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30 CINEMA 31 DE OUTUBRO A 6 DE NOVEMBRO DE 2021 | TESTEMUNHO DE FÉ

Ação na imagem

Fotografia de Gillles Deleuze, filósofo francês

Ao tratar das variedades da fator diferencial, que é uma certa Cria-se, então, um par entre a ação qual as potências, que ele atualiza, modo velado, revelando a situação
imagem-movimento, Deleuze irá identificação com o realismo, já modificada e a personagem, que a se distribuem de outro modo. de modo ambíguo.
conceituar a “imagem-ação”, que que as pulsões e os afetos apare- tornam correlatos e antagônicos. A terceira lei parece ser o con- No último capítulo de Cinema
encontra uma relação íntima com a cem sob a forma da expressão de Este é o conjunto que caracteriza a trário da segunda. Deleuze a ba- – a imagem-movimento, Deleu-
percepção, na medida em que com- emoções e sentimentos. Não é uma imagem-ação. tizou de lei de Bazin, fazendo ze irá debruçar-se sobre a crise
preende-se identificação entre o exclusividade do realismo, como A partir da leitura de alguns gê- referência ao crítico francês, de da imagem-ação, que consiste
movimento executado e percebido. ressalta Deleuze, pois já encontrava neros, de modo especial do cinema Cahiers du Cinemá, André Bazin. No em tratar do conceito peirciano
A imagem-ação é um corres- espaço em outros movimentos pre- norte-americano, Deleuze intuirá sentido em que o crítico afirmava de terceiridade, que refere-se ao
pondente da filosofia semiótica de cedentes, como o expressionismo determinadas leis que regem a que se duas ações independentes “mental”, conceito que se dá sem-
Pierce, mais especificamente um alemão, contudo, irá encontrar seu imagem-ação. A primeira delas se confluem para produzir um mesmo pre em referência a outros, ou seja,
correspondente ao “synsigno”, o cume, de modo especial, no realis- refere à imagem-ação como re- efeito, acaba-se por gerar um mo- um terceiro que remete-se a um
englobante. Pierce aplica sua clas- mo e em seus desdobramentos, presentação orgânica no conjunto mento em que não é mais possível segundo termo, por intermédio de
sificação dos signos, de acordo com como o neorrealismo italiano. da cena. distingui-las, pois encontram-se um ou mais termos.
a sua relação com os fenômenos, No caso do expressionismo, as A imagem-ação é estrutural, em uma “simultaneidade irredu- A terceiridade não se apresenta
desse modo obtém-se as relações pulsões aparecem expressas não levando em conta a situação e o tível”. como uma novidade para o cinema,
de: primeiridade, que diz respeito tanto na misancene, mas no espaço meio que a envolve. Pois, ela ao Deleuze via na imagem-ação bem compreendido, no sentido, de
aquilo que ainda não encontra re- social e geográfico, através do jogo mesmo tempo que se afirma pela uma inspiração para um cinema que não há uma adição artificial
ferência, o quali-signo; a segunda de sombras que é tão característico personagem, afirma-se também que privilegia o comportamento, na deste conceito, ou seja, o conceito
seria referida à imagem-ação, pois do movimento. Um exemplo claro através do espaço social e geográ- medida em que o comportamento peirciano vem classificar algo que
está em relação ao fenômeno a está na filmografia do alemão Fritz fico. Ela envolve várias potências é uma ação que inspira a trans- já estava presentificado, desde os
secundidade, o synsigno, que o é Lang, especialmente em Metrópole, simultaneamente, que efetivam formação, ou seja, a passagem de primórdios do cinema moderno.
por causa de outro, ou seja, que o de 1920, na qual o sombreamento propriamente a ação. uma situação à outra. Assim como O cinema sempre comportou
é por conta de uma interação, de dá significado a expressão de um Ela promove, a partir da pers- Merlau Ponty via nesta dinâmica da dentro de sua estrutura narrativas
uma ação. sentimento que é transmitido a pectiva do tempo, a alternância situação um elemento de interces- “extra e infra-ações”, que não pode-
A secundidade, ou seja, a ima- partir de uma ambientação social, entre os momentos de contração são relativo ao romance moderno, à riam estar ausentes da montagem,
gem-ação é o tipo prevalente da que reverbera no espaço físico. e dilatação, como se preparasse psicologia e ao cinema. sem desfigurar o filme, mas pelo
imagem-movimento, no modo Há na imagem-ação um movi- uma grande respiração entre os Há ainda na imagem-ação, um contrário a vocação do cinema para
universal de fazer cinema; contudo, mento duplo de contração e dilata- momentos de maior êxtase e aspecto que parece subversivo ao a mudança sempre inspirou os
reside no cinema norte-americano ção entre o meio e o personagem. relaxamento, promovendo a cha- que se conceituou inicialmente. Se autores a desejar limitar a unidade
uma maior prevalência desta opção O meio exerce sua ação sobre a mada montagem alternada, que primariamente se atém à fórmula da ação.
semi-ótica, justamente por sua personagem, de modo a constituir comporta figuras convergentes ou semiótica de Pierce, ou seja, da
identificação com um certo realis- uma ação que a envolva. Esta por concorrentes. situação à ação (SAS’), pode-se FILIPE FREITAS
mo, que naturalmente relaciona-se sua vez responde com uma reação A segunda lei da imagem-ação trilhar o caminho contrário, evi- MACHADO
SEMINARISTA
melhor com a ação e seus efeitos, ao meio, de modo a moldar-se diz respeito à passagem da situa- dentemente, da ação à situação, 3° ANO DE
derivado do estilo clássico de nar- ou modificar o meio. Daí advém a ção à situação transformada que rumo a uma nova situação. A ação FILOSOFIA
f.freitas2012@
rativa. decorrência de uma modificação se dá por intermédio da ação. O que desvela a situação, no sentido gmail.com
Na imagem-ação reside um ou restauração de uma situação. synsigno se contrai em um duelo no em que o avançar da ação se dá de

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