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História de África II (século XVI-XVIII)

Unidade I. Escravatura, c. 1500 – 1850

Tema: Historiografia da Escravatura

A escravatura (denominada também escravismo, escravagismo e escravidão) é a prática social


em que um ser humano assume direitos de propriedade sobre o outro designado por escravo, ao
qual é imposta tal condição por meio de força. Em algumas sociedades, desde os tempos mais
remotos, os escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria. Os preços variavam
conforme as condições físicas, habilidades profissionais, sexo, a idade, a procedência e o
destino.

Em perspectiva histórica, não se pode afirmar que a escravidão encontra sua génese no
continente africano. Ao contrário, o fenómeno inicia dentro de um processo histórico secular,
compreendendo povos de todos os continentes. Como afirma Meillassoux, “a escravidão se
desenvolveu na África, como provavelmente por todos os outros lugares, pelo contacto entre
civilizações diferentes” (Meillassoux, 1995, p. 35), e se existe uma génese da escravidão na
África, é na escala de uma história que ultrapassa o continente que se deve procurá-la.

Neste contexto a escravidão existiu desde a Antiguidade Clássica e não era em todas as
sociedades que o escravo era visto como mercadoria. Porém na Idade Antiga, haja vista que os
escravos de Esparta, os hilotas, não podiam ser vendidos, trocados ou comparados, pois eles
eram propriedade de Estado espartano, que podia conceder a proprietários o direito de uso de
alguns hilotas, mas eles não eram propriedade particular, não eram pertencentes a alguém, o
Estado que tinha poder sobre eles, (Ibid, p. 35). A escravidão era uma situação aceite e logo
tornou-se essencial para a economia e para a sociedade de todas as civilizações antigas; A
Mesopotâmia, a Índia, a China e os antigos egípcios e hebreus embora fosse um tipo de
organização muito pouco produtivo.

Por Exemplo, na civilização grega o trabalho de escravo acontecia na mais variada sorte de
funções, isto é, os escravos podiam ser domésticos, podiam trabalhar no campo, nas minas, na
força policial de arqueiros da cidade, podiam ser ourives, remadores de barco, artesãos, etc. Para
os gregos, tanto as mulheres como os escravos não possuíam direito de voto.

No Império Romano muitos dos soldados do antigo império eram ex-escravos e o aumento de
riqueza realizava-se mediante a conquista de novos territórios, capazes de fornecer escravos em

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maior número e mais impostos ao fisco. Engrossavam as grandes propriedades cultivadas por
mão-de-obra escrava. Foi neste período que notabilizou-se a sociedade esclavagista como modo
de produção, em que os “escravos eram propriedade sobre os instrumentos e outros meios de
produção; a duração da vida não tinha importância para o senhor, por isso procurava tirar dele o
máximo proveito num prazo mais curto possível, (Emarkova & Rátnikov, 1986, p.41) ”. Isto é,
enquanto modo de produção, a escravidão assenta na exploração do trabalho forçado. Na idade
Média a escravatura era o sinal de um certo estádio da evolução socioeconómica, (Meillassoux,
1995, p. 36).

Na Idade Moderna e contemporânea – foi a época em que o tráfico de escravo integrou


América, Europa e África no chamado “sistema Atlântico” por meio de desenvolvimento de
formas de produção e mercado que tiveram mão-de-obra escrava africana como principal força
de trabalho sobretudo a partir da descoberta da América, houve um florescimento da escravidão.
Desenvolvendo-se então um cruel e lucrativo comércio de homens, mulheres e crianças entre a
África e as Américas. Passou a ser justificada por razões morais e religiosas e baseada na crença
da suposta superioridade racial e cultural dos europeus.

Chamou-se de tráfico negreiro – o transporte forçado de africanos para as Américas como


escravos, durante o período colonialista. De salientar que, nesta época a escravidão começou
com os índios. Pois os escravizados eram prisioneiros de guerra muito antes da chegada dos
portugueses; depois da sua chegada os índios passaram a comerciar seus prisioneiros com os
europeus. Mais tarde os portugueses recorreram aos negros africanos, por serem “mais robustos,
dóceis e climatizados as regiões tropicais” (KI-Zerbo, 1999, p. 266). Assim foram utilizados nas
minas e nas plantações: de dia faziam tarefas costumeiras, à noite carregavam cana, lenha,
transportavam formas, purificavam, trituravam e encaixotavam o açúcar. Foi neste período que
considerou-se de comércio internacional, entre os séculos XVI a XIX.

De um modo particular, não se pode deixar de dizer que o problema da escravatura em África,
comporta aspectos complexos e frequentemente contraditórios e tornou-se nestes últimos anos
um assunto que interessa muitos historiadores de diferentes nações. Porém a História deste
comércio é hoje descrita de diversas formas e, por vezes dá lugar a novas interpretações de
(Boahen, Curtin, Duignan, Clendensen, etc,). Não obstante, os especialistas africanos estão em
melhor situação que os historiadores europeus para determinar a amplitude do comércio de
escravos através do atlântico e as suas consequências para a África.

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Por exemplo o livro de P. Curtin dão novos números acerca da quantidade de africanos
exportados de África, em particular dos importados, para o Mundo Novo, (UNESCO, 1979, p.
35).

De salientar que, com o surgimento do ideal liberal e da Ciência Económica na Europa, a


escravatura passou a ser considerada pouco produtiva e moralmente incorrecta e ainda mais com
os princípios da Revolução Francesa do século XVIII, assim como os primórdios do século XIX,
no Brasil, pela Lei Eusébio de Querois, passou-se a punir os traficantes de escravos, de modo
que a que nenhum escravo mais entrasse no país; foi sancionada a Lei do Ventre Livre que
declarava livre os filhos de escravos nascidos a partir daquele ano, e em 1830 a Lei dos
sexagenários, concedia liberdade aos maiores de 60 anos. E mais tarde fez surgir o
abolicionismo, na primeira metade do século XIX (1836), (Meillassoux, 1995, p. 36).

1.1.1. Posturas Eurocentristas e Africanistas face a Escravatura

As abordagens que iremos apresentar, de uma forma abenegada mostram a divergência de ideias
entre os exportadores ocidentais e os africanistas face a escravatura em África.

1.1.1.1.Posturas Eurocentristas

Por um lado, os europeus dizem que o tráfico de escravos dependeu de facto dos africanos
estarem dispostos a venderem escravos, pois não fizeram do que imitar as práticas correntes em
África nessa. Como já foi dito anteriormente, uma das questões que surgira no decorrer do tráfico
foi: porque é que a África foi “exportada de Almas para o Novo Mundo?” para responder tal
questão nada mais lógico do que estudar, mesmo que de uma forma genérica, o continente
africano durante esse período comportava uma quantidade étnica enorme, ou seja o facto de a sua
população ser maioritariamente negra não a torna homogénea no que diz respeito a cultura,
línguas, costumes, etc.

Se formos a ver antes da chegada dos europeus, sabemos que uma boa parte de África já conhecia
o valor mercantil do escravo. Segundo Claude Meillassoux, no seu livro Antropologia da
Escravidão, a escravidão aparece na África como antítese das relações de parentesco, isto é, uma
comunidade que tinha dois elementos identificados: de um lado o parente, de outro lado o
estranho. Foi um povo amador de guerra, na qual entre os diferentes povos. Neste contexto
observou-se a formação de estados militares que objectivavam a obtenção de escravos através da

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exploração das populações, foram assim chamadas guerras de sobrevivência que ganharam um
contorno dos cativos ao comércio do tráfico de escravo.

Não obstante, a escravidão se insere na África dentro dos aspectos da economia tradicional
africana, moldado pelo desenvolvimento histórico do escravismo e pelas transformações ocorridas
nas estruturas económicas, não raro como decorrência de factores políticos e sociais. De todo
modo a escravidão é reinventado entre os africanos, adquirindo contornos únicos e características
próprias – e mesmo circunscritas no continente, apresenta diferentes funções, como variável de
ambientes pastoris, agrícolas ou urbanos, (Silva, 2002, pp.80-82).

1.1.1.2. Posturas Africanistas

Segundo os africanistas, devemos entrar nas origens da escravatura, como diz KI-Zerbo, no seu
livro História da África Negra Vol I, a palavra escravo provém, como se sabe, de facto de ser em
particular os Eslavos da Europa Central vendidos na Idade Média, não só a escravatura que estava
em uso na África distingue-se no conjunto de escravos domésticos e os escravos de guerra e na
verdade nas regiões de África em que a evolução económica estava avançada, como em torno de
centros urbanos da Jena e Tombuctu.

A escravatura tomara um carácter de acentuada exploração, mas esses escravos viviam com as
suas famílias. Eram sobre tudo, servos ligados a um domínio, até no Congo, sublinha o autor, que
um escravo honesto é muito considerado e podia substituir um chefe na sua ausência. Portanto o
escravo tinha direitos cívicos e direitos de propriedade, a pesar que os europeus seguiram uma
prática pré-existente, mas não se tratava do mesmo fenómeno, com o efeito em 1442, Antão
Gonçalves, moço da câmara de D. Henriques o navegador, desembarcando na costa africana
captura uma mulher e um homem e numa outra incursão, os negros ao se defenderem, mata três e
leva consigo dez.

De um modo geral as exportações de escravos, interromperam o crescimento demográfico da


África Ocidental durante dois séculos. O tráfico estimulou novas formas de organização política e
social; as atitudes dos europeus foram muito mais brutais, sobre tudo na caça, no escoamento do
interior para a costa e no armazenamento nos barcos negreiros, como ilustra a figura f1. Há
historiadores que dizem que os africanos sobreviveram ao tráfico de escravos, esquecendo que
viveram no meio da infelicidade e o seu esplendor reside no seu sofrimento.

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Figura 1. Planta e corte de um navio negreiro europeu.

Fonte: J. E. Inikori. In: Ogot, 2010, p.111.

Portanto, conseguimos observar que antes da chegada dos europeus no continente, o escravo
aparecia como um importante, aliado do rei, se transforma no homem de confiança do rei (uma
espécie de barreira, protectora contra as famílias nobres e rivais), apesar de ser eunuco assumia
cargos importantes no reino. Meillassoux (1995, p. 38).

Tema: A África e o tráfico de escravos, antecedentes

1.2.1. Antecedentes

Antes da época do tráfico de escravo, “as ideias da Europa acerca da África variaram
espantosamente com o tempo e o lugar”, (Davidson, 1978, p. 19). Já nos finais do século XV,
começava a circular bastantes informações cerca das riquezas das terras do sahaara. De salientar
“que antes de mais nada, o trafico de escravos não foi uma operação premeditada”, (Ki-Zerbo,
1999, p. 263). De princípio os europeus estavam movidos com expansão do cristianismo, a
procura de especiarias na Índia e metais preciosos, para comprar as tais especiarias (a pimenta, a
pimentão, a canela, o gengibre, assim como tecidos preciosos – a seda e o índigo) na Ásia.

Já devia tirar ouro em África, foi assim que, D. Henriques (o navegador), a quem o pai confiava o
posto de governador de Ceuta na África de Norte, concebeu o plano de tomar o Islão nas costas
para exterminar os infiéis, depois reuniu em sagres uma equipa completa de geógrafos, de
matemáticos e navegadores entre os quais o veneziano Alvise Cadamasto, cuja colaboração devia
produzir efeitos impressionantes, neste contexto, foram reunidos todos os meios técnicos para a
realização dos objectivos.

Através de certas marítimas, a exposição estendeu-se até a costa africana ao fundo da costa da
Guine, depois na Ilha de São tome e a cabo de Lopez, com ajuda de mouros e Judeus os europeus

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foram conhecendo o interior da África; a rota para a Índia e no mesmo período verificou-se uma
outra expedição conduzida por Colombo que chegou as Américas. Porém, foi no decorrer da
expansão marítima que os mercadores ficaram mais movidos com a prática de escravo, na medida
em que o ouro que era mais procurado pelos europeus escasseava.

Portanto, foi nestas condições peculiares de grandes movimentos que começou a ligação Euro-
africanista e que nasceram e desenvolveram mais tarde confusões e incompreensões que
caracterizaram épocas posteriores, por outro lado afirma-se que foi pelo conhecimento de
embarcações que animou os europeus no carregamento de negros feitos em comércio.

1.2.2. Desenvolvimento da escravatura; sua origem e o ciclo de escravos

i) Origem e Evolução

Segundo Iliffe (1995, p. 167), “o tráfico de escravos na região atlântica começou em 1441,
quando um jovem capitão da marinha portuguesa, Antão Gonçalves, raptou um e uma mulher na
costa do Sahara Ocidental para agradar ao patrono, o príncipe D. Henriques.”. Em “1444
Lançarote de Lagos leva duzentos e sessenta e três escravos e vende-os facilmente, assim
numerosos mouros são arrancados pela força na costa de África, conduzidos para Portugal, com o
fim de demonstrar que se tinha chegado a pais de negros e satisfazer as necessidades dos
compatriotas” (Ki-Zerbo, 1999, p.266). Porem quatros anos depois os portugueses erigiram uma
fortaleza na ilha de Arguim, ao lado da costa Mauritânia, a partir da qual compravam escravos e
sobretudo ouro, que era particularmente escasso nesta época.

Ki-zerbo invoca, que quando os portugueses não conseguiram arrebatar o comércio de ouro com a
ocupação de Ceuta em 1415, os marinheiros desceram a costa Ocidental da África, onde a
escravatura existia nesta região desde a época romana, no trabalho doméstico e em bolsas de
agricultura intensiva, sobre tudo para a produção de açúcar que os europeus tinham aprendido
com os muçulmanos durante as cruzadas. Enfatiza que, quando as plantações de açúcar se
expandiram para o Oeste, do mediterrâneo para as ilhas do atlântico, como a madeira e pouco
depois para as Américas, o tráfico de escravo na região foi em larga medida, uma resposta a esta
necessidade.

Ilffe (1995, p. 169), salienta que “o tráfico dependia também de facto de os africanos estarem
dispostos a vender escravos, por exemplo em Arguim, os portugueses comerciavam com os
mouros, que a muito forneciam escravos para Sahara e, quando os portugueses rumaram a sul ao

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rio Senegal em 1444, encontram o povo local envolvido no tráfico setentrional, o rei vendia os
próprios cativos de guerra aos mouros em troca de cavalos e de outros produtos. Os cavaleiros
Uolofe pagavam aos portugueses nove a catorze escravos por cada cavalo”.

Em 1471, os portugueses chegaram a costa de Ouro, onde depararam-se com os povos de Akan e
tiveram acesso as principais reservas de ouro de África Ocidental. Em 1482, construíram em Na
Mina, a primeira fortaleza na África Tropical, pouco depois terão captado de cerca de metade das
exportações de ouro de África Ocidental, que em 1506, este produto correspondia cerca de um
quarto de rendimento da coroa portuguesa. Pouco tempo depois, esta produção reduziu-se, mas só
por volta de 1700, os escravos passaram a ser a maior exportação da África Ocidental, em
substituição de ouro, (Ilffe, 1995, p.170).

De princípio os portugueses vendia armas de fogo, mas o papa condenou essa prática, dai que
começaram a vender tecidos na África, metais e escravos na Europa. Entre 1500 e 1535, os Akan
já compravam 10 000 a 12 000 escravos aos portugueses em especial para desbravar a floresta e
prepará-la para agricultura, o seu principal objectivo. Neste período os portugueses compravam
em Benim, mas com expansão militar que estava em curso, em 1516 o Benim deixou de exportar
escravos do sexo masculino receando perder a mão-de-obra. Posteriormente quase todos os
escravos vendidos aos Akan, vinham do Delta de Níger e do Território de Igbo, assim os
portugueses foram se tornando de intermediários marítimos de uma rede de trocas comerciais
indígenas, (Ibid.170).

Em 1482, os portugueses estabeleceram relações mutuamente vantajosas com o rei do Congo,


cuja autoridade precária se baseava nos escravos concentrados em volta da capital, nestas relações
o rei Congo aceitou ser baptizado e o seu filho, Afonso Mbemba Nzinga, que usurpou o trono em
1506 entregou-se ao cristianismo. E em 1500, os portugueses criaram plantações de açúcar na ilha
de são Tome, ao longo da costa de Gabão, usando os congoleses de mão-de-obra, quando o rei de
Portugal descobriu que os Congos não tinham mais nada para vender, criaram em 1576 um novo
entreposto em Luanda, que se transformou numa base, para a conquista europeia e para a
pilhagem de escravos que, foi uma reacção a uma nova fase de tráfico de escravos.

Neste período os primeiros escravos da África Ocidental foram sobre tudo para Portugal, depois
para a madeira e por fim para São Tome e o carregamento direito para as Américas começaram
em 1532, quando os povo ameríndios sofriam algumas doenças e assim foram substituí-los com
os africanos, porque só eles existiam em número suficiente para satisfazer as necessidade locais, e

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eram mais baratos, do que os trabalhadores brancos. Um assunto que é consubstanciado pela
UNESCO (1979, p. 23), ao afirmar que “a substituição dos escravos brancos por africanos nada
tinha com o calor do clima, era devida e simplesmente ao facto de, nessa época, a Europa não
poder fornecer às colónias uma mão-de-obra barata suficiente numerosa, não só as colónias do
Novo Mundo não teriam podido sobreviver sem os escravos africanos”.

Não obstante no fim do século XVI, cerca de 80 por cento de escravos exportados de África
Ocidental iam para as Américas, especial para Brasil, onde as plantações de açúcar se
desenvolveram a partir da década de 1540.

Todavia, os números eram relativamente baixos, segundo Philip Curtin, in Iliffe (1995, p. 171),
calculou que teriam chegado às Américas 9 391 100 escravos entre 1451 e 1870, admitiu que este
total pode variar entre 8 000 000 e 10 500 000, estudos posteriores aumentaram estes números
para 11 836 000 escravos exportados de África, o que leva a crer que 9 600 000 a 10 800 000
terão chagado as Américas e admite-se que novos estudos possam aumentar os números. Portanto,
quanto mais os historiadores aprofundam a questão da oferta e investigam as ramificações do
tráfico, maiores são os números a que chegam. Porém Curtim e os seus sucessores publicaram os
únicos dados exaustivos que existe e é preferível usa-los com cautela quando discutimos os
períodos e os locais associados ao tráfico. Para melhor compreendermos a exportação, os preços
de escravos de África para o Atlântico temos os seguintes quadros comparativos.

Quadro 1

Exportação de escravos de África para o Atlantico por séculos


1450 - 1600 367 000

1601 – 1700 1 868 000

1701 – 1800 6 133 000

1801 – 1900 3 330 000

Fonte: Iliffe, J. 1995, p. 167.

Não obstante, o quadro 1 mostra que o tráfico de escravos foi bastante reduzido no século XVI e,
se acelerou no século XVII, que atingiu o auge no século XVIII- o maior número atingido foi de
797 000 escravos na década de 1780 e que depois declinou lentamente ao longo do século XIX.
A alteração significativa registou-se em meados do século XVII, até então não tinha sido
exportados mais de 10 000 escravos por ano, sobretudo pelos portugueses para o Brasil.

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No que diz respeito os preços, alteraram relativamente quando os holandeses conquistaram Brasil
em 1630, tomaram a Mina em 1637 e ocupara em 1641 a Luanda, destruindo assim por pouco as
posições de Portugal, pois viu-se que os holandeses exportaram muitos escravos a baixos preços
(como mostra quadro 2), para as novas plantações de açúcar na colónia Britânica de Barbados e
nas ilhas Caribenhas da Martinica e de Guadalupe, colónias francesas, que pouco a pouco
suplantaram os holandeses, primeiro através de empresas patenteadas (a Royal African Company
1672), e depois nos séculos XVIII, através de mercadores particulares instalados em Liverpool e
Nantes, (Iliffe 1995, p. 171).

Assim, as ilhas caribenhas foram suplantadas pela Jamaica, a maior colónia Britanica de
escravos, em especial pela colónia francesa de Santi – Domingos (Hait), que importou cerca de
milhão de escravos no século XVIII e foi o palco. Em 1791, registou-se a única grande revolta de
escravos.

Segundo os números de Curtim, 42 por cento de escravos exportados foram para as Caraíbas, 38
por cento para Brasil e menos de 5 por cento para a América do Norte. Por outro lado os preços
subiram brutalmente quando a concorrência aumentou no século XVIII, um escravo que valia
duas peças de tecido por exemplo no Daomé em 1674 passou para setenta peças de tecido em
1750.

Quadro 2

Preços médios dos escravos na costa Ocidental

(números aproximados, a valores constantes de 1780)

Período Preços (Libras)


1550 10
1600 14
Década de 1670 ‹5
Década de 1730 25
Década de 1780 25
Década de 1860 ›10

Fonte: P. Mannig Stavery and African Life (Cambidge, 1990, p. 94).

Os pontos de origem dos escravos deslocaram-se a pouco e pouco a o sul. Lembrarmos os


primeiros escravos vinham essencialmente da Senegâmbia, da costa da Alta Guiné (entre a
Guiné Bissau e a Libéria). Em meados do século XVII, partiram também da costa de Ouro e da
Baia de Benim (incluindo ao reinos de Daomé e de Ioruba). No século XVIII, estenderam-se à
baia de Biafra (sobretudo o Delta do Níger) e a Moçambique. E por volta de 1807. A baia de

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Biafra, Angola e Moçambique é que fornecia mais, cerca de 80 por cento das exportações
britânicas e francesas de escravos praticamente todo o tráfico português, (p.173).

1.1.1.1. Ciclos de escravos

Falar de ciclos de escravos em África, estamos nos referir as fases do comércio de escravos, desta
feita, segundo a UNESCO (1979, p.22), “o tráfico de escravos em África compreende dois
períodos, em que o primeiro período subdivide-se em duas fases”. A primeira fase foi a do
transporte de escravos africanos de África para a Europa, sobretudo com destino a Portugal e, em
parte para a Espanha. Neste período a escravatura nada tinha de novo na Europa, mas o
aparecimento de africanos nos mercados de escravos europeus não era apenas a continuação,
porque os europeus nunca tinham lançado na caça aos escravos numa escala tão gigantesca, nunca
tinha sido conduzida de forma sistemática (...). a segunda fase do primeiro período, começou com
a concessão do primeiro asiento1 e a entrega de escravos ao Novo Mundo, primeiro provenientes
da Europa e depois directamente da África. Isto era apenas o início de escravos entre a África a
América e a Europa, no chamado comércio internacional.

Porém, este período era «como o princípio, o primeiro e o fundamento de todo o resto, o motor
principal da maquina que põe todas as outras rodas em movimento»2

Segundo Lucci, divide o período do tráfico de escravo em quatro fases distintas, sob ponto de
vista de origem geográfica e por época da chegada ao Brasil. Assim, os escravos chegados ao
Brasil antes da institucionalização do tráfico devem ter vindo da Angola e do Zaire.

O primeiro período é chamado o ciclo de Guine e inicia na segunda metade do século XVI.
Neste período foram trazidos ao Brasil escravos da costa africana, que fica relativamente mais
próxima ao nordeste brasileiro, costa hoje localizada na Ingeria, Togo, Ghana Benim, Libéria,
Costa de Marfim, Ilhas de Cabo Verde, São Tome e Príncipe.

O segundo período é chamado ciclo de Angola e Congo, abrange o século XVII. Nesta época
foram trazidos ao Brasil escravos procedentes das regiões hoje Camarões, Zaire, Gabão e
Republica Centro Africana.

1
O asiento, neste caso de negros, designava os contratos com carácter de monopólio para o transporte de
escravos.
2
. Cf. E. Vilyams, Capitalism and salvery, moscovo, 1950, p. 69
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O terceiro período e o chamado ciclo da costa da Mina, dos primeiros três quartos do sec. xviii o
trafico de escravos concentrou se nas mesmas regiões do primeiro período especialmente onde
hoje situa se a Nigéria e Benim.

O Quarto e último período incluem o último quartel do século XVIII e princípios do século XIX,
inclusive a época do tráfico ilegal. Neste período os escravos foram trazidos em sua grande
maioria do golfo do Benim, hoje nos países da Nigéria e do Benim e outros em Moçambique em
grande escala.

Portanto, a periodização da Historia do trafico de escravos em África e analisada sob ponto de


vista da origem e sob ponto da vista Geográfico.

1.2.3. Motivações: Aspectos comuns, estudo de casos (na região da África Ocidental,
África Oriental).

Os aspectos que criaram motivações no trafico de Escravos em África são várias, mas tem os
mais comuns e notórios dentre os povos envolvidos. Segundo a obra da UNESCO (1979: 19). O
tráfico de escravos foi motivado por factores económicos; ideológicos, religiosos e ate certo
ponto políticos; na medida em que a Europa estava animada com o comercio colonial, a procura
de especiais, de metais preciosos, levou a cabo de Europeus penetrarem no interior das colónias
sobre tudo no século XVIII com a descoberta das grandes plantações de cana-de-açúcar das
Índias ocidentais e subsequente das plantações das Américas, criou uma grande Expansão de
Escravos com fim de fornecer a força do trabalho, isto e, uma mão-de-obra barata.

E para a África este período os reinos via-o lucrativo e por outro lado com a obtenção da armas
de fogo e cavalos tinham em vista de fortificar o seu poder político e criando novas conquistas,
tendo em conta que a África sempre esteve em guerra para assegurar a produção e assim fazia-se
a captura entre os rivais.

Nos aspectos ideológicos vimos que, desde a Europa entrou em contacto com o povo africano,
teve em vista na superioridade de isto e, consideravam os africanos inferior e o povo sem cultura
e que poderia escraviza-lo, mostrando a superioridade. Do mesmo modo entre os Africanos
estiveram na prática, pelas questões de feitiçaria, isto é, as famílias acusadas destas práticas e
outras nefastas eram logo escravizadas. Porque eram consideradas de sociedades inferiores,
sociedades de malogo, assim obriga a sociedade a separar se rapidamente destes malditos.

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Tema: Métodos e meios de acção

1.2. Métodos de acção (a coacção e violência)

Os africanos foram escravizados por vários métodos, dentre tantos os mais evidenciados foram a
caça, a guerra e a compra. No inicio da fase do comercio escravista, os portugueses caçavam
pessoas na África e o produto da era escravizado. Este método era porem muito arriscado. Os
caçadores de escravos europeus tinham contra si não apenas a geografia desconhecida, como
também os chefes africanos, que controlavam rigidamente seus territórios. Por as doenças
espalhadas pelos europeus, fizeram a caça de escravos praticamente impossível. Quando o
comércio de escravos se estabilizou e a quantia necessitada era grande, os comerciantes
europeus de escravos procuram trabalhar em conjunto com chefes africanos, comprando destas
pessoas para ser escravizadas. Os escravos eram em sua maioria ou prisioneiros de guerras ou
produto de caça com objectivo escravizador. Os traficantes de escravos provocavam inimizades
em chefes africanos, aumentando assim as guerras e consequente o número de pessoas feitas
disponíveis para a escravização. Muitos chefes africanos vendiam também súbditos rivais pelo
poder. Por fim a sede de lucro de chefes africanos também contribuiu para o aumento do
número de escravizados, (Sousa, 1994), Estes trocavam seus produtos por produtos europeus,
tabaco e cachaças brasileiros.

Segundo K-ZEBRO (1999-268) para a captura de escravos em África, foram usados métodos de
acção, que eram simplesmente propagandas psicológicas que fez crer aos negros, por uma
demonstração de forças ou faustos, pôs consistia em sistema diplomático, na medida em que os
traficantes contavam algumas histórias, fábulas terríveis. Por outro lado, quando a diplomacia
não surtia efeito decidiram em armas, foi assim, que os Holandeses disputaram aos portugueses
os portos de Gongo e de Angola e bombardearam as aldeias que Ousavam comerciar com os
Franceses na Costa de Senegal. E a pois, dos traficantes ter assinado um tratado com um rei
negro, para a compra de cativos, mandava prender e acorrentar o próprio rei.

Portanto, duma maneira geral, temos estes três métodos de acção, que fizeram com que os
Africanos fossem escravizados, entre o séc., XV a XIX.

1.2.4.1. Os Meios de Acção

Os meios de acção, que foram encontrados para a coacção dos escravos em África foram
a’’COMPANHIAS’’ onde agrupavam-se negociantes europeus para fazer fase aos riscos

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importantes ao comércio, assim temos a companhia COMPANHIA RUANESA DE 1626, que


pedia Richelieu para comerciar na costa Africana ‘‘com’’, que monopolizou por quarenta anos
os traficantes de Cabo Verde ao Cabo de Boa Esperança, assim como nas Antilhas; depois foi
criada a companhia do Senegal (1672_1681). Ainda neste século (1661), em Inglaterra se criou
a companhia dos aventureiros reais de África que obteve o direito exclusivo de escravos de
Cabo Branco ao Cabo de Boa Esperança. Por fim temos a companhia portuguesa de guine que
assinou o acento em 1696 e obriga-se a fornecer «dez mil toneladas de negros». Ki Zerbo
(1999:2700)

Não obstante, as companhias instalavam-se nas feitorias, cercando assim toda a costa africana.
Mais existiram companhias que circundavam toda a costa e por essas razões, certos negreiros
preferiram-se se entregar ao tráfico improvisado, por cobatagem sobre tudo quando, os
franceses, não dispunham de numerosas feitorias legalmente instaladas, por este método era
mais longo e comportava seus riscos. (Ibid. p. 271).

Portanto, o tráfico fazia-se essencialmente pelas estações, escalas feitorias que, como uma
cintura de aço, cercavam toda a costa de África negra.

1.2.5. Focos de captura dos escravos em África

Segundo Ki-Zerbo (1999:171), são vários os pontos de captura de escravos, mais vamos
sintetizar os pontos mais estratégicos, sendo assim temos, Arguim, Goreia, as ilhas de Los,
Elimina, Fernão de Pó, São Tome, Luanda guine, Senegal, Será Leoa, Costa de Marfim,
Costa de Ouro, reinos de André e de enim.

Para, Lucci destaca costa da Bahia, a costa de Mina, Nigéria, Togo, Libéria. Ilhas do Cabo
Verde, Camarões, Zaire, Gabão e Republica Central Africana. O autor acrescenta que os
principais pontos de abastecimento de escravos, pelos menos entre o século XVII e XVIII
eram o Senegal, Gâmbia a costa de ouro e a costa dos escravos. O delta do Níger, o Congo e
Angola serão grandes exportadores no século XVIII e XIX.

1.2.6. Processo de Transição nos locais de partida

O processo de transição, do interior para a costa, bem como o armazenamento era muito
brutal e cruel e dependia de um traficante a outro. No entanto, os traficantes que compravam
novos escravos e os levavam para os centros de comércio podiam ser homens modestos, que
acrescentavam alguns seres humanos às suas peças de tecido ou as suas cabeças de gado.

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Refere Iliffe (1995, p. 175), que uma rapariga Igbo raptada foi vendida seis vezes numa
distância inferior a 200 quilómetros, de um modo geral, como observou um experiente
mercador francês, os escravos, enquanto mercadoria valiosa e arriscada, eram negócio de reis,
homens ricos e grandes mercadores, excluindo a faixa inferior dos negros.

Entre os grandes mercadores contavam-se os Soniquê, que levavam escravos capturados em


ataques a cavalo para a costa da Senegâmbia ou da Guiné, pois “na frente, cinco ou seis
homens a cantar, todos eles pertencentes à caravana; estes eram seguidos pelos outros
homens livres; depois vinham os escravos, como uma corda atada ao pescoço, (vinde figura
2), Como de costume, quatro deles presos a uma corda e um homem com uma lança entre
cada quatro; atrás deles vinham os escravos domésticos e depois as mulheres de condição
livre”.

Na realidade os escravos eram vendidos ao longo do rio, assim, os canoeiros Bobangi


cobriam os 1700 Km do troço central do rio Congo, levando escravos aos traficantes Vili de
Luango, no Gabão actual.

Em Angola por exemplo, os pioneiros afro-portugueses conduziam caravanas para o interior,


enquanto em toda a parte o comércio das zonas interiores era monopólio dos africanos,
excepto ao longo do rio Senegal e Gâmbia.

A maioria das vendas finais aos mercadores europeus era feita por intermediários do litoral,
que lutavam para impedir que os brancos penetrassem no interior do continente ou que os
mercadores do interior chegassem no mar – talvez dizendo a cada um deles que os outros
eram canibais, (Iliffe, 1995, p. 176).

Na Senegâmbia e na Alta Guine, esses intermediários eram muitas vezes afro-portugueses.


Noutras regiões eram africanos. Os mis conhecidos eram os Ijaw do delta do Níger, que
tinham uma instituição, a firma de canoas, um misto de grupo hereditário, empresa comercial
e facção política.

James citado por Iliffe (1995, p. 176), aponta que comércio era feito essencialmente nas
quintas e sextas-feiras, no entanto chegavam vinte ou trinta Canoas, umas vezes mais outras
vezes menos, de cada vez. Em cada Canoa vem vinte ou trinta escravos. Alguns trazem os
braços atados atrás das costas com Galhos, Canas, Cordas ou outros ligamentos da região; e
se por acaso são mais fortes do que é vulgar, também trazem os Joelhos atados. Nesta

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situação são atirados para o fundo da Canoa, onde jazem em grandes sofrimento, e muitas
vezes cobertos de água. Quando desembarcam, são levados para os Entrepostos, onde são
untados, alimentados e preparados para a venda.

Figura 2.

Fonte:https://www.com.br/search?q=transporte+de+escravos+para+as+americas+nos+seculo
s+XVI-XIX&biw. Acessado no dia 28/02/2015.

1.2.7. Transporte-Destinos (América e Ilhas do Indico)

1.2.8.Mecanismos de venda no local de chegada

1.3. Caracterização geral da sociedade, economia, instituições Políticas e culturas


africanas durante a escravatura.

As estruturas sociais, económicas e políticas africanas não pararam de sofrer mudanças entre
os séculos XVI e XIX. Isto se deveu, notadamente, tanto a factores internos – de ordem
demográfica ou ecológica – quanto a forças externas tais como o comércio de escravos, o
cristianismo, o islão e o capitalismo. O estudo dessas transformações e das novas estrutura
que apareceram; também será ressaltado que, na maioria das regiões do continente, a famosa
imutabilidade das estruturas ou instituições africanas é um mito histórico sem fundamento
real.

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1.3.1. Caracterização de estruturas sociais


É no domínio social que notabilizaram-se mudanças significativas com surgimento de novas
Estruturas. Na área religiosa, as filosofias e as religiões da Europa e do Oriente Médio começaram sua
expansão. O cristianismo e o islão tornaram‑se forças políticas em regiões onde eram até então
desconhecidos. A questão religiosa tornou‑se crucial para civilizações que, em razão de sua visão de
mundo, tinham até esse momento ignorado esse tipo de conflito.

a) Das sociedades dos cativos as sociedades de escravos


Segundo P. Diagne (p.28), a segunda mudança importante foi a substituição, na maior parte da
África, de um sistema próprio da África negra, o do jonya, por um sistema importado da Europa e do
Oriente Médio, o da escravidão. O jonya (do termo mande jon, que significa cativo) era difundido
principalmente no Sudão ocidental, assim como na região do Níger e do Chade.

Um jon (jaam em wolof, maccuba em fulfude, bayi em haussa) era um escravo ligado a uma
linhagem. Não era cedível e possuía a maior parte do que produzia. Nas sociedades em que
reinava esse sistema, ele pertencia a uma categoria sociopolítica integrada a classe
dominante; era então cidadão exclusivo do Estado e pertencia a seu aparelho político.
Enquanto sistema e categoria social, o jonya desempenhou um papel considerável e original
nos Estados e impérios de Gana, Takrūr, Mali, Kanem‑Borno, Ashanti, Iorubá e de Mwene
Mutapa). A elite dos escravos reais (os jon tigi mande, os farba dos jaami buur, de Takrūr, e
os sarkin bayi, dos haussas) pertenciam a classe dominante do Estado e da sociedade. Ela
exercia certo poder, abarcava fortunas, além de poder, ela mesma, possuir escravos como os
jombiri jon mande e escravos cativos de Daomé, (Meillassoux, 1975;)

No entanto, a escravidão oriental e ocidental, tanto sob sua forma mais antiga, quanto sob a
forma colonial que se expandiu na África no século XVIII, visava, em sua essência,
estabelecer um modo de produção que fizesse do escravo, praticamente privado de direitos,
um bem imobiliário ou uma mercadoria negociável e cedível. Os escravos formavam, por
muitas vezes, o grosso da população activa de uma sociedade, como ocorria no sistema
ateniense e nas plantações coloniais da Arábia medieval, ou mesmo na América
pós‑colombiana.

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Nas regiões em que as instituições islâmicas foram introduzidas, como entre os songhai, os
haussas e nas cidades da África oriental, os dois sistemas foram frequentemente confundidos.
Com a criação de Estados muçulmanos ou de emirados – que ocuparam progressivamente
todo o Suado ocidental graças as jihad e as revoluções de Karamokho Sambegu, em
Fouta‑Djalon, por volta de 1725, e de Sulayman Baal, em Fouta‑Toro, no ano de 1775 –, as
tradições e o direito muçulmanos foram implantados na região e a escravidão substituiu o
sistema jonya.

A fundação do califado de Sokoto por Uthman dan Fodio, no início do século XIX, acelerou
o processo que reforçou ainda mais a islamização dos negros berberes do Sahara e a
conquista da região pelos kabila árabes hassans. Tal fato transformou progressivamente o
sistema semi feudal dos Haratin4 (que associava uma aristocracia guerreira e populações
sedentárias conquistadas) em um sistema que era semelhante a escravidão.

1.3.2. Caracterização de estruturas económicas


A terceira mudança diz respeito as estruturas feudais que, intactas ou modificadas, se
expandiram nas civilizações agrárias da África. Enquanto estrutura política, modo de
produção ou sistema socioeconómico, o feudalismo supunha não apenas laços de fidelidade,
de vassalagem e de suserania, mas oferecia também a possibilidade de especular e de tirar
proveito dos meios de produção. Pouco importava se esse direito fosse fundado na
propriedade fundiária, na dominação territorial ou na possessão de uma pessoa, de um bem
ou de certos meios de produção.

De fato, a propriedade fundiária – ao dominar o pensamento, os sistemas de governo, bem


como as estruturas políticas e socioeconómicas da Europa e do Oriente Médio – caracterizava
tanto os regimes feudais ocidentais quanto os orientais que foram implantados nas
civilizações da África, que eram essencialmente agrárias. Sua influência era exercida em todo
lugar onde a ocupação das terras ou a dominação de um território incorria não somente no
recebimento de taxas, direitos, alugueis, meação e arrendamento, como também no emprego
de operários agrícolas.

As estruturas socioeconómicas dos territórios situados ao sul do Sahara diferiam dos da


Europa e do Oriente Médio, e do regime feudal em si. Em função das condições históricas e
ecológicas, não havia especulação sobre os meios de produção, mesmo nas sociedades e

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Estados de classe dessa região. Na África negra, antes da aparição do direito islâmico ou do
mailo (regime feudal) de inspiração ocidental (introduzindo um sistema de arrendamento em
Uganda em 1900), a terra era apenas uma fonte de ganhos. A propriedade de tipo europeu,
fosse o direito de usar e de dispor dos bens e mesmo das pessoas (ou seja, escravos),
praticamente não existia. Os que se apropriavam ou transmitiam uma parcela de terra ou área
de caça, de pesca ou de colheita valia‑se apenas de um direito de usufruto que excluía a
especulação lucrativa ou o direito de venda.

As sociedades agrárias do sul do Sahara criaram então o lamana – sistema de ocupação das
terras que não previa nem a locação destas, nem o arrendamento ou a meação, ainda que
taxas impostas tanto pelo Estado e pelas autoridades como pelos chefes fossem recebidas em
cima da produção agrícola e pastoral.

A economia própria da África negra era centrada, antes de tudo, na produção destinada ao
consumo. O homem produzia aquilo de que precisava, mas não possuía os meios de
produção. As interacções entre as diferentes estruturas sociais criaram sociedades híbridas e
heterogéneas que foram, em geral, muito mal descritas por estudiosos sob influência de
noções preconceituosas da história. Do século XVI ao XVIII, havia então áreas marginais
onde um feudalismo atípico se avizinhava ao lamana. Contudo, na maioria das regiões em
que a produção era destinada as trocas, o regime de tipo feudal dominava e o sistema de
produção para o consumo (lamana) havia sido eliminado ou transformado.

No Egipto, o sistema turco dos beylik (beilhiques) encorajou o desenvolvimento do regime


feudal e o regime otomano foi substituído por uma nobreza de proprietários feudais, tendo ela
mesma instaurado todo um sistema de relações entre os feudatários e os suseranos. Como na
Europa da Idade Média, essa aristocracia rural era protegida pelos odjak (fortalezas e
guarnições turcas). Os grandes chefes locais governavam um arsh (área étnica) ou um dwar
(campo de tendas) de acordo com seu sistema hierárquico.

Como no Egipto, a actividade económica estava nas mãos do beilhique que tinha o
monopólio das indústrias manufactureiras, dos moinhos, dos arsenais, da cunhagem de
moedas, dos canteiros de obras, além de lhes ser atribuído ainda o produto da pirataria. Ele
influenciava o comércio de cereais, óleo, sal, e o comércio têxtil, e controlava as rotas
comerciais (ou seja, os pontos de chegada das caravanas e os portos), bem como o comércio
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exterior. Sua vigilância era exercida sobre as guildas de artesãos e de negociantes. A própria
classe média dos negociantes servia de intermediário ao regime otomano.

No resto da África do Norte e no norte da Etiópia, o regime feudal se desenvolveu de modo


distinto, em função das condições ecológicas que dificultavam a concentração de propriedade
em certas regiões. As grandes propriedades do beilhique do Magreb, que se estendiam sobre
vastas superfícies, acarretaram ageneralização da distribuição de azel (feudos), explorados de
acordo com o sistemado khammasat (arrendamento), com partilha na base do quinto.
No âmbito regional, o regime era ainda o dos milk (pequenas propriedades familiares) e dos
‘arsh (propriedades comunitárias ou grupais), mas ainda no quadro da superestrutura feudal
de especulação. Sob a ocupação grega e romana, essas regiões tornaram‑ se os celeiros
desses impérios que desenvolveram ali o domínio público (ager publicus) e o colonialismo,
com a ajuda da mão-de-obra escrava e de um campesinato totalmente oprimido e explorado.
No sul do Sahara, a passagem ao regime feudal deu‑ se sob o impulso de uma influencia
externa.

No norte da Etiópia, por exemplo, surgiu uma aristocracia feudal que criou grandes domínios.
Isto ocorreu porque a nobreza etíope havia corrompido os princípios da filiação dupla e da
partilha igual das heranças, o que deu origem a “famílias” transgeracionais. Os membros da
nobreza apropriaram‑se igualmente do rebanho e dos produtos da terra. A economia da
região baseava‑se na agricultura de lavoura, e um grande número dos membros da nova
nobrezapôde transmitir a seus herdeiros a integralidade dos domínios que eles tinham
acabado de adquirir.

Da mesma forma, o poder político foi progressivamente concentrado nas mãos desse grupo;
passou a ser então crucial, para acumular riquezas, deter um cargo político. É o que explica a
existência, no norte da Etiópia, de uma tendência muito clara a uma maior diferenciação de
classes, baseada no acúmulo da propriedade feudal e do poder político, (Hoben, 1975).

Esse regime semi-feudal foi disseminado pelos cristãos da Etiópia do norteas áreas do sul,
onde foram criadas as ketema (cidades de guarnição) habitadaspor uma neftenia (nobreza
feudal) que colonizava as gasha (terras ocupadas). O gabar (camponeses) que cultivavam as
terras em proveito da nobreza feudaleram, tal como os fallahin (singular: fallah), quase servos

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ou, no mínimo, tributáriosou clientes, obrigados a pagar o gabir ou siso, já que eles eram
meeiros ou arrendatários.

Na região dos Grandes Lagos, principalmente na área sul que compreendeuma grande parte
da actual Tanzânia ocidental, Burundi, Ruanda e Uvira, aonordeste do Congo, o sistema da
“clientela” constituía um regime sem-ifeudal,regulador das relações entre pastores e
agricultores. Tratava‑se de uma espéciede contrato entre o donatário (o pastor) – que fornecia
o gado – e o beneficiário(o agricultor) – que punha seus serviços, os de sua família e das
gerações vindourasa disposição do donatário e de seus herdeiros. Esses contratos variavamde
acordo com as sociedades, modificando‑se também no decorrer dos anos, (Mworoha, 1977).

Os principais factores que contribuíram para a adopção do sistema socioeconómicoFeudal


otomano foram a propagação do regime do emirado muçulmano com a chegada dos askiya ao
Sudão ocidental, a expansão do império dos mai islamizados de Borno e a introdução do
direito corânico, seguida de conversões e jihad. Entre os Songhai, os askiya conservaram uma
parte da estrutura socioeconómica tradicional.

Assim como a aristocracia etíope que colonizara o sul da Etiópia, eles introduziram
numerosas inovações nas regiões por eles conquistadas. O askiya Muhammad e seus
sucessores distribuíram concessões a maneira dos Mamluk; criaram ikta‘ (feudos) nas terras
(kharadj) arrancadas dos não muçulmanos; e em vez de dar aos seus favoritos – os servos –
as terras quenão eram cedíveis ou sua propriedade, outorgaram‑lhes o usufruto dos direitos,
assim como taxas e ganhos pagáveis ao Estado. As crónicas (ta’rikh) fervilham de
informações a esse respeito.

Nos emirados, foi adoptado o direito islâmico das jihad, o que reforçou a implantação das
estruturas socioeconómicas feudais ou semi-feudais, europeias e médio‑orientais. As
almamia do Fouta‑Toro, do Fouta‑Djalon e do califado de Sokoto eram simplesmente
calcadas nos regimes feudal e fiscal otomanos. O jomleydi (senhor da terra), os jom lewre,
jom jambere e jom jayngol 8 (que desfrutavam das terras do Fouta) foram progressivamente
integrados, nao em sistemas de fidelidade, mas em uma estrutura socioeconómica de tipo
feudal.

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O novo sistema jurídico estabelecido pelos emirados esteve na origem de uma especulaçao de
tipo feudal sobre as terras. Os njoldi (direitos simbólicos devidos ao senhor da terra9), os
kawngal (direitos sobre as áreas de pesca), os yial (direitos sobre os campos de caça), os hore
kosan (direitos sobre a pastagem) e os gobbi (direitos sobre as minas) foram transformados
em direitos anuais pagáveis aos detentores do poder e recebidos sob a supervisao do Estado.
Até mesmo o cargo de colector de impostos tornou‑se venal, como a maior partedos cargos
oficiais do sistema. A meação, o arrendamento, e a locação de terras generalizaram‑se. Nas
regiões islamizadas, o número de camponeses sem terra, que haviam sido expulsos pela
conquista ou pelo novo sistema jurídico, aumentou consideravelmente. Os refo rekk (servos)
seereer, os samba remoru, os baadolo e os navetaan do Takrūr, bem como os talakawa
haussas tornaram‑se os equivalentes dos khames, haratin, fallahin e gaba do Mediterrâneo e
do Sahara. O leydi hujja (termo fulfulde que significa locatário) equivalia a introduzir o
regime feudal otomano.

Assim, a partir do século XVI, houve uma conjugação de estruturas socioeconómicas de


diferentes origens. Portanto, essas transformações das estruturas socioeconómicas influíram
na forma do Estado mansaya: no Sudão ocidental e na Nigéria, que foi islamizada, a
instituição muçulmana do emirado substituiu o mansaya ou se lhe sobrepôs. No golfo da
Guiné e na África central e oriental, onde chefes cristãos apareceram dentre os Manicongo e
os Mwenemutapa, a influencia da monarquia feudal crista ficou cada vez mais evidente, (P.
Diagne (1967, p.35)

1.3.2.1. As novas estruturas económicas

De acordo com Diagne, as grandes estruturas económicas apareceram no decorrer desse


período: o sistema de castas que substituiu o sistema de guildas ou corporações, a
economiade pilhagem, principalmente na África do Norte e do Leste, e a economia dos
entrepostos ou feitorias, principalmente na África Central e Ocidental.

Assim, a civilização urbana medieval contribuíra para a divisão do trabalho, assim


favorecendo o artesanato e as indústrias manufactureiras. Porém, no século XVI, esse
desenvolvimento foi desigual de acordo com a região ou o tipo de sociedade, e diferentes
tendências manifestaram‑se em função dos contextos sociais. Nas civilizações do Sudão
Ocidental, da região do Níger‑Chade e do Saara, por exemplo, o artesanato, bem como as

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actividades industriais e manufactureiras, desenvolveram‑se no quadro de um sistema de


castas mais ou menos fechadas e constituídas com base em linhagens. Sob a influência
crescente das civilizações do Takrūr e do Sahara, tal sistema tendeu a se fixar, principalmente
nas regiões do sul do Senegal, nos territórios dos Mandes e dos Haussas.

Os operários que trabalhavam o metal gozavam de grande estima entre os fon e os iorubás.
Contudo, também nesse caso, a influência dos imigrantes vindos doTakrūr e do Sahara
acabaria por revirar a tendência dominante. No Songhai, os askiya já governavam uma
sociedade na qual o sistema de castas estava implantado, estratificado e enraizado.

Um último aspecto importante da organização da indústria ou do artesanato da época reside


no grau de controlo exercido pelo Estado. Nas civilizações mediterrâneas, havia geralmente
monopólio do Estado para certo número de actividades como a tecelagem, a construção
naval, a fabricação de armas, o refino e o comércio exterior. Mas os Estados da África negra
não exerceram, se não raramente, essa prerrogativa, mesmo quando a indústria dos
armamentos se desenvolveu.

Na agricultura e na criação de animais, a divisão do trabalho e a especialização profissional


eram muito pouco marcadas. Agricultores, pescadores, criadores e caçadores todos exerciam
várias outras profissões, tais como as de forjador, empalhador, pedreiro, lenhador,
carpinteiro, tecelão ou sapateiro, de acordo com as necessidades. Acontecia de as mulheres
ou alguns grupos deidade serem especializados em certos tipos de profissões (como o
trabalho com metais, madeira e couro) que acabaram desempenhando um papel na formação
das castas.

As indústrias do Estado cresceram: manufacturas de armas e mesmo estaleiros para a


construção de frotas marítimas e fluviais foram implantadas tanto no Sudão Ocidental e na
costa ocidental do Atlântico quanto nos países mediterrâneos e do oceano Índico. A
multiplicação das guerras voltou a dar, as vezes, um novo impulso ao trabalho dos metais. No
século XVI, Sonni ‘Ali reorganizou os arsenais do Songhai, fixando objectivos anuais de
produção as oficinas. A metalurgia aperfeiçoou‑se no Egipto onde começaram a fabricar o
aço de Damasco, enquanto o trabalho com o ferro, o cobre, o ouro e com a prata ocupava
numerosas comunidades.

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Os garassa, tege maabo sudaneses, que fabricavam charruas, machados, sabres, zagaias,
pontasde flecha e instrumentos usuais, aperfeiçoaram sua arte e, no fim do séculoXVIII,
consertavam armas de fogo. Foi nesse sector que as novas técnicas forammais rapidamente
assimiladas. O artesanato do ouro e da prata estimulou ocomércio nos souks das cidades do
Magreb, do Egipto e do Sudão Ocidental.Os joalheiros berberes e wolof distinguiam‑se no
trabalho do ouro e das jóiasem filigrana. A cunhagem de moeda de ouro (praticada há muito
tempo nonorte e na costa suaíli, particularmente em Zanzibar e em Kilwa) progrediurumo ao
sul, até Nikki. Os suaíli fabricavam igualmente magníficas jóias e outros objectos de ouro e
prata. O trabalho da cerâmica tornou‑se industrial,a olaria, bem como a empalhação, continuavam
sendo tarefa das mulheres.

Aindústria do vidro continuou sua expansão e propagou‑se no conjunto do paísiorubá, entre


os nupes e os haussas, bem como no Egipto e no Magreb. Entre osshonas do sul da bacia do
Zambeze, a extracção mineira era muito desenvolvidae as minas de ouro e cobre constituíram
o fundamento da economia da regiãoaté o século XVIII1, (D. N. Beach, 1980, p. 26)

A outra actividade foi a fabricação do papel, que tinha substituído o papiro, desenvolveu‑se
principalmente no Egipto, sob a influência de Samarkand. O Sudão seguiu o movimento e
começou progressivamente a fabricar manuscritos: os alcoraes do Kanem eram vendidosem
todo o mundo muçulmano. As indústrias alimentares que haviam se multiplicadona Idade
Média, nas cidades do Norte e do Sudão Ocidental, foram também implantadas nas cidades
nigerianas. A África do Norte, particularmente o Egipto, especializou‑se no cultivo da
cana‑de‑açúcar e no refino do açúcar. A extracção do óleo de oliva, de palma e de
amendoim, assim como o trabalho com açougue, massas e especiarias conservaram, de
maneira geral, seu carácter artesanal.

Na área têxtil, a cultura e a tecelagem do algodão estavam bem implantadas noplatô do Zimbabwe
desde o século XVI18. Da mesma forma, as cidades‑estadossuaílis eram famosas por seus tecidos:
Patê, por exemplo, produzia seda de muito boa qualidade19, e o algodão era lá cultivado, desfiado e
tecido. Na África Central do século XV ao XIX, os tecidos de ráfia dos Congos foram renomados.

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1.3.2.2. A economia de pilhagem

O comércio com centros urbanos afastados desempenhara um papel importante na economia


africana anterior ao século XVI, favorecendo a produtividade, o desenvolvimento das
civilizações urbanas e o estabelecimento de laços estreitos entre as cidades e as áreas rurais,
transformado, assim, progressivamente a vida no campo. Mas entre os séculos XVI e XIX, o
reino da economia de pilhagem, como consequência do expansionismo espanhol e português
que, a partir do século XVII, foi ao mesmo tempo violento e destruidor – acarretou o declínio
dos portos e das cidades mercantis que, na Idade Média, tinham enriquecido graças ao
comércio transaariano. Esse declínio foi principalmente aparente a partir de 1592, data na
qual os reis cristãos da Espanha e de Portugal começaram a expulsar do Magreb, de Túnis e
de Argel as numerosas colónias judaicas e muçulmanas ali estabelecidas.

Todos os países do Nilo e da África Oriental, bem como os da região do Níger‑Chade e do


Sudão Ocidental, foram atingidos em diferentes graus. A Madagáscar, o período
compreendido entre 1680 e 1720 era conhecido, na parte ocidental do Oceano Índico, sob o
nome de “época dos piratas”. Os países directamente em contacto com as novas potências
europeias foram fisicamente abalados pela economia de pilhagem, mas sofreram igualmente
por não terem podido reanimar uma estrutura socioeconómica cada vez mais influenciada por
um Oriente atrasado. Outra de suas deficiências consistia em sua incapacidade de estabelecer
rapidamente as relações de força necessárias para não serem vítimas da desigualdade do
sistema de trocas da época.

1.3.2.3. O declínio do campo: o campesinato atingido pela pobreza


e pela insegurança

A economia de pilhagem provocou a estagnação das trocas comerciais entre as cidades e o


campo e influiu consequentemente em suas relações. Até então, suas actividades e produções
haviam sido complementares. As cidades haviam quebrado o círculo vicioso da agricultura de
subsistência, acentuado a divisão do trabalho e lançadas as bases da sociedade nova. Elas
criaram o ambiente necessário ao desenvolvimento científico e técnico, bem como ao
crescimento do comércio e das indústrias especializadas. Estabeleceram também novos
valores económicos, sociais e culturais e estavam na vanguarda do progresso. Implantaram
novas técnicas de produção e modos de consumo mais elaborados. Eram as indústrias e os

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comércios urbanos que haviam até então encorajado o desenvolvimento em grande escala da
agricultura, da pecuária, da pesca e da caça e das indústrias a elas relacionadas.

Da mesma forma, as cidades deram origem a cultura industrial da cana‑de‑açúcar e do


algodão e a cultura de plantas tinteiras, tais como a garancina, a anileira, o açafrão e a hena,
bemcomo a cultura de plantas odoríferas. As instalações hidráulicas, as estradas e a criação
de gado para a lã, o leite e a carne, todas essas actividades deviam seu impulso as cidades.

O século XVI, contudo, iria abalar esse universo e mergulhá‑lo na crise. O despovoamento
das cidades acarretou o declínio da economia do campo, causando o empobrecimento
generalizado dos camponeses e o retorno ao estágio selvagem de vastas superfícies de terras
aráveis. Expostos a uma insegurança crescente, os habitantes do campo foram se refugiar nos
confins das florestas onde, desligados da civilização de consumo das cidades, voltaram cada
vez mais a uma autonomia familiar ou comunitária, praticando uma agricultura de
subsistência.

Os próprios modos de produção regrediram. As relações estreitas que unema inovação, a


necessidade das técnicas avançadas e a abundância de recursos vêma tona; a rarefacção dos
recursos no campo africano acentuou a regressão ou aestagnação técnica.

A aristocracia guerreira desviou em seu proveito uma grande parte da mão-de-obra


camponesa, o que, na África Negra em particular, teve consequências demográficas
desastrosas no campo. As elites no poder abandonaram a agricultura em função das razias
para as quais foram usados os serviços de homenslivres e dos escravos capturados.

A generalização do mercado negro e sua influência sobre a arrecadação deimpostos locais


acarretou o aumento, nos países muçulmanos, das cargas fiscaisque as elites impunham aos
camponeses e artesãos rurais. A pilhagem dasáreas rurais bem como a captura e a servidão
das massas camponesas atingiramproporções gigantescas. A galag (taxa) paga ao dirigente
político da aristocraciado Takrūr era somada ao moyal (literalmente espoliaçã) que dava o
direito aosmembros da elite de se apropriar dos bens cada vez que tivessem uma ocasião.
Nesse contexto, os chefes das jihad e dos movimentos cristãos messiânicosnao tiveram
dificuldade alguma em garantir o apoio maciço do campesinato. Oschefes religiosos

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prometiam a igualdade quando a ordem voltasse. Eles tornavamos aristocratas tradicionais e


os europeus responsáveis por todos os incómodos e pelas causas da injustiça social.

A nível das características económicas e no que diz respeito as repercussões é notório que
economia de pilhagem nos países do Nilo e do OceanoÍndico foram também totalmente
desastrosas. O comércio fazia a reputação dos portos da África Oriental desde o século XI.
Ainda que eles não se igualassem em tamanho ou em influência aos das cidades do Sudão
Ocidental e da África do Norte, não deixaram de constituir o quadro de uma importante
civilização comercial e urbana em contacto com a Arábia, a Pérsia, a Índia, a China e o
Mediterrâneo, (UNESCO, 2010, vol IV)

A invasão portuguesa marcou o início da decadência desse complexo comercial urbano. O


ano de 1502 viu o início da desastrosa ocupação portuguesa e, no mesmo ano, Kilwa e
Zanzibar tornaram‑se dependentes de Portugal. Em 1505, Francisco de Almeida saqueou
Kilwa e Mombasa e construiu em seguida o forte Santiago em Kilwa. Ele proibiu qualquer
comércioentre essas cidades e os negociantes as deixaram para se instalar em Malindi enas
Comores. Lamu e Pate foram ocupadas. O processo de deslocamento da economia estava
começando. Com excepção de Luanda e Moçambique, nenhuma das feitorias fundadas
pelosportugueses e depois pelos holandeses, os ingleses e os franceses se aproximavaem
tamanho de uma cidade média do Sudão Ocidental, nem mesmo dos portossuaílis e da África
Oriental do período compreendido entre os séculos X e XVI.

1.3.2.4. A economia de feitoria ou de entrepostos


Uma das características da economia africana neste período, foi estruturada por feitorias e
entrepostos. Não obstante a economia de pilhagem se generalizou nas regiões situadas a
margem do Mediterrâneo, do Nilo e do Oceano Índico, foi a economia de feitoria ou de
entrepostos que se tornou a estrutura dominante ao longo do Oceano Atlântico. As feitorias
não tinham a menor preocupação em inovar. Palcos de violência e de pilhagem, as novas
feitorias marítimas consistiam em fortalezas antes de tornarem‑se centros de civilização
comercial.

Nas costas da Guiné e da África Equatorial, os portugueses (fundadores da economia de


feitoria no século XVI) mais pilhavam do que compravam. As mercadorias por eles trocadas
raramente eram produto de seu trabalho (excepto o vinho e as barras de ferro provenientes de

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Portugal). Eles compravam produtos locais e regionais no país Akan (sal, tecidos, tangas) e
trocavam‑nos em seguida com ouro, escravos, couro, goma, marfim, âmbar, almíscar, caurim
e outras mercadorias na costa da Nigéria, no Congo ou em Angola. Na
Senegâmbia,estabeleceram‑se nos portos e tornaram‑se prósperos negociantes.

Porem, as feitorias não contribuiram de maneira nenhuma para a prosperidade local.Antes de


1800, Alberda, Cacheu, Santiago do Cabo Verde, Elmina, Ketu, Calabar e SãoSalvador,
constituíam as mais importantes e comportavam cada uma menos de cinco mil habitantes. A
economia de feitoria baseava‑se no comércio transatlântico de escravos. Em seu apogeu,
nenhuma das feitorias servia de centro para o escoamento dos produtos artesanais locais, nem
criava oportunidades para as actividades comerciais ou industriais da importante população
autóctone. As feitorias para a venda de escravos eram antes de tudo um instrumento
dedespovoamento. As estatísticas não concordam quanto ao número de escravos deportados
ou quanto ao número de vítimas da venda de escravos na África: os números variam entre 25
e 200 milhões, (UNESCO, Vol IV).

A contribuição directa e indirecta da economia de feitoria a prosperidade mundial foi,


contudo, considerável. Depois da descoberta das minas africanas, as feitorias forneceram uma
grande parte do ouro e da prata mundiais. Além disso, foi por elas que transitou, na sua
grande maioria, a mão-de-obra que valorizou o continente americano.

De fato, as feitorias eram a alma do comércio mundial, a fonte da indústria, das finanças e do
capitalismo europeu e internacional. AFrança, uma das grandes potências do século XVIII, é
um bom exemplo disso. Seu comércio que, em 1716, representava 100 milhões de libras,
passaria, em 1789, a 400 milhões de libras e, durante esse mesmo período, seu excedente
comercial passaria de 36 a 57 milhões de libras. As exportações das Índias Ocidentais com
destino a França representavam por si mesmo 126 milhões de libras em 1774 e 185 milhões
em 1788. Durante esse período, as importações das feitorias para toda a Senegâmbia não
passaram de 5 milhões de libras.

Ao contrário do que geralmente se pensa, não houve um verdadeiro comércio triangular em


bases iguais antes de meados do século XVIII. Os navegantes europeus que controlavam o
comércio das feitorias (particularmente os portugueses, como já dissemos) nada investiam.

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Os produtos europeus não tinham a menor importância no conjunto das trocas. O ferro, o
cobre, os tecidos e a quinquilharia que, nos séculos XVIII e XIX, rivalizavam com os
produtos locais tiveram muito pouca importância nos séculos XVI e XVII. Os portugueses
eram principalmente intermediários. As mercadorias de valor que eles obtinham pela troca
eram exportadas para a América ou a Europa. Na verdade, eles usurparam esse comércio dos
negociantes locais, (P. D. Curtin, 1969).

A maior parte das trocas dependia dos monopólios português, espanhol, holandês e francês.
Os intermediários portugueses, que moravam nas feitorias ou nas proximidades, operavam
em mercados e feiras que defendiam pela força. A rede portuguesa foi usada pelas outras
potências marítimas a partir do século XVI. O único obstáculo as actividades monopolistas
era a oposição dos governos africanos, quando eram capazes de resistir, bem como as
dificuldades e os riscos com os quais se defrontavam os europeus para chegar as feitorias
dedicadas ao comércio de escravos do interior das terras. Foi um período de enfrentamentos
entre os lançados, os intermediários e os mercadores de escravos da costa da Guiné, por um
lado, e as companhias, do outro, sendo que os primeirosmandavam petições destinadas a
Santiago e a Gorée, nas quais pediama liberdade de operação.

1.3.3. Características da estrutura cultural

No que tange a área de cultuar iremos frisar com primazia a evolução da arquitectura e das
artes. Houve em África algumas realizações importantes nos domínios daarquitectura e das
artes. Os construtores das cidades do vale do Nilo, do Magreb,do Sudão, da costa, dos
palácios iorubás, dos daqueles que chamamos hoje deruínas do Zimbábue, de casas, palácios,
e mesquitas da costa oriental da África,e dos tata – que cingem as cidades haussas –, todos
eles eram ao mesmo tempoarquitectos, pedreiros, decoradores e urbanistas, (Idem, p. 36)

As casas redondas ou piramidais depedra ou de adobe, assim como as casas de andares dos
joola, pertencem a mesmatradição arquitectural que a mesquita de Koutoubia de Marrakech, a
tumba deaskiya em Gao e a dos califas do Cairo. O período precedente já demonstrara aforte
preocupação com uma arquitectura de qualidade, assim o comprovam as ruínasde Audagost, de
Koumbi, de Kilwa, de Djenné e de Aksum. Depois do séculoXVI, a arquitetura continuou a se
renovar, talvez sobretudo no Sudao Ocidentale na Nigéria, mas as cidades da África do norte e do vale
do Nilo, no entanto,periclitaram ao mesmo tempo em que sua prosperidade declinava.

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Por sua vez, osaskiya, que retomaram a tradiçao na África Ocidental, foram grandes
construtores,assim como seu contemporâneo no Marrocos, Abu’l‑‘Abbas al‑Mansur.Sonni
‘Ali e o askiya Muhammad retomaram a construçao do grande canal ao longo do Níger. No
Marrocos, a chegada de al‑ Mansur coincidiu com uma onda de grandes obras públicas,
contudo, passageira. As tradiçoes arquiteturais do Sahel e do mundo islâmico propagaram‑se
cada vez mais rumo ao sul. O estilo arquitetural sudanes, do qual as mesquitas de Sankoré e
de Djenné eram protótipos, se impôs a partir do século XVI. O askiya Muhammad
construiuTendirma do início ao fim e fundou a mesquita de Sidi Yahia. Foi nesse
contextoque se formaram importantes grupos de pedreiros, moveleiros e decoradores, dando
início, no Sudao Ocidental e no Magreb, a fraternidades e castas.

Na Etiópia, o período chamado Gondar (aproximadamente de 1632 a 1750) viu a aparição de


novos estilos arquitecturais encorajados pela Corte. Em Gondar e em outras cidades, as
sucessivas famílias imperiais mandaram construir grandes e belos palácios, castelos, igrejas e
bibliotecas cuja decoração interior era muito refinada. Nas regiões costeiras de língua
kiswahili, da África Oriental, o período compreendido entre 1700 e 1850 conheceu
importantes inovações arquitecturais: renovação dos elementos de decoração e motivos
ornamentais, originalidade na própria concepção das casas cuja construção mostrava
grandemaestria – em particular no que tange as molduras em gesso. Essa evolução
daarquitectura acarretou o impulso de actividades contíguas, tais como a esculturaem madeira
e, notadamente, a de portas e a movelaria, (J. de V. Allen, 1974).

1.3.4. Características das estruturas Políticas


A cena política africana já atingira certo nível de equilíbrio e de estabilidade durante o
período compreendido entre os séculos XII e XVI. No século XVI, a África mediterrânea
representava um subsistema do Império Árabe‑Otomano do qual o Marrocos, Ifriquia e a
Tripolitânia constituíam uma parte.

O Egipto era uma entidade a parte. A região do Nilo, compreendendo a Núbia e a Etiópia,
ligava o Sul aos Estados dos Grandes Lagos do Bunyoro‑Kitara, as cidades‑estados suaílis e
a parte sul do Zambeze que, no fim do século XVI, era dominado pelo Estado Mutapa.
Quanto a África Austral, ela contava ainda com poucas estruturas estatais. Na África Central,

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existiam dois sistemas políticos, um sob o domínio dos Reinos Congo e Tio, outro sob o
Reino Luba. Entretanto, os habitantes das florestas não estavam organizados em Estados. As
regiões doSudão Ocidental e do Níger‑Chade eram limítrofes, mas suas fronteiras mudavam
constantemente. Ambas ficavam em contacto com a Núbia e a Etiópia.

A evolução do mapa político demonstrava as pressões exercidas pelas forças exteriores e suas
repercussões. As guerras internas que reviravam a cena política aniquilaram as fronteiras
locais e o equilíbrio de forças. Novos Estados apareceram: eram os mais bem armados, tal
como o Kanem‑Bornu, ou aqueles com mais saídas marítimas, como o Cayor na
Senegâmbia, o Daomé no golfo da Guiné, a Angola na África Central e o reino dos
Changamira na parte sul do Zambeze.

A própria natureza do Estado africano foi modificada. Vastas regiões sem soberanos nem
chefes, que eram até então habitadas por agricultores, caçadores ou pastores nómadas, foram
conquistadas e transformadas em Estados dotados de estruturas centralizadas. As estruturas
rurais dos bantos e dos cabilas ou dos berberes do Sahara foram substituídas pelos makhzen
magrebinos, os mansaya ou os farinya autocráticos da África Negra.

O poder político passou cada vez mais das mãos dos chefes de clas e de comunidade étnica e
dos laman (chefes de território) as das aristocracias políticas da mansaya, da nobreza
fundiáriada neftenia, dos beilhiques e sultanatos magrebinos, dos emirados sudaneses ou
mesmo dos mani (reis bantos cristianizados) cercados, a moda europeia, depríncipes, condes
e camareiros.

A partir do século XVI, a vida política concentrou‑ se cada vez mais nas áreas costeiras, nos
portos que serviam de base aos corsários e nas feitorias. A aristocracia cobrava aí a décima
parte. Os governos africanos implementaram repartições de arrecadação do imposto sobre o
comércio estrangeiro.

A partir do século XVII, o papel político do campesinato aumentou. Revoltascamponesas


causadas pela decadência do campo varreram o continente comouma revolução religiosa,
abrindo assim o caminho para a resistência a conquistacolonial. Essas revoltas não eram
feitas por prisioneiros ou escravos, maspela classe mais importante e mais fortemente
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explorada, a dos pequenos proprietários. Ex: No Fouta senegalês, a revolução torodo apoiada
pelos samba remoru (camponeses sem terra) era ao mesmo tempo dirigida contra o muudul
horma.

Em 1780, a guerra entre o Marrocos e a Espanha terminou pelo tratado de Aranjuez, que
redefinia as fronteiras dos dois países e codificava suas relações comerciais. Mais ou menos
na mesma época, a Argélia, que estava em guerra com os Estados Unidos da América, forçou
essa nova nação a pagar um resgate a piratas; os Estados Unidos pagaram ao Marrocos 10 mil
dólares pela mesma razão. A partir de 1796, eles pagaram 83 mil dólares por ano a Trípoli e,
em1797, 21 mil dólares a Argel aos quais foram acrescentados 642 mil dólares para obter a
liberaçao de seus extraditados.

No fim do século XVIII, a aristocracia de Saint‑Louis, na Senegâmbia, dividia entre si 50 mil


libras, um décimo do orçamento de uma colónia que tirava sua receita do comércio exterior.
No século XVI, os portugueses recebiam tributos nos portos suaílis de Sofala, Kilwa e
Mombaça.Foram precisas guerras, a destruição das feitorias (pelos Zimbabwe em
Moçambique no século XVI, por exemplo) e proibições que restringissem as trocas (como
frequentemente foi o caso na Senegâmbia, em Angola e no Congo) para convencer as
potências europeias e seus negociantes a recomeçar a pagar um imposto. Todavia, essas
fontes de ganhos mais ou menos regulares estiveram na origem das guerras que estraçalharam
a aristocracia e as classes dominantes no conjunto do continente.

As entidades políticas representavam principalmente regiões que souberam atingir um certo


equilíbrio e conseguiram se desenvolver, levando em conta a situação interna. As dimensões
dessas entidades e a estabilidade de suas fronteiras, bem como de seu governo, eram variáveis
(algumas delas mantiveram sua forma inicial até a conquista colonial). Algumas eram
confederações de Estados, outros estados unitários ou chefias de jurisdição limitada.
Tratava‑se igualmente, em alguns casos, de um clã ou de um lamana independente no qual
os primeirosocupantes levavam uma existência autónoma.

A instabilidade introduzida pela economia de pilhagem e pela economia de feitoria criou


então, entre os séculos XVI e XVIII, Estados e economias que não podiam mais assentar sua
evolução económica, social e política em bases coerentes e organizadas.

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1. 5. Consequências de tráfico de escravos

Certos historiadores europeus, desejosos de reduzir ao mínimo o trabalho de escravos, jogam


com os números. Outros sustentam, por exemplo, que as zonas costeiras em que se exerceu o
tráfico negreiro são hoje precisamente as mais populosas. Nesta óptica KI-Zerbo pergunta,
querem eles insinuar com isso que a escravatura contribuiu, pelo contrário, para reprovar a
África? Neste âmbito iremos analisar a pompa na dimensão histórica em duas perspectivas:
nomeadamente africana e europeia.

1.5.1. Consequências de tráfico de escravos Para África


a) No âmbito Político/ideológico

Segundo KI-Zerbo (1999, p. 281), “o tráfico de escravo provocou, portanto um traumatismo


moral e ideológico em numerosos africanos. Pois os que se ocupavam desta caça já não
olhavam para os homens da mesma maneira e os Congueses, de que os primeiros europeus
diziam que tinham uma elevada ideia de si, próprios, haviam perdido essa ideia”. O mesmo
acontecia na Costa de ouro, onde o adultério era punido com a perda da liberdade.

Politicamente, o tráfico de escravos instalava, enfim, em Estado crónico, a guerra, a violência


intratribal e intertribal. Diz Iliffe (1994, p. 182), “que a principal consequência política foi a
orientação desses Estados no sentido de mercantilismo, nomeadamente através da fusão do
poder político como o comercial, por leis que controlavam o comércio ou por comerciantes
que ganhavam poder político”.

Além disso, na África Ocidental, foi a importação e o uso de armas de fogo, mas do que a
captura e a exportação de escravos, que permitiram que pequenas minorias bem armadas
dominasse populações mais numerosas. Entretanto, o comércio com o estrangeiro foi apenas
uma das muitas forças que modelaram a história política da África Ocidental neste período.

Três grandes Estados da África Ocidental desintegraram-se durante o período do tráfico de


escravos. Como: as quatro unidades de Uolofe (o Jolof nuclear, Waalo, Kajoor e bawol),
estes Estados foram dominados por exércitos de escravos montados (ceddo), pagões e
grandes consumidores de bebida, com um código de honra militar. Nos três séculos seguintes,
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a política Uolofe centrou-se nos conflitos entre as forças do mercantilismo – reis, ceddo e
mercadores europeus.

Em 1725, os sacerdotes Fulbe de Futa Jalon revoltaram-se contra os seus chefes de língua
mande e criaram uma teocracia maioritariamente Fulbe que pela primeira vez na África
ocidental, traduziu o Corão para a língua vernácula.

O segundo grande estado a desintegrar-se neste período, foi o reino do Congo, onde o
impacto europeu foi mais crucial devido a proximidade da colónia portuguesa de Angola.
Contudo, o colapço do Congo foi muito retardado. Depois da crise de 1526, quando a
escravatura ameaçava escapar ao controlo real, Afonso Irepôes a autoridade e confinou as
exportações de escravos aos estrangeiros e aos condenados. O seu longo reinado (1500-43),
assegurou aos seus parentes próximos um monopólio dos governis provinciais, a adopção do
cristianismo como culton de estado, criou subordinados letrados que integravam a
administração e asseguraram os rituais a contrapor á religião indígena.

O terceiro grande estado da África ocidental a desmoronar-se durante a época de tráfico de


escravo foi Oyo, o reino Ioruba que dominava o sudoeste da Nigéria actual. Também aqui a
interacção entre processos indígenas e o comércio externo era complexa. Entretanto, Oyo era
um estado da savana interior com uma elite de cavaleiros e um sistema político que distribui
o poder a grupos e instituições estruturalmente opostos, como era característico das antigas
cidades Ioruba. Na capital, o poder era partilhado pelo Alafin, um chefe muito insolado com a
autoridade ritual e pelo OyoMesi, um conselho de oito chefes provenientes das famílias mais
importantes.

Depois Alafin acumulou novas funções administrativas exercidas através de escravos reais.
Os chefes aumentaram o seu poder militar. E na luta pela supremacia Gaha afastou o Alafin e
dominou o estado entre 1754 e 1774, mais com o apoio de kakanfo em 1789 Gaha foi
derrotado pelo Alafin e subiu no poder. Depois o sistema político foi destruído e os povos
súbditos desmembraram-se em 1817, e em 1835 Oyo estava deserto.

Portanto, enquanto se desmoronavam antigos impérios territoriais, despontavam novos


estados mercantilistas, às mãos de mercadores que tinham alcançado poder político ou
de dirigentes que controlavam o comércio.

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Não obstante, é preciso apontar algumas consequências construtivas do comércio atlântico,


isto é registaram-se no povo Akan da Costa de Ouro, no século XVII, a sua riqueza em ouro
gerava uma sociedade costeira populosa, comercializada e estratificada, dominada por
homens grandes. Acrescenta Iliffe (186), que o maior poder pertencia aos chefes militares do
interior, que no fim do século XVII, se serviram dos novos mosquetes de pederneira para
criar exércitos constituídos por cidadãos, para alargar os seus estados e para controlar os
portos com objectivo de garantir os fornecimentos de arma.

O segundo maior estado do litoral criado em reacção ao comércio atlântico foi o Daomé, que
não tinha ouro e que portanto, era diferente. No final do século XV, as principais entidades
políticas organizadas os povos Aja-we da Baia de Benim eram Allada e Whaydah. O Daomé
era estado do interior aparentemente fundado no século XVII, como uma ramificação de
Allada. Quando Allada tentou controlar o comércio intensivo de escravos e armas de fogo
que se iniciava nessa época, o Daomé conquistou Allada em 1724 e tornou-se a potência local
dominante, embora pagasse imposto a Oyo.

b) Consequências Económicas

O impacto económico do tráfico de escravos foi tão complexo como as suas outras
consequências. A escravatura foi apenas um sector da economia que se manteve
predominantemente agrícola. Os especialistas estimam que, em meados da década de 1780,
quando o tráfico de escravos atingiu o apogeu, o valor médio do comércio externo por pessoa
na África Ocidental era apenas de 0,10 libras por ano, comparada por 2,30 libras em
Inglaterra e 5,70 nas Índias Ocidentais britânicas.

A quantidade de tecido importada correspondia a pouco mais de meio metro por pessoa, por
ano. O comércio de escravo estava a crescer muito mais depressa do que o comércio
internacional no seu conjunto e a sua distribuição era, naturalmente muito mais
irregular na África Ocidental. Porém, o aspecto mais importante do seu impacto foi o
facto de ter fomentado poucas mudanças, como por exemplo, na África Ocidental
comercio com o mundo Atlântico durante mais de 300 anos sem conhecer qualquer
desenvolvimento económico significativo.

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“É que os tecidos importados afectaram as industriais têxteis indígenas no século XVIII.


Em todas as outras regiões, os produtos locais e importados foram absorvidos por um
mercado em expansão, (…). No litoral e ao longo do Senegal, a fundição de ferro-a industria
africana menos competitiva, muitas vezes deu lugar a mineração de ferro importado, mas, de
um modo geral, os custos de transporte e as preferências dos consumidores protegeram os
fundidores em toda a parte, enquanto os ferreiros forram quando muito estimulados. Assim,
um dos efeitos mais destruidores do tráfico de escravos foi o atraso que se registou na
produção de mercadorias africanas”, (Iliffe, 1994, p. 190).

Um assunto que é consubstanciado pela UNESCO (1979, p.86), ao abordar “que esta pratica
teve efeitos negativos, que é possível determinar, e que prejudicaram directamente o
desenvolvimento económico da África, por outro lado impediu o crescimento e o
desenvolvimento de um comércio internacional «normal» entre a África e o resto do
mundo durante mais de quatrocentos anos”. Com o sub povoamento, veio impedir ao
longo de vários seculos, o crescimento de uma solida economia de mercado, ao eliminar uma
pressão demográfica que teria levado a uma colonização interna, ao desbravamento das
florestas e uma maior concentração populacional.

 Um dos aspectos considerado positivo, no tráfico dos negros, foi a introdução de


novas culturas americanas em África, como: a mandioca, a batata-doce, o amendoim
que acarretaram automaticamente modificações no regime alimentar, melhoraram a
resistência física dos africanos, contribuindo assim com o crescimento da população,
(B. A. Ogot, in: Ogot, 2010, p.1065).

Mas, como nos leva a observar M’ okolo, os efeitos dessas transformações agrícolas nas
populações africanas são difíceis de interpretar. “Teriam elas contribuído, como
frequentemente se sublinha, para uma alimentação mais segura e mais diversificada, para
uma maior resistência física da população e para um crescimento demográfico mais forte?”
Nada oferece menos certeza. Pelo contrário, destaca ele, a mandioca não tem senão um valor
nutricional medíocre, além de se constatar sinais de desnutrição grave entre os que mais a
utilizaram, como os tio e os mboshi.

O que é certo, porém, é que as novas culturas originárias das Américas e da Ásia, que foram
introduzidas pelos Europeus em diversas regiões da África entre 1500 e 1800, especialmente

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o milho, a mandioca, o amendoim, vários tipos de inhame, a batata-doce, as frutas cítricas, os


tomates, as cebolas e o tabaco, diversificaram a agricultura do continente.

c) Consequências Socio-demográfico

Segundo um censo efectuado por Portugal nos seus territórios angolanos em 1777-8, existiam
duas vezes mais mulheres do que homens, visto que muitos jovens de sexo masculino tinham
sido exportados. As mulheres eram apreciadas como sempre, pela sua capacidade reprodutora
e pelo seu trabalho. Quando os escravos eram muito numerosos, alguns conseguiam alcançar
um estatuto privilegiado, como os administradores do Alafin ou os escravos reais dos estados
Uolofe, que fiscalizavam o trabalho de camponeses livres.

No entanto, mais vulgarmente, a proliferação de escravos reduzia a sua posição social – de


parentes pobres passavam a simples trabalhadores. Alguns viajantes constataram que, em
Achanti e no Daomé, os escravos sexo masculino tinham dificuldade em arranjar esposas,
porque os patrões polígamos acumulavam mulheres.

“O apogeu do tráfico transatlântico, foi marcada pelo aparecimento de novas doenças, como a
varíola, que deveriam em seguida tornar‑se flagelos recorrentes”, (Ogot, 2010, p. 1065). As
tensões endémicas nas sociedades esclavagistas libertavam-se em períodos de desordem.

Os fundamentos da revolução crista que deveria acontecer na África Ocidental no século XIX
foram, portanto, assentados nesta época. No Congo, o cristianismo foi introduzido no reinado
de Afonso I (1506‑1543). Sob a direcção de seu filho Henrique, que fora consagrado bispo
em Roma, ele fez do catolicismo a religião de Estado.

No que concerne ao islamismo, é evidente que a expansão islâmica na África constitui um


dos temas importantes do período que vai de 1500 a 1800. Na costa da Guiné Inferior, por
exemplo, são os comerciantes mande e haussa que introduziram o islamismo. Propagou‑se,
depois disso, seguindo as rotas comerciais do Norte e atingiu os ashanti e os baoulé por volta
de 1750. Em 1800, havia em Kumasi um bairro muçulmano muito próspero e uma escola
corânica.

Além da simples expansão geográfica do islamismo na África nesta época, o


fundamentalismo muçulmano foi um factor importante em numerosas regiões. Citemos como
exemplo o movimento Nāşir al‑Dīn, que nasceu na Mauritânia e, em seguida, se propagou

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rumo ao Sul. Justificava‑se por razoes em parte económicas (controlar o comércio de cereais
e de escravos) e em parte religiosas (purificar e reformar o islamismo, substituindo um
regime arbitrário pela teocracia muçulmana). Constata‑se a mesma tendência reformista entre
os muçulmanos do país Haussa, sobretudo durante o século XVIII. Comunidades de eruditos
muçulmanos, que tinham a mesma formação política, económica e religiosa,
multiplicaram‑se em diversos centros e se puseram a criticar a ordem estabelecida e
representada pela aristocracia. O mais eminente desses eruditos, Malam Djibrīldan ‘Umaru,
pregava reformas islâmicas. ‘Uthmān e ‘Adullāhīdan Fodio foram ambos discípulos seus.
Quando a dominação dos aristocratas se tornou ainda mais opressiva, os eruditos atacaram
abertamente a ordem estabelecida. São tais as origens da jihaddo século XIX, (Ogot, 2010, p.
1069).

Sob ponto de vista demográfico, Manning argumentou que, o verdadeiro custo


demográfico deveria ser avaliado em relação ao crescimento provável da população se o
tráfico de escravos não tivesse existido. Partindo dos mesmos pressupostos, calculou que
em 1850, se não fosse o tráfico de escravos, a população da África Subsariana poderia
ter atingido 100 milhões, quando era na realidade de 50 milhões. Esta perda de
população contrastava por um rápido crescimento demográfico noutras zonas de globo.

Mas, é preciso reconhecer que a África, muito em particular a África Ocidental foi
castiga, porque a sua população era escassa, as suas exportações de escravos foram
elevadas durante três séculos, criando um despovoamento naquela região, não só pela
exportação, também o comércio atlântico expões a África Ocidental a novas doenças
que devastaram a população africana. Entre elas terão figurado a tuberculose e a
pneumonia bacilar, às quais os povos da África são pouco resistentes; a peste e a Sífilis
venérea uma doença latino-americanas.

De acordo com Iliffe (1994, p. 182), “não se sabe até que ponto o tráfico de escravos
afectou a história demográfica da África Ocidental. Esperamos que estudos
pormenorizados da colonização ou do abandono da terra nos esclareçam. No presente, a
resposta mais provável é que o tráfico de escravos tenha provocado a diminuição da
população e atrasou gravemente o crescimento demográfico noutras regiões”.

Portanto, dada a importância fundamental da escassez de população na história


africana, o tráfico de escravos foi um desastre demográfico, mas não uma catástrofe.

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d) Culturais

Nas sociedades africanas davam-se origem a grupos étnicos distintos, as características


linguísticas e culturais próprias, grande parte da África se transformava em consequência da
evolução das relações exteriores do continente. Em 1500, a maior parte das sociedades
africanas era relativamente independente do resto do mundo, suas relações exteriores estavam
reduzidas ao mínimo. Mas, em 1800, uma grande parte da África estava integrada aos
circuitos comerciais mundiais que a ligavam estreitamente a Europa, a América e a Ásia. Este
processo de integração fora facilitado pelo aparecimento, no continente, de novas
comunidades, como os colonos holandeses na África Austral, os portugueses em Angola e na
costa leste, e os Otomanos no Egipto e no Magreb. Numerosas sociedades africanas tiveram
então que mudar progressivamente seu modo devida, ou se deslocar, ou as duas coisas ao
mesmo tempo. Muito rapidamente, relações totalmente diferentes estabeleceram‑se entre as
sociedades e em seuseio. Estas novas relações se caracterizavam pela dominação e pela
dependência, tanto no plano interno quanto no sistema mundial em que a Europa se tornaraa
potência preponderante.

Fez nascer os “Mestizose os Crioulos” de Casamansa, da Guiné e da Serra Leoa. Os


afro‑portugueses e os anglo‑africanos deste último país eram grupos de negociantes que
serviam de intermediários entre os navios europeus e as sociedades africanas do interior.

Sob ponto de vista religioso notabilizou-se que o cristianismo, assim como o islamismo,
foram, ao longo desse período, essencialmente sincréticos. No Congo, por exemplo, o
cristianismo coexistia com a religião tradicional.

1.5.2. Consequências do tráfico de escravo na Europa

O tráfico de escravo, beneficiou muito mais aos países do Ocidente, do que a África, isto é, o
desenvolvimento económico da Europa Atlântica e da América do Norte, foi fortemente
estimulado pela expansão do comercio mundial entre 1500-1870, que dependeu
decisivamente do tráfico dos negros, através da exploração destes recursos nas Américas, que
nada seria possível na Europa Ocidental, ou nada poderia ter atingido a amplitude que
conheceu, se não existissem os escravos como mão-de-obra.

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a) Consequências socioeconómicas em Portugal

No inicio do século XV, os escravos importados para Portugal eram tão diversos como as
próprias descobertas, e em Lisboa era possível encontrar tanto Mouros como Chineses, Índios
ou Negros. Pois, os negros eram, no entanto, os mais numerosos.

Assim, os negros eram utilizados nos trabalhos agrícolas mais penosos, eram eventualmente
enviados para as regiões pouco salubres e eram utilizados no desbravamento de terras e nas
tarefas domésticas.

A sociedade tinha por base o trabalho servil, com consequências drásticas, isto é, foi-lhes
atribuídos censores do abuso e da leviandade que afectava todas as classes da sociedade,
aliados a um gosto desenvolvido pela ociosidade, tudo isto motivado pelo facto dos trabalhos
mais rudes estarem entregues aos escravos.

Haviam povoados específicos de negros, por exemplo, no concelho de Loulé há o lugar


chamado Cerro dos Negros, no de Almeirim há uma povoação com o nome Paços de Cima
ou dos Negros.

Há dois povoados dos concelhos de Albufeira e de Silves chamam-se Guiné, no concelho de


Alvito existe a povoação chamada Horta de Guiné. A dos Pretos, Monte dos Pretos e Quinta
da Preta são os nomes de povoações dos concelhos de Leiria, Estremoz e Alcobaça conforme
refere J. Leite de Vasconcelos in. Etnografia Portuguesa, IV, Lisboa, 1958, p. 46.

Contudo, surgiram em Portugal, os mestres de ofícios, os artesãos e pequenos proprietários


rurais ou mercadores faziam questão de poupar, de aforrar para, prevenindo-se contra os
males da inactividade por invalidez ou por velhice, adquirirem dois ou três negros ou negras
com quem não coabitavam em não poucos casos, pois estes viviam nos seus bairros ou
confrarias, mas que exerciam mesteres remunerados, até para serviços mais pesados ou
“exigentes” (como a recolha dos despejos e latrinas domiciliares), num curioso sistema de
parceria com os seus “donos”.

No que diz respeito ao aspecto financeiro do impacto do tráfico no desenvolvimento


socioeconómico de Portugal, é acerca dos proventos da Coroa. Estes proventos podem, com
efeito, ser avaliados a partir dos direitos cobrados por contratos e em consequência dos
variados impostos e taxas destinadas a pagar determinadas despesas: assim em 1664, imposto

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cobrado para cobrir as despesas feitas com a celebração da paz entre Portugal e a Holanda e
para ajudar a pagar o dote de Catarina de Bragança por ocasião do seu casamento com Carlos
II de Inglaterra, foi prologando de dezasseis e vinte anos.

Em 1724, foi criada uma taxa para pagar a construção da fortaleza de ajuda, enquanto em
1757 era para a reconstrução de Lisboa, destruída pelo terramoto de 1755, que era aplicada ao
comércio de escravos. Assim, obteve o tesouro Real receitas apreciáveis durante toda a
duração do tráfico.

Contudo, uma vez o tráfico é inseparável do problema de conjunto de um dado sistema


económico. O trafico foi, de uma forma geral, mais benéfico para os que tiraram partido de
uma mão-de-obra barata para valorizarem as suas terras ou as suas minas, do que par os que o
praticaram. Neste sentido, o impacto do tráfico de escravos no desenvolvimento
socioeconómico do país mais considerável no Brasil do que em Portugal, (UNESCO, 1979, p.
182).

b) Consequências Socioeconómicas na Inglaterra

O tráfico britânico nos anos 17 14 - 1779, teve sua origem preponderantemente em três
portos, Londres, Liverpool e Bristol. Pois, os efeitos sociais na Inglaterra não foram muito
notórios.
Mas no âmbito económico, o primeiro argumento sobre o impacto do tráfico de escravos na
Inglaterra é relatado por historiador negro da Trindade Eric Williams (1944), pois refere que,
o comércio triangular deu um tripulo impulso à indústria britânica.

Adquirido em troca de produtos manufacturados, o negro remetido para as plantações


produzia açúcar, algodão, índigo, melaço e outros produtos tropicais, que provocou a criação
de novas industrias na Inglaterra. Ao mesmo tempo, a manutenção dos escravos e dos seus
proprietários nas plantações abria um novo mercado à industria inglesa, à agricultura da Nova
Inglaterra e às pecarias da Terra Nova.

Por volta de 1750, não havia praticamente cidade comercial ou manufactureira, que não
estivesse ligada ou associada ao comércio internacional ou directo. E foi dos lucros deste

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comercio que se alimentou uma das principais corrente desta acumulação do capital que
financiou mais tarde em Inglaterra a revolução industrial, (M’ okolo, 1995, p.320).

Foi o trafico dos negros que lançou os alicerces da grandeza de Liverpool, par esta cidade
ortodoxa o trafico de carne humana constitui o único método de acumulação primitiva. E até
aos nossos dias, as figuras notáveis de Liverpool cantaram as virtudes específicas do
comércio de escravos, “o qual desenvolve o espírito de empresa até a paixão, forma
marinheiros sem igual e permite ganhar uma quantidade enorme de dinheiro”. Onde
Liverpool utilizava 15 navios no trafico em 1730-53, em 1751-74, em 1760, -96, em
1770/1792-132.

Portanto, o tráfico e a economia esclavagista das Antilhas deram a Inglaterra um mercado


dinâmico que suscitou a criação de novas industrias (refinarias de açúcar, manufacturas de
tabaco, fabricas de rum, industria da fancaria especifica para o mercado africano), e
estimulou o desenvolvimento de industrias antigas, obrigando-as às vezes a adaptar-se a
exigências particulares do mercado (estaleiros navais, industria algodoeira e de lanifícios,
metalurgia e fabrico de armas), (M’ okolo, 1995, p. 322), no entanto, os principais
beneficiários foram os portos em particular de Liverpool, Bristol e Glasgow, assim como
varias cidades industriais do interior tais como Manchester e Birminham.

1.6. O Abolicionismo

É um conjunto de doutrinas que, a partir do século XVIII, deduziram do direito dos homens à
liberdade a natureza moralmente condenável e mesmo intolerável da escravatura. Foi um
discurso de ruptura, mas não por ter reduzido o escravo `a situação do homem. Esta foi uma
condição que o pensamento esclavagista ocidental nunca negou a escravo, tendo mesmo
estado na origem de uma pesquisa filosófica dos fundamentos da justiça da escravidão que
começou na Antiguidade.

1.6.1. Os factores contribuintes

Entre os factores que contribuíram para a abolição da escravidão podemos citar o fim do
tráfico negreiro, estabelecidopela Lei Eusébio de Queirós em 1850, que levou gradativamente
à diminuição do número de cativos.A Campanha Abolicionista, da qual participaram sectores
da classe média e diversos intelectuais brasileirostambém foi factor decisivo na abolição.

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As transformações económicas não foram o único factor subjacente à abolição do


esclavagismo, pois também foi obra dos abolicionistas humanitários. Estes homens corajosos
e dedicados mobilizaram a opinião pública, atacaram os negreiros, denunciando os horrores
por si praticados.

Numerosas sociedades anti-esclavagistas foram fundadas para defender os direitos do ser


humano contra todas as formas de escravatura, pois as atrocidades praticadas pelo tráfico
negreiro começaram a sensibilizar a opinião pública. Só no séc. XIX é que a opinião pública
portuguesa se insurgiu contra o tráfico, sobretudo constituída por uma elite política liberal,
através da divulgação em panfletos, aliciamento de deputados e realizando campanhas de
propaganda.

Entretanto, a escravatura só veio a terminar no decurso do século XIX, com o triunfo da


ideologia da Revolução Francesa aliado ao avanço do capitalismo e à acção de alguns
ideólogos muito interventivos.

Este assunto encontra sustentabilidade na obra da UNESCO (1979, p. 27), ao abordar que os
factores,podem subscrever-se pelo desenvolvimento das relações capitalistas nos países
europeus e na América em geral; modificações surgidas na políticaeconómica da Grã-
Bretanha após a secessão das colonias americanas; impacto da Revolução Francesa e das suas
ideias de libertação; revolução dos escravos em São Domingos; número crescente de
levantamentos de escravos nas Índias Ocidentais na sequência dos acontecimentos
revolucionários surgidos em França e em São Domingos; progressão do movimento
abolicionista em quase todos os países europeus.

Durante o governo de Pombal, os índios do Brasil já tinham sido considerados livres. Certas
leis decretaram, entretanto, a restrição crescente da escravatura no império português e deram
aos africanos direitos iguais aos dos portugueses. As razões não eram filantrópicas, mas
práticas: era necessário prender os escravos negros no Brasil, incentivá-los a ficar.

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1.6.2. Os processos abolicionistas na Europa e nas Américas (-as questões étnicas e


morais da escravatura)

Até quase fim do século XIII a velha Grã-Bretanha foi um dos países europeus que mais
lucrou com o comércio negreiro. Esta foi uma das bases da acumulação primitiva de capitais,
a qual possibilitou o desencadeamento da Revolução Industrial Inglesa. Os tratados de
“Asiento”, por exemplo, firmados com a Espanha, em 1713 permitiram ao Reino Unido ser o
único fornecedor de escravos para as colónias espanholas de América, garantindo aos
traficantes ingleses lucros imensos.

No começo do século XIX, no entanto, a situação sofre grandes mudanças. A Inglaterra se


transforma num verdadeiro país capitalista; a era da “acumulação primitiva” já havia sido
ultrapassado, o interesse inglês mudou e impunha mercados consumidores cada vez maiores
para absorver a produção das indústrias inglesas. Na Inglaterra, assumiu o poder a burguesia
livre cambista, a qual era contrária a todo proteccionismo à escravidão, (Richards, 1973,
170).

Segundo John Iliffe (1994, p. 192), “em 1807, o Parlamento britânico resolveu abolir o
tráfico de escravos no atlântico. Os abolicionistas estavam convencidos de que esta resolução
abriria um novo capítulo na História da África Ocidental. Também alguns historiadores viram
na abolição uma importante ruptura que daria a África Ocidental o seu lugar moderno na
economia mundial como fornecedora de produtos agrícolas”.

É importante notar que a Grã-Bretanha conseguiu inculcar a abolição nos seus cidadãos, mas
a única arma contra os estrangeiros foi estacionar navios ao largo da costa da África
Ocidental para interceptar os barcos de negreiros.

Destaca-se no seculo XIX, um comércio caracterizado na exportação cada vez mais


acentuado nos produtos agrícolas e florestais segundo um modelo que ira manter-se até a
década de 1960. Por exemplo, “o antigo Calabar exportou óleo de palma na década de 1770,
o latex (utilizado na industria têxtil) ” que, ultrapassou as exportações de escravos na
Senegâmbia entre 1780 à 1820, e, de modo geral em África, as regiões onde o tráfico de
escravos era mais importante foram as primeiras a aderirem ao comércio legítimo, muitas
vezes recorrendo às estruturas comerciais existentes.

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Muitos dirigentes africanos resistiram à abolição do tráfico de escravos. Os reis Achantis,


Daomé e da Lunda avisaram que os cativos e criminosos que não fossem vendidos teriam de
ser executados. Na opinião de certos historiadores, a transição para a exportação de produtos
agrícolas gerou uma crise de aristocracia.

Os oficiais da marinha, a Sociedade de Geografia de Lisboa e os exploradores desenvolveram


uma actividade anti-esclavagista, relatando os horrores do tráfico.

Aquando da assinatura do Tratado de Viena em 1815, Portugal e Inglaterra acordaram


regulamentar este tráfico. Contudo, a intervenção mais importante foi a do visconde de Sá da
Bandeira, que, por decreto de 10 de Dezembro de 1836, proibiu a transacção de escravos nas
Colónias portuguesas a sul do Equador.

Portanto, os abolicionistas, como: A. Benezet, T. Clarkson e W. Wilber-Force, avançaram


com argumentos a favor de abolição do comércio de escravos: pois este comércio deixava a
África exangue; tinha mergulhado este continente num caos sangrento, em guerras
impiedosas, e eram os europeus que arcavam com a responsabilidade destas guerras e
intermináveis caças aos escravos geravam novos conflitos.

Em três pontos, Londres propôs as nações umprocedimento pretensamente radical contra o


tráfico internacional: legislações internam proibindo o tráfico negreiro aos nacionais; tratados
bilaterais conferindoas marinhas de guerra o direito recíproco de visitar e prender no mar os
naviosde comércio de cada nação contratante pega no tráfico ilegal; e colaboração
nascomissões mistas habilitadas a condenar os negreiros presos e a libertar os
negrosencontrados a bordo. Tais disposições funcionariam também no Oceano
Índico,especialmente entre Maurício e Bourbon (a actual Ilha da Reunião).

Numero 1.

1.6.3. Oposições silenciadas, Correntes teológicas, antropológicas, pré – iluministas e


iluministas e a corrente económica.

O combate pela abolição do comércio de escravos prosseguiu durante varias décadas.


Alcançou, como diríamos hoje, uma dimensão internacional e deu lugar a vivas polémicas
entre os abolicionistas e os seus adversários, polémicas que foram retomadas em numerosos

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livros e brochuras expondo, muitas as vezes com exageros de ambas as partes, as grandes
correntes de pensamento ideológicas, políticas, económicas e religiosas da época em relação
ao comércio de escravos.

A ideologia abolicionista não é de inspiração africana. Ela visava todos osmeios negreiros e
esclavagistas do mundo atlântico antes de se interessar pelosefeitos dos tráficos transariano
ou árabe. Suas manifestações provinham deuma filosofia moral, cujo poder de mobilização
real era muito fraco. Entretanto,depois de meio século, as bandeiras das forças anti negreiras
e da “civilização” daÁfrica serviram de pretexto oficial as pressões ocidentais cada vez mais
fortesno litoral Oeste africano. Por volta de 1860, o Ocidente instalou em definitivouma
presença até então pontual, subordinada, as vezes proibidas. O Norte e oLeste da África
conheceram situações quase semelhantes, a partir de 1830 atéo fim do século.

Ao longo do século XVIII, apurando a definição do direito universal ao bem‑estare a


liberdade, antropólogos, filósofos e teólogos voltaram‑se para o casodo africano e de sua
condição no mundo. Sua reflexão levou‑os a modificar asnoções ordinariamente admitidas
até então sobre o negro da África e o escravoamericano: de bruto e animal de carga, eles
transformaram‑no em um ser morale social. Sua fórmula, “o negro é um homem”, recusava
implicitamente o consensosobre a honradez, a legitimidade e a utilidade da venda de negros.
Suasanálises humanitaristas desembocaram na exigência abolicionista. Seu balançodo tráfico
era inteiramente negativo, (Daget, 2010, p. 78).

Ao denunciar um flagelo, o abolicionista não pretendia converter imediatamente traficantes


negros ou escravagistas brancos.Propôs um programa de regeneração da África através da
cristianização, da civilização,do comércio natural e fixou etapas racionais para sua execução:
revertera opinião pública do mundo cristão; levar os governos “civilizados” a tomarposições
oficiais; abolir legalmente o tráfico no Atlântico. Na Inglaterra, a sensibilização do povo para
a filantropia se fazia pela explicação teológicaque brotava de uma profunda renovação
evangélica.

O bispo de Londres, por exemplo, lembrava que a Bíblia falava da escravatura em geral não a
da de África. Foram publicados numerosos livros que explicavam que a Bíblia não aprovava
a escravatura de africanos, (UNESCO, 1979, p.29).
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Entretanto, existem varias abordagens de diferentes posições a cerca das ideologias


abolicionistas.Tal como os abolicionistas, os esclavagistas não deixava de discorrer sobre as
horríveis condições que existência que os africanos conheciam nos seus países. Sustentavam
que o comércio de escravos nada tinha a ver com este aspecto: a África sempre tinha sido
dilacerada por guerras impiedosas, razias de escravos etc.

A vida nas plantações do Novo Mundo, afirmavam que os africanos eram la muito melhor
tratados que na terra deles, e que a escravatura era um estado em que a África os tinha
habituado. Rejeitavam categoricamente os argumentos dos abolicionistas acerca do amor pela
liberdade que animava os africanos e justificavam as frequentes revoltas que estalavam nos
navios negreiros unicamente pela brutalidade dos carcereiros.

Afirmavam também que a sujeição dos africanos à escravatura e o tráfico de escravos eram
autorizados pela Bíblia. Evocando o anátema lançado contra Caim e os seus descendentes por
Noé, pretendiam ver ai a prova de que os africanos estavam predestinados para a condição de
escravos. No entanto, não há unanimidade neste aspecto no seio do clero, em particular na
Grã-Bretanha.

 Como também, os plantadores e os fabricantes, que tinham investido capitais no


comércio de escravos, assim como muitos armadores e marinheiros, ergueram-se em
defesa deste comércio e do seu desenvolvimento, e para manter a escravatura nas
colonias. Entre os seus principais defensores é necessário mencionar B. Edwards,
membro do parlamento e plantador nas Índias Ocidentais, Tarleton, membro do
parlamento e deputado de Liverpool, e Robert Bisset.

Portanto, no âmbito religioso é preciso frisar que na Grã-Bretanha protestantes, a filantropia e


o espirito da Reforma manifestaram-se sobretudo através de obras de caridade. Cite-se
aSociety for thePropagationofthe Gospel (ou S.P.G) que se propunha ajudar e instituir os
negros da América (1701), e que teve um papel importante na Geórgia.Vários huguenotes
aderiram ao movimento, que se fez sentir sobretudo na Carolina do Sul, Filadelfia e Nova
Iorque, onde se podia apoiar solidamente na Igreja Anglicana.

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Em 1710, o coronel CristopherCodrington pretendeu fundar duas plantações-modelo nos


Barbados. A sua ideia era mostrar que, através de uma forma humana de tratar os escravos,
de encorajar os casamentos e os nascimentos, de reduzir a mortalidade através de um trabalho
moderado e da ausência de castigos, era possível aumentar o rendimento das plantações e,
sobretudo, permitir uma economia em circuito fechado, sem fazer recurso ao tráfico.

Os fundamentos, também encontramos com os puritanos, que em 1664 Richard Baxter,


denunciou os negreiros como sendo «os inimigos comuns de toda a humanidade» e condenou
como um «pecado horrendo» a compra de homens, mesmo escravos, a não ser para os
libertar. Aliado na abordagem de um jurista Samuel Sewall, assegurou que a escravatura não
se fundamenta na Natureza nem no Direito.

Para Adam Smith humanista e economista, a escravatura era apenas um parte de um sistema
que funcionava mal, porque opunha o interesse pessoal ao bem geral. A Sorte reservada ao
escravo era de facto um conjunto de relação trabalho livre/trabalho forçado na economia
ocidental, (UNESCO, 1979, p.48).

Os trabalhos de Raynal daria cada vez mais lugar as ideias dos economistas, expressais entre
1765 e em 1775 nas Ephémeridesducitoyen: porque não obter em África as produções que se
pedia em América? Porque não povoar esta com Negros escravos que se tornasse homens
livres?

O poeta Saint-Lambert, publicando Zeméo no jornal dos economistas. «Vós fazeis uma boa
obra, ao apoiar a causa destes pobres Negros; Eles despertaram-me sempre uma imensa
piedade, (…)».

Neste contexto, piedade humanitarismo e filantropia- aplica-se nas reacções dos filósofos das
luzes perante o problema da escravatura e do tráfico. Mas a condenação moral leva-nos a
Buffon, Voltaire ou Bernardin de Saint Pierre. Pois é preciso evitar destruir no homem o
princípio de interesse que o move, e nisto a escravatura é ao mesmo tempo um erro e um
crime.

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O que é mais frequentemente denunciado é o «horror do sistema». Também a condenação


inclui muito frequentemente os costumes ferozes e bárbaros dos povos ditos civilizados, do
esprito de intolerância que corrompe todas as suas iniciativas, das conquistas sem futuro e de
viagens inúteis, (UNESCO, 1979, p. 50).

São conhecidos o capitulo de L’espritdeslois, no qual Montesquieu se interroga sobre «o


direito que tivemos de escravizar os Negros», e esta frase, que a injustiça (sobretudo na
ausência do direito nasce da injustiça).

É, portanto, a penas em 1780, que em L’histoiredesdeuxIndes, História «filosofia e Política»,


se torna a defesa da liberdade contra a «razão do Estado». Entretanto, a liberdade consiste na
«posse do corpo e no exercício do espirito», o governo não tem o direito de vender escravos,
o mercador não tem o direito de os comprar, e ninguém tem o direito de se vender. Desta
forma a politica e a moral devem aliar-se para a liberdade dos povos.

A ideia de uma liberdade «una e indivisível» sai agora no domínio das luzes, e transforma
todas as suas causas numa única e grande causa- a universalidade dos princípios dá à prática a
primazia sobre a teoria, a defesa dos «direitos do homem», é em si mesma, um factor de
progresso e de justiça, seja este homem selvagem ou civilizado, negro mulato ou branco,
sejam como forem a sua nação ou religião.

Com tudo, com o declínio da economia açucareira e o começo da revolução industrial, inicia-
se um lento processo que culminara, no efeito do desaparecimento da escravatura e, depois do
tráfico. Na Grã-Bretanhaonde a R. industrial foi mais rápida, e onde, por outro lado, se
desejava as antigas colonias da América, tudo foi acelerado; em França, Napoleão
restabeleceu a escravatura mais proibiu o tráfico e 1815. O tráfico prosseguiu durante muito
tempo, em direcção aos Estados Unidos e Brasil onde, no entanto a escravatura fora abolida
em 1836. No plano humanitário, quase tudo tinha sido dito, e a Declaração dos Direitos do
Homem tinha colocado o povo negro sob a protecção da lei.

Texto de Apoio sobre a Escravatura em África elaborado por Mestrando em Ciências Política e
Estudos Africanos Mouzinho Mariano Lopes - UP Montepuez-2011 Page 48

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