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GUERRA DOS BARBAROS: POVOS INDIGENAS

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os_indigenas_e_a_colonizacao_do_sertao_nordeste_do_brasil_1650_1720_/

Livro: A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do sertão


nordeste do Brasil (1650 -1720)

Autor(es): Pedro Puntoni

Editora: Editora Hucitec

Ano: 2004

N.º Páginas: 323

Em dezembro de 1890, o ministro Rui Barbosa mandou queimar todos os papéis,


livros de matrícula e documentos relativos a escravos nas repartições do
Ministério da Fazenda com o objetivo de eliminar os comprovantes de natureza
fiscal que pudessem ser utilizados pelos ex-senhores para pleitear a indenização
junto ao governo da República, já que a lei de 13 de Maio de 1888 havia
declarado extinta a escravidão, sem reconhecer o direito de propriedade servil.
Assim, acabou também com boa parte da memória da escravidão, sendo por
isso hoje execrado pela maioria dos historiadores.

Se para escrever a história dos africanos que vieram para o Brasil, já há


obstáculos como esses, imaginemos, então, as dificuldades para se tentar
levantar a história dos povos indígenas. Escarafunchar a documentação não só
é difícil como tarefa ingrata em razão das lacunas que se formaram. Até porque
pouco interessava à colonização a seqüência quase ininterrupta de assassínios
e massacres que levaram os povos autóctones até a sua quase completa
extinção. Se ainda hoje, de vez em quando, lemos nos jornais sobre ataques de
posseiros ou latifundiários a povoações indígenas, não é difícil imaginar o
genocídio americano que se seguiu anos a fio durante os séculos XVI, XVII e
XVIII.

Apesar de todas essas dificuldades, Pedro Puntoni, professor de História do


Brasil na Universidade de São Paulo (USP) e também pesquisador do Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), não se intimidou e escreveu “A
Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e colonização do sertão nordeste do
Brasil (1650-1720)”, versão ligeiramente modificada de sua tese de
doutoramento apresentada em 1998 à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da USP.

Nesse estudo, Puntoni resgata, de maneira exaustiva e eficiente, um dos


episódios mais violentos de nossa história, a Guerra dos Bárbaros (1651-1705),
que se deu na mesma época das guerras dos Palmares, mas dividida entre os
acontecimentos do Recôncavo Baiano (1651-1679) e as guerras do Açu (1687-
1705), na ribeira do rio deste nome no sertão do Rio Grande do Norte e do Ceará.
Ao contrário da epopéia do Quilombo dos Palmares e seu chefe Zumbi, que se
beneficiou pelo fortalecimento do movimento negro e pelo espaço conquistado
pelo escravo na historiografia moderna, principalmente de conteúdo marxista, a
Guerra dos Bárbaros tinha até aqui despertado pouca atenção dos
pesquisadores. Como se trata de povos ágrafos, é claro que a documentação
que resta em arquivos de Portugal e do Brasil mostra só o lado dos brancos,
diferentemente do ocorrido na Meso-América.

Ainda assim, a história do massacre dos povos indígenas é perceptível nas


entrelinhas de uma documentação administrativa escrita principalmente para
pleitear e justificar mercês e promoções de funcionários da Coroa. “Não há
sequer uma crônica coesa dos acontecimentos”, lamenta Puntoni no prefácio. “O
historiador dessas guerras se vê, então, diante de um papelório no qual deve
garimpar, aqui e acolá, pequenos indícios, com base nos quais poderá formar
uma visão mais abrangente dos sucessos”.

O povoamento do interior deu-se, de um lado, pela descoberta de minérios, que


provocou o deslocamento brusco de populações e, de outro, pela abertura de
fazendas de gado. No Nordeste, com a expulsão dos holandeses em 1654 pelos
naturais do lugar e descendentes dos primeiros colonizadores, sem qualquer
ajuda da metrópole, a situação econômica agravou-se, especialmente pela
decadência da economia açucareira. Isso levou a Coroa a buscar alternativas a
partir da expansão rumo ao interior, o que, obviamente, redundou em conflitos
com os indígenas.

Os ataques dos tapuias do sertão às fazendas, plantações e povoados do


Recôncavo Baiano também resultariam em uma série de expedições punitivas
que determinaram a forma de extermínio que seria praticado nos séculos
seguintes. Puntoni rechaça teorias conciliatórias defendidas pelo historiador
inglês Charles R. Boxer e pelo antropólogo brasileiro Darci Ribeiro segundo as
quais teria havido uma incorporação dos povos dominados. O que houve mesmo
foi extermínio, matança generalizada, eliminação.

Para o autor, afirmar que havia uma preocupação de engajar os indígenas numa
empreitada colonizadora, como povos aliados e integrados, mesmo entre os
holandeses - que também recorreram a esse expediente -, não equivale a dizer
que os indígenas foram poupados da escravidão e do genocídio.

Como se sabe, em fins de 1641, ao conquistar o Maranhão, os holandeses,


alegando a ausência de escravos negros, viram-se na contingência de usar o
índio, constrangendo-o ao trabalho forçado. Em todas essas batalhas, destacou-
se a atuação dos paulistas, gente já acostumada a capturar índios no sertão que
foi requisitada como mão-de-obra especializada para a conquista do interior do
Rio Grande do Norte, do Maranhão e da Bahia. As tropas seguiam por mar em
embarcações que saíam de Santos.

Em conclusão, o autor observa que a violência nunca deixaria de caracterizar as


relações entre os moradores e os povos indígenas remanescentes no sertão
norte do Estado do Brasil. Lembra até uma observação do ouvidor do Piauí,
Antônio José de Morais Durão (a quem chama de Mourão, provavelmente, por
erro de leitura), que, em 1772, numa descrição da capitania – que consta hoje
do acervo do Arquivo Histório Ultramarino, de Lisboa –, acusou os índios, mesmo
os pacificados, de sempre viverem com violência, “esperando ocasião oportuna
para se levantarem”.

Durão declarou seu horror à miscigenação, pois, para ele, nos sertões, formava-
se “um só povo de nações tão diversas em que sempre se respira serem os
mesmos vícios de cada uma delas realçada”, acrescentando que “são esses
demônios encarnados os curibocas, mestiços, cabras, cafus e mais cafres de
que a terra só é abundante”.

Para quem não sabe, Morais Durão, natural de Moura, no Alentejo, homem que
tinha tanto horror à miscigenação, seria ouvidor na ilha de Moçambique a partir
de 1781 e lá morreria no cargo em 1784, em época um pouco anterior à chegada
do ex-ouvidor de Vila Rica, o poeta Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810),
nascido no Porto e degredado por sua participação na conjuração de Minas
Gerais em 1789.

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