum significado, embora através da violência e portanto, através da
violação da liberdade alheia, algo que pode ser transposto, como foi provado, para a guerra.
É ainda relevante estabelecer que a Guerra é uma forma de violência muito
específica, divergindo do assassinato e do genocídio devido à organização dos
participantes, no sentido em que a guerra é algo coletivo, direto, organizado,
institucionalizado, instrumental, regulado e sancionado, em que cada um dos partidos
envolvidos combate o outro.
Deste modo, pode caracterizar-se a guerra como um conflito entre dois ou mais
grupos de grande dimensão, na qual cada grupo procura, por meio de um uso particular da
violência, obter a sua própria prosperidade.
O conceito de paz, por sua vez não tem uma definição tão concreta como o seu
oposto. Apesar dos significados do étimo paz variarem de época para época, cultura para
cultura e região para região, algo comum a todas as definições são os ideais de ausência
de hostilidade e violência, justiça, equidade, verdade, respeito e harmonia que tem como
fundações.
À semelhança do método adotado para a guerra, a forma mais eficiente e essencial
de compreender as causas da paz é olhando para as mesmas através da perspetiva de
Hobbes, neste caso expressa em “De Cive”, e passa por ​“As paixões que fazem os Homens
tender para a paz [e para uma sociedade civil] são o medo da morte, o desejo daquelas
coisas que são necessárias para uma vida confortável (…), o cuidado com a sua própria
conservação e com uma vida mais satisfeita. Quer dizer, o desejo de sair daquela mísera
condição de guerra.”​. Pela análise e interpretação deste segmento, apercebemo-nos que,
no entendimento do filósofo, a paz ou o não recorrer à guerra surge como uma alternativa à
mesma, na medida em que se enseja alcançar uma melhora da condição ou do bem-estar
dos envolvidos, evitando-se, no entanto, as consequências do conflito e da violência.

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Assim, pode caracterizar-se a paz como o conceito oposto à guerra, na medida em
que, através da mesma, ou seja, desta ausência de violência e hostilidade, um ou mais
grupos procuram a sua prosperidade.
Perante o anteriormente enunciado e as conclusões que daí surgiram, é possível
determinar que apesar de profundamente distintos nos seus ​modus operandi,​ ambos a
guerra e a paz têm como objetivo final assegurar a prosperidade do grupo que se propôs a
utilizar uma delas.
Tendo em mente esta pequena introdução, é agora possível apresentar a
problemática ético-moral associada à guerra, e perceber se e em que instâncias esta pode
ser uma via tão válida do ponto de vista desta problemática, quando comparada à paz.
Numa primeira instância, é necessário olhar para a guerra como um caso geral e
isolado, algo que pode ser feito através das lentes das duas perspectivas da ética e da
moral, a Teoria Deontológica de Kant e a Teoria Consequencialista de Stuart Mill,
atendendo também ao que cada um dos filósofos tem a dizer sobre o tópico.
Se olharmos para a guerra levando em conta a teoria desenvolvida por Kant,
rapidamente nos apercebemos que tal ideia jamais poderia ser aceite por esta perspetiva,
não só porque na guerra o ser humano é usado como um meio, mas também porque seria
inconcebível que a violência associada à guerra se tornasse uma lei universal, de modo que
não passaria pelo teste do imperativo categórico. O uso da violência (parte obrigatória da
guerra), constituiria assim, uma ação contra o dever, e portanto, algo moralmente incorreto.
Neste mesmo tom, Kant acreditava que era obrigação moral dos diversos estados
manter a Paz entre si, mas reconhecia essa paz teria um eventual fim, defendendo que os a
relação estabelecida entre os diversos estados independentes pode ser comparada à dos
Homens num estado natural, pelo que seria expectável que surgissem potenciais conflitos
que dariam início a uma eventual guerra. De modo a evitar esses ditos conflitos, Kant
suportava a existência de uma organização mundial que incluísse todos os países,
mediando os mesmos para que fosse evitado o potencial estado de guerra que
inevitavelmente se desenvolveria entre eles. No entanto, na hipótese de tal surgir um
conflito armado e essa organização não existir ou falhar na dissolução do mesmo, Kant
suportava a ideia de uma possível “Guerra Justa”, conceito que abordarei posteriormente.
Na hipótese de refletirmos sobre a guerra tendo em mente o Consequencialismo,
obtemos uma conclusão bastante diferente da anterior. Segundo a perspectiva de Stuart
Mill, a qual se baseia no utilitarismo, a guerra pode ou não ser considerada moralmente
boa, algo que depende exclusivamente dos resultados da mesma, algo que se baseia no
facto desta teoria considerar que a moralidade de uma ação encontra-se dependente das
consequências da mesma. O filósofo escreve ainda em “Princípios da Economia Política” o
seguinte: ​“A guerra é uma coisa feia, mas não a mais feia das coisas: o estado decadente e
degradado do sentimento moral e patriótico o qual julga que nada valida uma guerra, é
muito, muito pior. Quando um povo é utilizado como meros instrumentos humanos para
disparar canhões ou carregar baionetas, ao serviço e para os propósitos egoístas de um
mestre, tal guerra degrada um povo. Uma guerra para proteger outros seres humanos
contra a injustiça tirana, uma guerra para dar a vitória às próprias concepções de certo e
bom, e que seja a sua própria guerra, levada a cabo por uma razão honesta e pela livre
vontade - é frequentemente o meio da sua regeneração. (...) Enquanto a justiça e a injustiça
não terminarem a sua eterna luta por ascensão nos questões da Humanidade, os humanos
devem estar dispostos, quando há a necessidade, de se batalharem por uns contra outros.”

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Neste texto, Stuart Mill partilha alguns pontos de vista semelhantes aos de Kant,
nomeadamente a ideia de que a moralidade de uma guerra é perdida caso o ser humano
seja utilizado como um meio nom travar dessa mesma guerra, e o pressuposto de que o
facto de uma guerra ser em determinadas situações inevitável legitimiza um dos lados
envolvidos, do ponto de vista moral, a travar essa mesma guerra. Para além disso, introduz
ainda a ideia que um conflito armado que parta da luta contra a injustiça, baseando-se na
honestidade e na livre vontade é não só aceitável do ponto de vista moral, como algo até
moralmente correto.
Outro ponto de vista utilitarista em relação à guerra, talvez até mais que o de Stuart
Mill, é o de Carl von Clausewitz, filósofo político e de guerra. Este, expressa a ideia no seu
livro “On War” de que “A guerra é apenas a continuação da política com recurso a outros
meios.”. Esta ideia, uma vez conjugada com a sua citação “a guerra é um instrumento
racional da política nacional” permite retirar conclusões relevantes relativamente à
moralidade dos conflitos armados.
A primeira delas, é a de que a guerra tem de ser justificada do ponto de vista
racional, não podendo, portanto, ter como fundação as inclinações sensíveis do Homem.
Outra das considerações que pode ser feita à luz da conjunção destes dois
conceitos, é que a mesma tem de se coadunar com os interesses da nação e do seu povo.
Por fim, talvez a mais relevante ideia que advém e pode ser extraída do ponto de
vista deste filósofo, é a de que a guerra deve existir sempre pelo seu valor extrínseco, e não
pelo intrínseco, isto na medida em que o conflito armado deve possuir um fim exterior a si
mesmo, não passando de um mero instrumento para o alcançar, e nunca podendo,
portanto, constituir uma finalidade por si só.
Em suma, para que uma guerra seja considerada moralmente justificada do ponto
de vista de Carl von Clausewitz, há que garantir que esta encontra a sua base na razão e
que a mesma tem como finalidade algo exterior a si própria, sendo esse último objetivo algo
do interesse geral do grupo que decide participar no conflito armado.
Anterior a todos os filósofos acima e às suas ideias em relação ao tema que é a
guerra, tendo tido o seu trabalho como base para muitas dessas ideias, Tomás de Aquino,
frade Dominicano e filósofo, já havia procurado, no século XIII responder à problemática
filosófica que é a moralidade da guerra, tentando conjugar aquilo que era a sua crença, o
Cristianismo, e os seus ensinamentos com algumas ideias de filósofos clássicos como
Aristóteles e Platão.
Os teólogo optou, na sua tese, por utilizar um conjunto de critérios que lhe permitem
justificar e determinar a moralidade de uma conflito armado a grande escala, os quais estão
enunciados numa das suas obras, denominada de “Summa Theologica”, em específico no
excerto “De modo a que uma Guerra seja Justa, há que corresponder a três critérios. O
primeiro, a autoridade do soberano. O segundo, a causa justa. O terceiro, a intenção
correta.”. Foquemos agora a nossa atenção em cada um desses critérios individualmente.
O primeiro, diz, essencialmente, a entidade que dá início à guerra tem de ter como
condição obrigatória autoridade política para o fazer. O segundo, defende que para que a
causa da guerra seja justa, os atacados devem ter a responsabilidade por ter cometido um
ato errado. E, por fim, o terceiro enuncia que tanto os lados que travam essa guerra como
os agentes da própria devem ter a intenção de promover o bem para que o mal seja
evitado.

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Aquino colocou ainda que a violência deveria apenas ser utilizada como último
recurso, em quantidade estritamente necessária, sem que haja em momento algum a
existência de crueldade, acrescentando que, apesar disto, a guerra poderia ser de caráter
ofensivo e que a injustiça nunca deveria ser tolerada para que se evitasse um conflito
armado.
Levando em consideração o mencionado, podemos concluir que pela teoria de
Tomás de Aquino, todas as consequências negativas da guerra podem ser justificadas caso
esta for declarada por uma entidade com autoridade para tal, que utilize esse conflito como
meio na procura da justiça, sempre com uma boa intenção por detrás de todo o ato, o que
tornaria a guerra, desse modo, moralmente correta. É ainda possível apontar que, adotando
esta mesmo perspectiva, a guerra apenas pode constituir um meio legítimo se utilizada em
último caso, exceto na condição de surgir como um modo de legítima defesa ou de eliminar
uma injustiça.
Em modo de balanço intermédio, olhando nesta fase para a problemática filosófica
em questão, a moralidade da guerra, podemos perceber que consoante o ponto de vista
adotado por aquele que analisar e justificar o caráter ético-moral desta forma de violência, a
mesma pode ser considerada moral ou imoral. Desta forma, aliando esta e a anterior
consideração, pode ser dito que, distinguindo-se uma da outra apenas no meio que utilizam
o para o alcançar, a guerra e a paz partilham o mesmo objetivo tendo ambas igual
potencialidade para serem moralmente corretas, isto consoante a perspectiva sobre a qual
são observadas.
De um ponto de vista prático, especialmente no que toca à política a nível global, é
inviável que existam em tão grande número ideias distintas, todas elas relativas à
moralidade da guerra, também chamada de “Guerra Justa”, uma vez que uma mesma
guerra, à luz de pontos de vista distintos, pode ser considerada tanto moral e justa, como
imoral e injusta. Foi do reconhecimento desta impraticabilidade que foi elaborada e surgiu a
“Teoria da Guerra Justa”, a qual constitui uma doutrina, isto é, um agregado de princípios ou
ideias, que tem, como propósito, neste caso particular, assegurar que a guerra pode ser
moralmente justificável se estiver enquadrada num conjunto de parâmetros que uma vez
cumpridos, fazem da mesma justa.
De uma um modo geral e em conformidade com as várias ideias relativas à mesma
problemática, previamente exploradas, a Teoria da Guerra Justa argumenta que o conflito
armado a grande escala, mesmo não sendo algo positivo, pode, sob as condições certas,
não ser a pior das opções e consequentemente justificada do ponto de vista da moralidade.
Para tal, no entanto, é necessário, como já foi mencionado, corresponder a um número de
critérios que se agrupam em três categorias, sendo estas a “Jus ad Bellum”, a “Jus in Bello”
e a “Jus post Bellum”.

O primeiro destes três grupos, e aquele a que a guerra tem de corresponder numa
primeira instância é o de “Jus ad Bellum”, que pode traduzir-se como a justiça de entrar em
guerra. Este engloba as seguintes condições:

A causa da entrada na guerra tem de ser justa, na medida em que apenas um mal público
ou uma violação dos direitos humanos em grande escala poderiam justificar tal recurso à
violência;

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A injustiça sofrida pelo grupo sobre o qual se está a exercer a violência tem de ser superior
àquela que esse mesmo grupo está a provocar;

Apenas entidades públicas com o poder necessário para é que podem iniciar uma guerra;

A violência utilizada apenas deve ter o propósito de corrigir o mal sofrido;

O conflito não deve ser travado se as medidas a tomar para que se tenha sucesso sejam
desproporcionais;

A guerra deve ser apenas tratada como último recurso;

Os benefícios antecipados antes de travar o conflito devem ser proporcionais aos males
causados.

Na hipótese de corresponder a todos os critérios de “Jus ad bellum”, a guerra tem de


cumprir também as condições propostas em “Jus in Bello”, que pode traduzir-se como a
justiça no ato da guerra. Este engloba as seguintes condições:

Os atos da guerra apenas devem ser direcionados a combatentes inimigos;

A conduta de guerra deve reger-se pelo princípio da necessidade, na medida em que


apenas deve ser feito o estritamente necessário para alcançar a vitória;

Todo e qualquer inimigo que não se apresentar como um perigo não deve ser tratado como
se fosse um;

Não deverão ser utilizados quaisquer métodos ou táticas de combate consideradas cruéis.

Caso forem cumpridos todos os critérios de “Jus ad bellum” e de “Jus in Bello”, a


conduta adotada posteriormente ao término da guerra terá de se coadunar com aquilo que é
proposto em “Jus post Bellum”, que pode ser interpretado como a justiça após a guerra.
Este engloba as seguintes condições:

Um estado deverá terminar uma guerra se existir uma vindicação adequada dos direitos que
não foram respeitados inicialmente e se o opositor estiver disposto a negociar os termos da
rendição;

Um estado apenas deverá terminar a guerra sob as condições acordadas perante a


rendição;

Um estado possui a obrigação de distinguir os líderes políticos e militares dos combatentes


e os anteriores dos civis

Os termos acordados numa rendição deverão ser proporcionais aos direitos não
respeitados inicialmente.

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Estando agora à luz da Teoria da Guerra Justa, torna-se claro que, nas
circunstâncias certas, pode ser encontrada moralidade no conflito armado, colocando deste
modo a paz e a guerra numa equivalência de moralidade. Existem no entanto, outras duas
doutrinas que divergem do conceito de “Guerra Justa”, uma que procura uma outra
justificação para a Guerra e outra que desaprova de todo o ato que está na base da guerra,
a violência. Estas são, respetivamente, o Realismo e o Pacifismo.
A doutrina defendida pelos realistas defende a legitimidade de uma guerra reside
apenas na condição desta servir o interesse nacional, baseando-se no argumento de que é
virtualmente impossível aplicar a moral e a ética, utilizadas para guiar interações entre
indivíduos inseridos em sociedades, nas interações dessas mesmas sociedades, uma vez
que as mesmas encontra-se numa relação semelhante àquela que era estabelecida pelo
Homem no estado natural. Este argumento encontra a sua fundação, entre outras teorias,
na Teoria da Formação do Estado de Hobbes, mais concretamente, na perspetiva do
filósofo no estado natural, que como pudemos ver anteriormente, traduz-se numa guerra
perpétua entre os vários humanos.
Porém, esta Teoria que à primeira vista apresenta uma base sólida, apoiando-se no
argumento de que a relação entre as sociedades é equivalente à relação entre os homens
no estado natural como Hobbes o percepciona, é facilmente refutável, encontrando o seu
contra-argumento no seguimento da teoria desse mesmo filósofo. Após a ideia que suporta
esta teoria, Hobbes coloca que “As paixões que fazem os Homens tender para a paz [e
para uma sociedade civil] são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são
necessárias para uma vida confortável (…), o cuidado com a sua própria conservação e
com uma vida mais satisfeita.”, deixando explícito que a paz entre os homens pode ser
obtida através da formação do estado. Ora, uma vez que estão nas mesmas condições,
essa ideia pode ser transposta para as várias sociedades, logo, a paz entre as nações
poderia ser através da criação de um “estado” que seria formado por essas mesma
sociedades, permitindo estabelecer entre as mesmas uma relação na qual pudessem estar
envolvidas a ética e a moral. Isso não iria, contudo, garantir a não existência de conflitos
armados, mas seria aí mesmo que entraria a Teoria da Guerra Justa.
A outra doutrina que se distancia da “Guerra Justa”, descrevendo uma posição
contrária à mesma, é o Pacifismo, o qual defende a possibilidade de realizar uma avaliação
da guerra do ponto de vista ético-moral, mas que esta manifestação da violência, à
semelhança de qualquer outra, constitui algo moralmente incorreto. A doutrina em questão
manifesta-se de duas formas, sendo estas distintas na teoria da ética e da moral que têm na
sua base, ou seja, as distinções residem na sua fundamentação.
A primeira delas, suportando-se na teoria Consequencialista de Stuart Mill,
argumenta que os benefícios de uma guerra não compensam os custos de participar na
mesma, enquanto a segunda, tomando como base a teoria Deontológica de Kant, defende
que a guerra é intrinsecamente errada, uma vez que não respeita os princípios da justiça
nem passa no teste imperativo categórico. Em cada um dos casos, apesar de numa
primeira análise as teses que os sustentam parecerem irrefutáveis, existe a possibilidade de
apresentar contra-argumentos fortes para ambas essas teses.

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Quanto ao Pacifismo Consequencialista, podemos colocar a objeção que a tese
enfatiza os resultados mais ruinosos, diminuindo ou desprezando as consequências
positivas. Um dos exemplos práticos da fragilidade deste argumento é a Segunda Guerra
Mundial, a qual apesar de ter resultado na morte de 85 milhões de pessoas e na destruição
de muitas estruturas, resultou num aumento da cooperação internacional, tornou a Europa
numa região pacífica e evitou aquilo que poderia ser a dominação mundial por estados
opressores que poderiam potencialmente causar um maior número de mortes, sem
mencionar toda a injustiça que poderia vir a cultivar no caso de uma não intervenção
justificada pela Pacifismo Consequencialista.
Em relação ao Pacifismo Deontológico, pode ser apontado esta tese ignora o dever
moral existente que obriga um indivíduo intervir, mesmo que tenha de usar a violência como
último recurso, numa situação em que está perante uma injustiça que pode travar.
Suponhamos que um indivíduo está na presença de uma situação em que a vida de
outro depende da sua intervenção e que apenas através do uso da violência a vida desse
outro sujeito pode ser salva. Neste caso, faz parte do dever moral do sujeito encarregue de
decidir se irá interferir ou não escolher fazê-lo, pois caso contrário, está a renunciar à opção
de salvar uma vida humana para que se possa manter leal a uma máxima que estabeleceu
para si próprio ou para que não tenha de ferir a sua “integridade moral”.
Ora, uma vez comparados os objetivos da paz e da guerra, expressas e analisadas
as teses, teorias e ideias de múltiplos filósofos em relação ao modo como a moralidade se
associa a estes dois conceitos e dissertadas as várias doutrinas relativas à justiça e ética
aos mesmos adjacentes, creio que seja possível fazer algumas considerações finais que
levem em conta tudo o que foi tratado até ao momento. À luz de tudo isto e perante um
reflexão extensa, gostaria de realçar, antes de mais, que apesar de meios profundamente
distintos entre si, a guerra e a paz possuem o um objetivo final comum, o de promover a
prosperidade daqueles que fazem recurso a um dos dois e que, se submetida a
determinados critérios, a Guerra pode revelar-se como sendo uma solução tão válida como
a paz do ponto de vista da moralidade, da ética e da justiça para que seja alcançado um
esse objetivo que ambas têm em comum. Para além disso, creio que este trabalho torne
claro o quão difícil pode ser chegar a um acordo em relação à moralidade de algo, como
acontece com o caso da guerra, isto para não dizer que um tal acordo pode ser até mesmo
impossível, tendo em conta o quantidade de perspectivas diferentes que existem em
relação ao tópico. É desse modo que reconheço agora a importância associada à tentativa
de conjugar todas essas teorias, isto por meio de reflexão, de modo a que se possa chegar
não só a um acordo entre todos, mas que os frutos desse acordo sejam o mais aplicáveis
possível do ponto de vista prático, como é a Teoria da Guerra Justa, no que toca à
avaliação da moralidade de um conflito armado. É impossível deixar de mencionar que uma
vez determinados e aplicados esses critérios facilmente num contexto prático, olhando para
o exemplo da Teoria da Guerra Justa, existe a possibilidade de conflitos eminentes sejam
evitados. Creio que seja também relevante destacar o facto de que em determinadas
situações, como foi visto pelas objeções feitas ao Pacifismo, no caso de já terem sido
exploradas todas as outras opções, o recorrer à Guerra pode ser moralmente mais correto
que a permanência paz.

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Não posso deixar de reparar, contudo, no facto da maioria esmagadora, senão todos
os estados envolvidos até à data, em conflitos armados, desrespeitarem os critérios que
lhes são impostos pela Teoria da Guerra Justa, o que revela o progresso que ainda há a ser
feito no que toca à Guerra e ao modo como esta surge, é travada e negociada.

Webografia

https://en.wikipedia.org/wiki/Portal:War
https://core.ac.uk/download/pdf/12857871.pdf
https://en.wikipedia.org/wiki/Pro-war_rhetoric
https://en.wikipedia.org/wiki/Peace
https://en.wikipedia.org/wiki/Perpetual_Peace:_A_Philosophical_Sketch
https://en.wikipedia.org/wiki/Philosophy_of_war
https://en.wikipedia.org/wiki/Just_war_theory
https://en.wikipedia.org/wiki/Doctrine

Bibliografia

Carl von Clausewitz, “On War”


Hobbes, “Leviatã”, XIII
Hobbes, “De Cive”, prefácio
John Stuart Mill, “Principles of Political Economy”
Alexander Moseley, “Pacifism”
Tomás de Aquino, “Summa Theologica”

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