Você está na página 1de 5

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO

BACHARELADO EM ATUAÇÃO CÊNICA -1°PERÍODO

As convenções e o público sob o viés do épico e dramático

Disciplina: FPET
Docente: Renato Icarahy
Discente: Rodrigo Francisco Andrade

Rio de Janeiro
2015
O Jogo teatral opera com a noção de convenções para produzir a sensação de realismo? E
mais, buscamos sempre sentidos para estabelecermos uma relação com a realidade? Como a
encenação pode ser observada em relação com o Real?
É certo de que a teatralidade opera com o jogo de convenções e na era da modernidade a
teatralidade é uma ação constantemente renovada pela experiência, seja na relação do artista
com a obra, seja na relação deste com o espectador, e desse último com a obra posta em cena.
A partir desse relacionamento o jogo teatral vai-se renovando, criando assim novas
significações e convenções sobre o fazer teatral. Dessa forma, novas convenções surgem, e ao
romper com o jogo de convenções cria-se outras sobre o processo de encenação.
Podemos compreender o jogo das convenções teatrais de acordo com o seu tempo e sua
época, os fatores sociais e históricos influenciam em determinados processos teatrais assim
como em todos os âmbitos das artes. Um movimento artístico sempre influencia o outro e
dessa forma cria seu jogo de convenções. A figura do encenador surge para organizar o jogo
de convenções estabelecidas pelo jogo cênico, ou seja, para explicar as regras das convenções,
ao mesmo tempo coloca em ordem as questões que permeiam o palco.
Segundo Bernard Dort em O teatro e a sua realidade, (pág 68), “O encenador é uma função
moderna, ele tem a função de salvaguardar a coerência do espetáculo e como meio de
expressão artístico”.
Na era da modernidade embora a função deste seja organizar as convenções estabelecidas
pelo fazer teatral e como uma figura de mediador entre a obra e o público, ele também busca
formas diferentes de fazer e pensar o teatro, Dort afirma que “A figura do encenador não está
ligada a uma moldura conforme as tradições na concepção da obra, e sua função é sobretudo
constituir uma atmosfera da ação”. (pág. 68). Quando Dort refere-se em salvaguardar ele diz a
respeito de conservar a essência do texto, não preocupando-se porém em fazer uma montagem
fidedigna da qual o público está acostumado, e sim ir além, rompendo paradigmas
estabelecidos pelo jogo de convenções teatrais pois o ato da representação é autônomo.
Mas muitas vezes o espectador está automatizado em convenções que sua época e seu fator
social lhe impõem, o público em muitas situações está acostumado a uma única forma, sempre
com o mesmo olhar para com a obra e não permite-se mergulhar com o encenador no processo
artístico, qualquer acontecimento fora dos eixos desestabiliza-o, é necessário reconhecer que o
fazer teatral opera com a noção de mobilidade e a capacidade de se romper com as
convenções.
Dessa forma, o teatro liberta-se de formas fixas que tradicionalmente lhe são
atribuídas, mas o romper não ocorre de imediato e nem rompe-se totalmente com a herança
dada por outras formas, o novo sempre carrega em si algo do que já se foi, e essa relação é
necessária para se produzir o novo, já que este não advém do nada e não deve-se negar a
existência de outras convenções no processo teatral e busca de uma nova criação.
Hutcheon discorre que:

O pós-modernismo confronta e contesta qualquer rejeição ou recuperação


modernista do passado em nome do futuro. Ele não sugere nenhuma busca para
encontrar um sentido atemporal transcendente, mas sim uma reavaliação e um
diálogo em relação ao passado a luz do presente. (HUTCHEON, 1991, p. 39)

O antes pode ser moderno, desde que, negue a tradição e nos proponha outra, porém não
menosprezando o que já fora realizado, é nesse sentido que se fala em negação, negar para
propor, o antigo não é apenas um passado e sim um começo, não se rompe de total com o
clássico, a modernidade usa sempre deste para compor e criar o novo, a novidade não surge do
nada. “O pós-modernismo não nega a existência do passado, mas de fato questiona se jamais

poderemos conhecer o passado a não ser por meio de seus restos textualizados ”.
(HUTCHEON, 1991, p. 39)
Desta forma, a prática artística é um movimento em constante mobilidade, quem interage
com essa prática deve estar antenado a essa questão. E o artista que não consegue acompanhar
a constante mobilidade do fazer artístico priva-se de propor, e assim tende a uma linguagem
ultrapassada que perde eficácia contemporânea.
O encenador e dramaturgo Bertold Brecht soube ressignificar as questões que tangem as
convenções teatrais. Com seu teatro épico ele distancia-se do gênero dramático “puro” e
convida através do efeito do distanciamento o espectador a pensar, criticar e analisar. Através
desse efeito o encenador provoca o espectador, ao provocá-lo ele é levado a não olhar mais os
fatos com o olhar corriqueiro, habitual e sim com um grau de compreensão. As obras de
Brecht visam despertar dessa forma o público, desautomatizando-o . Segundo Rosenfeld,

O publico reconhecerá que as próprias condições sociais são apenas relativas e,


como tais, fugazes e não “enviadas por Deus”. Isso é o início da crítica. Para
empreender é preciso compreender. Vendo as coisas sempre tal como elas são, elas
se tornam corriqueiras, habituais e por isso, incompreensíveis. Estando identificado
com elas pela rotina, não as vemos com o olhar épico da distância. (ROSENFELD,
2006, p.151)
Brecht nos convida por esse meio a tomarmos as rédeas do juízo crítico para que possamos
ser donos de nossas “virtualidades criativas e transformadoras” (ROSENFELD, p.151), é o
que ele propõe em “A alma boa de Setsuan”, o encenador quebra as convenções, e assume ao
espectador a quebra dessas convenções para que este tome consciência que é preciso repensar,
o público assim sendo entra em estado de choque, esse estado leva-o a um processo de não
reconhecimento da familiaridade nos que diz respeito as convenções, e assim esse espectador
repensa, recupera seu juízo de criticidade e de análise.
Em “A Alma boa de Setsuan” não se observa a estrutura de unidade Aristotélica que na obra
dramática por se constituir drama possui, no drama tudo é orgânico e não “anorgânico” como
aborda Anatol. E para a essência do drama, “tudo motiva tudo, o todo as partes, as partes o
todo” (ROSENFELD, p.33). Como é o caso de “As Três irmãs”, onde o desenrolar de ações
encadeadas caminham para o desfecho. O texto de Tchékhov mantém relação estreita com a
realidade assegurando ao espectador a noção de verossimilhança. Ao abordarmos “As três
irmãs” devemos estar atentos que o texto foi concebido no contexto do realismo/naturalismo,
esses movimentos exigiam profundo estado de verossimilhança com a realidade, na encenação
do dramaturgo Russo percebesse-se que aspectos como o diálogo dos atores, os gestos e as
ações estão muito próximas a contexto do real.
Dessa forma, ao analisarmos “Alma boa de Setsuan” e “As três irmãs”, ambas com seus
estilos e pretensões de atingir o efeito sobre o público de uma determinada forma, percebemos
as convenções e suas quebras, em Tchékhov a quebra das convenções ao processo artístico e
literário em relação Romantismo, propondo uma nova forma de fazer e conceber o teatro. As
personagens de “As três irmas” vivem em meio a crise da existência sempre procurando algo
que possa confortá-los. Essa crise acerca da existência foi em Tchékhov uma nova forma de
romper com os paradigmas do teatro que até então era produzido em sua época. Em Brecht
observa-se a preocupação em acordar o público através do efeito de distanciamento para que
esse desperte para sua realidade e seus fatores sociais.
Assim sendo, qualquer proposta destinada a representação, exige a complementação cênica
para constituir-se enquanto teatro. Portanto, qualquer forma de gênero que pretende-se ser
encenada tem relação estreita com o espectador, como afirma Rosenfeld, (ROSENFELD.
p.35) “o teatro, como representação real, naturalmente depende em escala ainda maior de um
público e nesse fato reside uma das suas maiores vantagens e forças”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DORT, Bernard. O teatro e sua realidade. Tradução de Fernando Peixoto. 2. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2010 .p.68

HUTCHEON, L. A poética do pós modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro:


Editora Imago,1991. p. 39.

ROSENFELD, Anatol. Teatro épico. São Paulo, Perspectiva, 2006. p.33- 35-151

Você também pode gostar