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Neurocisticercose (NCC), considerada a mais comum das

parasitoses do sistema nervoso central (SNC)1-3, é a infecção pela


forma larvária metacestóide da Taenia solium , tendo o homem
como hospedeiro intermediário no ciclo teníase/cisticercose e
adquirida por meio de dois mecanismos: autoinfecção, em que a
contaminação é feita via ânus-mão-boca, e pela heteroinfecção, ao
ingerir água e alimentos contaminados, principalmente verduras,
com ovos de T.solium. O período de incubação varia de 6 meses a
30 anos, com média de 4,8 anos4. Embora seja endêmica nos
países em desenvolvimento, a frequência de seu diagnóstico tem
aumentado nos países desenvolvidos, em decorrência do crescente
afluxo de imigrantes procedentes de regiões endêmicas 2,5,6. A
incidência, em crianças, ocorre de 0,5 a 17%7-9 de todos os casos
com NCC. Crises epilépticas, hipertensão intracraniana, encefalite e
distúrbios psiquiátricos, são as manifestações clínicas mais comuns
na infância2,3,5,6,8,10-16. Em alguns estudos, crises parciais com
generalização secundária predominam, enquanto em outros, as
crises generalizadas são mais comuns2,10,17,18. O polimorfismo clínico
da NCC parece estar relacionado ao número de parasitas, sua
localização, seu estágio de desenvolvimento e, principalmente, aos
complexos mecanismos imunológicos que envolvem a interação
parasita-hospedeiro1,19 . O diagnóstico baseia-se em múltiplos
fatores20. Não existe consenso sobre a ação dos cisticidas
modificarem, ou não, o prognóstico das crises em pacientes com
NCC2,21. O tratamento fundamenta-se no uso dos cisticidas
praziquantel e albendazol, geralmente associados a drogas
sintomáticas tais como antiepilépticos, corticóides,
dextroclorofeniramina, cetoprofeno22. O prognóstico benigno pode
vir acompanhado por sequelas neurológicas como epilepsia e
hidrocefalia10,16.

A síndrome de Lennox-Gastaut (SLG) é a mais comum das


encefalopatias epilépticas intratáveis da infância, corresponde a 5%
das epilepsias infantis23, e caracteriza-se por retardo mental
progressivo em 80% dos casos, crises de múltiplos tipos,
predominando as crises tônicas em 94% das crianças, ausências
atípicas em 80%, crises atônicas em 43% e estado de mal
epiléptico em 60% associadas, em todos os pacientes, a
eletrencefalograma (EEG) interictal constituído de complexos ponta
e poliponta-onda lenta (1 a 2 Hz) difusos, com predomínio em
regiões anteriores, atividade de base anormal e, em 70% dos
casos, a "trens" de pontas rápidas no sono não-REM23-26 . O
conhecimento sobre a incidência da SLG é precário e o diagnóstico
exato nem sempre é fácil 27. É síndrome idade-dependente,
mostrando início entre 1 e 8 anos de idade, com pico entre 1 e 3
anos de idade, podendo persistir até a idade adulta, quando apenas
30 a 50% mantêm as características clínicas e do EEG23,24,28.
Acomete, preferencialmente, o gênero masculino 23,24,28 . É,
frequentemente, precedida por outras manifestações epilépticas.
Dependendo da etiologia, a SLG é classificada em criptogênica, sem
identidade neuropatológica consistente, idiopática e sintomática.
Esta última, é constituída de fatores genéticos e adquiridos, tais
como malformações encefálicas, lesão perinatal, asfixia, encefalite,
meningite, trauma, esclerose tuberosa e, em 17 a 30% dos casos
pode ser uma forma evolutiva da síndrome de West23,24,29,30 .
Etiologias associadas, menos frequentes, incluem tumores, lesões
focais, infecções congênitas, hemorragia intraventricular,
hematomas subdurais23. A etipatogenia é ainda obscura, sugerindo
ser a manifestação de reação inespecífica de alguma lesão cerebral
durante determinada etapa do desenvolvimento infantil 23. Estudos
com tomografia por emissão de positrons sugerem tanto um
hipometabolismo cortical difuso, como um metabolismo normal ou
limítrofe23. Tem sido proposto um mecanismo imunogenético para
explicar a SLG, ainda com resultados conflitantes31. O tratamento,
geralmente ineficaz, tem o valproato como anticonvulsivante de
primeira escolha, com frequência associado a benzodiazepínicos e,
mais recentemente, o topiramato. A utilização de vitamina B6, dieta
cetogênica e calosotomia, são terapêuticas alternativas de eficácia
ainda não totalmente comprovada23. O prognóstico é ruim. A
mortalidade, a curto prazo, é de 4 a 7%, tendo o estado de mal
epiléptico como principal causa24. Apenas pequeno número de
pacientes consegue controle das crises, enquanto a maioria evolue
para crises parciais ou multifocais e encefalopatia epiléptica23,24,31,32.
Dentre as síndromes epilépticas graves da infância, a epilepsia
parcial atípica benigna da infância, a epilepsia mioclônica grave da
infância, a síndrome de Doose, entre outras, são diagnósticos
eletroencefalográficos diferenciais importantes28,29.

Associação entre NCC e SLG foi descrita, pela primeira vez por
Frochtengarten & Scarante33, em 1973, em uma menina que
apresentou, aos 18 meses de idade, síndrome de West de
instalação gradativa, evoluindo para SLG aos 3 anos e 6 meses de
idade, e que tinha o diagnóstico de NCC desde os 19 meses,
definido pela positividade da reação de Weinberg.

A entidade identificada nos dias de hoje pelo epônimo de Lennox-Gastaut pode ser sumarizada como
segue:

1. Repetição freqüente de diferentes tipos de crises epilépticas, geralmente motoras, sendo


tipicamente diagnosticada na infância. A imensa maioria dos seus sofredores incia suas
crises entre 1 e 6 anos de idade e o começo na infância é, segundo a maioria dos
autores, um dos principais critérios para o seu diagnóstico7,13,15. Os pacientes em sua
maior parte, são ou se tornarão deficientes mentais.

2. As crises, comumente refratárias a terapêutica com qualquer das DAEs disponíveis,


devem incluir ao menos duas dos seguintes tipos: tônicas, atônicas, mioclônicas e
ausências atípicas. Crises epilépticas tipo drop attacks (crises astáticas), embora não
patognomônicas são consideradas sugestivas desta condição e podem ser provocadas
por componentes atônicos, tônicos, mioclônicos ou espasmos em flexão18. Uma
identificação precisa de qual destes componentes é o responsável pelas quedas num
paciente em particular é frequentemente difícil e poderá requerer sua monitorização
intensiva. Porém, espasmos flexores e crises tônicas parecem ser mais preponderantes
como causadores de drop attacks epilépticos em pacientes com a SLG9,18. Status
epilepticus convulsivos e não convulsivos são intercorrências frequentes na evolução da
SLG. Há inclusive a descrição de 5 tipos distintos de status apresentados por esses
peculiares pacientes.

 
 

3. O EEG deve exibir complexos ponta-onda lentos (menos que 3/Seg) que poderão ser
generalizados, lateralizados e mais raramente focais. Além disso, a identificação de surtos
de ondas rápidas (10-25/seg), sincrônicas, bilaterais e repetitivas durante o sono, outrora
descritas como descargas de grande mal, embora não exclusiva desta condição é
bastante sugestiva da mesma. Apesar da análise isolada do EEG não ser diagnóstica para
nada, cabe realçar que os achados combinados de ponta-onda lenta e descargas difusas
de poli-pontas rápidas e bilaterais, com predomínio frontal e proeminentes durante o
sono, são alterações marcantemente sugestivas da SLG.

4. Sua etiologia permanece uma incógnita; contudo, em certo número de pacientes será
possível identificar um insulto ou lesão cerebral prévia ao início das crises. Estudos
anátomo-patológicos tem fracassado em demonstrar um defeito estrutural causal na SLG
e um distúrbio metabólico ainda incógnito tem sido sugerido como desencadeante do
problema7,21.

Excetuando o critério da idade, o paciente IT preenche todos os requisitos clínicos e de EEG para o
diagnóstico da SLG. Sua síndrome epiléptica iniciou aos 20 anos de idade e apresenta como
características marcantes a combinação de drop attacks frequentes, ausências atípicas e crises
generalizadas tônico-clônicas. Além disso, tinha episódios de status epilepticus não convulsivo e
testes neuro-psicológicos seriados demonstravam deterioração gradativa das funções cognitivas. As
alterações eletrográficas observadas igualmente suportam esta possibilidade diagnóstica.

Drop attacks epilépticos possuem vasta sinonímia e são classificados como crises generalizadas, e
isso parece ser verdade em nosso paciente. Tais crises são geralmente associadas a SLG; entretanto,
poderão ocasionalmente ser a expressão de outras síndromes epilépticas e terem origem focal19.
Esta é muito provavelmente a mais dramática das crises de epilepsia, responsável por ferimentos
graves e independendo da síndrome epiléptica onde está inserida, tem como regra ser refratária a
qualquer tratamento; conforme notado neste paciente.

Curiosamente a revisão da literatura mostra a existência de pequeno número de pacientes que como
no presente caso, apesar de terem todas as exigências para o diagnóstico de SLG, iniciaram suas
crises durante a adolescência ou já adultos2,3,14,19,20. De modo semelhante àqueles pacientes que
iniciam as crises durante a infância, estes pacientes também tem sua evolução marcada por
frequentes episódios de status epilepticus convulsivos e não convulsivos, como exibido pelo paciente
IT. Aliás, o presente caso serve também para ilustrar o quão perigoso é o rótulo de "psicose
epiléptica"; pois o não reconhecimento de status epilepticus não convulsivo, uma condição que
parece ser bem mais frequente do que se acreditava até recentemente, poderá conduzir ao
diagnóstico de enfermidade psiquiátrica com catastróficas consequências para suas vítimas.
Em nosso paciente, assim como naqueles com SLG-like iniciando na vida adulta, refratariedade ao
tratamento tem sido a regra, tal como visto em típicos pacientes com a SLG. Bauer et al.,
externaram que... os pacientes com SLG-like iniciando na vida adulta tem deterioração moderada,
principalmente quando comparados as clássicas SLG da infância3. Isto não se aplica ao nosso caso,
no qual óbvio comprometimento progressivo das funções cognitivas pode ser constatado. Por outro
lado, estudos complementares apropriados (TC e RM) não demonstraram anormalidades e assim,
um fator metabólico ainda incógnito gerado pelo insulto cerebral representado pelo TCE, poderia ser
aventado para justificar o quadro apresentado por nosso paciente.

Finalizando, gostaríamos de observar que uma síndrome, por definição, não é uma doença;
frequentemente tem seus limites imprecisos e seus componentes poderão sofrer considerável
variação. Assim, estabelecer critérios rígidos para o seu diagnóstico poderá resultar em controvérsia.
Porém, caso estes critérios sejam relaxados abusivamente, síndromes classicamente descritas
poderão ser transformadas em uma espécie de "saco de gatos", tamanha a heterogeneidade das
condições que poderão ser abrigadas sob um mesmo nome. Em se tratando da SLG é mister
reconhecer os vários indícios de que este rótulo está sendo equivocadamente utilizado para abrigar
condições epilépticas distintas. Parece ser imperativo, até mesmo para a preservação de SLG como
entidade nosológica ímpar, que suas fronteiras sejam delimitadas. Para tal, embora potencialmente
polêmica, a individualização clínica das várias condições epilépticas que apesar de alterações
eletrográficas similares possuem prognósticos diferentes é uma necessidade elementar. Além disso,
deve a idade do início das crises ser mantida como um dos critérios diagnósticos desta síndrome?
Devemos continuar chamando a condição que se inicia na vida adulta, indistinguível clínica e
eletrograficamente da SLG típica da infância, de SLG-like? Desde que refratariedade ao tratamento é
a regra observada em ambos os grupos, estas questões podem parecer irrelevantes; entretanto,
caso estes pacientes com SLG-like sejam aceitos como legítimos portadores da SLG clássica, muitos
conceitos teriam de ser revistos. Principiando pelo nome dado por Gastaut e colaboradores em 66...
Encefalopatia epiléptica da infância com ponta-onda difusa5, passando pelos mecanismos
fisiopatogênicos propostos...esta afecção (SLG) é o produto de uma reação do cérebro infantil a
alguma agressão cerebral crônica5, e assim por diante. Isto por si só é ilustrativo da importância
desta discussão.

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