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O Sistema Financeiro

Angolano
O Sistema Financeiro
Angolano
2020

Paulo Câmara (Coordenação) João Fonseca


Ana Regina Victor Irina Delgado
Elisa Rangel Nunes João Pedro Tavares
Sofia Vale Martim Bóia
Leonildo Manuel Mário Gavião
Rosa Mangovo Herlander Diogo
Rute Santos José Cesaltino Victoriano Manuel
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO
coordenação
Paulo Câmara
editor
EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
Rua Fernandes Tomás, nos 76, 78 e 80
3000-167 Coimbra
Tel.: 239 851 904 · Fax: 239 851 901
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EDIÇÕES ALMEDINA, S.A.
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, 2020
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responsabilidade do(s) seu(s) autor(es).
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processo, sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível
de procedimento judicial contra o infrator.

____________________________________________________
SIGLAS E ABREVIATURAS

ABANC – Associação Angolana de Bancos


ARSEG – Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros
Art. – artigo
Bacen – Banco Central do Brasil
BAPIC – Boletim de Autorização de Pagamento de Invisíveis
Correntes
BIS – Bank for International Settlements
BNA – Banco Nacional de Angola
CA – Conselho de Administração
CC – Código Civil
CCI – Câmara de Comércio Internacional
C Com – Código Comercial
CE – Comissão Executiva
CMC – Comissão do Mercado de Capitais
COSO – The Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway
Commission
CRA – Constituição da República de Angola
CVM – Código dos Valores Mobiliários, aprovado pela Lei n.º 22/
15, de 31 de Agosto
DSR – Direito das Sociedades em Revista
DU – Documento Único
EBA – European Banking Authority
FMI – Fundo Monetário Internacional
FSAP – Financial Sector Assessment Program
GC – Governação Corporativa
IAS – International Accounting Standards
IFRS – International Financial Reporting Standards

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O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

IGAPE – Instituto de Gestão de Activos e Participação do Estado


INCOTERMS – Regras Internacionais para a Interpretação Uniforme dos
Termos Comerciais
IOSCO – Organização Internacional de Comissões de Valores
LEC – Licença de Exportação de Capitais
LBIF – Lei de Bases das Instituições Financeiras, aprovada pela
Lei n.º 10/15, de 17 de Junho
LBSEP – Lei de Bases do Sector do Sector Empresarial Público, apro-
vada pela Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro
LIC – Licença de Importação de Capitais
LSC – Lei das Sociedades Comerciais
LSP – Lei do Sistema de Pagamentos, aprovada pela Lei n.º 5/05,
de 29 de Julho
LVM – Lei dos Valores Mobiliários, aprovada pela Lei 12/05, de 23
de Setembro
NIC – Normas Internacionais de Contabilidade
NFFEs – Non Financial Foreign Entities
OCDE – Organização para a Cooperação e de Desenvolvimento
Económico
UIC – Organismo de Investimento Colectivo
p. – página
RALJ – Revista Angolana de Legislação e Jurisprudência
RJOIC – Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colecti-
vo, aprovado pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º/13,
de 11 de Outubro
SCI – Sistema de Controlo Interno

6
APRESENTAÇÃO

Paulo Câmara

Na última década, o sistema financeiro de Angola tem conhecido uma evo-


lução significativa. Como manifestações mais relevantes deste traço evolutivo,
pode indicar-se o aumento da oferta de serviços e de produtos financeiros
em todo o território angolano, a diversificação e aumento de número das
instituições financeiras bancárias e não bancárias autorizadas, a constituição
da bolsa de valores (BODIVA) e, mais recentemente, o início do processo de
privatizações que envolve instituições do sistema financeiro. Esta evolução
tem sido potenciada através de uma sucessão cuidada de reformas normativas,
seja em termos legislativos, seja em termos regulamentares.
Neste contexto, o presente livro é dedicado à análise do sistema financeiro
Angolano, nas suas três dimensões – banca, mercado de valores mobiliários
e seguros.
Para o cumprimento deste objetivo, o livro subdivide-se em quatro partes.
Na Parte I são identificadas as características comuns e transversais dos di-
versos subsetores, através de uma introdução ao direito do sistema financeiro
de Angola, apresentada por Paulo Câmara. O texto conclui pela importância
de dois vectores fundamentais: de um lado, a cultura das instituições do sis-
tema financeiro e a sua governação; de outro lado, na atuação dos órgãos de
aplicação do Direito.
Por seu turno, à Parte II incumbe tratar os temas relativas ao sistema ban-
cário. Esta Parte inicia-se através de uma exposição transversal e sistematizada
sobre as fontes de direito bancário, da autoria da Professora Elisa Rangel
Nunes (Capítulo 2). Aqui é assinalada nomeadamente a natureza geminada
do direito bancário, a combinar normas de direito privado e normas de direito

7
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

público – o que vale também para o direito dos valores mobiliários e para o
direito dos seguros. Subsequentemente, Sofia Vale e Leonildo Manuel ofere-
cem a sua análise das instituições financeiras (Capítulo 3), facultando uma
digressão pelo catálogo de tipos de instituições e um exame às atividades
respetivamente permitidas. À autoridade de supervisão bancária – o Banco
Nacional de Angola – é dedicado o estudo de Rosa Mangovo (Capítulo 4), que
desenvolve e atualiza a sua dissertação de Mestrado, com claro enfoque na
supervisão comportamental. No sistema financeiro angolano, desempenha
uma função central o regime cambial, aqui examinado através do olhar aten-
to de Rute Santos (Capítulo 5): destaca-se nomeadamente a reconstituição
aturada de fontes e a organização metódica de indicações destas resultan-
tes. Por seu turno, a Joana Pinto Monteiro compete uma apresentação dos
deveres fundamentais das instituições financeiras bancárias, no Capítulo 6.
Segue-se um par de artigos centrados na governação de bancos, um deles
assinado por João Fonseca, tendo por objeto o regime atual (Capítulo 7) e
o outro por Leonildo Manuel, que se foca nas perspetivas de evolução do
quadro regulamentar vigente (Capítulo 8): ambos documentam o papel cen-
tral que a governação societária tem desempenhado na evolução do sistema
bancário. O Capítulo 9 é preenchido com o artigo sobre contratos bancários,
a cargo de Irina Delgado, com um recenseamento das características fun-
damentais de cada tipo contratual bancário. Por fim, João Pedro Tavares e
Martim Bóia ocupam o Capítulo 10 com uma análise completa e muito docu-
mentada sobre a interrelação entre o sistema bancário e o desenvolvimento
económico.
A Parte III recolhe as reflexões sobre o mercado de valores mobiliários. De-
pois de um capítulo introdutório sobre Fontes (Capítulo 11), de Paulo Câmara
e Ana Regina Vitor (a incluir uma recolha histórica importante, a cargo desta
co-autora), segue-se uma intervenção do Presidente da Comissão do Mercado
de Capitais, Dr Mário Gavião, sobre regulação (Capítulo 12): aqui se oferece
um mapa analítico sobre as competências da CMC e um levantamento da du-
pla face da regulação mobiliária, a institucional e a material, cuja delimitação
se revela importante para, segundo o Presidente da autoridade de supervisão,
“a necessária objectividade na função regulatória do organismo regulador”. Os tipos
de valores mobiliários são examinados por Ana Regina Vitor, no Capítulo 13,
através de um ensaio que atualiza e desenvolve a sua dissertação académica

8
APRESENTAÇÃO

de mestrado. Por seu turno, Herlander Diogo faculta uma análise sistema-
tizada dos deveres das instituições financeiras não bancárias (Capítulo 14).
A Parte IV encerra o volume, tratando de temas ligados ao sector segura-
dor. Uma apresentação sobre as instituições seguradoras é-nos confiada por
Joana Pinto Monteiro (Capítulo 15), a que se segue com um artigo de José
Cesaltino Victoriano Manuel sobre seguros obrigatórios (Capítulo 16), percor-
rendo sucessivamente a sua evolução histórica, o seu regime e as perspetivas
de evolução próxima.

9
Parte I
Aspectos comuns

11
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO: O DIREITO DO SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Paulo Câmara

1. O papel do Direito no desenvolvimento do sistema financeiro em


Angola

I – Incumbe ao presente capítulo a apresentação geral do sistema financeiro


de Angola e da influência que neste opera o correspondente regime jurídico.
Utiliza-se aqui uma análise sucinta e de conjunto, que é complementada com
a leitura mais granular a cargo de cada um dos capítulos subsequentes.

II – Como é timbre de um Estado de Direito, a regulação do sistema finan-


ceiro assenta no primado da lei: como dispõe o n.º 2 do artigo 99.º da Cons-
tituição Angolana “A organização, o funcionamento e a fiscalização das instituições
financeiras são regulados por lei”. Por seu turno, o regime de bases do sistema
bancário e financeiro é da competência relativa da Assembleia Nacional1.
Esta dignidade constitucional do sistema financeiro apresenta um relevo
que não é apenas simbólico, dada a posição de supremacia da Constituição
no sistema de fontes. Daqui decorre, por si, um papel central do Direito na
estruturação e no desenvolvimento do sistema financeiro angolano. Infere-se,
também a partir desta traço do regime normativo, uma importância central
atribuída aos órgãos de aplicação do Direito – não apenas aos tribunais, mas
também às autoridades de supervisão.

  Artigo 165.º, n.º 1 g) CRA.


1

13
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

III – Em Angola, o modelo de supervisão do sistema financeiro é tripartido,


assente numa especialização das autoridades de supervisão. Pontuam, assim,
três autoridades de supervisão: na área bancária, tem competência o Banco
Nacional de Angola; no mercado de valores mobiliários e de instrumentos
financeiros, atua a Comissão do Mercado de Capitais; por fim, a supervisão e
regulação dos seguros e fundos de pensões incumbe à Agência Angolana de
Regulação e Supervisão de Seguros – ARSEG.
O modelo de supervisão repousa, assim, na cooperação institucional entre
as três autoridades, sem embargo da independência de cada uma.
Neste contexto, as autoridades de supervisão têm sido responsáveis pela
aprovação de um acervo amplo de regulamentação nas respetivas áreas de
atuação2. Destaca-se, nesse âmbito, que a preparação destes regulamentos tem
sido por regras precedida de processos de consulta pública, o que aumenta
o grau de transparência do processo regulatório e legitima redobradamente
as soluções normativas a final consagradas.

IV – O desenvolvimento do direito do sistema financeiro tem igualmente


sido auxiliado pelo aumento de produção doutrinária neste domínio.
Os sinais de vitalidade doutrinária são múltiplos, e são aqui retratados
sem pretensões de exaustividade. No plano da tratadística, fazendo referên-
cia em primeiro lugar às obras de co-autoras deste volume, cumpre referir
o pioneiro Colectânea de Temas Bancários (2004), de Elisa Rangel Nunes e
o Manual da autoria de Sofia Vale (As Empresas no Direito Angolano. Lições de
Direito Comercial, Luanda (2015)), com amplas referências à área financeira3.
Esta mesma autora, aliás, é responsável por uma vasta produção jurídica4, de
que se destaca, com incidência no direito do sistema financeiro, A Construção
do Mercado de Capitais Em Angola, Luanda, 2014, e as monografias O Governo dos
Bancos em Angola, na obra coletiva A Governação dos Bancos nos Sistemas Ju-
rídicos Lusófonos, (2016) e A governação de sociedades em Angola em A Governação
de Sociedades Anónimas nos Sistemas Jurídicos Lusófonos, (2014).

2
  Com maiores desenvolvimentos, reenvia-se para os capítulos 2, 4, 6 e 11 deste volume.
3
  Sofia Vale, As Empresas no Direito Angolano. Lições de Direito Comercial, Luanda (2015),
112-ss e 989-ss.
4
  Sofia Vale/ Fernanda Mualeia, Guia Prático de Direito Comercial, Luanda, (2016).

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INTRODUÇÃO: O DIREITO DO SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Leonildo João Lourenço Manuel é outro dos co-autores deste volume e


tem sido responsável por diversos estudos de referência na área financeira.
Entre o amplo catálogo de obras publicadas, cabe destacar nomeadamente
Mecanismos de Proteção do Investidor no Mercado de Valores Mobiliários, (2018) e
A Responsabilidade do Emitente pelo Conteúdo do Prospeto. A importância da infor-
mação no mercado de valores mobiliários. Luanda: Where Angola, (2018)5.
A investigação académica tem igualmente proporcionado um significativo
volume de trabalhos jurídicos da área financeira na última década. Entre as
dissertações de mestrado, cumpre, em particular, mencionar as seguintes:

– Isabel Regina do Espírito Santo, Os Fundos de Investimento e os Problemas


da Lei Cambial para o Mercado de Capitais Angolano, dissertação de mes-
trado, Faculdade de Direito da Universidade Católica, Lisboa, (2009);
– Ana Regina Silva Victor, Os Tipos Legais de Valores Mobiliários à Luz do
Ordenamento Português e Angolano, UCP-Porto (2010)6;
– Benja Satula, Branqueamento de Capitais, Universidade Católica Editora
(2010);
– Nádia Almeida, O Sistema Financeiro Angolano Uma Análise ao Desenvol-
vimento dos Seguros, ISCTE (2011);

5
  Corresponde a um desenvolvimento da tese de mestrado apresentada em 2016 à Faculdade
de Direito da Universidade Agostinho Neto. Outras publicações relevantes do autor sãoo
seguintes: Os títulos de participação: tentativa de reforçar a posição do Estado empresário
ou ofuscar as privatizações? (em co-autoria com Wilson Agostinho) In Revista de Direito
das Sociedades e dos Valores Mobiliários N.º 11: Rio de Janeiro: Almedina, 2020; Os títulos
do tesouro do mercado financeiro angolano (co-autoria com Sofia Vale) in Direito dos Va-
lores Mobiliários e dos Mercados de Capitais – Angola, Brasil e Portugal, (Coordenação de
A.Barreto Menezes Cordeiro e Francisco Satiro), Coimbra: Almedina, 2019; A importância
da informação no mercado de valores mobiliários no direito angolano, in Revista dos Tri-
bunais. São Paulo, n.º 997, nov. 2018; Nótulas sobre a Responsabilidade do Emitente pelo
Conteúdo do Prospecto. In Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários N.º
7: Rio de Janeiro: Almedina, 2018; O Exercício do Poder de Regulação no Mercado de Valores
Mobiliários como Mecanismos de Protecção dos Investidores, In: AB INSTANTIA – Revista
do Instituto do Conhecimento AB, Ano V., n.º 7, Almedina, Ricardo Costa (Coord.), 2017:
73-111; A Privatização de empresas via mercado de acções: que desafios. In: Revista de Direito
Comercial, 2018:762-788 e Escritos sobre FinTech e Corporate Finance – Experiências e desafios no
contexto angolano (2019), este último em co-autoria com Jacinto Domingos Manuel e Daniela
de Almeida Simão.
6
  Uma versão atualizada deste texto encontra-se no Capítulo 13 deste volume.

15
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Eduardo Álvaro Calangui Nteka, A Importância do Mercado de Capi-


tais para o Desenvolvimento da Economia Angolana, tese de mestrado
em Contabilidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais, no Instituto
Superior de Economia e Gestão, Lisboa, (2011);
– Teófilo Cauxeiro, Das Acções e do Capital das Sociedades Anónimas Abertas
no Direito Angolano, (2012)
– Filipa Silva Lima, Securitisation in Angola – A Tool for the Future, (2012);
– Miguel da Costa Carvalho, A validade e eficácia jurídica da cláusula de
estabilidade nos contratos de exploração de petróleo e gás – os contornos de um
princípio da mutabilidade dos contratos de exploração de petróleo e gás, (2012);
– Maria Rosa Mangovo, A supervisão do Banco Nacional de Angola, (2013)7;
– Silva Santos, Os Direitos de Step-in na Lei das Parcerias Público Privadas de
Angola, (2014);
– Eunice de Fátima Ferraz, PSA Angolano – análise da recuperação de custos
e dos fatores de atratividade, (2014);
– Eugénia Chela Pontes Pereira, O Sistema Financeiro Angolano: Análise
Descritiva, tese de mestrado em Gestão Financeira no Instituto Supe-
rior de Gestão, Lisboa, (2015);
– Luciana Gomes da Costa, O Regime Unificado da Imputação de Direitos
de Voto no CVM, dissertação de mestrado, ISCTE, Lisboa, (2016);
– António Ercílio Gomes Júlio, Mercado de Capitais em Angola: Impactos da
Criação da Bolsa de Valores para as Empresas e Famílias, dissertação de mes-
trado em contabilidade e fiscalidade Universidade Lusófona de Humanidades
e Tecnologias, Lisboa, (2016).

Como adicional sinal da vitalidade doutrinária em Angola, refira-se ainda


a importante Revista Angolana de Legislação e Jurisprudência, dirigida por
Eduardo Vera-Cruz Pinto e por Carlos Feijó, que já publicou estudos impor-
tantes sobre o direito do sistema financeiro8.

7
  Uma versão atualizada deste texto encontra-se no Capítulo 4 deste volume.
8
  Com relevo para o sistema financeiro, reenvia-se nomeadamente para Leonildo João
Lourenço Manuel, Revisitando a Lei n.º 05/2005, de 29 de Julho – Lei do Sistema de Pagamentos
Angolano no âmbito da Inovação financeira, RALJ n.º 1 (2020); e Hélder Felisberto dos San-
tos Daniel, O Combate à Corrupção: Uma Forma de Prevenção do Branqueamento de Capitais e do
Financiamento ao Terrorismo, RALJ n.º 2 (2020)

16
INTRODUÇÃO: O DIREITO DO SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

2. Os vectores da reforma

I – Como o desenvolvimento subsequente o pode documentar, cada sub-


-setor do sistema financeiro angolano apresenta as respetivas especificidades.
No entanto, numa visão transversal sobre o mesmo, é possível identificar três
vetores de fundo na reforma ocorrida na última década.

– Gradualismo;
– Diversificação de produtos financeiros;
– Alinhamento com boas práticas internacionais.

II – Uma das preocupações do legislador angolano é o da regulação gradual


de diversos produtos e instituições importantes.
Diversa regulação financeira relevante tem sido aprovada, designadamente
sobre organismos de investimento coletivo9, depósitos duais e depósitos in-
dexados10, capital de risco11, titularização12, entidades gestoras de mercados13,
sociedades corretoras e distribuidoras14, cartões bancários15, testes de esforço16
e política de segurança cibernética e computação em nuvem17. No seu todo, o
enquadramento legislativo resulta completo e bem equipado. Como sempre,
a função fiscalizadora das autoridades de supervisão assume, neste contexto,
relevância crítica.

9
  Em referência está o Decreto Legislativo Presidencial n.º 7/13, de 11 de Outubro, que aprova
o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo
10
  Aviso BNA nº 05/2020 de 28 de Fevereiro.
11
  Decreto Legislativo Presidencial n.º 4/15, de 16 de Setembro, que aprova o Regime Jurídico
dos Organismos de Investimento Colectivo de Capital de Risco.
12
  Decreto Legislativo Presidencial n.º 6-A/15, de 16 de Novembro, que aprova o Regime
Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo de Titularização de Ativos.
13
  Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13, de 10 de Outubro, que aprova o Regime Jurídi-
co das Sociedades Gestoras de Mercados Regulamentados e de Serviços Financeiros sobre
Valores Mobiliários.
14
  Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/13, de 9 de Outubro, que aprova o Regime Jurídico
das Sociedades Corretoras e Distribuidoras de Valores Mobiliários.
15
  Aviso BNA n.º 05/2017 de 10 de Julho.
16
  Directiva BNA nº 03/DRO/2018.
17
  Aviso BNA nº 08/2020 de 2 de Abril.

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O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

III – A par do gradualismo, tem o sistema financeiro angolano conhecido


uma sofisticação crescente e uma diversificação cada vez mais acentuada de
produtos financeiros.
O Código dos Valores Mobiliários é paradigmático a este respeito, dado
consagrar um princípio de atipicidade de valores mobiliários (artigo 2.º q)
CVM): não fica, assim, suprimida a liberdade de criação de novos tipos de
valores mobiliários, que serão devidamente regulados pelas normas gerais
em vigor, designadamente em termos de deveres de informação dos emi-
tentes, de deveres de conduta das instituições financeiras não bancárias
e de supervisão. A outro tempo, este diploma reconhece os instrumentos
financeiros derivados, admitindo as opções, os futuros, os swaps, os con-
tratos a prazo e quaisquer outros contratos com carecterísticas análogas
(artigo 2.º e) CVM).

IV – Por fim, é importante anotar que a evolução regulatória tem sido pon-
derada e estudada pelas autoridades nacionais com uma atenção às singulari-
dades angolanas, mas sem descurar o acompanhamento particular conferido
às tendências regulatórias internacionais e às boas práticas transfronteiriças
em matéria de supervisão. Trata-se de um ponto muito importante, dado
que os riscos mais significativos do sistema financeiro apresentam natureza
internacional – tais como o risco sistémico, o risco de branqueamento de
capitais e financiamento de terrorismo e o risco de pandemias, que – como
os tempos recentes o demonstram – atravessam geografias e inevitavelmente
também afetam de modo significativo o sistema financeiro.
As autoridades de supervisão angolanas têm-se mostrado muito empenha-
das na cooperação internacional com organizações internacionais relativas ao
sistema financeiro e com autoridades congéneres. Destaca-se a circunstância
de a CMC ser membro da IOSCO (International Organisation of Securities
Commissions) desde 2014, tendo em 2020 incrementado o seu envolvimento
nesta organização ao ser admitida ao Comité dos Investidores de Retalho da
IOSCO.
Por seu turno, é conhecida a ligação próxima da ARSEG com a Associação
Internacional dos Supervisores de Seguros (IAIS) e o Comité de Seguros,
Valores Mobiliários e Instituições Financeiras Não-Bancárias da África-Aus-
tral (CISNA). O BNA tem igualmente mantido uma cooperação internacional

18
INTRODUÇÃO: O DIREITO DO SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

muito activa, designadamente com o GAFI, na área da prevenção do bran-


queamento de capitais, e com o Banco de Portugal.
Além disso, Angola ratificou as Convenções das Nações Unidas contra
o Tráfico Ilícito de Narcóticos e Substâncias Psicotrópicas, contra o Crime
Organizado Transnacional e sobre a Supressão do Financiamento do Terro-
rismo, com implicações importantes no regime de prevenção e erradicação
do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Por fim, a
República de Angola tem em vigor uma decisiva Lei da Cooperação Judiciária
Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 13/15, de 19 de Junho.
Estes marcos são elementos que demonstram, em termos definitivos, o
objetivo de alinhamento de Angola com as orientações internacionais rele-
vantes no âmbito do regime do sistema financeiro.

3. O desenvolvimento do Corporate Governance como caso paradig-


mático

I – A governação societária (corporate governance) constitui uma área trans-


versal aos três setores financeiros que merece uma atenção particular.
Por governo das sociedades entende-se o sistema de normas jurídicas, de
práticas e de comportamentos relacionados com a estrutura de poderes de-
cisórios – incluindo a administração, a direção e demais órgãos diretivos – e
a fiscalização das organizações, compreendendo nomeadamente a fixação do
propósito societário e a determinação do perfil funcional dos atores organi-
zativos e titulares de órgãos e corpos organizativos e as relações entre estes,
os titulares de capital, os associados ou os fundadores e os outros sujeitos
relevantes para a sustentabilidade da organização (stakeholders)18.

18
  Paulo Câmara (coord.), A governação de sociedades anónimas nos sistemas jurídicos lusófonos,
Coimbra, (2013); Paulo Câmara (coord.), A Designação dos Administradores, (2015); Paulo
Câmara, Diversidade de Género e Governo das Sociedades, Inside 01 (2016), 5-8; Paulo Câmara,
Diversidade Etária e Corporate Governance, Inside 02 (2017), 5-7; Paulo Câmara , Remunerações
e Governo das Sociedades: uma nova agenda, em Instituto Português de Corporate Governance,
Volume Comemorativo do XV Aniversário, (2018), 267-284; Paulo Câmara, Coronavirus e Cor-
porate Governance, Ver (20-mar.-2020); Paulo Câmara (coord.), Administração e governação
das sociedades, (2020).

19
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

II – O tema é bastante vasto, mas o ponto que interessa em particular


sublinhar respeita ao reconhecimento internacional da função do governo
societário para o desenvolvimento económico (em termos micro-económicos
e macroeconómicos) e para uma apta gestão de períodos de crise.
Com efeito, a governação constitui um fator de desenvolvimento, de com-
petitividade e de continuidade empresarial; a outro tempo – dada a sua função
reputacional – também serve de instrumento de fixação e motivação de talento
nas empresas e facilita a obtenção de financiamento do lado destas. Joga um
papel decisivo a cultura empresarial, revelada na capacidade que as empresas
têm de assimilar os valores axiais de integridade, eficiência e cuidado com os
stakeholders na sua atividade diária.
Mais recentemente, tem-se acentuado o relevo da governação como alavan-
ca do papel que as empresas podem desempenhar no contributo para a susten-
tabilidade. A legislação europeia elenca como fatores de sustentabilidade as
questões ambientais, sociais, laborais, o respeito dos direitos humanos, a luta
contra a corrupção e o suborno19. A crise pandémica reforçou esta preocupa-
ção da governação das sociedades, em termos globais. Durante este período
exigente tornou-se nomeadamente confirmado que as empresas devem ser
governadas de acordo com o propósito (corporate purpose) de cuidar de todos
aqueles que são afetados pela sua atividade20. O futuro da governação passa
necessariamente por aqui.

III – Em Angola, dois setores do sistema financeiro desempenharam um


papel pioneiro nesta área, com abordagens muito distintas: o mercado mo-
biliário e a banca.
De um lado, a abordagem do mercado de valores mobiliários tem sido
sobretudo apoiada em códigos de governo – isto é, em documentos recomen-
datórios21. Refira-se que no âmbito do governo societário em Angola22 foram
já aprovados dois códigos de corporate governance – sendo um da autoria da

19
  Artigo 2.º, n.º 24 do Regulamento (EU) 2019/2088, de 27 de novembro de 2020.
20
  Paulo Câmara (coord.), Administração e governação das sociedades, (2020), 15-32.
21
 Paulo Câmara, Códigos de Governo das Sociedades, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários
n.º 15 (Dezembro de 2002), 65-90.
22
  Cfr. a propósito o relato de Sofia Vale, A governação de sociedades em Angola em A Governação
de Sociedades Anónimas nos Sistemas Jurídicos Lusófonos, (2014), 33-79.

20
INTRODUÇÃO: O DIREITO DO SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

CMC e outro de autoria privada, tendo resultado da iniciativa auto-reguladora


do Centro de Corporate Governance Angolano23.

IV – De outro lado, na área bancária24, o tema da governação tem sido con-


duzido através do BNA sobretudo com base em normas jurídicas injuntivas.
O pacote regulamentar de 2013, atualmente em revisão, constitui um passo
muito importante de evolução: dois capítulos deste livro tratam o tema em
profundidade25.
Além disso, o Aviso nº 11/2020 de 21 de Abril, consolidou um passo re-
levante nesta matéria, ao regular os requisitos de idoneidade, qualificação
profissional, independência e disponibilidade dos dirigentes de instituições
financeiras. Trata-se de um trilho fundamental, dado que o governo societá-
rio constitui uma ciência humana, que acompanha e realiza o escrutínio de
decisões humanas tomadas individual ou colegialmente.

4. Síntese final

O sistema financeiro de Angola tem conhecido uma evolução importante,


que se acentuará certamente com as reformas normativas anunciadas e com
o fluxo de privatizações já em curso.
Esta evolução tem sido sustentada através de intervenções legislativas e
regulamentares, servindo estas de espinha dorsal do desenvolvimento do
sistema financeiro. A sua eficácia repousa decisivamente em dois vectores:
de um lado, na cultura das instituições do sistema financeiro e na sua go-
vernação; de outro lado, na atuação dos órgãos de aplicação do Direito, em
particular das autoridades de supervisão, que, como demonstrado, se têm
mostrado atentas, seja às particularidades do sistema financeiro angolano,
seja à evolução internacional que o rodeia.

  Centro de Corporate Governance Angolano, Carta de Corporate Governance de Angola,


23

disponível em www.ccga.co.ao.
24
  V. em geral Paulo Câmara, O Governo de Bancos: uma introdução, em A Governação de Bancos
nos Sistemas Jurídicos Lusófonos (2016), 13-61.
25
  Cfr. os capítulos 7 e 8, da autoria de João Fonseca e de Leonildo Manuel.

21
PARTE II
SISTEMA BANCÁRIO

23
CAPÍTULO 2
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

Elisa Rangel Nunes

Sumário: Nota Introdutória. 1. Direito bancário em sede do Direito priva-


do e do Direito público. 2. Fontes internas do Direito Bancário angolano. 2.1.
Constituição e Lei em sentido material (regulamentos). 2.2. Os Usos bancários.
2.3. Códigos de Conduta. 3. Fontes externas do Direito Bancário angolano. 3.1.
Convenções internacionais. 3.2. Regras Uniformes. 3.3. Outras fontes inter-
nacionais. Conclusões

Nota Introdutória

O texto que se segue é um pequeno ensaio sobre as fontes do Direito


bancário angolano, nesta compilação de textos de vários autores, entre os
quais me incluo, tendo respondido com o maior gosto ao convite que me foi
formulado por Paulo Câmara, numa iniciativa que é de louvar.
Com intuito de alguma forma didáctico, foi inserido no índice geral da obra
a matéria das fontes do Direito bancário angolano, sendo o estudo das fontes,
uma das matérias com que se começa o estudo de qualquer disciplina jurídica.
O Direito bancário angolano, apesar de não ter sido objecto de qualquer
manual, conta com alguns trabalhos escritos e publicados quer a título indivi-
dual, quer em colectâneas publicadas pela Associação de Bancos Angolanos,
que são uma compilação das apresentações que os juristas bancários angola-
nos elaboram para os seus encontros anuais, promovidos por esta associação
profissional.

25
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Esta disciplina jurídica faz parte do curriculum do curso de Direito na


Universidade Católica de Angola, que foi por mim introduzida pela primeira
vez, em Angola, no ano lectivo de 2004/2005, intitulada “Direito Bancário
e dos Seguros”.
Com o propósito de continuar a contribuir para a divulgação do Direito
bancário angolano e desta feita, através deste pequeno ensaio, procurei chamar
de forma condensada os principais instrumentos que considero constituírem
o substracto desta importante disciplina jurídica que acoberta, deste ponto de
vista, um sector de grande relevância para o desenvolvimento económico de
Angola, à semelhança do que acontece noutras paragens deste mundo global
em que vivemos. Pareceu-me importante dividir a exposição que se segue em
números que reflectem o lugar do Direito bancário, enquanto disciplina autó-
noma (1), as suas fontes internas, com especial destaque para a Constituição
e para a Lei em sentido material, mas sem descurar a importância dos usos
bancários e das normas e dos códigos de conduta (2) e por fim e não menos
importantes, as suas fontes externas (3).

1. Direito bancário em sede do Direito privado e do Direito público

O Direito Bancário é uma disciplina jurídica ou como já se tem defendido,


um ramo do Direito1 que tem a particularidade de se situar tanto no domínio
do Direito privado como no do Direito público. Este enquadramento torna-se
possível a partir da observação das normas que estão na origem do surgimento
do Direito bancário como disciplina2 que tem vindo a ganhar um peculiar
estatuto ao lado de ramos que se autonomizaram no mundo do Direito.
Realmente nele encontramos desde normas que vigoram no Direito civil e
no Direito comercial, principalmente no que respeita a certos institutos que

1
Há quem considere que se trata de ramo de Direito, há quem entenda que apenas se trata
de disciplina autónoma.
2
Como já defendi noutro lugar: “O direito bancário como todo o direito profissional não é um
ramo de direito autónomo, sendo, no entanto, uma disciplina jurídica, candidata a um estatuto
autónomo. Ele aparece sob um quadro comum de regras de origem e natureza diversa, que se
situam quer ao nível do direito privado, na sua parte essencial, quer ao nível do direito público,
do qual releva o direito económico.” Colectânea de Temas Bancários, Luanda, Janeiro/2004.

26
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

se inserem no âmbito de operações bancárias, mas encontramos igualmente


normas que em face do seu carácter e natureza se encaixam no Direito ad-
ministrativo e no Direito económico, principalmente no que diz respeito à
organização e funcionamento do sistema financeiro e as repercussões deste
na economia de cada país. Sem que se queira entrar no domínio da auto-
nomia do Direito Bancário, não gostaríamos de prosseguir a exposição sem
deixar esta nota que é interessante para se perceber a diversidade de fontes
de que esta disciplina arranca, ainda que os ramos do Direito mencionados
tenham influência, apenas, ao nível das suas fontes internas, como adiante
se verá.

2. Fontes internas do Direito bancário angolano

Nos diversos manuais que, na doutrina estrangeira, se debruçam sobre a


disciplina do Direito bancário tem havido unanimidade no reconhecimento
da influência de normas de cariz interno, porque moldadas no seio de uma
dada ordem jurídica e de normas de cariz internacional, porque resultantes
de instrumentos celebrados por vários Estados, enquanto sujeitos de Direito
público e cuja aplicação é extensiva a várias ordens jurídicas. Assim também
na ordem jurídica angolana, onde é possível delinear, sem o risco de se errar,
um conjunto de dispositivos legais que influenciam drasticamente a natureza
e características do Direito bancário.
A Lei material é a fonte primordial do Direito bancário.
À cabeça de todos esses normativos, surge a Constituição que contém
dois artigos, um que versa sobre o “sistema financeiro”, o artigo 99.º (Sistema
financeiro) e o outro que se refere ao banco central angolano, o artigo 100.º
(Banco Nacional de Angola). Num âmbito mais geral, o texto constitucional
contém normas, designadamente, sobre o direito à intimidade da vida pri-
vada, o direito ao recurso aos tribunais para se verem protegidos os direitos
e liberdades dos cidadãos, o direito à livre iniciativa privada e económica.
Segue-se no elenco de fontes legislativas, a lei ordinária propriamente dita
e os regulamentos e, isto sucede, tanto no que toca à faixa do Direito bancário
que se ocupa da actividade bancária em si mesma considerada, que se tem
denominado por Direito bancário material, como àquela área ou sector do

27
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Direito bancário que se ocupa da organização, condições de exercício e fun-


cionamento das instituições responsáveis por essa actividade, o denominado
Direito bancário institucional.
Pelo facto de no Direito bancário se realizarem negócios que radicam
na esfera privada dos seus agentes, muitas das operações que conformam a
actividade que acoberta, mesmo sem suporte ao nível legislativo, foram-se
arreigando e fazendo parte da prática dessa actividade, sem que contudo se
deva atribuir a tais actos cariz costumeiro3. Em verdade trata-se de práticas
reiteradas no exercício de uma profissão, acabando por assumir a natureza
de usos por todos os que realizam tal actividade.
Embora saibamos que a jurisprudência tem sido considerada fonte de
Direito bancário em diversas ordens jurídicas, em Angola, não se conhecem
arestos que incidam sobre os vários domínios sobre que ele versa, diremos
mesmo que, e sem receio de errar, os tribunais não têm contribuído para a
discussão e clarificação de certas matérias que originam querelas no seio
desta disciplina. São muito comuns as acções executivas para pagamento de
quantia certa, por incumprimento dos clientes que acorrem aos bancos para
financiarem os seus projectos, mas que na altura de reembolsarem o que lhes
foi emprestado, não o fazem, muitas vezes desaparecendo do giro comercial,
dando a ideia de que a sua constituição teve por motivação a obtenção de
crédito para projectos mais pessoais do que de índole empresarial. Mas mes-
mo tais acções dificilmente vêem o seu desfecho, arrastando-se durante anos
infindos pelos tribunais.
Da doutrina, há que dizer que muito pouco se tem escrito sobre matéria
bancária, poderá haver e há-os certamente pareceres interpretativos, tanto
ao nível do Banco central como dos Bancos comerciais, mas que não têm sido
divulgados, muito menos compilados, para que resulte algum contributo que
extrapole as paredes de cada instituição, em si mesma considerada.
Há a considerar como fonte do Direito bancário e uma importante fonte, os
códigos de conduta, que têm sido compilados em quase todas as instituições
bancárias e mesmo ao nível da própria associação de bancos angolanos e mais
recentemente, mas com um carácter mais normativo o código de conduta

3
Cfr. José Simões Patrício, Direito Privado Bancário, Quid Juris-Sociedade Editora, 2004,
pp. 85 e ss.

28
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

dos mercados interbancários, que regula o mercado monetário e o mercado


de cambial. O afluxo de funcionários provenientes de todas as origens, que
acorrem aos bancos não como o lugar para o exercício de uma profissão, mas
o lugar onde facilmente, julgam eles, se consegue fazer fortuna pessoal, tem
criado um mau conceito da classe dos bancários, que ao invés de ser consi-
derada uma classe de trabalhadores de elite, como é considerada em muitos
outros países, é observada como uma classe de servidores que não conhece
os parâmetros necessários à satisfação dos interesses da clientela ou dos con-
sumidores dos serviços financeiros. Por essa razão, as instituições bancárias
angolanas não têm mãos a medir quanto à criação e divulgação de normas
de conduta, compiladas em instrumentos que denominam por códigos de
conduta, que orientem a prática da função bancária, com o objectivo de al-
cançarem melhores índices e performance por parte dos seus empregados,
tentando garantir assim uma maior confiança aos seus clientes. Mas mais do
que codificar normas de conduta, como é sabido, é importante o controlo
da sua aplicação em todos os sentidos, de modo a não se dar corpo ao ditado
popular “casa arrombada, trancas à porta”.

2.1. Constituição e Lei em sentido material (regulamentos)

A Constituição de 2010 veio atribuir ao sistema financeiro assento consti-


tucional, o que não acontecia no anterior texto constitucional que era omisso,
quanto a disposições atinentes a um tão importante sector de actividade, em
face da sua forte influência no desenvolvimento económico de qualquer so-
ciedade humana do mundo de hoje. Vendo bem, até mesmo nas civilizações
mais antigas não faltava, ainda que de modo incipiente, a vertente financeira,
como meio de proporcionar a realização das trocas, aliás, toda esta destreza
na escolha e manuseamento de um meio de troca convencional para obtenção
de bens e serviços, teve a sua ancestralidade, que se foi aperfeiçoando até aos
dias de hoje.
O artigo 99.º da Constituição, que contém dois números refere-se expres-
samente a questões de ordem institucional, deixando a parametrização das
operações bancárias de fonte essencial, senão mesmo marcadamente perten-
centes ao foro privado, ao sabor da liberdade de contratar a que muito bem

29
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

referência faz o artigo 405.º do Código Civil. O n.º1 deste artigo do texto
constitucional começa por estabelecer que “o sistema financeiro é organizado
de forma a garantir a formação, a captação, a capitalização e a segurança das
poupanças, assim como a mobilização e a aplicação dos recursos financei-
ros necessários ao desenvolvimento económico e social, em conformidade
com a Constituição e a lei”. Como pode observar-se o legislador constituinte
preocupou-se em estabelecer o modo como deve aparecer estruturada a via
de obtenção de poupanças junto dos agentes económicos e o manuseamento
e a aplicação contabilisticamente rentável dessas poupanças, pelos opera-
dores financeiros, visando objectivos de fomento para o desenvolvimento
económico e social. A prossecução de tais objectivos e, ainda de um ponto
de vista institucional, segundo este artigo, manifesta-se alcançável se tais
operadores financeiros gozarem de um estatuto que permita concretizar o
desiderato para o qual se constituíram e se achem vocacionadas, competindo
à lei definir o seu formato.
O artigo 100.º, não fugindo ao aspecto institucional da matéria, coloca o
Banco Nacional de Angola como uma entidade de pendor de extrema impor-
tância, já que lhe atribui, em foro constitucional, o papel de banco responsável
pela emissão da moeda, que como se sabe é um dos instrumentos de demons-
tração da soberania de um país, de banco de todos os bancos, cometendo-lhe
a responsabilidade de participar nas políticas monetária, financeira e cambial
e como não poderia deixar de ser atribuindo à lei a competência para definir
os moldes em que esta entidade se deverá estruturar e conduzir os objectivos
que justificam a sua criação.
Mas a Constituição não se fica por aqui, não somente dispõe sobre matérias
que relevam ao nível do interesse público, como vimos ser o caso dos artigos
acabados de comentar, que programaticamente aludem ao exercício da ac-
tividade bancária, mas no domínio da prestação de um serviço de interesse
público, antes dispõe igualmente sobre a livre iniciativa económica (art.º38.º),
que confere a liberdade de contratar no âmbito da autonomia privada, o direito
à intimidade (art.º32.º), que está subjacente ao dever de segredo bancário, o
direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.º29.º).
Imediatamente a seguir e na hierarquia das disposições normativas, surge
o Código Comercial de 1888, cujos artigos 362.º, 363.º, 364.º, 365, 402.º, 407.º
se referem à actividade bancária e seus operadores. Não é demais mencionar

30
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

o tratamento que é dado por este código aos títulos de crédito, no seu
título VI, artigos 278.º a 343.º4
Como as operações que se inserem no âmbito do Direito bancário, nem
sempre fazem parte do direito legislado, antes se regendo por disposição livre
das partes, com fundamento no princípio da autonomia privada previsto no
artigo 405.º do Código Civil, haverá de afirmar-se que este é uma sua fonte
importante. Porém, esta liberdade de contratar, parece, por vezes ser posta
em causa quando se esteja em presença de contratos celebrados em massa, e
designadamente os denominados por contratos por adesão.
De especial relevância, nesta matéria, é a Lei das cláusulas gerais dos
contratos – Lei n.º 4/02, de 18 de Fevereiro, que deve ser observada, pelas
instituições financeiras, por ocasião da elaboração das condições gerais dos
contratos bancários. Esta lei, à semelhança do que se dispõe na lei das cláusulas
contratuais gerais portuguesa, visa evitar que a parte economicamente mais
forte ao elaborar os contratos standard típicos de actividades de prestação de
serviço em massa, como é a bancária e a seguradora, só para citar dois exem-
plos, crie para si uma situação mais favorável pondo em causa os interesses da
parte que vai aderir a esse tipo de contratos, uma vez que como se sabe uma
característica inerente a estes contratos é terem a participação exclusiva, na
sua elaboração, da parte que o propõe, conhecedora de toda a economia do
contrato e como tal formula-o de modo unilateral, limitando-se o aderente
a fazer isso mesmo, a aceitá-lo sem discutir o seu conteúdo. Por essa razão
e perseguindo aquele objectivo, a lei das cláusulas gerais dos contratos veio
estabelecer limitações ao que já constituía uma limitação também à liberdade
de contratar, sendo certo que esta implica que os contraentes se encontrem em
condições de igualdade que lhes permita chegarem a um acordo de vontades.
Não sendo possível nos contratos standard discutir o clausulado dos contratos
com cada aderente, o legislador entendeu dever de algum modo protegê-lo
impondo regras para reconduzir os princípios em que assenta a liberdade de
contratar, prevista no artigo 405.º do Código Civil.
Ao nível da legislação extravagante do foro especificamente bancário,
podemos encontrar normas antigas que ainda se encontram em vigor e que

4
Autores como o Professor António Menezes Cordeiro não consideram que os títulos de
crédito devam ser tratados em sede de Direito bancário, mas de Direito Comercial.

31
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

são de extrema importância para o regime de prestação de crédito bancário,


referimo-nos ao Decreto-Lei n.º29 833, de 17 de Agosto de 1939 sobre penhor
de créditos bancários e ao Decreto-Lei n.º32 765, de 29 de Março de 1943,
sobre mútuo bancário.
No domínio do que vimos denominando por Direito bancário institucional
há duas leis que relevam de modo muito significativo: a Lei das Instituições
Financeiras – Lei n.º12/15, de 17 de Junho e a Lei Orgânica do Banco Nacional
de Angola – Lei n.º16/10, de 15 de Julho, que é objecto de maiores desenvolvi-
mentos no Capítulo V desta obra, “O Banco Nacional de Angola”, elaborado
por Rosa Mangovo.
A primeira lei contém o enquadramento da organização e funcionamento
do sistema financeiro, porquanto se reporta a normas sobre a natureza e quali-
ficação dos operadores financeiros, normas de procedimento para a abertura,
autorização e funcionamento das instituições financeiras, regras de controlo
sobre os principais rácios dessas instituições e sobre regras de conduta que
devem observar e as sanções aplicáveis.
A segunda lei diz respeito ao estatuto do que é considerado o banco dos
bancos e banco emissor e central do país, o Banco Nacional de Angola, pelo
que se trata de uma lei de conteúdo marcadamente dirigista, tendo em vista
o seu papel de órgão supervisor do sistema financeiro bancário.
Seria de pouca justiça não mencionar a Lei do Sistema de Pagamentos, Lei
n.º 5/05, de 29 de Julho e todos os trabalhos preparatórios que antecederam
à instalação do sistema de pagamentos angolano, que hoje responde às preo-
cupações dos seus utilizadores, que cada vez com mais facilidade efectuam as
suas operações tanto internamente, como no e para o exterior do país. Assim
como seria uma falha grave deixar de mencionar a Lei dos Valores Mobiliários,
que contém disposições sobre a matéria-prima para as modalidades de me-
canismos através dos quais os agentes actuam no mercado de capitais: bolsa
de valores, mercado balcão, onde se transaccionam activos e uma vasta gama
de títulos imateriais.
Mas quem menciona estes dois dispositivos legais também não pode dei-
xar na sombra a Lei Cambial, Lei n.º5/97, pela importância de que se reveste
no tratamento das transacções monetárias para a realização de pagamentos
internacionais de mercadorias, invisíveis correntes e de capitais.

32
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

Finalmente e ainda em sede de Direito bancário institucional devem ser


ressaltados os regulamentos5, que se desdobram em Avisos, Instrutivos e Di-
rectivas do Banco Nacional de Angola. Os Avisos do Banco Central são publi-
cados em Diário da República (I Série) e por isso de divulgação mais geral, já
os Instrutivos e as Directivas dirigem-se aos operadores institucionais, isto é,
bancos e outras instituições financeiras não bancárias mas que se encontram
sujeitas à supervisão desta entidade.
Tem cabido aos Avisos o papel de regulamentar tanto a diversidade de
operações que realizam as instituições financeiras bancárias e não bancárias
sujeitas à supervisão do Banco Nacional de Angola, como o regime de cons-
tituição de funcionamento, regime prudencial aplicável a estas instituições6,
como é o caso das sociedades cooperativas de crédito7, de cessão financeira
( factoring)8, de locação financeira (leasing)9, as sociedades de microcrédito10,
dentre outras.
Quanto às operações que vêm caracterizando a actividade bancária
em Angola são de relevar os Avisos sobre o sistema de pagamentos nacio-
nal, designadamente os recém-publicados avisos sobre emissão, aceitação
e utilização de cartões de pagamento11 e sobre remessa de valores12, sobre
regras e procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras
na prestação de produtos e serviços financeiros13 sobre o estabelecimento
da taxa de juro básica do BNA14, da LUIBOR – Luanda Interbank Offered

5
Como afirma Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, Vol I, AAFDL, 1994, p. 78,
referindo-se aos comandos com origem no Banco de Portugal e na Comissão dos Valores
Mobiliários, classifica-os como leis, “nos termos e para o efeito do amplíssimos conceito de
lei (…)”. E acrescenta que “Estamos, assim, perante uma verdadeira fonte de direito, a qual
pela frequência cada vez maior com que é utilizada, merece um especial destaque no âmbito
do estudo das fontes do Direito bancário”.
6
Aviso n.º3/12, de 28 de Março e Aviso n.º7/12, de 30 de Março.
7
Aviso n.º4/12, de 28 de Março e Aviso n.º9/12, de 2 de Abril.
8
Avisos n.ºs15/12 e 16/12, de 3 de Abril.
9
Avisos n.ºs17/12 e 18/12, de 3 de Abril.
10
Aviso n.º8/12, de 30 de Março.
11
Aviso n.º10/12, de 2 de Abril.
12
Aviso n.º6/13, de 1 de Abril.
13
Aviso n.º12/16, de 5 de Setembro.
14
Aviso n.º11/12, de 2 de Abril.

33
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Rate15, sobre operações do mercado interbancário para a gestão da liquidez e


sobre o redesconto16, sobre operações cambiais destinadas ao pagamento da
importação, exportação e reexportação de mercadorias17, operações cambiais
que decorram no sector petrolífero18, sobre as obrigações de identificação e
diligência que devem ser desenvolvidas pelas instituições financeiras com a
finalidade de prevenirem o branqueamento de capitais e o financiamento do
terrorismo19, sobre os vários tipos de risco20.

2.2. Os usos bancários

Os actos que as instituições operadoras da actividade bancária praticam


de forma reiterada tanto entre si como na relação que mantêm com os seus
clientes, não chegando a atingir a natureza de normas costumeiras são por isso
despidas de carácter de obrigatoriedade. É a lei civil que confere relevância
aos usos, enquanto fonte de direito, quando no artigo 3.º determina que: “1.
Os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé, são juridicamente
atendíveis quando a lei o determine. 2. As normas corporativas prevalecem
sobre os usos”. Para atingir o desiderato de ser considerado fonte de direi-
to, o uso tem de apresentar estas três características: não ser contrário aos
princípios da boa fé, quando seja determinado por lei e ainda quando sobre
eles não prevaleça norma corporativa21. Na opinião de Simões Patrício, este
artigo 3.º do Código Civil é a afirmação de que os usos, resultando da prática
reiterada de actos realizados no exercício de uma profissão, conduzem a que
se caracterize o Direito bancário como um direito profissional22.
Atente-se, no entanto, que na ausência de normas, em Angola, que regulem
muitas das operações bancárias, nem por isso elas deixam de ser realizadas
com o rigor que lhes é devido e exigível, precisamente por advirem de uma

15
Aviso n.º13/12, de 2 de Abril.
16
Aviso n.º12/12, de 2 de Abril.
17
Aviso n.º19/12, de 25 de Abril, Avisos n.ºs3/14 e 4/14, de 12 de Agosto.
18
Aviso n.º20/12, de 25 de Abril, Avisos n.ºs10/16 e 13/16, de 5 de Setembro.
19
Avisos n.ºs21/12 e 22/12, de 25 de Abril.
20
Avisos n.ºs 2/16, de 15 de Junho, 3/16, de 16 de Junho, 5, 7, 8, 9/16 de 22 de Junho.
21
Cfr. Fernando Conceição Nunes, Direito Bancário, cit., p. 75.
22
Cfr. José Simões Patrício, Direito Bancário…, cit., p. 90.

34
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

prática reiterada internacionalmente aceite, que terá a sua causa no facto de


se estar perante o exercício de uma profissão. Até mesmo a inserção em deter-
minados contratos bancários de condições gerais, por partes das instituições
bancárias, manifesta que se pretende uniformidade nas regras de prestação
dos serviços bancários, sem que com essa conduta se queira por em causa a
concorrência, que sempre há-de existir entre elas.

2.3. Códigos de conduta

Importa, agora, e como última fonte interna de Direito bancário, já que


nem no plano da doutrina nem da jurisprudência haverá o que ressaltar, falar
dos códigos de conduta que, à semelhança do que sucede noutras ordens ju-
rídicas, influencia grandemente a boa performance do exercício da profissão
bancária, já que eles contêm normas que visam preservar as boas práticas e
os bons princípios que devem estar presentes na relação que as instituições
bancárias mantêm com os seus clientes.
Os códigos de conduta do sistema financeiro bancário contêm normas de
conduta dirigidas aos agentes que nele se acham inseridos. Contudo, as normas
de conduta que regulam este sistema podem ser editadas por associação de
classe, às quais os associados podem voluntariamente vincular-se, ser editadas
por associação de classe por imperativo da lei ou constar de lei. Enquanto as pri-
meiras resultam da adesão dos destinatários, baseando-se, assim, na autonomia
da vontade, e cuja força jurídica lhes advém dos estatutos do organismo de classe
que as edita, definindo-se os direitos, deveres, condutas a adoptar e sanções a
aplicar. As segundas acabam por ter um grau de vinculação idêntico às primei-
ras, na medida em que o que a lei obriga é à elaboração de normas erigidas em
código de conduta que estão sujeitas a aprovação por um órgão regulador. Por
fim, as normas de conduta podem estar inseridas numa lei, com fundamento
em razões de ordem ética e deontológica, mas porque a essas razões se adicio-
nam razões de ordem social e económica, tais normas acabam por ter um cariz
coercivo ditado pela própria lei, o que as torna verdadeiras normas jurídicas23.

23
Cfr. Armindo Saraiva Matias, Códigos e Regras de Conduta, in Direito Bancário, Actas do
Congresso Comemorativo do 150.º Aniversário do Banco de Portugal, Revista da Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa, 1997, pp. 147-149.

35
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Na experiência angolana há que mencionar, em primeira linha, as normas


de conduta contidas na Lei das Instituições Financeiras (Capítulo VI, artigos
55.º a 69.º): deveres gerais – competência técnica, dever de diligência, lealdade,
discrição e respeito, dever de informação -; dever de segredo; normas sobre
conflitos de interesses – proibição da concessão de crédito a órgãos sociais,
proibição de participação na apreciação e decisão, pelos órgãos de adminis-
tração ou fiscalização, de operações concessões de crédito a entidades de que
sejam gestores ou em que tenham participações qualificadas, proibição de
intervenção de órgão de administração, de fiscalização, directores, trabalha-
dores, consultores e mandatários na apreciação e decisão de operações em
que sejam, directa ou indirectamente interessados os próprios, seus cônjuges,
parentes ou afins em 1.º grau, ou sociedades ou outras pessoas colectivas que
uns e outros, directa ou indirectamente dominem -; normas sobre defesa da
concorrência e normas sobre publicidade.
Mais recentemente entrou em vigor um código de conduta editado por
meio de Aviso do Banco Nacional de Angola, visando regulamentar o artigo
58.º, n.º1. da Lei das Instituições Financeiras, dirigido ao mercado monetário e
ao mercado cambial, denominando-se por Código de Conduta dos Mercados
Interbancários. As normas de conduta foram aqui ditadas por imperativo legal
e como tal o seu incumprimento conduz à aplicação de sanções de natureza
disciplinar, quer às instituições financeiras que adiram a este código24, quer
aos gestores e operadores destas, no âmbito da Lei Geral do Trabalho, sem
prejuízo de outras acções que o Banco Nacional de Angola possa tomar, nos
termos do que dispõem as normas que regulam a actividade das instituições
financeiras.
Os estatutos da Associação Angolana de Bancos (ABANC) contém dis-
posições sobre direitos, deveres e normas de conduta dos associados e sobre
a aplicação de sanções pelo incumprimento de uns e de outras que podem
culminar com a sanção de exclusão.

24
Relativamente à adesão a este código, tratando-se de norma imperativa, seria dispensá-
vel a referência ao termo adesão, até porque no artigo que a ela se alude, determina-se que
as instituições que queiram participar nos mercados monetário e cambial devem aderir ao
código, logo está-se perante uma norma imperativa, pois o funcionamento das instituições
financeiras não é viável sem que participem nos mencionados mercados. A adesão é um acto
de autonomia de vontade e a norma que se contém no código tem carácter obrigatório.

36
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

Em grande parte das instituições financeiras, as suas administrações apro-


varam códigos de conduta internos, de modo a alargar o leque de infracções
susceptíveis de serem praticadas pelos seus operadores, previstas nos termos
gerais da Lei Geral do Trabalho, tornando-as mais específicas ao exercício da
profissão e extensivas a todos os níveis hierárquicos de operadores e bem assim
o leque de aplicação das sanções, que tanto podem ser de natureza disciplinar,
como cível e criminal, de acordo com o ilícito praticado por esses operadores
(nos dois últimos casos, aplicadas em foro cível e criminal).

3. Fontes externas do Direito bancário angolano

Depois de terem sido abordadas as principais fontes internas, porque como


atrás se disse o Direito bancário angolano tem-se estruturado, a partir da-
quelas fontes mas também de fontes externas, como é o caso de convenções
internacionais e de normas que, apesar de se denominarem por “regras”, o
certo é que não obrigam por si próprias, mas apenas e na medida em que as
partes para elas remetam, no exercício da autonomia da vontade privada, daí
que se entenda que não constituem fontes autónomas de Direito bancário25.

3.1. Convenções internacionais

No plano das convenções internacionais que constituem fonte do Direito


bancário têm sido apontadas pela doutrina as seguintes convenções: a Con-
venção de Genebra de 7 de Junho de 1930, que aprovou a Lei Uniforme so-
bre Letras e Livranças, regulou os Conflitos de Leis em matéria de Letras e
Livranças e aprovou a Lei relativa ao Imposto de Selo em matéria de Letras e
Livranças; a Convenção de Genebra de 19 de Março de 1931 que aprovou a Lei
Uniforme sobre Cheques, regulou certos Conflitos em matéria de Cheques
e aprovou as normas relativas ao Imposto de Selo em matéria de Cheques.
Estas convenções foram recebidas no direito português em 1934, vigo-
rando nos territórios ultramarinos, onde Angola se achava incluída. Após a

25
Cfr. Augusto de Athayde e outros, Curso de Direito Bancário, cit., p. 47.

37
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

independência de Angola, a Lei Constitucional de 11 de Novembro de 1975


recebeu no direito interno estas Convenções, por recurso a norma que ge-
nericamente admitiu a vigência de leis anteriores, desde que não contrárias
aos ditames da Lei Constitucional. Norma semelhante integrou o texto da
Lei de Revisão Constitucional n.º23/92, de 16 de Setembro e integra o texto
da Constituição de 2010.

3.2. As regras uniformes da CCI

As normas aprovadas pela Câmara de Comércio Internacional (CCI) e que


são de uso generalizado, pelo facto de não resultarem de tratados ou acordos
internacionais celebrados entre sujeitos de Direito internacional público, não
são consideradas fontes autónomas, como já deixámos referido mais atrás.
Contudo, dada a sua importância no domínio bancário e o constante recurso
que os sujeitos privados fazem a essas normas no âmbito dos contratos bancá-
rios e outros negócios internos e internacionais que celebram, entendeu-se,
nesta sede, dever designá-las, ainda que com a limitação acima mencionada.
São assim também de considerar fontes internacionais de Direito bancário: os
INCOTERMS ou seja as Regras Internacionais para a Interpretação Uniforme
dos Termos Comerciais, as Regras e Usos Uniformes relativas aos Créditos
Documentários e as Regras Uniformes relativas às Cobranças.

3.3. Outras fontes internacionais

A nível internacional, em 1988 foi adoptado um conjunto de regras pru-


denciais, pelo Comité de Basileia, denominado Basileia I que introduziu o
rácio de solvabilidade, que estabelece níveis mínimos distintos de fundos
próprios em função do maior ou do menor risco de crédito dos diferentes
activos, constituindo uma forma mais capaz de assegurar uma correcta liga-
ção entre fundos próprios e os activos de uma instituição e promover a sua
solvabilidade e liquidez.
O Acordo de capital de 1988, o Basileia I foi o 1.º acordo internacional sobre
requisitos mínimos de fundos próprios a serem observados pelas instituições

38
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

financeiras internacionalmente activas. Este acordo foi alterado três vezes:


em 1991, para uma definição mais rigorosa das provisões gerais e das reservas
para fundos em empréstimos que podiam ser incluídos no capital para efeito
de ser calculado o rácio de solvabilidade; em 1995 e em 1996, alteração que
veio introduzir uma exigência de capital para riscos de mercado, resultantes
das posições cambiais dos bancos, compra e venda de títulos de dívida e de
acções e negócios com opções.
O essencial do acordo consiste no estabelecimento de um rácio de solvabi-
lidade, também conhecido por rácio de Cooke que representava o resultado
da divisão de um numerador – os fundos próprios – por um denominador – os
riscos ponderados – expresso numa percentagem mínima de 8%.
Em 2004 foi divulgado o Basileia II que introduziu a supervisão individual
e a disciplina de mercado, que ao lado do rácio de solvabilidade constituíram
os três pilares do Acordo. O rácio de capital passou a ser sensível ao risco de
crédito, de mercado e operacional26.
A importância da supervisão individual existe em assegurar que cada ban-
co tem o capital adequado para suportar os riscos dos seus próprios negócios,
mas também o de obrigar os bancos, numa base contínua, a desenvolver e a
melhorar as suas técnicas de gestão e de controlo dos riscos27.
A disciplina de mercado pode contribuir significativamente para promover
uma gestão sã e prudente dos bancos e a solidez do sistema financeiro.
O Basileia III data de 2010 e surge como resposta à crise de 2007.
As principais alterações introduzidas referem-se a um novo quadro re-
gulatório do capital; à introdução de um quadro regulatório da liquidez e à
criação de uam categoria nova de entidades supervisionadas – as sistemicaly
important financial institutions /SIFIs.
No domínio do rácio de capital foi introduzido no 1.º pilar, de entre outros,
o rácio do endividamento; no 2.º pilar, a prática dos stress testing; no 3.º pilar,
a explicação de como o banco calcula os seus rácios regulatórios.

26
Cfr. Manuel Magalhães, A Evolução do Direito Bancário no Pós Crise: Basileia III e CRD IV,
in O Novo Direito Bancário, coord. Paulo Câmara e Manuel Magalhães, Almedina, 2012,
p. 308.
27
Cfr. Manuel Magalhães, A Evolução do Direito Bancário..., cit., p. 315.

39
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Quanto ao rácio de liquidez, foi estabelecido o rácio LCR – liquidity co-


verage ratio – destinado a assegurar que os bancos detêm activos líquidos de
alta qualidade para resistirem pelo menos 30 dias num cenário de escassez
de liquidez, em condições de stress definidos pelos reguladores, e do rácio
NSFR – net stable funding ratio – desenhado para assegurar uma gestão
correcta das discrepâncias de maturidades dos fluxos de liquidez a longo
prazo28.
Finalidades do Basileia III:

a) Salvaguarda dos capitais públicos – foram introduzidas reservas de


capital de dimensão variável em função de condições macroeconó-
micas em que os bancos operam, para combater este efeito típico dos
rácios de solvabilidade assentes em exigências de capital variáveis, em
função do menor ou maior risco dos activos. Para além disso, a crise
mostrou a importância de existirem “almofadas” suplementares de
capital que protejam os capitais mínimos obrigatórios em épocas de
abrandamento ou recessão económica. O Basileia III reflecte estas
preocupações macroeconómicas e prudenciais, nomeadamente, atra-
vés da introdução da reserva de conservação do capital e da reserva de
capital contraciclo.
b) Mais e melhor capital – o Basileia III prevê o reforço significativo das
exigências de capital mínimos e introduziu critérios muito rígidos de
elegibilidade dos fundos próprios, assegurando que estes têm liquidez
e capacidade de absorção de perdas em cenários de continuidade do
banco.
c) Reforço de contribuição do sector privado – introduziu a exigência
que todos os instrumentos de capital para serem aceites como Tier 1
ou Tier 2, devem conter uma cláusula que permita a sua perda ou con-
versão em capital social, verificadas determinados eventos, com vista
a assegurar que os capitais públicos não são utilizados sem, primeiro,
estes instrumentos tenham sido chamados a absorver as perdas dos
bancos. Esta medida reforça a contribuição do sector privado para
resolver as situações de crise dos bancos e diminui o risco moral.

28
Cfr. Manuel Magalhães, A Evolução do Direito Bancário..., cit., p. 320.

40
FONTES DO DIREITO BANCÁRIO ANGOLANO

d) Rácio de endividamento – a crise mostrou que nem sempre o rácio


de solvabilidade se mostra capaz de impedir o endividamento ex-
cessivo dos bancos, nomeadamente em conjunturas económicas fa-
voráveis. Para colmatar as falhas do rácio de solvabilidade prevê-se
pela primeira vez como padrão internacional um rácio máximo de
endividamento.
e) Standards internacionais para a liquidez dos bancos (a crise provocou
um défice de liquidez nos mercados interbancários monetários devido
em grande medida à crise de confiança no e dentro do sistema finan-
ceiro). O Basileia IIII veio estabelecer fortes exigências na gestão da
liquidez, no curto e no longo prazo.

Há que dizer, no entanto, que com estes objectivos o Basileia III começou
a ser implementado em 2015 com extensão até 2019.
O seu objectivo fundamental é evitar e travar a sangria que se tem feito aos
capitais públicos em caso de perdas de bancos internacionalmente fortes e que
podem minar todos os sistemas financeiros. Tem-se dito que provavelmente
o custo de uma insolvência pode sair mais caro à estabilidade do sistema
financeiro do que o recurso a fundos públicos para o salvar.

Conclusões

O Direito Bancário, como disciplina jurídica ou ramo de Direito, como tem


vindo a ser entendido, nas várias ordens jurídicas em que tem plena aplicação,
por força da dinâmica do comércio jurídico e do impacto que a actividade que
lhe está subjacente determina, apresenta um conjunto de fontes, de ordem
bastante diversa, com fundamento na sua característica peculiar de tanto se
inserir no Direito privado, como no Direito público.
Por conveniência e comodidade de estudo, procurou-se descrever esse
manancial de fontes, separando-o em fontes internas e fontes internacionais.
Mas ainda, ao nível das fontes internas houve o cuidado de destacar as fontes
que se inserem no Direito privado e as fontes que se enquadram no Direito
público.

41
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Referências Bibliográficas

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António Pedro A. Ferreira – Direito Bancário, Quid Juris, Sociedade Editora, 2005.
Armindo Saraiva Matias – Códigos e Normas de Conduta, in Direito Bancário, Actas do Con-
gresso Comemorativo do 150.º aniversário do Banco de Portugal, Suplemento da Revista
da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997.
Augusto de Athayde, Augusto Albuquerque de Athayde e Duarte de Athayde – Curso de
Direito Bancário, Vol. I, Coimbra Editora, 1999.
Benton E. Gup – Banking and Financial Institutions, a Guide for Directors, Investors and Coun-
terparties, Wiley Finance, 2011.
Elisa Rangel Nunes – Colectânea de Temas Bancários, Luanda, 2004.
Fernando Conceição Nunes – Dieito Bancário, Vol I, AAFDL, 1994.
Jean-Louis Rives-Lange e Monique Contamine-Raynaud – Droit Bancaire, 6.e édition,
Dalloz, 1995.
José Maria Pires – Direito Bancário, 2.º Volume, As Operações Bancárias, Editora Rei dos
Livros, 1995.
José Simões Patrício – Direito Bancário Privado, Quid Juris, Sociedade Editora, 2004.
Manuel Magalhães, A Evolução do Direito Prudencial Bancário no Pós-Crise: Basileia III e CRD
IV, in O Novo Direito Bancário, coord. Paulo Câmara e Manuel Magalhães, Almedina,
2012.
Thierry Bonneau – Droit Bancaire, 5.e édition, Montchrestien, 2003.

42
CAPÍTULO 3
INSTITUIÇÕES

Sofia Vale / Leonildo Manuel

1. As instituições financeiras (bancárias e não bancárias) sob supervisão


do Banco Nacional de Angola enquanto actores do sistema financeiro

O sistema financeiro caracteriza-se pela existência de uma multiplicidade


de agentes económicos que, por meio das suas decisões relacionadas com a
produção e com o consumo, dão vida ao circuito económico. Dito de outro
modo, enquanto alguns agentes económicos consomem menos do que pro-
duzem e formam poupanças disponíveis para utilização futura, outros, em
determinado momento, consomem mais do que produzem e precisam, por
isso, de utilizar os recursos dos poupadores1. O mercado bancário apresenta-
-se assim como um subsistema do mercado financeiro, no qual actuam as
instituições financeiras bancárias e não bancárias, sob supervisão do Banco
Nacional de Angola, de que aqui nos ocuparemos.
De realçar que não existe na doutrina económica e jurídica um conceito
unívoco de sistema financeiro2 e, por este facto, várias foram as concepções
que foram sendo avançadas. Francisco Cavalcante, por exemplo, entende que
“o sistema financeiro é o conjunto organizado e estruturado de instituições, instrumentos

1 
Leonildo Manuel, O Dever de Informação e a Responsabilidade do Emitente pelo Conteúdo do Pros-
pecto – Aproximações à luz do Direito Angolano, Dissertação de Mestrado, policopiado, disponível
na Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, 2016, p. 7.
2 
Cfr. Carlos Costa Pina, Instituições e Mercados Financeiros, Almedina, Coimbra, 2005,
p. 20. NELSON EIZIRIK, ARÍADNA GAAl, FLÁVIA PARENTE e MARCUS HENRIQUES,
Mercado de Capitais: Regime Jurídico, 3.ª edição, Renovar, Rio de Janeiro, 2011, p. 2.

43
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e mercados que possibilitam e facilitam o fluxo financeiro entre os poupadores e os toma-


dores de recursos na economia”3. Já Carlos Costa Pina, refere que “o sistema financei-
ro compreende o conjunto de princípios e regras relativos à organização e funcionamento
das instituições e dos mercados aos activos que nos mesmos são transaccionados – com
base nos quais se caracterizam e delimitam os mercados – e às operações que tendo estes
por objecto naqueles têm lugar”4.
Para Paulo Câmara, por seu lado, “o sistema financeiro reporta-se ao conjun-
to estruturado de instituições, pessoas, actos, negócios e operações relacionados com
a criação, intermediação e circulação de activos, instrumentos e produtos financeiros
nos mercados monetário, financeiro e cambial, com crédito ou com a transferência e a
cobertura de riscos”5.
Dos conceitos económicos e jurídicos acima avançados, podemos concluir
que o sistema financeiro é integrado pelas seguintes realidades: (i) aforrado-
res e investidores; (ii) instrumentos financeiros; (iii) mercados financeiros;
(iv) instituições financeiras; e (v) entidades de regulação e supervisão
financeira.
O sistema financeiro apresenta como função principal “a promoção e a, con-
sequente, arrecadação e concentração de poupança em grandes volumes; a transformação
das poupanças em créditos especiais; e o encaminhamento dos créditos para as actividades
produtivas”6. Contudo, como bem refere Nelson Eizirik (et al.), “a função do sis-
tema financeiro é prover os canais adequados mediante os quais os agentes económicos
deficitários obtêm os recursos de que necessitam para seus projectos de investimentos e os
agentes superavitários aplicam as suas poupanças”7. E é precisamente nesta função

3 
FRANCISCO CAVALCANTE, JORGE MISUMI, Mercado de Capitais, 6ª edição, Editorial
Campus/CNB, Rio de Janeiro, 2003, p. 25. No mesmo sentido vide JULIANO LIMA PINHEI-
RO, Mercado de Capitais, 6ª edição, Atlas Editora, São Paulo, 2012, p. 36.
4 
CARLOS COSTA PINA, Instituições e Mercados…, op. cit., p. 21. No mesmo sentido vide AN-
TÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito Bancário, 4ª edição, Almedina, Coimbra
2010, p. 83. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 454, JOÃO CALVÃO DA SILVA, Banca,
Bolsa e Seguros, 4.ª edição, Almedina, 2014, p. 14; AMADEU JOSÉ FERREIRA, Direito dos Va-
lores Mobiliários, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1997, p. 16.
5 
PAULO CÂMARA, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª edição, Almedina, Lisboa,
2011, p. 806.
6 
JULIANO LIMA PINHEIRO, Mercado de Capitais …, op. cit., p. 36.
7 
NELSON EIZIRIRIK, ARIÁDNA GAAl, FLÁVIA PARENTE, MARCUS HENRIQUES,
Mercado…, op. cit., p. 2.

44
INSTITUIÇÕES

que se materializa a intermediação financeira, levada a cabo pelas instituições


financeiras, e que consiste em interligar os agentes económicos, de forma a
que aqueles que têm recursos disponíveis (os superavitários) possam aplicar
as suas poupanças em activos financeiros emitidos pelos agentes que deles
necessitam (os deficitários)8.
Cabe, pois, às instituições financeiras captar os recursos dos agentes su-
peravitários para os emprestar aos agentes deficitários, sendo este o processo
que designamos por intermediação financeira. Classicamente, as instituições
financeiras desenvolvem uma dupla actividade, que consiste na captação de
recursos junto dos aforradores, mediante pagamento de juros (passivos) e
colocação dos recursos captados juntos dos investidores, mediante cobrança
de juros (activos). Através deste processo conseguimos constatar que o sistema
financeiro é composto por instituições responsáveis pela captação de recursos
financeiros, pela distribuição e circulação de instrumentos financeiros.
As instituições financeiras fornecem um conjunto diversificado de serviços
financeiros, incluindo a intermediação e a distribuição financeira, bem como
o acesso aos mercados e a disponibilização de informação sobre a qualidade
dos devedores9. Dentre elas, destacam-se as instituições financeiras bancárias
e não bancárias, que se encontram sujeitas à supervisão do Banco Nacional
de Angola, e de que aqui trataremos.

1.1. As instituições que foram actuando no sistema financeiro ao longo


da história de Angola

Apresentado o conceito, função e elementos constituintes do sistema fi-


nanceiro, cabe-nos agora direccionar o nosso olhar para a evolução que as ins-
tituições financeiras, em particular, as instituições financeiras sob supervisão
do Banco Nacional de Angola, foram sofrendo ao longo tempo.
Muito antes da independência, o ano de 1865 é apontado como o ano da
instituição do sistema financeiro em Angola, pelo facto de nessa altura ter

8 
No mesmo sentido, EDUARDO PAZ FERREIRA, Direito da Economia, 1.ª edição, Associação
Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 2001, p. 416.
9 
MARGARIDA ABREU, (et al), Economia Monetária e Financeira, 2ª edição, Escolar Editora,
Lisboa, 2012, pp. 3 e 4.

45
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

surgido em território angolano a primeira sucursal do Banco Nacional Ultra-


marino, que deu início à actividade bancária em Angola10.
Outro marco fundamental da história do sistema finaceiro angolano é o
ano de 1926, ano da criação do Banco de Angola. Este, ainda que com sede em
Lisboa, teve até 1957 o exercício exclusivo da actividade comercial bancária
em Angola, tendo sido confiscado depois da independência11.
Em 1957 foi criado o Banco Comercial de Angola que, depois da indepen-
dência, foi confiscado, por meio da Lei n.º 70/76, passando a chamar-se Banco
Popular de Angola (BPA). Este banco mantém-se em actividade até aos dias
de hoje, actuando hodiernamente como Banco de Poupança e Crédito (BPC),
sendo considerado o maior banco comercial do nosso país.
Depois de 1957 foram criados quatro outros bancos, designadamente o
Banco de Crédito Comercial e Industria, o Banco Totta Standart, o Banco
Pinto & Sotto Mayor e o Banco Inter Unido. Nesta altura foram também cria-
das quatro instituições de crédito, nomeadamente, o Instituto de Crédito de
Angola, o Banco de Fomento Nacional, a Caixa de Crédito Agro – pecuária
e o Montepio de Angola.
Na história da Angola independente, foi criado, no dia 10 de Novembro
de 1976, por meio da Lei n.º 69/76, de 5 de Novembro, o Banco Nacional de
Angola (BNA) que, supervisionado pelo Ministério das Finanças, passou a
ter a função de banco central, de banco emissor, de caixa do tesouro, de
banco comercial e de banco de investimento. Foi também criado, com a Lei
n.º 70/76, de 5 de Novembro, o Banco Popular de Angola que, não exercendo
a actividade de intermediação financeira, funcionou apenas como caixa de
captação de poupança particular.

10 
JORGE LEÃO PERES, “Caracterização do Sistema Financeiro Angolano” in Inforbanca,
Ano XXI, n.º 80, Abril – Junho de 2009, disponível em www.ifb.pt/documents/11202/21966/
inforbanca_80.pdf (consultado em 01.12.2017); NÁDIA CARDOSO DE ALMEIDA, O Siste-
ma Financeiro Angolano: Uma Análise ao Desenvolvimento dos Seguros, policopiado, Biblioteca do
Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 2011,
pp. 11 a 16. Cfr. VALTER FILIPE, O Banco Nacional de Angola e a Crise Financeira, 1.ª edição,
Mayamba Editora, Luanda, 2012, p. 19; MANUEL CAMATI, Os Títulos do Banco Central de
Angola, 1.ª Edição, Mayamba Editora, Luanda, 2012, pp. 67 – 70, e LEONILDO MANUEL,
O Dever de Informação…, op. cit., p. 20.
11 
Cfr. VALTER FILIPE, O Banco Nacional de Angola..., op. cit., p. 20.

46
INSTITUIÇÕES

Em 1980, foi publicada a Lei n.º 2/80, de 12 de Fevereiro, sobre o Sistema


bancário, que consagrava a existência das instituições de crédito. De acordo
com o artigo 6.º deste diploma, as instituições de crédito tinham por objecto
a actividade de depósito, empréstimo, prestação de garantia e relações com
o extrior.
Em 1990, como medida enquadrada nas reformas monetárias e financeiras
em curso desde o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF)
de 198812, substitui-se o Kwanza pelo Novo Kwanza e começou-se a preparar
um novo pacote de legislação financeira. A nova legislação teve na Lei n.º 4/91,
de 20 de Abril, (Lei Orgânica do Banco Nacional de Angola ) e na Lei
n.º 5/91, de 20 de Abril, (Lei das Instituições Financeiras) a sua maior ex-
pressão. Estes diplomas introduziram um sistema bancário de dois níveis,
pondo fim à exclusividade da actividade bancária por parte do Estado, o que
permitiu o estabelecimento das sucursais do Banco Totta e Açores (BTA), do
Banco de Fomento Exterior, e do Banco Português do Atlântico, bem como
a criação – pelo Decreto–Lei n.º 8-A/91, de 11 de Março – do Banco de Co-
mercio e Indústria (BCI), e a conversão – pelo Decreto–Lei n.º 47/91, de 16
de Agosto – do Banco Popular de Angola (BPA) para Banco de Poupança e
Crédito (BPC), passando, assim, a exercer as funções de um banco universal13.
Com a Lei n.º 4/91, de 20 de Abril, o Banco Nacional de Angola, cessando a
actividade de banco comercial, assumiu a função de banco central e emissor,
órgão licenciador e supervisor do sistema financeiro. De ressaltar que a Lei n.º
5/91, de 20 de Abril (Lei das Instituições Financeiras) estruturou as institui-
ções financeiras em dois grupos distintos. O primeiro era constituido pelos
bancos, que abrangiam os bancos comercais e os bancos de investimentos ou
de desenvolvimentos; e o segundo era formado pelas instituições especiais de
crédito e as parabancárias. As instituições especiais de crédito eram consti-
tuidas pelas cooperativas, caixas e mutúos de crédito, e pelas intituições de
poupança e crédito imobiliário. Relativamente às instituições parabancárias,
estas integravam as sociedades de investimentos, as sociedades de capital

12 
Sobre a desconformidade do pacote legislativo SEF com as normas constitucionais vigen-
tes à época, veja-se FERREIRA, Helena Prata Garrido, Lições de Direito Económico, 2ª edição,
Luanda: Casa da Ideias Editora, 2010, p. 45. No mesmo sentido LEONILDO MANUEL,
O Dever de Informação… op. cit., p. 8.
13 
Cfr. LEONILDO MANUEL, O Dever de Informação…, op. cit., p. 21.

47
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de risco, sociedades de locação financeira, sociedades de financiamento de


aquisições a crédito, sociedades de factoring e as holdings financeiras.
Em 1997, implementou-se um conjunto de reformas que visaram a reor-
ganização do sistema financeiro e, mediante a Lei n.º 5/97, de 11 de Junho
(Lei Cambial) e a Lei n.º 6/97, de 11 de Junho (Lei Orgânica do Banco Nacional
de Angola), definiu-se um novo quadro jurídico que apresentava diferenças
e fronteiras entre os vários segmentos do mercado financeiro, isto é, entre
mercado monetário e cambial. O mercado monetário passou a ter dois níveis
de pagamentos: no primeiro nível encontravam-se os bancos comerciais e
dos agentes económicos no mercado de bens e serviços, e no segundo ní-
vel as agências do Banco Nacional de Angola que efectuavam pagamentos
interbancários.
O Banco Nacional de Angola actuava, assim, no sistema financeiro angola-
no, em dois níveis. No primeiro nível, agia como banco emissor e de reserva,
assumindo a tarefa de banqueiro do Estado, autoridade monetária e, como
consequência, orientador e controlador da política monetária e cambial dos
mercados, e tinha a função de assegurar o equilíbrio do sistema financeiro.
No segundo nível, desempenhava funções de supervisor das instituições fi-
nanceirass que operavam no mercado, designadamente, os bancos comerciais,
os bancos de investimento e de desenvolvimento, as instituições especiais de
crédito (cujos exemplos são as cooperativas, as caixas de créditos, as institui-
ções de poupanças e de créditos imobiliários), e as instituições para-bancárias,
(como por exemplo, as sociedades de investimentos, as sociedades de capital
de risco e as sociedades de locação financeira)14.
Importa lembrar que a Lei das Instituições Financeiras à época em vigor
(a Lei n.º 13/05, de 30 de Setembro), estabelecia o regime geral das insti-
tuições financeiras, distinguindo entre instituições financeiras bancárias
e instituições financeiras não bancárias. Esta lei foi revogada pela Lei n.º
12/15, de 17 de Junho (Lei de Base das Instituições Financeiras, doravante
“LBIF”, que se encontra actualmente em vigor), com o propósito de adequar
o sistema financeiro às novas exigências e desafios do mercado financeiro
internacional, bem como de dotar o sistema de regulação e supervisão dos

JORGE LEÃO PERES, Contabilidade Bancária, Universidade Lusíadas de Angola/Autor,


14 

Luanda, 2011, p. 33.

48
INSTITUIÇÕES

instrumentos tecnicamente mais avançados e, assim, assegurar a estabilidade


e robustez do sistema. Tudo em linha com as recomendações das organizações
internacionais, entre as quais se destacam necessariamente os princípios do
Comité de Basileia de Supervisão Bancária de 2012 e os princípios da IOSCO
(International Organization of Securities Commissions)15.

1.2. Regime jurídico das instituições financeiras (bancárias e não bancá-


rias) sob supervisão do Banco Nacional de Angola

Hoje, o sistema financeiro angolano está alicerçado num conjunto de ins-


trumentos legais que constituem a sua base e, deste modo, criam as premissas
para a estabilidade de todas as instituições que nele actuam. Assim, para além
da Constituição da República16, que nos seus artigos 99.º e 100.º consagra a
constituição financeira17, o regime jurídico do sistema financeiro angolano
assenta ainda na LBIF, que estabelece os procedimentos e regras que disci-
plinam o funcionamento das instituições financeiras na sua generalidade.
A supervisão do sistema financeiro angolano (artigo 7.º da LBIF) é asse-
gurada por três entidades reguladoras que, a par do Ministro das Finanças,
constituem uma plataforma de coordenação de todo o sistema financeiro.
O triângulo de supervisão é constituído pelas seguintes entidades: o Banco
Nacional de Angola (BNA), a Agência de Regulação e Supervisão de Seguros
(ARSEG),18 e a Comissão de Mercado de Capitais (CMC)19.

15 
Cfr. LEONILDO MANUEL, O Dever de Informação…, op. cit., p. 24.
16 
Para uma boa panorâmica dos princípios fundamentais da Constituição da República de
Angola, aprovada em 2010, veja-se FEIJÓ, CARLOS, “Os fundamentos da Constituição ango-
lana: princípios e direitos fundamentais”, in Constituição da República de Angola: Enquadramento
Dogmático – A Nossa Visão, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 51-88.
17 
Referindo-te também à constituição financeira, veja-se CARLOS TEIXEIRA, “Consti-
tuição económica de Angola e as oportunidades de negócios e investimento”, in Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, n.º 10, Luanda, 2011, pp. 29-45, e ainda RAUL
ARAÚJO E ELISA RANGEL NUNES, Constituição da República de Angola Anotada, Tomo I,
edição de autor, Luanda, 2014, p. 300 e ss.
18 
Tem o seu regime jurídico definido na LBIF e no seu Estatuto Orgânico, aprovado através
do Decreto Presidencial n.º 141/13, de 27 de Setembro. De acordo com o n.º 2 do artigo 7.º da
LBIF, estão sob sua jurisdição as instituições financeiras não bancárias ligadas à actividade
seguradora e à previdência social, nomeadamente, as sociedades seguradoras e resseguradoras,

49
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

O regime jurídico das instituições financeiras sob supervisão do Banco


Nacional de Angola encontra-se plasmado na LBIF e na Lei n.º 16/10, de
15 de Julho, Lei do Banco Nacional de Angola, que consagram a existência das
instituições bancárias (bancos, em geral) e das instituições financeiras não
bancárias que operam nos mercados cambial, monetário e creditício. Estas
últimas compreendem as casas de câmbio, as sociedades cooperativas de cré-
dito, as sociedades de cessão financeira, as sociedades de locação financeira, as
sociedades mediadoras dos mercados monetário ou de câmbios, as sociedades
de microcrédito, as sociedades prestadoras de serviço de pagamento, as e
sociedades operadoras de sistemas de pagamentos, compensação ou câmara
de compensação (n.º 1 do artigo 7.º da LBIF). 19

2. Caracterização das instituições financeiras bancárias

Traçado o quadro histórico e o regime jurídico aplicável às instituições


financeiras (bancárias e não bancárias) sob supervisão do Banco Nacional de
Angola, cabe-nos agora caracteriza-las, dando especial atenção aos tipos de
bancos existentes e às linhas de actividade que foram autorizados a desenvolver.

2.1. Características essenciais das instituições financeiras bancárias

Os bancos são regulados, em primeira linha, pela LBIF, o diploma mais


relevante em matéria de constituição, registo, organização e funcionamento
dos bancos angolanos, que contém também um conjunto de regras específicas
que têm em conta as idiossincrasias dos bancos face às sociedades anóni-
mas que operam noutros sectores de actividade20, impondo-lhes deveres de

os fundos de pensões e suas sociedades gestoras, bem como outras sociedades que sejam
como tal qualificadas por lei.
19 
Criada pelo Decreto nº 9/05, de 18 de Março, entretanto revogado pelo Decreto Presidencial
n.º 54/13, de 6 de Junho, publicado no Diário da República, I Série, n.º 106, que aprovou o
novo Estatuto Orgânico da Comissão de Mercado de Capitais.
20 
Estas especificidades da boa governação dos bancos são postas em causa por CRISTO-
PH VAN DER ELST, “Corporate governance and banks: how justified is the match?”, 2015,

50
INSTITUIÇÕES

protecção singulares em relação aos interesses dos seus clientes. Sendo cons-
tituídos como sociedade anónima, a sua regulamentação é, em segunda linha
(art. 5º, n.º 1, 2ª parte, da LBIF), disciplinada pela Lei das Sociedades Comer-
ciais21, que regula a estrutura orgânica deste tipo de sociedade, a articulação
entre os respectivos órgãos sociais, contendo algumas regras sobre remu-
neração e sobre incompatibilidades e impedimentos quanto ao exercício de
funções no âmbito dos órgãos sociais. Seguidamente, consoante o tipo de
sociedade anónima22 que revistam, aplica-se-lhes a respectiva regulamenta-
ção sectorial: se forem empresas pertencentes ao sector empresarial público,
há ainda que ter em conta a LBSEP e, se se vierem a classificar como sociedades
cotadas, haverá que ter em conta o CVM e a regulamentação emanada pela
Comissão de Mercado de Capitais.
Na medida em que são sociedades anónimas, os bancos têm uma estrutura
orgânica tripartida, que compreende uma assembleia geral, um conselho de
administração e um conselho fiscal. Note-se que a LBIF (artigo 17.º, n.º 2)
determinou que os bancos deveriam diferenciar as actividades de gestão,
separando a componente de gestão estratégica (atribuída ao conselho de ad-
ministração) da componente de gestão corrente (atribuída a uma comissão
executiva ou, pelo menos, a dois administradores delegados). Sem prejuízo
desta delegação de poderes, as instituições financeiras bancárias ainda não
dispõem de um modelo de administração bipartido, que assegure uma efectiva
separação orgânica destas funções23.
As preocupações com o bom governo das instituições financeiras bancárias
têm estado, cada vez mais, na ordem do dia24. O Banco Nacional de Angola foi

disponível em http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2562072, consultado


em 19.09.2015.
21 
Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro, Das Sociedades Comerciais, publicada no Diário da Re-
pública, I Série, nº 13.
22 
PAULO CÂMARA e GABRIELA FIGUEIREDO DIAS, “O Governo das Sociedades Anó-
nimas”, in O Governo das Organizações – A Vocação Universal do Corporate Governance, Almedina,
Coimbra, 2011, pp. 43 e ss.
23 
Para maiores desenvolvimentos, veja-se SOFIA VALE, “O Governo dos Bancos em Angola”,
in A Governação Dos Bancos Nos Sistemas Jurídicos Lusófonos (coord. Paulo Câmara), Almedina,
Coimbra, 2016, pp. 321-343.
24 
Veja-se GILBERTO LUTHER, “Breves notas sobre a corporate governance”, in Estudos Jurídicos
e Económicos em Homenagem à Professora Maria do Carmo Medina (coord. Elisa Rangel Nunes),
Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Luanda, 2014, pp. 361 – 408.

51
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

percursor na publicação de normas de boa governação quando, em 2013, fez


sair um pacote regulamentar que veio impor regras mais detalhadas, maior
rigor e um aumento de transparência em matérias respeitantes a conflitos
de interesses, composição, organização e funcionamento dos órgãos de
administração e de fiscalização dos bancos, controlo interno e políticas
remuneratórias. Apesar da LBIF ser posterior a este pacote regulamentar
(a LBIF foi publicada em 2015), o Aviso n.º 1/1325, o Aviso n.º 2/1326, o Avi-
so n.º 3/1327 e o Aviso n.º 4/1328 encontram-se perfeitamente actualizados e
mantêm-se em vigor, pois haviam já sido gizados perspectivando o surgimento
da LBIF.
Actuamente, as instituições bancárias autorizadas a funcionar pelo Banco
Nacional de Angola devem ter o seu capital social integralmente realizado
em moeda nacional, bem como manter o capital social e os fundos próprios
regulamentares (FPR) no valor mínimo de AOA 2.500.000.000,00 (dois mil
milhões e quinhentos milhões de Kwanzas)29.

2.2. Linha de negócio desenvolvida pelas instituições financeiras ban-


cárias

Do ponto de vista da linha de negócio, os bancos são tradicionalmente


agrupados em banca universal, banca comercial, banca de desenvolvimento
e banca de investimento.
A banca universal é aquela que realiza as diversas actividades financeiras,
designadamente, operações activas, passivas e acessórias das diversas institui-
ções financeiras, por intermédio das seguintes carteiras: comercial, de inves-
timento e/ou de desenvolvimento, de crédito imobiliário, de arrendamento

25 
Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril, que Regula as Obrigações das Instituições Financeiras no
que toca à Governação Corporativa.
26 
Aviso n.º 2/13, de 19 de Abril, que Regula a Obrigação de Estabelecimento de um Sistema
de Controlo Interno.
27 
Aviso n.º 3/13, de 22 de Abril, que Estabelece o âmbito de Supervisão Em Base Consolidada,
para Efeitos Prudenciais.
28 
Aviso n.º 4/13, de 22 de Abril, que Regula a Actividade de Auditoria Externa.
29 
Vide Artigo 1.º do Aviso n.º 14/2013, de 15 de Novembro, sobre o ajustamento do capital
social mínimo e fundos próprios regulamentares das instituições financeiras bancárias.

52
INSTITUIÇÕES

mercantil e de crédito, financiamento e investimento. Essas operações estão


sujeitas às mesmas normas legais e regulamentares aplicáveis às instituições
singulares correspondentes às suas carteiras.
A banca comercial é aquela que tem como objectivo principal propor-
cionar a disponibilização de recursos necessários para financiar, a curto e a
médio prazos, o comércio, a indústria, as empresas prestadoras de serviços
e as pessoas físicas.
No quadro do sistema de intermediação financeira do país, os bancos co-
merciais constituem a base do sistema monetário. Estes possuem a faculdade
de criar – sob efeito multiplicador, a principal função do conceito convencional
de moeda – a moeda escritural, constituída pelo total de depósitos à vista
nestas instituições.
A banca de desenvolvimento é aquela que, em princípio, está vocacionada
para financiar projectos e investimentos empresariais, aquisição de máquinas
e equipamentos e o reforço a capital de giro; financiar projectos de infraes-
trutura municipal; realizar subscrição de acções e obrigações e participar,
minoritária e transitoriamente, no capital social de empresas, bem como de
realizar operações de lease-back. A banca de desenvolvimento está especial-
mente vetada a financiar empreendimentos imobiliários, entidades controla-
das por seus accionistas e pessoas físicas (excepto quando os financiamentos
estejam vinculados a projectos especiais), bem como administrar fundos de
investimento e realizar operações de leasing.
Estas actividades são normalmente levadas a cabo por bancos de desen-
volvimento, devendo ter como objectivo estruturar os recursos necessários
ao financiamento de programas e projectos que visem promover o desenvol-
vimento económico e social do Estado em que se integram.
A banca de investimento, no essencial, é integrada por três actividades,
a saber: a) Assessoria financeira nos programas de emissão de acções, obri-
gações e outros instrumentos financeiros, bem como análise de projectos de
investimentos de modo a aferir o seu grau de viabilidade; e ainda consultoria
a grandes investimentos; b) Corporate finance por meio de implementação de
programas de financiamentos empresariais, fusões e aquisições, restrutura-
ções financeiras e estratégias de angariação ou alocação de capital que melhor
respondam aos desafios enfrentados a cada momento pelas empresas. Também
inclui project finance mediante programas de estruturação e montagem de

53
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

operações para financiamento estruturados de projectos; e c) intermediações


financeiras no âmbito do mercado de capitais.
Em Angola, a grande maioria dos bancos optou por desenvolver a activi-
dade de banca universal e de banca comercial. Alguns bancos inicialmente
actuavam no segmento da banca de investimento, mas entenderam agregar
na sua linha de negócios a banca comercial, operando assim numa espécie
de banca universal. Em face desta realidade tem-se colocado a questão de
identificar quais as razões desta alteração.
Ora, para a alteração da linha de negócio da banca comercial, tem-se en-
tendido que os bancos de investimentos alteraram o seu core business pelo
facto de terem identificado a necessidade de exploração de outros segmen-
tos de negócios mais rentáveis e atractivos na banca comercial. Aventa-se
ainda que a falta de grandes projectos para serem financiados por via da
banca de investimento foi a outra razão determinante que desencadeou esta
alteração.
Apesar da segregação das linhas de negócio, em Angola, os bancos estão
habilitados a desenvolver as seguintes actividades: i) receber do público depó-
sitos ou outros fundos reembolsáveis; ii) locação financeira e cessão financeira
ou factoring; Serviços de pagamento; iii) emissão e gestão de outros meios
de pagamento, não abrangidos pela alínea anterior, tais como cheques em
suporte de papel, cheques de viagem em suporte de papel e cartas de crédito;
iv) realizar serviços e actividades de investimento em valores mobiliários e ins-
trumentos derivados, nos termos permitidos às sociedades distribuidoras de
valores mobiliários; v) actuação nos mercados interbancários; vi) consultoria
das empresas em matéria de estrutura de capital, de estratégia empresarial e
de questões conexas, bem como consultoria e serviços no domínio da fusão
e compra de empresas; vii) operações sobre pedras e metais preciosos, nos
termos estabelecidos pela legislação cambial; viii) tomada de participação
no capital de sociedades; xix) mediação de seguros; x) prestação de infor-
mações comerciais; xi) aluguer de cofres e guarda de valores; xii) locação
de bens móveis, nos termos permitidos às sociedades de locação financeira;
xiii) emissão de moeda electrónica; e ainda xiv) outras operações análogas e
que a lei não proíba.

54
INSTITUIÇÕES

2.3. Instituições financeiras bancárias autorizadas a operar em Angola

Do ponto de vista estatístico, até ao ano de 2002 operavam em Angola


cerca de nove (9) bancos, hoje são vinte e seis (26) o número de bancos re-
gistados para operar no mercado angolano30. De acordo com Leão Peres, este
crescimento deveu-se fundamentalmente a factores de natureza politica e
económica. O primeiro consubstancia-se na assinatura dos Acordos de Paz,
no dia 4 de Abril de 2002, o que conferiu maior confiança aos investidores.
O segundo consiste no facto de, a partir de 2003, a economia angolana ter
apresentado sinais visíveis de estabilização macroeconómica31.
Os bancos existentes no mercado angolano, quanto à titularidade das parti-
cipações sociais, podem ser agrupados em bancos públicos ou bancos privados.
O primeiro grupo, que compreende os bancos de capitais públicos32, cons-
tituídos sob a forma de sociedades anónimas (sociedades de capitais públicos)
integra o Banco de Poupança e Crédito (BPC), o Banco de Comércio e Indús-
tria (BCI) e o Banco de Desenvolvimento de Angola (BDA). A constituição
deste último resultou, em Março de 2006, da extinção do Fundo de Desen-
volvimento Económico e Social (FDES).
O segundo grupo é constituído pelos bancos de capitais privados e nele se
integram o Banco Totta Angola (BTA), o Banco de Fomento Angola (BFA),
o Banco Africano de Investimento (BAI), a funcionarem desde Outubro de
1997; o Banco Comercial Angolano (BCA), a funcionar desde Fevereiro de
1999; Banco Sol (BS), a funcionar desde Outubro de 2001; o Banco do Keve
(BK), a funcionar desde Outubro de 2003; o Novo Banco (NB), a funcio-
nar desde Novembro de 2003; o Banco Internacional de Crédito (BIC), a
funcionar desde Abril de 2005; o Banco de Negócios Internacional (BNI) a
funcionar desde Novembro de 2006; o Banco VTB África (VTB), a funcionar
desde Março de 2007; o Banco Angolano de Negócios e Comércio (BANC),

30 
Dentre estes apenas um ainda está sem actividade.
31 
JORGE LEÃO PERES, “Caracterização do sistema financeiro angolano”, op. cit. p. 6.
32 
A Lei n.º 11/13 – Lei de Bases do Sector Empresarial Público, de 13 de Setembro revelou-
-se inovadora em matéria de organização e funcionamento do órgão de administração das
empresas colocadas sob a sua égide. Se bem que apenas se aplique a entidades pertencentes
ao sector empresarial público, ela é relevante para efeitos deste trabalho, na medida em que
se aplica aos bancos de capitais públicos.

55
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

a funcionar desde Março de 2007, e o Finibanco Angola, a funcionar desde


Maio de 2008; o Banco Económico (BE), a funcionar desde 201633; o Banco
Millennium Atlântico (BMA)34.
Ainda dentro do grupo dos bancos de capital privado, temos o Banco Yetu,
S.A; Banco BAI Micro Finanças, S.A.; Banco Caixa Geral Angola, S.A.; Banco
Comercial do Huambo, S.A., todos a funcionar desde 2010; Banco de Investi-
mento Rural, S.A.; Banco Kwanza Investimento, S.A., a funcionar desde 2007;
Banco Prestígio, S.A.; Banco Mais, S.A.; Banco Valor, S.A.; Standard Bank De
Angola, S.A., a funcionar desde 2010; Standard Chartered Bank de Angola,
S.A.; BCS – Banco de Crédito do Sul, S.A.; Banco Postal, S.A.; Banco da China
Limitada – Sucursal Em Luanda Ecobank de Angola, S.A35.
Com a crescente modernização do sistema bancário angolano, muitos ope-
radores estrangeiros têm vindo a intervir no mercado bancário angolano por
meio da aquisição de participações sociais representativas do capital social de
bancos de direito angolano ou por meio do estabelecimento de uma sucursal
em Angola. Um dos destes últimos exemplos é o do Banco da China que, por
Decreto Presidencial n.º 57/16, de 13 de Maio, foi autorizado a estabelecer-se
em Angola para o exercício das actividades previstas no artigo 6.º da LBIF36,
criando para o efeito uma sucursal.

3. Instituições financeiras não bancárias sob supervisão do Banco Nacio-


nal de Angola

O regime jurídico das instituições financeiras não bancárias sob supervisão


do Banco Nacional de Angola está consagrado na LBIF e na Lei n.º 16/10, de

33 
Resultou da liquidação do Banco Espírito Santo Angola (BESA), que iniciou actividade
em Janeiro de 2002.
34 
Resultou da fusão por incorporação do Banco Millenium, que funcionou desde Outubro de
1997 e do Banco Privado Atlântico, que entrou em actividade em Novembro de 2006. Sobre
o processo de fusão à luz do direito angolano, veja-se SOFIA VALE, As Empresas no Direito
Angolano – Lições de Direito Comercial, edição de autor, Luanda, 2015, p. 887 e ss.
35 
A listagem dos bancos a operar em Angola encontra-se disponível em http://www.bna.ao/Con-
teudos/Artigos/lista_artigos_medias.aspx?idc=142&idsc=834&idl=1 (consultado em 01.12.2017).
36 
Como se pode constatar em http://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/lista_artigos_medias.
aspx?idc=142&idsc=834&idl=1 (consultado em 01.12.2017).

56
INSTITUIÇÕES

15 de Julho, Lei do Banco Nacional de Angola. De acordo com este diapasão,


estão sujeitas à jurisdição do Banco Nacional de Angola não só as instituições
financeiras bancárias (bancos em geral, a que já fizemos referência) como
também as instituições financeiras não bancárias ligadas ao mercado cam-
bial, monetário e creditício. Estas últimas compreendem as casas de câmbio,
as sociedades cooperativas de crédito, as sociedades de cessão financeira, as
sociedades de locação financeira, as sociedades mediadoras dos mercados
monetário ou de câmbios, as sociedades de micro crédito, as sociedades pres-
tadoras de serviço de pagamento, as e sociedades operadoras de sistemas de
pagamentos, compensação ou câmara de compensação, nos termos da Lei do
Sistema de Pagamentos de Angola (n.º 1 do artigo 7.º da LBIF).
De seguida, apresentaremos os traços distintivos destas instituições, iden-
tificando o respectivo regime jurídico.

3.1. Casas de Câmbio

A actividade cambial caracteriza-se como sendo uma operação de troca


da moeda de um país pela moeda de outro país, ou seja, é uma operação de
transacção de moedas estrangeiras, por meio dos travells cheques, depósitos
bancários em divisas ou derivados cambiais37.
Para além destas operações, o artigo 2.º do Aviso do Banco Nacional de
Angola n.º 07/2013, de 22 de abril, indica que as casas de câmbio podem ainda
prestar os seguintes serviços adicionais: (i) remessa e recepção de valores, com
a prévia autorização do Banco Nacional de Angola, de acordo com a legislação
em vigor; (ii) serviços de correspondente bancário; (iii) realizar operações de
intermediação de compra e venda de moeda estrangeira e cheques de viagem;
(iv) efectuar aluguer de cofres; e (v) realizar outras actividades previamente
autorizadas pelo Banco Nacional de Angola.
Estas operações são realizadas num mercado designado por mercado cam-
bial cuja regulação e supervisão cabe, nos termos do artigo 7.º da LBIF, ao
Banco Nacional de Angola. Neste mercado (cujos operadores são as casas de
câmbio, bancos comerciais e sociedades gestoras de mercados organizados,),

Sobre o regime cambial, remete-se para o artigo de RUTE SANTOS, neste volume.
37 

57
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

reúnem-se os agentes económicos que tenham necessidade de realizar ope-


rações com o exterior. Os investidores internacionais, importadores e expor-
tadores são grandes utilizadores destes serviços, pois necessitam de realizar
operações relativas aos recebimentos, pagamentos e transferências do/ou
para o exterior, mediante a utilização de cartões internacionais e outros ins-
trumentos cambiais38.
O regime jurídico da actividade cambial, vertido na Lei n.° 5/97, de 27
de Junho, Lei Cambial, regula os actos e as operações cambiais. As casas de
câmbios têm o seu regime específico previsto Aviso do Banco Nac n.º 07/2013,
a que já nos referimos, que regula o processo de autorização para a constitui-
ção, funcionamento e extinção das casas de câmbio.
Para constituição e funcionamento de casas de câmbio é necessário que
se observe um prévio licenciamento (que compreende autorização e registo)
junto do Banco Nacional de Angola, cujo processo é instruído com obser-
vância dos elementos previstos no artigo 3.º do Aviso do Banco Nacional de
Angola n.º 07/2013.
Actualmente, existem oitenta e duas (82) casas de câmbio autorizadas a
funcionar em Angola, e destas quarenta e duas (42) têm autorização especial
para o exercício de actividade de remessas de valores39.

3.2. Sociedades de Microcrédito

As sociedades de microcrédito são instituições financeiras que têm por


objecto a prática de concessão de crédito de montantes reduzidos a particu-
lares, pequenos empreendedores e a empresas para desenvolver uma activi-
dade económica, o aconselhamento dos mutuários e o acompanhamento dos
respectivos projectos40.

38 
MARGARIDA ABREU, Economia Monetária e Financeira…, op. cit., p. 233; CESALTINA
PIRES, Mercado de Investimento Financeiro…, op. cit., p. 11; FRANCISCO CAVALCANTE e
outros, Mercado…, op. cit., p. 313.
39 
Esta informação encontra-se disponível em http://www.bna.ao/Conteudos/Artigos/
lista_artigos_medias.aspx?idc=142&idsc=834&idl=1 (consultado em 01.12.2017).
40 
ELISA RANGEL NUNES, Reflexões sobre o Conceito de Micro Crédito, edição do autor, Luan-
da, p. 32.

58
INSTITUIÇÕES

O regime jurídico das sociedades de microcrédito vem previsto no De-


creto Presidencial n.º 28/11, de 2 de Fevereiro. De acordo com o artigo 4.º
deste diploma, o exercício da actividade de microcrédito depende de licen-
ciamento junto do Banco Nacional de Angola, a quem também cabe a tarefa
de regulação e supervisão destas sociedades. As sociedades de microcré-
dito regem-se pelas directivas do Banco Nacional de Angola e pela LBIF
(artigo 13.º do referido diploma).
Actualmente, estão autorizadas a actuar em Angola quarenta (40) socie-
dades de microcrédito41.

3.3. Cooperativas de Crédito

As cooperativas de crédito são definidas como instituições financeiras não


bancárias autorizadas a recolher depósitos ou outros fundos reembolsáveis
de seus membros e a realizar operações de crédito com os mesmos, con-
forme regulamentação própria. Estas entidades são instituições financeiras
formadas pela associação de pessoas para prestar serviços financeiros exclu-
sivamente aos seus associados e estes são ao mesmo tempo donos e usuários
da cooperativa, participando de sua gestão e usufruindo de seus produtos e
serviços42.
Nas cooperativas de crédito, os associados encontram os principais servi-
ços disponíveis nos bancos, tais como conta-corrente, aplicações financeiras,
cartão de crédito, empréstimos e financiamentos. Merece destaque o facto de
os associados terem poder igual de voto, independentemente da sua quota

41 
Esta informação foi-nos disponibilizada pelo Banco Nacional de Angola.
42 
Sobre o regime jurídico das cooperativas em geral, veja-se SOFIA VALE, “A nova Lei
das Cooperativas”, in REJE, Revista Electrónica da Faculdade de Direito da Universidade Agosti-
nho Neto, coord. Elisa Rangel Nunes, 2016, disponível em https://issuu.com/rejefduan/docs/
reje_1 (consultado em 01.12.2017), pp. 75-88, e TOMÁS MBENGUI e outros, “As Empresas
do Direito Angolano: o que há de novo em 2017?” (coord. Sofia Vale), in Revista de Direi-
to Comercial (coord. Pedro Pais de Vasconcelos), Lisboa, 2017, pp. 543 e ss, disponível em
https://www.revistadedireitocomercial.com/as-empresas-no-direito-comercial-angolano
(consultado em 01.12.2017). Em especial, sobre as cooperativas de crédito, SOFIA VALE,
As Empresas…, op. cit, p. 268 e ss.

59
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de participação no capital social da cooperativa, regime distinto do previsto


para as sociedades comerciais43.
De acordo com os artigos 7.º a 10.º do Regulamento das Cooperativas de
Crédito, aprovado pelo Decreto Presidencial n.º 22/ 11, de 19 de Janeiro, a
constituição e funcionamento de uma cooperativa de crédito depende de
autorização a ser concedida pelo Banco Nacional de Angola. Obtida a autoriza-
ção, a cooperativa de crédito constuir-se nos termos da Lei das Cooperativas,
a Lei n.º 23/15, de 31 de Agosto.
De acordo com o artigo 19.º do Regulamento das Cooperativas de Crédito,
cada cooperativa de crédito deve ser constituída com o mínimo de vinte e cinco
(25) associados, assegurando, sob pena de dissolução, que este número de as-
sociados se mantém durante todo o tempo em que se encontra em actividade.
Os órgãos sociais das sociedades cooperativas de crédito são constituídos
pela assembleia geral (onde têm assento os associados), a direcção (encarre-
gue da gestão) e o conselho fiscal (que assegura a supervisão da actividade
desenvolvida pela cooperativa). A direcção é o órgão de gestão e deve ser
constituída por um número ímpar de membros (no mínimo, três), com ido-
neidade e experiência adequadas para o exercício das respectivas funções,
que detêm poderes para efectivamente determinar a orientação da actividade
de crédito. O conselho fiscal, enquanto órgão de controlo, deve ser regulado
pelos estatutos da cooperativa e o seu funcionamento deve observar as regras
previstas na Lei das Cooperativas.
Actualmente, existem quatro (4) cooperativas de crédito a actuar no
mercado angolano, a saber, a Rede Crédito-Angola, Lda., a COOCREFP,
a COOPERA FAJE e a COOPCAP44.

3.4. Sociedades de Cessão Financeira (factoring)

As sociedades de cessão financeira ( factoring) são definidas como institui-


ções financeiras não bancárias que têm por objecto principal o exercício da

43 
Sobre o direito de voto nas sociedades comerciais, veja-se SOFIA VALE, As Empresas…,
op. cit., p. 546 e ss.
44 
Informação que nos foi disponibilizada pelo Banco Nacional de Angola.

60
INSTITUIÇÕES

actividade de cessão financeira, que consiste num acordo mediante a qual uma
das partes (cessionário ou factor) adquire à outra parte (aderente) créditos
de curto prazo, resultantes da venda de produtos ou da prestação de servi-
ços a uma terceira pessoal (devedor). Na verdade, as sociedades de factoring
encarregam-se da cobrança de dívidas, posicionando-se como intermediária
entre o credor e o devedor45.
A consagração das sociedades de cessão financeira como instituições fi-
nanceiras sob supervisão do Banco Nacional de Angola tem respaldo legal
no n.º 26 do artigo 2.º e no artigo 7.º, ambos da LBIF. A regulamentação das
sociedades de cessão financeira está vertida no Regulamento sobre a Activi-
dade das Sociedades de Cessão Financeira, aprovado pelo Decreto Presiden-
cial n.º 95/11, de 28 de Abril. De acordo com este diploma, a constituição e o
funcionamento destas sociedades depende de prévia autorização do Banco
Nacional de Angola.
Note-se que as sociedades de cessão financeiras são constituídas como
empresas de fim específico, devendo ter por objecto exclusivo o exercício da
actividade de cessão financeira. No que tange à sua constituição, devem adop-
tar a forma de sociedade anónima, incluindo na sua firma a expressão “cessão
financeira”, a par da expressão “sociedade anónima” ou da abreviatura “S.A.”46.
O seu capital social mínimo deve ser integralmente realizado, na data da sua
constituição, em moeda nacional, no montante de AOA 50.000.000,00 (cin-
quenta milhões de kwanzas), não devendo os fundos próprios regulamentares
deste tipo de sociedade ser inferiores a este mesmo valor. Nos casos em que o
capital social inicial seja superior ao mínimo legalmente previsto, é exigida a
realização de, pelo menos, cinquenta por cento (50%) do montante que exceda
aquele valor mínimo, devendo o remanescente ser integralmente realizado no
prazo de seis (6) meses a contar da data de constituição da sociedade.

45 
JOSÉ LEOPOLDINO NDJAMBA, “O Incumprimento do Contrato de Factoring no Sistema
Financeiro Angolano – Resolução do Conflito por Meio da Arbitragem Voluntária”, in Revista
da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Número Especial Comemorativo do XXXV
aniversário da sua Fundação (Elisa Rangel, Cord.), 2015, p. 556, e SOFIA VALE, As Empresas…,
op. cit., p. 119.
46 
Sobre a constituição das firmas, designadamente da firma das sociedades anónimas, veja-se
SOFIA VALE, As Empresas…, op. cit., p. 152 e ss.

61
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

A administração e fiscalização das sociedades de cessão financeira obedece


os critérios de composição e funcionamento previstos na LBIF e, subsidiaria-
mente, na Lei das Sociedades Comerciais.

3.5. Sociedades de Locação Financeira (leasing)

As sociedades de locação financeira são instituições financeiras que têm


por objecto principal a realização de um contrato pelo qual o locador se obriga,
mediante retribuição, a ceder ao locatário o gozo temporário de uma coisa,
móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação do locatário47.
O regime jurídico das sociedades de locação financeira vem previsto no
Decreto Presidencial n.º 64/11, de 18 de Abril, que aprova o Regulamento do
Contrato de Locação Financeira, e no Decreto Presidencial n.º 65/11, de 18
de Abril, que aprova o Regulamento Sobre a Actividade das Sociedades de
Locação Financeira. Este último define as sociedades de locação financeira
como instituições financeiras não bancárias, que têm por objecto exclusivo o
exercício da actividade de locação financeira, podendo acessoriamente alienar,
ceder por exploração, locar ou efectuar outros actos de administração sobre
bens que lhe sejam restituídos em virtude de resolução de um contrato de
locação financeira ou por motivos do não exercício do direito de compra pelo
locatário, assim como locar bens móveis fora dos casos em que os bens lhes
tenham sido restituídos no termo do contrato de locação financeira.
Estas sociedades devem constituir-se obrigatoriamente como sociedades
anónimas. Para além destas sociedades, também os bancos podem exercer a
actividade de locação financeira.
Os traços característicos das sociedades de locação financeiras são muito
próximos dos das sociedades de cessão financeiras, nomeadamente, em ma-
téria de constituição e funcionamento, composição do capital social e fundos
próprios regulamentares, bem como composição e funcionamento da admi-
nistração e fiscalização.

Cfr. SOFIA VALE, As Empresas…, op. cit., p. 113 e ss, e SOFIA VALE e FERNANDA
47 

MUALEIA, Guia Prático de Direito Comercial, edição de autor, Luanda, 2016, p. 127 e ss..

62
INSTITUIÇÕES

Actualmente, as operações de locação financeira são praticadas por alguns


bancos comerciais, designadamente pelo Banco Internacional de Crédito
(BIC), Banco de Fomento Angola (BFA), Banco Angolano de Investimento
(BAI), Banco de Poupança e Crédito (BPC), e Banco Económico (BE), com
um forte pendor para o leasing automóvel.

3.6. Sociedades Prestadoras de Serviços de Pagamento

As sociedades prestadoras de serviços de pagamento são definidas como


instituições financeiras não bancárias, que têm por objecto a prestação de
serviços de pagamento, isto é, serviços que permitem depositar e levantar
numerário ou transferir fundos de/ou para contas de pagamentos, bem como
todas as operações necessárias para a gestão dessas contas, incluindo a emis-
são e aquisição de instrumentos de pagamentos e a emissão/reembolso de
moeda eletrónica.
É necessário realçar que o Sistema de Pagamentos de Angola (doravante
“SPA”) é integrado por um conjunto estruturado de instrumentos de paga-
mento, processos e subsistemas regulado pelo Banco Nacional de Angola,
que visa assegurar a circulação de dinheiro na economia nacional através
de transferência de fundos ou de dinheiro, cumprindo com as exigências de
segurança, fiabilidade operacional, eficiência e transparência estabelecidos
na Lei do Sistema de Pagamentos de Angola, a Lei nº 05/2005, de 29 de Julho.
O SPA é constituído por seis instrumentos de pagamentos aceites, a saber,
cheques, transferências a crédito (electronicamente, por ordem de saque,
ou documentos de crédito), remessa, débito directo, cartões de pagamento
(pré-pagos, de débito e de crédito) e dispositivo móvel48.
O SPA é ainda integrado por sistemas e subsistemas, que compreendem:
o Sistema de Pagamentos em Tempo Real (SPTR); o Sistema de Compensa-
ção e Liquidação de Valores Mobiliários (SIMER); o Subsistema Multicaixa
(MCX); o Subsistema de Transferências a Crédito (STC); o Subsistema de
Compensação de Cheques (SCC); o Subsistema de Débitos Directos (SDD);

48 
Esta informação encontra-se disponível em http://www.abanc.ao/sistema-financeiro/
sistema-de-pagamentos-de-angola/ (consultado dia 01.12.2017).

63
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

o Subsistema de Pagamentos Móveis de Angola (SPMA); o Sistema de Ges-


tão de Mercados de Activos (SIGMA); Sistema de Compensação de Valores
(SCV); e Subsistemas da Câmara de Compensação Automatizada de Angola
(CCAA) 49.

Estas sociedades têm o seu regime jurídico fixado na Lei do Sistema de


Pagamentos de Angola – que foi concretizado pelo Aviso do Banco Nacio-
nal de Angola n.º 05/2014, que regula o processo de autorização e funciona-
mento das sociedades prestadoras de serviços de pagamentos, e pelo Aviso
do Banco Nacional de Angola n.º 07/2017, sobre a prestação de serviços de
pagamentos.
De acordo com o artigo 4.º do Aviso n.º 05/2014, o capital social mínimo
para constituição das sociedades prestadoras de serviços de pagamentos deve
corresponder a AOA 25.000.000,00 (Vinte e cinco milhões de Kwanzas),
e ser integralmente realizado no momento da constituição. Também o
valor dos fundos próprios destas empresas deve corresponder ao referido
montante.
Até ao momento, o Banco Nacional de Angola autorizou a entrada em
funcionamento de duas (2) sociedades prestadoras de serviços de pagamentos,
trata-se das Sociedades B´weza, S.A. e da Syridian, Lda. que prestam serviços
de mobile money50.

3.7. Sociedades operadoras de sistemas de pagamentos, compensação ou


câmara de compensação

As sociedades operadoras do sistema de pagamento ou câmara de compen-


sação (SOSP) são instituições financeiras não bancárias que têm por objecto
a gestão de infra-estruturas ou de procedimentos centrais de subsistemas ou
de câmaras, nos termos permitidos por lei.
As SOSP têm por objecto as seguintes actividades: a) instalar, montar
e gerir todas as infra-estruturas e tecnologia de suporte dos sistemas de
49 
Esta informação encontra-se vertida em http://www.abanc.ao/sistema-financeiro/sistema-
-de-pagamentos-de-angola/ (consultado em 01.12.2017).
50 
Esta informação foi-nos disponibilizada pelo Banco Nacional de Angola.

64
INSTITUIÇÕES

pagamento nacional e internacional; b) assegurar a emissão pelos bancos e


respectiva gestão e controlo de cartões, que poderão revestir a forma de car-
tões de débito, de crédito ou outros, sem ferir os objectivos de promoção de
uma identidade uniforme, sólida, única e que transmita a credibilidade do
serviço de transferência electrónica, bem como assegurar a gestão e controlo
dos cartões já emitidos pelos bancos à época da constituição da sociedade;
c) celebrar contratos com entidades nacionais ou estrangeiras emissoras de
cartões de débito, de crédito ou outros; d) prestar quaisquer serviços de algu-
ma forma ligados a sistemas electrónicos de pagamentos, podendo, no âmbito
da prestação desses serviços, fornecer produtos e equipamentos informáticos
aos seus sócios, a prestatários dos seus serviços e a terceiros; e) instalar, montar
e gerir uma rede de terminais de pagamento automático que possibilite trans-
ferências no ponto de venda; g) instalar e gerir uma rede de caixas automáticas
que permita realizar o acesso aos serviços bancários sem recurso ao balcão
para consultas, transferências, pagamento de serviços, entre outras operações;
h) assegurar, gerir e controlar a operacionalidade de todos os equipamentos
inseridos nas redes de caixas automáticas, terminais automáticos de pagamen-
to e equipamentos de segurança centrais e terminais, incluindo a sua homo-
logação, aquisição, instalação, manutenção, substituição e suporte a clientes,
bem como o fornecimento de linhas de comunicação; i) desenvolver, instalar
e operar o sistema de transferência de fundos pelo valor bruto em tempo real,
observada a concepção desse sistema no âmbito do Sistema de Pagamentos
de Angola.
Como fizemos referência, o SPA é constituído pelo Subsistemas da Câmara
de Compensação Automatizada de Angola (CCAA) que integra o Subsistema
de Transferências a Crédito (STC) e o Subsistema Multicaixa. Este último
assegura o processamento de operações efectuadas com cartões bancários
válidos nos terminais da rede Multicaixa, com liquidação em tempo diferido,
dos saldos da compensação multilateral das operações realizadas com cartões
emitidos, ou em terminais apoiados, pelos participantes51. O Subsistema de
Transferências a Crédito (STC), assegura o processamento de transferências
de fundos ordenados pelos pagadores, com liquidação em tempo diferido,

Esta informação encontra-se vertida em http://www.abanc.ao/sistema-financeiro/sistema-


51 

-de-pagamentos-de-angola/ (consultado em 01.12.2017).

65
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

do resultado líquido da compensação multilateral das transferências a crédito


enviadas e recebidas pelos participantes52.
O regime jurídico das SOSP vem consagrado no Aviso n.º 06/2014, de
15 de Setembro, no Aviso n.º 08/2017, sobre a classificação dos subsistemas
de pagamento, e no Instrutivo n.º 02/09, de 24 de Março, que estabelece o
regulamento das câmaras de compensação e dos subsistemas de compensação
e liquidação. As SOSP devem ser constituídas sobre a forma de sociedade
anónima e devem adoptar o modelo de governação corporativa consagrado
na LBIF referente às instituições financeiras não bancárias.
De acordo com o artigo 5.º do Aviso n.º 08/17, o Banco Nacional de Angola é
o operador dos Subsistema de Pagamentos de Angola em Tempo Real (SPTR)
e do Subsistema de Gestão de Mercados e Activos (SIGMA). À Sociedade
Gestora do Sistema de Liquidação e do Sistema Centralizado de Valores Mo-
biliários cabe servir de operadora do sistema de compensação e liquidação de
valores mobiliários e outros instrumentos financeiros criados nos termos do
Código de Valores Mobiliários, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto.
Actualmente, o n.º 3 do artigo 5.º do Aviso n.º 08/2017, dispõe que a Em-
presa Interbancária de Serviços (EMIS) é a única sociedade operadora dos
subsistemas da CCAA, designadamente: Subsistema Multicaixa (MCX); Sub-
sistema de Transferências a Crédito (STC); Subsistema de Compensação de
Cheques (SCC); e o Subsistema de Débitos Directos (SDD).

52 
Esta informação encontra-se vertida em http://www.consumidorbancario.bna.ao/Con-
teudos_PC/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=14238&idsc=12312&idl=1 (consultado em
01.12.2017).

66
CAPÍTULO 4
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

Rosa Mangovo

Sumário: 1. Introdução. 2. Enquadramento. 2.1. Composição dos Órgãos.


2.2. Natureza Jurídica. 2.3. Atribuições. 3. Em Particular, a Regulação do BNA
Sobre o Dever de Informar e de Assistência das Instituições Financeiras Ban-
cárias na Relação com os Clientes. 4. Conclusão

1. Introdução

A actividade bancária é considerada a actividade basilar de todas as demais


actividades económicas. E por ser essencial e indispensável para o desenvol-
vimento económico e social, é que o poder político lhe tem reservado a maior
atenção, impondo-lhe regulamentação específica, cuidada e permanente1.
É imperiosa a necessidade de salvaguardar a confiança no sistema financeiro
perante os agentes económicos, sem a qual não é possível o funcionamento
da economia de modo proficiente2.
Neste capítulo começamos por fazer um enquadramento sobre o Banco
Nacional de Angola (BNA), nomeadamente no tocante à composição dos
seus órgãos, à sua natureza jurídica e às suas atribuições. Quanto à estrutura
orgânica do BNA, veremos que a mesma é composta por Governador, o Con-
selho de Administração, o Conselho de Auditoria e o Conselho Consultivo.

ARMINDO SARAIVA MATIAS, Direito bancário, Coimbra Editora, (1998), p. 17.


1 

Relatório do BdP, disponível em www.bportugal.pt.


2 

67
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Em relação à natureza jurídica do BNA, a Lei n.º 6/97, de 11 de Julho – Lei do


Banco Nacional de Angola qualificava expressamente o BNA como pessoa
colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira
com natureza de empresa pública, enquanto a actual LBNA3, não o qualifica
expressamente como tal. Daí que analisaremos se é ou não legítimo, à luz
da nova LBNA, considerar que o Banco Central tem a natureza de empresa
pública. Para responder a esta questão começaremos por fazer uma breve
comparação do regime jurídico consagrado na Lei de Bases do Sector Em-
presarial Público4 e na LBNA.
Tendo o BNA a função de assegurar a preservação do valor da moeda na-
cional e participar na definição das políticas, monetária, financeira e cambial,
no âmbito da supervisão comportamental, consagrada da LIF de 2005, far-se-á
uma análise dos instrumentos legais criados pelo Banco Central para proteger
o interesse dos consumidores dos serviços e produtos bancários.

2. Enquadramento

2.1. Composição Dos Órgãos

A estrutura orgânica do BNA é composta pelo Governador, o Conse-


lho de Administração, o Conselho de Auditoria e o Conselho Consultivo,
(art. 48º da LBNA)5.
O Governador é um órgão unipessoal que representa e responde pelo BNA
perante o Presidente da República, titular do Poder Executivo6 e perante a

3 
Lei n.º 16/10, de 15 de Julho.
4 
Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro.
5 
Diferentemente, no Banco de Espanha, o Vice-Governador é um dos órgãos que compõe a
estrutura orgânica do Banco Central (art. 17º da Ley 13/1994, de 1 de Junho).
6 
Compete ao titular do Poder Executivo superintender a administração indirecta (do art.
120º da CRA, DP n.º 7/10, de 5 de Março, no seu art. 3º, n.º 2). A superintendência, consiste
no poder de definir a orientação da actividade a desenvolver pelas pessoas colectivas públicas
que exerçam formas de administração indirecta», vide DIOGO FREITAS DO AMARAL,
Curso de direito administrativo, vol. I, 4.ª Reimpressão da 2.ª edição, Almedina, (2000), p. 719.

68
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

Assembleia nos termos da Constituição e da LBNA7. De referir ainda que o


Governador do BNA integra a influente Comissão Económica da Comissão
Permanente do Conselho de Ministros8
O Governador é nomeado pelo Presidente da República9 e exerce as suas
funções por um período de cinco anos renovável por iguais períodos, (art. 50º
da LBNA). Compete ao Governador representar o BNA, em juízo ou fora dele;
actuar, em nome do BNA, junto das instituições nacionais, estrangeiras ou
internacionais; convocar e presidir às reuniões do Conselho de Administração.
O Governador pode delegar nos Vice-Governadores10 ou em Administradores
parte da sua competência11. O Governador, no exercício das suas funções, é
coadjuvado pelos Vice-Governadores que assegurarão parte de funções que
lhes forem delegados pelo Governador. Em caso de ausência, impedimento
ou vaga do cargo de Governador, exercerá os seus poderes e funções o Vice-
-Governador mais antigo ou, em igualdade de circunstâncias, o mais velho12.
Em caso de falta, impedimento ou vacatura do cargo tanto do Governador,
7 
Vide art. 49º.
8 
Vide art. 19º, al. d), do DP n.º 8/10, de 5 de Março.
9 
Em Portugal o Governador e os demais membros do Conselho de Administração do Banco
de Portugal são escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e expe-
riência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária, e são
nomeados por Resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças,
(art. 27º, n.º 1, da LOBP). A LBNA é omissa em relação à questão da idoneidade e da experiência
profissional em matéria financeira e económica do Governador e demais Administradores.
A LBIF, nos seus arts. 31º e 32º, trata da questão da idoneidade e experiência profissional dos
órgãos de administração e fiscalização de uma instituição bancária, pelo que somos de opinião
que as referidas normas são extensivas ao Governador e os demais órgãos que compõe o BNA.
10 
Nos temos da Lei n.º 1/99, de 23 de Abril, o Conselho de Administração era composto
apenas por um Vice-Governador, o que podemos constatar na leitura dos art. 52º, n.º 1 e 2,
53º, 56º, al. a), 59º, 62º e 63º. De referir que nos órgãos que compõe o Conselho de Adminis-
tração do Banco Central de Cabo Verde não consta um Vice-Governador. A substituição do
Governador nas suas faltas e impedimentos, será feita pelo administrador mais antigo ou, em
igualdade de circunstâncias, pelo mais velho, (art. 37º da LOBCV). Já em Portugal os membros
do Conselho de Administração são inamovíveis, só podendo ser exonerados dos seus cargos
caso se verifique algumas das circunstâncias previstas no art. 14º, n.º 2 dos Estatutos do Sistema
Europeu dos Bancos Centrais/Banco Central Europeu. A referida exoneração é realizada por
Resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças. O exercício de
funções dos membros do Conselho de Administração cessa ainda por termo do mandato,
por incapacidade permanente, por renúncia ou por incompatibilidade, (art. 33º da LOBP).
11 
Vide art. 51º e 63º da LBNA.
12 
Vide art. 52º da LBNA.

69
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

como dos Vice-Governadores, exercerá os poderes e funções do Governador


o Administrador mais antigo ou, em igualdade de circunstâncias, o mais ve-
lho. Nos termos do art. 55º da LBNA, o Governador e os Vice-Governadores
dedicam tempo integral ao serviço do BNA e, durante os seus mandatos, não
podem exercer qualquer outra actividade, remunerada ou não, excepto se
actuarem como membros de qualquer conselho ou comissão nomeada pelo
Estado13.
Os membros do Conselho de Administração são nomeados pelo Presidente
da República, sob proposta do Governador1415. O Conselho de Administra-
ção é composto pelo Governador, que preside, por dois Vice-Governadores
e por quatro a seis Administradores16. Os administradores do BNA e os Vice-
-Governadores são nomeados pelo Presidente República, sob proposta do
Governador, e exercem as suas funções por um período de cinco anos, re-
novável por iguais períodos. Os Administradores exercem as suas funções
por um período de cinco anos, renovável por uma só vez, por igual período.
Em Portugal, os membros do Conselho de Administração exercem os res-
pectivos cargos também por um prazo de cinco anos, renovável por uma vez,
mas, diferentemente do legislador angolano, a renovação é feita mediante
Resolução do Conselho de Ministros. Constatamos que o legislador angolano
não limita o número de mandatos para as funções de Governador e de Vice-
-Governador, mas já o faz relativamente aos Administradores, cujos mandatos
não podem exceder dez anos.
O Conselho Administração é o órgão responsável pelas políticas e admi-
nistração do BNA, decide a orgânica de funcionamento dos serviços e aprova
os regulamentos internos necessários17. O Conselho de Administração reúne
ordinariamente uma vez por mês e extraordinariamente sempre que con-
vocado pelo Governador ou a pedido da maioria dos seus membros. Para o
Conselho de Administração deliberar validamente é indispensável a presença

13 
Vide art. 19º, al. d), do DP n.º 8/10, de 5 de Março.
14 
Vide art. 57º da LBNA.
15 
Nas empresas publicas de interesse estratégico, os membros do Conselho de Administraçao
são nomeados e exonerados pelo Titular do Poder Executivo (art. 46./2 da LBSEP)
16 
Vide art. 58º da LBNA.
17 
Vide art. 59º da LBNA de referir que as competências dos órgãos sociais das empresas com
domínio público estão fixadas na Lei das Sociedades Comerciais.

70
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

da maioria absoluta dos membros em exercício. Não se consideram em exer-


cício os membros do Conselho impedidos por motivo de serviço fora da sede
ou por motivos de doença18.
No Conselho de Auditoria do BNA, três dos cinco membros que compõem
o referido Conselho são designados pelo Ministro das Finanças (arts. 37.º n.º 1
e 66.º da LBNA e a al. c) do art. 2.º do EOMF), sendo os restantes designados
pelos trabalhadores do BNA.
Finalmente, o Conselho Consultivo é um órgão alargado de consulta do
Conselho de Administração e é constituído pelo Governador do BNA, que
preside, e pelos Vice-Governadores e Administradores, um representante do
Ministério da Coordenação Económica do Executivo, Directores do BNA,
um representante das instituições financeiras bancárias e não bancárias su-
pervisionadas pelo BNA, Delegados do BNA nas Províncias e o Presidente
do Conselho de Auditoria19.
A competência para a nomeação do Governador, Vice-Governadores e
Administradores que compõem a estrutura orgânica do BNA é, nos termos
legais, do Presidente da República, na qualidade de titular do Poder Execu-
tivo. Apesar de o Banco Central angolano ser um órgão autónomo em termos
administrativos e financeiros, não está de todo afastado do Estado, uma vez
que se enquadra no âmbito da administração indirecta daí que, como fala-
remos no ponto a seguir, é a partir do Banco Central que o Estado intervém
no sistema financeiro20.

2.2. Natureza Jurídica

O BNA21 é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia


administrativa, financeira e patrimonial, nos termos do art. 1º da Lei n.º 16/10,

18 
Vide art. 61º da LBNA.
19 
Vide art. 74º da LBNA.
20 
Cfr. o ponto 2.2, a propósito da natureza jurídica do BNA.
21 
O Banco Central angolano foi criado após independência da República de Angola, atra-
vés da Lei n.º 69/76, de 11 de Novembro, publicado no Diário da República n. 266 – 1ª Série.
É importante referir que a Lei 69/76, de 11 de Novembro, alterou consideravelmente o sistema
bancário angolano, houve uma separação institucional das funções do Banco Central das do
banco comercial, o BNA foi instituído como o Banco dos bancos, foi colocado na condição de

71
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de 15 de Julho22. A Lei n.º 6/97, de 11 de Julho23, já revogada, qualificava o BNA


como “pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa
e financeira, com natureza de empresa pública”, enquanto na actual LBNA,
no seu art. 1º sob a epígrafe “natureza”, o legislador, ao invés da anterior, não
qualifica expressamente o BNA como sendo empresa pública. Assim sendo,
importa questionar se o BNA mantém ainda a natureza de empresa públi-
ca ou se ao abrigo da Lei de Bases do Sector Empresarial Público podemos
qualificá-lo como empresa com domínio público.
Com o intuito de responder a esta questão, para uma devida contextua-
lização dos poderes do BNA, importa proceder a uma análise comparada
do regime jurídico consagrado na actual LBNA e na Lei n.º 11/13, de 3 de
Setembro24, designada Lei de Bases do Sector Empresarial Público (LBSEP).
A Lei n.º 9/95, de 15 de Setembro25, estipulava que “são empresas públicas as
unidades económicas criadas pelo Estado, através dos mecanismos estabeleci-
dos na presente lei, com capitais próprios ou fornecidos por outras entidades
públicas, destinadas à produção e distribuição de bens e à prestação de servi-
ços, tendo em vista a prossecução de interesses públicos e o desenvolvimento
da economia nacional”26. A Lei n.º 11/13 é mais abrangente na medida em que,
para além das empresas públicas27, abrange também as empresas com domínio
público28 e as participações públicas minoritárias29, contemplando assim as
empresas em que o Estado detém posição maioritária ou dominante, bem
como aquelas em que a sua participação é minoritária. Contudo, surpreen-
dentemente, o legislador eliminou o conceito de empresa pública remetendo

orientador e supervisor de todo o sistema, uma vez que, funcionava igualmente como banco
comercial, o que permitiu um maior reforço e autonomia do Banco Central, na definição e
execução dos seus objectivos e conferiu uma maior competitividade aos bancos comerciais.
22 
Revoga a Lei n.º 6/97, de 11 de Julho, que revogou a Lei n.º 4/97, de 20 de Abril, que por
sua vez revogara a Lei n.º 69/76, de 11 de Novembro.
23 
Anterior LBNA.
24 
Lei de Bases do Sector Empresarial Publico (LBSEP).
25 
Lei da s Empresas Públicas revogada pela Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro
26 
Vide art. 1º.
27 
São aquelas que, por diploma legal, assim são expressamente qualificadas (art. 3.º LBSEP).
28 
São as sociedades comerciais criadas ao abrigo da Lei das Sociedades Comerciais, em que
o Estado directamente, ou através de entidades públicas, exerce isolada ou conjuntamente
uma influência dominante (cfr. art. 4.º da LBSEP).
29 
Vide art. 2.º, alíneas b) e c).

72
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

para uma qualificação casuística30. Não obstante, cremos que, honrando a


tradição jurídica existente, mantém-se aquela noção. O art. 8º do mesmo di-
ploma, sob a epígrafe “direito aplicável”, estipula que “as empresas públicas e
as empresas com domínio público regem-se pela presente Lei, pelos diplomas
que aprovam os respectivos estatutos e, no que não estiver especialmente
regulado, pelo direito privado”. Já o BNA “rege-se pelas disposições da sua
própria lei estatutária31 e dos regulamentos que venham a ser adoptados em
sua execução, bem como pelas normas da legislação reguladora da actividade
das Instituições Financeiras, quando aplicáveis, e pelas normas e princípios do
direito privado. No exercício de poderes públicos de autoridade são aplicáveis
as normas e princípios respeitantes aos actos administrativos do Estado”32.
De referir ainda que os trabalhadores do BNA estão sujeitos à LBNA, ao re-
gime jurídico do contrato de trabalho e ao regulamento interno do BNA, não
lhes sendo aplicável o regime jurídico dos trabalhadores da função pública33.
Os trabalhadores das empresas públicas ou com domínio público estão sujeitos
à legislação de trabalho em vigor no País34.
Quanto à forma de criação de empresas públicas, consagra o art. 40.º35
que depende do interesse da empresa, pois as empresas publicas de interesse
estratégico36 são criadas por Decreto Presidencial e as restantes empresas
publicas são criadas por Decerto Executivo Conjunto do Ministro responsável
pelo Sector Empresarial Publico e do Ministro responsável pelo sector da
actividade37, e a denominação das empresas publicas deve integrar a expres-
são “empresa publica” ou “EP”, as empresas publicas estão sujeitas a registo

30 
Art. 3.º, n.º 1 da LBSEP
31 
Lei n.º 16/10, de 15 de Julho.
32 
Vide art. 94.º, n.º 1 e 2, da LBNA.
33 
Vide art. 80.º da LBNA.
34 
Vide art. 34.º da LBSEP
35 
Alteração introduzida pela LBSEP.
36 
Cfr. são consideradas como sendo de interesse estratégico as seguintes actividades: inserção
em sectores de actividade de reserva relativa ou absoluta do Estado; titularidade de infra-
-estruturas de domínio exclusivo do Estado; importância para o cumprimento dos objectivos
fundamentais do programa de desenvolvimento do Pais; prestação de serviços e a produção
de bens de utilidade publica; e volume de investimentos efectuados ou previstos pelo estado
(cfr. art. 13.º LBSEP)
37 
Vide art. 12.º da LBSEP.

73
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

comercial nos termos gerais (artigo 55. da LBSEP). O o BNA também está
sujeito a registo (art. 101.º da LBNA).

Os membros do Conselho de Administração do BNA são nomeados pelo


titular do Poder Executivo38, sob proposta do Governador39. São órgãos das
empresas publicas o Conselho de Administração e o conselho fiscal. Os mem-
bros do Conselho de Administração das empresas de interesse estratégico
são nomeados e exonerados pelo Titular do Poder Executivo e nas restantes
empresas os membros do Conselho de Administração são nomeados e exone-
rados pelo Ministro responsável pelo Sector Empresarial Público, sob proposta
do Ministro que Tutela o Sector da Actividade onde a empresa exerce a sua
actividade por delegação do Titular do Poder Executivo40.

Pronunciando-se quanto à natureza jurídica do BNA, VÁLTER FILIPE é


de opinião que com a Lei n.º 16/10, de 15 de Julho, ao reformular a natureza
jurídica do Banco Central, o mesmo deixa de ter a natureza objectiva de
empresa pública. Defende igualmente que para se adequar ao novo modelo
de governação, fez-se, por iniciativa do Executivo angolano, uma alteração à
natureza jurídica do BNA e às suas competências, atribuindo-lhe assim uma
nova natureza institucional, consentânea com a nova Constituição económica
e a nova estrutura da organização do sistema das finanças públicas. Ao não
estabelecer, expressamente, a natureza jurídica de empresa pública, e ao con-
dicionar a constituição do BNA ao registo comercial41, o legislador pretendeu
manter o BNA num posicionamento institucional societário, com implicações
ao nível da sua eficácia jurídica e da sua estrutura orgânico-funcional42.

38 
O art. 108.º, n.º 1, da CRA, define que o Presidente da República é o titular do Poder Exe-
cutivo, o que significa que as competências em matéria administrativa que estavam a cargo do
Governo passam para o Presidente da República trazendo consigo consequências funcionais.
Não existindo Governo, nem Conselho de Ministros, com competências decisórias compete
ao Presidente da República assumir as mesmas ao abrigo da nova lei fundamental.
39 
Vide art. 57º da LBNA.
40 
Arts. 45º e 46. da LBSEP.
41 
Vide art. 101.º da LBNA.
42 
Vide VÁTER FILIPE, O BNA no novo sistema do governo em Angola, disponível em http://
jornaldeangola.sapo.ao/19/0/o_bna_no_novo_sistema_de_governo_em_angola

74
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

Perfilhamos, a este propósito, um entendimento diverso. Cremos, a um


tempo, que o BNA não poderá qualificar-se como uma sociedade comercial43,
apesar da sujeição legal da referida instituição ao registo comercial. Com
efeito, as sociedades comerciais são constituídas por contrato e têm finalida-
de lucrativa. Já o BNA foi criado por lei, os seus órgãos são nomeados pelos
membros do Estado e visa a prossecução do interesse público, distinto do
escopo lucrativo próprio das sociedades comerciais.
O Banco Central angolano é criado por lei, é da competência do órgão
de soberania central em matéria de política económica, nomeadamente o
Presidente da República na qualidade de chefe de Estado e Titular do Poder
Executivo e o Ministro das Finanças na qualidade de auxiliar do Presidente
da República, nomear e exonerar os membros que compõe a sua estrutura
orgânica.
No âmbito da LBSEP, é da competência do Titular do Poder Executivo a
iniciativa para a criação de empresas de interesse estratégico. Será legitimo
considerar o BNA como empresa de interesse estratégico, por ser o único
órgão no País que assegura a preservação da moeda nacional e participa da
definição das políticas, monetária, financeira e cambial no Pais. Ainda que a
nossa resposta seja afirmativa, a referida lei consagra que são empresas pú-
blicas as que por diploma legal, são expressamente qualificadas como tal e a
respectiva denominação deve integrar a expressão “EP”.
Assim sendo, “é um organismo autónomo criado e sujeito à superinten-
dência do Estado. Tem como finalidade prosseguir os fins deste, ou seja, a
sua actividade é desenvolvida no interesse do Estado. Este dispõe, em regra,
do poder de nomear e demitir os dirigentes desse organismo, do poder de
lhe dar instruções e directivas acerca do modo de exercer a actividade e do
poder de fiscalizar e controlar a forma como a actividade é desempenhada”44.

Do exposto concluímos que, o BNA é uma autoridade administrativa inde-


pendente com um regime jurídico próprio45 ou seja, com um regime jurídico

43 
Daí afastarmos a possibilidade do Banco Central ser qualificado com natureza de empresa
com domínio público (cfr. arts. 4.º e 16.º da LBSEP)
44 
DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit, pp.332-338.
45 
Vide JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, CRP Anotada, Tomo II, Coimbra Editora,
(2006), p. 211.

75
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

sui generis, e que ocupa o topo da hierarquia do sistema financeiro. É através


do BNA que o Estado intervém no sistema financeiro, sendo aquele indepen-
dente devido aos poderes que lhe são legalmente conferidos, nomeadamente
o poder regulamentar, de dar instruções, de autorizar, de inspeccionar e de
sancionar as instituições financeiras submetidas à sua supervisão.

2.3. Atribuições

A principal função do BNA, como Banco Central e emissor46, é a de asse-


gurar a preservação do valor da moeda nacional e participar na definição das
políticas monetária, financeira e cambial47. Enquanto instrumento do Estado
para a definição e execução da política monetária e financeira, o BNA exerce
poderes de grande importância, que se traduzem em autênticos poderes nor-
mativos48, sobre todo o sistema financeiro, e é nomeadamente, dotado de po-
deres de supervisão sobre as instituições financeiras. Para além da condução,
execução, acompanhamento e controlo das políticas monetária, financeira,
cambial e de crédito no âmbito da política económica do poder executivo,
compete ainda ao BNA: actuar como banqueiro único do Estado; aconse-
lhar o Executivo nos domínios monetários, financeiro e cambial; participar
com o poder executivo na definição, condução, execução acompanhamento

46 
O BNA detém o direito exclusivo de emissão de notas e moedas metálicas, as quais têm
curso legal e poder liberatório. O poder liberatório das notas é ilimitado. Detém ainda o direito
exclusivo da emissão de moedas comemorativas, (art. 6.º da LBNA). O Banco de Portugal, ao
contrário do BNA, não detém o direito exclusivo de emissão de notas com curso legal no país.
A revisão constitucional portuguesa de 1992 veio afastar a referência às funções de emissão,
tendo em conta a criação da moeda única europeia, prevista no Tratado de Maastricht (União
Europeia) de 1992, da competência do Banco Central Europeu (BCE), nos termos do seu
art. 105.º-A. O direito exclusivo de autorizar a emissão de notas de banco na comunidade é do
BCE, podendo as notas ser emitidas por esse Banco Central e pelos Bancos Centrais nacio-
nais. Estes continuarão a emitir moeda metálica, mas sob a aprovação do BCE quanto ao seu
montante, nos termos dos art. 102.º da CRP, 6.º da LOBP e 106.º do Tratado da Comunidade
Europeia. Para mais desenvolvimento, vide J.J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA,
CRP Anotada, 3.ª edição, Coimbra, (1993), p. 455.
47 
Vide arts. 100.º/ 1, da CRA e 3.º da LBNA.
48 
De frisar, igualmente, o poder fiscalizador e sancionatório, através de avisos, directivas,
instruções e circulares (art. 93.º da LBNA).

76
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

e controlo a política cambial e respectivo mercado; velar pela estabilidade do


sistema financeiro nacional, assegurando a função de financiador de última
instância; gerir as disponibilidades externas do país que lhe estejam come-
tidas; participar na programação financeira anual de executivo, de modo a
compatibilizar a gestão das reservas cambiais com o crédito a conceder pelo
BNA com as necessidades de estabilização e desenvolvimento da economia;
garantir e assegurar um sistema de informação, compilação e tratamento
das estatísticas monetárias, financeiras e cambiais e demais documentação;
elaborar e manter actualizado o registo completo da dívida externa do país,
assim como efectuar a sua gestão; elaborar a balança de pagamentos externos
do País49. Compete ainda ao BNA supervisionar as instituições de crédito
domiciliadas em Angola, zelar pela solvabilidade e liquidez das mesmas. Para
assegurar a supervisão das instituições financeiras50, compete ao BNA, em
especial, apreciar os pedidos de constituição das referidas instituições, bem
como a fusão, cisão ou modificação de objecto das mesmas; apreciar a idonei-
dade e aptidão dos Administradores e Directores das instituições financeiras;
emitir instruções que as instituições abrangidas devem obedecer; fiscalizar o
cumprimento de todas as relações prudenciais que as instituições financeiras
devem observar com o fim de garantir a respectiva liquidez e solvabilidade;
dispensar temporariamente o cumprimento de determinadas obrigações,
designadamente às instituições em que se verifique uma situação que possa
afectar o seu regular funcionamento ou os dos sistemas monetário e financeiro;
realizar inspecções às instituições de crédito sujeitas a sua supervisão e aos
respectivos estabelecimentos; consultar todos os ficheiros, livros e registos, e
obter comprovativos das operações, registos contabilísticos, contratos, acordos
e demais documentos que entenda necessários ao exercício da sua função

49 
Art.16.º da LBNA.
50 
São instituições financeiras bancárias os bancos, as empresas cuja actividade principal
consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os apli-
car por conta própria, mediante a concessão de crédito e as Instituições de Microfinanças
(art. 2.º, n.ºs 13 e 15 e art. 6.º da LBIF). Para mais desenvolvimento sobre a actividade principal
dos bancos, vide FERNANDO CONCEIÇÃO NUNES, Recepção de Depósitos e outros Fundos
Reembolsáveis, In Direito Bancário: Atas do Congresso Comemorativo do 150.º Aniversário
do Banco de Portugal de 22-25 de Outubro de 1996.

77
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de supervisão51. O BNA tem ainda a incumbência de regular e orientar os


mercados monetário e cambial52.

O BNA é a autoridade de supervisão das instituições financeiras bancárias


em Angola. Importa referir que em Portugal, ao contrário da realidade ango-
lana, a superintendência do mercado monetário, financeiro e cambial compete
ao Ministério das Finanças. Quando nos mercados monetário, financeiro e
cambial se verifique perturbação que ponha em grave perigo a economia
nacional, poderá o Governo, por Portaria conjunta do Primeiro-Ministro e do
Ministro das Finanças, e ouvido o Banco de Portugal, ordenar o encerramento
temporário de instituições de crédito53. Em Angola, ao invés, entre o BNA
e o Ministério das Finanças existe o dever de colaboração na preparação do
Orçamento Geral do Estado54, e, na emissão da dívida pública titulada é feita,
ouvido o Governador do BNA, sem prejuízo da participação do Governador
do BNA, no âmbito da Comissão Económica da Comissão Permanente do
Conselho de Ministros.

De realçar que, apesar das várias atribuições legalmente estipuladas a cargo


do Banco Central, tendo em atenção o crescimento e os inúmeros desafios que
atravessa o sector financeiro bancário angolano e a necessidade de resgate da
credibilidade a nível internacional, neste capítulo centrar-nos-emos apenas
em dois temas: dever de informar e de assistência das Instituições financeiras
bancárias na relação com os clientes e medidas adoptadas para Combater o
Branqueamento de Capitais e Financiamento ao Terrorismo.

51 
Vide arts. 20.º e 21.º da LBNA.
52 
Vide art. 64.º da LBIF.
53 
Art. 91.º do RGICSF.
54 
Vide art. 37.º, n.º 1 da LBNA.

78
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

3. Em Particular, a Regulação do BNA Sobre o Dever de Informar e de


Assistência das Instituições Financeiras Bancárias na Relação com os
Clientes

Importa agora analisar uma concretização particular da regulação do BNA,


que se prende com a imposição de deveres de prestação de informação aos
clientes às instituições financeiras. Para o efeito, são reconstituídas abaixo as
finalidades e as implicações de tal regulação.
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica a quem sejam fornecidos bens
e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e que os utiliza como destinatário
final, por quem exerce uma actividade económica que vise a obtenção do lu-
cro55. A defesa do consumidor apresenta-se, hoje, como uma tarefa do Estado56.
O consumidor tem direito à qualidade dos bens e serviços, à informação e escla-
recimento, à garantia dos seus produtos e à protecção na relação do consumo57.

O direito à informação do consumidor implicará a adopção de medidas,


públicas e privadas, tendentes a assegurar a formação permanente do consu-
midor, bem como uma informação completa e leal sobre os bens e produtos
oferecidos, capaz de possibilitar uma decisão informada, consciente e respon-
sável. O direito dos consumidores à informação, com o correspectivo dever de
informar por parte dos fornecedores, é crucial nas situações caracterizadas
pela profunda assimetria de informação entre uns e outros, como sucede,
por exemplo, nos serviços financeiros58. Aqui, conforme escreve VIEIRA DE
ANDRADE, “a liberdade contratual não é suficiente para proteger os consu-
midores, na medida em que estes não determinam efectivamente o conteúdo
dos contratos que são obrigados a celebrar, seja porque não estão em condições
de avaliar de forma esclarecida a qualidade dos bens e serviços, pela sua com-
plexidade técnica, seja porque o contrato não é negociado individualmente,
mas pré-formulado pela contraparte que fornece o bem ou presta o serviço”59.

55 
Vide art. 3.º, n.º 1, da LDC.
56 
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Da Natureza Civil do Direito do Consumo, In Revista o
Direito, IV ano 136.º, Almedina, (2004), p. 605.
57 
Vide art. 78.º e 89.º, n.º 1, alínea h), da CRA.
58 
J. J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, ob. cit., (2007), p. 781.
59 
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 46-47.

79
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

No sentido de dar cada vez mais protecção e atenção ao consumidor ban-


cário, o BNA criou o Departamento de Supervisão Comportamental com
o propósito de melhor assegurar os direitos dos consumidores de produtos
e serviços financeiros. Foi além disso, criado um portal da Provedoria do
Cliente Bancário, no site da internet do BNA, o que garante maior protecção
e segurança ao consumidor bancário.
É ponto assente o interesse e a necessidade que o BNA tem demonstra-
do, na protecção dos consumidores dos produtos e serviços bancários com a
criação de normativos, para o efeito60.

Contudo, não basta a criação de normativos, são necessários mais acções


de formações aos trabalhadores bancários, com vista a melhoria da prestação
dos seus serviços, a aplicabilidade prática das mesmas mostra-se importante
e fundamental, assim como um controlo efectivo e eficaz do cumprimento
pelos destinatários, e aplicação de sanções aos incumpridores, nos termos
legalmente previstos, quando necessário.

A regulação do sector financeiro obedece a padrões específicos, visando-


-se a promoção do respectivo mercado e a tutela dos investidores e consu-
midores dos respectivos serviços61. As medidas jurídicas tomadas com vista
a fazer face a crise financeira mundial visaram defender o consumidor final
de produtos e serviços financeiros – ou pelo menos, todas elas se reclamaram
dessa finalidade62.

60 
Além dos normativos publicados em 2011 e 2012, recentemente foram publicados mais
legislação com vista a acautelar o interesse do consumidor dos serviços e produtos financei-
ros, nomeadamente o Aviso n.º 12/16, de 5 de Setembro, Aviso n.º 13/16, de 5 de Setembro, e
o Aviso n.º 14/16, de 7 de Setembro.
61 
PEDRO DE ALBUQUERQUE / MARIA DE LURDES PEREIRA, A Responsabilidade Civil
das Autoridades Reguladoras e de Supervisão por Danos Causados aos Agentes Económicos e Investidores
no Exercício de Actividades de Fiscalização ou Investigação, In Revista o Direito, Lisboa, (2004),
pp. 206-207.
62 
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, A Tutela do Consumidor dos Produtos Financeiros e a
Crise Mundial de 2007/2010, In Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia,
vol III Coimbra Editora, (2010) p. 578.

80
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

Neste contexto, é necessário que o BNA crie condições para reforçar a


confiança dos clientes ou consumidores nas instituições de crédito, mediante a
realização de mais acções de fiscalização e inspecção das mesmas, a divulgação
de informações no sentido de haver uma maior transparência, cumprimento
das normas e regulamentos emanados pelo Banco Central, e aplicação de
sanção aos incumpridores, contribuindo assim para a redução da assimetria
de informação e promoção da estabilidade do sector.
Ao BNA compete estabelecer os requisitos mínimos que as instituições
financeiras devem satisfazer na prestação de informação aos seus clientes e
nomeadamente na divulgação ao público das condições em que prestam os
seus serviços. As instituições bancárias devem informar, de forma clara e ine-
quívoca, sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos, sobre as
taxas de juro e condições de concessão de crédito assim como sobre o preço
dos serviços prestados e outros suportados por aqueles63.

Conforme sabemos, “na prática não é possível estabelecer uma vinculação


de negócios com determinado banco sem que nisso se interponha o problema
das cláusulas contratuais gerais64. O perigo decorre da circunstância de as
instituições financeiras bancárias se aproveitarem destas cláusulas para trans-
ferirem riscos, de forma sistemática, para a contraparte”65. Daí que antes da
celebração de um contrato ou da aquisição de um produto ou serviço bancário,
o cliente deve avaliar previamente as condições que lhe são apresentadas pelas
instituições financeiras bancárias, analisando os respectivos custos, remune-
ração e eventuais riscos. As instituições financeiras bancárias devem prestar
ao público informação sobre os serviços e produtos que comercializam de
forma completa, verdadeira, actual, a qual deve ser expressa em linguagem
clara e objectiva. Com a finalidade de garantir a transparência e a compara-
bilidade dos produtos oferecidos, a referida informação deve ser prestada ao
público antes da celebração do contrato, durante a sua vigência e contemplar

63 
Vide art. 73.º da LBIF.
64 
Art. 19.º, n.º1 da LDC (contratos de adesão) e a Lei n.º 04/03, de 18 de Fevereiro – Lei sobre
as Cláusulas Gerais dos Contratos.
65 
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p.308.

81
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

a especificação correcta das características, qualidade, composição, taxas,


comissões e despesas66.

Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das


instituições financeiras bancárias devem proceder com diligência, lealdade,
discrição e respeito conscienciosos dos interesses que lhe estão confiados67.
A conduta adequada das instituições no relacionamento com os seus clientes
é um elemento essencial para assegurar o justo funcionamento do mercado
bancário e a confiança dos cidadãos no sistema financeiro, visto que a estabi-
lidade financeira depende, de forma crucial, de preservação da confiança dos
cidadãos nas instituições financeiras bancárias68. Porque quando a confiança
do mercado e a protecção dos consumidores não são acautelados, a perda de
confiança no sistema impede que este desenvolva eficientemente a sua fun-
ção69. É importante referir que, a perda de confiança no mercado bancário fará
com que haja mais dinheiro no mercado informal e menos dinheiro no sistema
financeiro, o que certamente dificultará o processo da inclusão financeira e o
aumento da taxa de bancarização, pressupostos da estabilidade do sistema.

Em caso de publicidade70 das instituições financeiras contrárias à lei ou


susceptíveis de induzir o público em erro71, o BNA pode ordenar a suspensão
imediata ou determinar as adequadas modificações ou rectificações de acções
publicitárias72. Conforme afirma CARLOS CAMPOS, os fornecedores ou
prestadores de serviços não só são mais fortes que os consumidores, como

66 
Fonte: www.consumidorbancario.bna.ao.
67 
Vide os art. 71.º da LBIF.
68 
Vide o Relatório do BdP, disponível em www.bportugal.pt.
69 
Vide o Relatório do BdP, disponível em www.bportugal.pt.
70 
Vide art. 78.º, n.º 3, da CRA, art. 21.º da LDC e art. 18.º do Aviso n.º 05/2012, de 29 de Março).
A publicidade tem uma grande relevância constitucional porque abrange os direitos que não
são senão manifestações de direitos fundamentais, nomeadamente o direito à informação.
Vide JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, CRP Anotada, tomo I, Coimbra Editora, (2005),
pp. 617-618.
71 
As publicidades estão sujeitas ao princípio da veracidade, sendo proibida a publicidade
enganosa (que induza ou possa induzir em erro os seus destinatários). vide J. J. GOMES CANO-
TILHO / VITAL MOREIRA, CRP Anotada, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, (2007), p. 783.
72 
Vide art. 86.º da LBIF. De reforçar ainda, que a sanção em caso de violação das normas
sobre a publicidade esta consagrada no art. 150.º al. h) da LBIF.

82
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

também se encontram melhor organizados e informados que os últimos73,


sendo fato assente, que tem mais informação se submete a um risco mais
reduzido. Daí a necessidade de o Estado “intervir na criação das condições e
na imposição das restrições às liberdades e direitos económicos, que garantam
a defesa de legítimos interesses públicos ou privados (….)”74. A publicidade de
bens e serviços, para além de ser protegida, embora com restrições, enquanto
componente da liberdade económica e da concorrência numa economia de
mercado, que abrange necessariamente a liberdade de publicidade, constitui
também um mecanismo de informação dos consumidores e de promoção da
sua liberdade de escolha75. O dever de informar nasce da natureza funda-
mental específica da actividade bancária e da necessidade de uma especial
protecção dos interesses dos clientes bancários76. Uma das traves mestras das
regras de conduta constitui o dever de informar adequadamente os clientes77.
A instituição financeira bancária, nas suas relações com os clientes, deve:
agir com competência, diligência, prudência, boa fé, de modo a não defraudar
o cliente de forma deliberada, negligente, imprudente, abusiva, coerciva ou
por propaganda enganosa nos termos da lei; respeitar o direito do cliente
escolher e mudar de produtos ou serviços, desde que se adequa às suas neces-
sidades e à sua situação financeira, bem como de instituição financeira; obter
do cliente informações relevantes e necessárias para aferir da capacidade de
cumprimento das suas obrigações relativas aos produtos e serviços solicitados;
informar por escrito, de forma clara e compreensível, as taxas, comissões e
outras despesas cobradas nas operações; garantir que os dados pessoais dos
clientes bem como das suas operações não sejam usados para outros fins, ex-
cepto para o cumprimento de instruções do cliente e das normas emanadas
pelo BNA ou quando exista outra disposição legal que expressamente limite
o dever de segredo78, possibilitar ao cliente o acesso a mecanismos adequa-
dos e funcionais de reclamação para a resolução de problemas de maneira

73 
CARLOS DA SILVA CAMPOS, Contratos de Adesão e Defesa do Consumidor, Instituto Nacional
da Defesa do Consumidor, (1990), p. 3.
74 
MARIA EDUARDA GONÇALVES, Direito da Informação, Almedina, Coimbra, (1994), p. 22.
75 
J. J. GOMES CANOTILHO / VITAL MOREIRA, ob. cit., (2007), p. 184.
76 
AUGUSTO DE ATHAYDE, AUGUSTO ALBUQUERQUE DE ATHAYDE e DUARTE
DE ATHAYDE, Curso de Direito Bancário, vol I, 2.ª edição, Coimbra Editora, (2009), p. 493.
77 
ARMINDO SARAIVA MATIAS, Direito…., (1998) p. 84.
78 
Art. 76.º e ss da LBIF e os art. 9..º e 10º do Aviso n.º 2/2011, de 1 de Junho.

83
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

diligente; utilizar recursos, procedimentos, sistemas e controlos necessários


para garantir a conformidade com estas e outras normas vigentes e dispor de
um livro de reclamações nas suas instalações79.

Em relação aos deveres de assistência a que as instituições financeiras


estão adstritas, de referir que o cliente bancário adquire um conjunto de
direitos e deveres quando obtém produtos ou serviços financeiros prestados
pelas instituições financeiras, pois estes têm o dever de esclarecer de forma
adequada para que o cliente esteja em condições de avaliar se o contrato de
crédito proposto se adapta às suas necessidades e à sua situação financeira.

Na fase pré-contratual, as instituições financeiras bancárias devem entre-


gar ao cliente uma ficha de informação normalizada contendo a informação
necessária para uma completa caracterização da proposta do crédito. Com a
comunicação da aprovação do empréstimo as instituições financeiras devem
entregar aos clientes uma nova ficha de informação normalizada que incorpore
as condições de empréstimo aprovadas80, bem como a minuta do contrato a
celebrar a qual deverá reflectir as condições acordadas. Durante a vigência do
contrato as instituições financeiras bancárias devem disponibilizar aos seus
clientes um extracto mensal81 que inclua os seguintes elementos: montante do
capital em dívida à data da emissão do extracto, montante do juro, comissões
e despesas a pagar pelo cliente na prestação seguinte.
De referir ainda que, adicionalmente, sempre que ocorra alteração da taxa
de juro prevista no contrato, as instituições financeiras devem comunicar ao
cliente com uma antecedência mínima de quinze dias; se ocorrer alguma
alteração das condições contratuais com reflexo no valor da prestação, as ins-
tituições financeiras devem informar os seus clientes com uma antecedência
mínima de trinta dias; em caso de incumprimento de obrigações contra-
tuais por parte do cliente, v.g. o atraso de pagamento de prestação mensal, as

79 
Cfr. o art. 3.º do Aviso n.º 05/2012, de 29 de Março, (normas de conduta).
80 
Vide Aviso n.º 2/14, de 28 de Março, art. 5.º da Aviso 14/16, de 7 de Setembro.
81 
O extracto mensal deve permitir ao cliente bancário acompanhar a evolução do seu em-
préstimo e conhecer antecipadamente todas as alterações que possam ocorrer no valor da
prestação e de outros encargos associados. Disponível em www.consumidorbancario.bna.ao.

84
O BANCO NACIONAL DE ANGOLA

instituições financeiras bancárias devem informá-lo sobre as prestações ou


outros valores em dívida à data da emissão do extracto82.

De frisar que sobre o cliente também impendem alguns deveres, nomeada-


mente de prestar à instituição financeira informações verdadeiras e completas
sobre a sua situação económica para que a instituição possa calcular de forma
correcta o risco do empréstimo que concede; de comunicar prontamente à ins-
tituição financeira as alterações de morada, estado civil, regime de casamento
e outras circunstâncias e ainda o dever de pagar pontualmente as prestações
e comissões bancárias acordadas, guardar a cópia da documentação relativas
ao pagamento das prestações83.

Consagra igualmente a lei84 que no fornecimento de bens e serviços que


envolva a concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deve, entre
outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre: o preço do bem
ou serviço em moeda corrente nacional; o montante dos juros de mora e da
taxa efectiva anual de juros; os acréscimos legalmente previstos; o número e
a periodicidade das prestações e o valor total a pagar.
Relativamente as reclamações dos clientes a nova LBIF, diferente da LIF
revogada, introduziu uma inovação, pois o Cliente pode apresentar as suas
reclamações directamente ao BNA, sem previamente as apresentar à insti-
tuição financeira bancária85.
Por fim, é importante referir que as instituições financeiras bancárias são
responsáveis pelos prejuízos causados aos consumidores dos seus produtos e
serviços, assim como pelos danos que possam ocorrer na execução em termos
ilícitos de uma operação86.

82 
Fonte: www.consumidorbancario.bna.ao.
83 
Fonte: www.consumidorbancario.bna.ao.
84 
Art. 17.º da LDC.
85 
Vide artigo 74.º da LBIF.
86 
Além das regras gerais civis sobre incumprimento contratual (art. 798.º CC e seguintes),
vide arts. 10.º, n.º 2 e 26.º da LDC e o art. 19º do Aviso n.º 05/2012, de 29 de Março.

85
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

4. Conclusão

Após uma análise sobre o estatuto jurídico do BNA, constatamos que


existe uma forte dependência da autoridade de supervisão angolana em re-
lação ao Estado, sobretudo no que concerne à nomeação e à exoneração dos
órgãos que compõe a estrutura orgânica do mesmo. Tal colhe explicação na
actual evolução do sistema financeiro em Angola. Outros modelos, porém,
são admissíveis87.
Quanto à questão da natureza jurídica do BNA, concluímos que o Banco
Central é uma autoridade administrativa independente, criado e sujeito à
superintendência do Estado, com um regime jurídico próprio.
Quanto à supervisão comportamental, concretamente o dever de informar
e de assistência das instituições financeiras bancárias nas relações com os
Clientes, somos de opinião o sistema financeiro dispõe de regulamentação
e meios para garantir o cumprimento das obrigações em causa, tal como se
preconiza. Contudo há necessidade de uma maior fiscalização da materializa-
ção prática dos normativos pelos destinatários. Só assim será possível garantir
maior inclusão financeira, maior confiança dos consumidores no sistema fi-
nanceiro e consequentemente se assegurará um sistema mais eficiente, estável
e robusto.
Para concluir, deixamos a nossa recomendação ao Regulador do sistema
financeiro bancário, que seja mais actuante no controlo efectivo da aplicabi-
lidade prática pelos destinatários dos instrumentos jurídicos em vigor, refe-
rente às matérias aqui abordadas e na aplicação de sanções aos respectivos
transgressores.

Cfr. PAULO CÂMARA / GRETCHEN LOWERY, The Internal Governance Struture of Fi-
87 

nancial Regulatory Authorities: Main Models and Current Trends, Executive Summary pp. 151-152.

86
CAPÍTULO 5
O REGIME CAMBIAL

Rute Santos

Sumário: i. Introdução; ii. A Autoridade Cambial; Conceitos; iii. Princípios


gerais; iv. Operações cambiais de capitais; v. Operações de invisíveis correntes;
vi. Operações cambiais de mercadorias; vii. Regime especial das operações pe-
trolíferas; viii. Entrada e saída de moeda; Regime sancionatório; vix. Conclusão.

I. Introdução

Os mecanismos de controlo dos capitais disponíveis assumem particular


relevância para uma economia em situação de crise, com um elevado índice
de dependência das importações e com uma capacidade de exportação ainda
incipiente1.
O regime jurídico deverá proteger de forma adequada os interesses nacio-
nais e dar resposta à necessidade de “assegurar um fluxo adequado de divisas para
fazer face aos compromissos externos do país, quer o nível da importação de mercadorias,

1 
Mais informação sobre a evolução da economia angolana em geral e as exportações em
particular pode ser encontrada no relatório “Angola : Second Review of the Extended Arrangement
Under the Extended Fund Facility” elaborado pelo FMI, disponível em https://www.imf.org/en/
Publications/CR/Issues/2019/12/18/Angola-Second-Review-of-the-Extended-Arrangement-
-Under-the-Extended-Fund-Facility-Requests-48887.
Também poderá consultar informação de síntese no documento elaborado pelo AICEP Por-
tugal “Angola – Síntese País”, disponível em http://www.portugalglobal.pt/PT/Biblioteca/
LivrariaDigital/AngolaSP.pdf

87
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

como das despesas de capital e da prestação de serviços e ainda das transferências uni-
laterais” tendo presente “o desafio da acumulação de reservas, visando preservar a
estabilidade cambial e a sustentabilidade da solvabilidade do país” 2.
Em geral o regime de controlo cambial destina-se a prevenir a perda de
recursos em moeda estrangeira através de transferências para o exterior des-
ses activos e muitos países implementam regimes de controlo dos fluxos com
destino e/ou origem nos seus territórios, mas que não interfiram com o melhor
nível de eficiência das transacções comerciais e industriais, bem como com o
regular funcionamento do sistema financeiro.
De uma perspectiva pragmática, para um país com um grande nível de
importações é necessário assegurar que o país tem os recursos suficientes
em moeda estrangeira para liquidar as transacções de importações por um
período de tempo razoável, para assegurar a continuidade de fornecimento3.
O quadro geral de regulação das operações cambiais em Angola é esta-
belecido pela Lei n.º 5/97, de 27 de Junho (adiante designada de forma abre-
viada “Lei Cambial”)4. A Lei Cambial estabelece os conceitos, os princípios

2 
Citação do discurso do Sr. Vice-Governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Dr. André
Lopes, proferido no seminário sobre operações cambiais, realizado em 10 de Julho de 2012.
O discurso encontra-se publicado no website do Banco Nacional de Angola: www.bna.ao.
3 
De acordo com o Relatório e Contas do Banco Nacional de Angola, em 2013 o Angola
possuía reservas internacionais líquidas no valor de USD 30.945,30 milhões. Nessa época o
país estava a viver uma fase de crescimento da economia. No mesmo relatório podia ler-se
que em 2012 as reservas líquidas internacionais eram de USD 30.632,33, tendo aumentado
em 1,02% em 2013. (O Relatório e Contas do BNA relativo a 2013 está disponível no site do
BNA e pode ser consultado pelo link http://www.bna.ao/uploads/%7B7a36c1e5-435d-4b59-
8b3a-bd2d17134bad%7D.pdf).
O Boletim Estatístico do BNA, de Setembro de 2017 indica que em 2016 as reservas líquidas
internacionais eram de USD 20.807 milhões e que no terceiro trimestre de 2017 eram de
15.294 milhões. De acordo com o Boletim Estatístico de Setembro de 2019, publicado pelo
BNA, as reservas líquidas internacionais têm vindo a seguir uma tendência decrescente e
neste momento situam-se próximo do 10.000 milhões de USD. (Documento disponível no
site do BNA, através do link https://www.bna.ao/uploads/%7B6de70a1c-41ce-44d9-9214-
c24729bd6ed3%7D.pdf.
4 
A Lei n.º 5/97, de 27 de Junho, revogou a Lei n.º 9/88, de 2 de Julho, que anteriormente
regulava as matérias relativas às operações cambiais. A anterior Lei Cambial conferia compe-
tência ao Governo para a regulamentar e definir os princípios gerais a que deviam obedecer
as operações de importação, exportação ou reexportação de mercadorias, as operações de
capitais e as operações de invisíveis correntes (art. 22.º da Lei n.º 9/88). Ao abrigo da referida
norma habilitadora o Governo aprovou os seguintes diplomas: Decreto n.º 13/92, de 15 de

88
O REGIME CAMBIAL

e o regime sancionatório aplicável às operações de capitais. Na esteira da


técnica legislativa adoptada na lei cambial anterior (Lei n.º 9/88, de Julho),
a regulamentação detalhada das diversas categorias de operações cambiais
foi remetida para regulamentação do Governo, a qual veio a ser definida por
Decreto.
Ao abrigo da habilitação cominada pelo art. 18.º da Lei Cambial, o Gover-
no aprovou, nomeadamente, os seguintes diplomas de regulamentação (que
analisaremos em detalhe mais adiante):

– Decreto n.º 23/98, de 24 de Julho, sobre as operações de capitais;


– Decreto n.º 21/98, de 24 de Julho, sobre os invisíveis correntes;
– Decreto Presidencial n.º 75/17, de 7 de Abril, sobre o licenciamento
de importações, exportações e reexportações (que revogou o Decreto
Presidencial n.º 265/10, de 26 de Novembro5).

Por sua vez, estes diplomas ainda foram objecto de regulamentação deta-
lhada mediante normativos do Banco Nacional de Angola6.

Maio, sobre a liberalização de operações cambiais de sujeitos individuais; Decreto n.º 13/89,
de 29 de Abril, que regulamentou as operações de invisíveis correntes; Decreto n.º 11/89, de
29 de Abril, que regulamentou as operações de capitais.
Como nota histórica, refira-se que a Lei 9/88, de 2 de Julho, foi o primeiro diploma a esta-
belecer o quadro geral regulatório cambial pós-independência. Anterior à entrada em vigor
desta lei, a matéria das operações cambiais era regulada por diplomas anteriores à indepen-
dência de Angola, ou seja, legislação de origem portuguesa da época colonial, que regulava
a realização de operações cambiais e de pagamentos “interterritoriais” (entre as diferentes
províncias ultramarinas), nomeadamente: Decreto-Lei n.º 44698, de 17 de Novembro 1962;
Decreto-Lei n.º 44700, de 17 de Novembro de 1962; Decreto-Lei n.º 47919, de 8 de Setembro
de 1967; Decreto-Lei 478/71, de 6 de Novembro; Decreto-Lei n.º 544/73, de 24 de Outubro;
Decreto-Lei n.º 181/74, de 2 de Maio.
5 
O Decreto Presidencial 265/10, de 26 de Novembro, revogou o Decreto n.º 55/00, de 10 de
Novembro, que anteriormente regulava as matérias respeitantes às importações, exportações
e reexportações de mercadorias e operou uma reformulação profunda nos procedimento.
A nova regulamentação introduzida pelo Decreto Presidencial 265/10 visou harmonizar
o quadro normativo nacional com o disposto no Acordo que cria a Organização Mundial
do Comércio e no Acordo sobre Procedimento para o Licenciamento de Importações, bem
como tornar mais eficientes os procedimentos administrativos aplicados por Angola como
interveniente no comércio internacional.
6 
Destacamos os Avisos do BNA com maior relevância para a compreensão do quadro regu-
latório das operações cambiais:

89
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Como ressalta destes parágrafos iniciais, o quadro normativo aplicável às


operações cambiais é composto por um número considerável de diplomas
avulsos de diversa natureza (diplomas legislativos e diplomas de natureza
administrativa), emanados de várias autoridades.
Na análise que apresentamos importa ter em conta que na última década
o chamado regime cambial em Angola tem vindo a sofrer várias alterações
a nível regulamentar, que, como veremos, tem transformado o mercado de
câmbios. Veremos que a Lei Cambial (Lei n.º 5/97, de 27 de Junho) se man-
tém em vigor sem alterações, apesar de ser anterior à Constituição de 2010,
actualmente em vigor, e no que toca à regulamentação de primeiro nível as
regras gerais aplicáveis às operações de capitais e à operações de invisíveis
correntes são determinadas pelos Decretos de 1998.

Aviso do BNA n.º 3/09, de 5 de Junho (Define as condições em que as entidades residentes
e não residentes cambiais podem ser titulares de contas bancárias em moeda estrangeira e
moeda nacional);
Aviso do BNA n.º 1/16, de 12 de Abril (regulamenta os termos e condições a que deve obedecer
a entrada e saída de moeda nacional e de moeda estrangeira);
Aviso do BNA n.º 2/17, de 3 de Fevereiro (sobre a abertura e movimentação de contas de
depósito tituladas por não-residentes cambiais e contas equiparadas);
Aviso do BNA n.º 5/18, 17 de Julho, alterado pelo Aviso do BNA n.º 1/20, de 9 de Janeiro
(Regras e procedimentos para operações cambiais destinadas à liquidação de importações
e exportações de mercadorias);
Aviso do BNA n.º 9/19, de 6 de Novembro (Regras operacionais do serviço de remessas de
valores);
Aviso do BNA n.º 11/19, de 26 de Novembro (Limites das Comissões e Despesas Cobradas
nas Transacções em Moeda Estrangeira);
Aviso do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro (Regras e procedimentos a aplicar na realização
de operações cambiais por pessoas singulares);
Aviso do BNA n.º 13/19, de 2 de Dezembro (Procedimentos a aplicar na realização de opera-
ções de venda de moeda estrangeira realizadas pela concessionária nacional e pelas empresas
investidoras no sector petrolífero);
Aviso do BNA n.º 14/19, de 2 de Dezembro (Estabelece a posição cambial dos bancos
comerciais);
Aviso do BNA n.º 15/19, de 30 de Dezembro (estabelece os procedimentos para a realização
de operações cambiais por não residentes cambiais relacionadas com investimento directo
externo, investimento externo em valores mobiliários, desinvestimento de activos resultantes
de investimento externo, rendimentos proveniente de operações de investimento externo);
Aviso do BNA n.º 2/20, de 9 de Janeiro (estabelece as regras e procedimentos que devem
ser observados na realização de Operações Cambiais de Invisíveis Correntes por pessoas
colectivas).

90
O REGIME CAMBIAL

É na regulamentação emitida pelo BNA que observamos as maiores altera-


ções e tem sido através de instrumentos normativos de natureza regulamentar
que se operou uma revolução silenciosa do quadro normativo e uma alteração
profunda das condições do mercado cambial. Este é sem dúvida um exemplo
do impacto económico das normas, (mesmo de nível administrativo7) e da
magnitude de resultados que podem ser alcançados com a introdução de
novas normas. Vale a pena sublinhar aqui relembrar as principais alterações
mais recentes.
Em Janeiro de 2018, Angola adoptou um regime cambial caracterizado
pela flutuação da taxa de câmbio. As taxas de câmbio de compra e venda de
moeda estrangeira passaram a ser determinadas pelas transacções realizadas
nos leilões de divisas, organizados pelo BNA.
Em Julho de 2018, o BNA estabeleceu novas regras e procedimentos para
a realização de operações cambiais destinadas à liquidação de importações e
exportações de mercadorias8. O BNA estabeleceu uma regra de licenciamento
obrigatório pelo BNA das operações cambiais de liquidação de importação de
mercadorias com prazo superior a 360 dias da data do despacho alfandegário
de desembarque. I.e., se o prazo de pagamento do preço de uma mercadoria
importada fosse superior a 360 dias da data do despacho alfandegário em
Angola, a operação de pagamento tinha de ser licenciada pelo BNA. Volvido
um ano e meio, o BNA promoveu a alteração do Aviso n.º 5/18 e expressamente
autorizou os bancos a executar, sem necessidade de autorização prévia do
BNA, as operações de importação de mercadorias com prazo de liquidação
superior a 360 dias do despacho alfandegário de desembarque.
Em Outubro de 2019 foi eliminado o limite de 2% sobre a taxa de referência
diária na transacção de estrangeira entre os bancos e os seus clientes9. Em
Dezembro de 2018, através do Instrutivo 20/2028, o BNA que na venda de
moeda estrangeira aos seus clientes (não bancos), as instituições financeiras
bancárias apenas poderiam aplicar uma margem de até 2% (dois por cento)

7 
Os Avisos, Instrutivos e Directivas emitidos pelo BNA, constituem regulamentos adminis-
trativos emitidos ao abrigo do poder que lhe é conferido pela sua lei orgânica (Lei n.º 16/10,
de 15 de Julho) de estabelecer normas para a actuação das instituições. Sobre esta autoridade de
supervisão, em geral, reenvia-se para Rosa Mangovo, O Banco Nacional de Angola, neste volume.
8 
Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho.
9 
Instrutivo do BNA n.º 16/19, de 24 de Outubro.

91
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

sobre a taxa de câmbio de referência de venda publicada no portal institu-


cional do Banco Nacional de Angola; já na compra de moeda estrangeira
pelos bancos aos seus clientes, as taxas de câmbio poderiam ser livremente
negociadas entre as partes.
As limitações à liberdade de estabelecimento da taxa de câmbio a prati-
car na transacções entre os bancos e os seus clientes foi eliminada, tendo o
Governador do BNA afirmado em conferência de imprensa sobre o assunto
o seguinte: “O que estamos a dizer é que vamos fazer num espaço regulamentado
onde queremos ter o equilíbrio da moeda em condições de proteger os participantes,
além de limitar o espaço para quaisquer práticas que possam ter contornos como crimes
financeiros”.10 Em consequência desta alteração o mercado reagiu de imediato
e começou a elevar o preço de compra da moeda estrangeira, tendo o Kwanza
sofrido uma forte desvalorização.
Em Novembro de 2019 foram publicadas as regras e procedimentos a apli-
car na compra de moeda estrangeira para a realização de operações cambiais
por pessoas singulares11. O novo regime, que tinha uma vacatio legis de 60 dias,
nem chegou a entrar em vigor; tendo sido substituído em Dezembro pelo Aviso
n.º 12/19, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor em 3 de Janeiro de 2020.
Por último, este Aviso foi revogado pelo Aviso nº 17/2020, de 3 de Agosto.
Quanto às operações cambiais integradas em processos de investimento
externo realizadas por não residentes cambiais, são agora reguladas pelo Aviso
n.º 15/19, de 30 de Dezembro. Este aviso entrou imediatamente em vigor e
aplica-se às operações cambiais realizadas por não residentes cambiais, rela-
cionadas com investimento directo externo, investimento externo em valores
mobiliários, operações de desinvestimento após investimento externo e os
rendimentos provenientes do investimento externo.
Já em Janeiro de 2020 foi publicado o Aviso do BNA que estabeleceu as
regras e procedimentos a aplicar na realização de operações cambiais de in-
visíveis correntes por pessoas colectivas. Anteriormente as operações de in-
visíveis correntes, tanto realizadas por pessoas singulares, como as realizadas

10 
Citação do artigo jornalístico “BNA elimina limites e liberaliza o câmbio”, publicado pelo
Jornal de Angola, em 24 de Outubro de 2019, no seu website, consultado em 15 de Fevereiro
de 2020: http://jornaldeangola.sapo.ao/economia/bna-elimina-limites-e-liberaliza-o-cambio.
11 
Aviso do BNA n.º 10/19, de 6 de Novembro; revoga o Aviso do BNA n.º 13/13, de 6 de Agosto,
e outros instrumentos de regulamentação secundária.

92
O REGIME CAMBIAL

por pessoas singulares, eram regulamentadas pelo Aviso n.º 13/13, de 6 de


Agosto, que apresentava um regime unificado em razão da matéria. Fruto
da experiência de aplicação dos procedimentos estabelecidos pelo Aviso
n.º 13/13 e do reconhecimento de diferenças substanciais entre as operações
de invisíveis correntes realizadas por pessoas singulares12 e aquelas realizadas
por pessoas colectivas13, o BNA optou por estabelecer regras distintas para
este tipo de operações em função dos sujeitos.
Ao contrário do regime aplicável às operações de invisíveis correntes rea-
lizadas por pessoas singulares, que teve dois meses de vacatio legis, o regime
aplicável às pessoas colectivas entrou em vigor imediatamente com a sua pu-
blicação. Ou seja, para as operações das pessoas colectivas não foi concedido
um período de adaptação às novas regras, o que poderá ser justificado pelo
facto de o regime aplicáveis às operações de invisíveis correntes realizadas
por pessoas singulares já estar em vigor em Janeiro, mas a ausência de um
período de adaptação também é um factor de instabilidade para a vida das
empresas.
Nas páginas que se seguem temos o propósito de fazer uma análise, ne-
cessariamente de síntese, do regime das operações de capitais, referindo-nos
a cada categoria de operações, e identificar as principais implicações práticas
deste regime para os operadores económicos. Não é nosso objectivo descre-
ver em detalhe o quadro normativo para a realização de todas as categorias
de operações cambias, mas sim abordar os aspectos gerais relevantes, que
permitem caracterizar os pontos que demonstram a coerência do regime de
liquidação cambial em vigor em Angola.

12 
Alguns exemplos de operações cambiais de invisíveis correntes realizadas por pessoas sin-
gulares são: pagamento de despesas realizadas no exterior com saúde, educação, alojamento,
investimento em bens imóveis e valores mobiliários, contratação e liquidação de financiamen-
tos no exterior, transferência de fundos acumulados por estrangeiros não residentes cambiais
durante a sua estadia em Angola, recebimento de fundos do estrangeiro.
13 
Exemplos de operações cambiais de invisíveis correntes realizadas por pessoas colectivas:
pagamentos realizados no estrangeiro pela prestação de serviços de educacionais, científicos,
culturais, deslocações e alojamento, contribuições para organizações internacionais, serviços
de assistência técnica.

93
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

II. A Autoridade Cambial

A Constituição da República de Angola estabelece o papel do Banco Nacio-


nal de Angola (adiante, abreviadamente, “BNA”) na organização do Estado e
no sistema financeiro e fiscal nos seguintes termos: O Banco Nacional de Angola,
como Banco Central e emissor, assegura a preservação do valor da moeda nacional e
participa na definição das políticas monetária, financeira e cambial14;15; 16. O estatuto,
natureza, atribuições, competências e organização interna são concretizados
pela Lei n.º 16/10, de 15 de Julho17.
Quanto à natureza jurídica e atribuições genéricas do BNA remetemos
para o estudo apresentado no capítulo 4, sob o título “O Banco Nacional de
Angola”, por Rosa Mangovo, e procuraremos cingir-nos a apresentar uma visão
de síntese sobre o papel do BNA enquanto autoridade cambial e seus impactos.
Nos termos da Lei n.º 16/10, de 15 de Julho, o BNA é a autoridade cam-
bial competente, ao qual incumbe orientar e fiscalizar o mercado cambial,
tal como decorre das atribuições constitucionais de preservação do valor da
moeda nacional e participante na definição das políticas monetária, financeira
e cambial18.

14 
Cfr. art. 100.º da Constituição da República de Angola.
15 
Sobre o enquadramento do Banco Nacional de Angola na chamada “Constituição Econó-
mica” vide Carlos Maria Feijó, “A Constituição Económica da República de Angola”, in Cons-
tituição da República de Angola: Enquadramento Dogmático – A Nossa Visão”, Almedina, Coimbra,
2015, pp.119-126.
16 
Observamos que diferentes jurisdições implementaram modelos distintos quanto à au-
toridade e poderes da autoridade cambial, mas o banco central tem sempre um papel muito
relevante na implementação dos controlos e na autorização das instituições intermediárias
das operações cambiais. A título de exemplo, no Brasil é o Banco Central do Brasil (Bacen)
que autoriza os estabelecimentos legalmente autorizados a intermediar operações cambiais;
a entrada e saída de moeda estrangeira implica a celebração e liquidação de contrato de
câmbio com um banco autorizado, cujos dados são registados no Sistema de Informações
do Banco Central do Brasil (Sisbacen). Seguindo um modelo relativamente diferente, na o
South Africa Reserve Bank é a autoridade responsável pela aplicação das regras aplicáveis às
operações cambiais, actuando por delegação do Ministério das Finanças. O ministro das
finanças delegou grande parte dos poderes que lhe foram atribuídos quano às operações
cambiais (Exchange Control Regulations) no Governador e no Vice-Governador do South África
Reserve Bank, no Director e outros responsáveis do Financial Surveillance Department (and to
other officials in the department.
17 
A Lei do Banco Nacional de Angola (Lei n.º 16/10, de 15 de Julho).
18 
Cfr. art. 40.º da Lei do Banco Nacional de Angola e art. 3.º da Lei Cambial.

94
O REGIME CAMBIAL

A competência do BNA em matéria de operações cambiais e aspectos


conexos é determinada, nomeadamente, pela Lei do BNA e pela Lei Cambial,
sendo de destacar que compete em especial ao BNA:

a) Definir os princípios reguladores que regem as operações sobre o outro


e divisas (art. 40.º da Lei do BNA e art. 28.º da Lei Cambial);
b) Autorizar, supervisionar os pagamentos externos nos termos da lei
(art. 40.º da Lei do BNA);
c) Estabelecer os limites do outro e de disponibilidade em divisas que as
instituições autorizadas a exercer o comércio de câmbios poderão ter
em posição própria e depósitos de terceiros (art. 40.º da Lei do BNA);
d) Manter disponibilidades sobre o exterior em nível adequado às tran-
sacções internacionais (art. 40.º da Lei do BNA);
e) Publicar as taxas de câmbio determinadas pelo respectivo mercado
(art. 40.º da Lei do BNA);
f) Atribuir licença e supervisionar as pessoas singulares e colectivas que
negociem em ouro ou em divisas (art. 41.º da Lei do BNA e art. 10.º da
Lei Cambial);
g) Investigar as transgressões cambiais (actos de infracção à regulação
das operações cambiais) e instruir os respectivos processos, podendo
efectuar inspecções a quaisquer entidades e efectuar a apreensão de
quaisquer bens utilizados ou obtidos com a realização ilícita dessas
operações (art. 25.º da Lei Cambial).

De notar que o BNA actua também enquanto agente de operações cam-


biais no âmbito da execução da política cambial. Nesse âmbito, o BNA está
especialmente autorizado a19:

a) Comprar, vender ou transacionar moedas ou lingotes ouro;


b) Comprar, vender ou transacionar divisas;
c) Comprar, vendar ou transacionar obrigações do tesouro e outros títu-
los emitidos ou garantidos por governos estrangeiros ou organizações
financeiras internacionais;

Cfr. art. 45.º da Lei do Banco Nacional de Angola.


19 

95
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

d) Abrir e manter contas junto de organizações financeiras internacio-


nais, bancos centrais, autoridades monetárias e organizações finan-
ceiras estrangeiras;
e) Abrir e manter contas como agente ou correspondente das organiza-
ções financeiras internacionais, bancos centrais, autoridades mone-
tárias e organizações financeiras estrangeiras e dos governos estran-
geiros e sua agência.

Em face do que fica descrito, considerando o complexo de competências


atribuídas ao BNA é de salientar o seu carácter múltiplo e complementar
visando o cumprimento das atribuições desta autoridade. Assim, enquanto
regulador, o BNA estabelece a regulamentação e densifica os princípios apli-
cáveis às operações cambiais. Enquanto supervisor, o BNA autoriza entidades
privadas a exercer o comércio de câmbios e autoriza a realização de operações
cambiais, bem como procede à sua fiscalização podendo punir actividades
ilícitas. Enquanto banco central responsável pela execução da política cambial,
o BNA também realiza operações cambiais.
O resultado da acção do BNA no exercício desta multiplicidade de com-
petências, de forma individualizada ou combinada, deverá ser a preservação
do valor da moeda nacional em cumprimento das diretrizes definidas pela
política cambial.

III. Conceitos

Os conceitos e princípios que regulam as operações cambiais em An-


gola são estabelecidos pela Lei Cambial e desenvolvidos nos diplomas de
regulamentação.

Residente cambial

O conceito de residente cambial é apresentado pela Lei Cambial20 e serve de


referência para todo o quadro regulatório em matéria de operações cambiais.

20 
Cfr. art. 4.º da Lei Cambial.

96
O REGIME CAMBIAL

Determina o art. 4.º, n.º 1 da Lei Cambial que são considerados residentes
em território nacional:

a) As pessoas singulares que tiverem residência habitual no País21; 22;


b) As pessoas colectivas com sede no País;
c) As filiais, sucursais, agências ou quaisquer formas de representação no País de
pessoas colectivas com sede no estrangeiro;
d) Os fundos, institutos e organismos públicos dotados de autonomia administra-
tiva e financeira, com sede em território nacional;
e) Os cidadãos nacionais diplomatas, representantes consulares ou equiparados,
em exercício de funções no estrangeiro, bem como os membros das respectivas
famílias;
f) As pessoas singulares cuja ausência no estrangeiro, por período superior a
90 dias e inferior a um ano, tiver origem em motivo de estudos ou for determi-
nada pelo exercício de funções públicas.

O legislador optou por fixar uma lista de factores que determinam a resi-
dência cambial. A lista de critérios relevantes é taxativa, mas aberta à interpre-
tação da autoridade cambial (o BNA), na medida em que este é incumbido de

21 
No contexto da regulamentação das medidas de prevenção e combate ao branqueamento
de capitais e ao financiamento do terrorismo o BNA, no Aviso 1/2016, de 12 de Abril, que
estabelece os termos e condições a que está sujeita a entrada e saída de moeda nacional e
estrangeira, em complemento da definição de pessoa singular residente cambial acrescentou um
elemento de compreensão sobre o que se deve entender por residente habitual em Angola,
esclarecendo que integram essa categoria, todos os cidadãos angolanos que vivam em Angola e todos
os cidadãos estrangeiros possuidores de cartão de residência nos termos da legislação aplicável. Embora,
nos termos do aviso em referência, esta densificação do que se entende por residente habitual
em Angola apenas tenha efeitos no âmbito na matéria regulada pelo próprio Aviso, não po-
deremos ignorar que se trata de um elemento relevante que poderá servir de referência na
interpretação do conceito de residente cambial em Angola no contexto das operações cambiais
de que sejam parte pessoas singulares. De notar que quanto aos cidadãos estrangeiros apenas
é reconhecida a situação de residência habitual aos titulares de cartão de residência, o que
exclui aqueles que estão no país com visto de trabalho, ainda que essa situação se mantenha
por longo tempo.
22 
A título comparativo notamos, quanto ao conceito de residente cambial, que Moçambique
reconhece que os cidadãos estrangeiros, que vivam em Moçambique há mais de um ano,
excepto os diplomatas, representantes consulares ou equiparados, pessoal militar, e famílias
são considerados residentes – Lei n.º 11/2009, de 11 de Março.

97
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

decidir sobre se determinada pessoa ou entidade se qualifica como residente


cambial (ou não) quando existam dúvidas. A interpretação do BNA está, con-
tudo, condicionada pelos critérios relevantes para determinar a qualidade de
residente cambial fixados pela lei.
As palavras utilizadas para densificar o conceito em análise e os termos
de referência de alguns dos critérios enunciados remetem-nos, em primeiro
lugar, para a ideia de residência (diríamos que é local onde uma pessoa fixa
morada pessoal e o centro da sua vida familiar e onde pode ser contactado,
pessoalmente ou por correspondência) no caso das pessoas singulares, e para
a ideia de sede (local concretamente definido, fixado pelos respectivos esta-
tutos ou, na sua falta, o lugar onde funciona normalmente a administração23)
no caso das pessoas colectivas.
Contudo, na modernidade tanto o conceito de residência como o de sede
suscitam diversas questões que abalam a segurança necessária para deter-
minar com exactidão a qualidade de residente ou não residente cambial.
Por exemplo, admite-se como possível que uma pessoa possa residir alterna-
damente em diversos lugares24 e actualmente, com as facilidades de trans-
porte e de telecomunicações, também é de admitir que uma pessoa possa ter
residência em vários locais. Também quanto à sede social de uma empresa
pode suceder que a administração efectiva esteja fixada em local diferente
da morada da sede fixada nos estatutos. Procuremos, pois, uma âncora que
se aplique a todas as situações enumeradas.
Os vários factores elencados pelo legislador incluem sempre elementos
de conexão territorial relevante e razoavelmente estável a Angola e de re-
conhecimento formal. Assim, quanto às pessoas singulares a referência é a
residência, enquanto centro da vida pessoal – que se presume manter-se em
Angola mesmo quanto a cidadãos angolanos que se encontrem fora do país
ao serviço da nação em funções diplomáticas ou equiparadas ou quando a
ausência é justificada pela obtenção de formação ou pelo exercício de funções
públicas por período inferior a um ano.

23 
Conforme estabelecido no art. 159.º do Código Civil e no art. 14.º da Lei das Sociedades
Comerciais, aprovada pela Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro.
24 
Nos termos do art. 82.º do Código Civil, se uma pessoa residir alternadamente em diversos
lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles.

98
O REGIME CAMBIAL

Relativamente às pessoas colectivas ou entidades equiparadas o factor de


conexão parece ser a sede estatutária em Angola ou exercício de actividade
de forma organizada e reconhecida em Angola.
Diremos, pois, que o critério agregador é a existência de uma organização
de vida (da pessoa singular ou colectiva) relevante ao território de Angola,
que permite concluir que uma pessoa ou entidade é residente em Angola para
efeitos cambiais, i.e., quando exista uma importante e relevante estabilidade
na conexão pessoal e económica que essa pessoa mantém com Angola, com
reconhecimento formal.

Não residente cambial

Por oposição à classe dos residentes cambiais e seguindo a mesma técnica


legislativa de enumeração de critérios de qualificação, o art. 4.º, n.º 2 da Lei
Cambial determina que se consideram não residentes cambiais:

a) As pessoas singulares com residência habitual no estrangeiro;


b) As pessoas colectivas com sede no estrangeiro;
c) As pessoas singulares que emigrarem;
d) As pessoas singulares que se ausentarem do País por período superior a um ano;
e) As filiais, sucursais, agências ou quaisquer formas de representação em território
estrangeiro de pessoas colectivas com sede no País;
f) Os diplomatas, representantes consulares e equiparados, agindo em território
nacional, bem como os membros das respectivas famílias.

Trata-se de um conceito construído sobre o contrário das situações abran-


gidas pelo conceito de residente cambial e nessa medida os critérios de relevância
procuram identificar factores de conexão relevante da pessoa/entidade a ter-
ritório estrangeiro; isto é, procura-se identificar, através de factores positivos,
as situações que ligam mais fortemente uma pessoa/entidade a um território
não-Angolano. E, de novo, os factores de conexão são a residência habitual, no
estrangeiro (fora de Angola), quanto às pessoas singulares, e a sede estatutária
ou exercício de actividade de forma organizada e reconhecida no estrangeiro.
As situações indicadas apresentam, no entanto, um elemento distinto,
que não encontra paralelo nas situações relevantes para a qualificação como

99
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

residente cambial: referimo-nos às pessoas singulares que emigrarem. Esta situação


indica que os cidadãos angolanos que optem (tomem a decisão: acção de
vontade fundada numa intenção25) por centrar a sua vida, pessoal e profissio-
nal, em território estrangeiro (fora de Angola) são considerados não residentes
cambiais.
A autonomização deste critério em relação ao período de ausência superior
a um ano autoriza-nos a concluir, pelo menos em tese, que a partir do mo-
mento em que se verifique a situação de emigração em relação a determinada
pessoa, a mesma deixa que ser considerada residente cambial mesmo que ainda
não tenha decorrido um ano desde a sua ausência do território angolano.
Tal encontra justificação na circunstância de a acção de emigração correspon-
der a uma acção de vontade de estabelecer a vida num território diferente por
tempo indeterminado e não consiste numa mera ausência temporária para
a realização de determinada função. Não obstante, a situação de emigração
apenas terá relevância para efeitos cambiais, se tiver algum tipo de reconhe-
cimento formal. Assim, consideramos que salvo em situações em que exista
algum tipo de formalização da situação de emigrante, o decurso do tempo da
ausência (por período superior a um ano) do país será o factor determinante
para a qualificação de um cidadão angolano como não residente cambial.
De realçar que em sentido contrário, as pessoas que imigrarem (cidadão de
um país estrangeiro que opte por fixar a sua vida pessoal e profissional em ter-
ritório angolano) não são qualificadas como residentes cambiais apenas por essa
situação. Um imigrante em Angola apenas será considerado residente cambial
se aí fixar residência habitual, e acrescentamos, se obtiver o reconhecimento
formal dessa situação mediante a obtenção de visto de entrada e permanência
em território angolano que permita a fixação de residência.

25 
Quer o conceito de imigrante, quer de emigrante, partem de um conceito comum que
é o conceito de “migração”, que pode ser definido como «processo de atravessamento de
uma fronteira internacional ou de um Estado. Seguindo Direito Internacional da Migração
– Glossário sobre Migração, n.º 22, da Organização Internacional para as Migrações, o termo
migrante compreende, geralmente, todos os casos em que a decisão de migrar é livremente tomada pelo
indivíduo em questão, por razões de “conveniência pessoal” e sem a intervenção de factores externos que o
forcem a tal. Em consequência, este termo aplica-se, às pessoas e membros da família que se deslocam para
outro país ou região a fim de melhorar as suas condições materiais, sociais e possibilidades e as das suas
famílias.

100
O REGIME CAMBIAL

Operação cambial

A Lei Cambial determina que se consideram operações cambiais26:

a) A aquisição ou alienação de ouro amoedada, em barra ou em qualquer forma


não trabalhada;
b) A aquisição ou alienação de moeda estrangeira;
c) A abertura e a movimentação no País, por residentes ou por não residentes,
de contas em moeda estrangeira;
d) A abertura e a movimentação no País, por residentes ou por não residentes,
de contas em moeda nacional;
e) Liquidação de quaisquer transacções de mercadorias, de invisíveis correntes ou
de capitais.

Também quanto a este conceito, o legislador estabeleceu uma lista de


actos e/ou negócios que corporizam o que se entende por operação cambial.
Atentas os actos listados pelo legislador identificamos traços comuns que
nos indicam o sentido do conceito que se pretende aplicar. Assim, estão em
causa actos jurídicos que tenham como objecto ouro (amoedado, em barra
ou lingote ou sob forma não trabalhada – diríamos que não constitua uma
joia ou adereço de utilização pessoal) ou divisas estrangeiras27, que possam
ser a causa de movimentação contas em moeda nacional por não residentes
e a liquidação de transacções entre residentes e não residentes (i.e. estão em
causa actos jurídicos que originem fluxos financeiros).
Tanto o Aviso do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro, como o Aviso do BNA
n.º 5/18, de 17 de Julho, usam uma definição que assenta não numa lista de
actos e/ou negócios, mas antes num conceito abstracto abrangente, no qual se
poderão subsumir um conjunto de negócios: considera-se operação cambial
qualquer acto, negócio ou transacção realizada entre pessoa residente ou não residente

26 
Cfr. art. 5.º da Lei Cambial.
27 
Entende-se por divisa ou moeda estrangeira as notas e moedas emitidas por país estrangei-
ro e com curso legal nesse território, bem como os meios de pagamento sobre o estrangeiro
expressos em moeda não nacional e utilizados para pagamentos internacionais.

101
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

cambial que possa resultar em pagamento sobre ou recebimento do exterior, ou que sim-
plesmente seja qualificada por lei como tal28.
Como elemento comum, identificamos que as operações cambiais se con-
cretizam por um ou mais actos aptos a originar um fluxo financeiro entre resi-
dentes e não residentes cambiais ou entre Angola e o exterior. Trata-se de um
conceito jurídico-operacional que visa determinar em que situações se aplica
o quadro normativo específico destinado a salvaguardar a moeda nacional e
o equilíbrio das reservas nacionais.

Operação de capitais

Nos termos do Decreto n.º 23/98, de 24 de Julho, consideram-se operações


de capitais:

a) Os contratos e outros actos jurídicos, mediante os quais se constituam ou trans-


mitam direitos ou obrigações entre residentes e não residentes, mencionados no
anexo ao diploma29;

28 
Esta mesma definição já era usada no Aviso do BNA n.º 19/12 de 25 de Abril (ponto 14 do
art. 3.º).
29 
Em anexo ao Decreto n.º 23/98 são identificadas as seguintes operações de capitais:
Classe 1 – Operações correntes de capitais a curto prazo
1. A emissão e reembolso, total ou parcial, de título de dívida pública, de obrigações emitidas
por entidades privadas e de outros títulos de natureza semelhante por um prazo não superior
a um ano.
2. A subscrição e compra ou venda de títulos de dívida pública, de obrigações emitidas por
entidades privadas e de outros títulos de natureza semelhante por um prazo não inferior a
um ano.
3. A concessão e reembolso, total ou parcial, de empréstimos, qualquer que seja a forma,
a natureza ou o título destes, quando por prazo não superior a um ano, com excepção dos
empréstimos de natureza exclusivamente civil.
4. A constituição de caução ou execução de garantias quando realizadas por períodos não
superiores a um ano.
5. O pagamento de indemnizações nos termos de contratos de seguro de créditos, quando o
prazo destes contratos não exceder um ano.
6. Outras operações de natureza semelhante à das anteriores, desde que o respectivo prazo
de vencimento não exceda um ano.
Classe 2 – Operações correntes de capitas a médio e longo prazos
1. A criação de novas empresas ou de quaisquer sucursais das já existentes;

102
O REGIME CAMBIAL

b) As transferências entre o território nacional e o estrangeiro enumeradas no


anexo do diploma e bem assim as que se destinem aos fins ou decorram dos actos
mencionados em tal anexo.

O conceito de operação de capital é recortado (i.e., corresponde a uma par-


te) do conceito de operações cambiais. Assim, da definição legal apresentada

2. A participação de capital de empresas ou de sociedades civis ou comerciais, qualquer que


seja a forma de que se revista;
3. A constituição de contas em participação ou associações de terceiros a partes ou quotas
de capital social;
4. A aquisição total ou parcial de estabelecimentos;
5. A aquisição de imóveis;
6. A transferência de valores resultantes da venda ou liquidação de posições adquiridas de
conformidade com os números 1 a 5 anteriores;
7. A emissão de acções de quaisquer empresas ou sociedades e emissão e reembolso total ou
parcial de títulos de dívida pública, de obrigações emitidas por entidades privadas e de outros
títulos de natureza semelhante a prazo superior a um ano;
8. A subscrição e compra ou venda de acções de quaisquer empresas ou sociedades e de
títulos de dívida pública, de obrigações emitidas por entidades privadas e de outros títulos
de natureza semelhante a prazo superior a um ano;
9. A concessão e reembolso total ou parcial de empréstimos e outros créditos, qualquer que
seja a forma, a natureza ou títulos destes, quando por prazo superior a um ano, com excepção
dos empréstimos e outros créditos de natureza exclusivamente civil;
10. A constituição de cauções ou execução de garantias, quando realizadas por períodos
superiores a um ano;
11. O pagamento de indemnizações, nos termos de contratos de seguro de créditos, quando
o prazo destes contratos exceder um ano;
12. Outras operações de natureza semelhante à das anteriores, desde que o respectivo prazo
de vencimento exceda um ano.
Classe 3 – Movimento de capitais a carácter pessoal
1. Doações, constituições de dote e concessão ou pagamento de empréstimos de natureza
exclusivamente civil;
2. Pagamento de prestações devidas por seguradores resultantes de contratos de seguro de
vida, com excepção do pagamento de pensões e rendas;
3. Transferências de importâncias adquiridas por herança ou legado ou do produto da liqui-
dação de bens adquiridos por igual título;
4. Transferência de capitais relacionados com a migração de pessoas nacionais ou estrangeiras,
quando da entrada ou da saída;
5. Transferência de fundos bloqueados em contas abertas em nome de residentes no
Estrangeiro;
6. Outras transferências de natureza semelhante à das anteriores.

103
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

podemos retirar que a operação de capital se refere apenas àqueles negócios


jurídicos que tenham por objecto prestações pecuniárias, negócios jurídicos
de médio ou longo prazo, que envolvem fluxos financeiros entre Angola e o
estrangeiro e transferências financeiras entre Angola e o estrangeiro justifi-
cadas por razões pessoais.

Operação de invisíveis correntes

Nos termos do Decreto n.º 21/98, de 24 de Julho, consideram-se operações


de invisíveis correntes as transacções, serviços e transferências indicadas em anexo ao
diploma, que se efectuem entre o território nacional e o estrangeiro ou entre residentes
e não residentes em território nacional.
No anexo ao Decreto n.º 21/98, de 24 de Julho, são identificadas operações
relativas a transportes, seguros, viagens, rendimentos de capitais, comissões e
corretagens, direitos de propriedades intelectual, encargos administrativos,
de exploração e outros, salários e outras despesas por serviços pessoais, outros
serviços e pagamento de rendimentos, transferências privadas e despesas
incorridas por pessoas de Direito Público.
Em todas as situações identificadas está em causa a realização de fluxos
financeiros entre Angola e o estrangeiro de natureza ocasional ou corrente
derivada de contratos com finalidades comerciais ou pessoais ou respeitantes
a rendimentos de capitais obtidos em Angola.

Operação de mercadorias

O Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho define operações de mercadorias


como os actos e ou contratos entre residentes e não residentes que envolvam a transmissão
de direitos de propriedade sobre bens móveis30.
As operações de mercadorias são o subtipo de operações cambiais que enquadram
os fluxos financeiros emergentes das transações de importação e exportação
de bens e mercadorias (referidas genericamente como bens móveis) estabe-
lecida entre importadores e exportadores; i.e., são os actos e negócios entre
residentes e não residentes cambiais ou que originam fluxos financeiros entre

30 
Cfr. art. 3.º do Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho.

104
O REGIME CAMBIAL

Angola e o exterior no âmbito da transmissão de direitos sobre mercadorias


– no contexto do comércio internacional.

IV. Princípios Gerais

Da análise do regime das operações cambiais em Angola, considerando o


quadro legal e regulamentar como um complexo normativo que estabelece o
conjunto de regras gerais e especiais aplicáveis às várias categorias de opera-
ções cambiais, é possível extrair vários princípios, que ensaiamos identificar
e compreender nos parágrafos seguintes.

Intermediação obrigatória

Estipula o art. 7.º da Lei Cambial que as operações cambiais só podem ser rea-
lizadas por intermédio de uma instituição financeira autorizada a exercer o comércio
de câmbios.
A liquidação de operações de invisíveis correntes31 e de operações de capi-
tais32, bem como de operações de exportação e reexportação de mercadorias33
só poderá efectuar-se por intermédio de instituições autorizadas a exercer
o comércio de câmbios34. Tal significa que qualquer pessoa ou entidade que
tenha interesse na realização de uma operação cambial deve escolher uma

31 
Cfr. art. 8.º do Decreto n.º 21/98, de 24 de Julho.
32 
Cfr. art. 10.º do Decreto n.º 23/98, de 24 de Julho.
33 
Cfr. art. 36.º do Decreto Presidencial n.º 75/17, de 7 de Abril, e art. 4.º do Aviso do BNA
n.º 5/18, de 17 de Julho. De referir que não é permitida o recurso a mais do que uma instituição
bancaria para a liquidação de uma mesma operação de importação, exportação ou reexporta-
ção, ou seja em relação a uma mesma operação apenas pode intervir uma instituição bancária
e não poderá o interessado na operação iniciar a mesma junto de um banco e posteriormente
finalizar a mesma através de outro banco.
34 
A título de nota comparatística é de referir que o princípio da intermediação é também adop-
tado por outras jurisdições com regimes de controlo cambial. É o caso Brasil, no qual a entrada
e saída de moeda estrangeira no estrangeiro implica a celebração e liquidação de contrato
de câmbio com um banco autorizado, cujos dados são registados no Sistema de Informações do
Banco Central do Brasil (Sisbacen). É o caso de Moçambique, cuja legislação também impõe
que as operações cambiais sejam realizadas por intermédio de instituições autorizadas, as
quais mantêm obrigações de reporte ao Banco de Moçambique.

105
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

instituição autorizada e processar o pedido de autorização através dessa insti-


tuição e efectuar a liquidação financeira da operação também através de ins-
tituição autorizada. Mesmo nas situações em que seja dispensada a obtenção
de autorização prévia para a realização da operação cambial, a mesma deve
ser liquidada através de instituição autorizada.
Também quanto às operações cambiais decorrentes das actividades petrolí-
feras é obrigatória a intermediação por instituições bancárias nacionais nos
termos que detalharemos mais adiante35.
A liquidação financeira poderá concretizar-se, no caso de um residente
cambial, mediante ordem de pagamento a terceiro beneficiário de operação
cambial a partir de conta aberta junto de instituição autorizada em Angola
ou o recebimento de fundos em conta de que seja titular. Em qualquer caso
a operação decorre por recurso aos serviços de uma instituição autorizada.
O princípio da intermediação congrega, por um lado, uma obrigação para
os agentes económicos (ordenadores e beneficiários) de recorrer aos serviços
de instituições bancárias para processar as operações cambiais em que sejam
parte e, por outro lado, uma responsabilidade para as instituições financeiras
de esclarecer os clientes sobre as opções de liquidação de operações cambiais os
riscos inerentes, habilitando os mesmos a tomar decisões esclarecidas e nas
melhores condições.
Este dever de acompanhamento e esclarecimento dos clientes pelos bancos
do sistema enquadra-se no contexto da relação de confiança entre o clien-
te e o seu banco que é a raiz do negócio bancário e que é alimentada pelo
conhecimento do banco em relação ao seu cliente – know your client – e das
transacções realizadas por este (objecto, natureza, fundamento económico,
parte envolvidas, etc.) – know your transaction.

Autorização prévia
Em geral a realização de operações cambiais está sujeita a autorização pré-
via pela autoridade competente, i.e., o BNA, ou por entidade a quem tenham
sido atribuídos poderes de autorização para o efeito36. Veremos adiante que

35 
Cfr. art. 5.º da Lei n.º 2/12, de 13 de Janeiro.
36 
Notamos que outras jurisdições com controlos cambiais implementados adotam o prin-
cípio da autorização prévia das operações, admitindo excepções para determinados tipos de
operações. Observamos este modelo também em Moçambique.

106
O REGIME CAMBIAL

o BNA, através dos seus Avisos concede autorizações genéricas a certos tipos
de operações ou dispensa a obrigações de obtenção de autorização prévia em
certos casos.
Também a abertura e movimentação de contas junto de instituições fi-
nanceiras (contas bancárias em geral) com sede em Angola, na medida em
que tal constitua uma operação cambial (a abertura e a movimentação em
Angola de contas em moeda estrangeira, por residentes ou por não residentes;
a abertura e a movimentação em Angola de contas em moeda nacional, por
residentes ou por não residentes), estão sujeitas a autorização genérica legal,
estatuída no art. 9.º da Lei Cambial.
Nos termos da autorização legal, é permitido aos residentes cambiais abrir
o movimentar contas em moedas estrangeiras junto de instituições finan-
ceiras domiciliadas em Angola e os não residentes cambiais podem abrir o
movimentar contas, em moeda nacional ou estrangeira, junto de instituições
financeiras em Angola.37
A abertura e movimentação de contas bancárias é objecto de regulamenta-
ção pelo BNA, nos termos de Aviso do BNA n.º 3/09, de 5 de Junho, e do Aviso
do BNA n.º 2/17, de 3 de Fevereiro, que definem de forma estrita os termos
de movimentação das contas bancárias em moeda estrangeira e nacional e
autoriza as instituições bancárias a abrir contas à ordem e a prazo em moe-
da nacional e moeda estrangeira, em nome de residentes e não residentes38.

37 
A título de referência histórica, notamos que ao abrigo da Lei n.º 9/88, de 2 de Julho, que
foi revogada pela Lei n.º 5/97, de 27 de Julho, a actual Lei Cambial, a abertura e movimentação
de contas em moeda estrangeira, tanto por residentes em instituições bancarias nacionais
ou internacionais, como por não residentes em instituições bancárias nacionais dependia de
autorização do BNA. Também a abertura e movimentação de contas em instituições bancárias
nacionais, em moeda nacional, por não residentes dependia de autorização do BNA.
38 
Sobre a abertura e movimentação de contas bancárias em Angola, fazemos referência ao
Aviso do BNA n.º 3/09, de 5 de Junho e ao Aviso do BNA n.º 2/17, de 3 de Fevereiro.
Nos termos do Aviso do BNA n.º 2/17, são admitidas as seguintes movimentações às contas
bancarias tituladas por não residentes cambiais:
Conta em moeda nacional:
a) Movimentação a crédito:
i. Conversão de moeda estrangeira proveniente do exterior ou de contas tituladas por não residentes
cambiais em moeda estrangeira;
ii. Receitas provenientes da actividade económica legalmente exercida no País;
iii. Remuneração proveniente de aplicações efectuadas junto da Instituição Financeira Bancária.

107
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

A abertura de contas em moeda estrangeira tituladas por organismos do


Estado depende de autorização do Ministério das Finanças, a apresentar à
instituição bancária na qual é pretendida a abertura da conta.
Em geral as operações de invisíveis correntes estão sujeitas a autorização
do BNA. Esta autoridade poderá, no entanto, dispensar a necessidade de
autorização em determinadas operações de invisíveis correntes39.
Recentemente o BNA dispensou a necessidade de autorização para a rea-
lização de várias operações, nomeadamente: as operações cambias realizadas
por pessoas singulares não carecem se autorização do BNA, salvo se ultrapas-
sarem os limites máximos estabelecidos, se destinem à aquisição de bens imó-
veis ou valores mobiliários no estrangeiro, financiamentos no estrangeiro40;
as operações de invisíveis correntes realizadas por pessoas colectivas estão,
em geral, dispensadas de autorização do BNA41.
No caso das operações de capitais não carecem de autorização os fluxos finan-
ceiros originados por doações provenientes de estrangeiros, bem como heranças
e legados, exclusivamente para pessoas singulares com residência em Angola42.

b) Movimentação a débito:
i. Transferências domésticas;
ii. Pagamento de cheques emitidos sobre a conta;
iii. Utilização de cartões de débito em território nacional;
iv. Pagamento de quaisquer encargos associados à manutenção de conta ou movimentação de fundos.
Contas em estrangeira:
a) Movimentação a crédito:
i. Fundos provenientes do exterior do país;
ii. Remuneração proveniente de aplicações efectuadas junto da Instituição Financeira Bancária.
b) Movimentação a débito:
i. Operações cambiais para efeitos de pagamento a residentes cambiais em moeda nacional;
ii. Emissão de ordens de pagamento ou transferência para o exterior;
iii. Transferências interbancárias em moeda estrangeira para contas tituladas por entidades residentes
cambiais colectivas com as quais se mantenha relação de grupo;
iv. Utilização de cartões electrónicos de pagamento internacional ou quaisquer outros instrumentos de
pagamento aceites no mercado internacional no limite dos saldos disponíveis;
v. Pagamento de quaisquer encargos associados à manutenção de conta ou movimentação de fundos.
39 
Cfr. art. 3.º do Decreto 21/98, de 24 de Julho.
40 
Aviso do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro.
41 
Aviso no BNA n.º 2/20, de 9 de Janeiro.
42 
Cfr. Instrutivo 1/2003, de 7 de Fevereiro. Embora as operações referidas não careçam de
autorização prévia e possam ser livremente realizadas pelas instituições bancarias, deve ser
dado conhecimento ao BNA sobre a sua realização.

108
O REGIME CAMBIAL

A licença para a realização de operações de invisíveis correntes é documen-


tada através do Boletim de Autorização de Pagamento de Invisíveis Correntes
(BAPIC).
Quando esteja em causa uma operação de exportação de capitais, o BNA
emite uma Licença de Exportação de Capitais (LEC); quando esteja em causa
uma operação e importação de capitais o BNA emite uma Licença de Impor-
tação de Capitais (LIC).
As operações cambiais de mercadorias estão dispensadas de autorização prévia
pelo BNA, desde que sejam realizadas com observância das normas aplicáveis,
independentemente do prazo de liquidação43. De realçar que um dos aspectos
de maior relevância prática no que respeita às operações de mercadorias respeita
às modalidades de pagamento admitidas para a sua liquidação44.
No âmbito da actividade de exportação, as operações cambiais que
consistem na recepção de moeda estrangeira resultante da exportação ou
reexportação de mercadorias não carecem de licença prévia do BNA, desde
que sejam realizadas em conformidade com o estipulado no Aviso n.º 5/18,
de 17 de Julho. As operações de recepção de moeda estrangeira no âmbito da
exportação de mercadorias que não siga o padrão estabelecido no referido
Aviso, estão sujeitas a licenciamento pelo BNA.
Em geral as transacções de importação, exportação e reexportação de
mercadorias estão sujeitas a licenciamento do Ministério do Comércio, o qual
é processado através do Sistema Integrado do Comércio Externo (SICOEX),
pelo que consideramos que a dispensa da licença do BNA para a liquidação
de operações de mercadorias é um factor de eficiência do processo de tramitação
e liquidação de operações de comércio externo45.

43 
O Aviso do BNA n.º 1/20, de 9 de Janeiro, eliminou a regra que impunha que apenas as
operações com liquidação em prazo inferior a 360 dias da data dos documentos de desem-
barque/embarque beneficiavam da dispensa de autorização prévia do BNA.
44 
Nos termos do Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho, são admitidas as seguintes modalida-
des de pagamentos: crédito documentário, pagamento antecipado, pagamento postecipado
mediante remessas documentárias. O regulador incumbe os bancos de aconselhar os seus clientes
importadores a evitar, sempre que possível, a realização de pagamentos antecipados e a informar os
mesmos sobre a possibilidade de utilizarem outras modalidades de pagamento igualmente
utilizados no comércio internacional.
45 
De notar que também no Brasil as operações de importação de mercadorias devem ser
processado em consonância com os dados constantes na Declaração de Importação registada

109
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Acresce que o BNA mantém o controlo da informação associada às operações


de mercadorias na medida em que tem acesso ao SICOEX46 e, consequentemen-
te, a toda a informação registada nesse sistema quanto a todas as transacções
que originam operações cambiais sobre mercadorias.
As excepções ao princípio da autorização decorrem da possibilidade legal-
mente reconhecida ao BNA para delegar a sua competência de autorização em
instituições de autorizadas a exercer o comércio de câmbios. Tais excepções
não correspondem ao reconhecimento de uma liberalização total de realização
de determinados tipos de operações cambiais, mas sim à descentralização da
competência de verificação das condições legais aplicáveis à realização dessas
operações. Dito de outra forma: quando se estipula ficam as instituições bancárias
autorizadas a realizar, sem prévia autorização do BNA determinadas operações, o
efeito é o cometimento às instituições bancárias da competência para verificar
a conformidade dessas operações com as condições e limites que lhe sejam
aplicáveis e autorizar o seu processamento (ou não).
Em geral, todas as operações cambiais estão sujeitas a registo ordenado pela
instituição bancária que assegurou a respectiva intermediação a autoriza-
ção, mesmo aquelas que estão dispensadas de autorização prévia do BNA.
O acesso a esse registo pela autoridade cambial permite à autoridade cambial
conhecer e obter informação que, depois de tratada, possibilita acompanhar
o tipo de operações, o seu valor e volume ou quantidade, bem como as acti-
vidades subjacentes que originam fluxos entre Angola e o estrangeiro, os e
os agentes económicos originadores. Tal informação poderá ser de grande
valia no acompanhamento das políticas económicas, monetária e cambial.

Registo e reporte

A realização de operações cambiais está em geral sujeita a registo pelas


instituições que intermediam a operação e subsequentemente a informação
é comunicada ao BNA. Vejamos como se efectiva este princípio.
A Lei Cambial determina que as instituições autorizadas a exercer o co-
mércio de câmbios devem enviar ao BNA informação estatística ou de outra

no SISCOMEX – Sistema Integrado de Comércio Exterior ou na documentação da operação


comercial, no caso de ainda não estar disponível a Declaração de Importação.
46 
Cfr. art. 10.º e seguintes do Decreto Presidencial n.º 75/17, de 7 de Abril.

110
O REGIME CAMBIAL

natureza que lhes seja solicitada pela autoridade cambial47. Esta regra genérica
foi regulamentada pelo BNA no sentido de impor às instituições a obrigação
de constituir e manter em arquivo o registo das operações cambiais que efec-
tuam. O arquivo deve ser mantido pelo prazo mínimo de 10 anos48.
No que respeita às operações cambiais associadas às actividades petrolíferas
o Lei n.º 2/12, de 13 de Janeiro, estabelece um regime específico de registo de
todos os contratos celebrados com não residentes, para o fornecimento de bens
e serviços, junto do BNA; bem como estabelece a obrigação de registo das ope-
rações cambiais49. Esta obrigação de registo é detalhada no art. 7.º do Aviso do
BNA 20/12, de 12 de Abril, que estabelece os prazos e o formato de comunicação
de informação ao BNA para efeito de registo das operações, determinando que
para além da apresentação da informação em ficheiro Excel, também é neces-
sário o registo no Sistema Integrado de Operações Cambiais do BNA (SINOC).
A informação registada pelas instituições e reportada ao BNA permite a
esta autoridade ter uma visão agregada da actividade cambial do país e pu-
blicar informação sobre a mesma50, bem como possibilita o desenvolvimento
de ferramentas de acompanhamento e de avaliação do impacto da política e
medidas cambiais.

V. Operações cambiais de capitais

As operações cambiais de capitais são regulamentadas pelo Decreto n.º 23/98,


de 24 de Julho, pelo Aviso do BNA n.º 15/19, de 30 de Dezembro (define os
procedimentos para a realização de operações cambiais de capitais relaciona-
das com investimento externo) e o Aviso do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro
(define os procedimentos para a realização de operações cambiais por pessoas
singulares, incluindo operações de capitais).
Para os efeitos do regime regulamentar que descrevemos consideram-
-se operações de capitais: os contratos e outros actos jurídicos, mediante os quais
se constituam ou transmitam direitos ou obrigações entre residentes e não residentes,

47 
Cfr. art. 12.º da Lei Cambial.
48 
Cfr. Art. 175.º da Lei de Bases das Instituições Financeiras.
49 
Cfr. art. 9.º e 17.º da Lei n.º 2/2012, de 13 de Janeiro.
50 
Vide Relatório e Contas do BNA relativo a 2012, publicado em www.bna.ao.

111
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

mencionados em anexo ao presente diploma; as transferências entre o território nacional


e o estrangeiro enumeradas no mesmo anexo e bem assim as que se destinem aos fins ou
decorram dos actos mencionados em tal anexo.
O Decreto n.º 23/98, de 24 de Julho, apresenta em anexo uma lista de
operações organizadas por classes em função do seu prazo e finalidade:

Classe 1
Operações correntes de capitais a curto prazo
1. Emissão e reembolso, total ou parcial, de título de dívida pública, de obrigações
emitidas por entidades privadas e de outros títulos de natureza semelhante a
prazo não superior a um ano.
2. Subscrição e compra ou venda de títulos de dívida pública, de obrigações
emitidas por entidades privadas e de outros títulos de natureza semelhante a
prazo não inferior a um ano.
3. Concessão e reembolso, total ou parcial, de empréstimos, qualquer que seja a
forma, a natureza ou o título destes, quando por prazo não superior a um ano,
com excepção dos empréstimos de natureza exclusivamente civil.
4. Constituição de cauções ou execução de garantias quando realizadas por
períodos não superiores a um ano.
5. Pagamento de indemnizações nos termos de contratos de seguro de créditos,
quando o prazo destes contratos não exceder um ano.
6. Outras operações de natureza semelhante à das anteriores, desde que o res-
pectivo prazo de vencimento não exceda um ano.

Classe 2
Operações correntes de capitais a médio e longo prazos
1. Criação de novas empresas ou de quaisquer sucursais das já existentes.
2. Participação de capital de empresas ou de sociedades civis ou comerciais,
qualquer que seja a forma de que se revista.
3. Constituição de contas em participação ou associações de terceiros a partes
ou quotas de capital social.
4. Aquisição total ou parcial de estabelecimentos.
5. Aquisição de imóveis.
6. Transferência de valores resultantes da venda ou liquidação de posições ad-
quiridas de conformidade com os n.ºs 1 a 5 anteriores.

112
O REGIME CAMBIAL

7. Emissão de acções de quaisquer empresas ou sociedades e emissão e reembolso


total ou parcial de títulos de dívida pública, de obrigações emitidas por enti-
dades privadas e de outros títulos de natureza semelhante a prazo superior a
um ano.
8. Subscrição e compra ou venda de acções de quaisquer empresas ou sociedades
e de títulos de dívida pública, de obrigações emitidas por entidades privadas e
de outros títulos de natureza semelhante a prazo superior a um ano.
9. Concessão e reembolso total ou parcial de empréstimos e outros créditos, qual-
quer que seja a forma, a natureza ou títulos destes, quando por prazo superior
a um ano, com excepção dos empréstimos e outros créditos de natureza exclusi-
vamente civil.
10. Constituição de cauções ou execução de garantias, quando realizadas por
períodos superiores a um ano.
11. Pagamento de indemnizações, nos termos de contratos de seguro de créditos,
quando o prazo destes contratos exceder um ano.
12. Outras operações de natureza semelhante à das anteriores, desde que o res-
pectivo prazo de vencimento exceda um ano.

Classe 3
Movimento de capitais de carácter pessoal
1. Doações, constituições de dote e concessão ou pagamento de empréstimos de
natureza exclusivamente civil.
2. Pagamento de prestações devidas por seguradores resultantes de contratos de
seguro de vida, com excepção do pagamento de pensões e rendas.
3. Transferências de importâncias adquiridas por herança ou legado ou do pro-
duto da liquidação de bens adquiridos por igual título.
4. Transferência de capitais relacionados com a migração de pessoas nacionais
ou estrangeiras, quando da entrada ou da saída.
5. Transferência de fundos bloqueados em contas abertas em nome de residentes
no estrangeiro.
6. Outras transferências de natureza semelhante à das anteriores.

De referir que as operações cambiais de mercadorias e as operações


cambiais de invisíveis correntes constituem uma subcategoria de operações
cambiais de capitais e o tratamento coerente e com uma sistemática unificada

113
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

da matéria das operações cambiais aconselharia que todas as categorias de


operações fossem regulamentadas num só instrumento.

VI. Operações de invisíveis correntes

As operações de invisíveis correntes são regulamentadas pelo Decreto


n.º 21/98, de 24 de Julho e pelos Avisos do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro
(sobre as operações cambiais realizadas por pessoas singulares), n.º 2/20, de
9 de Janeiro (sobre as operações de invisíveis correntes realizadas por pessoas
colectivas) e 15/19, de 30 de Dezembro (sobre operações relacionadas com
investimento externo).
Relembramos que são operações de invisíveis correntes as transacções, que não
sejam de mercadorias, nomeadamente relativas a viagens e transferências corrente, pa-
gamento e recebimento de serviços e rendimentos, quando se efectuem entre o território
nacional e o estrangeiro ou entre residentes e não residentes em território nacional.
Ou seja, o conceito material de operações de invisíveis correntes resulta de uma
lista de operações que dão origem a fluxos financeiros entre Angola e o ex-
terior ou entre um residente e um não residente.
A regulação sobre operações de invisíveis correntes aplica-se às transacções
serviços e fluxos relativos a transportes, seguros, viagens, rendimentos de
capitais, comissões e corretagens, direitos de propriedades intelectual, en-
cargos administrativos, de exploração e outros, salários e outras despesas por
serviços pessoais, outros serviços e pagamento de rendimentos, transferências
privadas e despesas incorridas por pessoas de Direito Público, seguindo uma
classificação típica.
Como já vimos51, o princípio da autorização sofre uma excepção nesta catego-
ria de operações: as instituições bancárias podem realizar, sem prévia autoriza-
ção do BNA um conjunto de operações, desde que estejam em conformidade
com as condições regulamentares e sejam de valor inferior a certo montante.
Também quanto a esta categoria de operações o princípio da intermedia-
ção manifesta-se nesta em duas vertentes relevantes: processual e financeira.
Em termos processuais, o pedido de autorização é apresentado pelo interessado

51 
Vide supra Princípios Gerais – Autorização prévia.

114
O REGIME CAMBIAL

à instituição bancária mediante carta que identifique os elementos essenciais


da operação a realizar acompanhada dos documentos exigíveis para cada tipo
de operação. É a instituição bancária que remete o pedido de autorização ao
BNA e que receberá a comunicação da concessão (ou não) na autorização,
disso devendo comunicar ao seu cliente (o requente).
Por outro lado, o fluxo financeiro que corresponde à liquidação da ope-
ração só pode ser efectivado através de uma instituição bancária em Angola,
mediante o crédito ou débito em conta bancária.
Pela sua especial relevância referiremos em especial apenas dois subtipos
de operações de invisíveis correntes: as transferências para o exterior de lucros
ou dividendos obtidos em Angola e a liquidação de contratos de assistência
técnica.
As transferências para o exterior de dividendos obtidos em Angola prove-
nientes de investimento directo externo em empresas sem valores mobiliários
admitidos à negociação em bolsa ou de valores mobiliários não estão sujeitas
a autorização prévia do BNA52.
Estão sujeitas a autorização prévia do BNA a realização de operações que
envolva a compra de títulos de dívida pública ou a exportação de capitais que
exija a compra de moeda estrangeira, em certos casos (quando a operação em
causa não se realize com recurso a fundos em conta em moeda estrangeira).
A liquidação de contratos de prestação de serviços de assistência técnica
por entidade estrangeira ou de gestão constitui uma operação de invisíveis cor-
rentes de carácter comercial, que fica parcialmente sujeita a um regime dife-
renciado decorrente do Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro53.
Os contratos de valor inferior ou igual a USD 300.000,00 com prazo menor
ou igual a 12 meses não carecem de autorização prévia do BNA, mas devem
ser registados junto do BNA54-55.

52 
Aviso do BNA n.º 15/19, de 30 de Dezembro.
53 
O Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro, aprova o Regulamento sobre a Con-
tratação de Prestação de Serviço de Assistência Técnica Estrangeira ou de Gestão.
54 
Cfr. art. 1.º do Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro, com o parágrafo 3 do
Instrutivo n.º 1/06, de 6 Janeiro.
55 
De notar os contratos de tecnologias e a contratação individual de especialistas não estão
sujeitos ao Regulamento sobre a Contratação de Prestação de Serviço de Assistência Técnica
Estrangeira ou de Gestão e, nessa medida, não estão sujeitos a registo junto do Ministério
da Economia.

115
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Os contratos enquadrados no Regulamento sobre a Contratação de Presta-


ção de Serviço de Assistência Técnica Estrangeira ou de Gestão, cujo valor seja
superior a USD 300.000,00 ou com prazo superior a 12 meses ficam sujeitos
aprovação do Ministério da Economia, de acordo com processo conduzido
por uma comissão de avaliação, que integra obrigatoriamente um represen-
tante do BNA, um representantes do Ministério da Administração Pública,
Emprego e Segurança Social e por um representante do Ministério da Eco-
nomia, que preside. Após a aceitação do requerimento de aprovação do con-
trato com todos os elementos, a comissão de avaliação dispõe de 30 dias úteis
para se pronunciar. Na falta de decisão da comissão de avaliação no prazo de
30 dias úteis, considera-se o contrato aprovado – situação de deferimento
tácito. Após aprovação do contrato, o mesmo é registado para efeitos cambiais
e pode efectuar-se a liquidação cambial.

VII. Operações cambiais de mercadorias

As operações cambiais de mercadorias são actualmente reguladas pelo Decre-


to Presidencial n.º 75/17, de 7 de Abril (que revogou o Decreto Presidencial
n.º 265/10, de 26 de Novembro), pelo Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho,
alterado pelo Aviso do BNA n.º 1/20, de 9 de Janeiro, e pelo Instrutivo do BNA
n.º 18/19, de 25 de Outubro. Estes diplomas instituíram um regime integrado
de tratamento das importações, exportações e reexportação de mercadorias,
incluindo a respectiva liquidação cambial.
Nestas linhas iremos focar apenas os aspectos relativos à liquidação cam-
bial das operações de mercadorias, o qual actualmente tem por base o Registo de
Exportadores e Importadores (REI), no qual estão inscritos todos os exporta-
dores e importadores admitidos como operadores de comércio internacional,
e o Sistema Integrado do Comércio Externo (SICOEX).
Também nestas operações se manifesta o princípio da intermediação: a liqui-
dação das operações de mercadorias só pode ser efectuada por intermédio de uma
instituição financeira bancária autorizada e não é permitida a intermediação
e liquidação através de mais o que uma instituição bancária em relação a uma
mesma operação.

116
O REGIME CAMBIAL

Para efeitos da liquidação das operações o importador deve entregar à


instituição bancária uma via do Documento Único (DU)56 com a licença de
importação/exportação, devendo a instituição aceder ao SICOEX e confirmar
a licença. Este processo deve acontecer antes do desalfandegamento, no caso
das importações, ou da declaração aduaneira para exportação, no caso das
exportações; caso contrário a liquidação cambial deve ser requerida como
uma operação de capitais.
Previamente à realização de qualquer transacção de liquidação cambial de
uma operação de mercadorias as instituições bancárias devem tomar as medidas
necessárias que lhes permitam conhecer a natureza, fundamento económico
da operação em causa, bem como a identidade do importador ou exportador
seu cliente e ainda verificar a conformidade legal da operação. Esta regra
corresponde, de uma parte, à implementação dos princípios de know your
costumer e know your transaction que decorrem já da legislação fiscal e da Lei
de Prevenção do Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terro-
rismo57; e, de outra parte, converte as instituições bancárias em agentes de
controlo de legalidade das operações.
Quanto às modalidades de liquidação, é admitido o crédito documentário,
o pagamento antecipado e o pagamento postecipado. Na seleção da forma de
pagamento deve atender-se às melhores práticas do comércio internacional,
aos valores e riscos que cada operação comporta, ao enquadramento legal
em vigor e ao grau de confiança que existe entre todas as partes envolvidas,
fazendo-se apelo a uma matriz de risco de factores múltiplos por vezes de
difícil avaliação.
De salientar que se estabeleceu o princípio da utilização prioritária de
fundos em moeda estrangeira para liquidar operações de importação de
mercadorias. Assim, os importadores que tenham também actividade de ex-
portação e detenham fundos em moeda estrangeira resultantes da activida-
de de exportação, devem obrigatoriamente utilizar esses fundos em moeda
estrangeira para liquidar as importações que façam.

56 
O Documento Único é o formulário de despacho aduaneiro utilizado para o desembaraço
alfandegário das mercadorias.
57 
Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro.

117
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Desde meados de 2017, que está em vigor um regime específico aplicável


às operações resultantes da actividade de exportação, estabelecido primeira-
mente pelo Aviso do BNA n.º 4/17, de 28 de Junho, e mais recentemente pelo
Aviso do BNA 5/18, de 17 de Julho.
De acordo com este novo regime é plenamente aplicado o princípio da in-
termediação, sendo que a totalidade da receita que resulte de uma operação de
exportação de mercadoria deve ser creditada em conta bancária em moeda
estrangeira, titulada pelo exportador (sem prejuízo de poderem ser deduzidos
os valores correspondentes a custos com a exportação).
No prazo de cinco dias, contados da data de entrada em Angola dos fundos,
em moeda estrangeira, provenientes da operação de exportação, o exportado
deve vender 50% desses fundos ao banco intermediário. Os restantes 50%
desses fundos podem permanecer depositados em conta e apenas poderão ser
utilizados para: realizar pagamento ao estrangeiro no âmbito da actividade do
exportador; efectuar o reembolso, pagar juros e despesas de financiamentos
contratados em moeda estrangeira; realizar aplicações financeiras no mesmo
banco, comprar moeda nacional para o pagamento de despesas a residentes
cambiais58.
Este regime de operações cambiais de mercadorias exportadas cria um
novo segmento de contas bancárias reservadas para a actividade de exportação,
cuja movimentação está condicionada à verificação de condições específicas.

VIII. Regime especial das operações petrolíferas

Sobre as actividades petrolíferas prima o princípio, constitucionalmen-


te reconhecido, da soberania do povo angolano sobre os recursos naturais
existentes no território angolano, do qual decorrem o princípio do mono-
pólio ou da titularidade exclusiva dos direitos mineiros pela concessioná-
ria nacional59-60, o princípio da intransmissibilidade de direitos mineiros61

58 
Cfr. Art. 19.º do Aviso do BNA n.º 5/18, de 17 de Julho.
59 
Cfr. art. 4.º da Lei das Actividades Petrolíferas.
60 
A concessionária nacional é a Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola, Empresa
Pública (Sonangol, E.P.).
61 
Cfr. art. 5.º da Lei das Actividades Petrolíferas.

118
O REGIME CAMBIAL

e o princípio da obrigatoriedade associativa das empresas petrolíferas à con-


cessionária nacional62-63.
As transacções e fluxos financeiros associados às actividades petrolíferas
de prospecção64, pesquisa65, avaliação, desenvolvimento66 e produção67 de
petróleo e gás natural, implicam a realização de investimentos, pagamentos
e originam receitas de valores elevados aos quais habitualmente estão asso-
ciados contratos de elevada complexidade, muitas vezes envolvendo vários
territórios e jurisdições68.

62 
Cfr. art. 13.º da Lei das Actividades Petrolíferas.
63 
Sobre este assunto e referência à evolução histórica do enquadramento normativo das
atividades petrolíferas vide Carlos Maria Feijó, “O Poder Concedente no Sector Petrolífero em
Angola”, in Direito dos Petróleos – Uma Perspectiva Lusófona, Almedina, Coimbra, 2013, pp.75-100.
64 
Entende-se por atividade de prospecção o conjunto de operações a executar na terra e no mar,
mediante a utilização de métodos geológicos, geoquímicos ou geofísicos, com vista à localização dos jazigos de
petróleo, com exclusão de perfuração de poços, processamento, análise e interpretação de dados adquiridos
nos respectivos levantamentos ou da informação disponível nos arquivos do Ministério da tutela ou da
Concessionária Nacional, assim como estudos e mapeamento regionais conducentes a uma avaliação e
melhor conhecimento do potencial petrolífero da área – art. 2.º da Lei das Actividades Petrolíferas.
65 
Entende-se por atividade de pesquisa as atividades de prospecção, perfuração e testes de poços
conducentes à descoberta de jazigos de petróleo – art. 2.º da Lei das Actividades Petrolíferas
66 
Entende-se por atividade de desenvolvimento as atividades realizadas após a descoberta co-
mercial, incluindo: estudos e levantamentos geológicos, geofísicos e de reservatórios; perfuração de poços
de produção e injecção; projecto, construção, instalação, ligação e verificação inicial do equipamento,
condutas, sistemas, instalações, maquinaria e as atividades necessárias para produzir e operar os referidos
poços, para tomar recolher, tratar, manipular, armazenar, reinjectar, transportar e entregar petróleo e
para empreender a repressurização, reciclagem e outros projectos re recuperação secundária ou terciária –
art. 2.º da Lei das Actividades Petrolíferas.
67 
Entende-se por atividade de produção o conjunto de atividades que visam extracção do petróleo,
nomeadamente o funcionamento, assistência, manutenção e reparação de poços completados, bem como do
equipamento, condutas, sistemas, instalações e estaleiros concluídos durante o desenvolvimento, incluindo
todas as atividades relacionadas com a planificação, programação, controlo, medição, ensaios e escoamen-
to, recolha tratamento, armazenagem e expedição de petróleo, a partir dos reservatórios subterrâneos de
petróleo, para os locais designados de exportação ou de levantamento e ainda as operações de abandono das
instalações e dos jazigos petrolíferos e atividades conexas. – art. 2.º da Lei das Actividades Petrolíferas.
68 
As atividades petrolíferas são reguladas pela Lei n.º 10/2004, de 12 de Novembro. Nos ter-
mos da referida lei os jazigos petrolíferos existentes à superfície e ou submersos no território
nacional, nas águas interiores, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma
continental integram o domínio público do Estado (art. 3.º). A qualificação destes recursos
como domínio público decorre diretamente da Constituição da República, que estabelece
quais os bens que integram o domínio público e define o quadro mínimo de proteção deste
património. O regime jurídico do património que integra o domínio público do Estado é
estabelecido pela Lei n.º 18/10, de 6 de Agosto.

119
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Antes de 2012, na ausência de um regime cambial específico adaptado


à dinâmica e complexidade das operações petrolíferas apto a responder às
necessidades das actividades em causa e das partes envolvidas, era regra en-
contrar nos contratos de concessão um conjunto de regras especiais para
regular as operações cambiais associadas às actividades em causa.
Desta multiplicidade de regimes, nem sempre com regras iguais entre os
diversos contratos, emergiu a necessidade de se proceder à uniformização do
quadro legal das operações cambiais realizadas no âmbito de actividades petro-
líferas que estabelecesse um sistema de equidade no tratamento das empresas
envolvidas nessas actividades, que aliada à política do Executivo em assegurar
a intermediação financeira das instituições bancárias nacionais, constituíram
o fundamento para o estabelecimento de um regime cambial próprio para a
liquidação de operações de mercadorias, de invisíveis correntes e de capitais
decorrentes das actividades de prospecção, pesquisa, avaliação, desenvolvi-
mento e produção de petróleo bruto e gás natural. Este regime foi aprovado
pela Lei n.º 2/12, de 13 de Janeiro, a Lei sobre o Regime Cambial Aplicável ao
Sector Petrolífero (abreviadamente o “Regime Cambial Petrolífero”).
O Regime Cambial Petrolífero aplica-se à concessionária nacional e às suas
associadas, nacionais e estrangeiras, quanto às seguintes operações:

a) aquisição ou alienação de moeda estrangeira;


b) abertura e movimentação no país de contas em moeda estrangeira por
residentes ou não residentes;
c) abertura e movimentação no país de contas em moeda nacional por
não residentes;
d) liquidação de quaisquer transacções de mercadorias, invisíveis cor-
rentes e de capitais.

O princípio base do Regime Cambial Petrolífero é o princípio da intermedia-


ção, nos termos do qual a concessionária nacional e as sociedades investidoras,
nacionais e estrangeiras, estão obrigadas a efectuar a liquidação das suas
operações em Angola por intermédio, com recurso aos serviços, de instituição
bancária autorizada a exercer o comércio de câmbios em Angola69.

69 
Cfr. art. 5.º da Lei n.º 1/12, de 13 de Janeiro.

120
O REGIME CAMBIAL

Para assegurar a implementação do princípio da intermediação o legislador


indicou expressamente as contas bancárias que devem ser abertas no sistema
bancário nacional e o BNA o calendário a aplicar70. Assim:

– A partir de 1 de Outubro de 2012 a concessionária nacional e as so-


ciedades investidoras ficaram obrigadas a efectuar os pagamentos
referentes ao fornecimento de bens e serviços através de contas em
moeda nacional e estrangeira abertas junto de instituições bancárias
a operar em Angola;
– A partir do dia 13 de Maio de 2013 a concessionária e as sociedades
investidoras ficaram obrigadas a depositar a moeda estrangeira, em
contas abertas junto de instituições bancárias a operar em Angola,
os valores necessários ao pagamento dos impostos e demais encargos
tributários ao Estado Angolano;
– A partir de 1 de Julho de 2013 os contratos de fornecimento de bens
e serviços celebrados entre a concessionária nacional e as sociedades
investidoras com residentes cambiais passaram a ser liquidados em
moeda nacional;
– A partir de 1 de Outubro de 2013 os pagamentos por fornecimentos
de bens e serviços a entidades não residentes cambiais passaram a
ser efectuados através das contas mantidas em instituições bancárias
autorizadas em Angola;
– A partir de 1 de Outubro de 2013 todas as operações cambiais decorrentes
de actividades petrolíferas passaram a ser liquidadas a partir de contas
abertas junto de instituições bancárias em Angola.

O BNA assegura o acompanhamento de todas as operações através do


registo que é obrigatoriamente efectuado pelas instituições bancárias no
Sistema Integrado de Operações Cambiais do Banco Nacional de Angola
(o SINOC) e através do reporte mensal a que tanto a concessionária nacional
como as sociedades investidoras estão obrigadas a entregar ao BNA.
Um conjunto alargado de operações cambiais está dispensado de autorização
prévia do BNA, podendo ser processadas pelas instituições bancárias desde

70 
Aviso do BNA n.º 20/2012, de 12 de Abril.

121
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

que verificados os requisitos legais. De salientar, contudo, que a liquidação


de operações de mercadorias, invisíveis correntes e de capitais por recurso à
compensação de créditos decorrentes de operações de idêntica ou diferente
natureza depende de autorização do BNA. Esta regra especial para a com-
pensação de créditos está em plena coerência com o estipulado no artigo 8.º
da Lei Cambial.
Em 2013, esperava-se que a implementação do princípio da intermediação nas
operações cambiais decorrentes das actividades petrolíferas tivesse como efeito
imediato o aumento da massa monetária a passar pelo sistema financeiro an-
golano e consequentemente o robustecimento dos balanços das instituições
bancárias a operar em Angola. Como efeito indirecto havia a expectativa de
crescimento e sofisticação do sistema financeiro com a abertura de um novo
segmento de clientes com necessidades específicas, eventualmente de grande
complexidade, que fazem operações de grande volume e estão perfeitamente
adaptados a relacionar-se com pequenos e grandes bancos de todo o mundo.
Não existem estudos públicos sobre os efeitos produzidos pelo regime
cambial do sector petrolífero, mas podemos especular que os eventuais efeitos
positivos foram absorvidos pela crise económica e financeira que Angola vive
desde 2014. Em todo o caso, o regulador financeiro recentemente recorreu
mais uma vez a uma medida que visa directamente o sector petrolífero, com o
objectivo de diversificar as fontes de moeda estrangeira no mercado: a partir
de 2 de Janeiro a concessionária nacional e as empresas investidoras, nacionais
e estrangeiras, a operar no sector petrolífero, passaram a vender aos bancos
comerciais a moeda estrangeira necessária para a liquidação de bens e serviços
que lhes sejam fornecidos por residentes cambiais71.

X. Entrada e saída de moeda

O regime de entrada e saida de moeda nacional e estrangeira, do territó-


rio de Angola, foi revisto em 201672, tendo em vista o aperfeiçoamento dos

71 
Aviso do BNA n.º 13/19, de 2 de Dezembro.
72 
Aviso do n.º 1/16, de 12 de Abril (estabelece os termos e condições a que deve obedecer a
entrada e saída de moeda nacional e estrangeira, na posse de pessoas singulares residentes
e não residentes cambiais).

122
O REGIME CAMBIAL

procedimentos no quadro geral do reforço da prevenção e combate ao bran-


queamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, bem como o reforço
dos mecanismos que possibilitam a gestão equilibrada das disponibilidades
de moeda em Angola.
Quanto à entrada de moeda estrangeira é permitido o transporte de um
valor máximo, sem necessidade de declaração especial em modelo próprio.
O valor em excesso deve ser sujeito a declaração73.
Quanto à saída de moeda do território angolano, o novo regime mantém
a limitação dos montantes permitidos transportar para fora de Angola, re-
duzindo os valores74.
De notar que, pelo menos, na fronteira aérea estão implementados meca-
nismos de declaração rápida dos montantes transportados pelos passageiros
e além disso são utilizados meios de fiscalização que possibilitam a detecção
tempestiva de situações de ilicitos cambiais.

XI. Regime sancionatório

O regime sancionatório cambial (corpo de regras que determinam a


punição aplicável pela infração ao regime das operações cambiais) é esta-
belecido em primeira linha pela Lei Cambial e desenvolvido nos diplomas
complementares.
Quanto às sanções aplicáveis temos que:

73 
É permitida a entrada de moeda estrangeira em Angola sem necessidade de declaração
especial:
– residentes cambiais: até USD 10.000,00 ou equivalente;
– não residentes cambiais: até USD 5.000,00 ou equivalente.
74 
É permitido a saída de moeda de Angola dentro dos seguintes limites:
Em moeda nacional: residentes e não residentes cambiais, até AKZ 50.000,00
Em moeda estrangeira:
– residentes cambiais maiores de 18 anos: até USD 10.000,00 ou equivalente;
– residentes cambias menores de 18 anos: até USD 3.500,00 ou equivalente;
– não residentes cambiais maiores de 18 anos: até USD 5.000,00 ou equivalente;
– residentes cambiais menores de 18 anos: até USD 1.500,00 ou equivalente

123
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

a) o exercício da actividade de câmbios não autorizado pelo BNA é pu-


nido com multa correspondente a 1.200 UCF a 120.000 UCF75;
b) a realização de operações cambiais sem a intermediação de instituição
autorizada, a realização de compensação de créditos para liquidação
total ou parcial de transacções de mercadorias, de invisíveis correntes
ou de capitais, bem como a abertura e movimentação de contas bancá-
rias fora do legalmente admitido, bem como a realização de operações
ilícitas sobre ouro, a importação, exportação e reexportação ilícita de
moeda ou de títulos de crédito são punidas com multa correspondente
a 2.400 UFC a 240.000 UFC.

Independentemente da moldura mínima e máxima da multa prevista, o


montante da multa a aplicar a cada caso concreto tem sempre como limite
mínimo o valor do benefício económico obtido pelo infractor.
De notar que em certos casos podem ainda ser aplicadas as seguintes
sanções acessórias:

a) perda a favor do Estado dos bens utilizados ou obtidos com a actividade


ilícita;
b) inibição temporária ou definitiva de funções em órgãos sociais ou de
direcção em quaisquer instituições sujeitas a supervisão do BNA;
c) inibição, até três anos, de efectuar operações cambiais.

Relativamente ao processo, o BNA é a autoridade competente para a in-


vestigação e instrução dos processos76. Para esse efeito, a Lei Cambial atribui
ao BNA poderes de investigação próprios, estando este habilitado a efectuar
inspeções em quaisquer entidades (quer entidades sob a sua supervisão que
outro tipo de entidades), bem como a efectuar a apreensão dos bens utilizados

75 
UCF (Unidade de Correcção Fiscal) foi criada pela Lei n.º 12/96, de 24 de Maio, como
instrumento de actualização do valor de impostos, taxas, multas e outras receitas de natureza
tributária do Estado. O valor actual da UCF é de Kz 88,00, o qual foi fixado pelo Despacho
n.º 174/11, de 11 de Março.
76 
Cfr. Art. 25.º da Lei Cambial. De referir que a Lei 16/10, de 15 de Julho (Lei do BNA), no
seu art. 51.º, sobre a competência do Governador, prevê expressamente uma norma de com-
petência em branco, que permite que outras leis possam atribuir competência ao Governador
para a prática de determinados actos.

124
O REGIME CAMBIAL

ou obtidos com a actividade ilícita. As autoridades policiais e os outros serviços


públicos devem prestar ao BNA toda a colaboração necessária ao cumprimento
das suas funções enquanto entidade de investigação e instrução do processo
de transgressão.
No que respeita à determinação concreta da sanção a aplicar no caso con-
creto, importa referir que é competência própria do Governador do BNA77
determinar a sanção a aplicar, sendo a sua decisão suscetível de recurso nos
termos gerais.
Embora não integre o regime sancionatório, consideramos relevante men-
cionar aqui as regras relativas à entrada e saída em Angola de moeda física
nacional e estrangeira, por corresponder a uma forma de controlo cambial
directo e imediato sobre os viajantes.
O controlo da aplicação dos limites de transporte de moeda nacional e
estrangeira nas fronteiras, nomeadamente no aeroporto, está a cargo dos
agentes do Serviço Nacional das Alfandegas. A violação dos limites indicados
(i.e. o transporte de valores monetários superiores ao permitido) é punida
com multa e perda a favor do Estado dos valores em excesso ao limite máximo
permitido.

XI. Em conclusão

O regime cambial, o regime aplicável às operações cambiais realizadas em


Angola, resulta de um vasto conjunto de diplomas avulsos de natureza legis-
lativa e administrativa, uns de carácter geral (que se aplicam genericamente
a todas as operações cambais) e outros de carácter especial (que estabelecem
regras especiais para determinadas operações). Um dos primeiros desafios
para todos os que estudam, interpretam e aplicam o regime cambial será
identificar as fontes legais e regulamentares em vigor.
Poderíamos questionar se estamos perante um verdadeiro regime cam-
bial ou de um agregado de regras avulsas sobre um conjunto de operações
cambiais. Para justificar que, não obstante estar disperso por uma miríade
de diplomas estamos perante um regime jurídico, ensaiamos identificar os

Cfr. Art. 25.º, n.º 3 da Lei Cambial.


77 

125
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

princípios orientadores e como são regulamentados em concreto, bem como


realçar as linhas que asseguram a coerência do regime.
Notamos, no entanto, que a complexidade, a importância do tema e a já
longa experiência acumulada no tratamento das operações cambiais poderia
conduzir ao tratamento unificado de todos os aspectos relativos às várias cate-
gorias de operações cambiais, o que constituiria uma contribuição importante
para o desenvolvimento coerente do regime.

126
O REGIME CAMBIAL

APÊNDICE

Lista dos diplomas mais relevantes para a compreensão do actual quadro


regulatório aplicável às operações cambiais:

Constituição da República de Angola;

Lei n.º 5/97, de 27 de Junho (Lei Cambial);


Lei n.º 16/10, de 15 de Junho (Lei do Banco Nacional de Angola);
Lei n.º 2/12, de 13 de Janeiro (Lei sobre o regime cambial aplicável ao
sector petrolífero);
Lei n.º 11/15, de 17 de Junho (Lei de Bases das Instituições Financeiras);
Lei n.º 10/18, de 26 de Junho (Lei do Investimento Privado);
Lei n.º 5/20, de 27 de Janeiro (Lei de prevenção e combate ao bran-
queamento de capitais, do financiamento do terrorismo e da prolife-
ração de armas de destruição em massa);
Decreto n.º 21/98, de 24 de Julho, sobre os invisíveis correntes;
Decreto n.º 23/98, de 24 de Julho (Regula as operações de capitais);
Decreto Presidencial n.º 273/11, de 27 de Outubro (Regulamento
sobre a contratação de serviços de assistência técnica estrangeira ou
de gestão);
Decreto Presidencial n.º 75/17, de 7 de Abril (Regulamento dos
Procedimentos Administrativos de Licenciamento de Importações,
Exportações e Reexportações);
Aviso do BNA n.º 3/09, de 5 de Junho (Define as condições em que
as entidades residentes e não residentes cambiais podem ser titulares
de contas bancárias em moeda estrangeira e moeda nacional);
Aviso do BNA n.º 1/16, de 12 de Abril (regulamenta os termos e con-
dições a que deve obedecer a entrada e saída de moeda nacional e de
moeda estrangeira);
Aviso do BNA n.º 2/17, de 3 de Fevereiro (sobre a abertura e movi-
mentação de contas de depósito tituladas por não-residentes cambiais
e contas equiparadas);
Aviso do BNA n.º 5/18, 17 de Julho, alterado pelo Aviso do BNA
n.º 1/20, de 9 de Janeiro (Regras e procedimentos para operações

127
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

cambiais destinadas à liquidação de importações e exportações de


mercadoria);
Instrutivo do BNA n.º 18/19, de 25 de Outubro (estabelece limites
para as operações cambiais de importação de mercadorias);
Instrutivo do BNA n.º 16/19, de 24 de Outubro (estabelece as regras
de cálculo das taxas de câmbio);
Aviso do BNA n.º 9/19, de 6 de Novembro (Regras operacionais do
serviço de remessas de valores);
Aviso do BNA n.º 11/19, de 26 de Novembro (Limites das Comissões
e Despesas Cobradas nas Transacções em Moeda Estrangeira);
Aviso do BNA n.º 12/19, de 2 de Dezembro (Regras e procedimentos
a aplicar na realização de operações cambiais por pessoas singulares);
Aviso do BNA n.º 13/19, de 2 de Dezembro (Procedimentos a aplicar
na realização de operações de venda de moeda estrangeira realizadas
pela concessionária nacional e pelas empresas investidoras no sector
petrolífero);
Aviso do BNA n.º 14/19, de 2 de Dezembro (Estabelece a posição
cambial dos bancos comerciais);
Aviso do BNA n.º 15/19, de 30 de Dezembro (estabelece os procedi-
mentos para a realização de operações cambiais por não residentes
cambiais relacionadas com investimento directo externo, investimento
externo em valores mobiliários, desinvestimento de activos resultantes
de investimento externo, rendimentos proveniente de operações de
investimento externo);
Aviso do BNA n.º 2/20, de 9 de Janeiro (estabelece as regras e pro-
cedimentos que devem ser observados na realização de Operações
Cambiais de Invisíveis Correntes por pessoas colectivas).

128
CAPÍTULO 6
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

Joana Pinto Monteiro

Sumário: 1. Introdução. 2. Enquadramento. 3. Os deveres das institui-


ções financeiras. 3.1. Deveres prudenciais. 3.2. Deveres comportamentais. 4.
Conclusões

1. Introdução

O sistema bancário angolano tem registado um desenvolvimento impor-


tante, seja quanto ao número de instituições financeiras autorizadas1, seja
quanto à cobertura geográfica da rede bancária e à sofisticação dos produtos
bancários distribuídos2.
Para além do crescimento do sistema financeiro angolano, a crise financeira
e económica iniciada em 2008, trouxe consigo outros desafios e despertou o
sector para existência de uma assimetria informativa aguda entre as institui-
ções financeiras e os seus clientes, confirmada com baixos níveis de literacia
financeira.

1 
De 2005 para 2020 houve um aumento de 11 para 26 instituições financeiras bancárias
autorizadas.
2 
Contudo, conforme refere Rosa Mangovo, no capítulo 4 do presente livro, dedicado ao
Banco Nacional de Angola, ainda existe uma relevante massa monetária fora do circuito
bancário: apenas 11% da população tem conta bancária e o volume de moeda nacional fora
do sistema financeiro estima-se que seja cerca de 200 mil milhões de Kwanzas (para mais
informação, reenvia-se para www.bna.ao).

129
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Tal contexto obrigou o Banco Nacional Angolano (BNA) a apetrechar


adequadamente os seus procedimentos e instrumentos de supervisão, em
particular no âmbito comportamental.
Assim, foi criada, na estrutura orgânica do BNA, o Departamento de Su-
pervisão Comportamental, unidade vocacionada para velar pelo rigor e pela
transparência nas relações entre as instituições financeiras e os seus clientes,
bem como o Portal do Consumidor de Produtos e Serviços Financeiros, o qual
pretende consagrar-se como uma plataforma que disponibilizará um conjunto
de informação de carácter financeiro, que permitirá a todos, em especial aos
consumidores financeiros terem acesso a um conjunto de informação de ca-
rácter formativo, bem como se constitui com uma via para apresentar as suas
reclamações decorrentes das relações que estabelecem com as instituições fi-
nanceiras, podendo ainda acompanhar o processo de tratamento das mesmas.
Pretende-se com o presente artigo analisar os deveres que recaem sobre
as instituições financeiras bancárias a nível prudencial e comportamental.
Aliás, os anos recentes têm evidenciado que a existência de uma conduta
adequada das instituições para com os seus clientes, bem como a tomada
de decisões conscientes dos clientes bancários na aquisição de produtos e
serviços são factores fundamentais para assegurar o funcionamento eficiente
e a estabilidade dos mercados financeiros. Tal justifica a especial relevância
aqui conferida aos deveres comportamentais, isto é os deveres que existem
no âmbito da comercialização dos produtos e serviços bancários de retalho e
dos seus deveres de informação para com os clientes3.

2. Enquadramento

O processo de estabelecimento, o exercício de actividade, a supervisão e o


saneamento das instituições financeiras são regulados pela Lei de Bases das
Instituições Financeiras (LBIF) aprovada pela Lei nº 12/2015, de 17 de junho4.

3 
Quanto aos deveres relacionados com a prevenção de branqueamento de capitais e finan-
ciamento de terrorismo no sistema financeiro, cfr. a Lei n.º 05/2020 de 27 de Janeiro e o Aviso
do BNA nº 14/2020, de 22 de Junho.
4 
Este diploma procedeu à revogação da Lei n.º 12/05, de 23 de Setembro.

130
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

A LBIF prevê, no seu artigo 9.º, n.º 1, que as instituições financeiras se clas-
sificam em instituições financeiras bancárias5 e instituições financeiras não
bancárias. No n.º 2 do referido artigo dispõe-se que são instituições financeiras
bancárias os bancos em geral e são instituições financeiras não bancárias as
previstas nos termos do artigo 11.º da LBIF6.
Nos termos do Capítulo VIII, sobre Regras de Conduta, prevê-se um com-
plexo de normas relativas à actuação das instituições financeiras bancárias.
Este capítulo encontra-se dividido em quatro distintas secções: (i) deveres
gerais; (ii) segredo profissional; (iii) conflitos de interesses e (iv) da concor-
rência e publicidade.
No âmbito do Capítulo IX, dedicado às Normas Prudenciais e Supervi-
são, estabelecem-se os deveres que recaem sobre as instituições financeiras
bancárias a nível prudencial.
Além das disposições previstas no âmbito da LBIF, dever-se-á igualmente
ter em conta os deveres previstos no âmbito dos diversos avisos e directivas
publicados pelo Banco Nacional de Angola (BNA), abaixo indicados.

3. Deveres

3.1. Deveres prudenciais

Em primeiro lugar, dever-se-á referir que a LBIF regula de forma geral


sobre os deveres prudenciais, isto é, as disposições aí previstas aplicam-se a
todas as instituições financeiras, com remissão para o Organismo de Super-
visão competente (BNA, Agência Angolana de Regulação e Supervisão de
Seguros e Comissão do Mercado de Capitais).

5 
As instituições financeiras bancárias encontram-se sujeitas a pedido de autorização para
a sua constituição, pedido o qual se encontra regulado nos termos do Aviso nº 09/2020 de
3 de Abril.
6 
Ao nível das instituições financeiras não bancárias temos as instituições financeiras não
bancárias ligadas à moeda e crédito, sujeitas à jurisdição do BNA e as instituições não bancárias
ligadas à actividade seguradora e previdência social, sujeitas à jurisdição da Agência Angolana
de Regulação e Supervisão de Seguros e as instituições não bancárias ligadas ao mercado de
capitais e ao investimento, sujeitas à jurisdição da Comissão do Mercado de Capitais.

131
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

As instituições financeiras bancárias devem aplicar os fundos de que dis-


põem de modo a assegurar a todo o tempo níveis adequados de liquidez e
solvabilidade, não podendo os seus fundos próprios torna-se inferiores ao
capital social mínimo legalmente exigido.
As instituições devem ainda constituir uma reserva legal, a qual deve cor-
responder a uma fracção não inferior a 10% dos lucros líquidos apurados em
cada exercício. Para além da reserva legal, as instituições devem constituir
reservas especiais destinadas a reforçar a situação líquida ou a cobrir prejuízos
que a conta de lucros e perdas não possa suportar7.
Relativamente às relações e limites prudenciais que devem ser respeitados
a opção da LBIF foi a de remeter para posterior regulação deste ponto.
Importa, no entanto, salientar os deveres de informação que recaem sobre
as instituições financeiras bancárias, as quais devem apresentar ao BNA no
prazo por este determinado, as informações necessárias à verificação do seu
grau de liquidez e solvabilidade, dos riscos em que incorrem, do cumprimen-
to das normas legais e regulamentares da sua organização administrativa e
da eficácia dos seus controlos internos, assim como dos seus processos de
segurança e controlo no domínio informático. Por outro lado, as instituições
financeiras bancárias devem sujeitar a sua actividade, contas anuais e demais
informação contabilística a auditoria externa8 a ser realizada por sociedades de
peritos contabilistas e outros auditores habilitados a exercer a sua actividade
em Angola que sejam dotados dos meios humanos, materiais e financeiros
necessários para assegurar a sua idoneidade, independência e competência
técnica.

7 
Podem ser estabelecidos critérios gerais ou específicos, de constituição e aplicação para
as reservas legais e especiais.
8 
O Aviso n.º 04/2013, de 22 de Abril, regula a actividade de auditoria externa nas instituições
financeiras autorizadas pelo BNA.

132
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

3.2. Deveres comportamentais

3.2.1. Gerais

a) Competência Técnica

O primeiro dever previsto no âmbito da LBIF é o da competência técnica9.


Pretende-se que as instituições financeiras bancárias assegurem aos clientes
em todas as actividades que exercem elevados níveis de competência técnica,
dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e técnicos
necessários para realizar em condições de qualidade e eficiência a sua pres-
tação de serviço10.

b) Relação com os clientes

No que se refere às relações com os clientes, os administradores e os em-


pregados das instituições financeiras bancárias devem proceder com dili-
gência, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhe
estão confiados11.

c) Dever de informação e assistência

Directamente relacionado com os deveres existentes nas relações com os


clientes está o dever de informação e assistência que recai sobre as instituições
financeiras bancárias. A informação bancária desde sempre se caracterizou
como uma matéria extremamente relevante no Direito Bancário12.
As instituições financeiras bancárias devem informar os clientes, de forma
clara e inequívoca, sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos,
sobre taxas de juro e condições de crédito, assim como sobre o preço dos
serviços prestados e outros suportados por aqueles.

9 
Artigo 69.º da LBIF.
10 
O dever de competência técnica encontra-se igualmente previsto nos termos do Aviso n.º
05/2012, de 29 de Março do BNA, numa referência genérica ao mesmo.
11 
Artigo 70.º da LBIF.
12 
Sobre o dever de informação ver igualmente Rosa Mangovo, artigo citado.

133
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Quanto aos preços praticados, o BNA de forma a tornar do conhecimento


público o preço das operações praticadas pelas instituições bancárias e assim
assegurar o princípio da sã concorrência das mesmas aprovou a Directiva n.º 1/
DSB/2004, onde se prevê que as instituições bancárias devem afixar em local
bem visível e de fácil acesso ao público, o preçário e respectivas operações
praticadas com a clientela discriminadas pela sua natureza, incluindo a tabela
de câmbios praticados, as taxas de juros das operações activas e passivas em
moeda nacional e em moeda estrangeira, bem como as comissões cobradas.
Mais se prevê que a presente informação deve ser reportada semanalmente
à Direcção de Supervisão Bancária.
O crescente aumento do número de contratos à distância e a necessidade
de se estabelecer uma protecção similar às conferidas aos outros consumidores
implica que as instituições que comercializem os seus produtos à distância
disponibilizem aos clientes, em tempo útil e previamente à vinculação a uma
proposta ou a um contrato a informação sobre o preço dos produtos e serviços
financeiros.
Além da referência geral actualmente já feita nos termos da LBIF quanto
ao dever de informação e assistência, importa ter igualmente em conta a
preocupação denotada na LBIF que remete para o BNA a fixação de requisitos
mínimos no que concerne à informação contida na divulgação ao público das
condições em que prestam os seus serviços e conteúdo mínimo dos contratos
com os seus clientes13. Os deveres de informação, aliás, têm conhecido um
desenvolvimento muito relevante pelo BNA: sobre a matéria, rege o Aviso
do BNA n.º 14/2016 e o Instrutivo do BNA n.º 07/2020 de 20 de Abril sobre
os deveres de informação no âmbito dos contratos de crédito, e o Aviso nº
05/2020 de 28 de Fevereiro, sobre os deveres de informação nos depósitos
duais e nos depósitos indexados.
Por outro lado, e atendendo à crescente importância que o crédito ao
consumo assume previram-se regras específicas ao nível da informação no
âmbito da concessão de crédito ao consumo. Assim, antes da celebração de
qualquer contrato deste tipo devem ser fornecidas ao cliente as informações

13 
A LBIF no seu artigo 71.º, n.º 5 já antecipa que “Os contratos celebrados entre as institui-
ções bancárias e os seus clientes devem conter toda a informação necessária e ser redigida
de forma clara e concisa”.

134
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

adequadas, em papel ou outro suporte duradouro, sobre as condições e o


custo total do crédito14, as suas obrigações e os riscos associados à falta de
pagamento. Aliás, saliente-se que esta informação deve ser prestada ao cliente
na fase pré-contratual de forma a garantia a transparência e comparabilidade
dos produtos oferecidos.

d) Dever de segredo profissional

A matéria do segredo profissional é uma temática relevante15, devido à


importância que a previsão do segredo tem para os clientes, atendendo à con-
fiança que se gera na relação bancária que se estabelece16. Assim, o princípio
geral é que os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das ins-
tituições financeiras bancárias, os seus empregados, mandatários, comissários
e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional,
não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respei-
tantes às relações das instituições com os seus clientes cujo conhecimento
lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação

14 
Tal deve incluir a taxa anual de encargos efectiva global.
15 
Sobre a evolução histórica do segredo bancário, Menezes Cordeiro, Manual de Direito
Bancário, 5ª Edição, Almedina (2016), páginas 356 e seguintes.
16 
Sobre o segredo bancário, cfr. nomeadamente, Rabindranath Capelo de Sousa (O Segre-
do Bancário. Em especial, face às alterações fiscais da Lei n.º30-G/2000, de 29 de Dezembro”,
publicado nos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume III,
Direito Bancário, Coimbra, (2002),páginas 176 a 178), Maria Célia Ramos (O Sigilo bancário
em Portugal – Origens, evolução e fundamentos”, em O Sigilo Bancário, Instituto de Direito
Bancário, Edições Cosmos, (1997), página 136 e 137), José Maria Pires (O Dever de Segredo na
Actividade Bancária, Rei dos Livros, 1998, página 23), Noel Gomes (Segredo Bancário e Direito
Fiscal, Almedina, 2006, página 73 e 74), bem como a nossa jurisprudência, designadamente,
no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 278/95, de 31.05.1995, Acórdão do STJ de 27 de Janeiro
de 2005, Processo 04B4700 e Procuradoria-Geral da República no Parecer do Conselho
Consultivo n.º P000252009. Face ao disposto na Constituição da República Angolana, artigo
32.º, n.º1, onde se consagra o direito a reserva da intimidade da vida privada e familiar e o
artigo 99.º, n.º 1, onde se dispõe que “O sistema financeiro é organizado de forma a garantir a
formação, a captação, a capitalização e a segurança das poupanças, assim como a mobilização
e a aplicação dos recursos financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social, em
conformidade com a Constituição e a lei” entende-se que a protecção do segredo bancário
no direito angolano deverá igualmente proteger os direitos à reserva da intimidade da vida
privada e familiar, bem como a tutela jurídica do mercado financeiro.

135
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

dos seus serviços, como seja, o nome dos clientes, as suas contas de depósito,
respectivos movimentos e demais operações bancárias.
O segredo profissional abrange igualmente a vida da instituição. Assinala-
-se que o dever de segredo profissional não cessa com o termo das funções
ou serviços. Contudo, o dever de segredo profissional comporta excepções:
a primeira, como facilmente, se compreende é a de a haver autorização do
cliente por escrito para o efeito, as outras justificam-se por questões de su-
pervisão e controlo da legalidade17.
Por último, acrescente-se que este dever de segredo profissional recai
igualmente sobre as entidades de supervisão, isto é, as pessoas que exerçam
ou tenham exercido funções no BNA, bem como as que lhe prestem ou tenham
prestado serviços a título permanente ou ocasional, ficam sujeitas ao dever
de segredo sobre factos cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do
exercício dessas funções ou da prestação desses serviços e não podem divul-
gar nem utilizar as informações obtidas. Contudo, o dever de segredo que
recai sobre as entidades de supervisão não as impede de trocarem entre si
informações relevantes.

e) Conflito de interesses

As instituições financeiras não podem conceder crédito, sob qualquer


forma ou modalidade, incluindo a prestação de garantias, quer directa ou
indirectamente, aos membros dos órgãos de administração ou fiscalização
ou equiparados, nem a sociedades ou outros entes colectivos por eles directa
ou indirectamente dominados.
Para além disso, os membros dos órgãos da administração, e de fiscalização,
os directores, os trabalhadores, os consultores e os mandatários das institui-
ções financeiras não podem intervir na apreciação e decisão de operações que
sejam, directa ou indirectamente, interessados, os próprios, seus cônjuges,

17 
Neste sentido, os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados:
(i) ao BNA; (ii) Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das
suas atribuições; (iii) Instituto de Supervisão de Seguros, no âmbito das suas atribuições;
(iv) para instrução de processos mediante despacho do Juiz do Direito ou do Magistrado do
Ministério Público e (v) quando exista outra disposição legal que expressamente limite o
dever de segredo.

136
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

parentes ou afins em primeiro grau, ou sociedades ou outras pessoas colectivas


que uns ou outros directa ou indirectamente dominem.
Por fim, vigoram restrições à concessão de crédito a titulares de participa-
ções qualificadas, nos termos do Aviso do BNA nº 06/2020 de 10 de Março.

f) Atendimento ao Público

As instituições devem estabelecer um horário de atendimento ao público,


não discriminando os seus clientes em função da raça, género, origem18, mas
prevendo um atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência
física ou com mobilidade reduzida, idosos, gestantes, lactantes e pessoas com
crianças de colo, assegurando a todos os que acedem aos seus estabelecimen-
tos segurança física e patrimonial.
A instituição bancária deve ainda criar na estrutura organizativa uma área
especializada de atendimento ao cliente, que permita um atendimento per-
manente das reclamações, a sua resolução de forma célere e a informação aos
clientes sobre o andamento destas19.
Relativamente às reclamações, o legislador vai ainda mais hoje ao prever
os procedimentos que devem ser seguidos no tratamento destas, prazo para
a sua resolução e notificação do resultado.

g) Publicidade

A actividade publicitária20 e a própria publicidade encontram-se regu-


ladas pela Lei Geral da Publicidade (LGP), aprovada pela Lei n.º 9/02, de
30 de Julho, que se aplica a todo o tipo de publicidade, seja qual for o meio

18 
Em conformidade com o disposto no artigo 23.º, n.º 2 da Constituição da República de
Angola, onde se consagra o princípio da igualdade “Ninguém pode ser prejudicado, privile-
giado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua ascendência,
sexo, raça, etnia, cor, deficiência, língua, local de nascimento, religião, convicções políticas,
ideológicas ou filosóficas, grau de instrução, condição económica ou social ou profissão.”
19 
Sobre a reclamação junto das instituições financeiras bancárias, veja-se também neste
livro, Rosa Mangovo, artigo citado.
20 
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 da LGP, considera-se actividade publicitária, o conjunto
de operações relacionadas com a difusão de uma mensagem promocional junto dos seus
destinatários.

137
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de difusão empregue. Assim, no exercício da actividade publicitária deve


observar-se os princípios de licitude, identificabilidade, veracidade, respeito
pelos direitos de autor, livre e leal concorrência e respeito pelos direitos do
consumidor.
Para além das regras gerais resultantes da LGP, dever-se-á atender às regras
específicas contidas nos termos do Aviso n.º 05/2012, de 29 de Março, que
mais não fazem do que aplicar os princípios previstos na LGP à publicidade
específica dos produtos e serviços financeiros. Deste modo, a publicidade
de produtos e serviços financeiros deve identificar inequivocamente qual a
instituição financeira responsável pelos produtos publicitados, assim, como
toda a mensagem publicitária deve respeitar a verdade e estar devidamente
actualizada.
Em conformidade com o disposto na LBIF cabe ao BNA a supervisão da
publicidade elaborada pelas instituições financeiras bancárias. O BNA pode
ordenar a suspensão imediata ou determinar as adequadas modificações ou
rectificações de acções publicitárias das instituições financeiras bancárias
estabelecidas no País, quando estas sejam contrárias à lei ou susceptíveis de
induzir o público em erro.
Não se poderá deixar de concluir a parte referente aos deveres comporta-
mentais gerais sem deixar de fazer alusão a que a LBIF prevê que o BNA pode
estabelecer normas de conduta que considere necessárias para complementar
e desenvolver as aí fixadas. Mais se dispõe que o Código de Conduta elaborado
pela Associação representativa das instituições bancárias deve ser remetido
para conhecimento do BNA.
Relativamente ao Código de Conduta elaborado pela Associação repre-
sentativa das instituições financeiras nada se prevê relativamente à estrutura
e conteúdo deste. Assim, talvez fosse aconselhável a previsão nos termos da
LBIF das características que este deve conter. Parece-nos igualmente acon-
selhável para além deste Código de Conduta, que as instituições financeiras
aprovem, cada uma, o seu Código de Conduta, nos termos do qual prevejam
os vários aspectos das suas relações com os clientes, incluindo os mecanis-
mos e procedimentos internos por si adoptados no âmbito da apreciação de
reclamações.

138
DEVERES FUNDAMENTAIS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS BANCÁRIAS

4. Conclusões

Analisados os deveres das instituições financeiras bancárias, conclui-se


que se tem assistido a um gradual reforço destes deveres – nomeadamente dos
deveres comportamentais, desde a criação na estrutura orgânica do BNA, do
Departamento de Supervisão Comportamental, como unidade vocacionada
para velar pelo rigor e pela transparência nas relações entre as instituições
financeiras e os seus clientes.
Além disso, louva-se a previsão nos termos da LBIF, do Aviso n.º 14/2016 e
do Instrutivo n.º 07/2020 de 20 de Abril relativamente ao dever de informação
e assistência nos contratos de crédito, com paralelo no Aviso nº 05/2020 de
28 de Fevereiro, para certos depósitos bancários. Estes constituem alicerces
seguros de um sistema financeiro moderno, transparente e promotor da li-
teracia financeira.

139
CAPÍTULO 7
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

João Fonseca

Sumário: 1. Definição de governação corporativa. 2. Evolução da legisla-


ção e regulamentação sobre governação corporativa no sector bancário em
Angola. 3. Governação corporativa. 3.1. Modelos de governação corporativa.
3.2. Enquadramento legal. 3.3. Enquadramento regulamentar. 3.3.1. Estrutura
do capital. 3.3.2. Estratégia e gestão do risco. 3.3.3. Estrutura organizacio-
nal. a. Conselho de administração. b. Órgão de fiscalização (Conselho Fiscal).
c. Órgãos especializados do CA. 3.3.4. Remuneração. a. Princípios. b. Órgãos
sociais. c. Colaboradores. 3.3.5. Código de conduta e conflito de interesses. a.
Código de conduta. b. Conflito de interesses. 3.3.6. Transparência e divulgação
de informação. 3.3.7. Grupos financeiros. 4. Auditoria externa. 5. Relatório de
avaliação da GC. 6. Avaliação do grau de implementação. 7. Conclusão.

1. Definição de governação corporativa

A definição mais amplamente aceite de governação corporativa (GC) é a


da OCDE1, segundo a qual envolve um conjunto de relações entre os órgãos de
gestão de uma empresa, o seu conselho de administração, os seus acionistas
e outras partes interessadas (stakeholders). A GC fornece também a estrutura
através da qual os objetivos da empresa são definidos e se determina os meios
para alcançar esses objetivos e para monitorizar o desempenho.

OCDE, Principles of Corporate Governance, 2004.


1 

141
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Por outro lado, uma definição muito mais ampla descreve a GC como
abrangendo as normas para o processo de tomada de decisões dentro de uma
empresa, os deveres dos membros do conselho de administração e directo-
res, a estrutura interna da empresa e o relacionamento entre esta e os seus
accionistas, e outras partes interessadas2.
Este conceito de GC vai além da definição da OCDE em dois aspectos:
primeiro por sugerir que a GC também lida com questões substantivas de
gestão e o pertinente processo de tomada de decisões pelo conselho de ad-
ministração e pela alta gestão, por exemplo, exigindo o estabelecimento de
uma função independente de compliance e de um sistema de gestão do risco;
e segundo, por lidar com a estrutura interna da empresa, ou seja, com es-
truturas internas abaixo do nível do conselho de administração e do senior
management (alta gestão).
Esse conceito muito mais amplo está muito alinhado com o entendimen-
to dos supervisores bancários sobre a GC, conforme consubstanciado nas
orientações do Comité de Basileia de Supervisão Bancária (BIS, na sigla em
inglês). Estas orientações referem que, do ponto de vista do sector, a gover-
nação corporativa envolve a forma como os negócios dos bancos são gover-
nados pelo conselho de administração e senior management que, entre outros,
afecta como:

– definem os objectivos estratégicos;


– conduzem os negócios do banco no dia-a-dia;
– selecionam e supervisionam as pessoas;
– protegem os interesses dos depositantes, correspondem com as obri-
gações dos accionistas e têm em atenção aos interesses de outros
stakeholders;
– alinham as actividades e comportamentos da organização com a ex-
pectativa de que os bancos operam de maneira sã e segura e em con-
formidade com as leis e regulamentos aplicáveis; e
– estabelecem funções de controlo.

2 
MÜLBERT, PETER O., Corporate Governance of Banks after the Financial Crisis – Theory,
Evidence, Reforms, Law Working Paper nº 151/2010, University of Mainz and ECGI, Mainz,
Germany (2010)

142
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

2. Evolução da legislação e regulamentação sobre governação corpora-


tiva no sector bancário em Angola

A governação das instituições bancárias recebeu uma atenção especial


do Banco Nacional de Angola (BNA) em 2013, com a publicação dos Avisos
n.º 1/13, de 19 de Abril, sobre a GC, n.º 2/13, de 19 de Abril, sobre o sistema
de controlo interno (SCI), n.º 3/13, de 22 de Abril, sobre a supervisão em base
consolidada e n.º 4/13, de 22 de Abril, sobre auditoria externa.
A elaboração dos Avisos decorreu da realização pelo Banco Mundial e
Fundo Monetário Internacional, em 2010, de uma avaliação sobre o estado do
sistema financeiro Angolano, ao abrigo do programa de avaliação do sector
financeiro (FSAP, na sigla em inglês), e que conclui com a recomendação ao
BNA da adopção dos princípios do BIS, sobre a governação corporativa no
sector.
Apesar de não ser novo3, o tema carecia de uma abordagem actualizada,
contextualizada à realidade, caracterizada por um crescimento significativo
do sector bancário, tendo sido constituídas 10 instituições bancárias entre
2003 e 2013 (22 existentes em 2013) e o total do activo aumentado cerca de
30 vezes. Entretanto, o aumento das transacções internacionais e o cresci-
mento do sector que aumentou o risco de consequências nefastas para a esta-
bilidade da economia no caso de gestão danosa, também contribuíram para a
necessidade de implementação de modelos de GC mais exigentes.
Os Avisos foram objecto de consulta pública junto da Associação Ango-
lana de Bancos (ABANC) um ano antes da sua publicação, permitindo que
as instituições contribuíssem e tomassem conhecimento prévio das matérias
neles abordadas.
Para além do mais, reconhecendo que esse processo impunha desafios de
ordem económico-financeira e de capacitação profissional, o BNA estabele-
ceu um período de tempo após a publicação dos Avisos para a adequação das
instituições às disposições da nova regulamentação, que terminou a 31 de

3 
Até então as regras existentes estavam limitadas ao definido na Lei das Sociedades Comer-
ciais, na Lei das Instituições Financeiras (em vigor até à publicação da LBIF) e em alguma
regulamentação do BNA, nomeadamente o Aviso n.º 2/06, de 20 de Março, sobre o Sistema de
controlo interno e auditoria interna, e o Instrutivo nº 1/98, de 9 de Janeiro, sobre as Normas
de controlo interno e auditoria externa, que antecedeu o referido Aviso.

143
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Dezembro de 2014. No decorrer deste período, foi instituída a obrigatorie-


dade de as instituições bancárias elaborarem planos de acção e apresentarem
relatórios de progresso ao BNA até à entrada em vigor dos Avisos.
De notar ainda que foi introduzido na regulamentação o princípio da pro-
porcionalidade, que permite ajustar a implementação das regras de acordo
com a dimensão, natureza e complexidade das instituições, considerando a
existência de um número significativo de instituições bancárias recentes e
uma elevada concentração do sector – em que os cinco maiores bancos repre-
sentavam cerca de 75% do total dos activos (sensivelmente o mesmo do que
em 2003), e consequentemente, um risco maior.
Em 2016 o BNA reforçou os requisitos e princípios sobre os quais se devem
reger os SCI de governação dos riscos com a publicação do Aviso n.º 7/16,
de 22 de Junho.
Por sua vez, a adopção plena das Normas Internacionais de Contabilidade
e Relato Financeiro (IAS/IFRS na sigla em inglês) por parte do BNA4 também
contribuiu para o aumento da transparência e divulgação da informação,
com destaque para a IFRS 10 – Demonstrações financeiras consolidadas, IAS
24 – Divulgações de partes relacionadas e a IFRS 9 – Instrumentos finan-
ceiros (que veio a substituir a IAS 39 – Instrumentos financeiros a partir
de 2018).
Com base no acordo alargado ao abrigo do Programa de Financiamento
Ampliado com o FMI, é objectivo das autoridades modernizar a LBIF no que
diz respeito ao controlo interno e à governação corporativa, tendo o Gover-
nador do BNA iniciado a revisão da regulamentação para entrar em vigor
em 20205.
Embora exista uma relação intrínseca entre a GC e o SCI, neste capítulo
focamos a análise apenas sobre o Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril, consideran-
do as regras que são acrescentadas às estabelecidas na Lei das Sociedades

4 
O Aviso nº 6/16, de 22 de Junho, estabelece os princípios gerais a serem observados no
âmbito da adopção plena das IAS/IFRS, definindo um modelo de adopção obrigatória no
exercício de 2016 para as instituições que cumpram determinados critérios, devendo a adopção
pelas restantes ocorrer até exercício de 2017.
5 
BNA, Conferência sobre a Governação Corporativa no Sector Bancário, Luanda, 31 de
Outubro de 2019. Sobre as projectadas alterações, v. o artigo de Leonildo Manuel, Governance
e Sistema de Controlo Interno de Bancos: O que há de novo?, neste volume.

144
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

Comerciais (LSC), e o disposto no Aviso n.º 4/13, de 22 de Abril, sobre a


auditoria externa.

3. Governação corporativa

3.1. Modelos de governação corporativa

Existem três modelos de GC, nomeadamente, Modelo Latino (conselho de


administração apenas), modelo anglo-saxónico (conselho de administração e
comissão executiva) e modelo dualista (conselho geral e conselho executivo).
O modelo adoptado pelas instituições bancárias em Angola até à publicação
do Aviso era essencialmente o Latino, tendo o BNA imposto algumas regras de
segregação de funções caso a instituição adoptasse o modelo anglo-saxónico.

3.2. Enquadramento legal

A LBIF estabelece os princípios gerais de GC no art.15º, devendo as ins-


tituições financeiras:

– apresentar dispositivos sólidos em matéria de governo da sociedade,


incluindo uma estrutura organizativa clara, com linhas de responsa-
bilidade bem definidas, transparentes e coerentes;
– organizar processos eficazes de identificação, gestão, controlo e co-
municação dos riscos a que está ou possa vir a estar exposta;
– dispor de mecanismos adequados de controlo interno, incluindo pro-
cedimentos administrativos e contabilísticos sólidos;
– dispor de políticas e práticas de remuneração que promovam e sejam
coerentes com uma gestão sã e prudente dos riscos.

Para além dos princípios acima enunciados, a LBIF estabelece o dever


de diligência (art. 72º)6, exige a adopção de códigos de conduta (n.º 2 do

6 
Segundo o qual os membros do órgão de administração das instituições bancárias, bem
como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares de-
vem proceder, no cumprimento das suas funções, com a diligência de um gestor criterioso e

145
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

art. 75º) e previne a existência de conflitos de interesses, através da proibição


da concessão de créditos a membros dos órgãos sociais (art. 83º).

3.3. Enquadramento regulamentar

Como princípios gerais, o Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril, estabelece que a


GC deve estar adaptada à dimensão, natureza e complexidade da actividade
das instituições (princípio da proporcionalidade) e as instituições devem
promover a formalização, divulgação e revisão periódica do modelo de GC,
contemplando a estrutura de capital, a estratégia de negócio, as políticas e
processos de gestão do risco, as unidades e estruturas orgânicas e as polí-
ticas aplicadas, designadamente, a política de remuneração, a política para
evitar conflitos de interesses e a política de transparência e divulgação de
informação.

3.3.1. Estrutura do capital

As instituições devem assegurar a transparência da sua estrutura de ca-


pital, através da identificação dos detentores de participações qualificadas
considerando toda a cadeia de entidades a quem a participação é imputada.
No cálculo das participações qualificadas devem ser considerados, para além
dos respeitantes a participações directas, os direitos de voto de acordo com
os critérios definidos no Aviso7.

3.3.2. Estratégia e gestão do risco

O modelo de GC em vigor nas instituições deve permitir a correcta de-


finição, implementação, monitorização e revisão do seu sistema de controlo
interno, designadamente da estratégia do negócio e das políticas e processos
de gestão do risco.

ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e


ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores e clientes
em geral.
7 
Cfr. nº 2 do art. 6º do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril.

146
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

3.3.3. Estrutura organizacional

a. Conselho de administração
O conselho de administração (CA)8 deve ser constituído por um número
ímpar de membros fixados pelos estatutos da sociedade. O número de mem-
bros deve ser suficiente, atendendo à dimensão, natureza e situação econó-
mica da instituição, com disponibilidade para o exercício da função, deven-
do os membros possuir os seguintes requisitos: (i) experiência profissional
ou empresarial relevante, preferencialmente obtida no sistema financeiro,
(ii) elevados padrões éticos e de idoneidade; (iii) compreensão das responsa-
bilidades globais do órgão a que pertencem e das cometidas a cada um dos
seus membros; (iv) conhecimento profundo da actividade desenvolvida e
dos riscos assumidos pela instituição onde exercem funções; (v) capacidade
de leitura e de análise da informação que lhes é disponibilizada, a qual pode
ter origem interna ou externa e possuir natureza contabilística ou de gestão.
As instituições podem escolher o modelo de governação que conside-
rarem adequado, conforme permitido pela LSC para sociedades anónimas,
devendo este ser adequado à dimensão, complexidade e situação financeira
da instituição.
No caso de a instituição optar por ter administradores executivos e não
executivos, deve instituir uma comissão executiva (CE) nos termos da LSC.
Nesses casos, o BNA estabelece a:

i) obrigatoriedade de o CA integrar no mínimo um administrador não


executivo independente9;
ii) obrigatoriedade de os administradores não executivos orientarem-se
para o controlo e avaliação do desempenho da CE, nos termos previstos
na LSC, e para as matérias relativas à estratégia de negócio, estrutura

8 
Designação do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril. Uma vez que o BIS refere que o órgão de
administração deve ser interpretado de acordo com a legislação de cada jurisdição e a LBIF
impõe que as instituições financeiras bancárias têm que adoptar a forma de sociedade anó-
nima (alínea b) do art. 13º), o órgão de administração passa doravante a ser designado por
conselho de administração.
9 
Os requisitos de independência encontram-se definidos no art. 3º do Aviso n.º 1/13, de
19 de Abril.

147
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

orgânica e funcional, divulgação da informação legal ou estatutaria-


mente prevista, políticas e processos específicos10 e operações rele-
vantes em função do seu montante, risco associado ou características
especiais;
iii) impossibilidade de o CA delegar as seguintes responsabilidades para
a CE:
– definição e monitorização da estratégia de negócio e do risco
associado;
– definição da estrutura orgânica e funcional da própria instituição
e da estrutura empresarial do grupo financeiro;
– concepção, avaliação periódica e revisão do SCI;
– divulgação da informação legalmente prevista; e,
– aprovação de operações relevantes.

Para além das responsabilidades acima descritas, que não podem ser de-
legadas para a CE, o CA tem as seguintes:

i) garantir que os membros executivos realizam a gestão diária corrente


de forma sã, prudente e efectiva;
ii) fornecer uma opinião independente no processo de decisão;
iii) supervisionar o processo de divulgação da informação contabilística
e de gestão; e,
iv) actuar enquanto entidade ou participar nos órgãos com competências
delegadas previstas.

O BNA estabelece ainda que a CE deve distribuir os pelouros respeitando


as regras de segregação entre as funções de negócio, suporte e controlo.
Na ausência de administradores não executivos no CA, os accionistas
devem implementar mecanismos alternativos de acompanhamento da ges-
tão executiva, respeitando os princípios aplicáveis aos administradores não
executivos (anteriormente descritos), bem como assegurar o exercício das

10 
Designadamente, (i) gestão do risco e de compliance, (ii) remuneração dos colaborado-
res, (iii) ética, integridade e profissionalismo, (iv) transacções com partes relacionadas, (v)
prevenção de conflitos de interesses, e (vi) prevenção e detecção de operações suspeitas de
actividades criminosas ou situações de fraude.

148
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

competências que seriam atribuídas aos órgãos especializados do CA cons-


tituídas por administradores não executivos (explicados mais à frente).
A EBA recomenda que deve haver um número suficiente de administra-
dores executivos e administradores independentes, tendo o BNA optado por
(i) não exigir a nomeação de administradores não executivos, mas obrigado
à constituição de uma CE no contexto da existência de administradores exe-
cutivos e não executivos e (i) no caso da nomeação de administradores não
executivos, exigir, no mínimo, um administrador independente. Por outro
lado, não foram consideradas algumas recomendações da EBA, das quais des-
tacamos a definição de uma política para a sucessão dos membros dos órgãos
sociais, a limitação do número de mandatos e de outras actividades que os
membros do órgão de gestão podem desempenhar bem como a definição do
tempo mínimo que todos os membros devem dedicar à instituição.
Por sua vez, também não foram consideradas as recomendações do BIS no
que se refere (i) à instituição de um comité de nomeação ou similar composto
por um número suficiente de membros de administradores independentes
com o objectivo de identificar e nomear candidatos aos órgãos sociais, tendo
em conta os requisitos de idoneidade e conhecimento referidos anteriormente
e (ii) ao órgão de administração assegurar que os seus membros participam
em programas de indução ou têm acesso a formação contínua em assuntos
relevantes, de forma a ajudar a adquirir, manter e melhorar os seus conheci-
mentos e competências, e cumprir as suas responsabilidades.

b. Órgão de fiscalização (Conselho Fiscal)


O Conselho Fiscal deve ser constituído nos termos da Lei das Sociedades
Comerciais. O BNA exige ainda que os membros tenham disponibilidade
adequada para o exercício da função, e que cumpram os requisitos de ido-
neidade e conhecimento aplicáveis aos membros do órgão de administração
anteriormente referidos11. O Aviso estabelece também que ao perito contabi-
lista membro do Conselho Fiscal, são aplicáveis os requisitos de independência
previstos no Aviso n.º 4/13, de 22 de Abril, sobre auditoria externa12.

11 
Exceptua-se o requisito da experiência profissional ou empresarial relevante, preferencial-
mente obtida no sistema financeiro.
12 
Os princípios são apresentados no ponto 4 sobre a auditoria externa.

149
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

c. Órgãos especializados do CA
O Aviso refere também que o CA deve delegar competências num ou mais
dos seus membros, visando aumentar a eficiência do seu funcionamento e fa-
cilitar a focalização em áreas e matérias específicas. Entretanto, o CA mantém
a responsabilidade pelas funções delegadas e deve instituir processos de pres-
tação de informação para acompanhamento da delegação, designadamente
das agendas das reuniões e as actas das decisões tomadas.
Todavia, mais uma vez, o BNA aplica o princípio da proporcionalidade
ao estabelecer que a determinação do número, modalidade e natureza das
entidades ou órgãos com competências delegadas depende da dimensão e
do perfil de risco das instituições, devendo o conteúdo da delegação estar
perfeitamente delimitado.
O Aviso especifica três órgãos especializados13 tendo por âmbito, nomea-
damente, (i) o SCI, (ii) a gestão do risco e (iii) a nomeação, avaliação e remu-
neração dos colaboradores, sendo os dois primeiros de carácter obrigatório
e o último opcional.

Os órgãos especializados do CA são designados pelos bancos em Angola por comissões .


13 

Por sua vez, os órgãos que emanem da comissão executiva são designados por comités.

150
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

Quadro 1: Natureza, Composição, e Competências dos órgãos especializados do CA

Órgão Natureza Composição Competências


Sistema Obrigatório Um ou mais a) assegurar a formalização e operacio-
de controlo administradores nalização de um sistema de prestação
interno não executivos, de informação eficaz e devidamente
preferencialmente documentado, incluindo o processo de
independentes. preparação e divulgação das demons-
trações financeiras;
b) supervisionar a formalização e ope-
racionalização das políticas e práticas
contabilísticas;
c) rever todas as informações de cariz
financeiro para publicação ou divulga-
ção interna;
d) fiscalizar a independência e a eficá-
cia da auditoria interna, aprovar e rever
o âmbito e a frequência das suas acções
e supervisionar a implementação das
medidas correctivas propostas;
e) supervisionar a actuação da função
de compliance; e
f ) supervisionar a actividade e a inde-
pendência dos auditores externos.
Gestão Obrigatório De forma a) aconselhar o CA no que respeita à
do risco equilibrada estratégia do risco;
por administradores b) supervisionar a implementação da
executivos estratégia do risco por parte do ban-
e não executivos co; e
c) supervisionar a actuação da função
de gestão do risco.

Nomeação, Opcional De forma a) definir a política de contratação de


avaliação equilibrada novos colaboradores;
e remuneração por administradores b) definir as políticas e processos de
dos executivos remuneração para os colaboradores,
colaboradores e não executivos adequados à cultura e estratégia de
longo prazo e considerando as verten-
tes de negócio e do risco;
c) recomendar ao CA a nomeação de
novos colaboradores para funções de
direcção;
d) apoiar e supervisionar a definição e
condução do processo de avaliação dos
colaboradores.

151
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

De uma forma geral, o BNA procurou seguir as orientações do BIS sobre


esta matéria14, tendo havido algumas excepções relativamente aos órgãos
acima referidos15, das quais destacamos:

– os órgãos devem ser presididos pelo administrador não executivo


independente;
– o órgão que tem a responsabilidade pela gestão do risco deve ser com-
posto por uma maioria de membros independentes;
– o órgão que tem a responsabilidade pela supervisão do SCI deve incluir
a responsabilidade de aprovar ou recomendar ao órgão de adminis-
tração ou aos accionistas a contratação, remuneração e término do
contrato dos auditores externos.

O Aviso n.º 2/13, de 19 de Abril, estabelece que, no âmbito do SCI, as insti-


tuições devem formalmente ter as seguintes funções com carácter autónomo,
bem como as suas responsabilidades, competindo aos órgãos especializados
acima descritos a sua supervisão16:

– uma função de gestão do risco, para identificar, avaliar, monitorizar,


controlar e prestar informações de todos os riscos relevantes da acti-
vidade desenvolvida pela instituição:

14 
BIS, Corporate governance principles for banks, July 2015.
15 
O BIS utiliza a terminologia “committee”, tendo o BNA decidido por designar de “entidade
ou órgão com competências delegadas”. O BIS considera ainda a possibilidade de poderem
ser constituídas outras orgãos especializados, remetendo para o órgão de administração a
responsabilidade de assegurar a necessária objectividade de cada uma, tal como ser apenas
composta por administradores não executivos ou um número suficiente de administradores
independentes.
16 
O Aviso n.º 2/13, de 19 de Abril, encontra-se de acordo com as orientações do BIS, de que
devem ser bem definidas as responsabilidades pelo sistema de gestão do risco, tipicamente
designadas pelas três linhas defesa:
1ª – a linha de negócio, composta pelas unidades de negócio, que são responsáveis pela tomada
dos riscos e pela gestão contínua destes riscos;
2ª – a função de gestão do risco e a função de compliance, que devem ser independentes da
primeira linha de defesa e são responsáveis pela monitorização e reporte dos riscos e;
3ª – a função de auditoria interna, deve ser independente da primeira e segunda linha de
defesa e responsável pela avaliação da efectividade do SCI.

152
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

– uma função de compliance para controlar o cumprimento das suas obri-


gações legais e das políticas e directrizes internas.
– uma função de auditoria interna efectuar uma avaliação da efectivi-
dade, eficácia e adequação do SCI, considerando o risco associado a
cada actividade.

3.3.4. Remuneração

a. Princípios
As instituições devem formalmente instituir uma política de remuneração
considerando os seguintes princípios:

– deve ser adequada à sua natureza, dimensão, complexidade e situa-


ção económica e consistente com os objectivos, valores, interesses e
solvabilidade no longo prazo;
– deve estabelecer princípios de proporcionalidade suficientes para
atrair, reter e motivar os recursos humanos da instituição face às res-
ponsabilidades assumidas pelos diversos intervenientes na realização
do objecto social das instituições e inibir a existência de diferenças
excessivas que prejudiquem a coesão das equipas;
– as componentes fixa e variável da remuneração devem estar adequa-
damente equilibradas no sentido de não incentivar a tomada excessiva
de risco e de não potenciar conflitos de interesses;
– o pagamento da remuneração variável deve ser sustentável face à es-
tratégia e situação financeira da instituição.

b. Órgãos sociais
A política de remuneração dos membros dos órgãos sociais deve ser defini-
da pelos accionistas, podendo ser delegada num ou mais accionistas. No caso
de ser delegada, deve ser dado conhecimento nas assembleias gerais anuais
de aprovação de contas dos critérios, parâmetros e métodos de cálculo da
política de remuneração e da avaliação do desempenho dos administradores
executivos, considerando o seguinte:

153
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– A remuneração dos membros da Mesa da Assembleia Geral, do Con-


selho Fiscal e dos administradores executivos, deve ser constituída
exclusivamente por uma componente fixa e não estar directamente
associada aos resultados da instituição;
– A remuneração dos administradores executivos pode conter uma com-
ponente variável associada ao desempenho da instituição, mas sem
incentivar, directa ou indirectamente, a tomada excessiva de risco.

c. Colaboradores
A responsabilidade pela definição e implementação e revisão da política de
remuneração para os colaboradores pertence ao CA, mesmo que este delegue
competências num ou mais dos seus membros. A remuneração dos colabo-
radores associados a funções de controlo, designadamente os pertencentes
às funções chave do sistema de controlo interno, de auditoria interna, de
compliance e de gestão do risco, não pode comprometer a sua independência,
não devendo estar directamente associada aos resultados das áreas tomadoras
de risco. A política deve ser divulgada a todos os colaboradores.

3.3.5. Código de conduta e conflito de interesses

a. Código de conduta
O CA deve definir e formalmente instituir um código de conduta, aplicável
à sua actuação e à dos restantes colaboradores. O código deve (i) estabelecer
elevados padrões de actuação de acordo com princípios éticos e deontológicos,
promovendo a transparência das relações, envolvendo os órgãos sociais e os
colaboradores, (ii) inibir a participação em actividades ilegais e a tomada ex-
cessiva de risco, (iii) contribuir para a transparência das relações contratuais
entre a instituição e as suas contrapartes e (v) estipular que os membros dos
órgãos sociais e os colaboradores não podem receber ofertas de valor não
simbólico que comprometam o exercício independente das suas funções.

b. Conflito de interesses
O conflito de interesses pode decorrer das várias actividades desenvolvidas
pelas instituições envolvendo os accionistas, os clientes, os órgãos sociais e
os colaboradores e as relações, serviços, actividades e transacções. O conflito

154
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

de interesses também pode surgir quando uma instituição faz parte de um


grupo ou quando a instituição é detida pelo estado e sujeito à supervisão
bancária desse estado.
De acordo com a definição adoptada pelo BNA, define-se por conflitos
de interesses a “situação em que os sócios ou accionistas, os membros dos
órgãos sociais ou os colaboradores têm interesses próprios numa relação da
instituição com terceiros, da qual esperam obter benefícios”17.
Quando os conflitos de interesses não podem ser prevenidos, devem ser
adequadamente geridos. Assim, para além do disposto na LBIF, sobre o crédito
a membros dos órgãos sociais e crédito a pessoas ligadas18, o Aviso estabelece
que o CA deve formalizar e implementar um conjunto de políticas e processos
para identificação, monitorização e mitigação de conflitos de interesses da
instituição, incluindo:

a) a proibição dos membros dos órgãos sociais e dos colaboradores ocu-


parem cargos potencialmente conflituantes noutras sociedades;
b) a obrigação de todos os membros do CA revelarem tempestivamente
qualquer assunto que possa originar ou tenha originado conflitos de
interesses, abstendo-se de participar nos processos de tomada de de-
cisão associados;
c) um processo efectivo, prévio à tomada de decisão pelo CA, que asse-
gure que estas decisões não potenciam conflitos de interesses e que
são identificadas e avaliadas as transacções com partes relacionadas
nos termos previstos no Aviso n.º 2/13, de 19 de Abril;
d) a obrigação dos créditos concedidos aos sócios ou accionistas, mem-
bros dos órgãos sociais, colaboradores ou partes relacionadas com es-
tes, serem realizados em condições normais de mercado atendendo
ao seu nível de risco19.

17 
A definição de conflito de interesses devia ser actualizada em função da evolução das
orientações da EBA sobre esta matéria. Por exemplo, não é considerado suficiente obter um
benefício ou evitar uma perda, se tal não resultar numa possível perda para um cliente. Este
princípio já foi adoptado pelo Regulamento n.º 1/15, de 15 de Maio, da Comissão de Mercado
de Capitais.
18 
Cfr. art. 83º e 84º da LBIF.
19 
Esta obrigação não se aplica no caso de operações de crédito a membros dos órgãos so-
ciais e colaboradores que revistam carácter social, designadamente crédito para compra de

155
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Mais recentemente, no âmbito do reforço da prevenção do conflito de


interesses, o BNA publicou o Aviso nº 6/20, de 22 de Abril, que estabelece
limites de concessão de créditos a (accionistas) detentores de participações
qualificadas20.

3.3.6. Transparência e divulgação de informação

Como princípios gerais, (i) as instituições devem garantir a transparência


e a fácil compreensão do seu modelo de GC, designadamente pelos accio-
nistas, membros dos órgãos sociais e colaboradores e (ii) a informação de
publicação obrigatória deverá ser divulgada de forma completa, correcta e
atempada.
As informações obrigatórias devem permanecer no sítio da internet da
instituição por um período mínimo de cinco anos. As restantes informações
obrigatórias devem ser actualizadas anualmente ou sempre que existirem
alterações relevantes. Devem ainda ser disponibilizadas ao BNA, à data da
sua publicação, todas as informações ou documentos publicados no sítio da
internet da instituição de acordo com o disposto no Aviso.
Os requisitos de transparência, a informação mínima a ser publicada no
sítio da internet e as regras de publicação da informação financeira encontram-
-se sistematizados nos quadros seguintes.

habitação própria permanente e para pagamento de despesas de saúde (Cfr. alínea e) do


nº 2 do art. 20º do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril).
20 
Este Aviso foi publicado na sequência do exercício de Avaliação da Qualidade dos Ac-
tivos realizado em 2019, tendo sido apurado pelo BNA que alguns bancos apresentavam
uma exposição muito relevante a partes relacionadas com referência a 31 de Dezembro
de 2018.

156
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

Quadro 2 – Requisitos de transparência21

a) Composição dos órgãos de administração e fiscalização e a identificação dos administradores


executivos e não executivos;
b) Identificação dos auditores externos, incluindo as suas credenciais e o cumprimento dos requisitos
de independência previstos no Aviso nº 4/13, de 22 de Abril;
c) Identificação das unidades de estrutura, das competências que lhes estão atribuídas e dos respec-
tivos responsáveis, designadamente no caso das funções chave do SCI (auditoria interna, compliance
e gestão do risco);
d) Distribuição de pelouros e a segregação entre as funções de negócio, suporte e controlo;
e) Identificação das políticas e canais de comunicação relativos às relações de autoridade, à delega-
ção de competências e à comunicação e prestação de informação, designadamente no que respeita
às irregularidades no âmbito da GC.

Quadro 3: Informação mínima a ser publicada no sítio da internet22

a) Estrutura de capital com identificação dos detentores de participações qualificadas


b) Actos societários respeitantes a alterações relevantes nos objectivos globais estratégicos e nas
estruturas orgânicas e funcionais da instituição e empresarial do grupo financeiro;
c) Informação financeira, incluindo:
– Relatório de gestão23;
– Demonstrações financeiras;
– Parecer do Conselho Fiscal24 e relatório do auditor externo;
– Outros documentos cuja publicação seja requerida pelo BNA.
d) Informação sobre os membros dos órgãos sociais:
– Política de remuneração, incluindo os valores globais pagos a cada órgão;
– Qualificações e experiência profissional;
– Identificação de participações na instituição;
– Identificação de cargos em órgãos sociais de outras sociedades;
– Categorização dos membros do CA como executivos e não executivos e, nestes últimos,
independentes.
e) Descrição dos riscos materialmente relevantes;
f ) Políticas de governação corporativa, nomeadamente o código de conduta e as políticas de iden-
tificação e mitigação de conflitos de interesse;
g) Política de formação;
h) Divulgação da informação acima referida respeitante ao âmbito consolidado do grupo financeiro.

21 
Cfr.n.º 5 do art. 6º do Aviso n.º 5/19, de 30 de Setembro, sobre o Processo de Normalização
e Harmonização Contabilística do Sector Bancário Angolano. Para apoio na preparação do
relatório de gestão relativo às demonstrações financeiras preparadas de acordo com as IFRS
ver a IFRS Practice Statement 1: Management Commentary (2010).
22 
Cfr. alínea nº 3 do art. 21º do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril.
23 
O Aviso n.º 5/19, de 30 de Setembro passou a exigir a publicação das contas semestrais a
partir do exercício de 2020.
24 
Designação actualizada de acordo com o.n.º 5 do art. 6º do Aviso n.º 5/19, de 30 de Setembro.

157
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Quadro 4: Regras para a publicação da informação financeira25

Período de Tipo de informação Prazo de


Perímetro Forma
referência a publicar publicação

• Relatório de Gestão
• D e m o n s t r a ç õ e s
No Diário da Repú-
• Individual financeiras
Até 30 blica e em jornal de
Anual • Consolida- • Parecer do Auditor
de Abril grande circulação ou
do Externo
sítio da internet
• Parecer do Conselho
Fiscal
• Relatório de Gestão
• D e m o n s t r a ç õ e s
• Individual financeiras Em jornal de grande
Até 30
Semestral26 • Consolida- • Parecer do Auditor circulação ou sítio da
de Setembro
do Externo internet
• Parecer do Conselho
Fiscal
Em jornal de grande
Até 45 dias
• Individual circulação ou sítio da
após o fim do
Trimestral • Consolida- • Balancete internet ou boletim de
trimestre a
do informação de enti-
que se refere
dade de classe

3.3.7. Grupos financeiros

O CA da empresa-mãe do grupo financeiro deve assegurar a (i) definição


de uma estratégia coerente, (ii) consistência da cultura, (iii) consistência dos
processos de gestão e risco, compliance e de monitorização do controlo interno
e a (iv) definição de políticas aplicáveis às transacções com partes relaciona-
das. Por sua vez, as instituições podem acordar entre si o estabelecimento de
serviços comuns para as funções chave do SCI de gestão do risco, compliance
e auditoria interna.

25 
Aviso n.º 5/19, de 30 de Setembro. A informação anual deve ser publicada no Diário da
República e num
26 
Aplicável às instituições que apresentem uma activo total em base individual, apurado no
final do exercício precedente, superior a 400 mil milhões de Kwanzas (cfr. o n.º 2 do art. 6.º
do Aviso n.º 5/19, de 30 de Agosto).

158
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

Relativamente aos conflitos de interesses, o CA da empresa-mãe tem a


responsabilidade de assegurar a consistência das políticas e processos para
identificação, monitorização e mitigação de conflitos de interesses que possam
ocorrer entre as instituições do grupo.
Quanto aos requisitos de transparência e divulgação de informação, o
BNA definiu que:
Os requisitos de transparência referidos no quadro 2 apenas são aplicáveis à
totalidade de filiais sedeadas em países ou territórios que se caracterizam por
menor exigência no que respeita (i) à obtenção de autorização para o exercício
da actividade financeira, (ii) ao regime de sigilo bancário, (iii) à obtenção de
vantagens fiscais e (iv) à constituição de veículos de finalidade especial;
Os requisitos de divulgação referidos no quadro 3 são aplicáveis ao grupo
financeiro na sua íntegra.

4. Auditoria externa

A LBIF, tal como a Lei das Instituições Financeiras em vigor à data da pu-
blicação do Aviso, estabelece a obrigatoriedade de rotação do auditor externo
ao fim de quatro anos findos os quais, só pode vir a ser novamente seleccionável
decorrido igual período.
O BNA procedeu à revisão dos requisitos para a contratação e definição
das responsabilidades do auditor externo com a publicação do Aviso n.º 4/13,
de 22 de Abril27, de forma a reforçar a exigência sobre a qualidade e a inde-
pendência do auditor externo e a atribuir poderes ao BNA para determinar a
substituição do auditor no caso do auditor de não cumprir aqueles requisitos.
A independência é suportada (i) nos limites inibição de serviços, não po-
dendo o auditor prestar, ou ter prestado no últimos 12 meses, serviços não
estritamente relacionados com a sua função e que impliquem perda da inde-
pendência, na instituição auditada ou em entidade que com ela se encontre
em relação de domínio ou grupo, (ii) nas regras de relacionamento da insti-
tuição com o auditor externo, que inclui entre outras, a exigência da rotação,

Revogou o Aviso n.º 3/06, de 10 de Março.


27 

159
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e (iii) na proibição do auditor em deter quaisquer interesses financeiros, di-


rectos ou indirectos, na instituição.
Também foram reforçados os deveres especiais do auditor externo, de
comunicar por escrito ao BNA, de factos de que tenha conhecimento que
evidencie a existência do incumprimento das normas legais e regulamentares,
fraudes de qualquer valor praticadas pela administração, funcionários ou por
terceiros, mas com influência na instituição, erros que resultem em incorrec-
ções relevantes nas demonstrações financeiras, ou situações que tenha detec-
tado, indiciando problemas graves de liquidez ou solvabilidade na instituição.

5. Relatório de avaliação da GC

Deve ser preparado para o BNA um relatório sobre a GC até 31 de De-


zembro de cada ano, em base individual e do grupo financeiro, reflectindo a
situação da instituição até 30 dias antes da data da sua entrega.
O relatório deve conter os pareceres do (i) Conselho Fiscal quanto à ve-
racidade e adequação do relatório e à suficiência das políticas e processos
em vigor nas matérias de GC e (ii) auditor externo quanto à veracidade e
adequação do relatório28.
Cremos que a exigência de o envio dos relatórios individual e grupo fi-
nanceiro com as mesmas datas de referência pode dificultar o cumprimento
do prazo para o reporte deste último, não obstante o perímetro do grupo
financeiro para efeitos de GC ser mais restrito do que do ponto de vista con-
tabilístico29 considerando o curto espaço de tempo entre a data de referência
e a data de entrega permitido para a consolidação dos relatórios quando a
instituição detém outras instituições financeiras em Angola e/ou noutras
jurisdições que possam ter períodos de referência e prazos de envio diferentes
estabelecidos pelos supervisores dessas jurisdições.

28 
A estrutura e o conteúdo mínimo dos relatórios encontram-se definidos no Instrutivo n.º
1/13, de 22 de Março.
29 
De acordo com as definições do Aviso n.º 1/13, de 19 de Abril, o perímetro do grupo fi-
nanceiro para efeitos de elaboração dos relatórios exclui as instituições financeiras ligadas à
actividade seguradora e previdência social, em que existe uma relação de domínio por parte
de uma empresa-mãe supervisionada pelo BNA face às outras sociedades integrantes.

160
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

6. Avaliação do grau de implementação

Numa avaliação feita pelo BNA quanto ao grau de implementação do Aviso


n.º 1/13, de 22 de Abril, com referência a Março de 2014, verificava-se que,
das 22 instituições em actividade, 15 encontravam-se num nível deficitário,
quatro careciam de melhorias, duas apresentavam um nível aceitável e apenas
uma apresentava um elevado nível de implementação30.
Em Dezembro de 2017, o indicador global de cumprimento era de 55%,
tendo sido definido o objectivo de cumprimento de 100% para 201831. Na ava-
liação mais recente, com referência a Novembro de 2019, o BNA refere que32:

• os bancos apresentaram melhorias ao nível das alterações estatutárias,


organizacional, estratégico, processual e operacional, sobretudo no
que concerne à materialização e operacionalização dos procedimen-
tos e processos inerentes ao código de conduta, responsabilidades e
composição dos órgãos sociais, definição da estratégia e transparência
na divulgação da informação;
• todavia, identificou-se ainda um nível de implementação reduzido nas
exigências atinentes à distribuição de pelouros, nomeação do adminis-
trador independente, efectivação dos processos atinentes à prevenção
de conflitos de interesses e de partes relacionadas, bem como à ope-
racionalização dos órgãos de competência delegada, designadamente
comissões de gestão de risco e de controlo interno.

Não existe informação sobre o grau de implementação do Aviso relativa-


mente aos grupos financeiros33.

30 
BNA, Nota de abertura do “Fórum de Economia e Finanças” da ABANC pelo Vice Gover-
nador, 26 de Novembro de 2014.
31 
Governo de Angola, Programa de Estabilização Macroeconómica 2017 – 2018, Dezembro
de 2017.
32 
BNA, Relatório e Contas de 2019.
33 
De acordo com as informações disponibilizadas nos relatório e contas, podemos considerar
a existência de dois tipos de grupos financeiros em Angola, com participações (i) directas
(Banco Angolano de Investimentos, Banco de Fomento Angola, Banco Keve, Banco de Ne-
gócios Internacional e Banco Económico) e (ii) indirectas, por via do controlo e influência
de accionistas comuns (Atlântico e Banco BIC). A composição destes grupos varia entre

161
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Entretanto, para avaliar adequadamente o risco que as deficiências podem


representar para o sistema financeiro seria necessário analisar o cumprimen-
to por banco, uma vez que o risco está directamente relacionado com a sua
relevância no sector.
O sector bancário é caracterizado por uma forte concentração dos activos
num número reduzido de instituições bancárias, verificando-se que seis ins-
tituições representavam 76% do total de activos do sistema no final de 2018,
pelo que numa avaliação baseada no risco, conclui-se que a implementação
de um modelo de governação adequado nestas instituições que cumpre com
a legislação e regulamentação é de extrema importância, tendo em conta o
risco sistémico que representam.

Quadro: Indicadores de dimensão (Dezembro de 2018)

Escalão quo- Total activos Nº Nº Caixas


Nº Nº
Dimensão ta mercado mil milhões Peso trabalha- Automá-
bancos agências
activos Kz % -dores ticos

Grande > 10% 9.682 76% 6 14.850 1.177 1.904


Média 1% a 10% 2.441 19% 7 5.361 580 1.001
Pequena <1% 543 4% 13 2.042 289 196
Total 12.666 100% 26 22.253 2.046 3.101
Fonte: ABANC

Focando apenas na composição do CA das instituições bancárias, verifi-


cam-se alterações significativas entre 2012 e 2019 decorrentes da publicação
do Aviso, nomeadamente (i) aumento do número médio dos membros do CA
de 6,4 para 7,7, (ii) a duplicação do número de bancos com CE formalmente
constituída, de 10 para 20, e (iii) o aumento do peso do número de administra-
dores não executivos sobre o total de membros do conselho de administração
de 34% para 40%, em parte explicado pela nomeação dos administradores
independentes. Verifica-se ainda a existência de apenas um banco com CE

bancos (localizados no País e estrangeiro), seguradoras (em Angola) e Sociedades Gestoras


de Organismos de Investimento Colectivo (em Angola).

162
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

mas sem a separação entre o PCA e PCE (isto é, em que ambas as funções são
desempenhadas pela mesma pessoa)34.

Gráfico 2 – Composição do CA

Fonte: Dados de 2019: consulta a sites dos bancos efectuada em 1 de Novembro de 2019. Dados de 2012:
consulta a relatórios e contas, BNA e ABANC. Não inclui as sucursais e bancos sem actividade. Elabo-
ração do autor.

7. Conclusão

A actividade dos bancos em Angola está em grande parte limitada ao


mercado nacional, pelo que os bancos não estão sujeitos, de forma relevante,
à complexidade e qualidade dos activos nos mercados internacionais. O maior
risco nos seus balanços é o risco de crédito concedido à economia, ou seja,
não existe uma diversificação significativa dos activos e consequentemente a
complexidade do negócio é reduzida. Os investimentos em activos financeiros
são, na sua maioria, as aplicações em dívida do Estado Angolano, transacio-
nada apenas no mercado nacional.

34 
Esta situação aplicava-se ao Banco BIC em Julho de 2012, tendo sido resolvida em Abril
de 2019, e aplica-se ao Banco de Desenvolvimento de Angola em Outubro de 2019.

163
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Fonte: ABANC

Entretanto, os activos no sector bancário totalizam aproximadamente 50%


do PIB e as seis maiores instituições bancárias acumulam 72% do activo do
sector, pelo que é critico assegurar a adequada governação destas instituições
em primeiro lugar, e das restantes em segundo lugar, para garantir a segurança
dos depósitos dos depositantes e a estabilidade do sector financeiro.
Tem-se verificado uma evolução significativa na implementação de mo-
delos de GC adequados à realidade do sector bancário em Angola, existindo
ainda algum caminho a percorrer, conforme demonstrado na avaliação mais
recente do BNA.

Bibliografia

– ABANC, Demonstrações financeiras individuais 2018 http://www.abanc.ao/publicacoes/


estatisticas/
– ABANC, Indicadores não financeiros agregados por dimensão 2011 a 2018 http://www.
abanc.ao/publicacoes/estatisticas/
– BIS, Corporate governance principles for banks, July 2015 https://www.bis.org/bcbs/publ/
d328.htm
– BNA, Discurso do Governador na Cerimónia de apresentação do Centro de Corporate
Governance Angolano, 5 de Dezembro de 2013;
– BNA, Nota de abertura do “Fórum de Economia e Finanças” da ABANC pelo Vice
Governador, 26 de Novembro de 2014;
– BNA, Discurso do Governador na Cerimónia de Abertura da Conferência Supervisão
Bancária, Experiência e Desafios, Equivalência de Supervisão Bancária dos Bancos
Centrais, 10 de Julho de 2017;
– BNA, Relatório e Contas de 2019;

164
GOVERNAÇÃO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS

– BNA, Resultados do exercício de Avaliação da Qualidade dos Activos (AQA), 30 de


Dezembro de 2019;
– EBA, Final Report on Guidelines on internal governance (2017); https://eba.europa.eu/regu-
lation-and-policy/internal-governance/guidelines -on-internal-governance-revised-
– IFRS Foundation, IFRS Practice Statement, Management Commentary, A framework for presentation
https://www.ifrs.org/issued-standards/management-commentary-practice-statement/
– MÜLBERT, PETER O., Corporate Governance of Banks after the Financial Crisis – Theory, Evi-
dence, Reforms, Law Working Paper nº 151/2010, University of Mainz and ECGI, Mainz,
Germany (2010) https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1448118##
– MULLINEUX, A., The corporate governance of banks, Journal of Financial Regulation and
Compliance, Vol. 14 No. 4, pp. 375-382, (2006)
– OCDE, Princípios de Governo das Sociedades do G20 e da OCDE, Éditions OCDE,
Paris (2016) http://dx.doi.org/10.1787/9789264259195-pt

165
CAPÍTULO 8
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS:
O QUE HAVERÁ DE NOVO?

Leonildo Manuel

1. Introdução: enquadramento

As instituições bancárias (doravante bancos) têm sempre uma especial


relevância pelo papel essencial que desempenham nas economias modernas,
pois, por um lado, estão no centro da recepção e canalização das poupanças,
bem como fornecem liquidez das economias de vários países1 e têm, por ou-
tro lado, uma importância e impacto sistémico determinante, o que acarreta
igualmente um risco sistémico por meio do efeito contágio. Isto sucede, por
exemplo, em caso de queda de um banco que tenha significativa importância
no sistema financeiro, quer pela sua dimensão, quer pela sua quota de mer-
cado, o que faz com que as economias fiquem fortemente fragilizadas. Estes
factos fazem que a disciplina do governance em sede do sector bancário seja
analisada de forma diferente e mereça uma atenção especial dos legisladores
e dos supervisores públicos.
Em angola, os cinco maiores bancos detêm 66% dos activos do sector e
88% do crédito mal parado no sistema financeiro angolano2, em Setembro
1 
RAPOSO, Clara. “O governo dos bancos e o desempenho” in A Governação de Bancos nos
Sistemas Jurídicos Lusófonos (Coordenação de Paulo Câmara), Coimbra: Almedina, 2016, p. 69.
2 
“Os cinco maiores bancos eram responsáveis por 88% do crédito mal parado no sistema em
Setembro de 2015, todavia, existe uma variação significativa do crédito mal parado e as provi-
sões ao nível dos cinco maiores bancos, com o Banco Económico – BE (que sucedeu o BESA)
e o Banco de Poupança e Crédito – BPC (bancos estatais) representando 82% do crédito mal

167
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de 2015, por isso se tem concluído que se tem um sector concentrado. O Es-
tado é proprietário de três bancos, em que um deles integra a lista dos cinco
maiores e através da Sonangol E.P. (perolífera angolana) possui participações
significativas em sete bancos.
Depois de em 2013 se ter aprovado as primeiras regulamentações sobre
governance e sistema de controlo interno dos bancos, com as quais o Banco
Nacional de Angola (doravante BNA) envidou esforços significativos para o
fortalecimento da supervisão bancária, nos anos seguintes registaram-se um
conjunto de eventos que revelaram a existência de deficiência do governance e
do sistema de controlo interno dos bancos angolanos – estamos, por exemplo,
a nos referir aos casos do Banco Espirito Santo Angola (em 2014), a falência
do Banco Mais e do Banco Postal, bem como do Banco Angolano de Negócio e
Comércio (em 2019). Ao lado destes, temos ainda o exemplo do caso Banco
de Poupança e Crédito onde registou-se, mais uma vez, no dia 17 de Abril de
2020, um roubo interno de mais de 400 milhões de kwanzas, facilitado pela
deficiência do sistema de controlo interno.
Estes eventos, para além de perigarem a estabilidade do sistema finan-
ceiro angolano e a protecção dos seus depositantes, revelaram também que a
legislação actualmente em vigor carece de adequação, no sentido de reforçar
os instrumentos de governance e, sobretudo, de controlo intrassocietário, com
enfase para o sistema de controlo interno. E é neste contexto que legisla-
dor angolano, com impulso do BNA, do Conselho Nacional de Estabilidade
Financeira (CNEF)3 e do Fundo Monetário Internacional no âmbito do pro-
grama de financiamento a ser concedido, discutiu em Novembro 2017 a sua
“Estratégia de Desenvolvimento do Sistema Financeiro 2018 – 2022” que contou

parado dos cinco maiores bancos e 72% do total do crédito mal parado do sistema. Quando são
acrescentados os créditos mal parado dos outros dois bancos estatais ao crédito mal parado
do BE e do BPC, estes representam cerca de 75% do crédito mal parado do sistema. Adicio-
nalmente, a provisão do sistema é relativamente alta, situando-se em 96%, e, exceptuando o
BE e o BPC, os restantes três maiores bancos têm mais de 100% de provisão para o seu crédito
mal parado. Isso proporciona alguma resiliência, embora, ao mesmo tempo, o crédito mal
parado do sistema possa continuar a aumentar por causa dos recentes desenvolvimentos ao
nível macro”. Cfr. CONSELHO NACIONAL DE ESTABILIDADE FINANCEIRA – CNEF.
“Estratégia de Desenvolvimento do Sistema Financeiro 2018 – 2022”, Novembro de 2017, p. 13.
3 
CONSELHO NACIONAL DE ESTABILIDADE FINANCEIRA – CNEF. “Estratégia de
Desenvolvimento do Sistema Financeiro 2018 – 2022”, Novembro de 2017.

168
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

com o apoio do Banco Mundial e no qual tem vindo a implementar um vasto


programa de reformas, em que se destaca a reforma do governo dos bancos e
que visa reforçar não só a organização e conferir uma estrutura mais robusta
do governo dos bancos, mas também para reforçar os mecanismos de escru-
tínio, em que se destaca o sistema de controlo interno, cujo Anteprojecto de
Aviso esta na forja e os seus pontos inovadores serão hic et nunc, neste escrito,
objecto da nossa abordagem.

2. Governação Corporativa e Sistema de Controlo Interno – Traços gerais

As matérias de governação corporativa incidem, via de regras, em três


aspectos das sociedades comerciais, nomeadamente (i) no modo como estão
estruturadas e organizadas, com principal incidência para as questões sobre
a repartição de poderes e equilíbrios de forças; (ii) na maneira como são geri-
das, com incidência para os deveres dos membros do órgão de administração
e a correspondente responsabilidade civil; e finalmente, (iii) no modo como
são controladas e que pode ser feito ao nível interno e/ou ao nível externo4.

4 
KRAAKMAN, Reinier; ARMOUR, John & HANSMANN, Henry, “Agency Problems,
Legal Strategies, and Enforcement” in The Anatomy of Corporate Law: A Comparative and
Functional Approach” Second Edition, Oxford – University Press, 26 January 2017, p. 21.
Cfr. HOPT, Klaus J. “El Gobieno corporativo: Estudio de Derecho Privado comparado en
Derecho de Sociedades y Del Mercado de Valores” in Estudios de Derecho de Sociedades
y Del Mercado de Valores, Madrid: Marcial Pons, 2010, pp. 52 a 53. Vide HOPT, Klaus J.
“Desenvolvimento recentes da Corporate Governance na Europa. Perspectivas para o Futuro”
in Miscelânea| n.º 5, Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho (IDET), Coimbra:
Almedina, p. 11.Cfr. VAZ, João Cunha. A OPA e o Controlo Societário – a regra da não frus-
tração, Coimbra: Almedina, 2013, p. 48. Vide. MINTZ, Steven M., A Comparison of Corporate
Governance Systems in The U.S., UK and Germany in Corporate Ownership & Control – Volume 3,
Issue 4, Summer 2006, pp 25 e 26. Cfr. RODRIGUES, Jorge, Corporate Governance – Retomar
a confiança perdida, Lisboa: 1.ª Ed., Escolar Editora, 2009, p. 31. Cfr. ALVES, Carlos Francisco,
Os Investidoreas Institucionais e o governo das sociedades: disponibilidade, condicionantes e implicações,
Coimbra: Almedina, 2005, p. 23. JENSEN, M. C. e MECKLING, W, H., Theory of the Firm:
Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure. In: Journal of Financial Economics,
October, 1976, V. 3, No. 4, pp. 305-360. Vide MARTINS, Alexandre de Soveral, Administradores
Delegados e Comissões Executivos – Algumas Considerações, Coimbra: 2.ª Ed., IDET, Caderno n.º 7,
Almedina, 2011, p. 7.Cfr. FERREIRA, António Pedro, O governo das sociedades e a supervisão ban-
cária, Lisboa: Quid Juris, 2009, p. 15. Cfr. MARTINS, Alexandre de Soveral. Administração de
sociedade anónima e responsabilidade dos administradores, Coimbra: Almedina, 2020, p. 27

169
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

O controlo externo é feito por entidades que não pertencem a estrutura


da sociedade. Trata-se do auditor externo e do supervisor público, intervin-
do este último sempre que a sociedade actue em um seguimento de merca-
do ou actividade com supervisão específica, como ocorre, por exemplo, nos
mercados financeiros. Para as sociedades ou empresas que integram o sector
público, o controlo externo pode, ainda, ser feito pelo Ministério de tutela,
pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público (vide os artigos 25.º, 43.º
a 45.º da LBSEP).
Ao nível interno, as sociedades comerciais são controladas pelos seus pró-
prios órgãos, por exemplo, (i) o órgão de fiscalização cuja presença, no Direito
angolano, é obrigatória para as sociedades de capital e facultativas para as
sociedades de pessoas (vide os artigos 292.º e 432.º da Lei n.º 1/04, de 13 de
Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais (doravante LSC)) e, de acordo com
o artigo 11.º do Anteprojecto de Aviso do BNA sobre governação corporativa,
“o órgão de fiscalização deve ser um órgão independente da administração
da instituição com o objectivo de a supervisionar como representante dos
interesses de todos os associados” e, por isso, deve ser constituído por uma
maioria de membros independentes; (ii) os administradores não executivos,
com destaque para o administrador independente, que exercem uma função
de controller dos administradores executivos, isto é, daqueles que no dia-dia se
ocupam da gestão da sociedade; e (iii) pelo sistema de controlo interno e que
é constituído pelas funções de gestão de risco, compliance e auditoria interna.
O sistema de controlo interno tem sido definido como o conjunto de es-
tratégia, sistemas, processos, políticas e procedimentos definidos pelo órgão
de administração, bem como as acções empreendidas por este órgão e pelos
restantes colaboradores da instituição com vista a garantir um desempenho
eficiente e rentável da actividade, no médio e no longo prazo, e que assegure
a utilização eficaz dos activos e recursos, a continuidade do negócio e a pró-
pria sobrevivência da instituição, através, nomeadamente, de uma adequada
avaliação dos activos e responsabilidades, bem como a implementação de
mecanismos de protecção contra utilização não autorizadas intencionais ou
negligentes5.

5 
DUARTE, Diogo Pereira/PASSARADAS, Francisco. “Gestão de risco, Compliance e Audi-
toria interna” in Estudos de Direito Bancário I, (Coordenação de António Menezes Cordeiro,

170
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

De acordo com o n.º 2 do Anteprojecto de Aviso do BNA sobre Sistema


de Controlo Interno (SCI), tal sistema “permite, ainda, garantir a integridade,
a concordância e a eficácia do processo fornecendo uma garantia razoável de que as
informações financeiras e administrativas são confiáveis, oportunas e completas e que
a instituição financeira está em conformidade com políticas e directrizes, internas e ex-
ternas, bem como as leis e regulamentos aplicáveis ao seu funcionamento, quer internos
quer externos”.
No âmbito deste objectivo definido pelo Anteprojecto de Aviso do BNA
sobre SCI, o sistema de controlo interno tem especialmente a função de im-
pedir que surjam falhas no decurso normal dos trabalhos, colocar à prova a
adequação e a eficácia dos controlos internos e identificar eventuais debili-
dades de controlo6. Este sistema integra o sistema geral do governance e, por
isso, representa um dos pilares fundamentais da estrutura de governo de
uma sociedade comercial, sobretudo as sociedades financeiras, e nesta me-
dida, estabelece uma relação de parceria e de cheik and balance com o órgão
de administração.
A relação de parceria consubstancia-se numa actividade intrínseca à gestão
da sociedade, isto é, resulta, por um lado, do facto de caber a administração
criar o sistema e dotá-lo de recursos adequados, sobretudo em termos de
capital humano e, por outro lado, deve o sistema de controlo interno apoiar
as decisões do órgão de administração.
No âmbito deste quadro de parceria, o artigo 14.º do Aviso do BNA n.º 2/13,
sobre Sistema de Controlo Interno instituído pelo BNA (actualmente ainda
em vigor) estabelece para o órgão de administração a responsabilidade de
definir, implementar e rever periodicamente o sistema de controlo interno,

Januário da Costa Gomes, Miguel Brito Basto e Ana Alves Leal) Coimbra: Almedina, 2018,
p. 195. No mesmo sentido, a alínea r) do artigo 3.º do Anteprojecto de Aviso sobre Sistema
de Controlo Interno define “conjunto integrado de políticas e processos, com carácter permanente e
transversal a toda instituição, realizados pelo órgão de administração e demais colaboradores, no sentido
de se alcançarem os objectivos de eficiência na execução das operações, controlo dos riscos, fiabilidade da
informação contabilística e de suporte à gestão e cumprimento dos normativos legais e das directrizes
internas”.
6 
MARTINS, Alexandre de Soveral. Sobre a fiscalização das sociedades anónimas, Coimbra:
Almedina, 2020, p. 49.

171
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de modo a assegurar que, com carácter de permanência, sejam atingidos os


objectivos fixados7.
Por sua vez, no âmbito da reforma do sistema e prática de governance em
curso para as instituições financeiras, a alínea b) do n.º 3 do artigo 7.º do An-
teprojecto de Aviso do BNA sobre SCI acrescenta, como novidade, que cabe
ao órgão de administração dos bancos (i) garantir a definição da apetência
pelo risco das instituições juntamente com função de gestão relevante e o
responsável pela gestão do risco tendo em consideração o panorama compe-
titivo e regulatório e os interesses a longo prazo das instituições, exposição ao
risco e capacidade de gestão eficiente do risco; e (ii) garantir a aprovação das
políticas e directrizes de compliance à semelhança das políticas e directrizes
do sistema de controlo interno.
A relação de cheick and balance resulta do facto de caber ao sistema de con-
trolo interno funcionar como um gatekeeper interno, na medida em que lhe
cabe prevenir irregularidades e reforçar a robustez dos mecanismos de con-
trolo e de boa governação, por isso, assume-se como uma função de interesse
público e, para as actividades de supervisão especializadas, como ocorre no
mercado bancário, assume-se como auxiliar dos organismos de supervisão e
por isso, enquanto whistleblowing8, está adstrito ao dever de denuncia e, para
o efeito, o artigo 7.º do Anteprojecto de Aviso do BNA sobre SCI traz, como
novidade, a obrigatoriedade do órgão de administração implementar os meios
específicos, independentes e autónomos, adequados de recepção, tratamento

7 
Para análise vide VALE, Sofia. “O Governo dos Bancos em Angola” in A Governação de
Bancos nos Sistemas Jurídicos Lusófonos (Coordenação de Paulo Câmara), Coimbra: Almedina,
2016, p. 333.
8 
O whistleblowing é referente à pessoa que tem a responsabilidade de denunciar os delitos.
Na verdade, trata-se de uma pessoa associada a uma organização empresarial (integrante do
seu quadro de pessoal) ou fornecedor ou cliente que tem como tarefa observar os compor-
tamentos ou acções da administração e de outras pessoas da organização a que pertence e
denunciar para os supervisores públicos todas as condutas que constituam ilícitos ou irre-
gularidades. Depois da crise do subprime (2007/2008), em que se levantou com mais ênfase a
necessidade de combater os problemas de fraudes e corrupção no seio das principais empre-
sas que operavam no sector bancário, os whistleblowing se tornaram ainda mais necessários,
como uma linha importante de defesa do mercado e de protecção da própria empresa e seus
stakeholders. Vide CÂMARA, Paulo. “O Governo dos Bancos: uma introdução”, in A Go-
vernação de Bancos nos Sistemas Jurídicos Lusófonos (Coordenação de Paulo Câmara), Coimbra:
Almedina, 2016, p. 49.

172
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

e arquivo das participações de irregularidades graves relacionadas com a sua


administração, organização contabilística e fiscalização interna e de indícios
sérios de infracções a deveres previstos na legislação e nos regulamentos in-
ternos da instituição9.
Em sede desta relação de parceria e de cheik and balance, colocam-se duas
questões. A primeira é referente ao risco da falta de independência interna
ou da manipulação organizativa dos responsáveis pelas funções de controlo
interno e o respectivo pessoal pelo facto de, ao mesmo tempo que são quadros
internos da instituição, são chamados a escrutinar a sociedade, o que implica
a adopção de uma postura profissional céptica e desligada dos objectivos
comerciais da sociedade e dos interesses dos membros do órgão de adminis-
tração10. A segunda é referente ao paradoxo resultante do facto do sistema
do controlo interno surgir da necessidade de assegurar um interesse que é
exterior à instituição e que, no limite, pode mesmo ser contraditório com o
interesse dessa instituição11.
Para a primeira questão, tem-se entendido que “uma das formas de superar
ou pelo menos atenuar a tensão entre, de um lado, o comprometimento com as res-
ponsabilidades de controlo e, por outro lado, o sentimento de pertença e fidelidade à
instituição consiste em incrementar a dignidade e a autonomia profissionais daquelas
responsabilidades, em termos tais que os respectivos detentores sejam sensibilizados para
um padrão de deontologia e de práticas profissionais cuja relevância exceda os limites
da própria instituição em que que eles se integrem em cada momento”12. Trata-se, na
verdade, como defende IRIS H-Y CHIU, de procurar substituir o sentimento
de fidelidade á instituição por um sentimento de fidelidade ao código de

9 
DUARTE, Diogo Pereira/PASSARADAS, Francisco. “Gestão de risco, Compliance e Audi-
toria interna”, Op. Cit., p. 220. Cfr. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de Governação
das Sociedades, Op. Cit., p. 318. Cfr. CÂMARA, Paulo. “O Governo dos Bancos” in III Con-
gresso de Direito Bancário, (Coordenação de L. Miguel Pestana de Vasconcelos), Coimbra:
Almedina, 2018, pp. 474 – 475.
10 
COSTA, Vasco Freitas da. “Aspeto relativos à supervisão do governo dos bancos” in
A Governação de Bancos nos Sistemas Jurídicos Lusófonos (Coordenação de Paulo Câmara),
Coimbra: Almedina, 2016, p. 293. CÂMARA, Paulo. “O Governo dos Bancos”, Op. Cit., p. 474.
11 
DUARTE, Diogo Pereira/PASSARADAS, Francisco. “Gestão de risco, Compliance e Au-
ditoria interna”, Op. Cit., p. 196.
12 
COSTA, Vasco Freitas da. “Aspeto relativos à supervisão do governo dos bancos”,
Op. Cit., p. 293.

173
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

valores e de práticas da profissão, isto é, por um sentimento de fidelidade à


dignidade da profissão13.
À semelhança do que ocorre com os membros do órgão de fiscalização,
outros entendem que este problema pode ser ainda superado com a criação
de incentivos ao nível do pacote remuneratório dos responsáveis pelas fun-
ções de controlo interno14. Antes de nos pronunciarmos sobre este ponto, é
necessário referir que apesar de consagrar um conjunto de preceitos relativos
a remuneração do quadro de pessoal dos bancos (vide os artigos 16.º e 18.º a
20.º), o Anteprojecto de Aviso sobre governação corporativa não estabelece,
em especial, o regime sobre a política remuneratória dos responsáveis pelas
funções de controlo, o que nos coloca diante da questão de saber se será o
órgão de gestão dos bancos a estabelecer os critérios de remuneração dos
integrantes das funções de controlo. Ao ser afirmativa a resposta, recoloca-se
a problemática do conflito de interesses e da (potencial) ausência de inde-
pendência desses órgãos.
Na verdade, para se evitar estes possíveis conflitos de interesses, a solução
deverá passar por se consagrar, no Anteprojecto de Aviso sobre Governação
Corporativa ou no Anteprojecto de Aviso sobre SCI, a obrigatoriedade de,
não só do quadro de pessoal que integra o sistema de controlo interno serem
bem remunerados (funcionando assim como um incentivo), como também das
próprias instituições financeiras, em especial os bancos, terem dois sistemas
de remuneração conforme estejamos diante do quadro de pessoal perten-
cente as áreas de gestão/suporte ou associados à área de controlo. Para este
último, a remuneração não pode comprometer a sua independência e, por
isso, não deve estar directamente associada aos resultados ou a performance
do negócio do banco.
Voltando à questão do incentivo remuneratório, entendemos que este pode
de algum modo reduzir o risco do conflito de interesses, mas também o pode
incentivar, na medida em que é o órgão de gestão que o remunera e, por isso,
estará mais motivado e comprometido com a instituição de que, por sinal,
é quadro, do que denunciar as irregularidades detectadas. Por isso, somos

13 
IRIS H-Y Chiu, Apub COSTA, Vasco Freitas da. “Aspeto relativos à supervisão do governo
dos bancos”, Op. Cit., p. 293.
14 
DUARTE, Diogo Pereira/PASSARADAS, Francisco. “Gestão de risco, Compliance e Au-
ditoria interna”, Op. Cit., p. 220

174
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

do entendimento de que a solução pode passar exactamente por se criarem


condições para aumentar o prestígio e, assim, elevar à categoria de profissão
(ou, pelo menos, a isto equiparar por uma espécie de analogia) as funções que
integram o sistema de controlo interno (gatekeepers), no sentido de, como refe-
riu IRIS H-Y CHIU, proporcionar-se um sentimento de fidelidade à dignidade
da profissão (ou da função a ela equiparada). Acrescentamos tão-somente que
os ora profissionais deverão ser periodicamente submetidos à avaliação do
seu desempenho pelo órgão de tutela da profissão ou da função (uma ordem
profissional, por exemplo) ou mesmo pelo supervisor público, no intuito de
garantir a sua independência face à instituição em que exerçam actividades.
Relativamente à relação entre o sistema de controlo e o órgão de fiscali-
zação, cabe a este vigiar a eficácia do sistema de gestão de risco, do sistema
de auditoria interna e da compliance. Diz-se “vigiar a eficácia” do sistema de
controlo interno, porque não cabe ao órgão de fiscalização criá-lo, pois, como
já nos referimos, esta é uma tarefa que cabe ao órgão de administração15, mas
apesar disso, cabe-lhe verificar se tal sistema deve ser criado16 e, para melhor
fiscalizar a sua eficácia deve conhecer a actividade da sociedade.

3. Regime Jurídico do Sistema de Controlo Interno em Angola: proble-


matização e perspectivas

Apesar de a LSC não dispor de qualquer preceito sobre o sistema de con-


trolo interno, os princípios de governação corporativa estão materializados,
entre nós, nos normativos do BNA e da Comissão do Mercado de Capitais
(doravante CMC) e na Lei de Base do Sector Empresarial Público (doravante
LBSEP) 17.
O Aviso do BNA n.º 1/13, de 19 de Abril regula as Obrigações das Insti-
tuições Financeiras no que toca à Governação Corporativa; o Aviso do BNA

15 
MARTINS, Alexandre de Soveral. Sobre a fiscalização das sociedades anónimas, Op. Cit.,
p. 48. Cfr. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Manual de Governação das Sociedades, Coimbra:
Almedina, 2017, p. 306.
16 
GOMES, José Ferreira. Da administração a fiscalização das sociedades. A obrigação de
vigilância dos órgãos da sociedade anónima, Coimbra: Almedina, 2015, p. 321.
17 
Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro, publicada no Diário da República, I Série, n.º 169

175
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

n.º 2/13, de 19 de Abril, regula a Obrigação de Estabelecimento de um Sis-


tema de Controlo Interno; o Aviso do BNA n.º 3/13, de 22 de Abril, estabe-
lece o âmbito de Supervisão em Base Consolidada, para Efeitos Prudenciais.
O Regulamento da CMC n.º 1/15, de 15 de Maio, bem como o n.º 2 do artigo
16.º da LBSEP, estabelecem que as instituições financeiras e as sociedades que
integram o sector empresarial público devem (para as primeiras) e podem
(para as segundas) incluir outros órgãos deliberativos ou consultivos na sua
estrutura orgânica, cujos exemplos são das unidades autónomas responsáveis
pelo controlo interno da sociedade, como as áreas de gestão de risco, compliance,
auditoria interna e comissão de auditoria18.
O Aviso do BNA n.º 2/2013, sobre Sistema de Controlo Interno, foi posto a
vigorar num contexto em que, por um lado, registava-se no sistema financeiro
angolano um aumento da complexidade das operações, produtos e serviços
financeiros oferecidos e, por outro, vivia-se um período pós-crise do subprime
e, por isso, as respostas regulatórias dos principais organismos internacionais
impunham a adopção das melhores práticas de supervisão internacionalmente
aceites e a emissão de nova norma sobre o sistema de controlo interno das
instituições financeiras em linha com este novo enquadramento.
Um ano após a sua publicação, em 2014, o sistema bancário registou a
problemática do Banco Espírito Santo Angola (BESA) em que, entre outros,
se identificou um conjunto de problemas que denunciavam a falha do sistema
do controlo interno do referido banco19 e do próprio supervisor, o BNA.
Em 2019, o BNA declarou falência e revogou as licenças do Banco Mais e
do Banco Postal por incumprimento do seu instrutivo de 2018, que impôs o
aumento do capital social e fundos próprios para 7,5 mil milhões de kwan-
zas. Ao lado destes, o BNA decretou falência do Banco Angolano de Negócio e
Comércio (BANC), por profunda dificuldade financeira resultante de suces-
sivos recursos ao processo de facilidade de liquidez do BNA, o que espelha-
va a sua dificuldade de liquidez que com andar do tempo se foi agravando.

18 
Cfr. VALE, Sofia, As Empresas no Direito Angolano, Op. Cit., p. 768.
19 
Por exemplo, registou-se o “desaparecimento” de 5,5 mil milhões de dólares, em 2014,
do então Banco Espírito Santo Angola (BESA), provocando a degradação da qualidade dos
seus activos, bem como a progressiva perda de liquidez e de solvabilidade, aumentando com
o passar do tempo o risco de descontinuidade da sua actividade.

176
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

Em todas essas situações uma preocupação se impôs, a qual foi precisamente


a questão do sistema de controlo interno dos bancos.
Esta questão colocou-se, ainda, no Banco de Poupança e Crédito onde, por
exemplo, para além de ter a maior carteira de créditos mal parados no sistema
bancário angolano, concedidos sem observâncias das regras sobre prestações
de garantias, registou-se, mais uma vez, no dia 17 de Abril de 2020, um roubo
interno de mais de 400 milhões de kwanzas. Da análise feita, constatou-se que
a “má parametrização do sistema core e do sistema de gestão de cartões de
débito e de crédito” e falta de escrutínio e validação da direcção de compliance
do referido banco”, terão facilitado estes actos20.
Mas, como referido, a questão não é exclusiva dos operadores do siste-
ma bancário, na medida em que durante este período alguns desafios foram
colocados ao próprio supervisor, pois estamos lembrados que, por exemplo,
o Banco Central Europeu (BCE) e a Reserva Federal dos Estados Unidos
da América (FED) deixaram de reconhecer como idónea a supervisão ban-
cária do BNA e, como consequência, continuam a considerar Angola como
“um país de alto risco”. E uma das principais preocupações consiste no facto
de não existir uma supervisão bancária suficientemente estruturada, definida
e adequada para gerir riscos, bem como a adopção das melhores práticas de
governação corporativa e mecanismos sólidos de controlo interno por parte
das instituições bancárias que em muito contribuiria para recuperação da
correspondência bancária e da imagem do país em matéria de combate ao
branqueamento de capitais21.

20 
Vide. Nováfrica – notícias globais – Roubo no BPC: Direito de respos-
ta. Ver no fim notícia relacionada, https://www.novafrica.co.ao/economia/roubo
-no-bpc-direito-de-resposta-ver-no-fim-noticia-relacionada/
VALOR ECONÓMICO, BPC admite ter sistema informático frágil e vulnerável in https://
valoreconomico.co.ao/artigo/bna-orienta-bpc-a-proteger-activos
https://angola-online.net/noticias/funcionarios-do-bpc-presos-por-roubo-de-mais-de-70-
-milhoes-de-kzs
21 
“Os factores que determinaram a retirada da Correspondência Bancária em Angola são
múltiplos e estão interligados. Estes incluem as percepções gerais de risco jurisdicional, lacu-
nas no quadro jurídico angolano de combate ao branqueamento de capitais e de combate ao
financiamento do terrorismo (AML/CFT) (incluindo um nível de fraco cumprimento da Lei
de AML/CFT pelo sector privado, debilidades no controlo e ausência da supervisão baseada no
risco), e a redução do apetite pelo risco por parte dos bancos globais. As questões relacionadas
com a percepção de que Angola é um país com mecanismos débeis de governação e de combate

177
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Face a este quadro e visando repor a estabilidade geral do sector bancá-


rio, nos últimos anos foram implementados pelo BNA diversas medidas para
fortalecer a regulação e supervisão bancária. Por exemplo, tem sido feito um
trabalho de actualização do quadro regulamentar e de criação de condições
para uma abordagem de supervisão baseada no risco.
Um outro desafio colocado ao sistema bancário em Angola prende-se com
a carteira de créditos mal parados, pois muitos destes foram concedido sem
garantias idóneas. Na verdade, apresenta-se uma situação potenciadora de
incerteza na medida em que os bancos perdem capacidade para financiar a
economia e, consequentemente, as famílias e as empresas passam a ter cada
vez menos acesso ao crédito. Este facto contribui para gerar desemprego, falta
de consumo e baixa poupança.
Para responder a todos estes desafios, o BNA tem em preparação um
novo diploma sobre o sistema de controlo interno que, neste escrito, será
objecto da nossa análise, mas para o efeito, é necessário referir que estão
na forja outros diplomas com incidência nas questões de controlo interno,
estamos, por exemplo, a nos referir aos Anteprojectos de (i) Aviso do BNA
sobre Governação Corporativa das instituições financeiras sob jurisdição do
BNA; (ii) Lei Orgânica do BNA; (iii) Lei de Base das Instituições Financeiras;
e (iv) Código Comercial.

3.1. O Projecto de Aviso do BNA sobre Governação Corporativa dos Ban-


cos: o que haverá de novo?

O Projecto de Aviso do BNA sobre Governação Corporativa, que revogará o


Aviso do BNA n.º 1/13, de 19 de Abril, para além da introdução do conceito de
“importância sistémica” e das matérias relativas à organização e administração

à corrupção acentuaram o perfil do país como uma jurisdição de alto risco. A contínua e, em
alguns casos, crescente concentração da participação accionária nos principais bancos de
Pessoas Politicamente Expostas (PPE) do país também poderá contribuir para a percepção
de risco acentuado por parte dos bancos globais em relação a Angola. Isso, conjugado com a
reavaliação comercial das linhas de negócios pelos bancos globais e as preocupações especí-
ficas em torno do fraco crescimento e vulnerabilidades do sistema financeiro, pode também
explicar a hesitação dos bancos globais em lidarem directamente com os bancos angolanos”.
Vide Cfr. CONSELHO NACIONAL DE ESTABILIDADE FINANCEIRA – CNEF. “Estratégia
de Desenvolvimento do Sistema Financeiro 2018 – 2022”, Novembro de 2017, p. 14.

178
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

dos bancos – onde por exemplo introduz o conceito de administrador não


executivo22 e a possibilidade dos bancos adoptarem uma comissão executiva23,
sendo que proíbe a cumulação na mesma pessoa das funções de presidente
do conselho de administração e da comissão executiva (artigo 8.º) – traz um
conjunto de matérias que reforçarão o sistema de controlo interno dos bancos
e demais instituições sob supervisão do BNA, por exemplo:

i) Na alínea d) do artigo 3.º, introduz o comité de auditoria para os ban-


cos, como uma unidade responsável pela fiscalização do desempenho
do auditor externo da instituição financeira e, para o efeito, deverá:
(a) dispor de um processo robusto de aprovação e reapreciação da re-
muneração do auditor externo; (b) monitorar e avaliar a independência
e eficiência das acções do auditor externo; (c) dispor de canais eficazes
de comunicação com o auditor externo para permitir uma melhor
fiscalização do seu desempenho e aperfeiçoar a qualidade do trabalho
do auditor externo; e (d) exigir do auditor externo o reporte de todas
as matérias relevantes para melhor fiscalização do seu desempenho
(vide a alínea h) do n.º 2 do artigo 17.º).
ii) Ao lado das funções de negócios e de suporte, do ponto de vista orga-
nizacional, introduz-se, ainda como novidade, as funções de controlo
que “compreendem as funções que detêm a responsabilidade de proporcionar, de
forma independente e fiável, avaliações e análises objectivas, bem como efectuar
o seu reporte aos órgãos de gestão” sempre que ocorram situações, entre
outras, susceptíveis de afectar a estabilidade financeira da institui-
ção, configurar riscos de branqueamento de capitais e financiamento
ao terrorismo e conflito de interesses, ao conselho de administração
(vide n.º 8 do artigo 8.º). Relativamente ao reporte aos órgãos de gestão,
o BNA tem aqui uma soberana a oportunidade para estabelecer que

22 
Na alínea c) do artigo 3.º do Anteprojecto introduz o conceito de administrador não exe-
cutivo como “membro do órgão de administração, que deve participar no processo de tomada
de decisões estratégicas, aconselhar, fiscalizar e avaliar a actividade dos administradores
executivos, sem prejuízo das atribuições globais inerentes ao seu cargo”.
23 
As adopção de uma comissão executiva torna-se obrigatória para as instituições bancá-
rias que: (a) tenham activos superiores kz 300 000 000 000, 00 (trezentos mil milhões) de
kwanzas; (b) cotação em bolsa; (c) instituições sedeadas em Angola com subsidiárias noutras
jurisdições; e d) subsidiárias de entidades sedeadas no estrangeiro.

179
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

as funções de controlo devem responder e, por isso, reportar para os


administradores não executivos, uma vez que estes têm uma função de
controller, pois, do contrário, estaríamos diante de uma deficiência do
sistema de controlo interno, na medida em que constitui um potencial
conflito de interesses, ao fixar que as funções de controlo reportem
para órgão gestão (administradores executivos) que é objecto do seu
controlo.
iii) No artigo 5.º, estabelece-se que o modelo governação corporativa a ser
implementado pelos bancos deve integrar (i) uma Política de compliance24;
(ii) uma Política de sistema de controlo interno25; (iii) Política de re-
muneração; e (iv) o canal de denúncias26.

Para o Anteprojecto de Aviso do BNA sobre governação corporativa, nos


seus artigos 14.º e 15.º, as áreas que constituem o sistema de controlo inter-
no devem estar sob responsabilidade de três comités (Comité do sistema
de controlo interno, Comité de Gestão do risco e o Comité de nomeação,
avaliação e remuneração de colaboradores27) e deve ser integrado e presidido
por administradores não executivos e contar ainda com a participação de
gestores com funções de gestão relevante que terão a função de (i) assegurar

24 
Um documento que engloba todos os tipos de métodos e procedimentos relacionados com
o sistema de controlo interno a observar e avaliar, preventivamente, por todas as unidades de
estrutura de uma instituição, bem como as normas e procedimentos referentes à formalização
e ao reporte destes processos e, se aplicável, as respectivas medidas correctivas.
25 
Um documento que engloba todos os tipos de métodos e procedimentos relacionados com
o sistema de controlo interno a observar e avaliar, preventivamente, por todas as unidades de
estrutura de uma instituição, bem como as normas e procedimentos referentes à formalização
e ao reporte destes processos e, se aplicável, as respectivas medidas correctivas.
26 
Que deve ser acessível a todos os colaboradores, cujo principal objectivo deve ser a pre-
venção, identificação e combate a fraudes, irregularidades, práticas antiéticas e condutas
inadequadas por parte de qualquer colaborador ou parte interessada da instituição de uma
forma adequada e atempada (vide artigo 23.º do Anteprojecto de Aviso sobre Governação
Corporativa).
27 
Terá por função aprovar, através de assembleia geral, uma política interna para a selec-
ção, avaliação, nomeação e ainda renovação de funções dos propostos membros ou gestores,
contendo, pelo menos, procedimentos para a identificação, avaliação adequação de acordo
com os requisitos legais exigidos, as regras sobre prevenção, comunicação e sanação de con-
flitos de interesses e os meios de formação profissional disponibilizados (vide artigo 15.º do
Anteprojecto).

180
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

a formalização e operacionalização de um sistema de prestação de informa-


ção eficaz, devidamente documentado, incluindo o processo de preparação
e divulgação das demonstrações financeiras; (ii) supervisionar a formaliza-
ção e operacionalização das políticas e práticas contabilísticas da instituição;
(iii) rever todas as informações de cariz financeiro para publicação ou di-
vulgação interna, designadamente as contas anuais da instituição; (iv) fis-
calizar a independência e a eficácia da auditoria interna, aprovar e rever o
âmbito e a frequência das suas acções e supervisionar a implementação das
medidas correctivas propostas; e (v) supervisionar a actuação da função de
compliance.

3.2. O Projecto de Lei de Base das Instituições Financeiras: o que haverá


de novo em matéria de governance?

O Anteprojecto de Lei de Base das Instituições Financeiras que, há-de


revogar a Lei n.º 12/15, de 17 de Junho, actualmente ainda em vigor, no seu
artigo 71.º, há-de impor aos bancos a adopção de mecanismos e procedi-
mentos de bom governo societário, em termos proporcionais à sua dimen-
são, à sua organização interna e ao âmbito e complexidade das actividades
exercidas. Este diploma deverá fixar as regras e recomendações aplicáveis a
(i) adequação dos membros dos órgãos de administração e fiscalização e
dos titulares de funções relevantes nos bancos (artigo 59.º a 63.º); (ii) inde-
pendência dos administradores e membros do conselho fiscal (artigo 64.º);
(iii) composição e funcionamento do conselho de administração e da comissão
executiva (artigos 49.º e 70.º); (iv) Código do governo dos bancos (artigo 71.º);
(v) conflito de interesses (artigo 67.º); (vi) comissões do conselho de admi-
nistração; (vii) remuneração; (viii) auditoria; (v) sistemas de controlo interno;
(vi) prestação de informação sobre o governo societário; (vii) denúncia interna
de irregularidades.
Relativamente à fiscalização da actividade do conselho de administração,
o Projecto de Lei das Instituições Financeiras irá impor a regra de segregação
entre a fiscalização e a revisão de contas, cabendo a (i) primeira actividade
ao órgão de fiscalização que deverá integrar, pelo menos, um membro que
tenha as habilitações académicas adequadas ao exercício das suas funções
e conhecimentos em auditoria ou contabilidade; e a (ii) segunda actividade

181
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

(revisão de contas) a um auditor certificado ou a sociedade de peritos conta-


bilistas ou auditores certificados. O responsável pela revisão das contas não
pode ser membro do órgão de fiscalização (vide artigo 73.º).
Para além destas alterações, o Anteprojecto de Base Lei das Instituições
Financeiras trará um conjunto de matérias relativas ao sistema de controlo
interno que irá em grande medida alterar o sistema de fiscalização interna
dos bancos e demais instituições financeiras, por exemplo, de acordo com o
artigo 68.º dodiploma, para exercício de função de administração, fiscalização
e sistema de controlo interno (integrado pelos responsáveis pela função de
compliance, auditoria interna, controlo e gestão de riscos) passa a ser necessária
a observância de requisitos de (i) idoneidade, (ii) qualificação e ou experiência
profissional, (iii) independência e (iv) disponibilidade.
Em relação aos órgãos do sistema de controlo interno, estes passam obri-
gatoriamente a funcionar como whistleblowing, na medida em que os bancos
devem implementar mecanismos de participação de irregularidades, em que
se inclua um canal de recepção, tratamento e arquivo de participações que,
além de adequados, devem ser específicos, independentes e autónomos, bem
como assegurar a participação, não só de irregularidades graves com a ad-
ministração, organização contabilística e fiscalização interna, mas também a
participação de indícios sérios de infracções a deveres previstos no presente
diploma e legislação complementar ou regulamentar.

3.3. O Anteprojecto de Código Comercial: o que haverá de novo em maté-


ria de governance?

O Anteprojecto de Código Comercial angolano, em discussão desde 2014,


pretende alterar os paradigmas do regime da governação corporativa em
Angola, na medida em que poderá imprimir uma natureza mandatória ou
obrigatória aos princípios de governance, por exemplo, no âmbito do capítulo
sobre as obrigações dos empresários comerciais, o Anteprojecto de Código
Comercial consagra uma secção dedicada ao princípio da prestação de contas
(accountability) concretizado no artigo 40.º (obrigação de prestação de contas),
41.º (organização contabilística com base no Plano Geral de Contabilidade e
na qual as contas anuais devem ser redigidas com clareza e mostrar a imagem
fiel da sua situação financeira e patrimonial e dos resultados da sua actividade)

182
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

e 43.º (auditoria anual das contas e na qual se impõe a certificação de audi-


toria independente).
Para além da accountability, o Anteprojecto de Código prevê consagrar
ainda o princípio da responsabilidade corporativa ao determinar, nos artigos 67.º
e 68.º, que no exercício das suas actividades comerciais, as empresas e em-
presários estão obrigados a desenvolver as operações com preocupações no
impacto económico, social e ambiental da sua actividade28.
O artigo 69.º do Projecto prevê ainda os princípios da transparência
( full disclosure) e de compliance ao dispor que, na organização e no exercício das
suas actividades comerciais, as empresas e os empresários estão obrigados a
observar os mais elevados padrões de integridade e transparência, abstendo-
-se, nomeadamente, da prática de actos que conduzam a situações de abuso
de mercado, concorrência desleal, de utilização de informação privilegiada,
de tráfico de influências, branqueamento de capitais e de financiamento ao
terrorismo.
Perspectiva-se assim que, com estes preceitos, a implementação dos prin-
cípios de governação corporativa previstos nos normativos do BNA e da CMC
mudarão de paradigma pois, alinhados fundamentalmente com as principais
regras dos mercados financeiros, passarão a ser “hard law”, isto é, de cumpri-
mento obrigatório.
Nesta medida, o Anteprojecto de Código Comercial poderá reforçar os me-
canismos de responsabilização da administração, conferindo maior protecção
aos sócios, sobretudo os minoritários29, por meio do acesso à informação, do

28 
Por exemplo: (a) Criação de empregos junto das comunidades em que se inserem bem
como formação do pessoal, igualdade de oportunidades e segurança dos recursos humanos;
b) Contribuição para o desenvolvimento das comunidades locais, nomeadamente em matéria
de condições sociais; c) Garantia de salubridade, estabilidade e prosperidade do meio físico
em que estão envolvidas; d) Protecção do meio ambiente e adequada gestão do impacto am-
biental das actividades e Anteprojectos em que estão envolvidas, adoptando acções contra
a poluição, nomeadamente em matéria de ruído, luz, águas, emissão de gases nocivos para a
atmosfera, contaminação do solo e transporte e eliminação de resíduos; e) Utilização econó-
mica e sustentável dos recursos naturais; f) Incentivo de fornecedores para a implantação de
concorrência positiva entre empresas; g) Respeito e protecção dos direitos dos consumidores.
29 
A protecção dos accionistas minoritários é importante em relação ao papel dos accionistas
no governo das sociedades, por uma série de razões. A participação dos accionistas minoritá-
rios é difícil em sociedades com accionistas que detêm participações de controlo, continuando
a ser este o modelo de governo predominante das sociedades europeias. Coloca-se, assim, a

183
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

direito aos lucros anuais de exercício, da fiscalização das contas e da gestão


com auxílio reforçado de um auditor externo, cuja intervenção aumentará a
exigência em matéria de contabilidade e de prestação de contas para a ad-
ministração das sociedades comerciais, sobretudo aquelas que actuam nos
mercados financeiros.
Relativamente ao modelo de governação corporativa das Sociedades Anó-
nimas, o Anteprojecto de Código Comercial distancia-se do modelo con-
sagrado na LSC pelo facto de introduzir (ao lado da Assembleia Geral, dos
órgãos de administração e de fiscalização) a figura do Secretário, que deverá
ser obrigatório para as sociedades emitentes de acções admitidas à negociação
em mercado regulamentado (vide os artigos 193.º, 226.º e 529.º).
Acresce-se a estas alterações que o artigo 471.º deste Projecto de Diplo-
ma prevê que a estrutura da sociedade anónima poderá optar por um dos
seguintes modelos:

a) Conselho de Administração e Conselho Fiscal (modelo clássico com


variações) – neste modelo, o órgão de fiscalização pode adoptar uma
das seguintes formas: (i) fiscal único que deve ser perito contabilista;
(ii) conselho fiscal com um número mínimo de três membros efecti-
vos ou outro fixado nos estatutos; ou (iii) conselho fiscal e auditor ou
sociedade de auditor que não seja membro do conselho fiscal. Esta
última forma do órgão de fiscalização deverá ser obrigatória para as
sociedades emitentes de valores mobiliários admitidos à negociação
em mercado regulamentado;
b) Conselho de Administração executivo, Conselho de Supervisão, au-
ditor externo e uma comissão para as matérias financeiras (modelo
germânico com variações).

questão da viabilidade da chamada abordagem «cumprir ou explicar» nessas empresas, em


especial se não estiver garantida a protecção adequada dos accionistas minoritários. Em se-
gundo lugar, coloca-se a questão de saber se as regras em vigor são suficientes para proteger
os interesses dos accionistas minoritários contra potenciais abusos por parte de accionistas
com uma participação de controlo (e/ou de gestão). Cfr.COMISSÃO DAS COMUNIDA-
DES EUROPEIAS. O Livro Verde sobre “o quadro da União Europeia do governo das sociedades”
Bruxelas,5.4.2011, p. 19.

184
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

O Conselho de Supervisão deverá ser composto pelo número de membros


fixado no contrato de sociedade que deve, no entanto, ser superior ao número
de administradores executivos. Estes terão o poder de praticar actos com
incidência na administração e na informação financeira da sociedade. Os
primeiros são actos de fiscalização política (fiscalização propriamente dita)30.
Relativamente ao Conselho de Administração, o artigo 472.º do Antepro-
jecto de Código Comercial dispõe que as sociedades emitentes devem ter um
administrador independente e cuja “independência” se manifesta quando o
administrador seja uma pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de
interesses específicos na sociedade, nem se encontre em situação susceptível de
afectar a sua isenção, nomeadamente em virtude de ser titular ou actuar em
nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior
a 2% do capital da sociedade ou ter sido eleita para mais de dois mandatos,
contínuos ou intercalados.
Esta norma tem como “ventre mater inspirador” o n.º 5 do artigo 414.º do
Código das Sociedades Portuguesas que, por sinal, tem sido alvo de críticas,
por exemplo, quando faz alusão à expressão “grupos de interesses específicos”, pois
entende-se que não concretiza o que são interesses específicos. Esta expressão
pode ser reconduzida aos stakeholders (trabalhadores, credores, clientes, forne-
cedores e o próprio Estado), enquanto grupos de pessoas que têm interesses
económicos na sociedade.

30 
a) Nomear e destituir os administradores, se o contrato de sociedade não atribuir tal
competência à assembleia geral; b) Designar o administrador que servirá de presidente do
Conselho de Administração executivo; c) Representar a sociedade nas relações com os admi-
nistradores; d) Fiscalizar as actividades do Conselho de Administração executivo, a eficácia do
sistema de gestão de riscos, do sistema de controlo interno e do sistema de auditoria interna,
se existentes; e) Receber as comunicações de irregularidades apresentadas por accionistas,
colaboradores da sociedade ou outros; e f) Zelar pela observância da lei e do contrato de
sociedade. A fiscalização da informação financeira, para além de consistir em dar parecer
sobre o relatório de gestão e as contas do exercício, deverá, no essencial, verificar o seguinte:
i) A regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos que lhes servem de suporte,
assim como a situação de quaisquer bens ou valores detidos pela sociedade a qualquer título;
ii) Se as políticas contabilísticas e os critérios valorimétricos adoptados pela sociedade condu-
zem a uma correcta avaliação do património e dos resultados; iii) O processo de preparação
e de divulgação de informação financeira e propor à assembleia geral a nomeação do auditor
externo; iv) A revisão de contas e os documentos de prestação de contas; v) A independência
do auditor externo, designadamente no tocante à prestação de serviços adicionais.

185
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Outra crítica que pode ser apontada para a norma do artigo 472.º do An-
teprojecto de Código Comercial é referente ao critério de “ser titular ou actuar
em nome ou por conta de titulares de participação qualificada igual ou superior a 2% do
capital da sociedade”, pois tem-se entendido que não é razoável que um admi-
nistrador independente perca a independência se detiver uma participação
de 2% ou represente um accionista com essa percentagem do capital social,
isto é, que nestas circunstâncias o administrador possa ter alguma capacidade
para influenciar os destinos da sociedade, nomeadamente ao nível do processo
de tomada de decisão dos órgãos sociais. Diferente do que é defendido por
alguma doutrina31, para nós, a norma do Anteprojecto que estabelece que o
administrador independente não deve deter (por si ou por representação)
2% do capital social da sociedade foi bem conseguida, pois o administrador,
enquanto accionista ou representante deste, não prossegue exclusivamente
os interesses da sociedade, mas também interesses próprios e, neste sentido,
a rácio da sua independência é afectada.
Relativamente à proibição da reeleição do administrador independente
por mais de dois mandatos, entendemos ser outra nota bem conseguida, pois,
se não se estabelecesse esta premissa, permitir-se-ia “um consulado prolongado
num cargo com toda a convivência e proximidade relativamente aos accionistas e demais
membros dos órgãos sociais”, o que afectaria substancialmente a objectivida-
de, a transparência e a imparcialidade que se requer para um administrador
independente que tem funções de fiscalização e prossecução do interesse
exclusivo da sociedade.
Por outro lado, chama a nossa atenção, o facto de o Anteprojecto restringir a
qualificação dos administradores independentes às pessoas com formação supe-
rior em economia ou gestão. Entendemos que a presente limitação se demonstra
irrealista, porquanto a prática tem demonstrado que existem profissionais que,
não sendo economistas ou gestores assumem funções de administrador inde-
pendente, como juristas ou engenheiros, variando em função de core business
institucional. Assim, entendemos que deve ser exigida não necessariamen-
te uma formação superior nas áreas de gestão ou economia, mas comprovada

ALMEIDA, António Pereira de. “Os Administradores Independentes”, in “A Reforma do Código


31 

das Sociedades Comerciais. Jornadas em Homenagem ao Professor Doutor Raúl Ventura”,


Coordenação de António Menezes Cordeiro e Paulo Câmara, Almedina, Coimbra, 2007.

186
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

experiência profissional (em alguns casos, experiência profunda ligada ao ob-


jecto social da sociedade), principalmente nas áreas de controlo societário.
Em relação à responsabilidade dos membros do conselho de administração,
o artigo 233.º do Anteprojecto de Código Comercial prevê que estes respon-
dem em termos gerais aos sócios e terceiros pelos danos que, no exercício das
suas funções, lhes tenham causado. Esta disposição não responde à velha
questão dogmática sobre o enquadramento da responsabilidade dos admi-
nistradores em face de terceiros, ou seja, a expressão “em termos gerais” não
responde se os administradores respondem no âmbito da responsabilidade
aquiliana, prevista no artigo 483.º do CC, ou nos termos da responsabilidade
obrigacional do artigo 789.º CC.
Para nós, tal como a LSC, o Anteprojecto de Código Comercial não apre-
senta solução sobre a controvérsia que põe por terra a teoria clássica da divisão
da responsabilidade civil subjectiva e que também constitui objecto de nossa
análise no presente escrito.
Retomando a questão do modelo de governação corporativa, somos do en-
tendimento de que o Anteprojecto de Código Comercial se distancia da LSC
que apresenta um modelo clássico ou latino flexível na medida em que admite a
existência de um Conselho de Administração com administradores não exe-
cutivos e uma comissão executiva ou administradores delegados (executivos).
O Anteprojecto de Código Comercial, na verdade, apresenta dois mode-
los de governação corporativa. O primeiro aproxima-se do modelo clássico ou
latino e o segundo aproxima-se do modelo dualista ou germânico por ser cons-
tituído por um Conselho de Administração executivo, um conselho geral de
supervisão e um auditor externo. Este último modelo parece ser aquele que
deverá ser adoptado pelas sociedades emitentes, isto é, aquelas que tenham
ou pretendam ter as suas participações dispersas junto do público em sede
do mercado de valores mobiliários. Esta exigência justifica-se por garantir
uma maior supervisão e fiscalização do cumprimento de regras relativas ao
controlo interno, estrutura organizativa, prestação de informação, gestão e
prevenção de conflitos de interesses nas sociedades que actuam no mercado
de valores mobiliários32.

32 
HOPT, Klaus & VOIGHT, Hans-Christoph, Responsabilidad civil de los folletos de missión y de
la información del mercado de capitales: Derecho y reforma en la unión europea..., p. 463.

187
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

3.4. Entre o Aviso do BNA n.º 2/13 e o Anteprojecto de Aviso do BNA


sobre Sistema de Controlo Interno (Anteprojecto de Aviso do BNA
sobre SCI), o que haverá de novo?

O sistema de controlo interno a ser instituído pelo BNA traz como pri-
meiro ponto de mudança a obrigação das regras sobre o controlo interno
serem “acessíveis a todos os funcionários da instituição, de forma a garantir
o reconhecimento de determinada função no processo, bem como as respon-
sabilidades atribuídas aos diversos níveis da organização”. Com esta alteração
(positiva) mais facilmente se pode assegurar a continuidade do negócio e a
sobrevivência dos bancos.
No âmbito dos mecanismos que asseguram a continuidade do negócio
e, consequentemente, a sobrevivência dos bancos, o BNA acrescentou no
Anteprojecto de Aviso do BNA obrigatoriedade de (i) “definição e segregação
de responsabilidades” e “segregação de funções”, esta última traduzidas no con-
junto de regras e directrizes de controlo interno que visam descentralizar a
gestão, estabelecendo independência entre as funções de controlo, negócio
e suporte (alínea p) do artigo 3.º); (ii) adopção de meios que permitam a
(iii) “mitigação de conflitos de interesses”; (iv) a existência de uma política, processo
ou outra medida preventiva para cada risco; (v) o controlo e acompanhamen-
to sistemático para assegurar que a sua aplicação e funcionamento esteja
conforme ao estabelecido regulamentarmente, tentando, assim, rectificar
prontamente todos e quaisquer desvios; (vi) garantir a integridade, a concor-
dância e a eficácia do processo, fornecendo assim uma garantia razoável de
que as informações financeiras e administrativas são confiáveis, oportunas e
completas e que a instituição financeira está em conformidade com políticas
e directrizes, internas e externas, bem como as leis e regulamentos aplicáveis
ao seu funcionamento, quer internos quer externos.
Relativamente aos princípios gerais, para além de estabelecer que deve
ser periodicamente revisto e actualizado para que as medidas relacionadas
com riscos não identificados previamente sejam fácil e atempadamente in-
corporadas no processo a decorrer, o Anteprojecto do Aviso do BNA sobre
SCI acrescenta que o sistema de controlo interno deve não só ser adaptado
à dimensão, natureza, complexidade, estrutura e estratégia da actividade,

188
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

como também ao perfil de risco33, tolerância ao risco34 e apetência ao risco35.


Na verdade, a grande tónica desta alteração reside na necessidade de mapea-
mento e acompanhamento da gestão do risco.

4. Gestão de risco

A gestão de risco é uma questão de extrema relevância não só para a so-


brevivência e êxito face às fortes turbulências financeiras, como também para
a concretização dos princípios da governação corporativa, pois incide sobre o
modo de administração dos negócios da empresa, da previsão e tratamento
dos seus riscos, bem como as oportunidades inerentes. Os riscos são realida-
des inerentes aos negócios e, por isso, devem ser devidamente geridos, por
meio de um sistema de identificação prévia e proactiva, pois, só desta forma
se alcançam melhores resultados alinhados com os interesses das partes en-
volvidas na vida da sociedade36. Por isso, a alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do
Anteprojecto de Aviso do BNA sobre SCI, estabelece que os bancos devem
ter um sistema de gestão de risco capaz e com competência de identificar,
diagnosticar, avaliar, mapear, priorizar, monitorar e gerir todos os seus riscos,
permanecendo sempre atento às mudanças do ambiente interno e externo, de
modo a não ser surpreendido por riscos desconhecidos ou não controlados.
Este sistema de controlo interno deve estar de acordo com as disposições
legais e regulamentares aplicáveis, sendo, no entanto, necessário que exista um
acompanhamento da implementação destes controlos e respectivo reforço, se
necessário, pelo próprio regulador, de identificar, medir e controlar todos os
riscos relevantes e prestar todas as informações para uma efectiva análise de
gestão de risco. Esta gestão é fundamental para que a instituição compreenda

33 
“Representação da exposição real ao risco de uma instituição. O perfil de risco está intrin-
secamente ligado à estratégia de negócio, e depende do tipo de actividades realizadas pela
instituição, bem como ao risco inerente às mesmas”.
34 
“Quantidade” máxima de risco que uma instituição é capaz de assumir, dada a sua base de
capital, gestão do risco e capacidades de controlo, bem como as suas restrições regulatórias”
35 
“O nível agregado e os tipos de risco que uma instituição está disposta a assumir, definida
antecipadamente e dentro da capacidade de risco de cada instituição de forma a alcançar os
seus objectivos estratégicos e o seu plano de negócios”
36 
RODRIGUES, Jorge, Corporate Governance, Op. Cit, p. 156.

189
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

os riscos assumidos, dimensionando-os e adequando-os aos seus objectivos


relacionados ao confronto risco versus retorno de suas operações.
A estrutura de controlo interno das instituições deve ser feita por meio
de ferramentas de análise geral de riscos, gestão integrada, controlos e di-
cionários de riscos, bem como de mecanismo de avaliação da arquitectura
de controlo versus os riscos (operacional, legal, de crédito, de mercado, de
cybersegurança e outros) envolvidos na operação. Todas estas tarefas devem
estar a cargo de uma unidade autónoma, gerida por um Director de topo,
que deverá interagir directamente com o Conselho de Administração ou, se
delegada a uma Comissão (de gestão de risco), integrada por administradores
e directores de topo.
O Livro Verde sobre “o quadro da União Europeia do governo das sociedades”
orienta que todas as empresas, independentemente dos seus domínios de
actividade específicos, devem desenvolver uma cultura de risco adequada e
organizar-se para os gerir eficazmente37. Para o efeito, as políticas de gestão de
riscos devem ser claramente definidas ao mais alto nível, isto é, decididas pelo
Conselho de Administração para toda a organização. Alguns aspectos podem
ser diferentes devido à diversidade de enquadramentos jurídicos em vigor,
por exemplo a estrutura dupla ou unitária do Conselho de Administração,
mas, em cada caso, é indispensável definir claramente os papéis e as respon-
sabilidades de todas as partes implicadas no processo de gestão dos riscos: o
conselho, a gestão executiva e todos os efectivos operacionais implicados na
gestão dos riscos, e as descrições das funções devem ser conhecidas, tanto a
nível interno como externo38.
No âmbito das instituições bancárias, o artigo 14.º do Aviso do BNA
n.º 1/13 (actualmente ainda em vigor) dispõe que o órgão de administração
deve delegar num órgão constituído de forma equilibrada por administradores
executivos e não executivos, as funções de gestão e controlo do risco e aconse-
lhar o órgão de administração no que respeita à estratégia do risco bem como
as seguintes considerações relativas à implementação da estratégia do risco

37 
Vide COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS. O Livro Verde sobre “o quadro da
União Europeia do governo das sociedades”, Bruxelas, 5.4.2011.
ht t p://w w w.eu ropa rl.eu ropa .eu/meetdoc s/2009_ 2014/doc u ment s/com/com _
com(2011)0164_/com_com(2011)0164_pt.pdf (acessado em 12/09/2017).
38 
Ibidem.

190
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

por parte da instituição e da actuação da função de gestão do risco: (i) a situa-


ção financeira da instituição; (ii) a natureza, dimensão e complexidade da sua
actividade; (iii) a sua capacidade para identificar, avaliar, monitorizar e controlar
os riscos; (iv) o trabalho realizado pela auditoria externa e pela delegação de
competências de acompanhamento do sistema de controlo interno; e (v) todas
as categorias de riscos relevantes na instituição, designadamente os riscos de
crédito, de mercado, de liquidez, operacional, de estratégia e de reputação.
Tal como no Aviso do BNA 2/13 (actualmente ainda em vigor), de acordo com
o artigo 10.º do Anteprojecto de Aviso do BNA, as instituições devem estabelecer
um sistema de gestão do risco, na acepção de um conjunto integrado de políticas
e processos, incluindo procedimentos, limites, controlos e sistemas, com fim
de, permanentemente, identificarem, avaliarem, monitorizarem, controlarem
e prestarem informações dos riscos, promovendo, assim, uma implementação
adequada da estratégia e cumprimento dos objectivos das instituições.
O sistema de gestão do risco deve: (i) ser efectivo, eficaz, consistente e
com influência activa nas decisões tomadas pelo órgão de administração e
pelos colaboradores, em especial dos que têm responsabilidades de direcção;
(ii) permitir a identificação, avaliação, acompanhamento e controlo de todos
os riscos materiais a que a instituição se encontra exposta, tanto interna como
externamente, de modo a garantir que estes se mantêm ao nível previamente
definido pelo órgão de administração e que não afectarão significativamente
a situação financeira da instituição; (iii) considerar todos os riscos relevantes,
designadamente, riscos de crédito, de mercado, de liquidez, operacional,
de estratégia e de reputação; e (iv) ter uma influência activa nas tomadas de
decisão do órgão de administração e da gestão intermédia.

5. Compliance

Os primeiros normativos sobre matérias de compliance no sistema finan-


ceiro angolano registaram-se no mercado bancário, pois, no âmbito da Lei
n.º 34/11 de 12 de Dezembro39 e por meio dos artigos 18.º e 19.º do Aviso do

39 
Estabeleceu as medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento
de capitais e ao financiamento do terrorismo em Angola.

191
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

BNA n.º 22/12, o BNA exigiu que as instituições bancárias integrassem na sua
estrutura um departamento designado por “Compliance Officer”, responsável
pela implementação do sistema de prevenção de branqueamento de capitais
e do financiamento do terrorismo, incluindo os respectivos procedimentos
de controlo interno, sendo igualmente responsável pela centralização da in-
formação e comunicação de operações susceptíveis de branqueamento de
capitais e financiamento do terrorismo à Unidade de Informação Financeira
e outras autoridades competentes.
Para a protecção dos depositantes, o BNA consagrou (nos 12.º do Aviso do
BNA n.º 2/13) para os bancos a obrigatoriedade de implementação da função
compliance baseada na adopção de políticas e procedimentos adequados para
detectar qualquer risco de incumprimento dos deveres a que estejam adstri-
tos, ou seja, assegurar que o cumprimento das obrigações legais e directrizes
internas são observadas. O Anteprojecto de Aviso sobre sistema de controlo
interno, nas alíneas d) e e) do n.º 4 do seu artigo 12.º, acrescenta que cabe
à função compliance (i) acompanhar e avaliar os procedimentos de controlo
interno em matéria de prevenção do branqueamento de capitais, financia-
mento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, bem
como centralizar a informação e comunicá-la às autoridades competentes; e
(ii) monitorizar o cumprimento das políticas de governação corporativa da
instituição, nomeadamente, conflito de interesses e código de conduta.
A função compliance deve ser independente de modo a garantir, por um
lado, o acompanhamento e a avaliação regular da adequação e da eficácia das
medidas e procedimentos para detenção de incumprimentos das normas e,
por outro, a manutenção de um registo e apresentação de um relatório anual
sobre o sistema de controlo de cumprimento ou incumprimento.
À semelhança da gestão de risco, a função compliance deve ser um depar-
tamento autónomo (n.º 1 do artigo 12.º do Aviso n.º 2/13) e liderado por um
Director (Compliance Officer) que deverá responder pelas matérias de prevenção
e detenção de irregularidades40 directamente ao Conselho de Administra-
ção41 ou a administradores independentes42. Ao responder para o Conselho

40 
(controlo do cumprimento das obrigações legais e regulamentares, dos deveres e das
políticas e directrizes internas dos bancos).
41 
(que é integrado por administradores executivos, não executivos e independentes)
42 
VALE, Sofia. “O Governo dos Bancos em Angola”, Op. Cit., p. 335.

192
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

de Administração ou para administradores independentes, confere-se-lhe


independência e atribui-se uma importante ferramenta de supervisão aos ad-
ministradores não executivos e aos administradores independentes dos bancos.
Para cumprir, adequadamente as suas responsabilidades, o Compliance
Officer deve possuir autoridade e independência de modo a que não seja afec-
tado por influências indevidas; apoio institucional dos órgãos de gestão; recur-
sos e meios adequados e acesso a toda a informação relevante (por exemplo,
informação financeira), que esteja na posse da sociedade, de forma a poder
avaliar se as ocorrências detectadas pelos colaboradores apresentam indícios
de operações suspeitas de branqueamento de capitais ou de financiamento
ao terrorismo.
É importante referir que o desenvolvimento da função compliance e da
figura do Compliance Officer resulta da resposta pós-crise de 2007/2008
(crise do subprime), em que houve a necessidade – ao lado dos gatekeepers
externos da empresa (profissionais independentes, por exemplo, os audito-
res externos, advogados, analistas, agência de notação de risco, agentes de
intermediação) – de se promover a adopção de modelos descentralizados
de controlo de risco e no qual se integram os gatekeepers internos, enquanto
“regulated self-regulation” (auto-regulação regulada), formados pelos responsá-
veis pela fiscalização interna das sociedades, pelos auditores internos e pelo
Compliance Officer43.
E nesse contexto, parafraseando Tiago Geraldo, “o Compliance Officer se
transformou em uma função quase omnipresente na generalidade dos orga-
nogramas empresariais, concentrando em si (ou na divisão ou departamento
que dirige) uma responsabilidade fundamental. Cabe-lhe, em traços gerais,
assegurar que o exercício da actividade pela instituição se desenvolva em
estrita conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis, ve-
lando pela implementação de sistemas de compliance destinados a propiciar
tal cumprimento e, por essa via, criando e sedimentando condições estrutu-
rais de prevenção do risco (de ocorrência) de resultados lesivos associados à
actividade empresarial”44.

43 
GERALDO, Tiago, “A responsabilidade penal do Compliance Officer: fundamento e limites do
dever de auto-vigilância empresarial” in Estudos sobre Law Enforcement, Compliance e Direito
Penal, Coimbra: Almedina, 2018, p. 272.
44 
Ibidem, p. 269.

193
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

No âmbito da sua actividade, Geraldo Tiago adverte que o Compliance


Officer, enquanto gatekeeper interno, pode ser responsabilizado civil e criminal-
mente pela prática de um crime cometido, por exemplo, por um administrador
que tinha em seu poder informação que o levaria a desconfiar de que algo
de anormal estava a acontecer e não procurou saber mais, designadamente,
investigar45.

6. Auditoria interna

De acordo com o n.º 2 do artigo 17.º do Anteprojecto de Aviso sobre SCI, a


auditoria interna deve ser definida como uma função de aconselhamento ao
conselho de administração, vocacionada para a avaliação e a adequação dos
sistemas de controlo interno às directrizes definidas pelo BNA.
No âmbito da organização empresarial, a auditoria interna é uma função
de avaliação efectuada por profissionais integrados no quadro de pessoal da
organização com o intuito de examinar e avaliar as suas actividades46 cujo
objectivo central consiste em assistir os membros do órgão de gestão no sen-
tido de fornecer alertas, recomendações, conselhos e informações relacionas
com as actividades analisadas47.
A auditoria interna é tida como um instrumento de grande importância,
pois, é através do constante trabalho de verificação que se pode prevenir proble-
mas de fraudes nas demonstrações contabilísticas envolvendo administradores
das grandes companhias e o nível de segurança dos processos e dos controlos
internos, por isso, a alínea e) do n.º 5 do referido artigo 17.º do Anteprojecto
de Aviso reforça a ideia, impondo que a auditoria interna deve actuar como
terceira linha de defesa no sistema de controlo interno da instituição.
Neste âmbito, a auditoria interna tem a função de assegurar e coordenar
globalmente as seguintes actividades: (i) as acções de inspecção interna às

45 
Ibidem, p. 269.
46 
GEADA, Fátima Castanheira. “Governação Corporativa e auditoria interna” in A Emer-
gência e o futuro do Corporate Governance em Portugal, Volume II, (coordenação de José
Costa Pinto), Coimbra: Almedina, 2018, p. 116.
47 
ALMEIDA, Bruno José Machado de, Manual de Auditoria Financeira – Uma análise integrada
baseada no risco, op. Cit., pp. 19 a 20.

194
GOVERNANCE E SISTEMA DE CONTROLO INTERNO DE BANCOS: O QUE HAVERÁ DE NOVO?

unidades de estrutura da sociedade, de forma a assegurar o controlo e cum-


primento da legislação a que se rege, dos processos instituídos e das normas
de serviço; (ii) a conformidade dos procedimentos internos; e (iii) a identifi-
cação de potenciais riscos que possam perigar a segurança, transparência e
bom funcionamento da instituição, bem como verificar se as práticas vigentes
estão em linha com os normativos internos e outros que eventualmente se
apliquem à sociedade.
Ao lado da obrigação de instituir uma função de auditoria interna para, de
forma autónoma, efectuar uma avaliação da efectividade, eficácia e adequação
do sistema de controlo interno, considerando o risco associado a cada activi-
dade, consagrada no artigo 17.º do Aviso do BNA n.º 2/13 (actualmente ainda
em vigor), o Anteprojecto acrescenta que “a auditoria interna deve ser definida
como uma função de aconselhamento ao conselho de administração, vocacionada para
a avaliação e a adequação dos sistemas de controlo interno às directrizes definidas pelo
BNA”.
O n.º 2 do artigo 17.º do Anteprojecto dispõe que os bancos devem esta-
belecer um serviço de auditoria interna, que actue com independência e seja
responsável por: (i) adoptar e manter um plano de auditoria para examinar
e avaliar a adequação e a eficácia dos sistemas, procedimentos e normas que
suportam o sistema de controlo interno do agente de intermediação; (ii) emitir
recomendações baseadas nos resultados das avaliações realizadas e verificar
a sua observância; (iii) elaborar e apresentar ao órgão de administração e ao
órgão de fiscalização um relatório, de periodicidade pelo menos anual, sobre
questões de auditoria, indicando e identificando as recomendações que foram
seguidas. Mas para o efeito, deve dispor das condições necessárias para a
avaliação independente, autónoma e imparcial da qualidade e da efectividade
dos processos de controlo interno, gestão dos riscos e governação corporativa
da instituição.

7. Considerações finais

Chegado a este porto, importa reafirmar que o Anteprojecto de Aviso sobre


Sistema de Controlo Interno poderá introduzir importantes reformas no go-
verno dos bancos, por exemplo, com incidência para o reforço da organização

195
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e dos instrumentos de escrutínio da administração dos bancos. Por exemplo,


consagra os órgãos que integram o sistema de controlo interno como whistle-
blowing, densifica significativamente as suas responsabilidades e intensifica a
necessidade de garantir a sua independência.
Mas, apesar desses traços evolutivo, pensamos que ainda fica por resolver a
questão das áreas de controlo interno terem de reportar para o órgão de ges-
tão, pois entendemos que o BNA tem aqui uma soberana oportunidade para
estabelecer que as funções de controlo devem responder e, por isso, reportar
para os administradores não executivos, uma vez que estes têm uma função
de controller, pois, do contrário, estaríamos diante de uma deficiência do sis-
tema de controlo interno, na medida em que constitui um potencial conflito
de interesses, ao fixar que as funções de controlo reportem para órgão gestão
(administradores executivos) que é objecto do seu controlo.
No âmbito dos conflitos de interesses, quer o Anteprojecto de Aviso sobre
Sistema de controlo Interno como o Anteprojecto de Aviso sobre Governação
Corporativa, não estabelecem, em especial, o regime sobre a política remune-
ratória dos responsáveis pelas funções de controlo, o que nos coloca diante da
questão de saber se será o órgão de gestão dos bancos a estabelecer os critérios
de remuneração dos integrantes das funções de controlo e, ao ser afirmativa,
recoloca-se a problemática do conflito de interesses e da (potencial) ausência
de independência desses órgãos. Em face disso, entendemos que a solução
deverá passar por se consagrar nestes diplomas a obrigatoriedade de ter dois
sistemas de remuneração conforme estejamos diante do quadro de pessoal
pertencente as áreas de gestão ou associados à área de controlo.

8. Bibliografia

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198
CAPÍTULO 9
TIPOS CONTRATUAIS SUBJACENTES AO CRÉDITO BANCÁRIO

Irina Delgado

1. Introdução

Os contratos de crédito bancário designam aqueles negócios que têm por


objecto a prestação de dinheiro ou disponibilidades monetárias pelos ban-
cos aos seus clientes1 – de que constitui exemplo tradicional o empréstimo
bancário.
Todavia, o crescimento da actividade bancária e a necessidade de dar res-
posta às solicitações do mercado tem levado ao surgimento de técnicas nego-
ciais autónomas de concessão de crédito bancário, nomeadamente contratos
de abertura de crédito, de descoberto bancário, de antecipação bancária, de
crédito por assinatura.
Este artigo tem como objecto a apresentação dos diversos tipos contratuais
em que assenta o crédito bancário e a análise do respectivo regime jurídico.

2. Empréstimo bancário

O empréstimo ou mútuo bancário consiste no contrato pelo qual uma


das partes empresta à outra dinheiro ou coisa fungível, ficando a segunda
obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (arts. 1142º e
segs do C.Civil e 394º e segs do C.Com.).

José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, (2009), p. 497.
1 

199
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Conhecem-se diversas modalidades destes contratos. Os empréstimos


bancários podem, consoante o acordado, ser de curto, médio e longo prazo,
conforme se vençam em prazo inferior a um ano, até cinco anos, ou superior
a cinco anos; podem ser caucionados ou a descoberto, conforme estejam as-
segurados por garantias pessoais ou reais; e podem revestir a forma simples
ou sindicada, consoante posição de mutuário seja assumida por um ou vários
bancos.
O empréstimo bancário vence juros estabelecidos de acordo com o nego-
ciado entre as partes – banco e cliente -, podendo a taxa ser fixa ou variável.
Entre nós, há uns anos atrás, a taxa de referência era a taxa de inflação
do mercado, actualizada mensalmente, de seguida a atenção recaiu sobre os
Títulos do Banco Central (TBC`s)2 e Bilhetes de Tesouro (BT`s). Nos dias de
hoje, a LUIBOR (Luanda InterBank Offered Rate) que corresponde à taxa de
juro média interbancária utilizada para empréstimos sem garantia, realizados
em moeda nacional3 tem sido amplamente utilizada como taxa de referência.
Trata-se de um indexante bastante credível por ser fixado pelo Banco Central.

No que toca à moeda do empréstimo, nas operações de crédito por desem-


bolso, o Banco Central regulou em 20124 a restrição em moeda estrangeira,
independentemente do prazo para operações referente a assistência financeira
de liquidez, incluindo, dentre outras, as contas correntes caucionadas; finan-
ciamento automóvel; empréstimos ao consumo5; micro crédito; adiantamento
a depositantes ou descobertos; e outras modalidades de crédito financeiro
com natureza de curto prazo (inferior a um ano).

2 
Em 2011, essencialmente o Estado financiou-se através da emissão de bilhetes do tesouro.
De referir a contínua descida das taxas médias de colocação de BT, expressa na variação em
cerca de 8% entre o 1.º trimestre de 2011 e o 1.º trimestre de 2012. Esta acentuada descida é
um dos factores que contribui positivamente para o controle da inflação e para a promoção
do crédito à economia, vide Deloitte, Banca em análise, 2012, p. 63.
3 
Sobre a Luibor, vide Aviso do BNA n.º 12/2011 de 20 de Outubro.
4 
Aviso n.º 03/2012 de 28 de Março, regula a concessão e a classificação das operações de
créditos pelas instituições financeiras.
5 
Concessão de crédito ao consumidor para aquisição de bens de consumo. Esta tipologia
de crédito tem crescido bastante no mercado angolano, contribuindo para um maior finan-
ciamento de economia nacional e desenvolvimento económico do país.

200
TIPOS CONTRATUAIS SUBJACENTES AO CRÉDITO BANCÁRIO

Esta restrição não é aplicável a operações de crédito concedido ao Estado


ou a empresas com comprovadas receitas e recebimentos em moeda estran-
geira para proceder ao seu reembolso.
Esta medida foi desenvolvida com o intuito de diminuir parcialmente a
circulação do dólar norte-americano na economia angolana – objetivo polí-
tico-legislativo usualmente designado de “desdolarização”6 – que é já uma
realidade.
Relativamente à forma de reembolso, o empréstimo bancário pode ser
pago em uma ou várias prestações, conforme acordado contratualmente, por
desconto no capital, ou seja, em prestações mensais, em pagamento único, no
final (Bullet) ou em prestações com pagamento final significativo (Baloon).
Quanto ao juro remuneratório, que por norma é pago mensal e postici-
pamente, poderá convencionar-se o pagamento antecipado ou no final da
operação7.
Por último, o término do contrato de empréstimo dá-se com o pagamento
do valor mutuado mais juros. A revogação do contrato por parte do mutuário
implica a restituição da quantia mutuada.

3. Abertura de crédito

Este é o contrato pelo qual o banco (creditante) se obriga a colocar à dis-


posição do cliente (creditado) uma determinada quantia pecuniária (linha de

6 
Sobre o tema, reenvia-se para o artigo de Rute Martins dos Santos, neste volume. No sentido
de repor a confiança na moeda nacional e de garantir a estabilidade cambia, no final de 2009
foi apontado como objectivo do BNA a necessidade de reduzir, de forma inequívoca, a depen-
dência da economia nacional face ao dólar norte-americano. Nesta base foram desenvolvidas
pelo Executivo medidas com este propósito, limitando a utilização da moeda estrangeira na
economia, como exemplo, o limite máximo imposto às casas de câmbio para venda de moeda
estrangeira, a fiscalização do cumprimento da Lei Cambial, o incentivo aos pagamentos no
mercado interno com Kwanzas e a definição de legislação que penalize a recusa do Kwanza
como meio de pagamento em território nacional. Este objectivo, apesar de ainda não estar
próximo da sua conclusão, já permitiu reduzir o diferencial entre as duas moedas, vide KPMG,
Análise ao sector bancário Angolano, 2012, p. 8
7 
Carência de juros que consiste no período dentro de um empréstimo, durante o qual não
se pagam juros. A carência pode, também incidir sobre o capital e ser cumulativa a capital e
juros. Situação em que o reembolso do capital e pagamento dos juros se dá no final.

201
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

crédito ou plafonds de crédito), por tempo determinado ou não, podendo o


cliente proceder ao levantamento até aos montantes, nos termos e condições
que foram previamente fixadas8 e ficando obrigado ao reembolso das somas
utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões9.
O elemento caracterizador deste contrato é a disponibilização: para o cre-
ditado, assegura de antemão a disponibilização dos fundos necessários para
concretização do negócio em vista em condições mais vantajosas do que no
caso de um empréstimo bancário. Para o creditante, assegura o encaixe de
uma remuneração sem risco, consistente na comissão de abertura de crédito,
acrescida de comissão de imobilização.
Este contrato pode revestir a forma de abertura simples ou em conta cor-
rente, do ponto de sua realização, consoante o crédito disponibilizado. Além
disso, é mobilizável de uma só vez ou em tranches, incluindo a faculdade de
renovação automática do plafond de crédito mediante entradas. Do ponto
de vista das garantias, a abertura pode ser caucionada ou a descoberto, con-
soante o cumprimento das obrigações do cliente seja ou não assegurado por
garantias reais ou pessoais.
Do ponto de vista jurídico, estamos perante um contrato atípico, embora
nominado (art. 362º. CCom.). Possui uma função sócio-económica própria10
sedimentada na prática comercial e bancária11. Quanto à respetiva forma, a
prática bancária tem firmado a exigência de documento escrito.

8 
No sentido da definição do artigo 1842 do C.Civil Italiano, que refere a abertura de crédito
bancário como “…il contrato col quale la banca si obbliga a tenere a disposizione dell`altra parte una
somma di denaro per um dato período di tempo o a tempo indeterminato”; António Pedro Ferreira,
Direito Bancário, Quid Juris, 2005, Lisboa, p. 628.
9 
José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, cit., p. 501.
10 
Pereira, Sofia Gouveia, O Contrato de abertura de crédito bancário, regime e natureza
jurídica, cit., p. 8.
11 
Continua a ser discutida a sua natureza jurídica, havendo quem o qualifique como um mú-
tuo, um contrato-promessa, um contrato “sui generis”: vide Sofia Gouveia Pereira, O Contrato
de abertura de crédito bancário, Principia, Lisboa, (2000), p. 81-ss.

202
TIPOS CONTRATUAIS SUBJACENTES AO CRÉDITO BANCÁRIO

4. Descoberto Bancário

O descoberto bancário visa disponibilizar fundos na conta de depósito à


ordem do cliente que permitam fazer face a necessidades pontuais de tesoura-
ria. Está modalidade de crédito bancário pode assumir a forma de descoberto
autorizado e descoberto não autorizado.
No descoberto autorizado o banco permite a existência de saldo negativo
na conta do cliente, através da concessão de um limite de crédito que permite
a movimentação a débito de importâncias superiores ao saldo existente na
conta à ordem do cliente, por determinado período de tempo e em condições
previamente acordadas.
O descoberto não autorizado surge da movimentação a débito de valor
superior ao saldo disponível em depósito à ordem (DO) sem autorização do
banco.
Este contrato, pese embora consiste e fazer face a necessidades pontuais de
tesouraria, distingue-se da conta-corrente na medida em que nesta o banco
admite saldos positivos ou neutros, ao permitir que o cliente movimente a
conta para operações que o saldo disponível não permite12, deixando a conta
temporariamente a descoberto.
Trata-se de um contrato atípico, embora totalmente consolidado na “pra-
xis” negocial bancária, como um regime desde logo acolhido pelas cláusulas
contratuais gerais do contrato de abertura de conta, aplicando-se as demais re-
gras do empréstimo bancário devidamente adaptadas13. Não se exige qualquer
forma especial14, embora quando resulte de prévio acordo, seja, usualmente,
reduzido a escrito onde o cliente se obriga a pagar juros e demais encargos
inerentes ao saldo negativo da conta, podendo o banco, nos limites da boa-fé,
exigir a todo o momento o aprovisionamento da conta.

12 
Levantamentos, emissão de cheques.
13 
Em Portugal a prática é semelhante, sendo admitido o recurso às normas do mútuo bancá-
rio: na doutrina vide Soares, A. Quirino, Contratos Bancários, 115,in: LII SI (2003), 109-128; na
jurisprudência, os Acórdãos do STJ de 15-XI-1995 (Sá Couto), in: 451 BMJ (1995), 400-444,
e de 16-III-2000 (Miranda Gusmão), in: 495 BMJ (2000), 329-333.
14 
Considerando o descoberto uma operação de empréstimo, à qual é aplicável o princípio
da liberdade de forma do art. 396.º do C.Com.

203
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

5. A prestação de garantias

Na prestação de garantias por instituições bancárias (também designada


na gíria como crédito por assinatura) não há desembolso de fundos, mas sim
uma garantia que o banco presta a terceiros pelo bom cumprimento de uma
obrigação assumida pelo seu cliente. Este pode nomeadamente revestir a
forma de garantias bancárias autónomas, crédito documentário e fiança e
aval bancários.

5.1. Garantias Bancárias Autónomas

Define-se por garantia bancária autónoma o contrato celebrado pelo banco


(garante) e um seu cliente (mandante), pelo qual o primeiro se obriga por
ordem do último a pagar determinada soma pecuniária a um terceiro credor
(beneficiário), sem que a este possam ser opostas quaisquer excepções fun-
dadas nas suas relações negociais com o mandante15.
As garantias bancárias autónomas oferecem grandes vantagens as par-
tes contratuais, nomeadamente uma maior segurança nas transacções in-
ternacionais – já chegaram a ser reputadas de “sangue da vida comercial
internacional”16 -, fortalece a confiança das partes contratantes, garante o
pagamento ao beneficiário logo que solicitado, traduzindo uma celeridade na
execução e elimina a necessidade de desembolso antecipado de recursos finan-
ceiros. Por norma, o banco garante-se face à eventualidade de incumprimento
por parte do ordenante, exigindo-lhe uma contra-garantia (frequentemente,
livrança-caução).17

15 
ANTUNES, José A. Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, cit., p. 536 e
vide Jardim, Mónica, A Garantia Autónoma, Almedina, Coimbra, 2002.
16 
Pelo Juiz Britânico John Kerr, na decisão “R.D. Harbottle v. Westminster Ltd.” Citado
por Moens, Gabriel/Gillies, Peter, Internacional Trade and Business: Law, Policy and Ethic, 388,
Routledge Cavendish, New York, 1998.
17 
Além destas vantagens comparativas relativamente à fiança (caracterizada pela sua natureza
acessória a obrigação principal), a garantia autónoma sobrepuja ainda em face aos outros
mecanismos alternativos, tais como as cartas de conforto (em virtude do carácter inequívoco
da sua vinculatividade jurídica), o aval (restrito a dívidas cambiais), ou o próprio deposito
em dinheiro (que implica uma imobilização de capital). Sobre as diferenças entre garantia
bancária e autónoma e fiança bancária, vide o Acórdão do STJ de 23-III-1995 (Miranda Gus-
mão), in: III CJ/STJ (1995), I, 137-141.

204
TIPOS CONTRATUAIS SUBJACENTES AO CRÉDITO BANCÁRIO

Quanto ao regime jurídico, trata-se de uma figura atípica (sem regime


legal próprio)18, causal (cuja a causa é garantir a satisfação do direito pecu-
niário do beneficiário), executiva (cujo documento negocial representa título
executivo),19 e autónoma (não acessória ou dependente da obrigação garantida,
salvo em eventos de fraude ou abuso)20.
Quanto a tipologia, as garantias autónomas podem ser 1) de Oferta ou
Honorabilidade da Proposta Contratual, designada por “Bid Bond”, e entre
nós a comum garantia de concurso público/privado, onde o banco obriga-se
pagar certa quantia ao Beneficiário na eventualidade do Ordenador, par-
ticipante de um concurso público/privado (v.g. fornecimento, construção,
etc.), e em virtude do qual lhe tenha sido adjudicado o objecto do mesmo,
se recuse a assinar, por desistência, o contrato ou não crie pontualmente as
condições essenciais para a referida assinatura (v.g. prestação prévia de uma
nova garantia); 2) de Boa Execução do Contrato ou Bom cumprimento do
contrato, também designada por “Perfomance Bond”, em que o banco obriga-se
a indemnizar o Beneficiário em virtude do incumprimento total ou parcial
do contrato, por parte do Ordenador; 3) de Pagamento antecipado, também
conhecida por “dawn payment”, entre nós, garantia de adiantamento, em que
o banco obriga-se a restituir ao Beneficiário o montante inicial que este te-
nha desembolsado, a favor do Ordenador, por força do contrato celebrado
entre o Beneficiário e o Ordenador; 4) de mera interpelação ou à primeira
solicitação, também conhecida por “On First Demand” ou ainda de “garantia
bancária de execução automática”. Trata-se de uma garantia que pode ser trans-
versal a qualquer tipologia acima mencionada, ou seja, as garantias de Oferta
da proposta contratual; de boa execução ou bom cumprimento do contra-
to, bem como a referente ao reembolso do pagamento antecipado podem
operar quanto a sua exequibilidade com uma cláusula à primeira solicitação
em caso de incumprimento pelo Ordenador. Neste caso, a prática comercial

18 
Em Portugal, embora se afigure atípica, está nominada (v. g., art. 106.º,n.º 1 do Decreto-Lei
n.º 405/93, de 10 de Dezembro, art. 4.º, n.º 1,c) do Decreto-Lei n.º69/2004, de 25 de Março) e
objecto de regulação internacional através da “Uniform Rules for Contract Guarantees and
Standby Letters of Credit” de 1995 (eleborada pela CNUDCI). Em sentido oposto, todavia,
reputando-a de contrato inominado, vide o Acórdão da RP de 13-X-2000 (Emérico Soares),
in: XXV CJ (2000), IV, 214-217.
19 
Cf. Acórdão da RP de 2-XI-2000 (Leonel Serôdio), in: XXV CJ (2000), V, 177-180.
20 
Vide Epifânio, M. Rosário, Garantias Bancárias Autónomas, p. 329 e segs.

205
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

denomina genericamente a garantia como sendo À Primeira Solicitação, não a


distinguindo em função da sua finalidade mas apenas em razão da forma de
execução: execução simples ou execução automática21.

5.2. Crédito Documentário

Trata-se sobretudo de um instrumento de pagamento através do qual o banco


se obriga a desembolsar a favor do Beneficiário determinada quantia mone-
tária contra a entrega por este de determinados documentos previamente
convencionados com o Ordenador (cliente).
No crédito documentário não está em causa o incumprimento das obriga-
ções do Ordenador, mas sim um mandato deste, conferido ao banco para efec-
tuar o pagamento tão logo o Beneficiário remeta determinados documentos.
Esta figura é importante na contratação mercantil internacional, na me-
dida em que reforça as garantias e a segurança das transacções comerciais.
Um exemplo da sua utilização é o de no âmbito de uma compra e venda de
mercadorias entre empresários sedeados em países diferentes, o comprador
ou importador ordenar o seu banco que abra crédito documentário a favor do
vendedor ou exportador, na sequência de que o banco emite uma carta de cré-
dito comercial em favor deste último, nos termos da qual o emitente procederá
ao pagamento ao vendedor contra a entrega por este àquele de documentação
que titule a existência e conformidade contratual das mercadorias22.
Este crédito assenta na figura da carta de crédito, ou seja, o instrumento que
dá corpo à obrigação do banco do comprador de pagar ao exportador, contra
a apresentação de documentos que comprovam o cumprimento das condições
estabelecidas no crédito.
Trata-se de um contrato atípico e inominado e rege-se pelas Regras e
Usos Uniformes Relativos os Créditos Documentários, elaboradas pela CCI23.

21 
Sobre garantias autónomas, vide Gomes, M. Fátima, Garantia Bancária à primeira Solicita-
ção, in: VIII DJ (1995), 119-210; Ribeiro, A. Sequeira, Garantia Bancária autónoma à primeira
Solicitação, in: “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor I. Galvão Telles”, vol.II, 289-426,
Almedina, Coimbra, 2002.
22 
ANTUNES, José A. Engrácia, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, cit., p. 513.
23 
Regras editadas pela primeira vez em 1933, sendo correntemente designadas, na sua última
versão em vigor desde 1 de julho de 2007, por “UCP600”, que substituíram as “UCP500” de
1993.

206
TIPOS CONTRATUAIS SUBJACENTES AO CRÉDITO BANCÁRIO

Por norma, as ordens de pagamento subjacentes têm natureza irrevogável, na


medida em que só assim funcionam como garantia de pagamento. De acordo
com o tipo de utilização do crédito documentário, pode ser à vista, por aceite,
por pagamento diferido ou por negociação24. Quanto à celebração, tem sem-
pre na sua origem um contrato comercial de base, usualmente internacional.
Entre nós, há anos que esta figura tem ganho bastante uso nas relações
comerciais, na medida em que Angola é um grande importador de mercadoria.

5.3. Fiança e aval bancários

Designa-se por fiança bancária o contrato pelo qual um banco (fiador)


garante, em regra sem benefício da prévia excussão, o cumprimento de um
direito que um terceiro tem sobre um seu cliente (devedor principal ou afian-
çado). Igualmente o aval bancário, garantia autónoma tipificada25, caracteriza-
-se pela autonomia em relação as obrigações avalizadas, ou seja, a invalidade
ou extinção do contrato avalizado em nada afecta o aval prestado pelo banco.
Este existe por si mesmo independentemente do conteúdo do contrato ou das
obrigações avalizadas. Solidariamente, o banco, enquanto avalista, responde
em paralelo pelas obrigações contraídas pelo subscritor do Título de crédito
(ordenador). A obrigação do avalista é materializada num título de crédito
(ex. letra, livrança ou cheque) mediante a aposição da assinatura do avalista,
precedida da típica expressão “bom para Aval”.

24 
O crédito documentário pode surgir associado a garantias bancárias, como sucede com as
clamadas cartas de crédito “standby”, que funcionam como garantia da execução do pagamento
por parte do ordenador, ao passo que o crédito documentário é um instrumento de pagamento,
a carta de crédito é um instrumento de garantia.
25 
Prevista no art. 30.º da Lei Uniforme Relativa à Letras e Livranças

207
CAPÍTULO 10
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO
E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

João Pedro Tavares/ Martim Bóia1

Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento económico. 2. Contributo para


o desenvolvimento económico. 3. Fortalecer o contributo no médio prazo.
4. A banca e o desenvolvimento económico sustentável.

Introdução

O presente capítulo tem os seguintes objetivos:

1. Descrever o papel que o sistema bancário desempenha genericamente


no desenvolvimento económico de uma sociedade e analisar de que
forma esse papel tem sido exercido em África e mais especificamente
em Angola.
2. Refletir como é que os bancos poderão no curto e médio prazo ro-
bustecer o seu contributo para o desenvolvimento económico,

1 
Este capítulo tem por base análises e estudos efetuados por várias entidades que têm es-
tudado o mercado (Accenture, Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros,
Associação Angola de Bancos, Banco Nacional de Angola, Banco Mundial, Comissão de Mer-
cado de Capitais, Deloitte, Financial IT, Goldman & Company, KPMG, Mckinsey, Trading
Economics), relativamente à evolução da economia/sociedade angolana e à evolução futura dos
serviços financeiros em África e em Angola e considera igualmente as opiniões pessoais dos
autores sobre o tema e outros estudos relativos à Banca em África e em particular em Angola

209
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

considerando o que já está a acontecer no contexto bancário Angolano


e noutros mercados comparáveis em crescimento e desenvolvimento
acelerado.
3. Perspetivar como é que o desenvolvimento do sistema bancário poderá
ser mais sustentável, atendendo aos obstáculos a ultrapassar para que
o seu contributo para o desenvolvimento económico, possa ser o mais
positivo e efetivo possível.

Assim sendo ao longo do presente capítulo são analisadas sequencialmente


quatro grandes questões:

1. O que se entende por desenvolvimento económico no contexto de um


país como Angola?
2. De que forma o sistema bancário tem contribuído para o desenvolvi-
mento económico no passado recente?
3. Como é que o contributo para o desenvolvimento pode ser forta-
lecido num futuro próximo e que fatores podem vir a facilitar esse
desenvolvimento?
4. Como perspetivamos o papel da banca no desenvolvimento económico
de longo prazo, considerando os obstáculos que poderão existir ao
papel do sistema bancário nesse mesmo desenvolvimento?

Gostaríamos que este capítulo ajude a perspetivar o desenvolvimento do


sistema bancário e a demonstrar que este só será sustentável, caso tenha in-
trínseco e favoreça o desenvolvimento económico.
Neste exercício julgamos que é ainda possível refletir sobre novos modelos
de negócio associados às instituições bancárias adaptados a países emergentes
e de como o modelo de governo do sistema bancário deve reforçar a sua liga-
ção ao tecido empresarial, social e político de que faz parte integrante, como
propulsor do desenvolvimento económico, tendo por base um referencial
inovador, diferenciador, transparente para a sociedade e potenciador de um
futuro mais promissor e equitativo.

210
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

1. Desenvolvimento económico

Para iniciar este capítulo importa centrar no que se entende por desen-
volvimento económico devendo, antes de mais, distinguir entre crescimento
económico e desenvolvimento económico.
A forma tradicional de medir o crescimento económico é efetuada através
da medição do crescimento do PIB ou do PIB per Capita. No entanto para que
este crescimento seja sustentável é importante analisar também medidas de
desenvolvimento económico.
Estas medidas têm subjacente um conjunto importante de características
que permitem às gerações atuais acautelar a continuação de crescimento
económico às gerações futuras:

– Respeito pelos direitos das pessoas e pelo desenvolvimento do


seu potencial, de modo a que o crescimento económico dê relevância
ao necessário desenvolvimento social e cívico, permitindo melhores
condições de vida, de saúde, de educação e de justiça, favorecendo
uma identidade e um conjunto de valores que estimule positivamente
as pessoas e lhes permita um futuro mais promissor. Quanto mais
humano for o crescimento económico, mais humano e sustentável
será o desenvolvimento económico.
– Equilíbrio social, permitindo que as oportunidades e os resultados do
crescimento económico possam ser acolhidos e absorvidos pela grande
maioria da população, promovendo-se um maior grau de formalização
da economia e maior igualdade de oportunidades, independentemen-
te do nível de riqueza, do sexo ou do facto de uma pessoa pertencer a
uma dada minoria. Desta forma os benefícios do crescimento podem
ajudar a impulsionar uma participação social mais inclusiva e a desen-
volver as capacidades de trabalho e de criatividade da população.
– Justiça e respeito pelas leis de mercado na condução dos negócios,
para que de forma igual para todos os concorrentes e devidamente
regulada se salvaguardem os valores éticos e de boa governação das
sociedades e da sua relação com o meio envolvente. Assim promovem-
-se sociedades comerciais melhor integradas na sociedade e nas suas
comunidades, que promovem resultados económicos para os seus

211
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

acionistas, tendo por base o mérito, empenho e valor acrescentado à


sociedade, e que são capazes de devolver à sociedade parte dos resul-
tados alcançados.
– Desenvolvimento diversificado, que permita a sustentação de valor e
o desenvolvimento de dinâmicas empresariais em sectores importantes
para as populações e que permitem o aproveitamento e o desenvolvi-
mento do seu potencial de trabalho, com sendo a agricultura, pescas,
indústrias transformadoras, comércio, entre outras.
– Incentivo ao empreendedorismo e à iniciativa privada, criando-
-se as condições para que as pessoas possam desenvolver as suas pró-
prias iniciativas e desenvolver ideias inovadoras, com valor económico,
aproveitando-se, entre outras, as tecnologias mais recentes, cada vez
mais transversais e ao dispor de um maior número de cidadãos.

Presentemente, estas características relativas à forma como o crescimento


económico deve ser assegurado não se encontram refletidas na medição do
PIB. Assim, é necessário dar maior relevância aos aspetos sociais e de governo
da sociedade que permitem o real desenvolvimento económico. Na verdade,
este é muito mais que o simples crescimento económico, uma vez que valoriza
acima de tudo, a pessoa humana, centrando-a no cerne e na motivação última
do crescimento económico.
Assim, no caso específico de Angola, pode-se dizer que se tem assistido a
um desenvolvimento económico significativo ao longo da última década. Na
sequência da formalização do processo de paz, as autoridades governamentais
têm manifestamente procurado orientar a transição de Angola, da reconstru-
ção pós-conflito para o crescimento económico sustentado. A paz em Angola,
finalmente restabelecida em 2002, ao fim de 27 anos de guerra civil, criou as
condições de estabilidade política necessárias para consolidar a reconciliação
nacional e a reconstrução da economia. Desde então, o governo beneficiou
das condições existentes e conseguiu promover o crescimento económico, a
coesão e estabilidade social, aproveitando então o elevado preço do petróleo
nos mercados internacionais.
Durante vários anos Angola teve um desenvolvimento expressivo a nível
económico e social, tendo-se criado as condições de estabilidade que possibi-
litaram o reforço das instituições e um maior enfoque destas na estabilidade

212
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

macroeconómica, no crescimento mais sustentado da economia e no desen-


volvimento social. Neste período reforçou-se o combate à fome e à pobreza,
e reforçaram-se os serviços sociais. Segundo dados das Nações Unidas, dei-
xamos aqui algumas notas que atestam parte dos progressos que têm sido
alcançados.
A pobreza diminui muitíssimo com o restabelecimento da paz, mas ainda
assim existem diferenças assinaláveis entre o desenvolvimento das áreas rurais
e urbanas e assimetrias assinaláveis na sociedade.
A inscrição líquida na escola primária tem vindo a crescer significativa-
mente, sendo o rácio já muito semelhante em termos de meninos e meninas
que vão à escola. No entanto, é ainda anecessário aumentar o envolvimento
das meninas na escola secundária, sobretudo nas zonas rurais, de forma a
chamar atenção para os direitos de emancipação das mulheres e ainda, para
que no futuro possam contribuir mais ativamente no desenvolvimento de uma
sociedade menos desigual e mais justa, mais rica na diversidade.
Tem-se assistido à redução significativa da mortalidade infantil nos últimos
dez anos, com maior expressão nas zonas urbanas, fruto de maiores cuidados
na monitorização da saúde das grávidas, melhor nutrição, melhor vacinação e
saúde preventiva, mas também melhoramentos nos cuidados de higiene, maior
acesso a água potável, melhor educação e acesso aos meios de comunicação.
A mortalidade causada pela malária decresceu significativamente nos anos
mais recentes. A cobertura de água potável tem vindo a ser desenvolvida co-
brindo atualmente mais de metade da população, sobretudo nas áreas urbanas,
ainda assim com grandes carências nas zonas rurais.
Ainda assim, numa economia muito dependente do petróleo e das suas
oscilações no mercado mundial (em preço e produção) o crescimento eco-
nómico do país abrandou nos anos mais recentes obrigando as autoridades
a medidas que permitam controlar as contas publicas com a introdução de
novas regras nas políticas económicas e monetárias.
Deste modo, para prosseguir com o desenvolvimento económico é neces-
sário continuar a suprir as necessidades mais básicas da população, fomentar e
investir numa crescente educação e no desenvolvimento de talento bem como
investir na modernização do tecido económico, sem o que não se registará
uma melhoria na produtividade e o país não terá ao dispor o talento nacional
necessário, ficando refém de apoios e capacidades externas. Referem-se, entre

213
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

outros, a aspetos relativos ao abastecimento de água potável, melhorias das


condições de vida e de saúde, acesso generalizado à educação, acesso a energia
para utilização doméstica, para a agricultura e para a indústria, justiça para
que a sociedade possa dar mais esperança e confiança às gerações atuais e
vindouras, emprego (nomeadamente nos sectores primários, mas também
nos serviços, indo ao encontro das capacidades e dos conhecimentos técnicos
de grande parte da população), infraestruturas de transporte (ligações ferro-
viárias e vias viárias) e de comunicações, para permitir um desenvolvimento
mais harmonioso entre as diversas províncias, para nomear apenas alguns.
Desta forma, quando se analisa o desenvolvimento económico, deve-se
observar também os índices de desenvolvimento, expressos em diversos
rankings produzidos a nível internacional, como sendo o da defesa dos direitos
do Homem; o das condições de vida e saúde; o da igualdade de rendimentos; o
relativo aos modelos de governo (governance); o relativo à facilidade com que se
estabelecem novos negócios, de transação e, por conseguinte, de atractividade
de investimento (o “doing business ranking”), entre outros rankings associados.

214
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

2. Contributo para o desenvolvimento económico

Para entender o contributo que o sistema bancário tem no desenvolvimento


económico, importa antes de tudo, refletir sobre os diversos stakeholders (en-
tidades participantes) que fazem parte desse mesmo sistema.
Nesse sentido e enquadrando o sistema bancário angolano apresentamos,
de forma resumida, os principais stakeholders, na figura seguinte.

Como se verifica na figura, o sistema bancário é composto a nível do go-


verno pelo Ministério das Finanças e pelo supervisor e regulador bancário,
o Banco Nacional de Angola. O governo define a política económica, fiscal
e tributária, orientando o desenvolvimento económico e social do País, en-
quanto o Banco Nacional de Angola define a política monetária e cambial,
bem como o enquadramento legal em que as sociedades financeiras por si
reguladas se devem movimentar. O regulador bancário, com uma gestão (mais
ou menos) independente do poder político (consoante a arquitetura do siste-
ma financeiro existente em cada País) tem usualmente funções de promoção
da estabilidade financeira do País, com objetivos de estabilização dos preços
internos, promovendo o câmbio da moeda do País face às moedas internacio-
nais que melhor se ajustam às preferências sociais do País, com o objetivo de
obter uma maior estabilização macroeconómica e por conseguinte o reforço
continuado do investimento no Pais. Assim, o regulador, na sua atividade
principal desenvolve a política monetária e cambial, orientando a atividade
da banca comercial e das restantes instituições financeiras, no sentido de
reforçar as políticas económicas de crescimento, dentro da harmonia possível
com as autoridades governamentais, e de forma a promover a estabilidade
do sistema bancário e a promoção do desenvolvimento económico do País.
Adicionalmente o regulador tem também funções, normalmente indiretas,
de desenvolvimento económico do País e de promoção do emprego.
No centro da figura apresentam-se as instituições centrais ao sistema ban-
cário propriamente dito, nomeadamente as instituições financeiras bancárias e
as instituições financeiras parabancárias ligadas ao crédito e à moeda. Uma vez
que nos estamos a referir ao sistema bancário, referimo-nos essencialmente
aos bancos comerciais, que promovem todos os tipos de serviços bancários,
que na sua essência absorvem depósitos e prestam crédito aos seus clientes;

215
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

bancos regionais, mais focados em determinadas províncias ou áreas de atua-


ção do País; bancos de desenvolvimento, essencialmente focados no crédito
e no desenvolvimento de projetos e iniciativas económicas; e instituições
especiais ligadas à moeda e ao crédito, como sendo, casas de cambio, coope-
rativas de crédito, sociedades de cessão e locação financeira, sociedades de
microcrédito, prestadores de serviços de pagamentos, entre outros.
Representados no lado esquerdo da figura, ainda dentro do sistema ban-
cário, estão os seus fornecedores de recursos, como sendo os acionistas, os
colaboradores, os fornecedores, os prestadores de serviços e as entidades que
promovem instrumentos monetários (fundos de garantia de crédito, fundos
de garantia de depósitos) que permitem aos bancos satisfazer os seus clien-
tes com produtos e serviços financeiros mais atrativos e com menor risco
para os seus clientes, permitindo aumentar a confiança e a solidez no sistema
bancário.
Do lado direito da figura, estão representados os clientes, que podem ser
aforradores, investidores ou emitentes de títulos financeiros, podendo ser
particulares (mass market, affluent), empresas (públicas ou privadas e com di-
ferentes dimensões, nomeadamente grandes, médias, pequenas ou micro) ou
pertencer ao estado (ministérios ou municípios).
O sistema bancário angolano interage ainda significativamente e com for-
tes laços de proximidade com o sistema financeiro de uma forma mais lata,
nomeadamente com o sistema de seguros e com o sistema do mercado de
capitais como sendo, entre outras, sociedades de capital de risco, gestoras de
participações sociais e de investimento, gestoras património, gestoras de fun-
dos de investimento, seguradoras, resseguradoras e corretoras. Ainda existem
relações do sistema bancário com parceiros de outras indústrias, com outros
intervenientes (como sendo auditores, agências de rating, research, bolsas
de valores, plataformas de negociação, entre outros), com as associações de
sectores e com outros sectores como a justiça e a educação.
Adicionalmente o sistema bancário nacional integra-se no sistema ban-
cário e financeiro internacional, nomeadamente com organismos externos,
reguladores congéneres e outras instituições internacionais.
Refletindo sobre todos estes stakeholders do sistema bancário e no seu
contributo para o desenvolvimento económico, há necessidade de uma boa
integração dos diferentes intervenientes (que conjugam também diferentes

216
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

responsabilidades perante o sistema como um todo), sendo que se pode re-


sumir estes stakeholders, da seguinte forma:

• Governo e agentes governativos, com a responsabilidade de indi-


car a direção que deve tomar o desenvolvimento económico e social
do País, através de orientações estratégicas e através da regulação e
promulgação do melhor enquadramento legal e respetiva supervisão.
O governo deve combinar as suas atividades, com as atividades da ban-
ca, dos cidadãos e das empresas, interagindo igualmente com diversos
organismos externos, de forma a promover iniciativas e projetos que
reforcem o desenvolvimento económico. O governo orienta a socie-
dade a nível político, económico e social, no sentido de prosseguir
com a melhor afetação dos recursos disponíveis, fornecendo-lhes o
enquadramento legal e orientações que devem conduzir ao desenvol-
vimento da sociedade civil e empresarial.
• Banca, com a sua função de intermediação financeira canaliza os meios
financeiros para os diferentes projetos, idealmente para os projetos
que criam maior valor económico, funcionando como um acelerador
ou travão do desenvolvimento económico. Adicionalmente promove
o sistema de pagamentos que permite à sociedade desenvolver com
maior eficiência as trocas comerciais entre os agentes da economia.
Estas atividades determinantes para a economia são impulsionadas
pelo supervisor e regulador, em alinhamento com a política monetária
e cambial que este exerça e sendo ainda monitorizadas e controladas
de perto pelo mesmo regulador, o que exige à banca rácios de sol-
vabilidade e controle de rácios de liquidez, no sentido de assegurar
a necessária confiabilidade e robustez que o sistema bancário deve
oferecer à sociedade.
• As empresas, cidadãos, sociedade civil e restantes stakeholders
(clientes, fornecedores e parceiros), representam a verdadeira for-
ça social e económica de um País, incorporando meios humanos e
financeiros no sentido de promover com esforço, dedicação e risco o
desenvolvimento dos seus projetos geradores de valor económico e
social. Estas entidades têm como responsabilidades defender um mo-
delo de sociedade mais cívico, moderno e mais empreendedor. Muitas

217
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

vezes, vários sectores da economia, pela sua importância estratégica


são muitas vezes suportados por empresas públicas, que muitas vezes
operam sob a influência do governo, com interesses mais transversais
de desenvolvimento económico e não apenas com objetivos de lucro
económico.

Se quisermos utilizar a imagem simplificada de olhar para uma econo-


mia como um carro em movimento, poderíamos afirmar, que o governo é
o “condutor do carro”, a banca o “acelerador ou o travão”, o capital o “com-
bustível” e as empresas e os cidadãos o verdadeiro “motor” da sociedade,
tendo o regulador, capacidade de definir e balizar a ação da banca, dispon-
do dos poderes necessários para influenciar a velocidade a que o carro se
movimenta.
Na verdade, o regulador monitoriza a atividade do sistema bancário, pro-
curando garantir um crescimento saudável e uma gestão sistemática e bem
orientada dos riscos da atividade bancária, funcionando como prestador de
última instância, em caso de falta de liquidez, para que os riscos sistémicos
associados ao sistema bancário possam ser devidamente contidos e não afetar
negativamente o desenvolvimento de toda a arquitetura bancária, sobre a qual
se desenvolve a atividade económica de um País.
Depois de se analisar o papel que a banca desempenha na economia e como
se inter-relaciona com os diversos stakeholders, analisa-se de seguida, ainda
que de forma breve, o desenvolvimento recente do sistema bancário, para
posteriormente se atentar na forma como este tem influenciado positivamente
e muitas vezes promovido o próprio desenvolvimento económico do País.
Assim, ao longo dos últimos 15 anos, em que a paz foi restabelecida, o
desenvolvimento do sector bancário foi muito expressivo. Durante este pe-
ríodo passou a contar com praticamente o triplo das instituições, sendo cons-
tituído atualmente por cerca de 30 instituições (em 2003 continha apenas
11 instituições), que têm vindo gradualmente a aumentar a sua rede, o nível de
depósitos e de crédito concedido, e o nível de serviço e de oferta no mercado.
Durante este período a banca tem crescido mais do que a economia.
Os ativos, os créditos e os depósitos cresceram anualmente cerca de 3 ve-
zes mais que a economia como um todo, tendo o produto bancário agrega-
do de todos os bancos, crescido em média cerca de 20% ao ano. De referir,

218
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

no entanto, que a relação do total de créditos face ao PIB bem como o rácio
de transformação bancária, mantiveram-se relativamente estáveis em tornos
de 10% e dos 50%, respetivamente, o que traduz um acesso ao financiamento,
apesar de tudo constante e moderado, por parte das entidades nacionais,
grandes empresas, mas também dos particulares. O crédito vencido tem es-
tado em níveis admissíveis apesar da subida nos últimos anos para valores que
merecem cautela, entre 12-13%.
De um modo geral pode-se dizer que existe uma moderada concentração
no sector, com os 5 maiores bancos comerciais (BPC, BFA, BAI, BIC e BMA
– que resulta da fusão do Banco Privado Atlântico com o Banco Millennium
Angola) a representarem cerca de 70% do mercado. Assiste-se naturalmente a
um aumento da intensidade competitiva, com os grandes bancos a perderem
paulatinamente a sua posição. Por outro lado, tem sido significativa a coopera-
ção do sistema promovida com a constituição do processador de pagamentos,
a EMIS, para o qual o regulador tem tido um papel muito relevante no seu
desenvolvimento e que tem permitido potenciar sinergias relevantes entre
as instituições.
Tem-se assistido a um aumento expressivo do número de balcões que atin-
gem cerca de 2000 em 2016, dos quais cerca de metade se encontram em
Luanda, com mais de 75% dos municípios com cobertura de rede de agências,
bem como a um aumento da bancarização que cresceu de cerca de 11% em
2000 para cerca de 30%, fruto de várias iniciativas lideradas pelo BNA e pelos
bancos comerciais com diversos programas de inclusão financeira, de onde
destacamos a abertura de contas bankita, pelos bancos que subscreverem o
respetivo acordo de adesão com o BNA e que permitem ao BNA pretender
atingir objetivos de bancarização ainda mais expressivos em torno dos 60%
da população adulta.
O número de trabalhadores também tem vindo a aumentar de forma ex-
pressiva nestes últimos 15 anos, empregando o sector atualmente cerca de
21 mil pessoas. Os meios eletrónicos de pagamento também têm aumentado
muitíssimo, tendo crescido entre 2004 e 2015, no caso dos ATM’s cerca de 40%
em média por ano, com crescimentos mais expressivos até 2012, perfazendo
2.777 ATM’s espalhados pelo país em 2015, e no caso dos POS’s crescimentos
anuais superiores a 50% em média por ano, perfazendo mais de 61 mil POS’s
espalhados pelo país em 2015.

219
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Finalmente a rentabilidade do ativo tem vindo a diminuir, tendo passado


de valores em torno de 4% em 2003 para valores em torno de 2% em 2015 e
2016, o mesmo sucedendo à rentabilidade dos capitais próprios, que passou
de 26% em 2003 para valores em torno dos 15% em 2015 e 2016, ainda assim
apresentando taxas atrativas, quando comparadas com o restante sistema
bancário a nível internacional.
Na verdade, o aumento dos custos de estrutura com os elevados investi-
mentos na abertura de balcões e em recursos humanos, bem como os efeitos
da crise mais recente, têm vindo a reduzir as margens do sector, ainda assim
elevadas existindo um Cost to Income médio, que tem vindo a crescer, mas que
se mantêm em torno de 45%-50%.
Por outro lado, em termos de crescimento económico, temos que salien-
tar que o PIB per capita de Angola tem-se mantido relativamente estável em
torno dos 3500 USD, sendo de registar um aumento do PIB per capita na
Agricultura, na Manufatura e nos Serviços o que é essencial no sentido de
aumentar a diversificação da economia e diminuir a dependência do Petróleo.
Os índices de desemprego mantiveram-se estáveis, mesmo no período mais
difícil de crise recente e em torno de 25%. Entretanto para fazer face à dimi-
nuição das exportações (pela queda do preço do petróleo) houve um aumento
expressivo da dívida pública, que tem vindo a ter reflexo na desvalorização
do Kwanza e no aumento da inflação (fundamentalmente nos últimos anos,
para níveis não registados desde o ano de 2004), o que tem vindo a penalizar
o poder de compra de uma grande maioria dos Angolanos. Assim, denotam-
-se um aumento recente nas taxas de juro de referência mercado, com efeito
no aumento do serviço da dívida e na diminuição dos níveis de investimento
da economia.
Alem destes valores mais globais de crescimento durante estes últimos
15 anos, há aspetos de desenvolvimento económico que têm sido relevantes, a
nível da saúde pública, acesso a água e literacia, mas o ranking de corrupção,
de facilidade de fazer negócios e de competitividade continuam a posicio-
nar Angola num patamar de desenvolvimento muito baixo, e onde a banca
(em concertação com outros agentes económicos e sociais) pode ter um papel
de reforço positivo muito relevante.
De seguida, conforme se explicita na figura seguinte, procura-se refletir
sobre as funções específicas e transversais do sistema bancário, bem como

220
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

analisar de forma qualitativa de que modo estas funções têm permitido o


desenvolvimento económico de Angola.

Assim verifica-se que o sistema bancário desempenha funções específicas


e que dizem respeito à sua atividade principal como intermediário financeiro,
bem como funções mais transversais muitas vezes efetuadas em parceria com
outras entidades (inclusive de outros sectores ou sistemas) e que estão muitas
vezes relacionadas com a promoção de objetivos mais latos e que facilitam a
integração dos bancos no próprio tecido económico ou social do País em que
se inserem.
Da observação destas funções verifica-se que o sistema bancário tem um
papel fundamental na promoção do desenvolvimento económico de um País.
Este sistema é muitas vezes considerado como uma infraestrutura de base, em
que assenta a própria economia. É muitas vezes visto como um sistema que
permite uma melhor alocação do investimento e do esforço da sociedade para
as tarefas/projetos/iniciativas que estão a ser executadas em cada momento.
Quando o sistema bancário é efetivo, eficiente, disciplinado e bem re-
gulado pode exercer as suas funções com impactos muito positivos sobre a

221
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

sociedade e sobre a economia, favorecendo o seu crescimento e desenvolvi-


mento, contribuindo para o desenvolvimento económico, ao nível das suas
funções específicas e transversais.
De seguida apresentam-se cada uma das funções, o seu potencial contri-
buto para o desenvolvimento, os principais desafios que ainda subsistem e no
final uma apreciação qualitativa do contributo de cada uma dessas funções
para o desenvolvimento económico.

Funções específicas:

– Promoção da poupança e da formação de capital (depósitos)


O sistema bancário na sua atividade principal aceita e remunera os
depósitos de dinheiro efetuados por cidadãos e empresas. Assim sen-
do, o sistema bancário permite o depósito em segurança do dinheiro
que existe no País, permitindo que os agentes “guardem” com uma
rentabilidade determinada as suas poupanças, consoante o tipo de
aplicação efetuada tenha maior ou menor grau de risco. Quanto maior
o prazo subjacente à poupança depositada maior a remuneração que
é possível obter do sistema bancário, que compete pela captação de
recursos financeiros, através da oferta de condições de remuneração
do financiamento. O financiamento pela via dos depósitos à ordem
representa o financiamento mais barato que os bancos conseguem
obter, sendo o banco obrigado por lei a devolver o principal assim que
o cliente o exigir.
Avaliação qualitativa: 3/5 – Os níveis de depósitos têm vindo a au-
mentar a um ritmo expressivo, em alinhamento com o crescimento
da economia e o com o crescimento do crédito. De uma forma geral
o sistema bancário representa esta função com segurança e fiabilida-
de e tem conseguido progressos a nível do aumento da bancarização
da população ativa. Consoante a arquitetura atual, esta função pare-
ce estar a ser bem exercida. Por um lado, o Banco Central funciona
como um banco financiador de último recurso, sendo que têm sido
desenvolvidas todas as suas componentes de supervisão prudencial
e comportamental, no entanto apesar de consagrado legalmente o
fundo de garantia de depósitos ainda não foi instituído em Angola, o

222
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

que de alguma forma mitiga a credibilidade e a confiança no sistema


bancário por parte dos depositantes.

– Promoção do investimento produtivo, do crédito a empresas e


particulares e do crédito especializado (crédito)
Os depósitos constituídos junto do sistema bancário ou leiloados
pelo Banco Central e captados pelos bancos comerciais, são posterior-
mente canalizados para a economia, através da atividade principal do
sistema bancário de intermediação financeira. Assim canaliza-se finan-
ciamento para os empresários e empresas que desenvolvem projetos de
criação de valor para a sociedade, através da produção de bens e servi-
ços; e canaliza-se também financiamento para cidadãos que usufruem
de empréstimos que lhes permitem usufruir da utilização de bens
que lhes permitem uma maior qualidade de vida (pela antecipação
da sua utilização ao longo do seu tempo de vida, nomeadamente em
investimentos com carácter mais estrutural de médio e longo prazo,
mas também em investimentos com uma ótica mais conjuntural e de
consumo a curto prazo).
Desta forma o sistema bancário permite que as poupanças existen-
tes sejam canalizadas para atividades produtivas e geradoras de valor
para a economia e para a antecipação da utilização de bens ao longo
do ciclo de vida, tendo o sistema bancário um retorno associado à
transposição das maturidades em que é financiado e em que financia
o investimento/ utilização de bens e serviços.
Existe sempre um risco para o empresário associado ao desenvolvi-
mento de negócios, pelo que o sistema bancário ajuda à mitigação
desse risco e ajuda a promover o desenvolvimento de projetos de in-
vestimento, emprestando dinheiro aos empresários, que desenvolvem
assim com ajuda do sistema bancário novos métodos de produção e
novas soluções, devendo o risco de todo o financiamento prestado ser
devidamente medido e acautelado.
Adicionalmente, os bancos comerciais podem também entrar no ca-
pital de determinadas sociedades promovendo o seu desenvolvimento
como acionistas das mesmas. Muitas vezes são formados grupos eco-
nómicos em que os bancos participam não apenas como financiadores

223
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de dívidas, mas também no risco económico subjacente a entrada no


capital de certos negócios.
Estas participações podem ser estratégicas ou mais oportunistas, sen-
do que no primeiro caso permitem o desenvolvimento de negócios
de uma forma sustentável e que pode contribuir eficazmente para o
desenvolvimento do tecido económico de um país.
Por fim, os bancos podem contribuir com crédito especializado, re-
lacionado com ativos produtivos específicos, que são utilizados como
garantia para que as condições do crédito possam ser mais interessan-
tes para o investidor.
A capacidade de emprestar dinheiro no momento em que os empreen-
dedores e cidadãos necessitam representa uma importante ajuda e per-
mite aumentar a produtividade e o nível de investimento na economia.
O crédito, caso seja prestado na medida certa e não em demasia ou com
demasiado risco subjacente, traz crescimento, emprego, aumento do
consumo, diversidade económica, gera riqueza, proporciona qualidade
de vida e ajuda a combater assimetrias.
Avaliação qualitativa: 2/5 – Os níveis de crédito têm vindo a au-
mentar a um ritmo expressivo, em alinhamento com o crescimento
da economia, ou de forma a fomentar o desenvolvimento económico,
em períodos de menor crescimento. A elevada dependência do sector
petrolífero faz com que o crescimento económico esteja significati-
vamente dependente da valorização do barril de petróleo e do seu
volume produzido. De referir que o crescente investimento na diver-
sificação da economia Angola tem proporcionado uma dependência
menor deste sector que tem crescido, sistematicamente, a uma taxa
inferior à economia, tendo-se assistido a crescimentos significativos
na agricultura, indústria, construção civil, transportes e serviços. Esta
realidade, apesar da recente crise financeira, acaba por robustecer mais
a economia, que deixa progressivamente de depender tanto do preço
de referência internacional do petróleo. No entanto o foco tem sido
no crédito a grandes empresas e entidades públicas e particulares.
As taxas de juro ativas ainda são muito elevadas entre 15% e 20%, em
consonância com o risco do País. O grau de transformação tem-se
mantido estável, em torno de 50%.

224
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Existe a necessidade de suportar mais as microempresas, as pequenas


e as médias empresas, como suporte ao desenvolvimento do emprego,
bem como a existência de melhores ofertas a nível do crédito especia-
lizado (nomeadamente em termos de leasing e factoring de suporte
à atividade comercial). Este suporte ao desenvolvimento económico
deve estar alinhado a um programa de competitividade estrutural
de caracter nacional, que agregue medidas económicas e fiscais de
aceleração da diversificação da produção nacional tendo por base
o investimento no desenvolvimento da agricultura, agroindústria,
pescas, indústria transformadora (sobretudo na exploração de pro-
dutos onde, pela riqueza natural, o país poderá facilmente criar van-
tagens comparativas), o aumento do investimento direto estrangeiro
(portador de conhecimento, tecnologia e mercados), o melhoramento
das cadeias logísticas e de distribuição associadas, de forma a melhorar
a posição de Angola nos rankings internacionais, entre outros.
A qualidade do crédito prestado deve ser também analisada. O crédito
com mais qualidade é o que melhor promove o desenvolvimento da
atividade produtiva, a industrialização da economia, a substituição das
importações, a promoção da iniciativa privada e o desenvolvimento
do empreendorismo. A nível do estado o financiamento que melhor
promove o desenvolvimento está relacionado com o financiamento da
educação, das infraestruturas básicas, da energia, da água, conforme já
referido anteriormente. Há que referir ainda o elevado crédito histo-
ricamente prestado para a atividade imobiliária, que não é necessaria-
mente produtiva e que aparentemente apresenta menor risco, mas que
pode sujeitar uma economia a potenciais efeitos de bolha imobiliária,
que devem ser muito bem acautelados e monitorizados, para que os
riscos aparentemente menores, não acabem por representar riscos
excessivos para o sistema bancário. Nesse sentido deve-se promover
uma avaliação sistemática da vulnerabilidade de cada um dos bancos
do sistema com base em diferentes métodos de avaliação, devem-se
implementar análises regulares da qualidade de ativos para lidar com
o crédito malparado e avaliar requisitos mínimos de capital dos bancos
comerciais, de forma sistemática, para assegurar níveis adequados
de solvabilidade e de liquidez do sistema. Ora toda esta análise tem

225
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

sido levada a cabo e deve ser bem ponderada a nível do governo e do


regulador do sistema bancário.

– Promoção do comércio interno e externo e de maior abertura da


economia a importações e exportações (empresas)
O desenvolvimento da banca comercial ajuda também à promoção
do comércio interno, promovendo as transações entre a produção e a
indústria local, permitindo assegurar maior confiança entre parceiros
comerciais, na consecução dos negócios entre ambos.
A nível externo as capacidades da banca são ainda mais relevantes, uma
vez que se acrescenta ao risco do próprio negócio, componentes de
risco cambial e político, relativos a cada País. Neste âmbito, os bancos
dispõem de soluções que se ajustam às necessidades das empresas nas
suas trocas comerciais com o estrangeiro, equilibrando os interesses
dos importadores e exportadores, permitindo a mitigação dos princi-
pais riscos, comerciais e políticos, inerentes a este tipo de operações.
A utilização de cheques sobre o estrangeiro, letras de crédito,
cash management internacional, transferências internacionais de suporte
às importações e exportações revolucionou o comércio a nível mun-
dial e a produção de bens onde existem maiores vantagens competi-
tivas, promovendo a abertura da economia, quer a importações, quer
a exportações.
No contexto Angolano, este foi aliás um meio pelo qual se fez o desen-
volvimento do sector bancário em Angola, que foi impulsionado pela
via das importações, de materiais e de conhecimento, quer de fluxos
financeiros para o investimento nos projetos de reconstrução do país.
Avaliação qualitativa: 2/5 – Existiu historicamente um grande supor-
te do sistema financeiro às importações tendo, gradualmente, come-
çado a suportar-se mais a substituição das importações nos sectores
onde a economia Angolana pode ser mais competitiva, bem como
fomentar o desenvolvimento das exportações para os países vizinhos,
onde Angola poderá funcionar como hub comercial, no espaço da eco-
nomia da África subsaariana. A este nível, deve dar-se destaque ao
nível da política externa, à assinatura, em 2011, da adesão de Angola à
Comunidade de Desenvolvimento Sul Africano (SADC), como forma

226
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

de fortalecer as relações com África do Sul e Namíbia, com impactos


a nível do comércio externo entre estes países, permitindo a Angola
diversificar o acesso aos mercados internacionais. É necessário assim,
continuar a promover e apoiar médias empresas no seu processo de
desenvolvimento e procurar uma continuada diversificação da eco-
nomia. Também a este nível têm-se desenvolvido infraestruturas de
comunicações ferroviárias e viárias relevantes, que permitem o melhor
desenvolvimento e integração das diferentes regiões do País, mas tam-
bém uma maior integração da economia Angolana com as economias
vizinhas. A este nível saliente-se, no entanto, que o desejo natural de
Angola se tornar a economia de referência da região subsaariana, só
será possível se Angola conseguir diversificar a sua economia, caso
contrário esse posicionamento pode ser comprometido.

– Promoção do sistema de pagamentos e da transferência de dinhei-


ro entre pessoas e empresas (pagamentos)
Pela abertura de balcões e de pontos de contacto com os seus clientes,
os bancos facilitam a troca de bens e serviços, através da promoção
de facilidades de pagamentos e de transferência de dinheiro entre os
agentes económicos.
A utilização frequente e mais eficiente de pagamentos e de transfe-
rências de dinheiro entre agentes possibilita o aumento da produção,
sendo que essa utilização mais frequente é apenas possível com a ajuda
de bancos comerciais, que facilitam os depósitos e que se afirmam
como agentes de confiança nas transações comerciais.
Nesse sentido a própria eficiência das trocas comerciais na sociedade
são melhor asseguradas, permitindo maior rapidez na condução de
negócios e na confirmação dos pagamentos a estes associados.
Avaliação qualitativa: 4/5 – Esta tem sido uma área onde tem existido
uma evolução significativa. Quer os ATM’s, quer os meios de pagamen-
to têm tido um crescimento expressivo e consistente ao longo dos anos,
sendo genericamente bem aceites pela população. Destaque ainda
para o sucesso significativo dos cartões pré-pagos, o que tem permi-
tido aumentar as possibilidades de colocação de dinheiro dentro do
sistema bancário. A EMIS é um caso de sucesso pelo desenvolvimento

227
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

das soluções que tem apresentado. Os bancos têm tido um papel ati-
vo no desenvolvimento de serviços de pagamentos inovadores, com
base numa entidade central de processamento, o que tem permitido
vantagens de escala significativas a todo o sistema bancário. Refira-se
ainda que no âmbito da evolução do sistema financeiro de Angola foi
instituído na última década o sistema de pagamento de Angola (SPA),
com o intuito de supervisionar e regular o sistema de pagamentos
interbancário, o que tem acontecido de forma eficaz. A introdução de
soluções móveis, com o desenvolvimento dos serviços da Banca Postal,
veio facilitar ainda mais a transaccionalidade eletrónica, contribuindo
para a crescente bancarização de todo o sistema. No entanto, não se
avançou para uma solução regulada e interoperável de cariz nacional,
que poderia permitir a integração de diferentes soluções móveis, numa
infraestrutura comum e iniciativa nacional agregadora de inovação e
desenvolvimento tecnológico e que permitiria alavancar ainda mais o
desenvolvimento expressivo deste tipo de soluções, numa ótica de in-
clusão financeira, mas também de desenvolvimento de uma estratégia
de mobilidade para o País com efeitos em áreas tão distintas como a
relação dos cidadãos com o estado, em aspetos como a fiscalidade e o
pagamentos de impostos, o acesso a serviços básicos, proteção social,
saúde, entre muitos outros.

– Promoção da atividade seguradora (seguros)


Os bancos comerciais têm também um papel ativo na comercialização
de contractos de seguros, que são muito relevantes para que exista me-
nos incerteza na economia e mais segurança na continuidade dos ne-
gócios e na menorização dos riscos existentes na atividade económica
e fazem-no, como forma de estender e completar e complementar a sua
oferta de forma integrada, tirando partido do seu conhecimento dos
clientes, e aproveitando os seus canais para comercializarem produtos
de seguros a diferentes níveis: vida, pessoais, automóvel, acidentes de
trabalho, multirriscos ou saúde, entre outros.
Avaliação qualitativa: 2/5 – Durante o período recente do desenvolvi-
mento do sistema financeiro Angolano, temos assistido ao crescimento
do sector, ao aumento de empresas a operar e à dispersão geográfica da

228
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

rede de agências pelas diferentes províncias, acompanhando o desen-


volvimento do sector bancário. Paralelamente assiste-se a uma maior
disseminação da cultura de seguros (com preponderância dos ramos
não vida, nomeadamente acidentes, automóvel e petroquímica) e fun-
dos de pensões, promotores de maior diversificação da economia, onde
há que destacar a obrigatoriedade do seguro de Acidentes de Trabalho
no âmbito da proteção social obrigatória e do seguro obrigatório de
Responsabilidade Civil Automóvel.
Como desafios futuros, há que destacar o aumento da taxa de pe-
netração dos seguros, uma maior disseminação do ramo vida com o
alargamento da concessão do crédito bancário, a maior sensibilização
da sociedade para a necessidade de poupar e do papel do seguro, a
expansão da atividade pelas diversas províncias de Angola mantendo
a rentabilidade da operação e o desenvolvimento do Bancassurance,
serão elementos decisivos para o crescimento futuro desta atividade.

– Promoção e dinamização de diferentes fontes de financiamento


para as empresas (mercado de capitais)
Com a redinamização da Comissão do Mercado de Capitais (“CMC”)
passou a existir uma visão estratégica e consistente de desenvolvi-
mento do mercado de capitais, estruturada, faseada, mas também
prudente e adaptada às condicionantes e necessidades Angolanas.
Estas iniciativas, já em marcha por vários anos, permitiram antever
o desenvolvimento deste mercado no médio prazo, nomeadamente
em termos de colocação de dívida do estado e de empresas públicas
e no que concerne o desenvolvimento do enquadramento legal para
os fundos de investimento. No entanto, o mercado de transações em
bolsa, é ainda uma realidade distante e não utilizada no atual momento
e que demorará ainda alguns anos a ser concretizada.
Os bancos comerciais têm um papel importante no desenvolvimento
deste mercado, podendo vir a assessorar a emissão e a colocação de
valores mobiliários do estado e das empresas públicas e privadas, bem
como tomar parte destas emissões para, no seguimento, ir canalizando
as poupanças dos seus clientes para aplicações financeiras no mercado
de capitais, ajudando assim na intermediação de valores mobiliários,

229
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de acordo com o perfil de riscos dos seus clientes. Na verdade, este


mercado deverá, numa fase inicial, ser impulsionado pelo sector ban-
cário, enquanto se reforça a capacidade e a diversidade dos restantes
tipos de investidores fora do sector bancário, nomeadamente outro
tipo de investidores institucionais, desenvolvendo-se adicionalmente
a capacidade de investimento por parte dos pequenos investidores.
O desenvolvimento progressivo do mercado de capitais em Angola
irá permitir uma progressiva abertura da economia Angolana a fon-
tes de financiamento do exterior, à medida que este mercado passe
a estar mais integrado com os mercados internacionais. Uma nova
dinâmica surgirá com crescentes níveis de confiança no país que
potenciará também a intervenção de investidores internacionais e
contribuirá, de forma significativa, para a injeção de capital na eco-
nomia e nas empresas, bem como a uma diversificação das fontes de
financiamento.
Avaliação qualitativa: 2/5 – Os bancos têm tido um papel reativo,
até porque o principal impulso deste mercado cabe ainda à CMC que
tem promovido todo o contexto regulatório e institucional para o
aprofundamento do mercado no sentido de se efetivarem as primei-
ras colocações de dívida pública e privada, por parte dos agentes eco-
nómicos mais bem preparados. No entanto os bancos devem ser mais
ativos e cooperar o mais possível para o desenvolvimento futuro deste
mercado. A este nível e reflexo da importância acrescida de Angola e
implicitamente da crescente credibilidade do seu sistema bancário,
há que destacar que Angola, em 2010, alcançou um marco importante
para se iniciar o desenvolvimento deste mercado, com a finalização
do processo de atribuição de rating de risco soberano de Angola pelas
três maiores agências mundiais de avaliação de risco, nomeadamente
a Fitch, a Moody’s e a Standard & Poor’s (“S&P”). Angola aprofun-
dou desta forma, a integração da sua economia nos mercados inter-
nacionais, melhorando o seu estatuto no mercado financeiro global
e na economia mundial, ficando facilitado o acesso aos empréstimos
internacionais por parte do Governo, das empresas e das instituições
financeiras nacionais, bem como se potencia assim, uma maior capa-
cidade de atração de investimentos para o país. Adicionalmente, o

230
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

lançamento do Mercado de Bolsa de Títulos de Tesouro (MBTT) e a


operacionalização da Central de Valores Mobiliários (CEVAMA) são
também dois marcos importantes no desenvolvimento deste mercado.
De futuro, pretende-se aprofundar o mercado secundário de dívida
pública, dinamizar o segmento dos fundos de investimento e conti-
nuar a preparar as bases para o efetivo surgimento do mercado de
obrigações e ações, iniciando-se assim o processo de privatização de
empresas públicas, sobretudo as que tenham viabilidade económica,
mas que estejam necessitadas de um reforço da sua capacidade de
financiamento e de gestão com vista à sua modernização, promovendo-
-se desta forma o desenvolvimento da iniciativa privada e a dinamiza-
ção da competitividade da economia.

– Implementação da política monetária definida pelo Banco central


(política monetária)
O banco central de um país controla e regula o volume de crédito
da economia através de uma ativa cooperação com o sistema ban-
cário do país, atuando simultaneamente como prestador de último
recurso, garantindo a confiança no sistema bancário por parte dos
agentes económicos. Esta regulação é essencial para se alcançar uma
maior estabilidade dos preços na economia e assim promover-se
um crescimento e desenvolvimento económico mais harmonioso e
mais estável.
Assim o sistema bancário tem possibilidade de influenciar o bom de-
sempenho da economia, através da concessão de crédito e pela fixação
da taxa de juro de referência. Tendo a regulação efetuada pelo Banco
Central como pilar base do sistema bancário, os bancos comerciais
são um veículo da política monetária exercida centralmente, podendo
alterar por exemplo o nível de reservas obrigatórias por parte dos ban-
cos comerciais junto do banco central, alterando o volume de massa
monetária em circulação através da concessão de crédito, o que pode
conduzir a alterações no nível de crédito á economia, alterações à in-
flação e taxas de juro e a possíveis impactos na atividade económica
agregada, alterando-se o nível do investimento e a subsequente a ati-
vidade económica.

231
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Avaliação qualitativa: 3/5 – Os bancos comerciais foram, sobretudo


antes da crise financeira, um bom veículo de propagação da política
definida pelo Banco Central, tendo implementado medidas eficazes
de desdolarização da economia, nomeadamente endurecendo as res-
trições à prestação de crédito em moeda estrangeira e desenvolvendo
instrumentos de poupança adequados denominados em kwanzas.
A estratégia de desdolarização da economia foi bem pensada e conti-
nua a fazer todo o sentido, atualmente. No entanto, para ser sucedida
precisa de um clima de estabilidade, sob pena dos agentes económicos
e da população em geral não confiarem na sua efetividade. Com a pro-
funda crise financeira que se vive no País desde 2014, essa estabilidade
tem vindo a ser afetada. A taxa de câmbio oficial definida pelo BNA
está fixa nos 166 kwanzas por cada dólar norte-americano, sendo que
nos mercados de rua, que constituem para muitos a única forma de
aceder a moeda estrangeira, antecipa-se há muito uma desvalorização
oficial da moeda angolana.
Assim sendo, a eficácia da política monetária e cambial, e os objeti-
vos do BNA com maior estabilidade de preços têm vindo a ser com-
prometidos, face à dimensão da crise financeira após 2014, tendo as
reservas internacionais vindo a diminuir. Apesar de tudo continua a
existir o objetivo de voltar a prazo a ter a inflação abaixo dos 10%. Mas
para que isso seja uma realidade é necessário um forte alinhamento
das políticas fiscais, cambiais, orçamentais e monetárias, bem como
uma forte coordenação entre os agentes económicos. Nesse sentido
foi recentemente definido pelo Governo o Programa de Estabilidade
Macroeconómica (PEM) que visa diferentes ações de política com
objetivos integrados para permitir uma maior estabilidade e conse-
quentemente uma estabilização dos níveis de inflação, taxas de juro
e de câmbio, atuando a nível do robustecimento da política fiscal e
da sustentabilidade das finanças públicas, no controle e melhoria da
eficiência da despesa pública, no aumento da robustez das receitas tri-
butárias, na redução das taxas de juro, no fortalecimento da produção
petrolífera, na diminuição dos passivos das principais organizações e
no fortalecimento do sector financeiro, para que este possa servir de
suporte a todo o desenvolvimento económico.

232
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Funções transversais:

– Promoção de projetos/ iniciativas


Muitas vezes a canalização de investimento é efetuada suportando
orientações governamentais e complementando a canalização de fi-
nanciamento feita pelo sector público. Assim, os bancos comerciais,
em suporte ao desenvolvimento económico e em consonância com
os objetivos do País, promovem projetos ambientais, sociais, econó-
micos, financeiros, nomeadamente em projetos de infraestruturação
de determinados sectores da economia, conseguindo-se, deste modo,
um maior volume de financiamento à economia com riscos mais con-
trolados, com garantias mais conhecidas e, portanto, com condições
mais atrativas.
Os bancos comerciais, em complemento com os bancos públicos,
participam no desenvolvimento de infraestruturas de grande porte
(relacionadas com energia, transportes, …) e que assim permitem o
aumento do bem-estar das populações que usufruem desses inves-
timentos, bem como determinados investimentos de indústrias de
pequena escala ou negócios relacionados com a agricultura, o que
permite o aumento do rendimento de pequenos empresários.
Como forma de aumentar as exportações dos países onde atuam, os
bancos ajudam também a promover a exportação conjunta de deter-
minados sectores, de uma forma organizada e eficiente.
Avaliação qualitativa: 3/5 – Em traços muito gerais, o sistema bancário
financiou a capacitação das instituições do Estado em todo o território
e nos mais diversos domínios, nomeadamente na área da saúde, justiça,
educação, assegurando-se um melhor desempenho da administração
pública e uma maior valorização dos recursos humanos nacionais.
Este financiamento permitiu também iniciar-se a recuperação das
infraestruturas afetadas pela guerra (vias de comunicação, sistemas
de produção e distribuição de água e saneamento básico, sistemas de
produção e distribuição de eletricidade) e a promoção do crescimento
económico sobretudo do sector não petrolífero. O sistema bancário
teve assim um contributo significativo para o desenvolvimento, tenho
sido desta forma financiado programas de fomento à atividade privada

233
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e de aumento da capacidade produtiva (principalmente nos sectores


agrícolas e industriais), com o intuito de substituir o elevado nível de
importações. Não apenas como financiadora, a banca deve ter a visão
global e integrada dos projetos desenvolvidos e a desenvolver no país,
e promover a criação de sinergias entre projetos.

– Desenvolvimento regional
Da mesma forma o sistema bancário desenvolvido ajuda ao progresso
regional, na medida em que os bancos acompanham a atividade dos
seus clientes, e vão-se instalando na sua área de influência, dinami-
zando assim as diferentes regiões onde têm atividade e o comércio
entre estas mesmas regiões.
Deste modo, a banca comercial tem um papel fundamental ao possi-
bilitar o desenvolvimento mais balanceado de diferentes regiões do
país, ajudando à transferência de excesso de capital das áreas mais
desenvolvidas para as áreas menos desenvolvidas.
Assim promovem o desenvolvimento da indústria e de negócios nas
áreas menos favorecidas, fornecendo acesso a capital, mas muitas vezes
também a informação sobre o comércio e necessidades existentes, co-
nhecimento e possibilidades de escoamento de produtos, quer dentro
do país, quer para exportação, promovendo parcerias e contactos de
negócio entre os seus clientes e consequentemente um maior nível de
integração económica a nível das regiões do país.
Avaliação qualitativa: 4/5 – Os bancos comerciais têm feito um esfor-
ço para aumentar a sua cobertura geográfica, em linha com preocupa-
ções do governo no aumento consistente da bancarização. O número
de balcões no interior do País continua a crescer e a acessibilidade
tem sido crescente, não só através de soluções móveis bem como atra-
vés de uma crescente rede de agentes bancários. Na verdade, existe
também um grande interesse por parte dos investidores no desen-
volvimento das zonas mais interiores de Angola, uma vez que Angola
é um País potencialmente muito rico, com uma enorme capacidade
hidroelétrica com base em grandes reservas de água doce, e como base
uma imensa extensão de terra arável, grande parte ainda não culti-
vada, em resultado do enorme período de guerra que assolou o país.

234
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Essa enorme extensão tem conduzido ao interesse acrescido pelas


regiões mais interiores e os bancos comerciais têm vindo a acompa-
nhar o desenvolvimento regional que será necessário efetuar, de forma
gradual, mas persistente. Saliente-se que os investidores têm vindo a
demonstrar um interesse acrescido em investir no país e têm estado
a promover a reconstrução de infraestruturas físicas na indústria e
na agricultura, motivados por uma maior estabilidade política exis-
tente no país e por um conjunto de reformas ao nível da governação
do estado.

– Acessibilidade financeira à população


Os bancos comerciais no seu desenvolvimento vão instalando as suas
redes de balcões, ATM’s – caixas multibanco, e TPA’s para serviços
de pagamento pelo país, promovendo maior acessibilidade financeira
à população. O crescimento destes pontos de contacto tem sido ex-
pressivo e ajuda a explicar o sucesso que estes meios têm tido para o
aumento da acessibilidade financeira da população nos tempos mais
recentes. A este nível é de referir também a possibilidade de utilização
de cartões pré-pagos que estão associados a contas à ordem de baixo
volume e que permitem o acelerar desta necessária acessibilidade.
Também a utilização do mobile banking, permite que muitas das ope-
rações financeiras transacionais possam ser efetuadas com base num
telemóvel, promovendo-se dessa forma ainda mais a acessibilidade à
população em geral, que em larga escala detêm telemóveis, não apenas
nas cidades, mas também no campo.
Outros exemplos a nível de promoção da acessibilidade têm sido a
promoção de mecanismos de microfinanças e de microcrédito, bem
como mecanismos de social financing, que permitem a prestação de ser-
viços financeiros de qualidade a interlocutores com escassos recursos
financeiros.
Avaliação qualitativa: 2/5 – A inclusão financeira deve fazer parte
da responsabilidade social dos bancos, uma vez que Angola ainda é
um país de grandes assimetrias sociais. A este nível deve ser dado
continuado reforço a todas as iniciativas de aumento da literacia fi-
nanceira. Adicionalmente, existe um largo espaço para o aumento

235
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

da bancarização e redução da informalidade da economia Angolana


e por essa razão, os bancos devem continuar a apostar na inovação e
em canais alternativos para servir a população de forma mais eficiente
e efetiva, encontrando soluções que se ajustem às necessidades dos
diferentes segmentos de clientes. O microcrédito e a microfinança
poderão ser instrumentos relevantes para adequar o financiamento
das comunidades rurais, que vivem da autossubsistência, ou os em-
preendedores que apostam nos pequenos negócios como forma de vida
e sustento.

– Desenvolvimento de capital humano


O desenvolvimento dos bancos num país tem também impactos im-
portantes ao nível da qualificação do emprego gerado. Na realidade,
dentro da área dos serviços, o sector bancário exige conhecimentos
específicos de tecnologia, economia, finanças, marketing, análise de
risco, mercados financeiros e mercados de capitais, entre muitos ou-
tros que importa desenvolver a nível do país. Bem como de serviço ao
cliente, entendimento das suas necessidades, e das industrias onde
atua, no caso das empresas.
Adicionalmente, o aumento de capacidade, conhecimento e de in-
tervenção por parte do público em geral sobre o funcionamento do
mercado bancário (incluindo o mercado de seguros e o de capitais)
constitui uma grande alavanca para o desenvolvimento económico
de um Pais. O aumento do conhecimento pode ser promovido pelas
instituições financeiras, em colaboração com programas regulares de-
senvolvidos por diversas entidades públicas e privadas. Este aumento
de conhecimento pode aumentar a base de aforradores e a base de
investidores, bem como aumentar a literacia financeira da população,
uma melhor consciência financeira e dos riscos existentes.
O entendimento do sistema financeiro, do mercado bancário e das
suas especificidades exige formação ao nível individual sobretudo
numa ótica de investimento, nomeadamente em termos de avaliação
de rentabilidades e de riscos e no entendimento das características e
funcionamento dos diversos produtos bancários e financeiros.

236
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Avaliação qualitativa: 3/5 – Todos os objetivos de desenvolvimento


só poderão ser alcançados se não for descurado o desenvolvimento do
capital humano, verdadeira força de qualquer instituição e de qual-
quer País. Neste sentido o reforço do sistema financeiro tem exigido
um crescimento e desenvolvimento da força de trabalho, quer no que
concerne o desenvolvimento de conhecimentos específicos do sector,
quer o desenvolvimento de competências transversais.
Este aspeto merece por si só um desenvolvimento mais detalhado de
todo o contributo que o sector bancário tem promovido a este nível,
sendo que em traços gerais podemos referir que o sector exige profis-
sionais muito qualificados, com licenciaturas das áreas de economia,
gestão, finanças, contabilidade, matemática aplicada, tecnologias de
informação, direito, entre muitos outros.
Também a nível dos princípios de liderança, métodos de gestão, o
sector bancário é fonte de desenvolvimento profissional com impactos
transversais em toda a economia, sendo dado particular destaque para
as academias (que promovem conhecimentos específicos ao sector
numa ótica de formação de colaboradores no ativo), quer ao destaque
das regras da Corporate Governance (Governação Corporativa) e ética
empresarial, muito acarinhadas pela CMC e que são essências ao bom
desenvolvimento da sociedade como um todo.

– Reconhecimento e credibilidade do País


O sistema bancário tem também uma importância acrescida no reco-
nhecimento e credibilidade do país, quer a nível interno, quer exter-
no. Nesse sentido um sistema bancário sólido e robusto, com níveis
exigentes de governação, tem melhor capacidade para promover a
captação de financiamento para a economia (nacional e estrangeiro)
junto dos seus parceiros comerciais mais relevantes. O sector bancário
pode desta forma complementar a ação do governo no fortalecimento
do investimento privado, estabilizando a economia e provendo a ini-
ciativa privada, reforçando as instituições, exigindo cada vez maior
transparência na condução de negócios, de forma a fomentar uma
maior dinâmica empresarial.

237
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Nesse sentido, os Bancos angolanos devem manter como objetivo me-


lhorar os seus processos de compliance, no combate ao branqueamen-
to de capitais e financiamento de terrorismo, abrangendo diretivas e
medidas preventivas como “KYC” (Know Your Customer), na adoção
das IAS/IFRS que são hoje as normas-chave para as divulgações fi-
nanceiras do sector bancário, no âmbito do âmbito do cumprimento
do regime do FATCA (que visa combater a evasão fiscal de cidadãos
norte-americanos e de cidadãos estrangeiros com obrigações fiscais
nos EUA, em relação a rendimentos ou outros ganhos de investimen-
tos feitos fora dos Estados Unidos da América) e no desenvolvimento
de processos que permitam a gestão integrada e eficiente dos riscos
associados à sua atividade.
Adicionalmente, para que a economia ganhe relevância e para que o fi-
nanciamento seja sustentável e perdure no tempo, um sistema bancário
solido pode melhor promover o reforço da competitividade do país a
nível internacional, suportando a diversificação da economia, com vista
à substituição de importações e à diminuição da atual dependência do
sector energético, e investindo em projetos inovadores que permitam
a elevação da qualificação e do potencial do povo Angolano.
É assim, neste contexto de reforço da reconstrução da economia e
de necessidade de continuar a aprofundar e a diversificar o nível de
acesso da economia a novas fontes de financiamento, que o sistema
bancário pode promover crédito às empresas, mas também o desen-
volvimento do mercado de capitais, muito baseado no fortalecimento
do sistema bancário, de forma a sustentar o crescimento Angolano
no futuro.
Avaliação qualitativa: 4/5 – No decorrer da última década o sec-
tor bancário tem tido um crescimento expressivo e tem contribuído
positivamente para o melhor reconhecimento interno e externo do
País, nomeadamente com o aumento da transparência e reporte de
informação mais atualizada. A título exemplificativo, Angola foi re-
movida da lista cinzenta do GAFI, referente aos países com deficiên-
cias estratégicas ao nível do regime de prevenção ao BC/FT. Adicio-
nalmente, durante 2016 iniciou-se o processo de adoção das Normas
Internacionais de Contabilidade e Relato Financeiro (“IAS/IFRS”)

238
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

por parte das instituições financeiras do sector bancário, o que permite


uma maior comparabilidade entre as demonstrações financeiras das
várias instituições. Mais recentemente iniciou-se a obrigatoriedade de
reporte ao BNA que exige a prestação de informação sobre os riscos
de taxa de juro, liquidez, mercado, crédito e operacional bem como
fundos próprios regulamentares e limites prudenciais aos grandes
riscos. Estas novas exigências levantaram desafios para os bancos, no-
meadamente no que concerne à extração e tratamento de informação
com a qualidade requerida e nos prazos estipulados pelo regulador.
A submissão destes reportes permite à entidade supervisora obter um
maior de grau de conhecimento e controlo dos processos de gestão
do risco das Instituições Financeiras Angolanas. Todo esta tipologia
de desenvolvimento a nível de reporte releva uma maturidade muito
diferente da indústria da que existia há apenas 5-10 anos atrás.
Em momentos de maiores restrições (como a queda do preço do pe-
tróleo, desde 2008 e 2009) e nos tempos atuais de crise e instabilida-
de financeira, o sistema bancário tem mostrado, de uma forma geral
(e excluindo situações de exceção, próprias de algumas instituições
em particular) relativa robustez, solvabilidade e razoáveis taxas de
rentabilidade, o que tem ajudado a sustentar a credibilidade do sistema
financeiro e da economia de Angola.

Assim no decorrer dos últimos anos, e mesmo nos anos de crise interna-
cional, Angola tem feito os ajustes necessários que lhe permitam continuar a
aceder às linhas de crédito por parte dos seus principais parceiros comerciais,
sobretudo China e Brasil.
Assim de forma a sistematizar o que tem sido o contributo mais recente
do sistema bancário para o desenvolvimento económico pelas diferentes fun-
ções específicas e transversais, poderíamos qualificar, em termos relativos, o
contributo de cada uma das funções da seguinte forma.

239
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Assim em suma, a reconstrução e o desenvolvimento social passa pela


qualificação dos recursos humanos angolanos, pela reconstrução e moder-
nização das infraestruturas nas mais diversas áreas (educação, saúde, água,
saneamento, energia, habitação, vias de transportes e comunicações) e pela
promoção e diversificação da atividade económica de forma a diminuir a atual
dependência do sector petrolífero.
Para que se consiga alcançar estes desenvolvimentos associados à recons-
trução da economia e da sociedade Angolana, tem sido e continuará a ser
necessário um elevado esforço de investimento público e privado, quer na-
cional, quer estrangeiro, no qual o sistema bancário teve e continuará a ter
um papel determinante.
Uma vez que se perspetiva continuação do crescimento e desenvolvimen-
to económico, prevê-se igualmente que o sector bancário cresça na mesma
medida ajudando a suportar esse crescimento.
A dinamização de um sector bancário robusto, sólido, que procure estar
devidamente alinhado com o desenvolvimento económico (conforme descre-
vemos), recorrendo aos depósitos e promovendo o desenvolvimento de em-
préstimos e veículos de investimento específicos, de acordo com as melhores

240
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

práticas e princípios de governo, permitirá fomentar de forma acrescida a


estruturação de um ambiente mais propício ao investimento privado, em
parceira com o investimento público, com base em valores sólidos de profis-
sionalismo, rigor e transparência.
O sector bancário ao promover a dinamização da economia e incentivar
o crescimento de novos negócios, contribuí para o aumento da cultura de
estruturação dos projetos de investimento, de profissionalização da gestão
e de análise dos riscos na fase inicial e em todo o ciclo de vida de um proje-
to. Desta forma, o sector bancário pode deixar um legado importante para
as gerações vindouras, resultante de um aproveitamento inteligente e mais
moderno do rendimento associado aos recursos existentes no país, em que
todos os atos de angariação de investimento, gestão e de operacionalização
das mais diversas operações de cedência de créditos de um banco exigem um
nível de excelência, de transparência e rigor na sua componente estratégica
e operacional.

3. Fortalecer o contributo no médio prazo

Angola é um país de enorme potencial sendo que, para o futuro, as suas


perspetivas de crescimento e o potencial de desenvolvimento continuam ele-
vados, mas ainda muito dependentes da enorme riqueza em combustíveis
fósseis. Com o objetivo de continuar a promover o crescimento económico e o
desenvolvimento social de Angola, aumentando o PIB per capita, mas também
o nível de emprego, o nível de igualdade e a coesão social é essencial que,
para lá do desenvolvimento de infraestruturas básicas, o sistema bancário
continue a promover, de forma equilibrada, todo o esforço de reconstrução
da economia e da sociedade Angolana.
O contributo que o sistema bancário irá ter para o desenvolvimento eco-
nómico depende, por um lado, das forças externas que possam ter impacto
e mais contribuir para o desenvolvimento, e por outro lado da forma como
o sistema bancário evolua e responda, conforme se procura representar na
figura seguinte.

241
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Impactos no sistema bancário

Assim sendo, enfoca-se primeiro nas forças com impacto no sistema ban-
cário, quer as forças mais relacionadas com o ambiente externo (mais macro),
quer as forças mais relacionadas com o ambiente interno ao sistema bancário
(mais sectoriais).
Ao nível do ambiente externo ao sistema bancário destacam-se aspetos
como a estabilidade política, o crescimento perspetivado para a economia, a
maior integração das diferentes regiões de Angola, o aumento da população,
ainda jovem, mais escolarizada e com melhores condições de vida e índices
de saúde.
A nível do ambiente interno ao sistema bancário evidenciam-se a evolução
das necessidades dos clientes e da acessibilidade financeira, o aumento da
regulação e dos níveis de exigência de governo das sociedades, o desenvol-
vimento do mercado de capitais e do mercado de seguros, assim como uma
maior intensidade competitiva no sistema bancário (entre atuais intervenien-
tes e futuros).

242
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Assim, algumas das principais forças e tendências que se preveem que


tenham impacto no desenvolvimento do sistema bancário são, entre outras,
as seguintes:

– Estabilidade política e melhores princípios de governo:


Com a paz alcançada em 2002, a subsequente aprovação da constituição
e normalização nas eleições presidenciais, os tempos de guerra e disrup-
ção política parecem longínquos. Existe maior liberdade de expressão e
maior abertura a nível internacional e interno. O próprio espaço Afri-
cano vive hoje um período mais pacífico daquele que viveu no passado
recente. Da mesma forma têm-se feito progressos a nível do direito,
por forma a que se fortaleçam as instituições, as suas regras, e os seus
princípios de governo, o que tem permitido um clima de estabilidade
determinante para o desenvolvimento económico. Existem mudanças
importantes em curso e muito do futuro de Angola e do seu desenvol-
vimento dependerá da amplitude de implementação dessas mudanças.
Esta estabilidade política e o reforço das instituições públicas e dos
seus princípios de governação, vão exigir por parte dos bancos uma
gestão mais eficiente e estruturada, reforçando a necessidade de res-
peito pelos princípios de boa governação e transparência, de acordo
com o reforço do nível de regulação e de supervisão por parte do BNA.
Espera-se que, também por aqui, o reforço da legislação e respetiva
supervisão, venham a contribuir para o desenvolvimento de modelos
de governação mais profissionais, mais inovadores e capazes de romper
com o modelo histórico e, por isso, mais competitivos e orientados
para ultrapassar os desafios que se colocam.

– Crescimento económico e maior integração regional:


África continua a crescer, ainda que em menores níveis e continuará a
crescer nos próximos anos a um ritmo significativo. O nível de inves-
timento estrangeiro tem vindo a aumentar em África, e em especial
nos países da África subsaariana, que têm vindo a merecer destaque
ao nível internacional, pelos resultados que têm apresentado a nível do
seu desenvolvimento económico e social, mas também, pelo potencial
associado.

243
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

O desenvolvimento económico deve ser acompanhado pelo desenvol-


vimento do sistema financeiro e, por outro lado, o desenvolvimento
do sector bancário fomenta de volta o crescimento e desenvolvimento
económico, mediante uma adequada regulação e supervisão. O facto
de a economia crescer, irá permitir mais facilmente testar novos mo-
delos de serviços bancários que permitam abarcar uma maior parte da
população e proporcionar maior acessibilidade, o que em si mesmo, irá
permitir um maior retorno social e educacional, dando sustentabilida-
de ao crescimento e desenvolvimento económico. Conforme se refere
e verifica, são como sistemas de vasos comunicantes que contribuem
de forma positiva para o desenvolvimento sustentável.

– Aumento da população com maiores níveis de escolaridade:


A população de Angola continua a crescer, a um ritmo de crescimento
expressivo, o que deverá permitir uma maior sustentabilidade e de-
senvolvimento social bem como a necessidade de proporcionar servi-
ços financeiros a esta população jovem. Será uma população que terá
acesso a maior estabilidade do ponto de vista político, vai estar mais
aberta ao mundo e à influência cultural de outros países, com acesso a
meios de comunicação mais modernos, sempre ligada, em rede e com
elevado consumo de informação.
Esta nova geração será exigente a nível do desenvolvimento económico
e a nível do aumento da equidade no acesso às oportunidades, e irá
batalhar por maior transparência e confiança, quer nas instituições
como na condução dos negócios e bom uso dos dinheiros públicos.
Por outro lado, esta nova geração irá contribuir para um maior de-
senvolvimento do sector bancário, ao solicitar novos serviços móveis,
novas experiencias, novos critérios de compra e de adesão. Solicita-
rá ainda novos modelos de negócio mais inovadores e que tenham
por base maior mobilidade e partilha de informação entre todos os
intervenientes.

– Desenvolvimento das necessidades dos clientes e da acessibili-


dade financeira: os clientes atuais têm vindo a familiarizar-se com
uma oferta progressivamente mais completa por parte dos bancos

244
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

comerciais. À medida que o sector bancário vai desenvolvendo a sua


atividade, os potenciais clientes têm cada vez maior acesso a informa-
ção, sobretudo em Luanda e nas cidades do litoral, mas também, de
forma progressiva nas cidades do interior. Por um lado, existe atual-
mente uma classe média emergente, que tenderá a crescer em número
e rendimento/capacidade disponível. Esta classe média, tem melhor
formação, melhor informação, pretende constituir família, adquirir
casa própria com melhores condições, viajar e têm ambições profissio-
nais e pessoais. Por outro lado, o acesso à informação vai progressiva-
mente aumentando a necessidade de inclusão financeira da população
e em consequência disso a sua futura bancarização. Adicionalmen-
te, à medida que existe maior integração das várias províncias de
Angola, fruto de novas vias de comunicações, as empresas vão também
necessitando de serviços adicionais, que permitam melhor suportar
as suas necessidades de investimento, de tesouraria ou de financia-
mento a médio e longo prazo. Assim sendo, o desenvolvimento destes
clientes ajudará a definir com mais rigor, mas, sobretudo, com maior
adequabilidade as necessidades especificas dos clientes os produtos
e os serviços que a banca irá colocar ao seu dispor.

– Desenvolvimento e inovação tecnológica: a tecnologia tem vindo


a desenvolver-se de forma cada vez mais exponencial, sendo que po-
demos referir os recentes desenvolvimentos a nível do Big Data e da
inteligência artificial (que permitem analisar em tempo real a vasta de
informação residente de um banco nas mais diversas áreas, desde as
áreas comercias às de risco, e que estão a revolucionar a forma como
as instituições interagem com os seus clientes de forma cada vez mais
personalizada), da robotização de serviços (que permitem operacio-
nalizar de forma muito eficiente os processos mais manuais e de me-
nor valor acrescentado), bem como os desenvolvimentos relacionados
com a mobilidade, realidade virtual, blockchain, entre muitos outros.
Adicionalmente, todo o desenho de experiência é cada vez mais efetua-
do, colocando o cliente no centro, com base em metodologias agile e
de design thinking, que assentam na co-colaboração do desenho junto
com clientes e parceiros. Estes desenvolvimentos são cada vez mais

245
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

rápidos, baseados em protótipos que se testam rapidamente no mer-


cado e que ou se adotam ou se deitam fora (sendo que as organizações
estão mais aptas a assumir o insucesso, desde que possam aproveitar
para crescer e desenvolver-se). Como o desenvolvimento de serviços
cada vez mais digitais e assentes nas novas tecnologias, assistimos à
nascença de bancos digitais um pouco por toda a parte, mas também
em África e que facilmente podem também vir a emergir em Angola.
A este ritmo é de esperar que passo a passo estes bancos mais ino-
vadores consigam buscar parte do negócio dos players estabelecidos,
há medida que vão assegurando cada vez mais confiança junto dos
consumidores.
A banca comercial Angolana tem hoje acesso às mais desenvolvidas
tecnologias existentes a nível mundial. Por um lado, estas tecnologias
estão hoje mais acessíveis e, por outro, os bancos comerciais têm hoje
escala suficiente para as utilizar e incorporar o que permite não só
uma maior eficiência operacional, mas também o desenvolvimento de
novos modelos de negócio, cada vez mais orientados às necessidades
dos clientes. Serão definidas novas fronteiras de interação, com ser-
viços self-service, a utilização de múltiplos canais, com destaque para
o mobile-banking que tem sido amplamente adotado pelos bancos
Angolanos de maior dimensão, ou o desenvolvimento da rede de
ATMs (Automatic Teller Machine – no caso de Angola as Caixas Multicaixa)
e de POS (Point of Sales), não só em numero mas, sobretudo, nos servi-
ços disponibilizados o que tem permitido expandir a rede de suporte
de serviços bancários e tem permitido integrar as vendas de retalho
e de serviço com os processos bancários. Tem-se vindo a desenvolver,
igualmente, sistemas de mobile payments, tendência crescente e mas-
sivamente adotada nos países em desenvolvimento, que permitem a
realização de transferências monetárias entre utilizadores com base
na utilização de dispositivos móveis. Estes sistemas tem sido alvo de
reflexão por parte dos principais stakeholders em Angola e têm vindo
a ser desenvolvidos, numa ótica de crescente inclusão financeira da
população com base em plataformas mais desenvolvidas e adapta-
das ao contexto Angolano. Esta acessibilidade será ainda crescente e
absolutamente massiva através da disponibilização de serviços via

246
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

cloud (numa infraestrutura de comunicações que funcionará “em nu-


vem”, “as a service”, numa disponibilidade elevada e usada consoante a
necessidade e escolha do cliente), garantindo maior eficiência e maior
adaptabilidade aos modelos de negócios das instituições financei-
ras (que poderão ser mais do que o que se conhece tradicionalmente
como “banco”) e que, se tornarão mais ágeis, flexíveis e disponíveis.
Para além disso, vai-se continuar a assistir à crescente digitalização
dos serviços, continuará o desenvolvimento de crescentes capacidades
analíticas, com capacidades de tratamento de grandes volume de
dados, associados à robotização de serviços e à crescente adoção
de inteligência artificial nos processos bancários, o que possibili-
tará “maior inteligência”, maior capacidade de decisão e de antecipa-
ção, maior controlo, nível de resposta e adequação à necessidade do
cliente, em complementaridade às capacidades humanas que melhor
sustentarão a operacionalização, sistematização e integração de toda
a informação interna existente a nível dos bancos. Estas capacidades
utilizarão os sistemas operacionais, Core System, que irão evoluir de
forma modular, com crescentes automatismos, novas regras de verifi-
cação e controlo, novos modelos implementados (na gestão do nego-
cio, na avaliação e risco, no controlo da operação, na prevenção, entre
outros). Finalmente, uma componente relevante da infraestrutura
tecnológica em que as instituições financeiras vão investir, está rela-
cionada com a gestão da continuidade do negócio e da operação,
de forma a dar resposta às diferentes ameaças e riscos no caso de
ocorrer um evento que afete a sua atividade e reputação (problemas
de segurança dos sistemas de informação, instalação, faltas de energia
e de comunicações, ataques do ciberespaço, catástrofes naturais, etc.),
definindo assim planos de ações para reduzir as suas vulnerabilidades
e para a recuperação do seu normal funcionamento num caso de um
evento crítico ao negócio, que pode ter tanto mais impacto quanto
maior a sua dimensão e abrangência nacional. Os serviços financeiros
serão uma realidade disponível 24x7, com elevada disponibilidade e
sistemas de prevenção de falha muito elevados. A utilização crescen-
te de meios eletrónicos conduzirá nesse sentido e os clientes e utili-
zadores rapidamente se habituarão a estes novos padrões de serviço

247
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

(sendo que em muitos casos já se encontram implementados no pre-


sente). A disponibilização destes serviços a um custo menor, mais do
que permitir o aumento de eficiência, permitirão sobretudo a extensão
de serviços bancários a um conjunto de população mais alargado.

– Aumento da regulação e das exigências a nível de governo: tem-se


assistido à crescente afirmação e reputação do Banco Nacional en-
quanto órgão de regulação e supervisão do sistema, tendo este vindo
a reforçar a ação de supervisão, quer do ponto de vista prudencial
e comportamental, procurando torna-la cada vez mais atuante, efi-
caz e transparente, com vista a promoção da estabilidade e solidez
de todo o sistema bancário nacional. A este nível pode-se também
destacar, entre outros aspetos, a “desdolarização” da economia, com
implementação de novas regras de movimentação e pagamento para
a industria petrolífera que, obrigatoriamente, têm que passar pelo
sistema financeiro angolano, ou ainda, a obtenção de avaliação de ris-
co para o País, a introdução de novas normas contabilísticas (com a
adoção do CONTIF), os novos requisitos de reporte e de apresentação
de informação relativamente à atividade das instituições, o reforço
a nível prudencial e a nível comportamental (portal do consumidor),
bem como a introdução do Bankita. No normativo e regulamenta-
ção de suporte à atividade bancária que tem vindo a ser edificado,
tem-se procurado reforçar a ação de fiscalização e supervisão com-
portamental do mercado, tem-se procedido á revisão de processos e
instrumentos de regulação, de fiscalização e controlo, e à preparação
técnica dos colaboradores. Na verdade, existe a necessidade de res-
ponder ao crescimento e posterior estabilização do número de ins-
tituições autorizadas, a uma maior cobertura geográfica das redes e
dos serviços, crescente bancarização do sistema, eletrização crescente
da transaccionalidade, crescente sofisticação dos produtos distribuí-
dos, face a níveis crescentes (mas ainda não elevados) de iliteracia
financeira, bem como com elevada assimetria de informação entre as
instituições financeiras e os seus clientes. Por outro lado, o processo
de inclusão financeira é essencial, por forma a garantir um maior de-
senvolvimento económico. Finalmente tem sido necessário atuar na

248
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

implementação de nova regulamentação e mecanismos de controlo de


acordo com as tendências internacionais (p.e. Basileia II e III), como
forma de dar maior credibilidade ao sistema bancário a nível nacional
e internacional. Consciente da dificuldade em acompanhar todo este
desenvolvimento no sistema e nas instituições, nem sempre se tem
cumprido cabalmente com a apresentação de informação e resultados,
atempadamente. Após definição, importa crescer em rigor e garantir
que todas as instituições são igualmente cumpridoras na forma como
se apresentam perante todos os intervenientes (clientes, instituições
congéneres, investidores, supervisor). Assim sendo, o desenvolvimen-
to do sistema bancário deve ser consistente com as práticas de refe-
rência internacionais de gestão bancária, em matéria de estrutura
institucional, gestão de rentabilidade e risco, transparência e conta-
bilidade e, em concreto, consistente com os Princípios de Santiago –
Generally Accepted Principles and Practices (GAPP), aprovadas pelo Inter-
national Working Group of Sovereign Wealth Funds, no sentido de favore-
cer um ambiente estável e aberto ao investimento interno e externo,
em Angola e que favoreça o seu desenvolvimento futuro.

– Desenvolvimento do mercado de capitais e do mercado de seguros:


O mercado de capitais vai continuar a desenvolver-se no futuro próxi-
mo, fruto de uma maior integração financeira da economia angolana,
na economia mundial. Novos mercados serão desenvolvidos, começan-
do pelo mercado de dívida pública, quer estatal, mais desenvolvido,
quer de empresas. A intermediação deste tipo de títulos irá sofisticar
as necessidades de investimento dos clientes e a introdução de novas
ofertas por parte do sector bancário, o que terá um papel muito rele-
vante na dinamização deste mercado. Seguir-se-á o desenvolvimento
dos fundos de investimentos, que permitem maior diversificação de
risco e que poderão ser muito atrativos para os investidores. O mercado
de ações também irá ser desenvolvimento, à medida que aumentar
o nível de confiabilidade nas contas das empresas e à medida que
os investidores se forem tornando mais sofisticados. O mercado de
ações começara por ser feito ao balcão, mas à medida que esta forma
de intermediação evolua é natural que se passe a transacionar títulos

249
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

de capital em mercado regulamentado. Da mesma forma o mercado


de seguros continuará a ser desenvolvido, por um lado pelas empresas
que querem salvaguardar e tornar mais sustentáveis os seus negócios
e que por isso precisam de um nível de cobertura de risco maior, mas
também por parte dos particulares que a partir de determinado nível
de rendimento começam a ponderar a cobertura dos seus rendimentos,
ativos e a efetuarem seguros de saúde, à medida que as seguradoras
se instalam e que os prestadores de serviço assegurem convénios às
redes das seguradoras.

– Maior intensidade competitiva: é também de esperar uma maior


intensidade competitiva, à medida que as maiores instituições possam
vir a partilhar/perder a sua posição de mercado com outros. Os grandes
bancos continuarão a dominar o mercado, mas serão progressivamente
“atacados” por novos entrantes, nomeadamente por grandes bancos
de cariz africano e internacional, que têm bons níveis de eficiência e
operação e que têm modelos operacionais mais escaláveis e que vão co-
meçar por “atacar” a partes relevantes e rentáveis do seu negócio, para
além de irem contribuir para uma diminuição progressiva das margens
do sector. A introdução crescente da tecnologia e uma maior abertura
de mercado irão possibilitar o acesso a outro tipo de instituições, na
sua maioria internacionais, mas também nacionais, ou ainda, à dispo-
nibilização de soluções ou de plataformas nacionais ou internacionais
com novos modelos de negocio de cooperação e acesso, incluindo de
fintechs, como sendo por exemplo a Kudi, que está a construir uma
um banco digital pan-africano, uma plataforma on-line que permite
o acesso ao dinheiro, bem como o financiamento mais acessível, com
menos custos e com menos barreiras; ou o Bettr Finance, uma fintech
da África do Sul, que desenvolve formas de fazer banca mais inovadoras
e apelativas para o cliente, prestando ferramentas e tecnologia que
melhora a forma como o Cliente pode poupar, financiar-se e investir
o seu dinheiro; ou também Zuzu Bank, uma fintech da Zâmbia, que
que desenvolveu uma App que categoriza despesas, permite desen-
volver objetivos de poupança, efetuar pagamentos a amigos, entre
outros. A nível mais global poderíamos destacar inúmeras fintechs que

250
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

têm vindo a desenvolver novas soluções tecnológicas de fazer banca


e que têm tido crescimentos surpreendentes num curto espaço de
tempo, como sendo a Revolut, uma App global que inclui um cartão
de débito pré-pago, soluções de câmbio e pagamentos peer-to-peer,
não cobrando taxas pela maioria de seus serviços, e alegando usar
taxas interbancárias para câmbio de moeda. Também destacaríamos
a N26, o primeiro banco móvel da Europa, com uma licença bancária
europeia completa e que tem vindo a estabelecer novos padrões no
setor bancário. O N26 redesenhou toda a sua oferta bancária para o
smartphone, tornando-a simples, rápida e contemporânea. Abrir uma
nova conta bancária no N26, leva apenas oito minutos e pode ser feito
diretamente a partir de um smartphone. Os utilizadores recebem um
Mastercard para fazer pagamentos em dinheiro ou levantar dinheiro
em todo o mundo, sendo que podem bloquear ou desbloquear o seu
cartão com um simples clique e enviar dinheiro instantaneamente para
amigos e contatos. Todos estes exemplos desafiam a banca tradicional,
a inovar e a desenvolver novas formas de relacionamento com os seus
clientes, mais ágeis e fáceis.
Finalmente, é ainda natural que se assista a uma onda de fusões e
aquisições (o caso Millennium Atlântico é um) pois o número de ins-
tituições a operar no mercado ainda é elevado e a oportunidade de
sinergias e melhorias conjuntas bastante elevada. A tendência inter-
nacional conduz no sentido de que o Sistema Bancário será, no futuro,
mais do que o banco tradicional, vindo a incorporar uma diversidade
de instituições, na sua tipologia, tipo de serviço, especialização, etc.

Desenvolvimento do sistema bancário

Para endereçar estes tendências e desafios, as instituições financeiras


(e não se refere apenas aos bancos, mas a todas as entidades que, debaixo da
supervisão do BNA, venham a prestar serviços financeiros aos seus clientes)
vão procurar desenvolver-se a nível do seu modelo de negócio e operativo
nomeadamente ao nível dos serviços prestados aos clientes, modos de atuação,
canais de acesso, entre outros. Serão modelos que vão permitir endereçar as
necessidades dos clientes – atuais, mas também futuras -, de novos segmentos

251
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

que venham a ter acesso a serviços – com o aumento crescente da bancariza-


ção – e que introduzem no sistema novos desafios, pois virão, muitos deles, de
outras franjas de rendimento, de gerações mais jovens, com novos padrões de
acesso, subscrição, relação, distintos perfis de apetência ao risco ou à poupança
e que gradualmente irão ganhando relevância no futuro.
Assim verifica-se que o desenvolvimento da indústria financeira, em múlti-
plos países e em Angola em particular, irá ser condicionado por um conjunto
de fatores políticos, económicos, sociais e tecnológicos que vão seguramente
permitir a alteração dos modelos que lhes estão associados, no negócio, na
operação ou na abrangência dos serviços.
O facto de a tecnologia ser enormemente acessível, vai permitir que estes
desenvolvimentos possam ocorrer de forma rápida, em crescimento exponen-
cial ultrapassando, em simultâneo, as tradicionais etapas de desenvolvimento,
de produto, de serviço, de relação, de funcionalidade a que as instituições fi-
nanceiras estavam tradicionalmente sujeitas. Nos países em desenvolvimento,
por exemplo em África, apesar do crescimento e maturidade já atingida não
irão passar pelo tradicional crescimento intermédio, linear, mas irão estar
expostos rapidamente a novos paradigmas de crescimento e integração com
adoção exponencial de novas tendências ou soluções. Nos próximos 10 anos,
o sistema financeiro em Angola irá sofrer uma enorme revolução, tão grande
quanto se abra aos novos desafios e à crescente integração com outras eco-
nomias e intervenientes internacionais.
Na verdade, o uso recorrente de tecnologia é absolutamente acessível em
qualquer tipo de país, nomeadamente aqueles que estão em desenvolvimento,
nomeadamente em termos de:

– Ampla utilização de dispositivos móveis e de uma infraestrutura de


comunicação e de acesso de maior capacidade;
– Maior conhecimento dos clientes, seja ao nível da literacia financeira,
de negócio ou tecnológica;
– Novos modelos de negócio e de relação, na grande maioria associados
à mobilidade.

Na realidade, a tecnologia vigente e disponível não requer necessidades


tão significativas de infraestruturação da banca, dadas as maiores facilidades

252
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

de implementação física e à distancia, que a tecnologia de mobilidade e cloud


permite, o que potenciará a adoção rápida destas novas tecnologias como
forma de prestar novos serviços bancários em Angola.
Estas tecnologias permitem assim endereçar o desafio de prestação de uma
multiplicidade de serviços, em que se incluem os financeiros, muitos deles
de baixo custo para pessoas mais jovens ou de menor rendimento. África é a
região do mundo com a menor cobertura do território em rede de balcões, com
uma média de 5 balcões para 100 mil adultos (e comparando com 13 na Ásia
emergente e 17 na América Latina ou Médio Oriente). É natural que a rede
de balcões continue a crescer em quantidade e dispersão, mas muito maior e
exponencial será a acessibilidade e disponibilização de serviços financeiros
e bancários sem necessidade de investimentos sistemático na infraestrutura
física. Relativamente à evolução da rede de balcões, passará a constituir-se
como uma rede de serviços de proximidade, com uma configuração distinta
da atual e tradicional, como sejam, constituindo-se em centros de centros
de empresa ou de prestação de serviço a clientes ou a cidadãos, integrando
inclusive com outras entidades, de configurações diversas, segmentadas para
aqueles que são servidos.
Assim os desenvolvimentos que se antecipam para o sistema bancário em
Angola são, entre outros, os seguintes:

– Reforço de serviços bancários segmentados:


As novas necessidades dos clientes, o desenvolvimento a nível do
mercado de capitais e do mercado de seguros vão permitir o reforço
de serviços segmentados (financeiros ou não financeiros), especifica-
mente orientados para determinados segmentos-alvo e enfocados na
satisfação das necessidades do cliente e não apenas na disponibilização
de produtos financeiros. Mais adiante se abordará a potencial evolução
dos modelos de serviço a cliente que terá de ser, obrigatoriamente,
distinta da atual.
Mas, do lado da oferta e com uma crescente especialização, irão sur-
gir instituições financeiras de crédito especializado, nomeadamente
leasing, factoring e confirming, à medida que os progressos a nível de
legislação sejam devidamente concluídos e operacionalizados.

253
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Por outro lado, irão surgir bancos de investimento, nomeadamente


de suporte à atividade de investimento quer em produtos locais que
forem sendo desenvolvidos, quer na colocação, distribuição e acesso
a produtos internacionais, com base em parcerias com instituições
financeiras internacionais, que operam a uma escala significativa a
nível mundial. Estes bancos darão sustentação ao crescimento da eco-
nomia, nomeadamente possibilitando alternativas de financiamento
face à banca comercial, bem como a captação de fundos com maiores
maturidades, o desenvolvimento de fusões e aquisições, ou o finan-
ciamento de projetos complexos que pela sua dimensão não poderão
ser apenas financiados pela banca angolana, exigindo o financiamento
através dos mercados internacionais, entre outros.

Modelos Low-cost:

Um pouco por todos os sectores, perspetiva-se crescimento e desen-


volvimento de soluções low-cost, à medida que se procura crescer nos
serviços a disponibilizar e na adaptação às necessidades da popula-
ção local. Nas telecomunicações por exemplo, os cartões pré-pagos
de baixo valor tiveram um enorme sucesso e permitiram expandir
os produtos a uma camada muito grande de população. Também no
retalho alimentar, por exemplo, mas não só, surgiram modelos de dis-
tribuição baseados em doses mais pequenas, de distribuição a grosso
ou de produtos sem marca, mais acessíveis e adaptados aos padrões de
consumo interno. Também o fenómeno dos descontos está a entrar no
espaço angolano, pois cada vez mais os consumidores estão despertos
para a poupança e para a necessidade de serem mais criteriosos no seu
consumo.
Os bancos angolanos também se terão de adaptar a este fenómeno
e ajustar os seus produtos a um segmento de menores rendimentos.
Muitas vezes essa adaptação é efetuada nos países emergentes, com
base em parcerias do sector bancário com intervenientes de outros
sectores, que lhes permitem mais escala, posicionamento distinto da
marca, complementaridade, integração de serviços, partilha de riscos,

254
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

maiores sinergias, partilha de infraestrutura ou de esforço, na opera-


ção, marketing, comercial, entre outros.
Os bancos podem por exemplo, vir a oferecer descontos e promoções
para a captação de depósitos, a constituir contas poupanças para bai-
xos rendimentos, ou créditos para rendimentos diminutos, em com-
plementaridade à sua oferta base. Deste modo os bancos vão poder
também fomentar o investimento e o consumo de bens essenciais no
interior, à medida que promovem o seu desenvolvimento.
A orientação para soluções low-cost, necessariamente distintas, mas
mais amplas e integradas, vai impactar nos modelos de negócio, por
um lado, para que estes sejam mais lean, ágeis, flexíveis, com limita-
ções nas opções de serviço, fomento do auto-serviço, e promovendo
parcerias entre empresas de sectores diferentes que assim cooperam
e se complementam em componentes específicas do negócio, não
rivalizando diretamente no core. Este movimento pode representar
a abertura para um modelo distinto de partilha que poderá permitir a
definição de ecossistemas mais amplos e que poderão vir a promovem
a inclusão e a acessibilidade ao sistema financeiro, indo ao encontro das
necessidades dos clientes de menor rendimento (que ainda constituem
uma faixa muito significativa da população).
A vida financeira dos clientes particulares e das micro e pequenas
empresas angolanas, mas também das grandes empresas deverá vir
a ser facilitada por estes sistemas de processamento low-cost, que
muito poderão facilitar o processamento financeiro, nomeadamen-
te a nível do pagamento/recebimento de salários, prestações sociais,
remessas, pagamentos de serviços e transferências entre pessoas.
Estes programas deverão ser impulsionados pelo governo, supervisor
e regulador, com nova legislação que permita a interoperabilidade
de diversos prestadores de serviços (por forma a que possam servir
um público não bancarizado), e em simultâneo ser infraestruturantes
e universais para que se possam alavancar ofertas competitivas que
premeiem os princípios de mercado e a eficiência na prestação dos
serviços.

255
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Estes modelos irão ainda permitir o desenvolvimento de novos serviços


como sejam de microcrédito, micro-poupança ou micro-seguros, a
uma base importante e significativa de clientes bancários. Adicional-
mente podem-se incorporar na mesma infraestrutura outros modelos
de relação, baseados em social funding ou social financing, com a cres-
cente capacitação financeira da população, à medida que a iliteracia
financeira for diminuindo e à medida que a tecnologia móvel passe a
tornar-se acessível a toda a população.
De facto, para uma grande parte da população que se encontra fora do
sistema, as marcas dos bancos e a perceção dos seus valores diferencia-
dores são ainda hoje desconhecidas, pelo que a tecnologia móvel irá per-
mitir uma crescente acessibilidade e o desenvolvimento de sistemas em
que as pessoas transacionam entre si – no empréstimo, recebimento,
pagamento – com taxas de juro reduzidas, em que a intermediação finan-
ceira passa a ser feita por pequenas instituições ou associações, até em
regime mutualista, com estruturas muito reduzidas, pequenas e locais.

– Reforço da expansão (geográfica e de serviços) com suporte a no-


vas tecnologias e parcerias
Um dos maiores contributos para a infraestruturação do sector bancá-
rio tem vindo a partir da infraestruturação das telecomunicações, física

256
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

e móvel, por diversos meios, permitindo hoje uma ampla cobertura


do território e uma crescente eletrização dos serviços em geral e das
transações financeiras em particular. Para uma rede física de balcões
que é a mais baixa do mundo, existe uma boa cobertura e penetração
de acessibilidade a serviços de telecomunicações, em particular, mó-
veis. A industria de serviços financeiros, o desenvolvimento de novos
modelos de negócio, o surgimento de múltiplos prestadores, a partilha
de processos, organizações e serviços, acaba por se desenvolver sig-
nificativamente graças à evolução na industria das telecomunicações.
Para lá da crescente bancarização, crescimento dos ativos financeiros
sob gestão, eletrização das transações, disponibilização de serviços
bancários moveis, também a infraestrutura física dos Bancos tem cres-
cido, com a sua rede de balcões, permitindo que na totalidade das
províncias se disponibilizem, de alguma forma, serviços bancários.
Apesar desta realidade, há ainda muito para desenvolver, nomeada-
mente, ao nível de modelos de rede mais eficientes e da disponibiliza-
ção crescente de serviços. Com as crescentes oportunidades de acesso
permanente a serviços é natural que o modelo de serviços bancários
tradicional evolua significativamente, agregando-se serviços adicionais
que (hoje) são complementares, mas que no futuro serão absoluta-
mente diferenciadores, determinantes e constituirão novas formas
de resultados (em particular no contributo para a receita ou vinculo)
no serviço aos clientes. Estima-se que as taxas de crescimento da rede
física venham a diminuir, não por abrandamento do crescimento de
negócio, mas por utilização crescente de canais (hoje considerados
como) alternativos, mas que no futuro serão absolutamente centrais
e determinantes. No futuro a relevância do balcão será distinta, em
importância e em tipologia de serviços, constituindo-se como uma
rede de serviços de proximidade, com uma diminuição no uso deste
canal – tal como é hoje oferecido – por parte dos clientes, que deixará
de ser o principal e passará a ser um canal alternativo, constituindo-
-se como um serviço de proximidade, financeiro ou não financeiro.
As questões chave a endereçar pelos bancos no seu plano de expansão,
têm a ver com alguns aspetos primários como sejam: conhecimento
mais aprofundado dos clientes, do seu potencial, das suas necessidades;

257
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

abrangência das suas operações e segmentos mais atrativos em cada


província. A partir do modelo de serviço a clientes, deverá decidir-
-se o formato da rede (que deverá ser segmentada e modular), a sua
dimensão e posicionamento em cada região. Posteriormente, deverão
atender-se a aspetos secundários mas que serão de mais longo-prazo,
como sejam, o desenvolvimento de um ecossistema de parcerias, aber-
to e amplo, que proporcione uma oferta de soluções financeira e não
financeira mais ampla e mais orientada às necessidades dos clientes,
num serviço de proximidade ou ainda, procurando agregar valor so-
cial, de maior facilitação, em que o cliente não necessita de se deslocar
obrigatoriamente ao balcão mas será “o balcão em casa do cliente, ou
na palma da mão”, onde quer que esteja, servindo-o nas suas necessi-
dades do quotidiano mas também assessorando-o e aconselhando-o
nas suas decisões de mais longo-prazo.
É fundamental que, para lá da infraestruturação física, os bancos
apostem no uso extensivo da tecnologia como forma de omnipresen-
ça junto do cliente final ou, no limite, junto do cidadão (pois não
se deve desprezar o efeito de rede, de comunidade, de proximidade,
numa população em crescente bancarização). É essencial apostar neste
crescimento e atender aos cidadãos de mais-baixo-valor, mesmo que
ainda não bancarizados, e oferecer-lhes um serviço de baixo custo
e fácil acesso que o possa servir, mesmo que com baixa atividade.
É um custo marginal para quem desenvolve a infraestrutura, mas com
ganhos futuros progressivos. De facto, cada vez mais as instituições
financeiras vêm o mercado dos não bancarizados como um imperativo
estratégico de crescimento. A banca de retalho tem-se focado no seg-
mento de consumidores affluent e na classe média urbana, mas a base
da pirâmide apresenta oportunidade de crescimento e posicionamento
futuro, aos seguintes níveis:
– Proximidade da população jovem, na maioria de rendimentos e
necessidades crescentes;
– Suporte com serviços financeiros informais (relacionados com a
comunidade), numa primeira fase, mas posteriormente estenden-
do a parceiros e serviços não financeiros;

258
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

– Utilização intensiva de cash, de troca, mas com crescente tendên-


cia para a eletrização;
– Acesso facilitado a tecnologia (telemóvel numa primeira fase, mas
outros com base noutros dispositivos de interação no futuro);
– Perspetiva de rendimentos crescentes com base no desenvolvi-
mento económico mais sustentado e inclusivo.

Os avanços a nível dos modelos de negócio, operativo e tecnológico


permitem às instituições financeiras escalar operações a baixo custo
marginal e aproveitar as oportunidades que a bancarização apresenta,
nomeadamente em termos de:

Ofertas e produtos simplificados e apropriados:


• Contas sem comissões e sem valores mínimos;
• KYC nulo (ou com normas “mais adaptadas à realidade”);
• Poupanças e crédito de baixo valor;
• Cartões pré-pagos;
• Mobile wallets.

Novos modelos de distribuição escaláveis e de baixo custo:


• ATM – autorização de acesso simplificada;
• Balcões partilhados, móveis, adaptados a zonas rurais;
• Correspondentes bancários (com partilha de resultados);
• Mobilidade (m-payments, m-banking);
• IVR low cost – selfcare seguro;
• Autorização simplificada para o estabelecimento de balcões;
• Abertura de balcões em zonas rurais.

Operações de baixo custo e eficientes:


• Hubs regionais;
• Outsourcing;
• Serviços partilhados;
• Automação de processos;
• Gestão de risco adaptada a este segmento.

259
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

A par deste esforço dos bancos, é importante referir que a possibi-


lidade destas novas abordagens à bancarização crescente permitem
o reforço de iniciativas de instituições governamentais, parceiros ou
instituições sociais, nomeadamente em termos de regulação e suporte
institucional, nas seguintes áreas:
• Financiamento para inclusão e bancarização
• Projetos de literacia e educação financeira
• Desenvolvimento do empreendorismo
• ONG e Instituições de Micro-crédito
• Social funding, social financing

Sendo o desenvolvimento e manutenção de uma rede física tradicional


de balcões muito dispendiosa, para a crescente bancarização e acesso a
serviços financeiros, é importante que as instituições explorem novas
alianças ou parcerias com outros intervenientes de fora da indústria
em que, alguns, começam já a agregar serviços financeiros ao seu por-
tfolio de produtos e serviços tradicionais, assistindo-se a uma gradual
convergência entre indústrias distintas, nomeando-se, entre outros:
• Serviços Financeiros não bancários: Instituições de micro-crédito,
prestadores de seguros, factoring, private equity
• Serviços financeiros informais: Serviços baseados na comunidade
local, empresas funerárias, grupos de auto-ajuda, “chefes” da vila
• Empregados: Serviços financeiros para empregados, soluções de
pagamentos de salários, adiantamento de salários
• Retalhistas: Marca branca, gestão de cash; relacionamento de agente
• Operadores móveis: Agentes; mobile banking & payments
• Redes/ cadeias de abastecimento/ transporte: Facilitação de pa-
gamentos e de cash flow ao longo da cadeia de valor

Num modelo de parcerias ou na criação de um ecossistema (tao aberto


quando possível, em formato de plataforma), é importante que existam
relações de confiança mutua, de transparência e partilha, sustentáveis,
devendo-se capacitar os colaboradores do banco para novas realidades
e desafios. Alguns dos aspetos que adicionalmente devem ser tomados
em consideração são, entre outros, os seguintes:

260
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

• Quem é o “dono” ou “líder” do ecossistema? Por exemplo, na


plataforma de meios de pagamentos futuros?” Telcos? Bancos?
Entidades especializadas?
• Como fazer conviver perímetros regulados e supervisionados, com
outros parceiros com realidades distintas?
• Quem tem a responsabilidade e dinâmica de desenvolvimento do
ecossistema e da plataforma?
• Modelos de formalização, de âmbito de atuação, mas também de
fronteira? Como lidar com cada caso?
• Capilaridade da rede? Que outros serviços ou parceiros acoplar?
Que tipo de serviço a clientes? E a cidadãos? E a empresas? E a
comunidades?
• Que níveis de Segurança e de confiança na rede?

A implementação de novos modelos de parceria de desenvolvimento


de ecossistemas partilhados obriga a uma mudança de paradigma
cultural e de capacitação das pessoas, de alteração dos processos, de
contacto com clientes e com impacto muito mais amplo na organização
do que apenas no contacto com clientes. Assim, devem ser abrangidos
num programa de recapacitação, recursos com os seguintes perfis ou
responsabilidades: Comerciais, de Risco, das Operações, Financeiros,
dos Sistemas de Informação, entre outros.
Na figura seguinte sumarizam-se alguns destes aspetos.

261
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Maior suporte ao desenvolvimento de MPME’s:


O desenvolvimento das micro pequenas e médias empresas (MPME’s),
no seu conjunto, é uma das bases que mais contribui para o desen-
volvimento económico, sendo fundamental para a diversificação da
economia, para a sua sustentação no longo prazo, para a criação de
emprego e para o desenvolvimento de uma crescente autonomia eco-
nómica e social no país.
A maior parte da população angolana trabalha e desenvolve atividade
em micro, pequenas e médias empresas, cabendo aos principais agen-
tes – em que se inclui o sistema financeiro – disponibilizar condições
de acesso a meios e em particular, a capital, para que possam ter me-
lhores condições para um crescimento sustentável, sendo alguns dos
aspetos de base mais importantes os seguintes:
• Sistema de infraestruturas de suporte;
• Simplificação burocrática para que possa contribuir para um maior
desenvolvimento;
• Aposta clara na Educação, na formação e capacitação de modo a
melhorar o talento, o serviço prestado, a capacidade de resposta
e ainda, contribuir para uma plena realização das pessoas;
• Crescente conhecimento dos clientes, dos seus desafios e difi-
culdades, do seu potencial e busca de soluções integradas para,
em conjunto com outras entidades, prover os meios necessários
ao desenvolvimento prestando serviços de acessória, de aconse-
lhamento, de análise de alternativas, de colaboração para lá dos
processos de financiamento, entre outros;
• Procurar possibilidades de financiamento da sua atividade.

Propositadamente se refere em último aquela que tem sido tradicio-


nalmente a finalidade última de um Banco, mas que será, no futuro,
um meio dentro de um processo de maior envolvimento e participação,
não só da instituição financeira, mas também de outros intervenientes.
A possibilidade de disponibilizar financiamento é uma componente
essencial, mas deve enquadrar-se em algo mais amplo e num contexto
em que possa produzir maiores frutos e resultados. No que se refere
ao tecido empresarial, o desenvolvimento económico, deve assentar

262
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

numa crescente diversificação, competitividade da economia, satis-


fação das necessidades internas em termos de produtos e serviços
básicos e criação de condições para uma crescente exportação. Para
lá das tradicionais indústrias que sustentam a economia angola como
sejam a Petrolífera ou de Diamantes, que se têm desenvolvido em
ampla ligação com a Banca e onde se detém razoável conhecimento e
experiencia, há que apostar num conjunto de outros sectores igual-
mente importantes e que são, entre outros, os seguintes:
• Agricultura e produção de bens essenciais
• Pescas, agronomia e indústrias extrativas (independência
alimentar)
• Infraestruturas de distribuição
• Sector da água e geração de energia
• Sector industrial, indústrias transformadoras e construção (subs-
tituição de importações)
• Sector dos serviços
A banca deve ser um dos agentes fundamentais no contributo para o
desenvolvimento, tendo presente, para lá das necessidades especifi-
cas dos seus clientes, o que são objetivos macro de desenvolvimento
definidos por todos os agentes, Estado, Empresas, Famílias e Pessoas.
A linha de fundo será o crescimento em produtos e serviços bási-
cos, uma maior autonomia face ao exterior (por diminuição das im-
portações) e um crescimento das exportações em várias indústrias,
diminuindo as dependências existentes em industrias especificas e
tradicionalmente exportadoras. A Banca contribuirá num maior aces-
so ao financiamento e ao capital, como tradicionalmente o tem feito,
mas também em aconselhamento, apoio, ajuda, identificação de novas
oportunidades, desenvolvimento do capital humano, disponibilizan-
do plataformas abertas que promovam maior acesso (a informação, a
conhecimento, a partilha de experiencias), efeito de rede, maior com-
petitividade para todos os intervenientes.
É importante fomentar uma inteligência coletiva e integrada, que pos-
sa também ter acesso a experiencias internacionais, desde a definição
macro dos planos de desenvolvimento do país até à identificação de
necessidades especificas, micro, que possibilitarão o crescimento e

263
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

desenvolvimento. O conhecimento, capacidade e experiencia da banca


deve ser, em todo o processo disponibilizado e tornado acessível. Adi-
cionalmente é necessário desenvolver um sector bancário que esteja
consciente dos desafios das indústrias, tenha especialização sectorial
e regional e que apoie ao desenvolvimento financiando o investimento
necessário a taxas comportáveis pela economia, nomeadamente nas
áreas mais transversais e que permitem o desenvolvimento de fatores
de competitividade do país.
A este nível é importante referir que África tem estado na mira dos
investidores, nomeadamente investidores estrangeiros que têm como
objetivo aproveitar as potencialidades que África representa em ter-
mos de potencial de crescimento económico, demografia jovem e em
desenvolvimento, mercados financeiros com potencial de serem apro-
fundados e desenvolvidos.
Tem-se assistido ao investimento em diversos sectores desde a extra-
ção, a agricultura, as telecomunicações, o retalho ou a construção,
entre outros, o que tem permitido um desenvolvimento expressivo
da sociedade. Cada vez mais temos aglomerados de empresas que se
desenvolvem em áfrica, desde cadeias de retalho, empresas de cons-
trução, energia, agricultura, etc. Atrás destes exemplos, vêm a banca
a suportar todo esse desenvolvimento, mas para isso é necessário que
esta banca esteja disposta a fomentar o desenvolvimento económico
e a prestar crédito, com boas condições atrativas.
Nesse sentido é importante que a informação existente seja rigorosa
e atualizada, para que os bancos possam efetuar uma análise rigorosa
das necessidades bem como dos riscos envolvidos ou das garantias
existentes. De outra forma, as limitações não contribuirão para um
clima de confiança mútua, os custos envolvidos tornar-se-ão incom-
portáveis e o envolvimento das partes ficará aquém do que é desejável
e necessário.
Deste modo, é de esperar o desenvolvimento de um mecanismo de
garantias de crédito que permita prestar as necessárias garantias aos
bancos, tendo por base linhas de crédito específicas para o desenvol-
vimento de determinados sectores e que desta forma permitam tornar
as condições de crédito mais atrativas para a banca.

264
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

– Utilização de novos modelos e capacidades para suportar a efi-


ciência, eficácia e exigências de risco
O negocio financeiro tem na sua base o capital, financiamento, poupan-
ça e risco, mas é muito alavancado em informação, comunicações, tec-
nologia e pessoas. Apesar de todos os investimentos feitos no passado,
estima-se que continuem no futuro como resposta a novas realidades,
impostas pelos clientes, pela sociedade, pelo regulador, pelo mercado.
É por isso natural que se desenvolvam novos modelos de negocio, de
relação, de prestação de serviço, de partilha, aos mais diversos níveis.
O volume de transações vai crescer de forma exponencial, mas para a
sustentabilidade dos bancos os custos e os investimentos não poderão
acompanhar esta curva de crescimento. O enfoque estará em muitos
dos aspetos já anteriormente referidos (acesso a conhecimento, a expe-
riencia, a informação, apropriado calculo do risco, serviço de elevado
rigor, em confiança e transparência) mas também numa crescente
eficiência, nas operações, e no controlo, à medida que se expande
geograficamente a rede de serviços (com balcões ou outras formas
de serviço, direto ou remoto, digital ou físico), a base de clientes,
o aumento de novos segmentos da população no acesso a estes serviços.
Segundo os benchmarks existentes, os bancos africanos são pobres em
produtividade (pelos múltiplos aspetos já referidos, processos ma-
nuais, baixo capital humano, menor eletrização das transações) sen-
do o cost-to-assets médio da região o segundo maior do mundo, com
3,7% (à frente da América Latina). É fundamental uma simplificação
significativa, mas elevando os mecanismos de controlo em todas as
componentes.
É natural que as instituições financeiras continuem a promover o
desenvolvimento de modelos operativos e de distribuição low cost,
passando a recorrer com maior facilidade a serviços partilhados ou
a outsourcing de serviços, quer entre processos de um mesmo banco,
quer entre bancos diferentes (de que se destaca o caso da EMIS, que
processa pagamentos para todos os bancos que são em simultâneo os
seus acionistas e competem no mesmo mercado). O desenvolvimento
de uma infraestrutura partilhada poderá vir a ser estendida, de forma
a que os bancos consigam, por partilha e acesso, maiores eficiências

265
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e escala nas suas operações. Exemplos de serviços são digitalização


de documentos, gestão de arquivos, processamento de pagamentos.,
compensação de cheques, gestão de numerário, transporte de valores,
disponibilização e gestão de ATMs, entre muitos outros. Só assim se
conseguirá desenvolver operações escaláveis de baixo custo. Mas tam-
bém na disponibilização de serviços se poderão vir a adotar modelos
mais partilhados, indiferenciados, mais acessíveis.
A análise das componentes de custo, também vai ganhar uma dimen-
são acrescida, à medida que as instituições financeiras desenvolvam
modelos de operação mais segmentada, seja low-cost ou outras, por
forma a se adaptarem às exigências dos clientes, à sua envolvente e
à maior intensidade competitiva que se ira intensificando no curto-
-médio prazo. Ainda que exista muita margem de melhoria nos mo-
delos existentes, com enfoque nas oportunidades de crescimento,
vai-se também cimentando uma cultura da gestão orçamental (gestão
eficiente dos centros de custo e orçamento) vai também prevalecer.
Quanto aos temas de riscos, estes devem passar a ser reequacionados.
A componente de análise de risco tem vindo a ser desenvolvida nos
bancos comerciais, fruto da maior volatilidade existentes nos mercados
internacionais, mas também necessidade de maior proteção face riscos
existentes na indústria e no aumento do malparado, com maior neces-
sidade de capital e aumento da regulação. Nesse sentido os bancos têm
evoluído no suporte da análise de risco, suporte à análise de risco de
crédito, análise de risco de país, mercado, operacional e prudencial,
em complemento à perspetiva comercial.

– Novos desafios e paradigmas na experiencia de clientes


Com clientes – particulares, empresas, institucionais – mais informa-
dos, mais capacitados, mais conhecedores, com um leque de opções
e de alternativas crescentes para a satisfação das suas necessidades,
a evolução na indústria será a ritmo acelerado, muito graças às pos-
sibilidades oferecidas pelo crescente uso da tecnologia e que já ante-
riormente foi amplamente exposta. A chegada de novos segmentos
de clientes, de novas gerações, digital native, e a necessidade de tratar
cada cliente e situação como única e especifica, vai colocar-se como

266
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

um fator de eleição para os clientes. Serão privilegiadas as instituições


que proporcionarem uma melhor experiencia, seja de preço, de ser-
viço, de proximidade, rapidez, agilidade, eficiência, de facilidade, de
conhecimento, de especificidade e ajuste na satisfação da necessidade.
Esta realidade obrigará a um amplo conhecimento da realidade do
cliente, a uma visão integrada, de 360º muito para lá do que atual-
mente existe. Sabendo que a globalização ainda não impactou em
toda a amplitude na industria de serviços financeiros – ainda que em
escalas distintas, na banca, nos seguros e nos mercados de capitais
– é natural que venha a ocorrer um esbatimento de barreiras entre
as industrias mas que se fará sentir de forma cada vez mais ampla no
futuro, os clientes deixarão de comparar os serviços prestados en-
tre cada uma das instituições e passarão a comparar a experiencia
(de cliente) com outras realidades de outras industrias, inclusive, glo-
bais (como os grandes gigantes mundiais, Google, Amazon ou Apple,
que já hoje e no futuro mais ainda irão prestando serviços financeiros
aos clientes e dispõem de um amplo conhecimento dos mesmos).
A informação e o acesso aos serviços passarão a ter uma disponibilida-
de total e absoluta, em qualquer dispositivo, onde o cliente estiver e o
grau de exigência, de rigor, de qualidade, será crescente, com menor
tolerância à falha. É um caminho particularmente longo para os merca-
dos financeiros, mas com os ritmos de adoção e mudança exponenciais
que se verificam um pouco por todo o mundo globalizado, chegará
com rapidez.
Por outro lado, tem-se notado também a crescente sofisticação dos
serviços financeiros, quer ao nível de produtos e serviços financeiros –
mais adaptados à realidade local e de cada cliente – como na inclusão
de serviços não-financeiros que, numa oferta integrada, proporciona-
rão grande valor e serão considerados fator de eleição.
A acessibilidade e mobilidade será enorme, passando de um acesso
“multi” para uma disponibilização “integrada”, com crescente inte-
gração e interconexão de plataformas, de transações, de acessos, pro-
porcionando experiencias diferenciadoras. Assim ao nível comercial,
pretende-se aceder a informação sobre os clientes a partir de fontes
externas ou através de fontes internas e diretas, como sejam os diversos

267
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

canais (balcão, call center, telemóvel, agentes, etc.), numa plataforma


única e comum, para que informação e conhecimento sejam amplos e
integrados e para que se possa sugerir ações em tempo real (de forma
cada vez mais automatizada e industrializada, a maioria das vezes,
sem intervenção humana e assente em inteligência tecnológica). O
modelo, a organização das instituições será centrada nos clientes e nas
suas preferências e não nos meios ou produtos (como seja, Direcção
de Crédito, ou de cartões ou de rede comercial), sem separação entre
a originação, serviço a cliente e operação.
Para responder a todos estes desafios, não bastará a tecnologia, sendo
fundamental uma aposta inequívoca na captação, gestão e retenção de
capital humano e talento. Este é um recurso absolutamente diferen-
ciador e escasso, em particular em África, em Angola e nas múltiplas
regiões em que uma instituição pretende, de alguma forma (local ou
remota, física ou virtual) estar presente.

– Movimentos de aquisição, fusão e expansão, promovendo maior


integração da economia Angolana com países parceiros (Brasil,
China, Europa, Países Africanos)
Já anteriormente se aflorou a crescente globalização, tendência irre-
versível, mas cujo ritmo de adoção poderá ser controlado pela maior
ou menor abertura em regulação, em atratividade de mercado, em
desenvolvimento económico e social, mas que não se afigura como
reversível pois é externo à realidade de cada país ou região e é uma
tendência de enorme dimensão. Não constitui uma ameaça, mas deve
ser abraçada como uma oportunidade.
Angola é reconhecidamente um mercado e um país de elevada atra-
tividade e potencial e, à medida que for crescendo economicamente
e melhorando a sua posição e reconhecimento no espaço financeiro,
económico, social e cultural mundial, á natural que se venham se ve-
nham a reforçar movimentos de transformação do sector bancário
com outras geografias com as quais Angola se relaciona (de vendas,
de aquisições, de fusões, de consolidação mas também, de especiali-
zação, de integração – com outras industrias -, de internacionalização,
de globalização, etc.). É notória a presença de/em países e regiões

268
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

económicas com quem Angola interage (seja por uma presença de ins-
tituições estrangeira, seja pela presença de instituições angolanas no
estrangeiro), acentuando-se ou diluindo-se essa presença em função
do desenvolvimento económico, do acesso a capital e investimento ou
da interação com esses países ou regiões, destacando-se, Brasil, China,
Europa (em particular Portugal) ou Países Africanos (em particular
África do Sul).
É também crescente o envolvimento das instituições financeiras e o
investimento Angolano noutras economias com as quais existe maior
relação, nomeadamente em Portugal, mas também noutros países vizi-
nhos, para onde esta canalização do investimento possa fazer sentido,
nomeadamente Namíbia e África do Sul ou Moçambique.
Todas estas tendências terão impacto no desenvolvimento económico,
sendo que nos quadros seguintes se faz uma análise da forma como
estas tendências podem individualmente contribuir genericamente
para o desenvolvimento económico, de forma a que o contributo do
sector bancário angolano seja cada vez mais progressivo ou muito re-
levante para o desenvolvimento económico angolano.

269
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Finalmente, agrupando todas estas impactos da banca no desenvolvimento


económico poderíamos destacar exemplos do sector bancário de outros países
que possam servir de inspiração a que as instituições financeiras Angolas
aceitem o repto de se desenvolver de forma sustentável e assim desenvolverem
as suas economias e as suas pessoas. Um dos maiores exemplos mundiais de
sucesso de um banco digital, é o m-bank Polaco, simples e ágil, com oferta ex-
tremamente atrativa. Em África, o Queniano Equity Bank é um dos excelentes
exemplos do que significa crescer em penetração através de soluções digitais,
com elevados volumes de transações e de vendas no canal móvel, resultando de
modelo de negócio alavancado em parcerias com outras industrias. A infraes-
trutura física assentou no acesso através de 30 mil agentes, sem necessidade
de implementar, a despesas próprias, toda tradicional infraestrutura de rede
de banca de retalho, de gestão de numerário e de processos físicos de supor-
te. Outro caso é o Diamond Bank na Nigéria, muito idêntico num modelo
de parcerias e de distribuição por agentes, mas com ofertas distintas. Todas
estas iniciativas desenvolvidas com visão, ambição, sustentadas em tecnologia,
em conhecimento do negócio, em boas práticas de governação, podem dar
um contributo a toda a sociedade como um todo, como práticas de referên-
cia que podem inspirar todas as MPME’s, que devem-se nortear por este de

270
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

princípios, que se devem adaptar às novas tendências e desenvolver produtos


e serviços que vão ao encontro das expectativas dos clientes, que devem ser
tratados de forma justa, com celeridade, com respeito e que são o fim último
do seu desenvolvimento, aceitando todas as regras de ética, de compliance
e de desenvolvimento sustentável, conforme descritas no capítulo seguinte.

4. A banca e o desenvolvimento económico sustentável

Por fim, um conjunto de notas relevantes quando se avalia o contributo


do sistema financeiro em geral e do sector bancário em particular para o
desenvolvimento económico.
Este contributo é diretamente proporcional já que as instituições que mais
contribuem para o desenvolvimento sustentável do país (seja com clientes
empresas ou particulares, seja para “não clientes” e acessibilidade a serviços
financeiros, seja ainda na capacitação de capital humano), serão também as
que mais proveito, frutos e benefícios tirarão desse desenvolvimento, seja em
volume de negocio, em resultados, em reconhecimento e imagem.
Nesse sentido é particularmente relevante a noção de criação de Valor de
forma sustentável e a prazo, para lá do resultado financeiro de curto-prazo,
naturalmente importante, mas que nem sempre constitui garantia a prazo. É
importante que essa contribuição na criação e distribuição de Valor seja natu-
ralmente económico, mas social, cultural e ambiental, promovendo padrões
de ética e princípios de respeito por todos os intervenientes. As instituições
financeiras têm uma responsabilidade histórica enquanto intermediários
financeiros, mas também em todas as componentes referidas, na sua ligação
à sociedade, no contributo ao desenvolvimento de instituições, empresas,
famílias e pessoas, no apoio à população e no contributo para uma sociedade
mais justa e inclusiva. Conforme já se referiu anteriormente, o sistema finan-
ceiro e a banca em particular constitui-se como um agente-charneira para o
desenvolvimento e desempenha um papel importante na infraestruturação da
economia sendo, por isso, uma pedra chave na confiabilidade, na reputação,
no reconhecimento, no respeito de todos, contribuindo para novos índices
de confiança entre todos e pautando-se por elevados padrões de serviço, de
qualidade, de rigor e de ética. São charneira na ligação da população ao mundo

271
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

desenvolvido, no acesso recursos (financeiros, de capital e investimento, mas


também não financeiros) promovendo confiança nas relações entre todos os
agentes, em particular no mundo financeiro, e no fortalecimento de rela-
ções com outros países, outras realidades económicas e outras instituições
no mundo desenvolvido.
Existirá banca universal, banca especializada, banca de desenvolvimento,
bancos regionais, bancos de investimento, entre outros, sendo que cada um
contribuirá para uma parte de um todo maior que será o desenvolvimento
global, a criação de valor e a sua distribuição. As instituições mais expostas à
economia do país numa ótica de longo prazo e viverem com sentido de missão
e de serviço, serão aquelas que têm mais condições para contribuir para o seu
desenvolvimento.
Esta é a tensão que existe e que deve ser ultrapassada com sucesso, a
necessidade de criar Valor para todos os stakeholders, em múltiplas dimen-
sões, criando valor económico e social, em particular, para acionistas, clien-
tes e colaboradores, mas também para a sociedade. Não é suficiente para
um banco ser apenas forte num destas componentes. Existem paradoxos e
tensões entre criar valor para o cliente, valor económico e valor social e por
isso mesmo, o desafio está em saber dar resposta a todas as dimensões, na
medida justa, em simultâneo, com transparência. As instituições que se irão
diferenciar e, quem sabe, sobreviver, serão as que tiverem amplitude, relação,
reconhecimento, em todas estas componentes pois estabelecerão relações de
maior confiança, que é um dos critérios críticos de diferenciação e de eleição
no futuro.
Conforme já se referiu, das forças e impactos do ambiente externo e secto-
rial, as instituições financeiras sofrem múltiplas pressões para se adaptarem à
mudança e a um ambiente que permanece volátil e incerto. Estas forças vão ter
um impacto considerável nos modelos de negócios, de serviço e operacionais
dos bancos, pelo que estes terão de interagir e comprometer, cada dia mais,
com as comunidades e economias com que se relacionam, ao mesmo tempo
que desenvolvem o seu papel económico e obtém resultados (e rendimentos)
resultantes do seu desempenho. Na realidade, todas as várias perspetivas es-
tão muito interligadas pois uma entidade apenas consegue contribuir para o
desenvolvimento económico da sociedade se for suficientemente sólida, tiver
um bom desempenho e desempenhar bem o seu papel económico e social.

272
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

Assim sendo, os bancos de futuro, na sequência das crises financeiras


mundiais, deverão:

• dispor de mais capital – para garantir maior solvabilidade e liquidez;


• terem menores balanços e menos alavancados (rácios de transforma-
ção menores) – com riscos dos seus ativos mais controlados e mais
transparentes para o mercado;
• ser mais ágeis, simples, mas com elevados níveis de controlo;
• ser centrados no (serviço ao) cliente, nas suas necessidades – e não
tanto na promoção massiva do crescimento dos produtos financei-
ros (do crédito que muitas vezes pode ter por detrás movimentos
especulativos);
• ser promotores da transparência, como base para a confiança, dispo-
nibilizando-se para serem mais escrutinados pelos agentes externos
(público, reguladores, políticos, investidores) e cumprindo as regras
de compliance recomendadas;
• investir no desenvolvimento de novas capacidades, novos modelos,
indo para lá das suas fronteiras naturais, estabelecendo parcerias de
valor com outras entidades, contribuindo para uma plataforma e in-
fraestrutura ampla, aberta, partilhada, acessível;
• considerar o capital humano com um fator diferenciador, na captação,
desenvolvimento e retenção.

Serão também os bancos que melhor se adaptem a estas mudanças na


envolvente e que melhor saibam perspetivar o futuro, aqueles que melhor
poderão contribuir para o desenvolvimento económico do País, ou resistir
em momentos de crise. Serão os que estarão mais capacitados sendo que é
sempre mais fácil contribuir para o desenvolvimento económico quando a
economia está a crescer, do que quando a economia está em desaceleração
ou demasiado endividada.
Neste momento com um rácio de ativos bancários sobre o PIB ainda diminu-
to e com um crescimento consistente da economia é natural que os bancos An-
golanos continuem a apresentar bons níveis de crescimento e de rentabilidade.
Mas ainda assim, é necessário refletir sobre lições aprendidas do passado,
sobretudo os erros cometidos pela banca, seja em Angola como em economias

273
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

congéneres ou em países desenvolvidos e que neste momento cruzam várias


economias ou regiões e se constituem como momentos críticos de falta de
liquidez ou de solvabilidade, de menor reputação ou reconhecimento, de
menor atratividade, de elevada exposição e fragilidade tendo, em muitos ca-
sos, sido intervencionados pelas autoridades supervisoras ou necessitado de
apoio governativo.
Para que o crescimento e o desenvolvimento sejam sustentáveis e para
que a Banca possa evoluir mantendo um compromisso entre crescimento e
sustentabilidade, é importante que nos tempos de maiores dificuldades possa
dar um contributo importante ao nível da credibilidade do país e das suas
instituições. Para isso é bom considerar os obstáculos que podem impedir um
melhor contributo do sistema bancário para o desenvolvimento económico:

– Formalidade da economia e rigor, que deve ser fomentada pelas insti-


tuições, de uma forma responsável e que permita o desenvolvimento
de um País próspero assente em bons princípios de governo, transpa-
rência, ética e compliance;
– Suporte (ao financiamento, ao investimento ou capacitação) de proje-
tos mais estruturantes e menos especulativos e que tenham em con-
sideração os impactos económicos e sociais como um todo, por forma
a que esse contributo possa permitir a criação de valor acrescentado
para a economia angolana, seja na capacitação, na diversificação, no
contributo para uma maior competitividade na substituição de im-
portações, no desenvolvimento económico ou no emprego;
– Desenvolvimento de capital humano (interno e externo, ao nível da
literacia), consciente do papel do sistema financeiro na economia e
na sociedade e que saibam promover um bom enquadramento no
contributo para um desenvolvimento sustentável, nomeadamente
promovendo a educação da população, uma maior inclusão e justiça
social, apoiando o empreendorismo e o desenvolvimento de negócios
infraestruturantes e importantes para o desenvolvimento do País.

Este contributo será particularmente relevante em economias em cresci-


mento e com pouco nível de endividamento, mas, de outra forma, continuará
a ser relevante, ao demonstrarem-se resilientes e ao manterem o acesso a

274
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

soluções de negocio (financeiras e não financeiras) para os seus clientes, em


momentos de maior dificuldade. Angola deverá atender às suas especificida-
des, históricas e de projeção para o futuro, mas também procurar aprender
com outras envolventes e outros países. Os critérios de eleição e decisão no
governo das instituições não deve mudar em função das circunstancias mas
pautarem-se, em todas as circunstancias, por critérios prudenciais, de valor,
de regulação e supervisão, de transparência e compliance, de respeito pelo
mercado e pelas limitações existentes, de report e comunicação mas também,
de se desafiarem na inovação, na mudança, no crescimento, no investimento
e não se contentando com ganhos do passado mas procurando responder,
de forma aberta aos desafios do futuro.
Assim e de forma a resumir os pontos considerados neste capítulo dir-se-
-á que existem 6 reflexões que as instituições financeiras angolanas devem
considerar para o seu desenvolvimento futuro, no sentido de melhorar o seu
contributo para a economia e sociedade, considerando a realidade existen-
te como ponto de partida, a historia como aprendizagem, o futuro como
desafio:

1. Os consumidores, os cidadãos, as empresas, as instituições, a co-


munidade e a sociedade em geral, exigem soluções mais orienta-
das às suas necessidades, por isso mais completas, devendo as ins-
tituições financeiras estar capacitadas e preparadas para melhor
os servir: Num mercado em desenvolvimento e crescimento como
o Angolano o sistema e as instituições confrontam-se com múltiplas
prioridades e tensões que concorrem entre si: Por um lado impõem-
-se, desde fora, novas exigências, maior sofisticação, elevados níveis
de concorrência (múltipla, local e global, de múltiplas origens), maior
escrutínio, padrões mais exigentes de gestão, entre outros. Mas, em
todas as circunstancias, são novos desafios, grandes oportunidades
para aumentar a penetração do mercado, extensão de produtos, ser-
viços, satisfação de necessidade, de clientes e, até, de “não-clientes”.
As amplitude e especificidade de necessidades, de sensibilidades, de
critérios, de experiencia na multiplicidade de todos aqueles a quem
uma instituição tem de servir coloca enorme tensão e constitui-se
como crescente desafio para as instituições, disponibilizando ofertas

275
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

orientadas, mais complexas, mais integradas e amplas, e que se cons-


titua com um valor competitivo e reconhecido para todos (para lá do
preço, da margem financeira, do resultado, em sentido estrito). Adicio-
nalmente, deverão fazê-lo com enorme agilidade, rapidez, eficiência,
mas mantendo (e se possível ampliando) os mecanismos de contro-
lo, de gestão, de avaliação de risco. Recorrer, por sistema a soluções
pontuais ou táticas, sem abraçar com audácia os desafios do futuro
poderá constituir-se como prenuncio de extinção ou obsolescência.
Não se deverá abdicar da historia nem da experiencia como forma de
entender o futuro, mas, copiar soluções do passado, mesmo que com
sucesso, como seja, replicar canais existentes de distribuição física;
adaptando novos produtos, canais e capacidade de processamento,
ou criando unidades de negócios, em silo, para diferentes produtos
ou grupos de clientes, limitarão as opções de diferenciação futura.
É reconhecido que muitos destes desafios podem aumentar o custo e a
complexidade de gestão e de governo das instituições. No entanto, os
bancos em crescimento neste mercado não podem pagar os custos de
construção de um modelo de negócio e operativo demasiado inflexível
e de maior complexidade, que muitos dos bancos nas economias mais
desenvolvidas estão, no momento atual, a tentar resolver.

2. É vital reforçarem o controlo de risco (em todas as suas vertentes)


com melhores ferramentas, processos, políticas e com base numa
arquitetura mais sustentável, de descentralização sustentada –
Um conjunto de fatores presentes em muitos mercados emergentes,
como sendo o rápido crescimento, a falta de informação rigorosa e
precisa para a avaliação, decisão e acompanhamento das operações,
a concorrência intensa e rápida expansão do crédito, pode criar um
clima onde os riscos se podem ir aglomerando sobre os balanços dos
bancos. Para evitar isso, os bancos em mercados emergentes podem
aprender com os problemas enfrentados e lições aprendidas pelos
bancos ocidentais, nomeadamente a nível das bolhas de crédito e crises
subsequentes, concentrando-se sobre a medição, avaliação e decisão
de risco e sobre a implementação de controlos rigorosos para evitar
sobre-exposição a operações especulativas, concentração excessiva,

276
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

quebra de critério de avaliação ou bolhas de preços de ativos. Esses


controles incluem a melhoria da qualidade de informações de avaliação
e análise de crédito, entre outros, mantendo-se uma forte supervisão e
acompanhamento da carteira e das oportunidades. Ao mesmo tempo,
os bancos podem concentrar-se em manter a qualidade de crédito do
cliente, favorecendo riscos conhecidos e crescendo com seus clientes
através de empréstimos às PME e financiamento ao comércio.

3. Apreciar a importância do reforço do capital e alcançar rácios de


solvabilidade exemplares – Muitos bancos de mercados emergentes
já operam com níveis mais elevados de capital e balanços mais líqui-
dos, uma vantagem que ajudou em muitos destes mercados a que as
suas instituições financeiras tenham superado a crise melhor do que
em outros. Nesse sentido os bancos angolanos foram um exemplo de
um bom aproveitamento da conjuntura internacional. A par de um
reforço do capital e da liquidez, os bancos também devem dispor de
mecanismos, ferramentas, critérios, processos de avaliação, controlo
e gestão de risco bem como de governo integrados, apropriados e ro-
bustos, que lhes permitam suportar os desafios (internos e externos)
com que se confrontam. O desafio é que saibam acompanhar os ciclos
económicos, sabendo que os produtos, serviços e relações com clientes
perduram, com maturidades superiores, para lá desses mesmos ciclos,
mantenham o bom uso destas componentes não cedendo a qualquer
tipo de quebras ou cedências, de modo a manter a sustentabilida-
de, a robustez e, com isso, a confiança de todos os agentes, É assim
importante que os bancos saibam ter retornos adequados, cedendo
a decisões não-racionais, menor-prudência ou especulações que co-
loquem em causa o equilíbrio existente, obrigando à constituição de
provisões, imparidades ou reforços de capital. Os princípios deverão
ser constantes e perdurar em momentos de expansão ou de retração
económica.

4. Investir em modelos alavancados em infraestrutura digital é uma


forma valiosa para garantir depósitos de retalho – A adoção de
tecnologias digitais em mercados emergentes promete ser tão, se não

277
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

mais, poderosa do que nas economias ocidentais pois, ao não existir


toda a infraestrutura bancária de base – física – para o seculo XX,
é possível desenvolver uma infraestrutura – digital – absolutamente
nova, adaptada à realidade e desafios do século XXI. Os clientes que
anteriormente não tinham acesso bancário adquirem, através de tecno-
logia de consumo, esse acesso, sejam telemóveis ou outros dispositivos.
Os principais meios de acesso são digitais e o balcão físico torna-se
em canal alternativo, esporádico e, por isso mesmo, com desafios de
redimensionamento, de propósito, de missão de finalidade. Existe uma
miríade de soluções digitais, criativas e inovadoras, desde o marke-
ting, venda, serviço, assistência, renovação, pagamento, atendimento,
aconselhamento, muitos em sobreposição aos existentes, como sejam,
caixas eletrónicos com vídeo até aos pagamentos móveis associados
às soluções de mobile banking. Os bancos angolanos podem aproveitar
estas oportunidades para criar valor económico e social através da
oferta adicional, tais como serviços às populações remotas, com base
em produtos fáceis de usar, de poupança e serviços de informação e
aconselhamento. Ou ainda, soluções intermédias como sejam balcões
móveis, transações e transferências peer-to-peer, ou balcões de marca
indiferenciada, com partilha de infraestrutura).

5. Concentrar-se na eficiência, eficácia, agilidade- É requerida uma


crescente capacidade de resposta, 24x7, mas também, rápida, ágil e,
sobretudo, fácil, sem onerar os custos de serviço ou de captação e
melhorando a fidelização, vinculo e rentabilidade. Para concretizar
esta oportunidade, a melhor abordagem é a construção de bancos efi-
cientes e em simultâneo muito orientado às expectaticas dos clientes.
Estratégias para alcançar este objectivo incluem a partilha na distri-
buição, nomeadamente com outros parceiros que possam, inclusive,
complementar a oferta ou satisfazer necessidades complementares, ou
alavancando em plataformas digitais, integrando novas capacidades
digitais como sejam, inteligência artificial, robotização, capacidades
analíticas, maior robustez nos processos decisionais, no atendimen-
to, na capacidade de resposta. Também ao nível da infraestrutura
de tecnologia de informação essa partilha deve ser promovida, seja

278
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO BANCÁRIO E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

alavancando em infraestrutura publica ou privada, em função da cri-


ticidade, mas nunca abdicando dos níveis de segurança e privacidade
requeridos. Desta forma, não é necessário um investimento tão amplo
em infraestrutura física de redes de agências físicas ou de capacidades
de processamento manual, entre outros aspetos.

6. Seletivo sobre a expansão regional / global – Como demonstram as


crises, os processos de expansão com o objetivo de crescimento e sem
um caso de negócio sustentado, pode ser uma receita para o desastre.
Os bancos devem determinar de forma seletiva a sua atividade (na ex-
pansão ou no fecho), ou seguindo os seus clientes à medida que estes
também passam a desenvolver atividades no exterior, ou escolhendo
geografias atrativas, mas sustentáveis onde a instituição possa alavan-
car as suas vantagens diferenciadoras e competitivas. Para reduzir os
riscos em torno de expansão, os bancos também se devem focar na
construção de um modelo operacional eficiente em toda a cadeia de
distribuição, produção, processamento e / TI que pode escalar até
incorporar novas linhas de negócios, países ou regiões.

Temos expectativa que estas reflexões, enquadradas neste capítulo, sejam


importantes para entender o papel que a banca desempenha no desenvol-
vimento económico de uma sociedade e para permitir de futuro continuar
a desenhar e a desenvolver um sistema bancário em Angola, cada vez mais
promissor e sustentável. Assim muito gostaríamos que estas reflexões sejam
consideradas, por todos os interessados nesta temática, mas sobretudo pelos
seus dirigentes de topo e executivos, no sentido de que este sector charneira,
com rentabilidades superiores à media da economia, possa continuar a melho-
rar o seu contributo para a economia e sociedade, considerando a realidade
existente como ponto de partida, a historia como aprendizagem e o futuro
como desafio.
Acreditamos que os líderes deste sistema continuarão a atuar com audácia
contribuindo para o desenvolvimento de todos os intervenientes, clientes,
parceiros mas, sobretudo, os colaboradores; contribuirão para um maior co-
nhecimento da sociedade Angolana em que se inserem, abraçando as novas
tecnologias e aproveitanto o que de melhor elas podem oferecer. Sobretudo,

279
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

que actuem com coragem e sempre busca da criação de valor para todos, em
prol do desenvolvimento económico e humano conforme aqui enquadrámos
ao longo deste capítulo, fornecendo a visão, o alento e o conhecimento estra-
tégico ao desenvolvimento da economia e dos seus atores principais (empresas
e cidadãos), favorecendo a adopção de iniciativas promissoras e de futuro nos
mais diversos sectores económicos, com consciência dos riscos inerentes à
mudança, com respeito pela instabilidade financeira, pela volatilidade (regio-
nal ou mundial) ou pelo mercado externo, de forma a que o sistema bancário
Angolano seja cada vez mais forte, promissor e sustentável.

280
Parte III
Mercado de valores mobiliários

281
CAPÍTULO 11
FONTES

Paulo Câmara/Ana Regina Victor

1. Antecedentes históricos

A evolução histórica do mercado de valores mobiliários em Angola com-


preende períodos distintos, cada qual com as suas características e fontes.
Podemos afirmar que a sua génese remonta ao período colonial, onde gran-
de parte da legislação produzida e vigente em Portugal era, de igual modo,
aplicável às suas colónias, realidade que se estendeu à Angola até a data da
sua independência.
Durante este período, vigorava o Código Comercial português (Código
Comercial de Veiga Beirão1) que continha “uma grande diversidade terminológica
com significados jurídicos distintos, todos reconduzíveis à categoria de títulos de crédito2”:
aqui se incluíam não apenas letras, livranças e cheques, mas também os títulos
da dívida pública nacionais e estrangeiros, acções e obrigações de sociedades
legalmente constituídas. A emissão destes títulos tinha relação directa com
o exercício da actividade dos bancos, cuja carteira de títulos estava essencial-
mente na metrópole, e era constituída por acções e obrigações do banco, facto
que evidenciava um incremento do capital bancário e financeiro dos bancos.
Em Angola, exerciam actividade o Banco de Angola, fundado em 1926, na
sequência do Banco Nacional Ultramarino e o Banco Comercial, controlado
pelo Banco Português do Atlântico, fundado em 1957. A título de exemplo,

1 
Aprovado pela Carta de Lei de 28 de Junho de 1888.
2 
FERREIRA, Amadeu J., Valores Mobiliários Escriturais, (1997), p. 25.

283
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

o Banco de Angola possuía o essencial da sua carteira de títulos na metrópole


e em Angola detinha apenas as “Obrigações da Câmara Municipal de Luanda”.
Este cenário era uma consequência da reorganização do sistema de crédito
e da estrutura bancária das províncias ultramarinas, implementada com a
aprovação de um conjunto de medidas do governo de Salazar, com destaque
para aprovação do Decreto-lei n.º 44652, de 27 de Outubro de 1962 e Decreto
n.º 45296 de 8 de Outubro de 1963, que visavam regular o exercício das fun-
ções de crédito e a prática dos demais actos inerentes a actividade bancária
nas províncias ultramarinas.
Nos termos do Decreto n.º 45296 de 8 de Outubro de 1963, para além do
Estado, só as instituições de crédito podiam exercer as funções de crédito
e a prática de demais actos inerentes à actividade bancária nas províncias
ultramarinas. Tipificava como instituições de crédito os institutos de crédito
do Estado; os bancos emissores; os bancos comerciais e os estabelecimentos
especiais de crédito. No âmbito das operações de crédito e financeiras, era
permitido aos bancos comerciais nas províncias ultramarinas, por exemplo,
a tomada firme de acções ou obrigações de outras instituições de crédito ou
de outras empresas de qualquer natureza, a fim de serem colocadas mediante
subscrição pública nas mesmas províncias (artigo 62.º).
O mesmo diploma criou instituições auxiliares de crédito como as
“bolsas de fundos”, para a província de Luanda e Lourenço Marques, bem
como determinou a criação, por decreto dos Ministros das Finanças e do Ul-
tramar, destas mesmas instituições para as demais províncias ultramarinas,
quando o desenvolvimento dos mercados financeiros regionais o justificasse3.
Paralelamente ao crescimento dos depósitos bancários dá-se a dinamização
do mercado de títulos na metrópole, particularmente durante o período da eu-
foria bolsista. Em 1964 eram negociadas na Bolsa de Valores de Lisboa acções
e obrigações emitidas essencialmente pelas grandes companhias industriais

3 
Capítulo IX Das instituições de auxiliares de crédito Art. 105.º Serão criadas bolsas de fundos em Luan-
da e Lourenço Marques, nos termos do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 44 652, bem como noutras cidades
das províncias ultramarinas, quando o desenvolvimento dos mercados financeiros regionais o justifique. §
1.º A criação das bolsas de fundos nas províncias ultramarinas será determinada por decreto dos Ministros
das Finanças e do Ultramar, ouvido o Conselho Nacional de Crédito, não podendo, todavia, existir mais
de uma bolsa nas províncias de governo simples e de duas bolsas nas províncias de governo-geral. § 2.º As
operações de fundos de cada uma das bolsas serão presididas e fiscalizadas por um delegado do governo da
província. § 3.º No decreto referido no 1.º será estabelecido o número de corretores de fundos.

284
FONTES

angolanas pela sua dimensão e estrutura na época, designadamente: a Com-


panhia de Cabinda, a Companhia dos Combustíveis do Lobito, a Companhia
Mineira do Lobito e a Sonefe. Sem cotação na Bolsa estavam as acções da Com-
panhia de Ferro do Amboim, Companhia de Ferro de Benguela, Tanganiyika
Concessions Limited, Companhia dos Diamantes de Angola, Companhia de
Betuminosos de Angola, Empresa de Cobre de Angola e Sociedade Mineira
do Lombige.
Esta situação sofreu uma alteração estrutural no período que vai de 1968
a 1972, época em que a maior parte dos títulos dos bancos emissores passou a
estar em Angola. Regista-se a presença de Acções de Angola na carteira de títu-
los dos bancos, atestando o aparecimento dos primeiros sinais de um futuro
mercado de capitais, que não chegou realmente a efectivar-se, uma vez que
o processo de consolidação de um verdadeiro mercado de capitais foi inter-
rompido pela revolução de 25 de Abril de 1974 e com o fim da era colonial4.
Com a independência de Angola, foram criadas as condições para a re-
formulação das bases económicas que serviam de sustentáculo ao regime
colonial. Com o processo das nacionalizações e confiscos, levadas a cabo pela
Lei n.º 3/76, de 3 de Março, e com a formação de um crescente sector coope-
rativo, estavam lançadas as bases para um modelo de organização económica
do país, que rompia definitivamente com o modelo anterior5.
No período que vai de 1976 a 1994 foram elaboradas um conjunto de medi-
das que tinham como objectivo principal redimensionar o sector empresarial
do Estado, no sentido de tornar mais eficiente a organização e gestão económi-
ca do país. Nos primeiros anos pós-independência foi adoptado um modelo de
economia planificada e dirigida que se centrava no Estado, onde a actividade
bancária e seguradora eram monopólios do Estado6. Com a aprovação da Lei
n.º 4/78, de 25 de Fevereiro, a actividade bancária passou a ser exclusivamente

4 
TORRES, Adelino, Pacto colonial e industrialização de Angola (anos 60-70), in “Análise Social”,
Vol. XIX (77-78-79), 1983. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/122346
5985W6dOR5rt8Jv59IF7.pdf.
5 
Dados retirados do Curso de Educação Política 78/79. Documentos do 1º Congresso, elabo-
rado pelo Departamento de Educação Política e Ideológica do Comité Central do MPLA-PT.
Pág. 25, 115, Luanda, 1979.
6 
O Banco Nacional de Angola e o Banco Popular de Angola, foram criados através da Lei nº
69/76, de 5 de Novembro canalizando os activos e passivos oriundos do Banco de Angola e
do Banco Comercial de Angola, que foram nacionalizados.

285
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

exercida pelos bancos do Estado, facto que implicou o encerramento de to-


dos os bancos comerciais privados e a utilização das suas instalações para a
extensão da rede de balcões do Banco Nacional de Angola – que, por sua vez
desempenhava as funções de banco central, banco comercial, banco emissor e
caixa de Tesouro, sendo um organismo da Administração Central do Estado.
Posteriormente, no período que vai de 1987 a 1992 registou-se um conjunto
de alterações económicas em Angola, com destaque para a queda do bloco
socialista e a consequente ruptura do modelo económico vigente, facto que
esteve na base na formulação de um conjunto de reformas institucionais com
vista à transição para uma economia de mercado, onde foi priorizada a reforma
do sector financeiro, face à sua importância na mobilização das poupanças,
na distribuição de recursos e na estabilização macro-económica. Em 1988,
foi lançado o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (“SEF”), que
tinha como um dos objectivos a adopção do modelo de economia de mercado
e de maior abertura à iniciativa privada7.
Estas medidas culminaram com a aprovação de um conjunto de diplomas
essenciais onde se destaca a Lei n.º 4/91, de 20 de Abril – Lei Orgânica do
Banco Nacional de Angola e a Lei n.º 5/91, de 20 de Abril – Lei das Institui-
ções Financeiras. A aprovação destas leis vem alterar o quadro jurídico do
sistema financeiro, passando o BNA, por um lado, a assumir funções de banco
central, banco emissor, órgão licenciador e supervisor do sistema financeiro
e, por outro lado, veio permitir que outras instituições financeiras pudessem
exercer as funções de crédito e demais actos inerentes a actividade bancária.
A LIF considerava como instituições financeiras os bancos (comerciais ou
de investimento), as instituições especiais de crédito (cooperativas, caixas e
mútuas de crédito e instituições de poupança de crédito imobiliário) e as ins-
tituições parabancárias (sociedades de investimento, sociedades de capital de
risco, sociedades de locação financeira, sociedades de financiamento de aqui-
sições de crédito, sociedade de factoring e holdings financeiras), competindo

7 
É assim que são feitas as primeiras negociações para integração em instituições e organismos
financeiros internacionais. Em 1987, teve lugar o primeiro reescalonamento da dívida externa
de Angola no Clube de Paris e em 1989, Angola aderiu ao Fundo Monetário Internacional
(FMI) e ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Fonte: “Evo-
lução Histórica do Sistema Financeiro Angolano” http://www.abanc.ao/sistema-financeiro/
evolucao-historica/evolucao-historica-do-sistema-financeiro-angolano

286
FONTES

ao BNA definir as regras especiais de funcionamento das mesmas, os limites


de participação directa ou indirecta destas instituições no capital de empresas
não financeiras, bem como a aquisição de obrigações convertíveis ou não em
acções emitidas por estas empresas, bem como autorizar os caos de emissão
de obrigações das instituições financeiras. (artigos 1.º a 6.º da LIF de 1991).
O BNA, enquanto emitente, podia emitir títulos em seu nome e por sua conta,
comprar e vender tais títulos ao público e às instituições financeiras supervi-
sionadas por si (artigo 18.º, al. c) do art.º 22.º, da LOBNA de 1991).
Em 1997, no âmbito do processo de reestruturação do sistema bancário,
foram aprovadas a Lei n.º 5/97, de 11 de Julho – Lei Cambial e a Lei n.º 6/97, de
11 de Julho – Lei Orgânica do Banco Nacional de Angola, que revogou a LOB-
NA de 1991. Em 1999, entrou em vigor a nova Lei das Instituições Financeiras,
aprovada através da Lei n.º 1/99, de 23 de Abril (que revogou a Lei nº 5/97).
A LIF de 1999 vem regular “o processo de estabelecimento, o exercício de actividade,
a supervisão e o saneamento das Instituições de Crédito e das Sociedades financeiras”.
Segundo o artigo 4.º, n.º, al. f) da referida lei, aos bancos era permitido, entre
outas operações, participar nas emissões e colocações de valores mobiliários e
prestação de serviços correlativos, bem como prestar serviços de consultoria,
guarda, administração e gestão de carteira de valores mobiliários, competindo
ao BNA definir os termos e condições de realização das referidas operações.
Posteriormente foi aprovada a Lei n.º 10/94, de 31 de Agosto de 2008 – Lei
das Privatizações, que estabelece o quadro geral de privatização das empresas,
participações sociais e outros patrimónios do Estado, não abrangidos pela
reserva absoluta do sector público e que assume uma particular importância
na implementação do mercado de capitais, na medida em que veio “…possi-
bilitar uma ampla participação dos cidadãos angolanos na titularidade do capital das
empresas, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos
trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores”, trazendo para as
empresas uma base forte e estável de accionistas (al. d) do art.º 2.º da Lei das
Privatizações).
Fruto da privatização do sector empresarial do Estado e do peso da activi-
dade empresarial dos cidadãos nacionais que foi ganhando gradualmente peso
com a canalização das para os domínios do comércio e da indústria, urgia a
aprovação de um novo quadro legal que viesse regular a matéria das socieda-
des comerciais e que respondesse a uma necessidade imperiosa, determinada

287
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

pela profunda evolução da economia, tanto nacional, ao longo dos últimos


anos, como internacional, até então regulado pelo Código Comercial, de 28
de Junho de 1888 e a Lei das Sociedades por Quotas, de 11 de Abril de 1901.
Tal legislação comercial mostrava-se desactualizada e incapaz de responder
aos desafios da vida moderna, pelo que merece destaque a aprovação da Lei
n.º 1/04 de 13 de Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais, que vem realizar
um duplo objectivo de, por um lado, proceder à actualização do regime dos
principais agentes económicos de direito privado, as sociedades comerciais,
e por outro, de ao fazê-lo, reconhecer o importante papel reservado à inicia-
tiva privada para o desenvolvimento da economia nacional, num contexto de
liberalização económica e de leal concorrência no mercado.
Com essa finalidade, a Lei das Sociedades Comerciais modernizou a regu-
lamentação de uma série de institutos já anteriormente regulados pelo Código
Comercial e passa, ainda, a regular situações que, interessando à disciplina da
actividade comercial daqueles agentes económicos, não eram, sequer, previs-
tas naquele diploma, acolhendo um vasto leque de inovações, quer ao nível
da parte geral, em aspectos relativos a todos os tipos de sociedades, quer nos
títulos relativos a cada um deles, que, atendendo às suas particularidades,
contêm as normas que lhes são especificamente aplicáveis.
A etapa posterior foi assinalada por mais uma série de medidas de reestru-
turação do sistema financeiro angolano. A primeira fase de transição para a
economia de mercado, deu provas de que o sistema económico angolano era
fraco e insuficiente. Os serviços que se ofereciam na altura eram restritos, em
consequência da instabilidade macroeconómica, que se revelava em elevados
índices de inflação, políticas das taxas de juro, políticas cambiais, elevadas
proporções de crédito endossadas ao financiamento do défice orçamental.
Lê-se num documento de início do novo século o seguinte: “O crédito ao
sector privado era escasso para os objectivos de reabilitação do sector produtivo nacional,
em contraste com o crédito às empresas públicas e fortemente, influenciado pelo sistema
de garantias, o que revelava um fraco crédito à economia e o predomínio do sector estatal
na economia”8.

8 
Dados retirados do Memorando sobre a Institucionalização do Mercado de Capitais, ela-
borado aos 8 de Julho de 2004 pelo Núcleo do Mercado de Capitais em Angola, coordenado
pelo Dr. António da Cruz Lima.

288
FONTES

O mesmo documento prossegue: “A criação do Mercado de Capitais e de uma


Bolsa de Valores em Angola representava, assim, uma necessidade para o financiamento
da economia pública (Títulos do Banco Central e Bilhetes do Tesouro) e privada (Acções,
Obrigações, etc.), em acréscimo das capacidades limitadas do crédito do sistema bancário
e dos condicionalismos de ajudas doadoras. Neste contexto, o Núcleo do Mercado de
Capitais do Ministério das Finanças, instituído em 1997, delineou cenários e estratégias,
além de ter executado trabalhos de natureza orgânica e ante-projectos legislativos visan-
do a implementação do Mercado de Capitais e da Bolsa de Valores, como instrumento
operativo para o fortalecimento eficiência e transparência do Sistema Financeiro Na-
cional, que culminou com a criação da Comissão do Mercado de Capitais9, e aprovação
do quadro normativo do mercado de capitais”10.
O marco importante na implementação do mercado de capitais em Angola
prende-se com a aprovação da aprovação, por parte do Governo, do Programa
de Modernização da Gestão das Finanças Públicas 2002/2004, que tinha
como objectivo regulamentar e implementar o funcionamento do merca-
do de capitais em Angola. Este programa tinha como metas a preparação e
compatibilização da legislação que sustente o funcionamento e regulação do
mercado de capitais; a institucionalização e implantação do órgão regulador
do mercado de capitais e promoção e incentivo do surgimento de operadores
do mercado; a promoção e incentivo à observância dos requisitos de parti-
cipação no mercado de capitais por parte das empresas nacionais e o desen-
volvimento dos elementos básicos para o funcionamento da Bolsa de Valores
e do Mercado de Balcão.

9 
Criada pelo Decreto n.º 9/05 do Conselho de Ministros e publicado a 18 de Março de 2005
no Diário da República de Angola, que aprova o seu Estatuto Orgânico. Nos termos do referido
Estatuto, constituem atribuições da Comissão do Mercado de Capitais, a regulação, super-
visão, fiscalização e promoção do mercado de capitais e das actividades que envolvam todos
os agentes que nele intervenham, directa ou indirectamente, tendo em vista a realização dos
seguintes objectivos: Estimular a formação da poupança e a sua aplicação em valores mobi-
liários; Promover a organização e funcionamento regular e eficiente do mercado de capitais;
Assegurar a transparência do mercado de capitais e das transacções que nele se efectuam;
Assegurar aos investidores e intermediários financeiros em geral uma informação suficiente,
verídica, objectiva, clara, acessível e atempada sobre os valores mobiliários, as entidades que
os emitem e as transacções que são efectuadas.
10 
Dados retirados do Memorando sobre a Institucionalização do Mercado de Capitais, ela-
borado aos 8 de Julho de 2004 pelo Núcleo do Mercado de Capitais em Angola coordenado
pelo Dr. António da Cruz Lima.

289
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Neste sentido foram traçadas algumas acções essenciais, das quais desta-
camos a elaboração de um Código do Mercado de Capitais, a harmonização
da legislação sobre o mercado de capitais com o Código Civil e Comercial e
a Lei das Sociedades Comerciais; a compatibilização a legislação dispersa e
avulsa sobre valores mobiliários com o Código do Mercado de Capitais; a com-
patibilização do Código do Mercado de Capitais com a Lei de Investimento
Estrangeiro e a Lei de Privatizações e a produção de legislação complementar
para o funcionamento do mercado de capitais, como a Lei de Falências.
Para esse efeito, era fundamental a criação de instrumentos que permi-
tissem às empresas contar com outras opções de investimentos e promover
as mesmas para um mercado alternativo de financiamento. Na altura, era
evidente a crescente internacionalização da economia angolana. Assim sen-
do, e no intuito de reforçar o princípio da transparência da informação e das
operações empresariais que se realizavam no país, sempre na defesa do inte-
resse de todos os investidores, foi aprovada não um Código do Mercado de
Capitais, como preconizado no Programa do Governo de Modernização das
Finanças Públicas, mas a Lei dos Valores Mobiliários, cujo objectivo principal
prendia-se com a regulação dos actos e operações com valores mobiliários,
promover o desenvolvimento ordenado e a transparência do mercado de ca-
pitais, bem como, a adequada protecção aos investidores e ainda estabelecer
competências, relativamente à supervisão e regulação dos valores mobiliários11.
De 2005 a 2015 foram implementadas uma série de medidas de reestrutu-
ração do sistema financeiro angolano que passaram pela introdução, regulação
e desenvolvimento do mercado de capitais, tendo sido aprovada a aprovação
da Lei 12/05 de 23 de Setembro – Lei dos Valores Mobiliários (“LVM”) que
foi fundamental para a implementação do mercado de valores mobiliários an-
golano, uma vez que vem promover a regularização de todo regime referente
aos valores mobiliários e o estabelecimento de competências, relativamente a
supervisão e regulação destes instrumentos, bem como possibilitou a criação
de novos instrumentos financeiros que possibilitariam as empresas contar
com outras opções de financiamento.

Dados retirados do Memorando sobre a Institucionalização do Mercado de Capitais, ela-


11 

borado aos 8 de Julho de 2004 pelo Núcleo do Mercado de Capitais em Angola coordenado
pelo Dr. António Joaquim da Cruz Lima.

290
FONTES

Dez anos depois, foi aprovado o Código de Valores Mobiliários, aprovado


pela Lei n.º 22/ 15, de 31 de Agosto fruto do crescimento do mercado de valores
mobiliários nacional, quer na vertente dos produtos criados, quer na vertente
dos seus operadores, que delimitou de forma clara, o perímetro de regulação
do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados, o regime da
actividade dos agentes de intermediação no mercado de valores mobiliários
e instrumentos derivados, bem como estabelecer o regime sancionatório,
penal e transgressional, representando uma viragem significativa na regu-
lação do mercado dos valores mobiliários, não só pela forma adoptada como
pela introdução de um conjunto de figuras novas ao ordenamento jurídico
angolano, até então desconhecidas.

2. Enquadramento geral das fontes vigentes

2.1. Hierarquia das fontes

As fontes do Direito dos valores mobiliários estruturam o modo de forma-


ção e de manifestação das normas jurídicas mobiliárias. As fontes mobiliárias
reconduzem-se a um sistema: postulam, enquanto tal, uma hierarquização
de normas em função da sua natureza.
Nesta hierarquia de fontes, a Constituição assume primazia, enquan-
to lei fundamental. Sucede, porém, que as normas constitucionais, para o
mercado mobiliário, assumem sobretudo um cunho programático – disso é
espelho, a título paradigmático, o artigo 99.º, n.º 1 CRA. Abaixo retoma-se
este ponto.
De entre as fontes infra-constitucionais cabe considerar em primeiro lugar
a lei. A Constituição refere-se às leis de bases do sistema bancário e finan-
ceiro, que são leis de valor reforçado, a propósito da competência relativa da
Assembleia Nacional (Artigo 165.º, n.º 1 g) CRA). Mesmo fora destas fontes
particulares, o texto fundamental obriga a que o sistema financeiro seja es-
truturado por lei (artigo 99.º, n.º 2 CRA), o que assume natureza estruturante
no sistema mobiliário.
No elenco de fontes infra-legislativas, cabe considerar os regulamentos
da CMC. Estes sujeitam-se ao princípio da legalidade: não podem contrariar

291
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

o disposto na lei. Por seu turno, os regulamentos administrativos da CMC


constituem uma fonte hierarquicamente superior em relação às normas apro-
vadas pela BODIVA.

2.2. Área jurídica codificada

Uma característica central do Direito dos valores mobiliários respeita ao


facto de ser regulado por um Código: o Código dos Valores Mobiliários, apro-
vado através da Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto.
Este diploma é um código em sentido formal e substancial, dado organizar
o material normativo moobiliário segundo critérios técnicos de sistematização
e de concisão normativa.
A codificação, todavia, não é absoluta – dado que diversas matérias re-
levantes são reguladas legislativamente fora deste diploma. Tal sucede no-
meadamente com o Estatuto da CMC, com o regime especial dos diversos
tipos de valores mobiliários e com o regime especial de diversas instituições
financeiras não bancárias.

2.3. Fontes não específicas, mas com influência no direito dos valores
mobiliários

Resta esclarecer que existem fontes não especificamente mobiliárias, mas


que projetam uma influência decisiva no Direito dos valores mobiliários.
Aqui se inclui, desde logo, o Código Civil, que serve de lei central a todo
o sistema jurídico-privado. Por este motivo, nos temas de direito privado não
regulados pelo Código dos Valores Mobiliários, rege subsidiariamente o Códi-
go Civil. Assim sucederá nomeadamente em relação aos negócios e garantias
constituídos no âmbito do mercado, que apenas parcelarmente são regulados
por fontes especificamente mobiliárias.
A Lei das Sociedades Comerciais constitui outro diploma de relevo central
na área mobiliária. Tal deve-se não apenas ao facto de regular os principais
emitentes – as sociedades anónimas –, e de regular diversos tipos de valores
mobiliários (mais concretamente: diversos subtipos de ações e de obrigações)
mas também pela circunstância de este diploma apresentar uma disciplina
muito completa em matéria de governação. As normas societárias sobre órgãos

292
FONTES

sociais e sobre deliberações sociais servem, assim, de referência relevante –


mesmo fora da órbita societária.
Outros diplomas não mobiliários relevantes para o direito dos valores mo-
biliários são nomeadamente o Código Penal (retenha-se que nem todos os
delitos criminais praticados no mercado são delitos especificamente mobi-
liários), a Lei n.º 04/02 sobre as cláusulas gerais dos contratos, a Lei 22/11 de
Protecção dos Dados Pessoais e Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro,
sobre procedimento administrativo.
As fontes de direito de valores mobiliários integram-se, assim, plenamente
no sistema jurídico de Angola.

3. A Constituição da República de Angola

A Constituição da República de Angola (“CRA”) é a lei mais importante


de Angola, constituindo-se como fonte imediata e hierarquicamente superior
em relação às demais fontes de direito reconhecidas dentro do ordenamento
jurídico angolano. A mesma dispõe sobre um conjunto de princípios funda-
mentais e conformadores da organização económica, financeira e fiscal do
Estado, determinando que o sistema financeiro “é organizado de forma a
garantir a formação, a captação, a capitalização e a segurança das poupanças,
assim como a mobilização e a aplicação dos recursos financeiros necessários
ao desenvolvimento económico e social, em conformidade com a Constituição
e a lei.” (artigo 6.º da CRA e n.º 1 do artigo 99.º da CRA)12. Estas indicações
assumem um cunho claramente programático. Quanto aos intervenientes
no sistema financeiro, determina a Constituição que “a organização, o funcio-
namento e a fiscalização das instituições financeiras são regulados por lei”, que lhe
devem ser sempre subordinadas, não podendo contradizer nem alterar os
princípios constitucionalmente garantidos (artigo 6.º, n.º 1 do artigo 99.º e
n.º 2 do artigo 100.º da CRA).
Neste âmbito, determinou o legislador constituinte que a Assembleia Na-
cional assumisse competência política e legislativa para legislar, com reserva

12 
António Francisco de Sousa, Constituição da República de Angola Anotada e Comentada
(2014).

293
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

relativa, às bases do sistema financeiro e bancário, emitindo para o efeito, e


dentro das suas competências, leis que visam definir as linhas gerais com que
se deve reger toda regulamentação posterior do sistema financeiro e bancário
(al. d) do n.º 2 do artigo 166.º, al. e) do n.º 1 do artigo 165.º e al. c) do n.º 2 do
artigo 166.º da CRA).
Com fundamento nestas normas habilitantes, foram aprovadas um con-
junto de leis estruturantes do sistema financeiro e bancário angolano, com
particular destaque para a Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto – Lei que aprova o
Código de Valores Mobiliários, para a Lei n.º 12/15, de 17 de Junho – Lei de
Bases das Instituições Financeiras e para a Lei n.º 1/00, de 3 de Fevereiro – Lei
Geral da Actividade Seguradora.
Para efectivação de um sistema financeiro nacional estável e credível, com
enfoque para o segmento do mercado de capitais, a lei fundamental vem, ou-
trossim, estabelecer um conjunto de princípios fundamentais e estruturantes
que influem decisivamente na conformação do regime jurídico da canalização
de investimento e de poupança através do mercado de valores mobiliários.
Destacam-se, neste âmbito, os princípios da livre iniciativa económica e
empresarial; o princípio do respeito e protecção à propriedade e iniciativa
privada e o princípio da defesa do consumidor, cujo respectivo conteúdo é
abaixo caracterizado:

i. Princípio da livre iniciativa económica e empresarial: Ao estabelecer


este princípio, o legislador constituinte veio, por um lado, estabelecer
e garantir a liberdade que assiste aos cidadãos de iniciar uma activi-
dade económica/empresarial – liberdade de criação de uma empresa
e, por outro, a liberdade que os mesmos têm de gerir às suas empre-
sas13, atribuindo ao legislador ordinário a obrigação de aprovar leis que
promovam e protejam esta actividade, bem como os investimentos
feitos pelos cidadãos, sejam eles pessoas singulares ou colectivas pri-
vadas, nacionais e estrangeiras, a fim de garantir a sua contribuição

13 
Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª Edi-
ção, (ano), p. 490; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2ª Edição, pp.
454 e 455; Jorge Coutinho de Abreu, “Limites constitucionais à iniciativa económica privada”,
in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Estudos em Homenagem
ao Professor Ferrer-Correia, Tomo III, (ano), pp. 413 e 414.

294
FONTES

para o desenvolvimento do país, defendendo a emancipação econó-


mica e tecnológica dos angolanos e os interesses dos trabalhadores.
(artigo 38.º e al. b), n.º 1 artigo 89.º da CRA).
ii. Princípio do respeito e protecção à propriedade e iniciativa privadas:
O texto fundamental garante que o Estado respeita e protege a pro-
priedade privada dos cidadãos, bem como a iniciativa dos mesmos em
exercer uma actividade económica privada. Esta iniciativa compreende
a liberdade de investimento – direito que os cidadãos têm de escolher
a actividade económica que pretendem desenvolver; liberdade de or-
ganização – liberdade que os cidadãos têm de determinarem como
esta actividade será desenvolvida, incluindo a forma, a qualidade, o
preço dos serviços e liberdade negocial – liberdade de estabelecer as
relações jurídicas e de fixar por acordo o seu conteúdo (al. d), n.º 1
artigo 89.º da CRA).
iii. Princípio da defesa do consumidor: É cada vez maior a necessidade
de protecção dos interesses dos consumidores, muito justificada por
motivos de ordem económica e social. Assim, dada a necessidade de
assegurar a protecção dos consumidores, o legislador constituinte as-
segurou a defesa dos direitos dos consumidores, determinado que os
mesmos têm direito à qualidade dos bens e serviços, à informação e
esclarecimento, à garantia dos seus produtos e à protecção na relação de
consumo, contra práticas comerciais desleais e abusivas; assegurando
a necessidade de se proceder a informação, formação e educação do
consumidor e assegurando a necessidade de protege-lo contra produtos
defeituosos e perigosos. O enunciado constitucional determinou ainda
que toda a publicidade de bens e serviços deve ser disciplinada por lei,
sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou
enganosa (artigo 78.º e al. h), n.º 1 artigo 89.º da CRA).

Contrariamente ao que sucede com o Banco Nacional de Angola


(artigo 100.º CRA), a autoridade de supervisão do mercado de valores mobi-
liários não merece referência alguma no texto constitucional14.

O mesmo sucede em Portugal: cfr. a propósito Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores
14 

Mobiliários, 4.ª edição (2018), 66-67.

295
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

4. O Código de Valores Mobiliários  

A efectiva regulação do mercado de valores mobiliários teve o seu início


com a aprovação da Lei n.º 12/05, de 23 de Setembro – Lei dos Valores Mobiliá-
rios (“LVM”), agora revogada, que representou um passo inicial e importante
para o surgimento deste mercado no sistema jus-mobiliário angolano e para
o desenvolvimento da economia nacional15.
Reconhecida a importância da LVM e volvida quase uma década desde
a sua aprovação, foi notório o desenvolvimento que o sistema financeiro na-
cional registou e, com este, a necessidade premente de proceder a reforma
do quadro legal básico do mercado de valores mobiliários. Esta reforma teve
como objectivo o de dotar o sistema de regulação e supervisão financeira de
instrumentos avançados, por forma a assegurar a estabilidade e robustez do
sistema financeiro e ajusta-lo aos objectivos e princípios regulatórios em maté-
ria de valores mobiliários, não só a nível nacional, como também internacional.
Foi, assim, revisto o quadro legal básico do mercado de valores mobiliários,
que culminou com a aprovação do Código de Valores Mobiliários, aprovado
pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto (“CódVM”) e da Lei n.º 12/15, de 17 de
Junho – Lei de Bases das Instituições Financeiras (“LBIF”)16.
A aprovação destes diplomas, com particular destaque para o CódVM re-
presentou um marco no processo de desenvolvimento do mercado de valores
mobiliários angolano. Quanto à sua estrutura, o CódVM está estruturado em
9 títulos, dedicados respectivamente a disposições gerais, supervisão e regula-
ção, valores mobiliários, emitentes, ofertas públicas, mercados regulamentados,
prospectos, serviços e actividades de investimento e crimes e transgressões.
O Título I (artigos 1.º a 15.º), reservado às Disposições Gerais, estabelece
como objecto e âmbito de aplicação material do CódVM, a determinação do

15 
Teve activa participação e influência na aprovação da referida lei, o Dr. António da Cruz
Lima, tendo coordenado o processo.
16 
O Ministro das Finanças criou, em 5 de Outubro de 2012, uma Comissão interdisciplinar,
composta por membros da CMC. BNA e da ARSEG que tinha como missão proceder a elabo-
ração de propostas de revisão da Lei das Instituições Financeiras e Lei dos Valores Mobiliários.
Esta comissão coordenada pela CMC, na pessoa do Dr. Archer Mangueira, foi responsável por
proceder a revisão destes dois diplomas, tendo o Código de Valores Mobiliários sido aprovado
graças a sua activa intervenção, pelo que se pode denominá-lo, a semelhança do que ocorre
em outras realidades, de “Código Mangueira”. Já a LBIF teve uma activa participação do BNA.

296
FONTES

regime jurídico basilar do mercado de valores mobiliários e instrumentos


derivados, regulação do regime de supervisão e regulação, os valores mobi-
liários, os emitentes, as ofertas públicas de valores mobiliários, os mercados
regulamentados e respectivas infra-estruturas, os prospectos, os serviços e
actividades de investimento em valores mobiliários e instrumentos deriva-
dos, bem como do respectivo regime sancionatório (artigo 1.º do CódVM).
O conceito de valores mobiliários, em torno do qual gravita o mercado regu-
lamentado de valores mobiliários, assume, deste modo, uma posição central
em toda extensão do CódVM.
Nos termos do artigo 3.º do CódVM, independentemente do direito que a
outro título seja aplicável, as normas imperativas do CódVM aplicam-se se às
situações, as actividades e os actos a que se referem tenham conexão relevante
com o território angolano, considerando-se como conexão relevante todas
as ordens dirigidas a membros de mercados regulamentados registados na
Comissão do Mercado de Capitais e as operações realizadas nesses mercados,
as actividades desenvolvidas e os actos realizados em Angola, bem como, a
difusão de informações acessíveis em Angola que digam respeito a situações,
a actividades ou a actos regulados pelo direito angolano.
Importa referir que o legislador assumiu, neste Código, uma formulação
neutra para designar a autoridade de supervisão mobiliária, não se referindo
directamente à Comissão do Mercado de Capitais. Esta opcção pode ser expli-
cada pelo facto de pretender que o texto legislativo sobreviva a eventuais alte-
rações futuras da designação da autoridade de supervisão, previsíveis ou não.
O Título II é reservado à supervisão e regulação dos mercados regulamen-
tados. A superintendência do mercado de valores mobiliários é estabelecida
nos termos do estatuto do organismo de supervisão do mercado de valores
mobiliários – in casu Comissão do Mercado de Capitais, que tem poderes no
que respeita à supervisão e regulação dos mercados regulamentados, dos
processos de ofertas públicas relativas a valores mobiliários, da compensação
e da liquidação de operações àqueles respeitantes, dos sistemas centralizados
de valores mobiliários e das entidades sujeitas à sua supervisão17 (artigo 17.º
do CódVM).

Estão sujeitas à supervisão da CMC, as entidades gestoras de mercados regulamentados,


17 

de sistemas de liquidação, de câmara de compensação ou contraparte central e de sistemas

297
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Este poder de supervisão e regulação, é norteado em obediência a um


conjunto de princípios fundamentais e com respaldo constitucional, nomea-
damente, (i) protecção dos investidores; (ii) eficiência, regularidade de funcio-
namento e transparência dos mercados de valores mobiliários e instrumentos
derivados; (iii) controlo da informação; (iv) prevenção do risco sistémico;
(v) prevenção e repressão das actuações contrárias a lei ou a regulamento;
e (vi) independência perante quaisquer entidades sujeitas ou não à sua super-
visão. O poder de supervisão e regulação efectiva-se mediante o acompanha-
mento e fiscalização de forma permanente das ligações entre as actividades e
entidades sujeitas à sua supervisão, tendo a CMC competência para elaborar
regulamentação sobre as matérias integradas nas suas atribuições e compe-
tências (artigo 18.º 22.º e ss do CódVM).
No Título III encontra-se estabelecido o regime geral dos valores mobiliá-
rios, quanto à capacidade para emissão, a forma, o registo, as modalidades e a
legitimidade. O Código acolheu o princípio de atipicidade (numerus apertus)
de valores mobiliários (artigo 2.º n.º 2 q) Cód.VM)18 admitindo, como váli-
da, a emissão de valores mobiliários que não encontrem, ainda, consagração
legislativa19. Por esse motivo, foram reconhecidos de modo direto como valores
mobiliários (i) as acções; (ii) as obrigações; (iii) as unidades de participação em
organismos de investimento colectivo; (iv) os direitos destacados dos valores

centralizados de valores mobiliários; Agentes de intermediação, consultores para investimento


e analistas financeiros autónomos; Emitentes de valores mobiliários; Investidores institucio-
nais referidos nas alíneas a) a e) do n.º 1 do artigo 13.º e titulares de participações qualifica-
das; Auditores e sociedades de notação de risco, registados no Organismo de Supervisão do
Mercado de Valores Mobiliários; Outras entidades que sejam sujeitas por lei à supervisão do
Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários; Outras pessoas que exerçam,
a título principal ou acessório, actividades relacionadas com a emissão, a distribuição, a ne-
gociação, o registo ou o depósito de valores mobiliários e instrumentos derivados ou, em
geral, com a organização e o funcionamento dos mercados de valores mobiliários e instru-
mentos derivados; Entidades subcontratadas pelos sujeitos referidos nas alíneas anteriores
(artigo 23.º CódVM).
18 
Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 4.ª edição (2018), 114.
19 
Por este motivo, a autonomização de tipos de valores mobiliários não é prefigurada como
uma necessidade legal. O que vai dito não impede que possa haver, no plano de política
regulatória, uma clara conveniência em delimitar um amplo catálogo de tipos de valores
mobiliários. Tal reconhecimento pode assumir vantagens em termos de transparência e de
protecção dos investidores, ao facilitar o acesso imediato a um referencial quanto à estrutura
típica de cada valor mobiliário.

298
FONTES

mobiliários referidos nas alíneas (i) a (iii), desde que o destaque abranja toda a
emissão ou série ou esteja previsto no acto de emissão; (v) outros documentos
representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam suscep-
tíveis de transmissão em mercado. (al q) do n.º 2 do artigo 2.º do CódVM).
A Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro – Lei das Sociedades Comerciais (“LSC”)
continha, até à aprovação do CódVM, o regime essencial relativo às acções,
obrigações, e das sociedades comerciais. Com a aprovação do código, foram
também revogados alguns aspectos previstos nesta lei, passando a estar reu-
nido no Código o regime geral aplicável a todos valores mobiliários (acções
e obrigações) 20.
O CódVM atribiu, igualmente, especial tratamento a todos intervinientes
nos mercados regulamentados, tais como, os emitentes de valores mobiliários,
estabelecendo no Título IV um conjunto de obrigações de transparência e
alinhamento com as melhores práticas internacionais no que respeita ao go-
verno das sociedades.
No Título V é desenvolvido o regime geral das ofertas de valores mobiliá-
rios, onde a posição nuclear é reservada a oferta pública sem, contudo, coartar
a possibilidade dos casos das ofertas particulares. É no Título VI que vem
previsto o regime dos mercados regulamentados, onde o mercado de bolsa e
o mercado de balcão organizado aparecem como figuras centrais.
O Título VII cuida dos prospectos, prevendo-se um regime comum aos
prospectos de oferta pública e de admissão à negociação em mercado regula-
mentado, equilibrando deste modo a assimetria informativa entre emitentes
e investidores e tornando a informação mais acessível para investidores.
O Título VIII é reservado para os serviços e actividades de investimento
e para o exercício dos referidos serviços, pelos agentes de intermediação.
São impostos a estes deveres especiais quanto a sua actuação nos mercados

20 
A Lei que aprova o CódVM procedeu a alteração dos artigos 112.º, 113.º, 177.º, 241.º, 304.º
350.º, 369.º, 374,º, 375.º, 377.º, 449.º da LSC. Importa, também, destacar que o CódVM proce-
deu a revogação do Regime Jurídico do Mercado Regulamentado de Dívida Pública Titulada,
aprovado pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º/13, de 09 de Outubro, integrando a dívida
pública no CódVM (com diversas excepções) com vista a criar uma maior uniformização e
evitar dúvidas sobre extensão das remissões para o CódVM, que era notório no regime re-
vogado. Procedeu-se, também, a substituição das referências a “sociedades com subscrição
pública” pela expressão “sociedade com o capital aberto ao investimento do público”, com
consagração terminológica no actual Código.

299
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

regulamentados, particularmente, em situações de conflitos de interesses,


protecção do mercado, informação aos clientes e à determinação da adequação
dos serviços prestados.
Por último, no Título IX é estabelecido um regime sancionatório, penal
e transgressional que se revela essencial para a efectividade dos mercados
regulamentados, onde atribui ao Conselho de Administração da CMC com-
petência para os processos transgeracionais, que passam aplicação das multas
e sanções acessórias, bem como, aplicação medidas de natureza cautelar, nos
termos previstos nos artigos 438.º e sgs do CódVM.

5. Legislação Autónoma

5.1. A Lei de Bases das Instituições Financeiras

A CRA estatui, nos artigos 99.º e alínea e) do artigo 165.°, que “o sistema
financeiro é organizado de forma a garantir a formação, a captação, a capitalização e
a segurança das poupanças, assim como a mobilização e a aplicação dos nossos recursos
financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social, em conformidade com a
Constituição e a lei”, tendo a Assembleia Nacional a reserva relativa de compe-
tência legislativa para proceder a definição das bases do sistema financeiro
e bancário.
A Lei de Bases das Instituições Financeiras, aprovada pela Lei n.º 12/15,
de 17 de Junho (“LBIF”), regula o processo de estabelecimento, o exercício
de actividade, a supervisão, o processo de intervenção e os regimes sanciona-
tório e de liquidação das instituições financeiras. A semelhança do sucedeu
com a aprovação do CódVM, a LBIF vem, deste modo, capacitar o sistema de
regulação e supervisão financeira de ferramentas avançadas, assegurando a
estabilidade e robustez do sistema financeiro21.
Sendo que procede a regulação de parte relevante do enquadramento
institucional das instituições financeiras que operam nos mercados regula-
mentados, está alinhada com todo o ajustamento legal e conceptual estabe-
lecido pelo CódVM.

21 
Sobre os deveres fundamentais das instituições financeiras bancárias plasmados neste
diploma, ver Joana Pinto Monteiro, no capítulo 6 neste volume.

300
FONTES

Foram várias as alterações que a LBIF veio trazer ao sistema financeiro


nacional. Apesar de manter a repartição das instituições entre instituições
financeiras bancárias (“IFB”) e instituições financeiras bancárias (“IFNB”),
o diploma adopta critérios distintivos mais claros e procede a uma melhor
organização das tipologias das IFB e IFNB existentes (artigo 7.º LBIF)22.
Quanto às IFNB ligadas ao mercado de capitais e ao investimento e sujeitas
a supervisão da CMC, a LBIF tipifica as sociedades corretoras e distribui-
doras de valores mobiliários23; as sociedades de investimento; as sociedades
gestoras de património, bem como outras que sejam como tal qualificadas
por lei, onde se destaca as sociedades gestoras de organismos de investimento
colectivo e as sociedades gestoras de mercados regulamentados, estas últimas
abordadas adiante.
Uma das grandes alterações é a institucionalização do Conselho Nacional
de Estabilidade Financeira como um órgão que tem como finalidade promo-
ver mecanismos de cooperação inter-institucional que visem a estabilidade
financeira e a prevenção de crises sistémicas no Sistema Financeiro Angola-
no, órgão que é coordenado pelo Ministro das Finanças e integram os vários
organismos de supervisão do sistema financeiro nacional.
Havendo necessidade de definir de forma clara o âmbito de actuação de
cada organismo de supervisão, define as competências de supervisão e prevê
mecanismos de coordenação entre os organismos de supervisão. Procede,
igualmente à reforma do regime sancionatório contravencional, dotando-o de
ferramentas funcionais e essenciais para a efectividade do regime estabeleci-
do. Apesar da ausência no nosso ordenamento jurídico de um regime jurídico
geral aplicável aos ilícitos de mera ordenação social, conforme estabelece a
alínea t) do artigo165.º da CRA, a LBIF, é inovadora pois inclui disposições
processuais específica, face à natureza das infracções em apreço (arts. 151.º
e sgs LBIF).

22 
Importa salientar que procedeu a eliminação da do leque das IFNB, sujeitas à supervisão da
CMC, as sociedades gestoras de participações sociais uma vez que entendeu que a a sujeição
das mesmas aos requisitos prudenciais e comportamentais mais pesados e complexos, das
instituições financeiras perde pertinência, colocando este tipo de sociedades numa situação
de desvantagem competitiva, sem qualquer utilidade discernível para os mercados financeiros.
23 
Cuja actividade vem regulada pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 5/13, de 9 de Ou-
tubro, que aprova o Regime Jurídico das Sociedades Corretoras e Distribuidoras de Valores
Mobiliários.

301
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

5.2. O Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo

O Decreto Legislativo Presidencial n.º 7/13, de 11 de Outubro que aprova


o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo (“RJOIC”),
dispõe sobre as normas gerais que regem os OIC, cuidando das regras que
definem o processo de autorização e o funcionamento dos OIC, bem como,
aquelas relativas à sua gestão, depósito, comercialização e supervisão.
Define como sendo OIC, “instituições de investimento colectivo que integram
contribuições recolhidas junto do público, tendo por fim o investimento colectivo de ca-
pitais, segundo o princípio de divisão de riscos e o princípio da prossecução do interesse
dos participantes”. Estes podem assumir a forma de patrimónios autónomos
sem personalidade jurídica, sendo designados por fundos de investimen-
to, ou a forma societária, sendo designados por sociedades de investimento
(artigos 2.º e 3.º do RJOIC).
Por revestir a natureza de fundo autónomo necessita de ser administrado
por uma entidade legalmente habilitada para a gestão do fundo – a entidade
gestora – cuja actuação e de todas as outras entidades relacionadas com os
OIC – entidade depositária, entidade comercializadora – deve ser indepen-
dente, no exclusivo interesse dos participantes, salvaguardando a confiança
dos investidores (artigos 2.º e 35.º do RJOIC).
O princípio da tipicidade dos fundos determina que só podem ser cons-
tituídos fundos abertos ou fechados, consoante as UP´s sejam em número
variável ou fixo, podendo, contudo ser constituídos fundos mistos, existindo
nestes duas categorias de UP´s. Compete a CMC autorizar, disciplinar e fis-
calizar a constituição, o funcionamento das entidades gestoras e dos OIC,
sejam eles constituídos na forma de fundos de investimento mobiliário ou
imobiliário (FII e FIM), ou na forma de sociedades de investimento mobiliário
ou imobiliário (SII e SIM) (artigo 39.º RJOIC).

5.3. O Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo de


Titularização de Activos

Ainda no âmbito dos esquemas de investimento e atendendo as vanta-


gens associadas a este mecanismo de financiamento foram aprovados mais
dois regimes jurídicos, designadamente Decreto Legislativo Presidencial n.º

302
FONTES

6-A/15, de 16 de Novembro que aprova o Regime Jurídico dos Organismos de


Investimento Colectivo de Titularização de Activos, (“RJOICTA”) e o Decreto
Legislativo Presidencial n.º 4/15, de 16 de Setembro – Regime Jurídico dos
Organismos de Investimento Colectivo de Capital de Risco (“RJOICCR”).
As operações de titularização são, usualmente, utilizadas como mais um
mecanismo alternativo de financiamento, com reduzidos custos de financia-
mento bancário. A operação, em si mesma, implica a agregação de um con-
junto de direitos, a sua autonomização e transferência para uma instituição
adquirente que, por sua vez, procederá a emissão de valores mobiliários tendo
como finalidade o financiamento desta operação. O RJOICTA vem regular
a cessão de direitos para efeitos de titularização, bem como a constituição
dos OIC de Titularização de Activos, constituídos sob a forma de Fundos
de Investimento de Titularização (“FIT”) e Sociedades de Investimento de
Titularização (“SIT”).
Tanto as SIT como as FIT têm como objecto social a aquisição de acti-
vos para efeito de titularização, podendo ainda adquirir UP´s de outros FIT.
(artigo do RJOICTA). Por titularização entende-se a operação de cessão de
direitos aptos a gerar fluxos financeiros, com objectivo de servirem de garan-
tia a situações jurídicas representadas por valores mobiliários (artigo 2.º do
RJOICTA). Dito de outro modo, correspondem a um “processo de desinterme-
diação no qual parte do activo de uma empresa (originador) é vendido a outra entidade
(sociedade veículo ou instrumental) que, por sua vez, vai emitir títulos de dívida negociá-
veis, dando como garantia aos investidores os activos adquiridos. Os fluxos a gerar pelos
activos titularizados serão, então, direcionados para o pagamento dos juros devidos”24.
À semelhança do que acontece com os demais OIC, compete a CMC a
autorização, registo e supervisão destas instituições de investimento colectivo,
(artigo 3.º e 5.º do RJOICTA).
Apesar de todas as vantagens associadas às operações de titularização, estas
implicam custos fixos avultados, elevadas exigências contabilísticas e opera-
cionais e pesados custos de administração. Acrescem os custos para a manu-
tenção da qualidade dos títulos emitidos, os custos derivados das avaliações

24 
Diana Pinto Rodrigues/ Maria Elisabete da Costa Pereira, A titularização de activos
enquanto instrumento de financiamento, disponível em http://www.ordemeconomistas.pt/xpor-
talv3/file/XEOCM_Documento/99037/file/Eventostema_financas.pdf

303
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

das agências de rating, a publicidade junto dos investidores e os riscos ineren-


tes aos títulos. Daí que o legislador tenha imposto às SIT e FIT a obrigação
de adopção de mecanismos sólidos de governo das sociedades, que incluam
processos eficazes de identificação, gestão, controlo e comunicação de riscos;
mecanismos adequados de controlo interno, incluindo procedimentos admi-
nistrativos contabilísticos sólidos; políticas de prevenção e gestão de conflitos
de interesses, bem como políticas de remuneração que promovam e sejam
coerentes com uma gestão sã e prudente dos riscos (artigo 8.º do RJOICTA).

5.4. O Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo de


Capital de Risco

No que tange aos Organismos de Investimento Colectivo de Capital de


Risco, regidos pelo RJOICCR, estes organismos que têm por finalidade o
investimento em participações em sociedades com potencial elevado de cres-
cimento e valorização, a fim de beneficiarem do respectivo rendimento, pro-
porcionando às empresas um reforço da estrutura financeira; uma facilitação
do acesso a outras fontes de financiamento. Por outro lado, dão um sinal sobre
a credibilidade da empresa, funcionando como um parceiro que aconselha e
permite o acesso a uma interessante rede de contactos.
O RJOICCR vem regular exercício da actividade de investimento em ca-
pital de risco, através de OIC em capital de risco (“OICR”). Os OICR podem
ser constituídos mediante a forma de Fundos de Investimento em Capital de
Risco (“FICR”); Sociedades de Investimento em Capital de Risco (“SCR”)
e Investidores de Investimento em Capital de Risco (“IRC”) (artigo 1.º do
RJOICCR).
O legislador define como sendo investimento em capital de risco, as ope-
rações de aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de ca-
pital próprio e alheio em sociedades em desenvolvimento, como forma de
contribuir para o seu desenvolvimento e beneficiar da respectiva valorização
(artigo 2.º do RJOICCR), ou seja, são operações que visam dinamizar o leque
dos meios de financiamento disponíveis às empresas, em particular a start-ups
e a outras empresas em processos de reestruturação e modernização.
Compete à CMC a autorização, registo e supervisão destas instituições de
investimento colectivo, (artigo 3.º e 4.º do RJOICCR).

304
FONTES

A tributação dos organismos de investimento coletivo é referenciada como


tendo uma enorme importância para a aplicação de poupanças e para a atra-
ção de investimento. Tendo sido aprovado o pacote referente aos OIC´s, foi
também aprovado um regime fiscal único para os OIC´s, com objectivo de
promover a simplicidade e evitar a dupla tributação de rendimentos na esfera
dos OIC´s e seus participantes, através da tributação à entrada, sem existir
qualquer tributação na esfera dos seus participantes. É com este espírito que
foi aprovado o Decreto Legislativo Presidencial n.º 1/14, de 13 de Outubro –
Regime Fiscal dos Organismos de Investimento Colectivo (“RJOIC”).
Prevê o artigo 2.º do RFOIC que os rendimentos dos OIC são sujeitos a
Imposto Industrial. A base tributável dos OIC’s consiste na totalidade dos
lucros (as rendas relativas a imóveis arrendados e rendimentos decorrentes de
aplicação de capitais), determinado de acordo com as normas contabilísticas
aplicáveis (artigo 6.º e 7.º do RFOIC). Para efeitos de apuramento da matéria
colectável são deduzidos os prejuízos fiscais a reportar dos últimos 3 exercí-
cios, tal como dispõe o art. 8.º do RFOIC
Nos termos do que dispõe o artigo 9.º do RFOIC, a taxa de Imposto Indus-
trial é de 7,5% para os OIC mobiliários é de 15% para os OIC imobiliários. Ou
seja, quando o OIC receber rendas decorrentes do arrendamento de imóveis,
o mesmo não deverá pagar o IPU (os 25% sobre o valor da renda), ou pela
aplicação de capitais, os 5% sobre o valor do juro. Contudo, no final do ano,
no apuramento do imposto industrial, 7,5% serão deduzidos de todas receitas
geradas pelo OIC durante o exercício económico.”
Tendo em consideração a criação de isenções específicas em sede de im-
postos directos, com vista a dinamização deste tipo de investimentos, o le-
gislador previu um conjunto de isenções, determinando que os rendimentos
dos OIC estão isentos de outros impostos directos sobre o rendimento, desig-
nadamente Imposto sobre a Aplicação de Capitais e Imposto Predial Urbano
(artigo 3.º do RFOIC).
Adicionalmente, os OIC encontram-se isentos de (i) Imposto do Selo
nos aumentos de capital; (ii) Imposto do Selo sobre as comissões de gestão
cobradas pelas entidades gestoras e sobre as comissões cobradas pelas ins-
tituições depositárias dos valores mobiliários; e (iii) Imposto de Consumo
sobre as comissões de gestão cobradas pelas entidades gestoras. Mais ainda,
os OIC imobiliários de subscrição pública encontram-se igualmente isentos de

305
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

(i) imposto de SISA quanto aos imóveis adquiridos; (ii) Imposto Predial Ur-
bano quanto aos imóveis detidos e não arrendados (apenas no caso dos OIC
de subscrição pública) e (iii) Imposto do Selo quanto aos imóveis adquiridos
(artigo 15.º do RFOIC).
Quanto aos participantes dos OIC, determina o RFOIC que os mes-
mos estão, igualmente, isentos de imposto sobre a Aplicação de Capitais e
Imposto Industrial sobre os rendimentos recebidos ou postos à sua disposição,
nomeadamente, resultantes de resgates, distribuições de rendimentos, sobre
mais-valias ou menos valias apuradas na alienação das unidades de participa-
ção (artigo 16.º do RFOIC).

5.5. Decreto Legislativo Presidencial n.º 1/20, de 6 de Janeiro – Regime


Jurídico dos Títulos de Participação.

Estabelece o Regime Jurídico dos Títulos de Participação, caracterizados


como valores mobiliários representativos de dívida contraída por empresas
do Sector Empresarial Público.

5.6. Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/19, de 2 de Maio – Regime


Jurídico do Papel Comercial.

Estabelece o regime jurídico aplicável aos valores mobiliários de natureza


monetária, designados por “papel comercial.

6. Os Regulamentos da Comissão do Mercado de Capitais

A CMC é uma pessoa colectiva de direito público, a quem compete supervi-


sionar e regular os mercados regulamentados, os processos de ofertas públicas
relativas a valores mobiliários, a compensação e da liquidação de operações
àqueles respeitantes, os sistemas centralizados de valores mobiliários e as
entidades sujeitas à sua alçada25.

Os poderes da CMC encontram-se tratados no artigo da autoria do Dr Mário Gavião, no


25 

Capítulo 12 deste volume.

306
FONTES

A competência regulamentar efectiva-se mediante a elaboração de re-


gulamentos que dão corpo aos princípios gerais estabelecidos por lei. Neste
sentido e nos termos do que dispõem os artigos 17.º al. b) e 33.º do CódVM,
compete à CMC elaborar os regulamentos sobre as matérias integradas nas
suas atribuições e competências, devendo para o efeito, obedecer os prin-
cípios da legalidade, da necessidade, da clareza e publicidade, legalmente
previstos.
Os regulamentos incluem matérias relativas a um determinado mercado
regulamentado ou a valores mobiliários ou instrumentos derivados neles ne-
gociados, e devem ser publicados na I Série do Diário da República, entrando
em vigor na data neles referida ou cinco dias após a sua publicação. (n.ºs 3
e 4 do artigo 33.º do CódVM).
Contudo, este poder regulamentar da CMC não se esgota na elaboração
de regulamentos. A CMC pode, também, recorrer a um conjunto de instru-
mentos normativos que visam regular o mercado, de onde se destacam as
Instruções, que são instrumentos normativos que visam regular procedi-
mentos de carácter interno de uma ou mais categorias de entidades sujeitas
à sua supervisão e que devem ser notificados aos respectivos destinatários e
entram em vigor na data neles referidos ou cinco dias após a sua notificação
(n.º 5 do artigo 33.º do CódVM) e também aos Pareceres Genéricos, que em-
bora não revestindo a natureza de norma, per se, visam divulgar e difundir
questões relevantes que lhe sejam colocadas por escrito por qualquer das
entidades sujeitas a sua supervisão ou pelas respectivas associações (n.º 2
do artigo 34.º do CódVM).
A CMC pode também emitir Recomendações Genéricas que são instrumen-
tos dirigidos a uma ou mais categorias de entidades sujeitas a sua supervisão
(n.º 1 do artigo 34.º do CódVM).
Assim sendo, a CMC, dentro das suas competências regulamentares apro-
vou um conjunto de Regulamentos, Instruções e Parecer Genérico essenciais
para a implementar os mercados regulamentados, tarefa contínua, onde até
a data se identificam os seguintes:

307
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

6.1. Fontes de Natureza Imperativa26:

– Regulamento n.º 4/19, de 5 de Fevereiro, das Sociedades Gestoras de Patrimó-


nios: estabelece as regras a que as Sociedades Gestoras de Patrimónios
(SGP) se encontram sujeitas para efeitos de autorização para consti-
tuição e de registo para início de actividade junto da Comissão do
Mercado de Capitais.
– Regulamento n.º 3/19, de 5 de Fevereiro, dos Organismos de Investimento
Colectivo de Titularização de Activos: regulamenta as matérias previstas
no Decreto Legislativo Presidencial n.º 6-A/15, de 16 de Novembro,
sobre o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo
de Titularização de Activos, quanto ao processo de autorização para
constituição e registo para início de actividade, ao exercício da acti-
vidade, aos deveres de prestação de informação, à natureza, avaliação
e limites dos activos que integram o património dessas entidades e ao
conteúdo mínimo do relatório de notação de risco.
– Regulamento n.º 2/19, de 5 de Fevereiro, dos Organismos de Investimento Co-
lectivo de Capital de Risco: regulamenta as matérias previstas no Decreto
Legislativo Presidencial n.º 4/15, de 16 de Setembro, sobre o Regime
Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo de Capital de
Risco, quanto ao processo de autorização para constituição e registo
para início de actividade, ao exercício da actividade, à avaliação dos
activos que integram o património dessas entidades e aos deveres de
prestação de informação.
– Regulamento n.º 1/19, de 5 de Fevereiro, das Sociedades Gestoras de Mercados
Regulamentados: estabelece as condições de funcionamento das Socie-
dades Gestoras de Mercados Regulamentados (SGMR), de câmaras
de compensação, de sistemas centralizados e de liquidação de valores
mobiliários27.
– Regulamento n.º 2/17, de 7 de Dezembro, dos Mercados Regulamentados: disci-
plina os mercados regulamentados, a estrutura de acesso aos referidos

26 
Disponíveis no site: https://www.cmc.gv.ao/sites/main/pt/Paginas/genericFileList.aspx?
mid=143&smid=178&FilterField1=TipoConteudo_x003A_Code&FilterValue1=REG
27 
Revoga o Regulamento n.º 3/14, de 30 de Outubro.

308
FONTES

mercados, define os valores mobiliários passíveis de serem admitidos


à negociação e regula o processo de registo28.
– Regulamento n.º 1/17, de 7 de Dezembro: Registo dos Responsáveis com Função
de Gestão Relevante: estabelece os requisitos e procedimentos relativos
ao registo dos responsáveis com função de gestão relevante nas insti-
tuições financeiras não bancárias ligadas ao mercado de capitais e ao
investimento, bem como dos directores e gerentes das sucursais ou
dos escritórios de representação.
– Regulamento n.º 10/16, de 6 de Julho, Aprova o Plano de Contas das Institui-
ções Financeiras Não Bancárias (IFNB): aprova o Plano de Contas a que
obedece a contabilidade das Instituições Financeiras Não Bancárias
(IFNB) sujeitas à supervisão da Comissão do Mercado de Capitais
(CMC).
– Regulamento n.º 9/16, de 6 de Julho, aprova o Plano de Contas dos Organismos
de Investimento Colectivo (OIC) e das Sociedades Gestoras de OIC: aprova
o Plano de Contas a que obedece a contabilidade dos Organismos
de Investimento Colectivo (OIC) e das Sociedades Gestoras de OIC
sujeitos à supervisão da Comissão do Mercado de Capitais.
– Regulamento n.º 8/16, de 6 de Julho, sobre a Notação de Risco e Serviços
Complementares: estabelece as regras sobre o registo, a organização,
os deveres e os serviços obrigatórios e complementares reservados às
Sociedades de Notação de Risco.
– Regulamento n.º 7/16, de 30 de Junho de 2016, sobre as Infraestruturas de
Mercado: estabelece o Regime aplicável às Infraestruturas de Mer-
cado, englobando os Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários,
os Sistemas de Registo junto de um único agente de intermediação,
os Sistemas de Liquidação e as Contrapartes Centrais.
– Regulamento n.º 6/16, de 7 de Junho, sobre os Emitentes: regula os deveres
e o conteúdo da informação, bem como a organização das sociedades
abertas e demais emitentes de valores mobiliários, admitidos à nego-
ciação em mercado regulamentado.

Revoga o Regulamento n.º 2/14, de 30 de Outubro.


28 

309
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Regulamento n.º 5/16, de 6 de Junho, sobre as Ofertas de Valores Mobiliários:


tem por objecto a regulação das ofertas de valores mobiliários, desig-
nadamente as ofertas públicas e as ofertas particulares.
– Regulamento n.º 4/16, de 2 de Junho, sobre a Prevenção do Branqueamento
de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo: estabelece as condições
para a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento
ao terrorismo
– Regulamento n.º 3/16, de 2 de Junho, sobre os Prospectos: estabelece as re-
gras aplicáveis ao prospecto de oferta pública de valores mobiliários
e de admissão à negociação em mercado regulamentado, bem como
a estrutura a que os mesmos obedecem.
– Regulamento n.º 2/16, de 5 de Janeiro sobre o Capital Social Mínimo das Insti-
tuições Financeiras Não Bancárias: estabelece o limite mínimo do capital
social das Instituições Financeiras Não Bancárias ligadas ao mercado
de capitais e ao investimento.
– Regulamento n.º 1/16, de 5 de Janeiro, sobre a Consultoria para Investimento e
Análise Financeira: estabelece as regras aplicáveis ao registo, as normas
de conduta e as formas de exercício das actividades de consultoria para
investimento e de análise financeira.
– Regulamento n.º 3/15, de 15 de Maio sobre os Repositórios de Transacções:
estabelece as regras relativas ao processo de registo e supervisão de
Repositórios de Transacções e aos deveres de informação a prestar no
âmbito de operações sobre instrumentos derivados.
– Regulamento n.º 2/15, de 15 de Maio, sobre os Auditores Externos: estabelece
os requisitos de registo e as regras a observar pelas empresas de audi-
toria legalizadas e estabelecidas em Angola, que pretendam exercer
a sua actividade no Mercado de Valores Mobiliários, doravante desig-
nadas por Auditores Externos, bem como a obrigação de auditoria de
informação financeira.
– Regulamento n.º 1/15, de 15 de Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Ser-
viços de Investimentos: estabelece as regras referentes ao processo de
autorização para constituição e de registo dos agentes de interme-
diação, os deveres jurídicos aplicáveis à sua actividade, a organização
destes e a respectiva supervisão e o exercício da actividade por corres-
pondentes.

310
FONTES

– Regulamento n.º 4/14, de 30 de Outubro sobre os Organismos de Investimento


Colectivo: estabelece as regras técnicas necessárias para o funciona-
mento dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC), remissão
que decorre do artigo 182.º do Decreto Legislativo Presidencial ​n.
º7/13, de 11 de Outubro, sobre o Regime Jurídico dos Organismos de
Investimento Colectivo.
– Regulamento n.º 1/14, de 31 de Janeiro, sobre os Peritos Avaliadores de Imóveis:
estabelece as condições para o exercício da actividade de peritos avalia-
dores de imóveis dos organismos de investimento colectivo, previstos
no Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo, apro-
vado pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 7/13, de 11 de Outubro.
– Instrução Nº 004 CMC-08-20, sobre a Prestação de Informação Sobre os
Organismos de Investimento Colectivo: estabelece os procedimentos ope-
racionais para o cumprimento dos deveres de informação sobre os
Organismos de Investimento Colectivo, a que estão sujeitas as Socie-
dades Gestoras de Organismos de Investimento Colectivo perante a
Comissão do Mercado de Capitais (CMC). Estabelece igualmente o
modo, o formato e a periodicidade do reporte periódico do mapa ou
ficheiro de base para a valorização dos activos e da lista dos partici-
pantes dos OIC abertos e fechados sob gestão. Revoga a Instrução n.º
004/CMC/12-18, de 13 de Dezembro.
– Instrução n.º 003 CMC-05-20, sobre as Medidas Temporárias sobre a Presta-
ção de Informação Periódica: estabelece as medidas de carácter temporá-
rio que visam flexibilizar os prazos de envio de informação periódica
à Comissão do Mercado de Capitais (CMC) pelas entidades sujeitas à
sua supervisão, em virtude da declaração do Estado de Emergência.
– Instrução n.º 001/CMC/03-2020, sobre a Contabilização do Imposto sobre o
Valor Acrescentado no Plano de Contas das Instituições Financeiras Não Ban-
cárias: estabelece os procedimentos de registo das operações activas,
passivas e de resultados relacionadas ao Imposto sobre o Valor Acres-
centado na contabilidade das Instituições Financeiras Não Bancárias
registadas na Comissão do Mercado de Capitais.
– Instrução n.º 002/CMC/03-2020, sobre a Contabilização do Imposto sobre o
Valor Acrescentado no Plano de Contas dos Organismos de Investimento Co-
lectivo e das Sociedades Gestoras: estabelece os procedimentos de registo

311
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

das operações activas, passivas e de resultados relacionadas ao Imposto


sobre o Valor Acrescentado na contabilidade dos Organismos de In-
vestimento Colectivo e das Sociedades Gestoras.
– Instrução n.º 008/CMC/12-19, sobre a Prestação de Informação sobre Con-
tratos Derivados: estabelece os procedimentos operacionais a observar
no cumprimento do dever de comunicação dos dados respeitantes
a todos os contratos de derivados que tenham sido celebrados, bem
como de qualquer eventual alteração ou cessação dos mesmos à Co-
missão do Mercado de Capitais, enquanto não existir um repositório
de transacções, por força dos n.ºs 1 e 6 do artigo 18.º do Regulamento
n.º 3/15, de 15 de Maio, sobre os Repositórios de Transacções.
– Instrução n.º 007/CMC/11-19, sobre a Prestação de Informação pelas Socieda-
des Gestoras de Mercados Regulamentados: estabelece os procedimentos
operacionais para o cumprimento do conjunto de deveres de infor-
mação a que estão sujeitas as Sociedades Gestoras de Mercados Regu-
lamentados (SGMR), no âmbito do Decreto Legislativo Presidencial
n.º 6/13, de 10 de Outubro, sobre o Regime Jurídico das SGMR, do
Regulamento n.º 2/17, de 7 de Dezembro, sobre os Mercados Regu-
lamentados e do Regulamento n.º 1/19, de 5 de Fevereiro, sobre as
Condições de Funcionamento das Sociedades Gestoras de Mercados
Regulamentados, de Câmaras de Compensação, de Sistemas Centra-
lizados e de Liquidação de Valores Mobiliários. Define o formato e o
prazo para o envio de informações relativas ao plano de acção anual e o
relatório trimestral das actividades de fiscalização do Conselho Fiscal
das SGMR. Revoga a Instrução n.º 007/CMC/08-17, de 3 de Agosto.
– Instrução n.º 006/CMC/10-19, sobre a Prestação de Informação Financeira
pelos Agentes de Intermediação: estabelece os procedimentos operacionais
para o cumprimento dos deveres de informação de natureza financeira
a que estão sujeitos os agentes de intermediação perante a Comissão
do Mercado de Capitais (CMC), no âmbito do Regulamento n.º 1/15,
de 15 de Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Serviços de In-
vestimento, bem como clarifica e actualiza os detalhes necessários do
mapa dos proveitos por linhas de negócios, para efeitos de análises e
de cálculo das receitas para a cobrança da taxa de supervisão. Revoga
a Instrução n.º 002/CMC/03-19, de 18 de Março.

312
FONTES

– Instrução nº 005 CMC-07-19, sobre a Prestação de Informação Financeira


pelas Sociedades Gestoras de Organismos de Investimento Colectivo: estabe-
lece os procedimentos operacionais para o cumprimento dos deveres
de informação a que estão sujeitas as Sociedades Gestoras de Orga-
nismos de Investimento Colectivo, no âmbito do Decreto Legislati-
vo Presidencial n.º 7/13, de 11 de Outubro, sobre o Regime Jurídico
dos Organismos de Investimento Colectivo (OIC) e do Regulamento
n.º 4/14, de 30 de Outubro, sobre os OIC, bem como, do dever de re-
porte do relatório de governação corporativa, nos termos previstos no
artigo 36.º do Regulamento n.º 1/15, de 15 de Maio, sobre os Agentes
de Intermediação e Serviços de Investimento, via Sistema Informáti-
co de Supervisão e Fiscalização da CMC (SISF). Revoga a Instrução
n.º 005/CMC/12-18, de 13 de Dezembro.
– Instrução n.º 004/CMC/06-19, sobre o Rácio de Solvabilidade das Sociedades
Gestoras de Mercados Regulamentados e de Serviços Financeiros sobre Valo-
res Mobiliários: define o rácio de solvabilidade a que estão sujeitas as
Sociedades Gestoras de Mercados Regulamentados, de Câmaras de
Compensação, de Sistemas Centralizados e de Liquidação de Valo-
res Mobiliários, assegurando o acesso às informações necessárias à
verificação do grau de solvabilidade, dos riscos em que incorrem e
do cumprimento das normas legais e regulamentares emitidas pela
Comissão do Mercado de Capitais e a qualidade e eficiência na gestão
dos mercados e sistemas sob a responsabilidade das mesmas.
– Instrução n.º 003/CMC/06-19, sobre a Prestação de Informação sobre o Con-
teúdo Mínimo do Preçário para os Investidores não Institucionais: estabelece
os procedimentos operacionais para o cumprimento dos deveres de
informação sobre o conteúdo mínimo do preçário a que estão sujeitos
os agentes de intermediação perante os investidores não institucionais
e a Comissão do Mercado de Capitais, no âmbito dos serviços e activi-
dades de investimento em valores mobiliários e instrumentos deriva-
dos, assim como o dever de divulgar o preçário ao público, nos termos
definidos no artigo 48.º do Regulamento da CMC n.º 1/15, de 15 de
Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Serviços de Investimento.
– Instrução n.º 001/CMC/02-19, sobre a Prestação de Informação pelos Emitentes
de Valores Mobiliários: estabelece os procedimentos operacionais para

313
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

o cumprimento dos deveres de informação de natureza financeira e


não financeira a que estão sujeitos os emitentes de valores mobiliá-
rios admitidos à negociação em mercado regulamentado, perante a
Comissão do Mercado de Capitais (CMC), nos termos definidos no
Código dos Valores Mobiliários, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de
Agosto e no Regulamento n.º 6/16, de 7 de Junho, sobre os Emitentes,
procedendo o reporte das informações por intermédio do Sistema
Informático de Supervisão e Fiscalização da CMC (SISF). Revoga a
Instrução n.º 011/CMC/10-17, sobre a Prestação de Informação Finan-
ceira dos Emitentes.
– Instrução n.º 004/CMC/12-18 | Prestação de Informação sobre os Organismos
de Investimento Colectivo: estabelece os procedimentos operacionais
para o cumprimento dos deveres de informação sobre os Organismos
de Investimento Colectivo (OIC) a que estão sujeitas as respectivas
Sociedades Gestoras, no âmbito do Decreto Legislativo Presidencial
n.º 7/13, de 11 de Outubro, sobre o Regime Jurídico dos OIC e do
Regulamento n.º 4/14, de 30 de Outubro, sobre os OIC, passando a
consagrar o envio à CMC dos relatórios sobre a avaliação dos bens
imóveis integrantes das carteiras de OIC Imobiliários, sendo o reporte
efectuado via Sistema Informático de Supervisão e Fiscalização (SISF)
da CMC. Revoga a Instrução n.º 008/CMC/09-17, de 5 de Setembro.
– Instrução n.º 003/CMC/12-18, sobre a Prestação de Informação sobre as
Negociações em Mercado Regulamentado: estabelece os procedimentos
operacionais para o cumprimento dos deveres de informação a que
estão sujeitas as Sociedades Gestoras de Mercados Regulamentados
(SGMR) perante a Comissão do Mercado de Capitais (CMC), relati-
vamente às operações realizadas através dos mercados por si geridos,
nos termos definidos no artigo 19.º do Regulamento n.º 2/17, de 7 de
Dezembro, sobre os Mercados Regulamentados, suprimindo a ne-
cessidade das SGMR terem acesso ao Sistema Informático de Super-
visão e Fiscalização (SISF) da CMC para envio da informação sobre
as negociações, passando doravante a enviá-las somente por correio
electrónico. Revoga a Instrução n.º 002/CMC/08-18, de 23 de Agosto.
– Instrução n.º 012/CMC/11-17, sobre o Questionário de Auto-avaliação em Ma-
téria de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais e Financiamento

314
FONTES

ao Terrorismo: obriga as instituições previstas no artigo 2.º do Regula-


mento n.º 4/16, de 2 de Junho, sobre a Prevenção do Branqueamento
de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, a preencher o Ques-
tionário de Auto-avaliação sobre a mesma matéria e estabelece os pro-
cedimentos de envio do referido questionário, anualmente, à CMC.
Revoga a Instrução n.º 03/CMC/03-17, de 10 de Março.
– Instrução n.º 010/CMC/09-17, sobre a Declaração de Origem e Destino dos
Fundos dos Clientes: obriga as instituições previstas no artigo 2.º do
Regulamento n.º 4/16, de 2 de Junho, sobre a Prevenção do Branquea-
mento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo, a exigirem aos
seus clientes o preenchimento da Declaração de Origem e Destino
dos Fundos (DODF), sempre que se verificar algum factor de risco no
âmbito do estabelecimento de uma relação de negócio ou na realização
de uma transacção ocasional.
– Instrução n.º 006/CMC/08-17, sobre a Prestação de Informação pelos Peritos
Avaliadores de Imóveis dos Organismos de Investimento Colectivo Imobiliá-
rios: estabelece os procedimentos operacionais para o cumprimento
do conjunto de deveres de informação a que estão sujeitos os Peritos
Avaliadores de Imóveis dos Organismos de Investimento Colectivo
Imobiliários, no âmbito do Regulamento n.º 1/14, de 31 de Janeiro,
sobre as mesmas entidades29.
– Instrução n.º 005/CMC/06-17, sobre a Prestação de Informação dos Auditores
Externos: estabelece os procedimentos operacionais para o cumpri-
mento do conjunto de deveres de informação a que estão sujeitos os
Auditores Externos, no âmbito do Regulamento n.º 2/15, de 15 de
Maio, sobre as mesmas entidades.
– Instrução n.º 004/CMC/06-17, sobre a Prestação de Informação pelas Enti-
dades Certificadoras de Peritos Avaliadores de Organismos de Investimento
Colectivo Imobiliários: estabelece os procedimentos operacionais para
o cumprimento do conjunto de deveres de informação a que estão
sujeitas as Entidades Certificadoras de Peritos Avaliadores de Orga-
nismos de Investimento Colectivo Imobiliários, nos termos definidos
no Regulamento n.º 1/14, de 31 de Janeiro, sobre as referidas entidades.

Revoga a Instrução n.º 02/CMC/05-16, de 17 de Maio.


29 

315
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Instrução n.º 002/CMC/03-17, sobre o Processo de Licenciamento das Entida-


des Sujeitas à Supervisão da CMC via SISF estabelece as regras relativas
ao processo de licenciamento das entidades sujeitas à supervisão da
CMC, que abrange a autorização para constituição e/ou o registo para
o início de actividade, passando a ser realizado via Sistema Informático
de Supervisão e Fiscalização (SISF) da CMC.
– Instrução n.º 001/CMC/02-17, sobre a Integração no Sistema Informático de
Supervisão e Fiscalização da CMC: estabelece as regras relativas à integra-
ção obrigatória no Sistema Informático de Supervisão e Fiscalização
(SISF) de todas as entidades supervisionadas pela CMC, nos termos
do artigo 23.º do Código dos Valores Mobiliários.
– Instrução n.º 07/CMC/08-16, sobre o Rácio de Solvabilidade das Instituições
Financeiras Não Bancárias: estabelece o rácio de solvabilidade das Ins-
tituições Financeiras Não Bancárias (IFNB’s) registadas na Comissão
do Mercado de Capitais (CMC), com vista a assegurar uma adequada
supervisão prudencial, no que respeita à definição do rácio de solva-
bilidade, dos elementos a considerar para a composição dos fundos
próprios regulamentares e dos requisitos dos fundos próprios, face
aos riscos inerentes às respectivas actividades.
– Instrução n.º 06/CMC/07-16, sobre o Congelamento de Fundos e outros Recur-
sos Económicos: estabelece as regras para o desenvolvimento e aplicação
de procedimentos para congelar os fundos e recursos económicos das
pessoas ou entidades designadas nos termos Lei n.º 1/12, de 12 de Ja-
neiro, Lei da Designação e Execução de Actos Jurídicos Internacionais.
– Instrução Nº002/CMC/08-2014, sobre a Declaração de Operações Suspeitas
(DOS): em cumprimento do disposto na Lei n.º 34/11, de 12 de Setem-
bro – Do Combate ao Branqueamento de Capitais e financiamento
ao Terrorismo que impõe às instituições financeiras não bancárias o
dever de comunicar, sempre que ocorram situações que indiciem que
teve lugar ou está em curso ou foi tentada uma operação susceptível
de estar associada ao crime de branqueamento de capitais, ou de fi-
nanciamento do terrorismo.
– Instrução Nº001/CMC/08-2014, sobre a Declaração de Identificação de Pessoas
Designadas (DIPD): em cumprimento disposto na Lei n.º 1/12 – Sobre a
designação e execução dos actos jurídicos internacionais, na sequência

316
FONTES

da Resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas n.º 1267,


que impõe aos Estados-Membros o dever de adoptar medidas que
permitam a aplicação das sanções a pessoas e entidades/organizações
designadas na Lista de Sanções do Comité de Sanções das Nações
Unidas, a Instrução cuja submissão deve ocorrer sempre que numa
relação de negócio ou numa operação se considere que corresponda
ou se suspeite corresponder à entidade, grupo ou pessoas designadas
naquela lista.

6.2. Fontes de Natureza Recomendatória:

i. Parecer Genérico – Necessidade de prévia autorização para a constituição de


empresas imobiliárias, esclarece que se determinada sociedade se de-
dica, tão-somente, “a compra e venda de bens imóveis” – sem que,
para o efeito, pretenda constituir-se por subscrição pública ou à ela
se apliquem os elementos típicos e identitários dos organismos de
investimento colectivo –, não estaremos diante do exercício de qual-
quer actividade de intermediação financeira ou de investimento em
mercado de valores mobiliários susceptível de justificar a intervenção
da Comissão de Mercado de Capitais, enquanto seu órgão regulador.
ii. Parecer Genérico – Interpretação do n.º 4 do artigo 356.º do Código de Valores
Mobiliários: esclarece que uma vez recebidas as referidas minutas dos
contratos de gestão de carteiras por conta de outrem, registo e depó-
sito de valores mobiliários e concessão de crédito para realização de
operações sobre valores mobiliários, quer em sede de registo especial
para início de actividade, quer em momento posterior, a CMC procede,
apenas, a verificação de conformidade das mesmas nos termos do que
dispõem os artigos 30.º e 357.º do CódVM, solicitando as alterações
que considere devidas, de modo a acautelar eventuais preocupações
de tutela dos investidores à luz do disposto na lei e nos regulamentos
em vigor.
iii. Guia dos Emitentes: Guia aprovado pela CMC que procura sistematizar
a informação necessária para as empresas que queiram emitir títu-
los para negociação em mercados regulamentados, e que versa, entre
outros aspectos, sobre o processo de admissão de valores mobiliários

317
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

nos mercados regulamentados, as regras aplicáveis às empresas, cujos


valores mobiliários estão admitidos à negociação em mercados regu-
lamentado, bem como sobre o roteiro padronizado do processo de
emissão de valores mobiliários.
iv. Guia Anotado de Boas Práticas de Governo Societário: Guia aprovado pela
CMC para a comunidade empresarial que reflecte uma versão ano-
tada, com orientações práticas para a boa divulgação de informação,
onde a CMC fixa um conjunto de princípios e recomendações que
estão internacionalmente estabelecidas e que conduzem a um bom
governo das sociedades, nomeadamente das sociedades que vierem a
estar cotadas nos mercados de valores mobiliários nacionais.
v. Guia de Investimento do Mercado de Valores Mobiliários Angolano para
Investidores Não Residentes.

7. As regras das entidades auto-reguladoras

A autorregulação pode ser entendida como a designação genérica de todas


as formas de conformação de práticas estabelecidas pelos próprios participan-
tes do mercado, surgindo como uma consequência da necessidade que estes
sentiram de organizar e regular a sua própria actividade.
O nosso sistema jus-mobiliário reconhece-lhe existência, ao dispor que
determinados entes privados têm competência para regular as suas próprias
actividades. É o caso das entidades gestoras dos mercados regulamentados,
dos sistemas de liquidação, de contraparte central ou de compensação e dos
sistemas centralizados de valores mobiliários que, nos termos do artigo 36.º do
CódVM e sempre dentro dos limites legais e regulamentares podem “regular
autonomamente as actividades por si geridas, devendo registar as referidas regras no
Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários”.
Esta faculdade reconhecida à estas entidades de poderem elaborar e di-
vulgar as regras necessárias ao bom funcionamento dos mercados que ge-
rem, deve pautar-se pelos princípios da transparência, não discriminação e
objectividade. No que toca as regras das entidades autorreguladoras, importa
destacar o papel importante da única entidade autorreguladora existente no
âmbito dos mercados regulamentados de valores mobiliários, que é a Bolsa de

318
FONTES

Dívida e Valores de Angola – Sociedade Gestora de Mercados Regulamenta-


dos, Sociedade Anónima (“BODIVA”). A BODIVA é uma sociedade anónima
de capitais integralmente públicos, criada ao abrigo do Decreto Presidencial
97/14, de 7 de Maio, que tem como objecto principal a gestão de mercados
regulamentados e nos termos dos seus estatutos e de toda legislação e regu-
lamentação aplicável à natureza e à sua actividade desenvolvida, deve aprovar
regras que orientam o funcionamento dos mercados regulamentados por si
geridos. Estas regras devem ser claras e não discriminatórias, e devem versar
sobre a organização geral dos mercados, a admissão, suspensão e exclusão
dos membros desses mercados, bem como a aprovação das regras relativas a
admissão de valores mobiliários (artigo 17.º do RJSGMRSFVM).
A BODIVA aprovou um conjunto de regras aplicáveis aos seus mercados,
aos seus membros bem como a todos aqueles que neles intervêm. Estes nor-
mativos, podem ser divididos em Regras, Instruções, Ofícios Circular e In-
formativos, de onde se destacam:

7.1. Regras BODIVA30

i. Regras BODIVA n.º 1/20, da Organização Geral e Funcionamento dos Merca-


dos Regulamentados. Definem o universo de Participantes nos Mercados
BODIVA (membros, emitentes, promotores de mercado e os difusores
de informação), determinado os deveres e obrigações a que estão su-
jeitos, bem como a arquitectura dos Mercados por si geridos (Mercado
de Bolsa; e o Mercado de Balcão Organizado), determinando, entre
outros aspectos, quais os membros que etsão autorizados a operar nes-
tes mercados, as sessões de negociação e os critérios para adminssão a
negociação de instrumentos financeiros nos seus mercados. É a regra
mãe de todas as regras.
ii. Regra BODIVA n.º 5/20, do Mercado de Registo de Operações sobre Valores
Mobiliários: disciplinam, especificamente, o funcionamento do Mer-
cado de Registos de Operações sobre Valores Mobiliários, abreviada-
mente (“MROV”). Nos termos do que dispõe a al. h) do artigo 2.º e
artigo 223.º do CódVM O MROV é um segmento do Mercado de Balcão

Disponíveis no site: https://www.bodiva.ao/?acao=411a53e86e0491c2baeeda594bebc0bd.


30 

319
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Organizado destinado exclusivamente ao registo de operações previa-


mente realizadas, mas não liquidadas, de quaisquer tipos de valores
mobiliários, que não estejam admitidos à negociação noutros segmen-
tos dos Mercados BODIVA. Este mercado surge em consequência da
revogação do Regime Jurídico do Mercado Regulamentado da Dívi-
da Pública Titulada, aprovado pelo Decreto Legislativo Presidencial
n.º 4/13, de 9 de Outubro, diploma que, paralelamente à LVM deu força
a criação e operacionalização do primeiro mercado regulamentado que
foi o Mercado Regulamentado da Dívida Pública Titulada31
iii. Regra BODIVA n.º 6/20, Do Mercado de Bolsa. Nos termos do que dispõe
a al. h) do artigo 2.º e artigo 223.º do CódVM, por mercado de bolsa
entendem-se os mercados regulamentados cujos requisitos mínimos
são regulados por lei e determinados pelo organismo de supervisão
do mercado de valores mobiliários. Sendo um mercado regulamen-
tado, compete a entidade gestora definir os requisitos de admissão
negociação, os critérios para adesão a qualidade de membros, as ope-
rações e ofertas, a negociação e exclusão de ordens. Estas regras vêm
precisamente, e a guisa do que determina as Regras 1/15, disciplinar
a organização e funcionamento deste segmento de mercado gerido
pela BODIVA nos termos determinados pelo CódVM e demais regu-
lamentação aplicável.
iv. Regra BODIVA n.º 4/20, da Compensação, Liquidação e de Centralização de
Valores Mobiliários: A BODIVA tem, também como objecto a gestão de
gestão de sistemas de compensação e liquidação de valores mobiliários
e restantes instrumentos financeiros, bem como a gestão de sistema
31 
Nos termos da nota preambular desta norma, o “Regime Jurídico do Mercado Regulamentado
da Dívida Pública Titulada, aprovado pelo Decreto Legislativo Presidencial n.º 4/13, de 9 de Outubro,
veio estabelecer um sistema de negociação multilateral no qual podem ser admitidos à negociação os títu-
los da dívida pública directa emitidos pela República de Angola. Com a aprovação do Código de Valores
Mobiliários (CVM), pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto, foi revogado o referido regime passando, o referido
mercado, a fazer parte dos mercados de balcão organizado. Esta revogação implicou a revogação das Regras
BODIVA N.º 2/14 – Do Mercado Regulamentado da Dívida Pública Titulada e a aprovação de um quadro
regulamentar que vise amparar o mercado de registo de operações de valores mobiliários, realizadas nos
sistemas da BODIVA, anteriormente conhecidas por Mercado de Registo de Títulos do Tesouro. Deste
modo, os tipos de mercado geridos pela BODIVA, tal como definidos no CVM, são o mercado de bolsa e o
mercado de balcão organizado, podendo estes mercados ser criados segmentos que se revelem necessários
tendo em conta a natureza dos instrumentos financeiros a negociar e as regras que vigoram nos mesmos.”

320
FONTES

centralizado de valores mobiliários. As presesntes Regras fixam os ter-


mos e condições respeitantes à organização e funcionamento dos siste-
mas de compensação, liquidação e de centralização de valores mobiliá-
rios, cujos serviços, prestados pela BODIVA, são agrupados numa marca
comercial, designada por CEVAMA®, cumprindo, deste modo como o
disposto no artigo 271.º do CódVM que determina que a organização, o
funcionamento e os procedimentos operacionais relativos a cada sistema
de liquidação constam das regras aprovadas pela entidade gestora.
v. Regra BODIVA n.º 3/2020, Código Deontológico: Impende sobre a BODI-
VA o dever de , assegurar a regularidade de funcionamento, a trans-
parência, a credibilidade e asegurança dos mercados regulamentados
por si geridos, observando e promovendo a observação de rigorosos e
elevados padrões de ética, integridade e profissionalismo. Nos termos
do artigo 34.º do Regime Jurídico das SGMRSFVM compete a BODI-
VA elaborar e aprovar um Código Deontológico ao qual ficam sujei-
tos: (i) os titulares dos seus órgãos sociais; (ii) os seus trabalhadores;
(iii) os membros dos mercados por si geridos; e (iv) quaisquer entidades
que intervenham nos mercados por si geridos ou que tenham acesso
às instalações desses mercados ou sistemas geridos pela sociedade,
quanto aos deveres relacionados com essa intervenção ou acesso. Neste
sentido, as presentes regras aprovam o Código de Conduta que visa
estabelecer os princípios de actuação e as normas de ética econduta
profissional no exercício da actividade profissional dos titulares dos
órgãos sociais da BODIVA, seus colaboradores, membros e quaisquer
entidades que intervenham nos mercados por si geridos.
vi. Regra BODIVA n.º 4/18, DO MERCADO DE OPERAÇÕES DE REPOR-
TE: visa disciplinar o funcionamento e a organização do Mercado de
Operações de Reporte gerido pela BODIVA, nos termos determinados
pelo Código dos Valores Mobiliários e demais regulamentação aplicável.

7.2. Instruções BODIVA

Estes normativos têm um carácter mais instrutivo e destinam-se a orien-


tar os seus membros no cumprimento de um determinado procedimento
estabelecido pela gestora.

321
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Entre as instruções vigentes, cumpre indicar as seguintes:

– Instrução BODIVA Nº 1/20 – Leilão de Privatizações: estabelece os pro-


cedimentos para a realização de operações de leilão de privatizações,
destinados à alienação de lotes indivisíveis de acções de empresas do
sector empresarial público.
– Instrução BODIVA n.º 2/2020, Da Integração de Valores Mobiliários: es-
tabelece os procedimentos para a integração de valores mobiliários
no sistema centralizado gerido pela BODIVA sob a marca comercial
CEVAMA
– Instrução BODIVA n.º 2/19, Calendário e Horário de Funcionamento dos
Mercados BODIVA 2020: define os períodos de funcionamento, bem
como, o respectivo calendário dos Mercados BODIVA
– Instrução BODIVA n.º 2/18, Da Admissão Dos Membros: orienta os candi-
datos à qualidade de membro BODIVA, no que respeita às exigências
para sua admissão em mercado BODIVA, sublinhando-se, como regra
essencial da presente Instrução, o princípio segundo o qual a admissão
à negociação em mercado BODIVA depende da verificação de todas
as condições aqui identificadas
– Instrução BODIVA n.º 2/17, da Admissão de Valores Mobiliários ao Mercado de
Bolsa: define a Admissão de Valores Mobiliários ao Mercado de Bolsa.
– Instrução BODIVA n.º 1/16, do Manual de Utilizador Simer Negociação: defi-
ne os procedimentos de utilização do SIMER Negociação TWS pelos
Técnicos de negociação dos Membros de negociação BODIVA.
– Instrução BODIVA n.º 2/16, da Ficha Técnica de Valores Mobiliários: define
o conteúdo mínimo obrigatório que deve constar na Ficha Técnica de
emissão de valores mobiliários admitidos a negociação nos mercados
BODIVA.
– Instrução BODIVA n.º 3/16, da Custódia de Dívida Pública Representada por
Valores Mobiliários: visa disciplinar os procedimentos de subcustódia de
dívida pública representada por valores mobiliários junto da Central
de valores mobiliários.
– Instrução BODIVA n.º 2/15, do Cancelamento de Ordens e Anulação de Negó-
cios: visa instruir os membros BODIVA relativamente ao regime apli-
cável ao cancelamento de ordens e respectiva anulação de negócios.

322
FONTES

– Instrução BODIVA n.º 3/15, dos Efeitos dos Eventos: visa instruir sobre o
regime aplicável aos eventos societários, nomeadamente, as obrigações
do Emitente, relativas ao resgate de juros, dividendos, resultantes dos
activos por ele emitidos.
– Instrução BODIVA n.º 6/15, do Manual de Utilizador de Membro de
Liquidação: define os procedimentos de utilização do SIMER Custódia pelos
Técnicos de Processamento de Operações dos Membros de Liquidação BODIVA.

8. Doutrina

Apesar de recente a implementação do mercado de valores mobiliários,


tem sido já evidente a produção doutrinária nacional no que respeita aos te-
mas que circundam o direito de valores mobiliários32. Tal produção tem sido,
em grande medida desenvolvida através da elaboração e publicação de teses
e monografias de mestrado na matéria, de onde se destacam as seguintes:

– Cauxairo, Zangui Teófilo, O Regime das Acções e do Capital Social nas


Sociedades Abertas de Direito de Angola, dissertação de mestrado, Faculdade
de Direito da Universidade Católica, Porto, 2012.
– Costa, Luciana Gomes da, O Regime Unificado da Imputação de Direitos
de Voto no CVM, dissertação de mestrado, ISCTE, Lisboa, 2016.
– Júlio, António Ercílio Gomes, Mercado de Capitais em Angola: Impactos
da Criação da Bolsa de Valores para as Empresas e Famílias, dissertação de
mestrado em contabilidade e fiscalidade Universidade lusófona de humanidades
e tecnologias. Lisboa, 2016.
– Manuel, Leonildo, Responsabilidade do Emitente pelo Conteúdo do Prospecto
– A importância da informação no mercado de valores mobiliários. Luanda:
Where Angola, 2018.
– Manuel, Leonildo, Mecanismos de Protecção dos Investidores no Mercado
de Valores Mobiliários – Breves Notas à Luz do Direito Angolano, Luanda:
1.ª Edição, 2018.

Complemente-se ainda com o elenco de obras doutrinárias em direito do sistema financeiro


32 

apresentado no Capítulo 1 da presente obra.

323
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Manuel, Leonildo, Os títulos de participação: tentativa de reforçar a posição


do Estado empresário ou ofuscar as privatizações? (em co-autoria com Wilson
Agostinho) In Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários N.º
11: Rio de Janeiro: Almedina, 2020.
– Manuel, Leonildo, Os títulos do tesouro do mercado financeiro angolano
(co-autoria com Sofia Vale) in Direito dos Valores Mobiliários e dos Mercados
de Capitais – Angola, Brasil e Portugal, (Coordenação de A.Barreto Menezes
Cordeiro e Francisco Satiro), Coimbra: Almedina, 2019.
– Manuel, Leonildo, A importância da informação no mercado de valores mo-
biliários no direito angolano, in Revista dos Tribunais. São Paulo, n.º 997, nov.
2018.
– Manuel, Leonildo, Nótulas sobre a Responsabilidade do Emitente pelo Con-
teúdo do Prospecto. In Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobi-
liários N.º 7: Rio de Janeiro: Almedina, 2018.
– Manuel, Leonildo, O Exercício do Poder de Regulação no Mercado de Valores
Mobiliários como Mecanismos de Protecção dos Investidores, In: AB INSTAN-
TIA – Revista do Instituto do Conhecimento AB, Ano V., n.º 7, Almedina,
Ricardo Costa (Coord.), 2017: 73-111.
– Manuel, Leonildo, A Privatização de empresas via mercado de acções: que de-
safios. In: Revista de Direito Comercial, Pedro Pais Leitão Vasconcelos (Coord.),
2018:762-788. Disponível em: https://www.revistadedireitocomercial.com/
privatizacao-de-empresa-via-mercado-de-accoes-que-desafios.
– Nteka, Eduardo Álvaro Calangui, A Importância do Mercado de Capitais
para o Desenvolvimento da Economia Angolana, tese de mestrado em Contabi-
lidade, Fiscalidade e Finanças Empresariais, no Instituto Superior de Economia
e Gestão, Lisboa, 2011.
– Pereira, Eugénia Chela Pontes, O Sistema Financeiro Angolano, Análise
Descritiva, tese de mestrado em Gestão Financeira no Instituto Superior de
Gestão, Lisboa, 2015.
– Santo, Isabel Regina do Espírito, Os Fundos de Investimento e os Problemas
da Lei Cambial para o Mercado de Capitais Angolano, dissertação de mestrado,
Faculdade de Direito da Universidade Católica, Lisboa, 2009.
– Vale, Sofia, A governação de sociedades em Angola em Paulo Câmara (coord.),
A Governação de Sociedades Anónimas nos Sistemas Jurídicos Lusófonos, 2014,
33-79.

324
FONTES

– Vale, Sofia, A Governação de Bancos em Angola, em Paulo Câmara (coord.),


A Governação de Bancos nos Sistemas Jurídicos Lusófonos, 2016, 321-343.
– Vale, Sofia, As Empresas no Direito Angolano. Lições de Direito Comercial,
Luanda, 2015.
– Vale, Sofia e Mualeia, Fernanda, Guia Prático de Direito Comercial, Luan-
da, 2016.
– Vale, Sofia, A Construção do Mercado de Capitais Em Angola, Luanda, 2014.
– Victor, Ana Regina Silva Correia, Os Tipos de Valores Mobiliários à luz do
Direito Angolano, dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da Universi-
dade Católica, Porto, 2011.

Estes estudos permitem revelar uma nova geração de especialistas no mer-


cado de valores mobiliários, que terá certamente uma função central na futura
evolução das fontes de direito Angolano dos valores mobiliários.

325
CAPÍTULO 12
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO
DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

Mário Gavião

1. A competência regulamentar da Comissão do Mercado de Capitais


(CMC)

O sistema financeiro, nos termos da Constituição da República de Angola


(CRA), é organizado de forma a garantir a formação, a captação, a capitalização, a
segurança das poupanças, assim como a mobilização e aplicação dos recursos financeiros
necessários ao desenvolvimento económico e social (Cfr. n.º 1 do artigo 99.º da Cons-
tituição). Tratando-se, compreensivamente, de uma definição em sentido lato,
a abordagem, que se pretende introdutória, centrar-se-á, exclusivamente, no
substrato regulatório ligado à competência regulatória material e institucional
que suporta a acção da CMC.
Não obstante, e numa vertente mais ampla, podemos afirmar que, de forma
consistente, fundamentalmente nos últimos tempos, assistimos à construção
e à afirmação do Direito Mobiliário1 que, em si mesmo, procura dar resposta
às diferentes vicissitudes que vão ocorrendo no seu perímetro.
Voltando à regulação do mercado de valores mobiliários, esta enquadra-
-se num amplo quadro regulatório, estratificado no conjunto de atribuições

1 
Quer por meio de Leis de competência da Assembleia Nacional (Lei de Bases das Institui-
ções Financeiras e o Código dos Valores Mobiliários) quer por meio de Decretos Legislativos
Presidenciais (Entre outros, o Regime Jurídico das Sociedades Corretoras e Distribuidoras
de Valores Mobiliários e o Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo).

327
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e competências constitucionalmente consagradas e seguidas pela legislação


ordinária.
Ora o acompanhamento regulatório destas vicissitudes, via de regra fruto
da sua própria dinâmica, não encontra resposta eficiente e eficaz das entidades
constitucionalmente “vocacionadas” para o exercício do poder regulatório,
designadamente, o Presidente da República2. Isto por um lado. Por outro lado,
é hoje pacífico o entendimento que a regulação dos mercados financeiros
deve seguir um paradigma de independência, assente na perspectiva de que
a informação é, fundamentalmente, um bem público e cuja disponibilização,
acesso e conteúdo deve ser o mais isento e transparente possível.3
Sendo assim, seria necessário que, independentemente da perspectiva
política, o órgão de soberania encarregue de acompanhar as vicissitudes do
mercado de valores mobiliários agisse, do ponto de vista regulatório e da
supervisão, com a isenção esperada por todos os agentes de mercado. Como
sabemos, o equilíbrio entre as perspectivas política e técnica é de difícil al-
cance, dentro de um órgão que atende a uma multiplicidade de funções do
Estado e a interesses próprios ligados às ideologias das famílias políticas re-
presentadas, como é o caso do Presidente da República.
Por outro lado, conforme refere Paulo Câmara, é pacificamente reconheci-
da a insuficiência das fontes legislativas, em sentido formal, para a adequada
regulação dos mercados e dos agentes. Os motivos avançados pelo autor re-
pousam na acelerada dinâmica dos instrumentos financeiros, a exigir alguma adap-
tabilidade dos instrumentos normativos; na necessidade por vezes sentida, de encetar
intervenções com carácter de urgência; e na conveniência em redigir preceitos com algum
detalhe, que se apresentam desajustados aos textos legislativos4.
Assumindo as dificuldades do paradigma a seguir, os órgãos de soberania,
Presidente da República e Assembleia Nacional, quer através do Decreto Pre-
sidencial n.º 54/13, de 6 de Junho, que aprova o Estatuto Orgânico da CMC
quer através da Lei n.º 12/15, de 17 de Junho – Lei de Bases das Instituições
Financeiras (LBIF) e do Código dos Valores Mobiliários (CdVM), aprovado

2 
Nos termos da alínea l) do artigo 120.º da Constituição da República de Angola, compete
ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo, elaborar regulamentos
necessários à boa execução das leis.
3 
Carlos Costa Pina, Instituições e Mercados Financeiros, cit., pág.110 e ss, Almedina 2005.
4 
Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, cit., pág. 252, Almedina 2009.

328
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto, atribuíram directamente à Comissão do


Mercado de Capitais, entidade criada com o objectivo de seguir determinados
fins específicos do Estado, ligados umbilicalmente aos valores mobiliários,
o poder de regular e supervisionar o mercado de valores mobiliários.
Todavia, não deixa de ser problemático, apesar de expressa e legalmente
admitido pelos órgãos de soberania, designadamente, o Presidente da Re-
pública e Assembleia Nacional, conciliar a atribuição do poder regulatório,
com os princípios estruturantes do nosso sistema democrático, bem como as
competências regulatórias vertidas na CRA5.
O debate teórico a respeito do tema confronta duas posições diametral-
mente antagónicas, no que respeita às competências regulatórias da CMC.

– A primeira defende que estaríamos perante uma delegação de poderes,


contrária à nova CRA, porquanto, o poder regulamentar é reconheci-
do, embora genericamente, pela CRA ao Presidente da República (Cfr.,
alínea l) do artigo 120.º da CRA) e, por conseguinte, o exercício desta
competência por entidade não habilitada constitucionalmente seria,
inevitavelmente, sancionada com a Inconstitucionalidade Orgânica;
– A segunda defende o oposto, assegurando que não estaríamos perante
uma delegação de poderes, mas sim perante uma devolução de poderes,
perfeitamente admitida pelos princípios gerais do direito e sufraga-
da pela CRA. A este propósito refere Diogo Freitas do Amaral que
“Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa colectiva
de fins múltiplos, podem ser mantidos por lei no elenco das atribuições da en-
tidade a que pertencem ou podem, diferentemente, ser transferidos para uma
pessoa colectiva pública de fins singulares, especialmente incumbida de assegu-
rar a sua prossecução (instituto público, empresa pública). Para este autor,
“a expressão «devolução de poderes» também é usada para designar o movimento
de transferência de atribuições do Estado para outra entidade”, concluindo
que, “os poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colec-
tiva criada para o efeito”. Estamos perante a descentralização institucional
(Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo 3.ª Edição
Vol. I – pág. 895 e ss. Almedina)

Cfr. alínea l) do artigo 120.º da Constituição da República de Angola.


5 

329
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Pela nossa parte, aliando a questão jurídica à ordem social, não podía-
mos deixar de seguir o segundo entendimento. Aliás só assim seria coerente
com uma visão virada para o acompanhamento eficiente, independente e
transparente do mercado de valores mobiliários. Consideramos, pois, que os
regulamentos da CMC são complementares, constituindo um conjunto de
regras técnicas, destinadas ao bom funcionamento do mercado de valores
mobiliários (sublinhe-se aqui, exclusivamente, do mercado de valores mobi-
liários, uma vez que será este o fim específico que norteia a descentralização
institucional, por via do Estatuto Orgânico da CMC, da LBIF e do CdVM).
A este propósito, seguimos o entendimento de Luís S. Cabral de Moncada,
(Cfr. Lei e Regulamento, Coimbra Editora, pág. 1086 e ss.), quando refere que “a
questão dos regulamentos dos entes públicos menores … é mais complexa do que parece.”.
“É líquido que a competência regulamentar daquelas entidades, quando exista, não sendo
criada (ou reconhecida) pela Constituição, deve ser criada pelo legislador. Não é, neste
sentido, originária. Daí decorre que o regulamento emitido nestas circunstâncias não
é, em rigor, independente, pois sempre manterá uma ligação, ténue embora, à lei, que,
no mínimo, definirá a competência objectiva e subjectiva para a respectiva emissão.”.
É justamente a situação jurídica regulatória actual da CMC, uma vez não
instituído o regime jurídico das entidades administrativas independentes6.
Apesar de a Constituição de 2010 não reconhecer expressamente compe-
tência regulamentar à CMC, a lei tratou de o fazer. Daí considerarmos que os
regulamentos emitidos pela CMC não são, em rigor, independentes7, uma vez
que a sua aprovação tem na génese uma devolução de poderes efectivada pelo
Titular do Poder Executivo, por Decreto Presidencial, e pela Assembleia Na-
cional, por meio de uma lei habilitante (que decorrem de propostas de Lei do
Titular do Poder Executivo), que define a competência objectiva e subjectiva.
Conforme vimos, por força da alínea l) do artigo 120.º da CRA, o Titu-
lar do Poder Executivo é competente para a elaboração dos regulamentos

6 
Nos termos do n.º 3 do artigo 199.º da CRA.
7 
Segundo Diogo Freitas do Amaral, os regulamentos independentes ou autónomos “são, dife-
rentemente, aqueles regulamentos que os órgãos administrativos elaboram no exercício da sua competência,
para assegurar a realização das suas atribuições específicas, sem cuidar de desenvolver ou complementar
nenhuma lei em especial”, acrescentando ainda que “exige-se para a validade de qualquer regulamento
independente, que eles indiquem expressamente a lei ou leis que atribuam competência (subjectiva e objec-
tiva) para a emissão do regulamento, ou seja as leis de habilitação” (Cfr. Diogo Freitas do Amaral,
Direito Administrativo Volume III, Lisboa 1989, págs. 20 e 22).

330
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

necessários à boa execução das leis, sendo que ope legis (designadamente por
força da LBIF8 e o CódVM) dá-se uma transferência do poder regulatório, por
um lado, e, por outro, por força do Estatuto Orgânico da CMC, efectiva-se
uma “devolução de poderes” à CMC.
Nesta senda, o n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto Orgânico da CMC, aprovado
pelo Decreto Presidencial n.º 54/13, de 6 de Junho, confere genericamente
à CMC as atribuições de “… regular … o mercado de capitais e das actividades que
envolvam todos os agentes que nele intervenham …”, concretizando-a na alínea c)
do artigo 19.º, firmando que ao Conselho de Administração da CMC caberá
aprovar os regulamentos disciplinadores do mercado de valores mobiliários. Por certo,
será pacífico o entendimento segundo o qual, não será em sede de Estatuto
Orgânico que se daria tratamento, em concreto, do âmbito e extensão objecti-
va e subjectiva das matérias objecto de desenvolvimento regulatório, restando
este enquadramento à lei.
Coerente com a sistematização seguida pelo Estatuto Orgânico da CMC, o
n.º 3 do artigo 8.º da LBIF, vem determinar, em termos genéricos, que “compete
ao Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários9 regular o exercício das
actividades das instituições financeiras não bancárias enunciadas no n.º 3 do artigo 7.º,
bem como os produtos e os serviços e actividades de investimento em valores mobiliários e
derivados por quaisquer outras instituições financeiras”. A determinação em concre-
to das matérias a serem tratadas em sede regulatória pela CMC, em coerência
com o que vimos defendendo, vão sendo fixadas ao longo do diploma10.
Por fim, o CdVM segue o mesmo paradigma, reconhecendo, primeiro,
genericamente, e, de seguida, em inúmeras disposições legais a competência
regulatória específica à CMC.
Vejamos em primeiro lugar a competência genérica.
O Título II, dedicado à supervisão e regulação, estabelece, logo no arti-
go 17.º, alíneas a) e b), duas atribuições fundamentais: a primeira relativa à

8 
Tendo em conta o sistema de governo vigente em Angola, é discutível que esta transferência
de poderes possa ser operada por lei. Não caberá aqui tratar deste tema, que nos parece de
certa forma controvertido.
9 

10 
A título de exemplo, o artigo 105.º, sobre a definição do capital social mínimo, o artigo 120.º,
sobre supervisão, e todas as outras disposições remissivas que, por força da técnica legislati-
va utilizada neste diploma, mandam aplicar, com as necessárias adaptações, às instituições
financeiras não bancárias o previsto para as instituições financeiras bancárias.

331
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

supervisão, destacando a sua amplitude e a segunda relativa à regulação, esta


com particular interesse para o nosso estudo.
Estabelece o CdVM, na alínea b) do artigo 17.º, que são atribuições do “Or-
ganismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários além de outras constantes do
seu Estatuto Orgânico: A regulação do mercado de valores mobiliários e instrumentos
derivados, das ofertas públicas relativas a valores mobiliários, das actividades exerci-
das pelas entidades sujeitas à sua supervisão e de outras matérias previstas no presen-
te Código e em legislação complementar.”. Estabelece, por outro lado, o n.º 1 do
artigo 33.º do CdVM, ainda no Título II, Capítulo III, que o Organismo de
Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários11 elabora regulamentos sobre
as matérias integradas nas suas atribuições, devendo, nos termos do n.º 2,
observar os princípios da legalidade, da necessidade, da clareza e publicidade.
Tal como na LBIF, o CdVM contém inúmeras outras disposições legais
mais específicas que concretizam a competência regulatória mais genérica,
onde se destacam o n.º 2 do artigo 62.º, sobre o registo do emitente e agente
de intermediação, o artigo 64.º, sobre os sistemas centralizados de valores mo-
biliários, o artigo 159.º sobre a regulação das ofertas públicas e o artigo 353.º,
sobre os serviços e actividades de investimento, sendo que, em todas estas
matérias, a lei confere, por norma habilitante, o poder regulatório à CMC.
Como podemos perceber, o sistema jus-mobiliário angolano está alicerçado
em dois diplomas legais estruturantes, designadamente a Lei de Bases das
Instituições Financeiras e o Código dos Valores Mobiliários, sem prejuízo de,
como veremos mais a adiante, outros diplomas avulsos preverem e regularem
outras matérias e instituições participantes do sistema de distribuição de
valores mobiliários.
O primeiro diploma, e outros avulsos, dão-nos a noção exacta da importân-
cia das instituições financeiras12 e outros operadores do mercado de valores

11 
O Organismo de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários em Angola é a Comissão
do Mercado de Capitais (CMC).
12 
Não se quer com isso dizer que o Código dos Valores Mobiliários não observa, também
ele, laivos desta dimensão subjectiva, uma vez que há um conjunto de instituições que con-
tribuem para a dinâmica do mercado de valores mobiliários e que se encontram sob tutela do
Código. Todavia, muito menos marcante do que está patente na Lei de Bases das Instituições
Financeiras. Na verdade, é na Lei de Bases das Instituições Financeiras que encontramos o
elenco de instituições financeiras que operam com agentes de intermediação, bem como o
seu processo de licenciamento.

332
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

mobiliários. Já o segundo refere, para além de aspectos ligados às instituições


(em particular as qualificadas como agentes de intermediação, pelo seu papel
fundamental) a dinâmica, os produtos e serviços desenvolvidos por estas e
outras instituições no mercado de valores mobiliários.
Assim sendo, competência regulatória da CMC, no quadro destes dois
diplomas, permitem distinguir duas dimensões regulatórias, que embora dis-
tintas se complementam e entreligam: i. a dimensão institucional (ou subjectiva);
e ii. a dimensão material (ou objectiva).
As duas dimensões apresentadas, que serviriam apenas para, do ponto
de vista teórico, melhor sistematizar o espaço de intervenção regulatório da
CMC, fundam-se irremediavelmente na necessidade de tornar o mercado
de valores mobiliários mais seguro e transparente, garantindo a segurança
jurídica e a legítima segurança de todos os operadores.

2. Dimensão regulatória institucional: breves notas

Centrar-nos-emos, por agora, na dimensão regulatória institucional. Na práti-


ca, encurtando o caminho, estamos tão só na presença de poderes regulatórios
atribuídos à CMC, para criação das regras técnicas necessárias ao licencia-
mento e acompanhamento eficiente e eficaz das instituições financeiras não
bancárias ligadas ao mercado de capitais, das instituições financeiras bancá-
rias13, das sociedades gestoras de organismos de investimento colectivo14, das
sociedades gestoras de mercados regulamentados e de serviços financeiros
sobre valores mobiliários, dos emitentes de valores mobiliários, dos consulto-
res para investimento e analistas financeiros, dos investidores institucionais,
das sociedades de notação de risco, dos auditores, dos peritos avaliadores de
imóveis, dos organismos de investimento colectivo, etc.

13 
Em termos especiais, em respeito às limitações vertidas na LBIF. Na verdade, por desenvol-
verem serviços e actividades de investimento em valores mobiliários, tal como as instituições
financeiras não bancárias, ligadas ao mercado de valores mobiliários, são consideradas pelo
CdVM como agentes de intermediação.
14 
Sendo que, cremos que por lapso legislativo, as sociedades gestoras de organismos de
investimento colectivo se encontram de fora do leque de instituições financeiras definidas
no n.º 3 do artigo 7.º da LBIF.

333
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Note-se ainda que, no caso da LBIF15, a opção legislativa assentou na de-


finição política de um modelo de regulação e supervisão institucional, em
que releva, por força do seu artigo 1.º, o processo de estabelecimento, o exercício, a
supervisão, o processo de intervenção e o regime sancionatório das instituições financei-
ras. Tais processos estão a coberto da acção reguladora das três entidades de
supervisão do sistema financeiro: a CMC, o Banco Nacional de Angola (BNA)
e a Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG).
Voltando à questão que nos ocupa, a LBIF procura definir no n.º 12 do ar-
tigo 2.º o que se deve entender por instituições financeiras, considerando como
tal, as empresas … que exerçam actividade como instituições financeiras bancárias e não
bancárias, nos termos da referida Lei. O n.º 14 do mesmo artigo fixa o conceito
de instituições financeiras não bancárias …, considerando que seriam empresas
que não sejam instituições financeiras bancárias, cuja actividade principal consiste em
exercer uma ou mais das actividades referidas nas alíneas b) a g). i), j), k), l), m), e o),
do n.º 1 do artigo 6.º, da mesma lei.
Procura-se definir instituições financeiras não bancárias segundo dois
critérios: o primeiro, por exclusão daquelas que são bancárias, isto é, a institui-
ções financeiras não bancárias são aquelas que não são bancárias; e o segundo,
pelo enunciado das actividades que estas podem desenvolver.
O CdVM vem, de certo modo, concretizar o link entre as instituições fi-
nanceiras e os serviços e actividades de investimento em valores mobiliários,
por força do n.º 1 do artigo 317.º do CdVM. Refere a referida norma que só os
agentes de intermediação podem exercer, a título profissional, serviços e actividades de
investimento em valores mobiliários, sendo que, nos termos da alínea a) do artigo
2.º do mesmo diploma, são considerados agentes de intermediação as instituições
financeiras que estejam autorizadas a exercer um ou mais serviços e actividades de in-
vestimento em valores mobiliários e que se encontram registadas na CMC.
A qualificação como agente de intermediação pressupõe assim dois re-
quisitos: i. ser uma instituição financeira; ii. estar licenciado pela CMC para serviços
de investimento em valores mobiliários e derivados.
Com o suporte que nos é dado pelas referidas disposições normativas,
as instituições financeiras, de uma maneira geral, incluindo claro está as
bancárias, desde que o seu objecto legal permita e desde que devidamente

Para o caso das instituições financeiras.


15 

334
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

autorizadas e registadas pela CMC, para a realização de serviços e activida-


des de investimento em valores mobiliários, como agentes de intermediação,
passam a estar no perímetro de supervisão e regulação da CMC.
A LBIF vai no mesmo sentido, principalmente no que concerne às institui-
ções financeiras bancárias, quando prevê no leque de actividades permitidas, os
serviços e actividades de investimento em valores mobiliários16, sendo que, por
força do n.º 2, in fine, do artigo 6.º, estarão sempre sujeitas à regulação da CMC.
Por outro lado, para além das instituições financeiras bancárias sujeitas
ao poder regulatório da CMC, enquanto agentes de intermediação, a mesma
lei estende a regulação da CMC às sociedades corretoras e distribuidoras de
valores mobiliários, às sociedades de investimento, às sociedades gestoras de
patrimónios e outras que sejam como tal qualificadas por lei17.
Por fim, importará ainda destacar que fazem também parte da dimen-
são regulatória institucional da CMC, as sociedades gestoras de mercados
regulamentados e as sociedades gestoras de serviços financeiros sobre valo-
res mobiliários (nos termos previstos no artigo 28.º do Decreto Legislativo
Presidencial n.º 6/13, de 10 de Outubro), os auditores externos registados na
CMC, nos termos previstos no artigo 8.º do CdVM, as sociedades de notação
de risco, nos termos previstos no artigo 12.º do CdVM, os emitentes de valo-
res mobiliários, nos termos previstos no artigo 151.º do CdVM, as sociedades
gestoras de organismos de investimento colectivo e os peritos avaliadores
de imóveis dos organismos de investimento colectivo, nos termos previstos,
respectivamente, nos artigos 53.º e 78.º do Decreto Legislativo Presidencial
n.º 7/13, de 11 de Outubro, os analistas e consultores de investimento, nos
termos previstos no artigo 327.º do CdVM, entre outros.
O CdVM estabelece ainda, no n.º 1 do artigo 353.º, o conjunto de matérias a
serem reguladas pela CMC, no âmbito da dimensão regulatória institucional,
designadamente:

– O processo de registo dos serviços e actividades de investimento;


– A comunicação ao Organismo de Supervisão do Mercado de Valores
Mobiliários;

16 
Cfr. alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º da LBIF.
17 
Cfr. as alíneas a) a e) do n.º 3 do artigo 7.º da LBIF.

335
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

– Os requisitos relativos aos meios humanos, materiais e técnicos exigi-


dos para a prestação de cada uma das actividades de intermediação;
– O registo das operações e prestação de informações;
– A abertura, movimentação, utilização e controlo das contas de depó-
sito do dinheiro;
– Os deveres mínimos em matéria de conservação de registos e
documentos;
– As medidas de organização a adoptar pelo agente de intermediação;
– As funções que devem ser objecto de segregação;
– Os termos do procedimento de tratamento de reclamações de
investidores;
– A salvaguarda de bens dos clientes, incluindo a conservação e manu-
tenção de registos e contas;
– Os deveres dos agentes de intermediação no que respeita à
subcontratação;
– Os termos da política em matéria de conflito de interesses;
– A informação no âmbito dos deveres de informação a investidores;
– A informação para efeitos da avaliação do carácter adequado da
operação;
– As políticas e procedimentos internos dos agentes de intermediação;
– O conteúdo do relatório a elaborar pelo auditor, etc18.

Como vimos, dentro do quadro regulatório institucional, cabe, ainda, à


CMC a regulação dos auditores externos e da actividade por estes exercida
no mercado de valores mobiliários. O CdVM, sobre a matéria, começa por
tornar obrigatório a existência de um relatório ou parecer do auditor externo,
registado na CMC, sobre a informação financeira contida em documento de
prestação de contas anuais, em estudo de viabilidade, em prospectos, ou em
outros documentos que devem ser submetidos à CMC, divulgados no âmbito
de pedido de admissão à negociação em mercado regulamentado, ou respei-
tem a organismos de investimento colectivo19.

18 
Há um conjunto de outras matérias previstas no artigo 353.º, bem como outras previstas
em diplomas avulso.
19 
Cfr. n.º 1 do artigo 8.º do CdVM.

336
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

Caberá à CMC, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 11.º do CdVM,


regular, em especial, o processo de registo, os requisitos relativos aos meios
humanos, materiais e financeiros, os deveres de conduta e as as regras relativas
aos conflitos de interesses.
Relativamente à actividade de notação de risco, o CdVM estabelece a obri-
gatoriedade de ser realizada por sociedade cujo objecto inclua a emissão de
notações de risco e que estejam registadas na CMC. Obviamente estamos
perante situações em que a notação é exigida por lei ou regulamento20. De-
termina, ainda, a lei que as sociedades de notação de risco devem assegurar
as condições humanas, materiais e financeiras que garantam a idoneidade,
independência e competência técnica.
É assim que a CMC deve, por força do n.º 5 do artigo 12.º, regular o processo
de registo, os meios humanos, materiais e financeiros e os deveres de conduta
para o exercício da actividade. À CMC é ainda conferida a competência para
regular o reconhecimento de notações de risco emitidas por entidades não
registadas, nos termos previstos na alínea a) do n.º 6 do artigo 12.º do CdVM.
As entidades gestoras de mercados regulamentados e infraestruturas de
mercado21, entidades sujeitas à supervisão da CMC, nos termos previstos na
alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do CdVM, encontram-se igualmente sujeitas
à regulação da CMC. Determina o n.º 1 do artigo 235.º do CdVM, que a CMC
deve elaborar a regulamentação necessária sobre o processo de registo das
entidades gestoras; as regras prudências a que estão sujeitas, as informações
a prestar à CMC; a divulgação das comissões praticadas; a comunicação de
operações sobre valores mobiliários admitidos à negociação em mercado re-
gulamentado que sejam realizadas fora de mercado; os limites à assunção de
20 
Cfr. o n.º 1 do artigo 12.º do CdVM.
21 
Entidades gestoras de sistemas de liquidação, de câmara de compensação ou contraparte
central de sistemas centralizados de valores mobiliários. Repare-se que, nos ter do n.º 1 do
artigo 1.ºdo Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13, de 10 de Outubro, as entidades ges-
toras de infraestruturas de mercado são designadas como entidades ou sociedades gestoras
de serviços financeiros sobre valores mobiliários. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, são
consideradas sociedades gestoras de serviços financeiros sobre valores mobiliários, as so-
ciedades gestoras de câmara de compensação ou que actuem como contraparte central, as
sociedades gestoras de sistema de liquidação e as sociedades gestoras de sistema centralizado
de valores mobiliários. Uma vez que o CdVM entrou em vigor em data posterior, tomamos
como referência a designação avançada pelo referido diploma, que trata estas entidades como
gestoras de infraestruturas de mercado.

337
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

responsabilidade pelas entidades gestoras; e a organização dos sistemas de


informação acessíveis ao público22.
Por outro lado, é necessário ter em conta que o regime jurídico das enti-
dades gestoras de mercados regulamentados e infraestruturas de mercado
vem desenvolvido no Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13, de 10 de Ou-
tubro, onde se encontram definidas, entre outras matérias, o seu objecto, a
constituição e funcionamento.
Antes de avançarmos, convém alertar que o CdVM reconhece às entidades
gestoras de mercados regulamentados e infraestruturas de mercado o poder
de auto-regulação, nos limites da lei e da regulamentação, das actividades
por si geridas, sendo que as regras emitidas devem ser registadas na CMC23.
Voltando às competências regulatórias conferidas à CMC, relativamente às
entidades gestoras de mercados regulamentados e infraestruturas de merca-
do, a mesma é reconhecida à CMC por um conjunto de normas que proliferam
no Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13, de 10 de Outubro. É assim que o
n.º 1 do artigo 7.º reconhece à CMC a faculdade de fixar o capital social míni-
mo, os termos, prazos e condições do registo, a constituição da reserva legal,
os fundos próprios, os limites para a constituição de provisões, as coberturas
de responsabilidades perante terceiros e a definição do conteúdo dos planos
contabilísticos das sociedades gestoras de mercados regulamentados24, regras
enquadradas no escopo prudencial e de organização.
Relativamente às contrapartes centrais, em especial, a CMC regula a dis-
pensa da caução ou margens e outras garantias, o exercício da compensação e
da função de contraparte central, os meios técnicos, matérias, bem como a ges-
tão de risco e as regras prudenciais relativas ao controlo do risco financeiro25.
No escopo regulatório institucional, cabe ainda espaço para tratar de uma
das figuras centrais do mercado de valores mobiliários. Referimo-nos aos emi-
tentes de valores mobiliários, cuja disciplina legal de base é desenvolvida no
Título IV do CdVM. Este último começa por tratar das sociedades emitentes26,

22 
Cfr. alíneas a) a d), f) e h) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 235.º do CdVM.
23 
Cfr. o n.º 1 do artigo 36.º do CdVM.
24 
Cfr. os n.ºs 3 e 4 do artigo 38.º do CdVM.
25 
Cfr. artigo 50.º do CdVM.
26 
Não será objecto de estudo os critérios de qualificação, uma vez que no propusemos tratar
apenas do conteúdo e alcance do poder regulatório da CMC.

338
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

no Capítulo I, atribuindo o poder de a CMC, por regulamento, poder sujeitar


outras sociedades e outros emitentes ao regime previsto para as sociedades
abertas, tendo em conta dispersão dos valores mobiliários emitidos27.
Relativamente aos deveres de comunicação de aquisição de participações
qualificadas, constantes do artigo 119.º do CdVM, estabelece o n.º 1 do artigo
126.º do CdVM que, por regulamento, a CMC pode estabelecer a não aplicação
dos referidos deveres, quando as participações resultarem de operações de
compensação e de liquidação no âmbito de um ciclo curto, ou quando resul-
tarem de participação de agentes de intermediação, actuando como criador
de mercado, sempre que atinjam, ultrapassem ou se tornem inferiores a 5%
dos direitos de voto, e desde que não intervenha na gestão do emitente em
causa, nem o influencie a adquirir essas acções ou apoiar o seu preço.
No que respeita as acções integrantes de organismos de investimento co-
lectivo e dos fundos de pensões ou de carteiras, pode a CMC, por meio de
regulamento, estabelecer derrogações à imputação dos direitos de voto28, nos
termos previstos no n.º 2 do artigo 126.º do CdVM.
O poder regulatório da CMC estende-se também à participação nas
Assembleias Gerais, pois, nos termos do n.º 5 do artigo 130.º do CdVM, a CMC
regula os procedimentos relativos à comunicação de intenção de participa-
ção nas referidas reuniões, bem como as comunicações entre os agentes de
intermediação e o Presidente da Mesa da Assembleia Geral. O CdVM prevê,
também, que os litígios entre a sociedade aberta e os seus accionistas e titu-
lares de valores mobiliários em geral, bem como entre a sociedade aberta e
os membros dos órgãos de administração, fiscalização e o auditor possam ser
dirimidos por meio de arbitragem, e que a CMC, por regulamento, estabeleça
as directrizes para a sua efectivação e ainda sobre a eficácia das decisões e as
alterações estatutárias, conforme o previsto no n.º 2 do seu artigo 131.º.
No que respeita à administração e fiscalização, a CMC pode ainda deter-
minar, por regulamento, que as sociedades abertas e os emitentes de valores
mobiliários admitidos à negociação, de determinada dimensão, devem manter
um serviço de auditoria interna ou de controlo independente, nos termos

27 
O artigo 115.º do CdVM, na sua parte final, permite-nos concluir que existirão outros
elementos a ter em conta, para que a CMC exerça esse poder, que não só a dispersão.
28 
Sobre a imputação dos direitos de voto vide artigo 122.º do CdVM.

339
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

constantes do n.º 2 do artigo 135.º do CdVM. Acresce, ainda, a competência de


a CMC regular os termos em que se assegura a independência dos membros
independentes do órgão de fiscalização, por força dos n.ºs 2 e 4 do artigo 137.º
do CdVM, bem como do auditor externo, nos termos prescritos no n.º 5 do
artigo 139.º do CdVM.
Os emitentes empresas públicas estão, igualmente, sujeitos ao poder regu-
latório da CMC, podendo esta, por regulamento, determinar, com as neces-
sárias adaptações, a aplicação às mesmas, as regras relativas aos negócios com
titulares de participação qualificada, os sistemas de controlo interno, os órgãos
de administração, a composição do órgão de fiscalização, e o auditor externo29.
É também regulada pela CMC, nos termos estabelecidos pelo artigo 144.º
do CdVM, a prestação de informação trimestral pelos emitentes com valores
mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados.
Por fim, estabelece o CdVM, que compete à CMC regular o teor da in-
formação anual sobre o governo das sociedades; a forma e prazo de envio ou
divulgação da informação, bem como o prazo durante o qual a mesma deve
ser mantida à disposição do público; o conteúdo e o prazo de divulgação da
informação trimestral; os termos e condições em que é comunicada e tornada
acessível a informação relativa às transacções efectuadas por dirigentes, ou
pessoas a estes relacionadas, sobre acções de emitente com valores mobiliários
admitidos à negociação em mercado regulamentado, entre outras.

3. Dimensão Regulatória Material: breves notas

Vejamos agora o que se encontra reservado à dimensão material. Primeira-


mente, e numa primeira perspectiva, conseguimos retirar que a acção regula-
tória da CMC desenvolve-se também seguindo a lógica das linhas de negócios,
que gravitam em torno dos serviços e actividades de investimento em valores
mobiliários e instrumentos derivados, cuja sede se encontra no artigo 316.º
do CdVM, de onde destacamos30:

29 
Cfr. o n.º 5 do artigo 140.º do CdVM.
30 
Haverá seguramente outras realidades tratadas no CdVM, como seja a auditoria, a gestão
de mercados regulamentados etc. Todavia, não serão tratadas neste pequeno ensaio que se
pretende mais objectivo.

340
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

– A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem;


– A execução de ordens por conta de outrem;
– A gestão de carteiras por conta de outrem;
– A consultoria para investimento;
– A tomada firme e a colocação com ou sem garantia em oferta pública;
– A assistência em oferta pública relativa a valores mobiliários;
– A negociação por conta própria;
– O registo e o depósito de valores mobiliários, guarda e gestão de
tesouraria;
– A concessão de crédito e empréstimo para operações sobre valores
mobiliários;
– A consultoria sobre a estrutura de capital, a fusão e a aquisição de
empresas;
– Os serviços de câmbios e o aluguer de cofres-fortes, destinados aos
serviços de investimento.

Este conjunto de serviços e actividades de investimento constituem linhas


de negócios a que o conjunto de instituições financeiras podem aceder31, no
todo ou em parte, bastando para tanto a permissão legal e a autorização e/ou o
registo (ou licenciamento32) da actividade junto à CMC, nos termos definidos
no artigo 321.º do CdVM. Chamamos aqui a atenção para o facto de, segundo
o artigo 321.º, apenas ser relevante para efeitos de licenciamento, o exercício
profissional daqueles serviços.
As linhas de negócio desenvolvidas em concreto, por cada um dos agentes
de intermediação, são definidas em função das actividades registadas na CMC,
podendo variar, a todo o momento, a pedido do interessado, e na sequência da
análise, pela CMC, das condições para o exercício da actividade. Determina,
assim a alínea b) do n.º 1 do artigo 323.º do CdVM, que o registo dos agentes de
intermediação contém cada um dos serviços e actividades de investimento em valores
mobiliários e instrumentos derivados que o agente de intermediação exercer.

Enquanto agentes de intermediação.


31 

32 
Preferimos designar por licenciamento por ser mais amplo, podendo aí incluir tanto a
autorização como o registo.

341
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Como podemos verificar, ao contrário da LBIF, que fixa a sua disciplina


jurídica nos sujeitos, ou dimensão regulatória institucional, o CdVM vai para
além desta dimensão regulatória, passando e aprofundando, até certo ponto,
a dimensão regulatória material, fixando a sua atenção às actividades que
gravitam em torno do mercado de valores mobiliários entre elas dispensando
alguma atenção às linhas de negócio desenvolvidas pelos agentes de inter-
mediação. Há aqui, portanto, uma diferença assinalável entre a dimensão
institucional, que aponta para a autorização, registo e vicissitudes a que es-
tão sujeitas as entidades sob supervisão da CMC, e a dimensão material que
nos leva de forma efectiva para as linhas de negócio, ou actividades, a que os
agentes de intermediação33 se poderão candidatar.
Os serviços e actividades de investimento34 são depois cristalizados nos
contratos de intermediação financeira35, que ligam o agente de intermediação
ao investidor, em particular os não institucionais. Entramos, assim, no campo
da relação jurídica entre o agente de intermediação e o investidor, em que
a segurança jurídica é mantida por elementos ligados a forma escrita e ao
conteúdo mínimo do contrato, assente na salvaguarda dos interesses da parte
supostamente menos informada na relação jurídica a constituir36
Compete assim à CMC, na esfera do seu poder regulatório, regular os
critérios de execução de ordem, o conteúdo e avaliação da política de exe-
cução, a informação aos investidores não institucionais sobre a política de
execução de ordens e a transmissão para a execução nas melhores condi-
ções, conforme o estabelecido no n.º 1 do artigo 386.º do CdVM. À CMC
é ainda conferida a competência para regular as operações de fomento de
mercado e a sua divulgação ao mercado, bem como os empréstimos de valores
mobiliários e o conteúdo da informação a ser comunicada à mesma, pelos
agentes de intermediação autorizados a actuar por conta própria, sobre os

33 
No sentido mais amplo que a definição constante da alínea a) do artigo 2.º do CdVM
pretende alcançar.
34 
Não caberá aqui fazer uma análise crítica a cada um dos serviços, mas tão-somente pro-
curar um traço distintivo, que nos permita isolar a regulação da instituição e a regulação dos
serviços e actividades de investimento.
35 
Contratos ligados a recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; execução de
ordens por conta de outrem; gestão de carteiras por conta de outrem, etc.
36 
Cfr. artigos 356.º e 357.º do CdVM.

342
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

activos por si detidos37, nos termos previstos nos n.ºs 2, 3 4 do artigo 386.º
do CdVM.
Caberá ainda na perspectiva regulatória material, a regulação dos valores
mobiliários. Aqui, sem pretender aprofundar o tema, iremos apenas fazer
uma incursão superficial sobre os valores mobiliários previstos no CdVM,
designadamente sobre o conceito e tipos aí consagrados, dispensando algum
tempo às competências regulatórias da CMC.
O CdVM começa por fazer uma enumeração exemplificativa, dos valores
mobiliários, ao estabelecer na alínea q) do artigo 2.º que são valores mobi-
liários as i. acções; ii. as obrigações; iii. as unidades de participação em organismos de
investimento colectivo; iv. os direitos destacados das acções, obrigações e das unidades
de participação, desde que o direito destacável abranja toda a emissão ou série ou esteja
previsto no acto de emissão. Concretiza a definição, no ponto v., considerando
ainda como valores mobiliários, outros documentos representativos de situações
jurídicas homogéneas, desde que sejam suseptíveis de transacção em mercado38.
Desde logo, por força do n.º 2 do artigo 46.º do CdVM, pode a CMC es-
tabelecer, por regulamento, as regras relativas à capacidade para a emissão
de valores mobiliários. Trata-se de uma faculdade atribuída ao Organismo
de Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários de, fazendo um juízo de
necessidade, poder lançar mão daquela faculdade.
Cabe ainda à CMC, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 63.º do CdVM,
regular o registo dos valores mobiliários escriturais, quando não integrados
em sistema centralizado e sejam ao portador, os valores mobiliários emitidos
conjuntamente por mais de uma entidade e as unidades de participação em
organismos de investimento colectivo.39 Já a competência para regular o re-
gisto no emitente e em agente de intermediação, está sob responsabilidade
do Ministro das Finanças, por Decreto Executivo40, ouvida a CMC, conforme
o previsto no n.º 1 do artigo 63.º do CdVM.

37 
Cfr. o artigo385.º do CdVM.
38 
Não iremos problematizar a definição perfilhada pelo CdVM, apenas pretendemos fazer
uma breve incursão sore o poder regulatório da CMC sobre os valores mobiliários previstos
no CdVM.
39 
Cfr. n.º 1 do artigo 67.º do CdVM.
40 
Trata-se de uma norma bastante controversa, a luz do sistema de governo angolano, uma
vez que, nos termos da alínea l) do artigo 120.º da CRA, compete ao Presidente da República.

343
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Encontram igualmente espaço na dimensão regulatória material, as ofer-


tas públicas de valores mobiliários. O CdVM define-as como sendo dirigidas,
no todo ou em parte, a destinatários indeterminados, sendo que a indeterminação dos
destinatários não é prejudicada pela circunstância de a oferta se realizar através de
múltiplas comunicações padronizadas, ainda que endereçadas a destinatários indivi-
dualmente indeterminados41. Consideram-se ainda públicas, as ofertas dirigidas
à generalidade de accionistas de sociedades abertas, as ofertas precedidas
ou acompanhadas de prospecção ou recolha de intenções de investimento
junto de destinatários indeterminados ou de promoção publicitária e, ainda,
a oferta dirigida a, pelo menos, 150 pessoas que sejam investidores não insti-
tucionais com residência ou estabelecimento em Angola, conforme estabelece
o artigo 154.º do CdVM.
É, também, atribuída à CMC a competência regulatória para regular sobre
a quantidade mínima de valores mobiliários objecto da oferta, o local da divul-
gação do resultado da oferta, sobre a recolha de intenções de investimento, os
requisitos a que devem obedecer os valores mobiliários que integram a con-
trapartida da oferta pública de aquisição e, ainda, os deveres de informação42.
A dimensão regulatória material estende-se também às ofertas particula-
res. Considera o CdVM, no n.º 1 do artigo 155.º, que são ofertas particulares as
ofertas que não sejam ofertas públicas, por exclusão de partes. Acrescenta, ainda,
que devem ser tidas como particulares as ofertas relativas a valores mobiliários
dirigidas apenas a investidores institucionais e as ofertas de subscrição dirigidas por
sociedades com o capital fechado ao investimento do público, à generalidade dos seus
accionistas, fora daquelas situações em que seja precedida ou acompanhada de pros-
pecção ou recolha de intenções de investimento junto de destinatários indeterminados
ou de publicidade43.
Caberá, assim, à CMC regular se as ofertas particulares ficam sujeitas às
regras sobre as ofertas públicas, relativamente aos documentos representativos
de situações jurídicas homogéneas, ainda que susceptíveis de transacção em
mercado, excepto quando sejam realizadas por agentes de intermediação
relativamente a valores mobiliários por si emitidos e ainda se as mesmas ficam

41 
Cfr. alínea j) do artigo 2.º do CdVM.
42 
Cfr. artigo 159.º do CdVM.
43 
Cfr. n.º 2 do artigo 155.º do CdVM.

344
NOTAS SOBRE A REGULAÇÃO DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS EM ANGOLA

sujeitas aos deveres de informação, conforme estabelece o n.º 4 do artigo


155.º do CdVM.
Por fim, os mercados regulamentados, naquilo que diz respeito ao seu
funcionamento, têm, igualmente, espaço na dimensão regulatória material44.
Como podemos verificar, os mercados regulamentados em Angola são inte-
grados pelos mercados de bolsa e de balcão organizados, conforme estabelece
o artigo 222.º do CdVM. Em termos gerais, caberá à CMC criar as regras
relativas à execução e eficácia das decisões e às alterações estatutárias, sobre
litígios resolvidos por arbitragem, entre os emitentes, os respectivos mem-
bros do órgão de administração e de fiscalização, os investidores, os agen-
tes de intermediação e a entidade gestora, nos termos previstos no n.º 7 do
artigo 223.º do CdVM.
A regulação inclui, ainda, a suspensão e exclusão de valores mobiliários e
instrumentos derivados da negociação; os requisitos de admissão à negociação
de valores mobiliários e instrumentos derivados e respectivo processo, bem
como critérios de dispensa de prospecto, as regras para cada tipo de opera-
ção em bolsa, regras sobre ofertas; as regras sobre os termos da constituição,
controlo e execução extrajudicial das cauções a prestar em operações a prazo;
e as divulgações obrigatórias no boletim do mercado45. Em especial, o CdVM
atribui à CMC o poder de regular as operações previamente realizadas em
mercado de balcão organizada, conforme estabelece o n.º 4 do artigo 258.º
do CdVM.

4. Conclusões

O enquadramento regulatório da CMC tem por base uma devolução de


poderes operada essencialmente pelo seu Estatuto Orgânico, aprovado pelo
Decreto Presidencial n.º 54/13, de 6 de Junho, através do qual o são atribuídos
poderes genéricos à CMC para regular o mercado de valores mobiliários.

44 
Apesar de existirem normas sobre as entidades gestoras de mercados regulamentados,
ligadas à dimensão institucional. A título de exemplo, como vimos anteriormente, as alíneas
a) a d), f) e h) do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 235.º do CdVM.
45 
Cfr. alínea e) do n.º 1 e alíneas a), c), d), e) e f) do n.º 2 do artigo 235.º do CdVM.

345
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Através de dois diplomas estruturantes do sistema financeiro angolano,


designadamente a Lei de Bases das Instituições Financeiras e do Código
dos Valores Mobiliários, são atribuídos um conjunto de poderes específicos
à CMC para regular as instituições financeiras não bancárias ligadas ao mer-
cado de valores mobiliários, os agentes de intermediação e demais entidades
participantes no sistema de distribuição de valores mobiliários, bem como os
serviços e actividades de investimento, os produtos transacionados, as ofertas
públicas e os mercados regulamentados.
Deste conjunto de poderes regulatórios específicos foi possível agrupar
e distinguir duas dimensões regulatórias, a institucional e a material, que
nos permitirão melhor orientar e criar a necessária objectividade na função
regulatória do organismo regulador.

346
CAPÍTULO 13
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

Ana Regina Vitor

Sumário: 1. Introdução. 2. Origem e evolução. 3. Conceito de valores


mobiliários. 4. Elementos gerais. 5. Os tipos legais. 6. Acções. 6.1. Forma de
representação e registo. 6.2. Transmissão, oneração, execução e extinção.
7. Obrigações. 7.1. Estrutura e modalidades. 7.2. Emissão e subscrição. 8. Uni-
dades de participação. 9. Direitos destacáveis.

1. Introdução
O mercado de valores mobiliários é um segmento do mercado financeiro
onde é efectuado o encontro entre a procura e a oferta de valores mobiliários,
representando, deste modo, uma fonte de financiamento alternativa de médio
e longo prazo. Em Angola, a implementação do mercado de valores mobi-
liários é relativamente recente. Em 2005, como consequência do Programa
de Modernização das Finanças Públicas 2002-2004, que criava as premissas
para a necessidade de regulação e desenvolvimento do mercado de capitais,
ainda exíguo, na altura, foi aprovada em 2005 a Lei dos Valores Mobiliários
que representou um passo importante, na implementação e regulação do
mercado de valores mobiliários, tendo em conta o estádio de desenvolvimento
da economia nacional.
Diante do cenário muito dominado pelo financiamento bancário, esta lei
possibilitou a criação de novos instrumentos financeiros que possibilitariam
as empresas contar com outras opções de financiamento. Dez anos após a
aprovação da LVM, o Executivo angolano reformulou o quadro regulamentar

347
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

do mercado de valores mobiliários, aprovando um novo quadro legislativo,


ajustado às orientações constantes dos Objectivos e Princípios para a regulação
de valores mobiliários estabelecidos pela IOSCO1.
Esta reformulação veio a culminar com a aprovação do Código de Va-
lores Mobiliários, que delimitou, de forma clara, o perímetro de regulação
do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados, o regime da
actividade dos agentes de intermediação no mercado de valores mobiliários
e instrumentos derivados, bem como estabelecer o regime sancionatório,
penal e transgressional, representando uma viragem significativa na regu-
lação do mercado dos valores mobiliários, não só pela forma adoptada como
pela introdução de um conjunto de figuras novas ao ordenamento jurídico
angolano, até então desconhecidas.
É com o Cód.VM que se estabelece as principais diferenças entre mercados
regulamentados e mercados não regulamentados, que se tipifica os tipos de
mercados regulamentados que existem, e se estabelece o regime aplicável
aos valores mobiliários, aos emitentes, às ofertas públicas, aos prospectos,
aos serviços e actividades de investimento e o regime sancionatório, penal
e transgressional, atribuindo à CMC, enquanto organismo de supervisão do
mercado de valores mobiliários extensos poderes no âmbito da supervisão e
regulação do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados.

2. Origem e evolução

A matriz histórica dos valores mobiliários está intimamente ligada ao sur-


gimento dos títulos de crédito, apesar do percurso histórico destes últimos não
ser coincidente nas diversas ordens jurídicas mundiais, como por exemplo
Alemanha, Itália, França e Estados Unidos de América2. Apesar da grande

1 
No âmbito dos Objectivos e Princípios para a regulação de valores mobiliários estabelecidos pela
IOSCO, a regulação do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados deve as-
sumir como objectivos centrais a protecção dos investidores, o assegurar da eficiência, do
funcionamento regular e da transparência do mercado de valores mobiliários e instrumentos
derivados, a prevenção do risco sistémico e a promoção do desenvolvimento do mercado de
valores mobiliários e instrumentos derivados.
2 
A doutrina italiana dividia os títulos de crédito em títulos de crédito propriamen-
te ditos, títulos de crédito que servem para a aquisição de direito real, títulos de crédito

348
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

proximidade entre as duas figuras e da inegável contribuição da teoria dos


títulos de crédito ao surgimento dos valores mobiliários, estas duas figuras
não se confundem3.
A introdução deste instrumento na tradição jurídica nacional surge com
a normatização do mercado de capitais e a regulação da bolsa4. Contudo,
a sua génese está umbilicalmente ligada a implementação de um conjun-
to de medidas que levaram a reformulação do sistema bancário nacional5.

atributivos da qualidade de sócio e títulos de crédito que dão direito à prestação de serviço. Ary
Oswaldo Mattos Filho, “O conceito de valor mobiliário”. Rev. adm.empres. vol.25. São Paulo Apr./
June 1985. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901985000200003. O direito francês subdi-
vidiu a categoria italiana dos títulos de crédito em dois grandes subgrupos – a saber, a dos
effets de commerce e a dos valeurs mobilières, ambas pertencentes ao grupo maior dos titres négo-
ciables. O direito norte americano desconhece a teorização geral de títulos de crédito. Nos
EUA, a complexidade do conceito de valor mobiliário evoluiu de acordo com a sofisticação
do mercado. Sobre o tema, vide mais em CÂMARA, Paulo, Manual de Direito dos Valores
Mobiliários, 2ª Edição, págs. 109-117. Almedina, 2009. Ary Oswaldo Mattos Filho, “O conceito
de valor mobiliário”. Rev. adm. empres. vol.25 no.2 São Paulo Apr./June 1985. http://dx.doi.
org/10.1590/S0034-75901985000200003.
3 
Tanto os valores mobiliários como os títulos de crédito são documentos vocacionados para
representação de posições jurídicas, com um regime circulatório fluído, são juridicamente
considerados como coisas, na acepção do artigo 202.º do CC, contudo não são figuras idên-
ticas, uma vez que apresentam traços distintivos tais como a fungibilidade e a possibilidade
de emissão em massa dos valores mobiliários. Vide mais em CÂMARA, Paulo, “Manual de
Direito dos Valores Mobiliários”, 92, Almedina, 2009.
4 
Falar da introdução dos valores mobiliários na ordem jurídica nacional, implica fazer uma
pequena incursão ao surgimento desta figura no orgenamento jurídico português. A aprovação
do Código Commercial Portuguez, de Ferreira Borges em 1833, foi um marco neste processo,
na medida em que o referido diploma fez o enquadramento jurídico da actividade comercial
em geral, e das figuras “praça de commercio” ou “bolça” bem como estabeleceu as regras de
funcionamento das bolsas. Seguiu-se a aprovação do Código Comercial Português de Veiga
Beirão, aprovado em 1888, e o Regulamento das Bolsas de 1889, que deram um impulso
decisivo na criação das Bolsas de Valores, construindo o enquadramento regulamentar que
previa a existência de segmentos nas bolsas para se negociarem valores mobiliários. O Código
Comercial Português de Veiga Beirão, actualmente em vigor em Angola continha “uma grande
diversidade terminológica com significados jurídicos distintos, todos reconduzíveis à categoria de títulos
de crédito”. Em 1901 é aprovado o Regimento do Ofício do Corretor, que prevê a existência
de uma categoria de Corretores dedicados em exclusivo à intermediação dos negócios com
valores e o Regulamento de Bolsa, que admite, pela primeira vez, a especificidade jurídica
do mercado de valores mobiliários.
5 
Na fase que vai de 1976 à 1994 foram implementadas um conjunto de medidas que tinham
como objectivo principal redimensionar o sector empresarial do Estado, facto que levou a
no sentido de tornar mais eficiente a organização e gestão económica do país. Nesta fase

349
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

Nesta conformidade, uma das primeiras evidências, pós-independência, da


institucionalização dos valores mobiliários surge com a aprovação da Lei
n.º 5/91, de 20 de Abril – Lei das Instituições Financeiras que veio regular
o processo de estabelecimento, exercício de actividade, supervisão e o sa-
neamento das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras (art. 1.º
LIF/91).
Nos termos da LIF/91 os bancos podiam participar em emissões e coloca-
ções de valores mobiliários e prestar serviços correlativos, bem como efectuar
consultoria, guarda, administração e gestão de carteira de valores mobiliários,
competindo ao BNA, enquanto órgão licenciador e supervisor do sistema
financeiro, a definição dos termos e condições para realização das referidas
operações, bem como autorizar a constituição das sociedades que pudessem
exercer estas actividades (arts. 2.º alínea b), 4.º, 91.º LIF/91)6.
Após aprovação da LIF/91, o sistema financeiro angolano foi registando
uma gradual transformação estrutural associada ao surgimento de novos
produtos e instituições. Tal transformação prendeu-se com as alterações
políticas e económicas em curso no País o que levou a reforma do quadro
jurídico do sistema, tendo sido aprovada a nova Lei das Instituições Financei-
ras, pela Lei n.º 1/99 de 23 de Abril (LIF/99). No âmbito da nova LIF/99, os
bancos, a semelhança do que previa a LIF/91, podiam participar em emissões
e colocações de valores mobiliários e prestar serviços correlativos, bem como

reconheceu-se a necessidade de reformulação dos métodos de direcção económica, tendo sido


tomadas medidas que levaram a substituição, embora tímida, da regulação administrativa da
economia baseada na planificação, pela regulação, através dos mecanismos de uma economia
de mercado. Nesta fase dá-se uma “sucessão de avanços, hesitações e recuos em matéria de reformu-
lação do sistema económico, traduzidos na elaboração de diversos programas económicos apresentados
como reformadores: o Programa de Saneamento Económico e Financeiro (SEF) de 1987, o Programa de
Recuperação Económica (PRE) de 1989 e o Programa de Acção do Governo (PAG) de 1990”. Manuel
Ennes Ferreira, in Nacionalização e confisco do capital português na indústria transformadora
de Angola (1975-1990). Análise Social, vol. XXXVII (162), 2002, 47- 90. Curso de Educação
Política 78/79. Documentos do 1º Congresso, elaborado pelo Departamento de Educação
Política e Ideológica do Comité Central do MPLA-PT. Pág. 25, 115, Luanda, 1979.
6 
Nos termos do artigo 62.º do Decreto-lei 45296, de 8 de Outubro, revogado pela LIF/91
era permitido aos bancos comerciais nas províncias ultramarinas tomar firme a emissão de
acções e obrigações de outras instituições de crédito ou de empresas de qualquer natureza a
fim de serem colocadas mediante subscrição pública nas mesmas províncias.

350
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

efectuar consultoria, guarda, administração e gestão de carteira de valores


mobiliários.
Num quadro de aumento das transacções nos mercados financeiros na-
cionais e internacionais, sofisticação dos produtos financeiros foi aprovada a
Lei n.º 5/05 de 29 de Julho – Lei do Sistema de Pagamentos de Angola, que
tinha por objecto regular a gestão, o funcionamento e o controlo e acompa-
nhamento do sistema de pagamentos para o cumprimento dos objectivos de
interesse público, onde o legislador ensaiou a primeira definição de valores
mobiliários com sendo todos os “títulos — acções, contratos ou quaisquer outros
papéis negociados no mercado financeiro” (art. 2.º, alínea w) LSP).
De 2005 a 2015 foram implementadas uma série de medidas de reestrutu-
ração do sistema financeiro angolano que passaram pela introdução, regulação
e desenvolvimento do mercado de capitais, tendo sido aprovada a LVM que
apresentava uma definição alargada de valor mobiliário “as acções, debêntures,
títulos de participação, quotas em instituição de investimento colectivo e direitos a subs-
crição de todos eles, ou outros emitidos em forma massiva e livremente negociáveis que
conferem aos seus titulares direitos creditícios, patrimoniais, ou direitos de participação
no capital, património ou benefícios do emissor (art. 3.º, alínea dd) LVM).
Dez anos depois, foi aprovado o Código de Valores Mobiliários, aprovado
pela Lei n.º 22/ 15, de 31 de Agosto fruto do crescimento do mercado de valores
mobiliários nacional, quer na vertente dos produtos criados, quer na vertente
dos seus operadores, que delimitou de forma clara, o perímetro de regulação
do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados, o regime da
actividade dos agentes de intermediação no mercado de valores mobiliários
e instrumentos derivados, bem como estabelecer o regime sancionatório,
penal e transgressional, representando uma viragem significativa na regu-
lação do mercado dos valores mobiliários, não só pela forma adoptada como
pela introdução de um conjunto de figuras novas ao ordenamento jurídico
angolano, até então desconhecidas.

3. Conceito de valores mobiliários

O conceito de valor mobiliário, apesar da sua reconhecida importância, é


um conceito regularmente utilizado com sentidos diferentes, de modo que,

351
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

a determinação do seu conteúdo, representa uma questão que deve ser solu-
cionada, atendendo aos dados que cada sistema jurídico oferece7. No cenário
actual, grande parte das ordens jurídicas optam por perfilhar conceitos de-
masiado alargados, no sentido de evitar a definições que venham a ser ultra-
passadas pelas práticas dos mercados8.

7 
“…não auxiliam na depuração do conceito, por razões substancialmente diferentes. A um tempo quer o
direito inglês quer o direito federal norte americano, para escapar a abordagens definitórias que venham
a ser ultrapassadas pelas práticas dos mercados, perfilham um conceito deliberadamente muito amplo,
que tem sido considerado excessivamente alargado, do que designam respectivamente como investiments
(ou investiment securities) e securities. Por arrastamento disso ressentem os textos de Direito internacional
mobiliário à data existente. (…). Por outro lado, cometendo vicio diferente, o direito comunitário mostra
muitas hesitações ao longo das múltiplas directivas que se referem aos valores mobiliários, não sendo estável
quanto a fixação de um conceito de valor mobiliário”. Vide mais em CÂMARA, Paulo, “Manual de
Direito dos Valores Mobiliários”, 92, Almedina, 2009.
8 
Em termos de direito comparado, podemos verificar que o legislador norte-americano
não dá uma definição de valor mobiliário, elencando apenas os instrumentos que podem ser
enquadrados como tal. A definição oficial de 1933 é de que o termo securities “…means any note,
stock, treasury stock, security future, bond, debenture, certificate of interest or participation in any profit-
-sharing agreement or in any oil, gas, or other mineral royalty or lease, any collateral-trust certificate,
preorganization certificate or subscription, transferable share, investment contract, voting-trust certificate,
certificate of deposit for a security, any put, call, straddle, option, or privilege on any security, certificate
of deposit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value thereof),
or any put, call, straddle, option, or privilege entered into on a national securities exchange relating to
foreign currency, or in general, any instrument commonly known as a “security”; or any certificate of
interest or participation in, temporary or interim certificate for, receipt for, or warrant or right to subscribe
to or purchase, any of the foregoing; but shall not include currency or any note, draft, bill of exchange, or
banker’s acceptance which has a maturity at the time of issuance of not exceeding nine months, exclusive
of days of grace, or any renewal thereof the maturity of which is likewise limited”. Section 3-Definitions
and Application. Securities Exchange Act of 1934. Segundo VERA HELENA DE MELLO
FRANCO e RACHEL SZTAJN são elementos da definição de securtities, tendo em conta um
pronunciamento exarado pela Suprema Corte norte-americana sobre a matéria: 1) qualquer
negócio jurídico que implique a transferência, por parte do investidor, de dinheiro ou bem
para um investimento comum; 2) os recursos (bens. dinheiro ou trabalho) investidos devem
ser obtidos junto ao público; 3) a promessa de benefícios futuros (não necessariamente lucros)
como resultado de um empreendimento comum; 4) a possibilidade de perder o investimento
inicialmente feito (risk test). A ideia de security implica sempre a colocação de um capital que
corre risco; 5) a não participação do investidor na gestão do empreendimento reduzindo-o a
uma posição passiva, como simples prestador de capital, sendo esta passividade o que justifica
a protecção legal e 6) a ideia de um empreendimento em comum, ligando a pluralidade dos
investidores ao lançador. MELLO FRANCO, Vera H., e SZTAJN, Rachel, Manual de Direito
Comercial, Vol. 2, cit. p. 93. Revista dos Tribunais, 2005.

352
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

O Cód.VM define, como sendo valores mobiliários «(i) as acções; (ii) as


obrigações; (iii) as unidades de participação em organismos de investimento colectivo;
(iv) os direitos destacados dos valores mobiliários referidos nas alíneas (i) a (iii), desde
que o destaque abranja toda a emissão ou série ou esteja previsto no acto de emissão;
(v) outros documentos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam
susceptíveis de transmissão em mercado (art. 2.º, alínea q) Cód.VM).
Desta definição retira-se que, tal como as restantes ordens jurídicas e pelas
mesmas razões, o legislador angolano não apresenta uma definição concre-
ta de valores mobiliários, tipificando os instrumentos considerados como
valores mobiliários e os requisitos que devem ser necessariamente obser-
vados, para a construção de um conceito material e qualificação dos valores
mobiliários9,designadamente: “…outros documentos representativos de situações
jurídicas homogéneas, desde que sejam susceptíveis de transmissão em mercado”10.

4. Elementos gerais

Em termos doutrinais e atendendo ao que dispõe o art. 2.º, alínea q) Cód.


VM, os valores mobiliários caracterizam-se pelos seguintes elementos: repre-
sentatividade, a homogeneidade, a fungibilidade e a negociabilidade.
Os valores mobiliários são, deste modo, documentos11 representativos, na medi-
da em que implicam necessariamente a adopção de uma forma de representação

9 
Há uma forte influência do modelo português, visto ter sido este o modelo inspirador para
a elaboração do próprio Cód.VM. O legislador português, de acordo com o disposto no art.
1.º do Cód.VM, define como valores mobiliários, além de outros que a lei como tal qualifique:
a) as acções; b) as obrigações; c) os títulos de participação; d) as unidades de participação em instituições
de investimento colectivo; e) os warrants autónomos; f) os direitos destacados dos valores mobiliários
referidos nas alíneas a) a d), desde que o destaque abranja toda a emissão ou série ou esteja previsto no
acto de emissão; g) outros documentos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam
susceptíveis de transmissão em mercado.
10 
O Código acolheu o princípio de atipicidade (numerus apertus) de valores mobiliários
(artigo 2.º n.º 2 q) Cód.VM) admitindo, como válida, a emissão de valores mobiliários que
não encontrem, ainda, consagração legislativa.
11 
Definidos nos termos do artigo 362.º do Código Civil como “…qualquer objecto elaborado pelo
homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Convém destacar que com a
evolução dos meios informáticos, o documento pode consistir num documento em papel ou num documento
elaborado mediante processamento electrónico de dados.

353
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

que pode ser forma de escritural (registos em conta – valores mobiliários es-
criturais) ou titulada (documentos em papel – títulos)12 (art. 50.º Cód.VM).
Importa realçar que não releva para definição de valores mobiliários a
simples representação de pessoas ou factos. O valor mobiliário é antes uma
representação de direitos13, ou seja, de situações jurídicas, sejam elas activas,
passivas, ou de outra natureza14. Estas situações jurídicas vêm previstas no
art. 59.º, n.º 2 Cód.VM, ao determinar que “são direitos inerentes aos valores
mobiliários, além de outros que resultem do regime jurídico de cada tipo:
a) os dividendos, os juros e outros rendimentos; b) os direitos de voto; e c) os direitos à
subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo”.
Estes documentos que incorporam quaisquer situações jurídicas devem
ser emitidos de forma massificada e apresentar um conjunto de características
comuns que conferem aos seus titulares direitos idênticos. Nisto consiste
a homogeneidade: “os valores mobiliários que sejam emitidos pela mesma entidade e

12 
Segundo ANTUNES, José “a forma representativa constitui pressuposto da própria existência
de um valor mobiliário, de tal modo que não se pode falar em valor mobiliário a respeito de direitos ou
outras posições jurídicas que não se hajam (ainda) consubstanciado em títulos ou registos em conta e,
por outro, ela permite distinguir o valor mobiliário de outros tipos de instrumentos financeiros que não
estão dependentes de forma representativa, como é o caso dos instrumentos derivados”. Vide mais em
ANTUNES, José E., “Os Instrumentos Financeiros”, 57, Almedina, 2009. Esta característica
da representatividade já vinha prevista na LVM ao prever no art. 4.º, n.º 2 da LVM, que os
valores mobiliários podem ser escriturais, representados por anotações em conta ou titulados,
representados por meio de papel.
13 
Quanto a questão da representação de direitos, coloca-se a questão de saber se os valores
mobiliários são direitos ou se são a representação de direitos. Oliveira Ascensão defende que
se tratam de direitos representados. A lei ao qualificar como documento, toma partido pela
segunda opção, ou seja, valores mobiliários é a representação do direito. Para Oliveira As-
censão esta qualificação está errada, primeiro porque não compete ao legislador determinar
a essência do valor mobiliário e porque as vicissitudes do direito representado podem não
coincidir com as do direito representativo, uma vez que o direito subsiste para além da sua
base de representação. Vide mais em “O actual conceito de valor mobiliário”. Oliveira Ascensão,
J. Direito dos Valores Mobiliários Vol. III, Pág. 51. Coimbra Editora, 2011.
14 
“…o seu conteúdo pode ser constituído por uma panóplia de posições juridicamente relevantes: assim,
eles podem incorporar posições jurídicas activas (direitos), passivas (deveres), e/ou outras (v.g, ónus, su-
jeições, meras expectativas); e mesmo dentro de um único tipo de posição jurídica (por exemplo, posição
jurídico-activa), ele poderá abranger indistintamente toda uma gama de direitos sociais (v.g., acções), de
direitos de crédito (v.g., obrigações), direitos reais (v.g., certos “warrants” autónomos com liquidação física),
ou outros direitos híbridos (v.g., os títulos de participação, a meio caminho entre acções e obrigações, ou
as unidades de participação, que combinam direitos obrigacionais e outros.” Vide ANTUNES, José E.,
“Os Instrumentos Financeiros”, 57, Almedina, 2009.

354
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

apresentem o mesmo conteúdo constituem uma categoria, ainda que pertençam a emis-
sões ou séries diferentes” (art 49.º, n.º 2 Cód.VM).
Nos termos do art. 226.º do Cód.VM podem ser admitidos a negociação os
valores mobiliários fungíveis, ou seja, os valores mobiliários que pertençam à
mesma categoria, obedeçam à mesma forma de representação, estejam objec-
tivamente sujeitos ao mesmo regime fiscal15 e dos quais não tenham sido des-
tacados direitos diferenciados16. Verifica-se que esta identidade de conteúdo é
condição necessária para admissão destes títulos a negociação em merca-
dos regulamentados. Assim, os valores mobiliários são fungíveis na medi-
da em que o tráfico jurídico os reconhece pelo seu mero número ou quan-
tidade, dispensado a identificação e individualização de cada valor em
concreto17.
Por último, os valores mobiliários são susceptíveis de negociabilidade em
mercado18: “… outros documentos representativos de situações jurídicas homogéneas,
desde que sejam susceptíveis de transmissão em mercado” (art. 2.º, alínea q) Cód.
VM). Convém realçar que esta susceptibilidade não se pode confundir
com a efectiva negociação em mercado, uma vez que, basta apenas a po-
tencialidade para essa negociação, ainda que existam obstáculos concretos
a negociação.

15 
Se o regime fiscal for diferente, podemos estar diante de valores infungíveis.
16 
Nos termos do artigo 207.º do CC, são fungíveis as coisas que se determinam pelo seu
género, qualidade e quantidade, quando constituíam objecto de relações jurídicas.
17 
Ver mais em CASTRO, Carlos O., Valores Mobiliários: Conceito e Espécies. 2.ª Ed., p. 13,
UCP [Universidade Católica Portuguesa] Editora, 1998 e TELES, Miguel G. Fungibilidade
dos valores mobiliários e situações jurídicas meramente categoriais, in Estudos em Homenagem ao
Professor Doutor Galvão Teles, Almedina, 2002.
18 
Sobre o tema vide mais em GONÇALVES, Renato, Nótolas comparatísticas sobre os concei-
tos de valor mobiliário, instrumento do mercado monetário e instrumento financeiro na DMIF
e no Código dos Valores Mobiliários, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 19,
p. 95. CMVM, 2004. Apesar do legislador não determinar que tipo de mercado estes valores
mobiliários podem ser negociados, supomos tratarem-se apenas de mercados regulamentados,
definidos como “qualquer espaço ou sistema multilateral situado ou a funcionar em Angola em que
se possibilite de forma organizada o encontro de interesses relativos a valores mobiliários e instrumentos
derivados com vista à celebração de negócios sobre os mesmos” (al. i) do art. 2.º do Cód.VM). Importa
notar a faculdade que é conferida às entidades gestoras para elaborar e divulgar as regras
necessárias ao bom funcionamento desse mercado, que passam pela definição dos requisitos
de admissão à negociação dos valores mobiliários aí negociáveis. (art. 222.º do Cód.VM).

355
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

5. Os tipos legais

Nos termos do Cód.VM, são valores mobiliários: as acções; as obrigações;


as unidades de participação em organismos de investimento colectivo; os direitos des-
tacados dos valores mobiliários referidos nas alíneas (i) a (iii), desde que o destaque
abranja toda a emissão ou série ou esteja previsto no acto de emissão; outros documen-
tos representativos de situações jurídicas homogéneas, desde que sejam susceptíveis de
transmissão em mercado.

6. Acções

As acções são valores mobiliários cujo percurso se inicia com a emissão,


se transfere por eventuais vicissitudes tais como a alteração da titularidade,
a oneração ou a sua execução e, por fim, desaparecem com a sua extinção19.
A acção, pode ser entendida como sinónimo de participação social, na me-
dida em que constitui um conjunto unitário de direitos, ónus, expectativas,
faculdades, sujeições e obrigações de que uma pessoa (singular ou colectiva)
é titular na qualidade de sócio de uma sociedade anónima ou em comandita
por acções20. É também utilizada como sinónimo de fracção do capital social
das sociedades anónimas e comanditárias por acções (arts. 201.º, n.º 2 al. a),
301.º e 305.º da LSC) e como forma de representação da participação social,
de modo a abranger simultaneamente a representação escritural e cartular,
estes últimos designados também por títulos (arts. 331.º, n.º 4 e 335.º LSC;
art. 50.º Cód.VM)21.
As acções podem ser classificadas quanto a titularidade e quanto aos direi-
tos que conferem. Quanto à sua titularidade22, as acções podem ser nominati-

19 
1ENGRÁCIA ANTUNES, Valores Mobiliários: Conceito, Espécies e Regime Jurídico,
2008, p. 111.
20 
Cfr. artigos 22.º a 26.º, al. a) do artigo 302.º, n.º 1 do 305.º e n.º 1 do artigo 333.º da LSC.
21 
Surge um quarto e importante significado: acção como produto financeiro. ANTUNES,
José E., Os Instrumentos Financeiros, p. 76. Almedina, 2009.
22 
Que pode caber a qualquer pessoa singular ou colectiva, de direito privado ou público,
nacional ou estrangeiro. A titularidade pode ser simples (onde se verifica um único titular das
acções), ou revestir a forma de contitularidade (consoante as acções tenham vários contitula-
res). Verificam-se situações de titularidade originária (resulta da subscrição no momento da

356
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

vas – permitem ao emitente conhecer, a todo o tempo, a identidade dos seus


titulares – ou ao portador – onde não existe a faculdade de conhecer a todo o
tempo a identidade do titular sendo que, na falta de cláusula estatutária ou
de decisão do emitente as acções consideraram-se nominativas23.
Quanto aos direitos que conferem podem dividir-se em acções ordinárias,
preferenciais ou de fruição. As acções ordinárias investem o respectivo titular nos
direitos e obrigações comuns subjacentes à qualidade de accionista, que se
podem agrupar em direitos e deveres de natureza patrimonial (obrigação de entrada,
direito aos lucros)24, e direitos e deveres de natureza organizativa (direito ao voto direito
à informação) 25.
As acções preferenciais caracterizam-se por conferir direitos especiais ao
seu titular, normalmente de carácter patrimonial em detrimento do direito
de voto. Estas acções podem ser sem voto, atribuindo ao seu titular: um di-
reito a um dividendo prioritário não inferior a 5% do respectivo valor nomi-
nal26; o direito ao reembolso prioritário do seu valor nominal na liquidação
da sociedade,27 ou remíveis ma medida em que em contrapartida de algum
privilégio patrimonial, ficam sujeitas a remição em data fixa ou quando a
Assembleia-geral, por maioria simples, o deliberar28.

respectiva emissão) ou superveniente (resulta de posterior transmissão “inter vivos” ou “mortis


causa”); de titularidade directa (titularidade jurídico-formal em nome próprio) ou indirecta
(resulta de uma titularidade obtida por intermédio de terceiros) e de heterotitularidade ou
autotitularidade (conforme as acções sejam detidas por terceiros ou pela própria sociedade,
originando as chamadas acções próprias).
23 
São obrigatoriamente nominativas as enquanto não estiverem integralmente liberadas ou
quando os estatutos impuserem restrições à sua livre transmissão e ainda quando os esta-
tutos preverem que o seu titular seja obrigado a efectuar prestações acessórias à sociedade.
Cfr. artigos 331.º da LSC e 56.º do CódVM.
24 
Cfr. artigos 316.º e 326.º da LSC.
25 
Artigos 320.º e 323.º e 404.º, da LSC.
26 
Retirado dos lucros que possam ser distribuídos aos accionistas.
27 
De resto conferem os mesmos direitos inerentes às acções ordinárias, art. 364.º, n.º 2,
al. c) da LSC.
28 
Esta remição da acção consiste na extinção da mesma, recebendo o accionista o seu va-
lor nominal, acrescido, eventualmente, de um prémio, caso os estatutos assim o prevejam
(art. 367.º, n.º 4 da LSC). Realçar que esta remição não reduz o capital social, contudo obriga
a constituição de uma reserva especial de importância igual ao valor nominal das acções
remidas, que só poderá ser utilizada para incorporação no capital, no caso do mesmo ser
reduzido (367.º, n.º 6 e 7 da LSC).

357
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

As acções de fruição, contrariamente ao disposto para as acções ordinárias


e remíveis, estas não têm de estar previstas nos estatutos e resultam de uma
deliberação de amortização de acções ordinárias com reembolso no valor
nominal e sem redução do capital social, constituindo, deste modo, uma ca-
tegoria autónoma representada por títulos especiais29.

6.1. Forma de representação e registo

Nos termos do Cód.VM, a forma de representação das acções pode ser


titulada ou escritural, entendendo-se por acções tituladas, aquelas represen-
tadas por documentos em papel, que a lei designa por títulos (arts. 50.º Cód.
VM e 335.º e sgts. LSC ) e por as acções escriturais30, as que não possuem
representação física, e estão registadas electronicamente, numa conta.
Sempre que haja emissão de acções, sejam escriturais ou tituladas, o le-
gislador impõe a obrigatoriedade de registo pela entidade emitente, cujo
conteúdo e o suporte do referido registo deve ser regulamentado pelo Mi-
nistro das Finanças, ouvida a CMC, nos termos do que prevê o artigo 47.º
Cód.VM. Neste sentido, foi aprovado o Decreto Executivo n.º 273/17, de 03

29 
Estas acções podem ser convertidas em acções de capital, por dupla deliberação da Assem-
bleia geral e da Assembleia Especial dos seus titulares, e sempre por maioria exigida para a
alteração do contrato de sociedade. Mas neste caso, é mister que volte a entrar no activo da
sociedade o valor nominal das acções que foi reembolsado aos accionistas em causa (artigos
369.º e 370.º da LSC).
30 
Importa realçar que o surgimento das acções escriturais está profundamente ligado ao
fenómeno da desmaterialização dos títulos de crédito, conhecendo no domínio dos valores
mobiliários, maiores desenvolvimentos. Teve papel relevante neste desenvolvimento, a com-
binação da evolução da tecnologia informática e das telecomunicações, que permitiram a
transmissão de dados à distancia e a grandes velocidades, factor catalisador do fenómeno
da desmaterialização, tal como hoje o conhecemos. Vide mais em FERREIRA, Amadeu J.,
“Valores Mobiliários Escriturais”, 71, Almedina, 1997. No regime jurídico angolano, é susten-
tável a ideia de que, o art. 337.º LSC, que se refere a forma de registo das acções, tenha sido o
primeiro a mencionar a possibilidade de existência desta forma de representação (art. 335.º,
336.º LSC), ao determinar no seu n.º 4 que «…o livro de registo de acções pode ser substituído por
registo informático», contendo este registo, os mesmos elementos exigidos para o registo no
livro de acções da sociedade. Posteriormente, a LVM, veio estipular no seu art. 4.º, n.º 2, que os
valores podem ser escriturais ou titulados, na medida em que os primeiros são representados
por anotações em conta e os segundos, por meio de papel, forma adoptada e consagrada com
a aprovação do Cód.VM. (art. 50.º Cód.VM)

358
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

de Maio que visa regular o registo das emissões de valores mobiliários junto
do emitente31, que determina que o registo da emissão de valores mobiliários
pode ser efectuado em suporte de papel, mediante preenchimento do modelo
legalmente previsto ou por suporte electrónico.
Caso o emitente opte pelo registo em suporte electrónico, deve assegurar
o cumprimento de um conjunto de requisitos de segurança, tais como a exis-
tência de uma cópia de segurança do registo, guardada em local distinto da
sede da sociedade; a submissão do suporte electrónico à utilização de chave
de acesso, reservado a pessoas determinadas, que vinculem estatutariamente
a sociedade; a existência de planos de contingência que garantam a protecção
do registo em casos de força maior; e a definição de níveis de inteligibilidade,
de durabilidade e de autenticidade equivalentes aos verificados no registo em
suporte de papel.32
A abertura e encerramento do registo devem ser consignados em termos,
assinados por quem vincule estatutariamente a entidade emitente e por um
membro do órgão de fiscalização. O termo de abertura inclui a denominação
comercial do emitente, com o número do registo comercial e o respectivo
número de identificação fiscal; a identificação das pessoas que vinculam a
sociedade e do membro do órgão de fiscalização, bem como as datas das as-
sinaturas. Já o termo de encerramento do registo faz menção do número de
páginas que compõem o registo e a data das assinaturas.
Apesar do registo da emissão ser obrigatoriamente feito no emitente
(art. 47.º e 48.º Cód.VM), existem diversas modalidades de registo da titulari-
dade, podendo o emitente optar por uma das três vias (artigo 65.º Cód.VM):

a) Registo feito na entidade emitente ou em agente de intermediação


que a represente;

31 
Importa realçar que o Código de Valores Mobiliários, veio revogar a obrigatoriedade de
existência de um livro de registo de acções na sociedade tal como previsto no artigo 337.º
da LSC. Neste sentido, o regime previsto no Decreto Executivo n.º 273/17, veio aprovar um
novo modelo de registo dos valores mobiliários, sendo agora exigido, o registo da emissão
para todos os valores mobiliários que não tenham sido integrados em sistema centralizado
nem aqueles em que a emissão seja representada por um só título. O referido regime mantém
a função de registo dos valores mobiliários titulados nominativos, anteriormente acautelada
pelo Livro de Registo das Acções.
32 
Cfr. artigo 2.º do Decreto n.º 273.º/17, de 03 de Maio.

359
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

b) Registo feito num único agente de intermediação; e


c) Registo feito em sistema centralizado.

O legislador impõe a obrigatoriedade de integração em sistema centrali-


zado dos valores mobiliários escriturais admitidos à negociação em mercado
regulamentado e dos valores mobiliários escriturais distribuídos através de
oferta pública e outros que pertençam à mesma categoria, que abrange todos
os valores mobiliários da mesma categoria (artigo 68.º do Cód.VM).
Dado que compete a CMC elaborar a regulamentação necessária à concre-
tização e ao desenvolvimento das disposições relativas aos valores mobiliários
escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, foi aprovado o
Regulamento n.º 7/16, de 30 de Junho que estabelece o regime aplicável às
infra-estruturas de mercado, englobando os sistemas centralizados de valores
mobiliários, os sistemas de registo junto de um agente de intermediação, os
sistemas de liquidação e as contrapartes centrais.

6.2. Transmissão, Oneração, Execução e Extinção.

O legislador determina que o contrato de sociedade não pode excluir a


transmissibilidade das acções, nem a limitar além do legalmente previsto.
Contudo, prevê a existência de cláusulas de consentimento, de preferência e
de condicionamento quando se trate de transmissão das acções nominativas
(350.º da LSC).
A transmissão das acções pode obedecer a regimes distintos consoante
a forma de representação. Caso revistam a forma titulada, ao portador e não
estejam integradas em sistema centralizado, as acções transmitem-se pela
entrega do título ao adquirente ou depositário por este indicado. Se os títu-
los ao portador já estiverem depositados junto do depositário indicado pelo
adquirente, a transmissão efectua-se por registo na conta deste, com efeitos
a partir da data do requerimento do registo33.
Se as acções forem nominativas e não estiverem integradas em sistema
centralizado, transmitem-se por declaração de transmissão feita pelo titular

“Trata-se de um depósito de valores mobiliários titulados não integrados em sistema…”. VEIGA,


33 

Alexandre B., Transmissão de Valores Mobiliários, cit. p. 43. Almedina, 2010.

360
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

e escrita no título, a favor do transmissário, seguida do registo do emitente.34


Contrariamente ao estabelecido para as acções tituladas, a transmissão das
acções escriturais tem lugar por registo na conta do adquirente, sendo que
a sua «compra em mercado regulamentado confere ao comprador, indepen-
dentemente do registo e a partir da realização da operação, legitimidade para
a sua venda nesse mercado35.
No que tange a oneração deste valor mobiliário, o legislador reconhece que
as acções podem ser oneradas mediante usufruto ou penhor (arts. 25.º e 139.º
LSC e art. 107.º Cód.VM). Nos termos do Cód.VM, a constituição, modificação
ou extinção de usufruto, de penhor ou de quaisquer situações jurídicas que
onerem os as acções, quando revistam a forma titulada é feita nos termos
correspondentes aos estabelecidos para a transmissão da titularidade dos
valores mobiliários. Quando revistam a forma escritural, esta informação deve
constar das contas de registo individualizado (art. 72.º, alínea g) Cód.VM ).
As acções podem ser objecto de execução, através de penhora, sendo que a
penhora e outros actos de apreensão judicial de valores mobiliários escriturais
realizam-se mediante comunicação à entidade registadora pelo tribunal de
que os valores mobiliários ficam à ordem deste (art. 86.º Cód.VM). Finalmente,
quanto a extinção, o legislador estabelece uma série de situações que podem
provocar a extinção social das acções que, podem ir desde a remissão (arts. 367.º
LSC), amortização de acções (art 372.º LSC), redução do capital (arts. e 100.º, n.º 1
al. b) e 461.º LSC), e exoneração de sócios (arts. 47.º, n.º 1 e 109.º LSC).

7. Obrigações

As obrigações são títulos negociáveis representativos de uma dívida da


entidade emitente para com terceiros (os obrigacionistas) representando,
deste modo, uma fonte de financiamento externa, onde o titular da obrigação

34 
A declaração de transmissão e o registo junto ao emitente, levantam uma série de pro-
blemas específicos, nomeadamente: determinar a legitimidade para os praticar, determinar
a legitimidade para requerer o registo e saber a partir de que momento produz efeitos a
transmissão. Estes problemas são tratados autonomamente por Alexandre Brandão da Veiga
na obra supracitada, págs. 45-62.
35 
Vide mais em MARTINS, Alexandre S., Valores Mobiliários – Acções, p. 34.

361
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

incorpora um direito de crédito sobre a sociedade36. Estes títulos (de crédito)37


sendo negociáveis estão legalmente incluídos na categoria de valores mobi-
liários38, cujo regime jurídico vem previsto no Cód.VM e na LSC.

7.1. Estrutura e modalidades.

A estrutura deste valor mobiliário é relativamente simples. A LSC dispõe


no seu art. 374.º que a obrigação representa um direito de crédito sobre a entidade
emitente. Assim sendo, o titular da obrigação, individualmente considerado,
é fundamentalmente um credor perante a entidade emitente, estando sub-
jacente a essa relação jurídica um contrato de mútuo39. O titular tem o dever

36 
Estes valores mobiliários constituem um veículo de financiamento empresarial alternativo
às acções, na medida em que as acções são títulos representativos do capital social de uma
sociedade por acções (anónima ou em comandita por acções) e correspondem à entrada ou
contribuição do accionista para a sociedade, constituindo, deste modo um capital próprio
da mesma. Isto é, de um lado temos o titular de uma participação social e do outro, o titular
de um direito de crédito. A partir daqui geram-se as demais distinções: como sócios, os ac-
cionistas têm um conjunto de direitos em que se incluem direitos de natureza patrimonial
e direitos extrapatrimoniais, assumindo, assim, o risco da actividade empresarial. Por seu
lado, os obrigacionistas têm direito a um juro e ao reembolso do capital investido, a quem não
cabem direitos verdadeiramente sociais; por outro lado, os sócios terem direito ao dividendo
que depende da existência de lucros, contrariamente aos obrigacionistas, que como credores
têm que ser pagos, ainda que não se registem lucros na sociedade emitente ou mesmo que
esta incorra em perdas. Mais desenvolvimentos em DIAS, A.S., Financiamento das Sociedades
por Emissão das Obrigações, p. 56. Quid Iuris.
37 
“Incorporação, literalildade, autonomia, legitimação e circulabilidade”. Vide mais em PUPO COR-
REIA, M., Direito Comercial. Direito da Empresa, p. 441. 10ª Edição. Ediforum, 2007. Para
doutrina brasileira as debêntures são autênticos títulos de crédito. Vide mais em JÚNIOR,
Waldo F., Manual de Direito Comercial, 12ª Edição, p. 293, Editora Altas. 2011 e PAES DE
ALMEIDA, A., Manual das Sociedades Comerciais. Direito da Empresa. 19ª Edição, p. 263.
Editora Saraiva, 2011.
38 
Neste sentido, é importante destacar que existe, na doutrina, algumas dúvidas no sentido de
isolar o núcleo essencial das obrigações. É um facto que a emissão de obrigações visa permitir
um financiamento necessário ao desenvolvimento da sociedade, contudo, esta questão não
é tão pacífica quando se trata de qualificar a natureza jurídica do contrato existente entre a
sociedade emitente e os obrigacionistas, de onde emergem os direitos de crédito incorporados
nos títulos. Parte da doutrina aponta para uma operação de mútuo, como causa típica para a
emissão de obrigações Mais desenvolvimentos em VASCONCELOS, Pedro P, “As obrigações
no financiamento da empresa”, in Problemas do Direito das Sociedades, p. 321 e segs.
39 
Segundo a doutrina o contrato de mútuo aparece como causa típica das obrigações,
visto que “é ele se encontra sempre presente no momento da deliberação da emissão das

362
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

de entregar os fundos à entidade emitente e esta a obrigação sinalagmática


de restituir40 o montante que lhe é mutuado acrescido dos juros, caso sejam
convencionados.
As obrigações podem ser nominativas ou ao portador e assumir diferentes
modalidades, nomeadamente, obrigações com direito a um juro suplementar, prémio
ou prazo de reembolso variáveis em função dos lucros da sociedade; obrigações convertí-
veis em acções; obrigações com direitos de subscrever acções; e com prémios de emissão;
e com garantia real sobre determinados bens da sociedade ou privilégio creditório geral
sobre o activo da sociedade (arts. 387.º e 388.º LSC).

7.2. Emissão e subscrição

Nos termos do que dispõe a LSC, podem emitir obrigações as sociedades


(anónimas41 e em comanditas por acções – art. 374.º e 214.º LSC): a) cujos
estatutos prevejam tal possibilidade, (art. 302.º, al. g) LSC); b) cujos con-
tratos sociais estejam definitivamente registados há, pelo menos, dois anos,
(art. 374.º, n.º 2, al. a) LSC); c) cujo capital social esteja inteiramente realizado
(art. 374.º, n.º 2, al. c) LSC); e d) cujos balanços dos dois últimos exercícios
tenham sido, à altura da emissão, regularmente aprovados (art. 374.º, n.º 2,
al. a) LSC).

obrigações”. DIAS, A.S., Financiamento das Sociedades por Emissão das Obrigações, cit.
p. 33. Quid Iuris, 2002.
40 
Questiona-se o facto de considerar-se o reembolso como elemento essencial do conceito
de obrigações. ANTÓNIO SILVA DIAS entende que sim, argumentando que sempre que
uma sociedade pretenda cartularizar créditos, que não impliquem o direito a um reembolso
de capital, não estava em causa o conceito de obrigações, uma vez que faltava a essa operação
um dos elementos característicos das obrigações. Posição diferente defende AMADEU JOSÉ
FERREIRA. Sobre o tema vide DIAS, A.S., Financiamento das Sociedades por Emissão das
Obrigações, p. 34 [nota de rodapé]. Quid Iuris, 2002.
41 
As instituições financeiras e as empresas do sector empresarial público, podem emitir
obrigações como forma de se financiarem. Contudo, está, ainda, condicionado às empresas
públicas a emissão de obrigações convertíveis em acções, pois tal facto levaria a um cenário
de privatização oculta.

363
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

8. Unidades de participação

As unidades de participação são valores mobiliários, sem valor nominal, e


correspondem a parcelas de conteúdo idêntico em que se divide o património
dos OIC, que são instituições de investimento colectivo que integram contri-
buições recolhidas junto do público, tendo por fim o investimento colectivo
de capitais, segundo o princípio da divisão de riscos e o princípio da prosse-
cução do interesse exclusivo dos participantes, nos termos do que determina o
n.º 1 do art. 2.º do RJOIC.
Estas instituições podem assumir a forma de patrimónios autónomos sem
personalidade jurídica, sendo designadas por fundo de investimento ou a forma
societária sendo designadas por de sociedade de investimento.
As unidades de participação possuem características essenciais de valores
mobiliários, na medida em que preenchem os requisitos da representatividade
(as unidades de participação podem ser representadas por títulos representa-
tivos de uma ou mais unidades de participação ou adoptar a forma escritural),
da homogeneidade (representam sempre a mesma quota dos fundos, represen-
tando assim os mesmos direitos, as mesmas posições jurídicas por unidade),
emissão em massa (as unidades de participação não são emitidas num número
restrito) e negociabilidade (são títulos negociáveis)42.
Como consequência da sua natureza mobiliária, podem ser representa-
das por títulos representativos de uma ou mais unidades de participação, ou
adoptar a forma escritural, e esta qualidade permite que tenham o regime
nominativo ou ao portador (art.º 13.º n.º 3 RJOIC).
O processo de emissão destes valores mobiliários obedece a um regime
diferente consoante se tratem de fundos abertos ou fundos fechados existin-
do, porém, um regime comum a ambos. Para os dois casos, o primeiro passo
para emissão de unidades de participação é a constituição ou autorização do

42 
Sobre a temática da qualificação destes instrumentos como valores mobiliários, TOMÉ,
Maria João Romão Carreiro Vaz, na sua obra Fundos de Investimento Mobiliário Abertos,
Almedina, Coimbra, 1997, p. 133 e segs analisa as unidades de participação como valores
mobiliários, numa estreita ligação com a teoria de títulos de crédito, perspectiva que não
procede, na visão de VEIGA, Alexandre Brandão da, uma vez que para este autor, este não é o
critério mais correcto. Vide mais em VEIGA, Alexandre Brandão da, Fundos de Investimento
Mobiliário e Imobiliário. Regime Jurídico. Almedina 1999, p. 310.

364
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

respectivo fundo, o que envolve sempre um processo de autorizações admi-


nistrativas especiais (arts. 22.º e sgs. RJOIC).
Segue-se a fase da colocação e comercialização das unidades de participação.
A colocação compreende todo um conjunto de condutas activas visando a subs-
crição dos valores mobiliários que pode ser pública ou particular nos termos do
que determina o Cód.VM. A terceira fase é a da subscrição, em sentido estrito,
feita nos estabelecimentos das entidades comercializadoras. Para este efeito,
os documentos constitutivos elaborados pela entidade gestora (prospecto
simplificado e um prospecto completo) devem ser mantidos actualizados, e
disponibilizados ao investidor. Esta fase é seguida pela fase da emissão das
unidades de participação, que se traduz na aquisição na esfera jurídica de
uma entidade (participante) da titularidade das unidades de participação.
Sendo susceptíveis de transmissão, no caso especial dos fundos abertos,
a sua negociabilidade em mercado é fundamentalmente abstracta e residual,
dado que efectuando-se a transmissão por via de contínuas subscrições e
resgates, perde sentido económico a sua negociação em mercado organizado.

9. Direitos destacáveis

Alguns valores mobiliários conferem direitos que podem ser destacados e


negociados separadamente. Estes direitos, designados pela lei como direitos
destacáveis, são “direitos patrimoniais inerentes a valores mobiliários e deles desta-
cáveis para efeitos de negociação em mercado secundário”43 e visam potencializar
financeiramente valores mobiliários, através da divisão ou desmembramento
do seu conteúdo próprio. Figuram o elenco dos direitos destacáveis os direitos
de subscrição, os direitos de incorporação, direitos de redução, os direitos ao
dividendo e os direitos ao juro.
Para que estes direitos sejam considerados como valores mobiliários de-
vem ser posições jurídicas (activas ou passivas)44 inerentes a determinados

43 
AMADEU FERREIRA, citado por VASCONCELOS, Pedro P., Direitos destacáveis – O
problema da unidade e pluralidade do direito social como direito subjectivo, in Direito dos Valores
Mobiliários, Vol. I, cit. p. 167. Coimbra Editora, 1999.
44 
Segundo ALEXANDRE BRANDÃO DA VEIGA o termo posições destacáveis é mais abran-
gente, “na medida em que podem estar em causa não apenas direitos, mas igualmente outras espécies de

365
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

valores mobiliários, passíveis de destaque do valor matricial e dotados de ho-


mogeneidade e negociabilidade, tornando-se capazes de ser transaccionados
num ou vários sistemas legais de negociação organizada.
O legislador angolano prevê, de forma genérica, a existência dos direitos
destacáveis sem, contudo, avançar uma definição de “direito destacado”, cabendo
esta tarefa à doutrina e à jurisprudência (art. 2.º, al. q) do Cód.VM). Contudo,
determina o Cód.VM que, “quem, em conformidade com o registo ou com o título,
for titular de direitos relativos a valores mobiliários está legitimado para o exercício dos
direitos que lhes são inerentes.”. Para o efeito, consideram-se direitos inerentes
aos valores mobiliários, além de outros que resultem do regime jurídico de
cada tipo, os dividendos, juros e outros rendimentos, os direitos de voto, os direitos à
subscrição ou aquisição de valores mobiliários do mesmo ou de diferente tipo (art. 59.º
do Cód.VM).
De acordo com a doutrina são três os elementos constitutivos da noção
legal de direitos destacáveis:

a) Os direitos destacáveis são posições jurídicas (activas ou passivas) ine-


rentes a determinados valores mobiliários, o que implica que nem todos
os valores mobiliários possuem as características fundamentais, para
serem classificados, como direitos destacáveis;
b) Estas posições devem ser destacáveis do valor matricial. Para se apurar os
casos de direitos ou deveres jusmobiliários susceptíveis de destaque,
deve-se recorrer primeiramente ao regime jurídico dos diferentes valo-
res mobiliários em concreto, exigindo-se como requisitos mínimos que
as posições jurídicas a cindir sejam suficientemente individualizadas
de forma a permitirem o seu exercício e transmissão autónomos e que
não sejam posições vitais, na perspectiva do valor mobiliário matricial;
e
c) Tais posições devem ser dotadas de homogeneidade e negociabilidade, na
medida em que, devem consubstanciar em “direitos ou deveres idênticos
e fungíveis, cujo destaque se encontra previsto de modo igual para todos eles, por
força da lei ou nos termos da própria emissão” tornando-se susceptíveis de

posições jurídicas, mesmo que desfavoráveis”. VEIGA, Alexandre B., Direitos destacáveis e warrants
autónomos in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. III, cit. p. 90. Coimbra Editora, 2001.

366
TIPOS DE VALORES MOBILIÁRIOS

ser transaccionados num ou vários sistemas legais de negociação organizada”


(art. 1.º al. f) in fine e art. 456.º, n.º 3 da LSC)45.

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45 
Vide mais em ANTUNES, José E., “Os Instrumentos Financeiros”, 112, Almedina, 2009.

367
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

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368
CAPÍTULO 14
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

Herlânder Diogo

Sumário: 1. Introdução. 2. Enquadramento. 2.1. A ratio dos deveres na lei


das instituições financeiras e no Código dos Valores Mobiliários. 3. O Quadro
Geral dos Deveres. 4. Deveres Financeiros Gerais. 4.1. Dever de assegurar
elevados níveis de aptidão profissional. 4.2. Dever de diligência. 4.3. Dever de
informação e assistência. 4.4. Dever de segredo. 4.5. Dever de evitar ou redu-
zir conflito de interesses. 4.6. Dever de defesa da concorrência. 4.7. Dever de
registar os acordos parassociais. 4.8. Dever de actuação de boa-fé. 4.9. Dever
de sujeição à auditoria externa. 4.10. Dever de divulgação de relatório sobre o
governo das sociedades. 4.11. Dever de adequar os meios humanos materiais
e técnicos à prestação de serviço de qualidade, profissionalismo e eficiência.
4.12. Dever de adoptar políticas e procedimentos de controlo de cumpri-
mento. 4.13. Dever de adoptar políticas e procedimentos de gestão de riscos.
5. Deveres do Mercado de Valores Mobiliários. 5.1. Dever de informação.
5.2. Dever de assegurar a segregação patrimonial. 5.3. Dever de contabilizar e
registar diariamente os saldos e as operações. 5.4. Dever de conservação e regis-
to de documentos. 5.5. Dever de prevenção ou gestão de conflito de interesses.
5.6. Dever de tratamento transparente e equitativo dos clientes. 5.7. Dever de
prevalência dos interesses dos clientes. 5.8. Dever de evitar a intermediação
excessiva. 5.9. Dever de defesa do mercado. 5.10. Dever de categorização dos
investidores. 5.11. Dever de avaliação do carácter adequado das operações.
5.12. Dever de salvaguarda de bens de clientes. 6. Deveres Específicos de Certas
Actividades de Intermediação. 6.1. Dever de execução nas melhores condições.
6.2. Deveres específicos respeitantes à análise financeira para investimentos
em valores mobiliários e instrumentos derivados. 7. Conclusão.

369
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

1. Introdução

O presente Capítulo versa sobre os deveres das instituições financeiras


não bancárias (IFNB’s) a luz do sistema financeiro angolano, em especial os
manifestados na Lei n.º 12/15, de 17 de Junho – Lei de Bases das Instituições
Financeiras (LBIF)1 e no Código dos Valores Mobiliários (CódVM), aprovado
pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto2 sem, contudo, deixar de fazer uma breve
análise histórica das referidas entidades no contexto nacional e internacional
onde, ao longo dos últimos anos têm vindo a crescer exponencialmente.
O que se pretende é descrever a trajectória histórica e evolutiva dos deveres
que são acometidos às IFNB’s em Angola e a importância que o seu cumpri-
mento tem para o mercado financeiro nacional.
Para uma melhor percepção do surgimento e cumprimento dos deveres
adstritos às IFNB’s, temos de recuar no tempo, mais propriamente para o pe-
ríodo que precedeu a grande crise dos anos 30, onde, num primeiro momento,
eram apenas as instituições financeiras bancárias (instituições de crédito/ban-
cos) que desenvolviam toda ou maior parte da actividade do sistema financeiro.
Após os anos 30, mais concretamente no período pós-guerra, surgiu um
conjunto de situações que mudaram por completo a forma de actuar das ins-
tituições financeiras bancárias. A partir dos acordos de Bretton Woods (1944),
em que foram criadas regras para as relações comerciais e financeiras entre
as maiores potências industriais da época, foi institucionalizado o padrão
“Dólar-Ouro”, bem como criados o GATT, IMF e o IBRD para estabilização
das taxas de câmbio, adopção de políticas comercias não discriminatórias e re-
construção das economias devastadas pela guerra, criando com isto uma nova
ordem económica mundial. Tais medidas provocaram uma grande expansão
económica, principalmente dos Estados Unidos da América e incrementa-
ram o fluxo internacional de capitais, dando a impressão que aumentavam o
financiamento de défices da balança de pagamentos quando suficientemente
incentivados pelas taxas de juro.
É justamente neste ambiente que os bancos iniciam o processo de abran-
damento dos seus passivos, de forma a encontrar outras formas de captação

Publicada na I Série do Diário da República n.º 89.


1 

Publicada na I Série do Diário da República n.º 124.


2 

370
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

e de diluir os riscos das operações, podendo, igualmente, substituir um de-


terminado activo financeiro por outro, aumentando, desta forma, a sua base
de empréstimos, o que permitiu criar os primeiros instrumentos financeiros
como os CDB’s e mais tarde, já na década de 80, o surgimento do hedging
finance3 e os instrumentos derivados4.
No fundo, todo este processo que conduziu ao surgimento de novas e
modernas actividades desenvolvidas pelos bancos, traduziu-se num conjunto
de medidas cautelares contra alterações cambiais e das taxas de juro, baseado
não apenas na tradicional actividade de operações monetárias, mas também
na prestação de serviços financeiros. Com isto, as instituições financeiras
bancárias passaram a desenvolver mais actividades do que aquelas para as
quais tinham sido criadas, havendo, deste modo, cada vez mais dificuldades
em diferenciá-las das IFNB’s, que no entanto, começavam a surgir.
A actividade de intermediação financeira que, tradicionalmente era feita
pelos bancos foi se desenvolvendo rapidamente. A diversificação das activi-
dades financeiras, sobretudo a partir da década de 80 e o desenvolvimento
do mercado de capitais colocaram à disposição dos Estados os mais variados
instrumentos financeiros para geração de recursos a fim de poderem cobrir
os défices da balança de pagamentos.
Claro está, que os Estados foram se apercebendo que todo esse processo de
mutação e desenvolvimento do mercado financeiro e dos seus intervenientes
exigia uma atenção especial do ponto de vista da consagração de normas de
conduta e de acompanhamento do cumprimento das mesmas. É neste sentido
que foram criados mecanismos e formas de supervisionar e limitar a actuação
dos bancos e das IFNB’s, por formas a garantir a protecção dos investidores;

3 
Em português chama-se “cobertura financeira” ao instrumento que visa proteger operações
financeiras contra o risco de grandes variações de preço de determinado activo. Hedge é uma
operação que tem por finalidade proteger o valor de um activo contra uma possível redução
de seu valor numa data futura ou, ainda, assegurar o preço de uma dívida a ser paga no futuro.
Esse activo poderá ser o dólar, uma commodity, um título de dívida pública ou uma acção.
4 
Instrumentos derivados são instrumentos financeiros que têm os seus preços derivados
(daí o nome) do preço de mercado de um activo ou de outro instrumento financeiro que lhes
é geneticamente associado. Por exemplo, um futuro sobre petróleo é uma modalidade de
derivado cujo preço é referenciado dos negócios realizados no mercado à vista de petróleo, o
seu activo de referência. No caso de um contrato futuro de dólar, ele deriva do dólar à vista;
o futuro de café, do café à vista, e assim por diante.

371
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

a eficiência, a regularidade de funcionamento e a transparência dos merca-


dos; o controlo da informação; a prevenção do risco sistémico; a prevenção e
repressão das actuações contrárias à lei ou a regulamentos, bem como evitar
o surgimento de novas crises financeiras.
A título de exemplo, na União Europeia, destacamos a Directiva n.º
2004/39/CE, de 21 de Abril – Directiva dos Mercados de Instrumentos Fi-
nanceiros (DMIF)5, que alterou substancialmente o sistema e a organização
dos mercados financeiros, numa perspectiva liberal, estabelecendo um enqua-
dramento jurídico para novas formas organizadas de negociação (eliminando
o conceito clássico de bolsa, como espaço físico e criando novas formas orga-
nizadas de negociação, concorrendo entre elas). Destaca-se ainda o facto de
ter estabelecido um conjunto de novos e complexos requisitos de organização
e dos deveres de conduta aplicáveis aos agentes de intermediação, visando
não apenas uma maior e melhor protecção dos investidores, como o reforço
da concorrência entre os agentes de intermediação, passando a servir de re-
ferência para grande parte das economias emergentes.
Em Angola, ainda no tempo colonial e numa altura em que apenas estavam
consagradas, no geral, instituições de crédito, o Decreto-Lei n.º 45296/63, de
8 de Outubro6, que regulava o exercício das funções de crédito e a prática dos
demais actos inerentes à actividade bancária nas províncias ultramarinas, já
dispunha de normas que asseguravam a uniformidade de critérios na orienta-
ção dos comportamentos das instituições que visava regular, mormente com
a protecção e defesa do mercado e dos consumidores, bem como de deveres
de índole organizativa7.
No período pós-independência, pontuou como relevante a publicação
da Lei n.º 4/78, de 25 de Fevereiro8, que declarou pública a função bancá-
ria, passando esta a ser exercida centralizadamente pelo Estado, através de

5 
Antecedida de 4 quatro outras Directivas, nomeadamente, sobre o Abuso de Mercado,
Prospectos, OPA’s e Transparência, posteriormente completada pela Directiva n.º 2004/109/
CE, de 15 de Dezembro e pelo Regulamento n.º 1287/2006, de 10 de Agosto. Actualmente
conta com alterações substanciais ocorridas em diversas ocasiões, sendo que as últimas foram
introduzidas pela Directiva n.º 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de
Maio de 2014.
6 
Publicado na I Série do Diário do Governo n.º 236.
7 
A título de exemplo vide artigos 53.º; 54.º; 71.º e 76.º do Decreto-Lei n.º 45296/63.
8 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 72.

372
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

organismos ou instituições financeiras próprias, obrigando a que todas as


instituições que não fossem propriedade do Estado apenas poderiam exer-
cer as actividades necessárias para o seu encerramento. O referido diploma
determinou igualmente a apresentação, no prazo de 9 meses, de uma pro-
posta de lei sobre a estrutura e organização do sistema bancário de Angola.
Incorporou igualmente uma ruptura com o modelo de economia de mercado
ou capitalista, de tal forma que, além de optar pela democracia popular e a
construção das bases materiais e técnicas do socialismo, não se referia sequer
ao sistema financeiro não-bancário.
As traves mestras da disciplina bancária angolana manter-se-iam inalte-
radas nos anos subsequentes. Em 1980, a Lei n.º 2/80, de 12 de Fevereiro9,
adoptou um sistema bancário inserido numa economia socialista, prevendo
um sistema de direcção centralizada, a direcção pessoal das instituições de
crédito e princípios sobre o crédito, operações com moeda externa, taxas,
bem como das funções de banco central, tendo no sigilo bancário o respectivo
dever mais relevante.
Contudo, a partir de 1988, dá-se início à ruptura com o sistema de econo-
mia planificada. Neste ano é publicada a Lei n.º 10/88, de 10 de Julho10 – Da
Delimitação dos Sectores da Actividade Económica11, a partir da qual a função
do crédito e bancária deixa de ser exclusiva do Estado, cabendo a este as fun-
ções de banco central, emissor e supervisor do sistema financeiro, acometidas
ao Banco Nacional de Angola “BNA”. Na senda das mudanças, foi publicada a
Lei n.º 5/91, de 20 de Abril – Das Instituições Financeiras “LIF”12, que consa-
grava o princípio de economia de mercado, criando um sistema bancário de
2 níveis, sendo o primeiro para o BNA, enquanto banco emissor e supervisor
do sistema e o segundo para os bancos comerciais e de investimento.
A referida lei caracterizava as instituições financeiras em 3 tipos a citar:
as instituições bancárias, as instituições especiais de crédito e as instituições
parabancárias. Do primeiro grupo faziam parte os bancos comerciais e os
bancos de investimento ou de desenvolvimento; do segundo grupo faziam
parte as cooperativas, caixas e mútuas de crédito e as instituições de poupança

9 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 35.
10 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 27.
11 
Revogada pela Lei n.º 13/94, de 16 de Setembro e esta última pela Lei n.º 5/02, de 16 de Abril.
12 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 16.

373
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

e crédito imobiliário; já o terceiro grupo era constituído pelas sociedades de


investimento, sociedades de capital de risco, sociedades de locação financeira,
sociedades de financiamento e de aquisição a crédito, sociedades de factoring
e as holdings financeiras.
Foi possível notar que, apesar da referida lei não fazer a distinção expressa
das instituições financeiras em bancárias e não bancárias, apresentava já uma
visão mais moderna e com um catálogo de instituições e normas mais próxi-
mas do que era praticado a nível internacional, criando condições económicas
para o surgimento de outras instituições financeiras que não as de crédito
ou bancárias. Igualmente foram inseridas normas que denotavam uma maior
exigência a nível dos deveres adstritos à cada um dos grupos institucionais
criados13.
Em 1999 foi publicada a Lei n.º 1/99 de 23 de Abril14, que regulava o pro-
cesso de estabelecimento, o exercício de actividade, a supervisão e o sanea-
mento das instituições de crédito e das sociedades financeiras, relegando para
lei especial a constituição e as condições de funcionamento das instituições
que tenham como objecto o exercício do microcrédito e para lei própria a
actividade das seguradoras, das sociedades gestoras de fundos de pensões e
das sociedades gestoras de fundos de investimento.
Tinha como único órgão de supervisão o BNA e classificava as instituições
financeiras em 2 tipos, um das instituições de crédito, que englobava os ban-
cos, as sociedades de locação financeiras e as cooperativas de crédito e outro
das sociedades financeiras, que incluía, as sociedades de capital de risco, as
sociedades gestoras de fundos de investimento, as sociedades seguradoras,
entre outras. Diferente da lei que a precedia, na de 1999, já existia, embora
timidamente, uma noção da separação entre a actividade bancária e a não
bancária, ou seja, entre as instituições que possuíam capacidade de criação de
moeda e as que desempenhavam apenas funções de intermediação financeira,
não obstante entre estas últimas, se encontrarem englobadas as sociedades
ligadas à actividade seguradora e do mercado de valores mobiliários.
Assim como nos casos anteriores, a referida lei de 1999, não deixa de regu-
lar os aspectos ligados aos deveres das instituições que visava regular, tendo

Conferir os artigos 16.º; 17.º 20.º; 27.º, etc. da Lei n.º 5/91, de 20 de Abril.
13 

Publicada na I Série do Diário da República n.º 17.


14 

374
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

tratado da matéria na Secção I do Capítulo VI, aplicadas às sociedades finan-


ceiras15 por remissão do artigo 102.º.
Em 2005, mais precisamente a 30 de Setembro, foi publicada a Lei n.º
13/0516 – Lei das Instituições Financeiras (LIF), que enquadrava as institui-
ções financeiras em dois tipos: as instituições financeiras bancárias, que são
os bancos em geral, e as IFNB’s. As IFNB’s estavam configuradas em três
subtipos: as instituições financeiras não bancárias ligadas à moeda e cré-
dito, sujeitas à jurisdição do BNA, as instituições financeiras não bancárias
ligadas à actividade seguradora e previdência social, sujeitas à jurisdição do
ISS, hoje ARSEG, e as instituições financeiras não bancárias ligadas ao mer-
cado de capitais e ao investimento, sujeitas à jurisdição do Organismo de
Supervisão do Mercado de Valores Mobiliários, a CMC. No mesmo ano, foi
igualmente publicada a Lei n.º 12/05, de 23 de Setembro, Lei dos Valores
Mobiliários (LVM), que estabelecia o regime jurídico sobre as operações e
entidades intervenientes no mercado de valores mobiliários e era aplicável à
todas operações com valores mobiliários que se oferecessem ou negociassem
em Angola. Tendo surgido num momento particularmente importante para a
economia angolana, período em que o balanço do desempenho da economia
era francamente positivo, a ver pelo facto de o PIB por habitante, ter sido de
cerca de 1.985,00 dólares americanos, o que representava um incremento de
57% face a 2004, em que a renda per capita tinha registado um valor em redor
dos 1.265,00 dólares americanos. “Os investimentos públicos, avaliados em cerca de
850 milhões de dólares, exerceram um efeito catalisador importante sobre a economia,
não só do ponto de vista da indução do investimento privado, que se estima ter atingido
a cifra de 6,3 mil milhões de dólares americanos, como, igualmente, da melhoria das
condições gerais de vida da população”17. Os dois diplomas marcaram uma viragem
na história do sistema financeiro nacional.
Fruto da revisão efectuada à Lei n.º 1/99, de 23 de Abril, a LIF de 2005 es-
tabelecia um sistema de banca universal e antevia o surgimento a curto prazo

15 
Enquanto Instituições Financeiras Não Bancárias.
16 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 117.
17 
Extracto do discurso do então Ministro das Finanças, Sr. José Pedro de Morais Júnior, ao
presidir o lançamento do Relatório Económico referente ao ano 2005 aquando da Conferência
Anual do Centro de Estudos e Investigação Científica da Universidade Católica de Angola,
em Luanda, no dia 16 de Agosto de 2006.

375
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

do mercado de acções em Angola. Prova disso é o facto de a mesma ter estabe-


lecido que as instituições financeiras bancárias estavam habilitadas a exercer
actividades de intermediação financeira no mercado de valores mobiliários.
Atendendo aos aspectos supra mencionado, a LIF vinha estabelecer os
princípios fundamentais reguladores do mercado financeiro angolano, regu-
lando o processo de estabelecimento, o exercício de actividade, a supervisão
e o saneamento das instituições financeiras. O seu Capítulo VI (artigo 55.º),
denominado “Regras de Conduta”, estabelecia os princípios gerais sobre os
deveres das IFNB’s, mandados aplicar por força do artigo 105.º, embora fosse
possível, igualmente, encontrar deveres consagrados nos artigos 105.º e 109.º
do mesmo diploma, bem como nos artigos 21.º e 81.º da Lei n.º 12/05, de 23
de Setembro – LVM18.
Assim, a LIF de 2005 consagrava os seguintes deveres:

i. Dever de assegurar elevados níveis de aptidão profissional, consagrado


no artigo 55.º, por força do artigo 105.º;
ii. Dever de diligência, discrição e respeito, consagrado no artigo 56.º;
iii. Dever de informação, consagrado no artigo 57.º19;
iv. Dever de segredo, consagrado no artigo 59.º;
v. Dever de evitar ou reduzir conflito de interesses, consagrado no artigo
66.º;
vi. Dever de defesa da concorrência, consagrado no artigo 68.º;
vii. Dever de registar os acordos parassociais, consagrado no artigo 79.º,
por força do artigo 106.º;
viii. Dever de sujeição à auditoria externa, consagrado no artigo 84.º, por
força do artigo 107.º.

Portanto, se por um lado, a LIF de 2005 vinha consolidar e modernizar as


normas respeitantes ao sector financeiro nacional, em particular o bancário,
no que às instituições de crédito diz respeito, por outro lado, consagrava pela
primeira vez o mercado de valores mobiliários em Angola, institucionalizando

18 
Publicada na I Série do Diário da República n.º 114.
19 
O dever de informação podia ser percepcionado em duas perspectivas. Uma primeira em
relação aos clientes, que é o que está consagrado no artigo 57.º e outra que é em relação à enti-
dade de supervisão, consagrados nos artigos 83.º e 109.º da LIF e nos artigos 21.º e 81.º da LVM.

376
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

a CMC como órgão regulador, com poderes de autorizar a constituição e


efectuar o registo das IFNB’s sob sua jurisdição.
Com efeito, de 2005 a 2015, 10 anos se tinham passado e com eles, os
níveis de exigência relativas a actividade financeira em todo mundo tinham
aumentado, fruto não só do desenvolvimento da actividade, da evolução dos
mercados, do surgimento de novos e sofisticados produtos financeiros, mas
também, das crises financeiras ocorridas em várias áreas do sector desde fi-
nais de 2007.
Por outro lado, considerando as decisões do executivo angolano, na pessoa
do seu titular à época, de dinamizar o mercado secundário de dívida pública
e a regulação dos organismos de investimento colectivo, o Conselho de Ad-
ministração da CMC tão logo tomou posse20, desenvolveu mecanismos para
diagnosticar a real situação do mercado de capitais, elaborar a sua estratégia
de actuação e começar a desenvolver a sua actividade, procurando manter o
foco de tornar o mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados
como fonte alternativa de financiamento das empresas face ao financiamento
bancário e como principal veículo de canalização das poupanças.
Ora, toda esta nova dinâmica, fruto do diagnóstico realizado, não encon-
trou respaldo legal suficientemente forte na LVM21 e na LIF22 para a conse-
cução do fim pretendido, enquanto principais diplomas legais do sistema
financeiro nacional, que transportavam em si a generalidade, a abstractivi-
dade, a imperatividade e a coercibilidade necessárias à sua aplicação. Foram
identificadas insuficiências que obstaculizavam a prossecução dos objectivos
propostos, que vieram justificar a decisão de revisão dos referidos diplomas
legais, que se resumiram, essencialmente, no seguinte:

i. A LVM continha enumeras omissões, insuficiências e imprecisões,


como por exemplo a exclusão do seu regime da emissão dos títulos
do tesouro e do BNA23 ou mesmo o fraco número de disposições

20 
Em 17 de Fevereiro de 2012.
21 
Lei n.º 12/05, de 23 de Setembro.
22 
Lei n.º 13/05, de 30 de Setembro.
23 
O que criava dúvidas quanto à regulação e à supervisão da negociação desses títulos em
mercado.

377
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

respeitantes aos deveres dos intervenientes no mercado de valores


mobiliários e instrumentos derivados;
ii. A LVM não só era omissa em relação à normas que permitissem a cria-
ção com a segurança jurídica necessária de um mercado secundário
de dívida pública titulada24, como era bastante incipiente no que a
regulação dos organismos de investimento colectivo diz respeito;
iii. A LIF apresentava uma grande inclinação para regular as matérias na
lógica das instituições de crédito e não de forma equilibrada em rela-
ção às IFNB’s ligadas ao mercado de valores mobiliário e instrumentos
derivados25;
iv. Não era clara na LIF a definição do âmbito de actuação do BNA e da
CMC, em termos de supervisão, nas situações em que as instituições
financeiras bancárias exercessem actividade no mercado de valores
mobiliários e instrumentos derivados26;
v. Face a reforma do mercado de capitais, havia toda a necessidade de
adequar o regime da LIF, de formas a acolher o novo paradigma daque-
le mercado, bem como modernizá-lo face aos últimos acontecimentos
do contexto financeiro internacional.

Pelas situações acima descritas e outras, concluiu-se que era de todo pre-
mente a revisão das leis macros do sistema financeiro nacional, conformá-las
à realidade actual do sistema financeiro nacional e internacional27 e ainda,
assegurar a eliminação das insuficiências e imprecisões existentes nos refe-
ridos textos.

24 
A LVM admitia apenas a criação de 2 tipos de mercados regulamentados – de bolsa e de
balcão (Vide n.º 3 do artigo 5.º).
25 
Com uma breve leitura à alínea a) do n.º 1 do artigo 68.º facilmente nos aperceberíamos
que o legislador se referia em especial à banca de retalho e à banca comercial, quando, sendo
a LIF uma lei extensiva ao sistema financeiro como um todo, deveria estender a sua referên-
cia ao mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados e ao mercado segurador e
previdência social.
26 
Vide alíneas j) e m) do n.º 1 do artigo 4.º. Vide igualmente o artigo 93.º da LVM, […] as
instituições financeiras bancárias […], ou outras pessoas nacionais ou estrangeiras que a CMC
determine, podem fazer parte das instituições de compensação e liquidação de valores.
27 
Umas das principais referências foi a Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros
(DMIF) da União Europeia.

378
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

Feita esta breve resenha histórica, abordaremos seguidamente os deveres


das instituições financeiras não bancárias consagradas tanto na LBIF, como
no CódVM.

2. Enquadramento

2.1. A ratio dos deveres na lei de bases das instituições financeiras e no


Código Dos Valores Mobiliários

Na exposição anterior, havíamos referido que o desenvolvimento da acti-


vidade bancária conduziu ao surgimento de novos e complexos instrumentos
financeiros, o que por seu turno determinou que as instituições de crédito
tivessem de ampliar o seu leque de actividades, obrigando mesmo, na maioria
dos casos, a uma especialização da correspondente actividade, dando surgi-
mento às IFNB’s.
Com o surgimento de novas instituições no mercado financeiro, prestando
novos e complexos serviços, muito deles dirigidos ao público investidor e com
uma dinâmica de expansão enorme, aumentou a preocupação das autoridades
estatais em relação ao risco sistémico, não só a nível interno mas também
externo (com o advento da globalização), potencializando o aumento da re-
gulação e supervisão doméstica, por um lado, e a uma maior coordenação
e harmonização internacional, por outro lado, visando garantir o interesse
público, a segurança dos mercados e a igualdade entre os vários agentes que
nele intervêm.
Atendendo aos factos acima expostos, aos últimos acontecimentos nos
mercados internacionais e à estratégia do executivo para o mercado de valores
mobiliários e instrumentos derivados, local melhor não havia, do que os dois
diplomas base do sistema financeiro nacional, portanto a LBIF e o CódVM,
que deveriam transportar em si a bilateralidade, generalidade, abstractivi-
dade, imperatividade e coercibilidade necessárias para a consecução do fim
pretendido.
Começou por ser um processo de revisão e correcção de todas as situações
que obstaculizariam a implementação do mercado de valores mobiliários e
instrumentos derivados nos termos concebidos, para no final, proceder-se

379
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

as respectivas republicações com as correcções e adaptações necessárias ao


novo quadro do sistema financeiro nacional. Contudo, durante o percurso,
concluiu-se que em relação LVM, face a profundidade e importância das
matérias omissas, como das imprecisões identificadas, bem como, face ao
carácter transversal das normas que a mesma procurava regular e do carácter
sistemático que as mesmas deveriam ter, o melhor caminho a seguir era o da
criação de um código. Desta forma surgiu a ideia da criação do Código dos
Valores Mobiliários.
Tanto a Lei n.º 12/15, de 17 de Junho28 (LBIF), como a Lei n.º 22/15 de 31
de Agosto29, que aprova o CódVM, são actuais e espelham o alinhamento
necessário entre a visão do executivo angolano e os passos necessários para im-
plementação do mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados em
Angola. Um mercado que se pretende adaptado à realidade angolana, activo,
desenvolvido, propiciando não somente fontes alternativas de financiamento
e capitalização do Estado e das empresas, como também a rentabilização
das poupanças das famílias e a geração de oportunidades de constituição
e desenvolvimento das empresas que actuam nos mais variados sectores da
actividade económica nacional. Um mercado, contudo, em conformidade com
os princípios e normas internacionalmente aceites30 e coerentes de regulação
e supervisão, com intuito de proteger os investidores, manter os mercados
justos, eficientes e transparentes.

28 
Regula o processo de estabelecimento, o exercício de actividade, a supervisão e o sanea-
mento das instituições financeiras.
29 
Estabelece o regime jurídico basilar do mercado de valores mobiliários e instrumentos
derivados, regulando o regime de supervisão e regulação, os valores mobiliários, os emitentes,
as ofertas públicas de valores mobiliários, os mercados regulamentados e respectivas infra-
-estruturas, os prospectos, os serviços e actividades de investimento em valores mobiliários
e instrumentos derivados, bem como o respectivo regime sancionatório.
30 
A título de exemplo, destacamos os princípios da OCDE – Organização para a Coopera-
ção e Desenvolvimento Económicos, criada a 30 de Setembro de 1961, tem como objectivo
a promoção de políticas que visam alcançar o mais elevado nível de crescimento económico
e de emprego sustentável e uma crescente qualidade do nível de vida nos países membros,
mantendo a estabilidade financeira e contribuindo assim para o desenvolvimento da economia
mundial; contribuir para a expansão económica dos países membros e dos países não membros
em vias de desenvolvimento económico; contribuir para a expansão do comércio mundial,
numa base multilateral e não discriminatória, de acordo com as obrigações internacionais.

380
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

Todavia, não obstante os dois diplomas estabelecerem deveres, o regime


geral aplicável às IFNB’s é o da LBIF, estando, portanto, igualmente sujeitas ao
do CódVM, sempre que agirem como agentes de intermediação31, prestando
um ou mais serviços de investimento em valores mobiliários e instrumentos
derivados em Angola. Neste último caso, estende-se excepcionalmente às
instituições financeiras bancárias agindo na mesma qualidade.

3. O Quadro Geral dos Deveres

Atendendo aos aspectos supra mencionados, a LBIF mantém os princípios


fundamentais reguladores do mercado financeiro angolano, regula o processo
de estabelecimento, o exercício de actividade, a supervisão, o processo de
intervenção e o regime sancionatório das instituições financeiras. No seu
Capítulo VI (dedicado à supervisão), concretamente nos artigos 70.º e seguin-
tes, continuamos a encontrar os princípios gerais sobre os deveres das IFNB’s,
mandados aplicar por força do artigo 118.º. É possível igualmente encontrar
deveres consagrados nos artigos 117.º e 122.º do mesmo diploma, bem como
princípios e deveres nos artigos 330.º e seguintes do CódVM.
Ao contrário do CódVM, a LBIF não faz uma distinção clara entre princí-
pios e deveres32. Aborda-os de forma dispersa ao longo do diploma podendo,
no entanto, ser possível identificar na organização normativa, princípios in-
formadores da actividade financeira e os deveres que os concretizam.
Focando-nos apenas aos deveres, que é a matéria do nosso estudo, é pos-
sível identificar os seguintes:

31 
As instituições financeiras que estejam autorizadas a exercer um ou mais serviços e activi-
dades de investimento em valores mobiliários e instrumentos derivados em Angola e que se
encontrem registadas junto da CMC. Inclui as instituições financeiras bancárias (bancos) que
exerçam actividade no mercado de valores mobiliários e instrumentos derivados nos mesmos
termos que as sociedades distribuidoras de valores mobiliários, por força das disposições
combinadas da alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º da LBIF e do n.º 2 do artigo 3.º do Decreto Le-
gislativo Presidencial n.º 5/13, de 9 de Outubro, das Sociedades Corretoras e Distribuidoras
de Valores Mobiliários.
32 
Não difere muito da LIF n.º 13/05;

381
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

i. Dever de assegurar elevados níveis de aptidão profissional, consagrado


no artigo 70.º, por força do artigo 118.º;
ii. Dever de diligência, consagrado nos artigos 71.º e 72.º;
iii. Dever de informação e assistência, consagrado nos artigos 73.º e 96.º33;
iv. Dever de segredo, consagrado no artigo 76.º;
v. Dever de evitar ou reduzir conflito de interesses, consagrado nos ar-
tigos 83.º e 84.º;
vi. Dever de defesa da concorrência, consagrado no artigo 85.º;
vii. Dever de registar os acordos parassociais, consagrado no artigo 92.º,
por força do artigo 119.º;
viii. Dever de actuação de boa-fé, consagrado nos princípios gerais do
direito;
ix. Dever de sujeição à auditoria externa, consagrado no artigo 97.º;
x. Dever de divulgação de relatório sobre o Governo das Sociedades,
consagrado na alínea i) do n.º 1 do artigo 90.º34;
xi. Dever de adequar os meios humanos materiais e técnicos à prestação
de serviço de qualidade, profissionalismo e eficiência, consagrado na
alínea a) do n.º 1 do artigo 49 e no artigo 70.º, neste último caso por
força do artigo 118.º;
xii. Dever de adoptar políticas e procedimentos de controlo de cumpri-
mento, consagrado na alínea f) do artigo 104.º35;
xiii. Dever de adoptar políticas e procedimentos de gestão de riscos, con-
sagrado na alínea e) do artigo 104.º36.

Já o CódVM condensa os princípios no artigo 330.º, que define as premissas


informadoras de toda a actividade dos intermediários financeiros e dos deveres

33 
O dever de informação pode ser visto em duas perspectivas. Na perspectiva da relação com
os clientes e com o mercado, conforme consagrada no artigo 73.º e na perspectiva da relação
com a entidade de supervisão, consagrada nos artigos 96.º e 122.º da LBIF.
34 
Este artigo deve ser conjugado com o artigo 36.º do Regulamento da CMC n.º 1/15,
de 15 de Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Serviços de Investimento.
35 
Este artigo deve ser conjugado com o artigo 10.º do Regulamento da CMC n.º 1/15,
de 15 de Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Serviços de Investimento.
36 
Este artigo deve ser conjugado com o artigo 11.º do Regulamento da CMC n.º 1/15,
de 15 de Maio, sobre os Agentes de Intermediação e Serviços de Investimento.

382
DEVERES DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NÃO BANCÁRIAS

que são, na maior parte das situações, a concretização daquelas premissas,


nas disposições legais subsequentes, sendo possível identificar os seguintes:

i. Dever de informação, consagrado no artigo 7.º;


ii. Dever de segredo, consagrado no n.º 4 do artigo 330.º;
iii. Dever de assegurar a segregação patrimonial, consagrado no arti-
go 334.º;
iv. Dever de contabilizar e registar diariamente os saldos e as operações,
consagrado no artigo 335º;
v. Dever de conservação e registo dos documentos, consagrado no arti-
go 336.º;
vi. Dever de prevenção ou gestão de conflito de interesses, consagrado
no artigo 337.º;
vii. Dever de tratamento transparente e equitativo dos clientes, consagra-
do no artigo 337.º;
viii. Dever de prevalência dos interesses dos clientes, consagrado no arti-
go 337.º;
ix. Dever de evitar a intermediação excessiva, consagrado no artigo 341.º;
x. Dever de defesa do mercado, consagrado no artigo 342.º;
xi. Dever de categorização dos investidores, consagrado no artigo 343.º;
xii. Dever de avaliação do carácter adequado das operações, consagrado
no artigo 350.º, e;
xiii. Dever de salvaguarda de bens de clientes, consagrado na alínea j)
do artigo 353.º.

4. Deveres Financeiros Gerais Previstos na Lei De Bases das Instituições


Financeiras

Os deveres financeiros gerais resumem-se no conjunto de deveres con-


sagrados na LBIF para as IFNB’s, sejam elas ligadas à moeda e ao crédito,
sujeitas à supervisão do BNA ou ligadas ao mercado de capitais e ao investi-
mento, sujeitas à supervisão da CMC, abrangendo igualmente, com a mesma
dimensão e profundidade, as instituições financeiras bancárias sempre que
agirem como agentes de intermediação.

383
O SISTEMA FINANCEIRO ANGOLANO

4.1. Dever de assegurar elevados níveis de aptidão profissional

As Instituições Financeiras diferem basicamente das demais sociedades


comerciais que também têm no lucro o seu objectivo maior, por utilizarem
recursos de terceiros, em geral captados junto do público investidor, seja para
rentabilizar através de aplicações ou para a concepção de empréstimos, no
caso das Instituições financeiras bancárias ou adquiridos no âmbito da acti-
vidade de intermediação, no caso das IFNB’s. Esta condição exige delas uma
forma de actuação diferenciada, com altos padrões de eficiência, qualidade
e de mitigação de riscos. Tanto é assim que além dos accionistas, os maiores
interessados no bom desempenho da instituição, clientes, órgãos regulado-
res e funcionários preocupam-se com a ocorrência de situações indesejáveis
que possam por em risco não só a sobrevivência da instituição como de todo