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1 DECLARAÇÃO DE HONRA

Declaro por minha honra que o presente trabalho de fim de curso de Licenciatura em

Direito é produto da minha própria investigação. Todo conteúdo inserido neste

trabalho é originário e nunca foi usado antes por outro indivíduo ou por qualquer

outra instituição para obtenção de qualquer grau. Toda a bibliografia usada foi

devidamente citada e consta nas referências bibliográficas deste trabalho.

Deolinda Amimo

––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

I
DEDICATÓRIA

….Aos meus pais Amimo Paulo e Filomena Nipuanha, aos meus Filhos Donaciano
Matua, Belarmino da Cruz e Maria Deolinda e ao meu Esposo Cruz Mário, que, ajudaram-me
no decurso dos meus estudos.

Nunca vou esquecer de vocês por tudo que tem feito por mim e do que vocês representam para
mim...!

II
SIGLAS/ABREVIATURAS

OMS…..........................................................................Organização Mundial de Saúde

ONU..............................................................................Organização das Nações Unidas

DIH...............................................................................Direito Internacional Humanitário

DIDH...........................................................................Direito Internacional dos Direitos


Humanos

PIDESC.......................................................................Pacto Internacional sobre Direitos


Sociais, Económicos e Culturais

III
1.1 LISTAS DE MAPAS

Mapa 1: Localização Geográfica da Cidade de PembaErro! Marcador não definido.

1.2 LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Distribuição percenctual da população inquiridaErro! Marcador não

definido.

Gráfico 2: Distribuição da populacao inquirida por sexo...........................................26

IV
AGRADECIMENTO

A Deus pela saúde dada ao longo da formação até a realização do trabalho final.

À meu supervisor, pela paciência e apoio dado desde o primeiro dia que lhe foi incumbida a missão de

supervisionar o meu trabalho.

A todos que directa ou indirectamente, contribuíram para a minha formação, o meu muito obrigado!

V
RESUMO

O estudo sobre os deslocados na província permite compreender as relações e


transformações socioeconómicas e seus efeitos na população deslocada, como
consequência da guerra resultante do terrorismo.

Esta pesquisa teve como foco o Papel do Estado na Salvaguarda dos Direitos das
Pessoas Deslocadas na Província de Cabo Delgado.

O estudo baseou-se na análise de resultados obtidos na visita dos bairros da cidade de


Pemba e alguns centros de acomodação dos deslocados provenientes dos distritos
afectados pelo terrorismo, para além das entrevistas ao grupo-alvo pré-seleccionados
devido as características resultantes da guerra em causa.

De um total de 157 pessoas entrevistadas na cidade de Pemba, têm idades


compreendidas entre 18 e 67 anos, dos quais 114 são do sexo feminino e 43 pertence a
população masculina respectivamente.

Na área de estudo, constatou-se que em termos de apoio, o governo presta todo tipo de
serviços sociais básicos para manutenção da dignidade humana aos deslocados, mas os
mesmos serviços prestados são deficitários (alimentação, saúde, Higiene das populações
etc) facto que leva alguns deslocados a abandonarem colocando em causa o
cumprimento dos Direitos Humano que o Estado ratificou em algumas convenções,
pactos e a legislação interna.

Os resultados das entrevistas e avaliação dos serviços prestados aos deslocados, indicam
que as Organizações não-governamentais prestam mais apoio em do que o Governo.

Palavras-chaves: Terrorismo, Deslocados, Direitos Humanos, Cabo Delgado

VI
ABSTRACT

The study of displaced people in the province allows us to understand the socio-
economic relationships and transformations and their effects on the displaced
population as a consequence of the war derived from terrorism.

This investigation focused on the role of the State in safeguarding the rights of
displaced persons in the province of Cabo Delgado.

The study was based on the analysis of the results obtained in the visit to the
neighborhoods of the city of Pemba and some reception centers for displaced people
from the districts affected by terrorism, in addition to interviews with the pre-selected
target group due to the resulting characteristics of the war in the cause.

Of a total of 157 people interviewed in the city of Pemba, they are between 18 and 67
years old, of which 114 are women and 43 belong to the male population respectively.

In the study area, it was found that in terms of support, the government provides all
kinds of basic social services for the maintenance of human dignity to the displaced, but
the same services provided are deficient (food, health, hygiene of the population , etc.).
It leads to the departure of some displaced persons, questioning the fulfillment of
Human Rights that the State has ratified in some conventions, pacts and internal
legislation.

The results of the interviews and the evaluation of the services provided to internally
displaced persons indicate that Non-Governmental Organizations provide more support
than the Government.

Keywords: Terrorism, internally displaced persons, human rights, Cabo Delgado

I
1.3 CAPITULO 1- INTRODUÇÃO

Contexto do Estudo

A dignidade da pessoa humana assume, a cada dia, papel mais importante no contexto
do Estado Democrático de Direito. No passado, a humanidade sofreu com as
malvadezas provocadas pelo Estado. Superada aquela infeliz fase da história mundial,
com o advento da Declaração Universal da ONU, de 1948, foram impostos limites aos
poderes estatais, que permitiram aos indivíduos conviver em um cenário de maior
segurança, paz e dignidade em suas vidas, (Moraes, 2003).

Contudo, não se pode olvidar que o princípio da dignidade da pessoa humana possui
conexões com os direitos fundamentais e que os operadores do direito tentam ou
tentarão fazer uso, cada vez mais, dessas pretensões constitucionais. Todavia, a
utilização incorrecta desses institutos poderá causar banalização e descrédito dos
mesmos, (Sarmento, 2004).

Assim, os direitos fundamentais são direito público de pessoas (física ou jurídicas),


contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram carácter normativo
supremo dentro do Estado, tendo como finalidade potenciar o exercício do poder estatal
face da liberdade individual (idem).

Considera-se que o Estado e a sociedade evoluíram e, como consequência, houve o


desenvolvimento dos direitos e das garantias fundamentais. Actualmente, o campo de
abrangência dessas pretensões públicas cresceu, já que, além de defender a pessoa
contra os entes estatais, também constitui instrumento de defesa contra outros
particulares.

À vista disso, o presente projecto infere-se do cenário de terrorismo em Cabo Delgado,


sobretudo a deslocação da população nos distritos afectados, pois, verifica-se diversas,
graves e complexas as consequências que tem o terrorismo, sobre a vida, a qualidade de
vida, a saúde, a atenção da saúde e a prevenção das doenças naquele ponto geográfico
do país. Ao pretender descrevê-las, é inevitável o cruzamento entre formas específicas
de violência e suas principais vítimas.

1
Ao mesmo tempo, observa-se que vários fenómenos podem ser igualmente expressão e
consequência do conflito e, portanto, afectar diversas vítimas e alterar tanto sua
qualidade de vida como as distintas dimensões físicas, afectivas e psicossociais da
saúde.

O presente projecto para a realização de monografia como requisito em culminação do


curso em Licenciatura em Direito, intitulado “ Papel do Estado na salvaguarda dos
Direitos das Pessoas deslocadas na Província de Cabo Delgado” , na perspectiva de
protecção e segurança dos deslocados forçados devido a guerra. O cerne é contribuir
para uma melhor intervenção do actual estágio do Estado Democrático de Direito em
momento de guerra e sobre seus impactos na camada social tanto no local de saída
como no local de chegada (Cidade de Pemba).

Colocação do Problematização

Desde o início do terrorismo no ano de 2017, na província de Cabo Delgado, verifica-se


o aumento de número de população a deslocar-se para cidade de Pemba com objectivo
de procurar protecção e segurança, esses desejos tão necessitados pelos deslocados neste
momento, estão prescritos nos Direito Internacional Humanitário (DIH).

A província em causa, também atende um país de Estado Democrático, que é proposto


para que o Estado deve assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (Alves et al,
2009).

Como forma de atentar para a relação existente entre os Direitos Humanos e a


Dignidade da Pessoa Humana, buscando primar os pontos relevantes existente entre
esses institutos, uma vez que se usa com frequência a invocação da dignidade da pessoa
humana como o remédio para todos os males que atingem e conflituam os Direitos mais
nobres do ser humano que é a sua dignidade.

Isto por que o Direito Humano por ser é um meio de mitigar as desigualdades para o
encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de
todos.

2
Assim, Castilho (2011), faz repensar que a expressão direitos humanos representa o
conjunto das actividades realizadas de maneira consciente, com o objectivo de assegurar
ao homem à dignidade e evitar que passe por sofrimentos. (…) Que todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos, são dotadas de razão e consciência e
devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

Diante ao exposto, percebe-se que, o Direitos Humanos tem o condão de auxiliar no


entendimento dos dispositivos regulado e supralegal, para que o valor máximo do
homem, para que sua dignidade seja resguardada.

Tratando a todos com respeito e consideração, ao mesmo tempo em que preservará suas
prerrogativas e o direito de receber igual tratamento das pessoas com as quais se
relacionam, garantido a todos que seja concedido tratamento condizente com a
dignidade da pessoa humana, civilizar o tratamento a todos com respeito e
consideração, ao tempo em que preservará seus direitos e prerrogativas, devendo exigir
igual tratamento de todos com quem se relaciona (Abebe, 2011).

As normativas referentes aos direitos humanos, que são aplicáveis tanto em período de
guerra como em situações de conflito armado, também fornecem uma importante
protecção aos deslocados internos. Tem como objectivo evitar o deslocamento de
pessoas e garantir os direitos básicos, caso ele venha a ocorrer (Abebe, 2009).

A proibição da tortura, do tratamento ou da punição brutal, desumana ou degradante, e


o direito de desfrutar pacificamente da própria propriedade, da vida doméstica e familiar
são particularmente importantes para evitar o deslocamento. (Alves at al, 2009).

O direito à segurança pessoal e a um lar, assim como os direitos à comida, abrigo,


educação e acesso ao trabalho oferecem uma protecção essencial durante o processo de
deslocamento. Muitos desses direitos também desempenham um papel importante no
retorno (Idem).

Entretanto, na prática, não é o que acontece. As populações atingidas pelo terrorismo


em Cabo Delgado, deixaram suas casas por causa dos combates. Milhões de pessoas
que lutam pela sua sobrevivência e obrigadas a fugirem para cidade de Pemba, sendo
abrigadas em casas de família de outras comunidades.

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Este processo de acolhimento deveria é meramente do Estado de construir centro de
acolhimento aos deslocados, de modo a não transferir as responsabilidades para os
familiares, que de certa forma encontram-se em condições de extrema pobreza e
vulnerabilidade.

Esses e outros direitos humanos devem ser assegurados para qualquer pessoa sem
discriminação, incluindo a discriminação fruto do deslocamento. O Direito
Internacional Humano é aplicável em situações de conflito armado, seja ele de âmbito
internacional ou nacional.

Se os deslocados internos estiverem em um Estado envolvido em conflito armado,


desde que não estejam tomando parte das hostilidades, serão considerados civis e, dessa
forma, terão direito à protecção garantida aos civis.

Nesse sentido, o presente projecto, pretende analisar de que forma as autoridades locais
lidam com os deslocados provenientes de vários distritos, sobretudo as questões
relacionados aos Direitos Humanos e Dignidade preceitos fundamentais para protecção,
segurança e bem-estar dos deslocados.

O projecto aqui apresentado, procura dar uma resposta válida a seguinte pergunta:

 Em que medida são concedidos os Direitos Humanos e dignidade aos


deslocados provenientes de vários distritos de Cabo Delgado devido ao
terrorismo?

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Justificativa

Desde 2017 que começou o terrorismo em Cabo Delgado, na cidade de Pemba, o


número de pessoas deslocadas provenientes dos distritos mais assolados pela guerra
continua aumentando. Espalhados por toda cidade. Encurralada em meio à violência que
envolve aos terroristas, grande parte da população civil, especialmente nas zonas rurais,
vêem-se obrigadas a fugir de suas terras e vilas.

Alguns encontram-se em um sistema de assistência ou protecção consolidado e forçados


a viver em situação quase de abandono, obrigados a reassentam-se em condições de
total precariedade junto das famílias existentes na cidade de Pemba.

Desprovidos de seus lares e muitos de seus bens, obrigados a viver na miséria quase
absoluta, separados de familiares e amigos e em geral discriminados, nalgumas vezes as
mulheres optam prostituírem-se para alimentar, em geral de natureza interna, a
deslocação de pessoas aumentou e passou a ser vista como problema social e ambiental.

Sua principal característica é que as vítimas, mesmo fugindo de suas regiões de


residência habitual, alguns deslocados cruzam as fronteiras internacionais e outros não
cruzam. Trata-se, essencialmente, de um problema causado ou exacerbado por violações
de direitos humanos.

Como tal reflecte descompassos sociais graves e, em grande parte dos casos, não
encontra solução durável apenas por meio de políticas estatais internas não eficazes em
termos de protecção e apoio.

Mesmo elevado ao topo das discussões humanitárias das Nações Unidas, tendo sido
inclusive tema de debates e resoluções do Conselho de Segurança, muito pouco se fala,
no país, sobre questões relativas a pessoas deslocadas internas sobretudo a dignidade
dessas pessoas.

Moçambique, muito honrosamente, além de ter ratificado os instrumentos internacionais


pertinentes ao tema, ainda tem uma lei nacional versando exclusivamente sobre a
questão central.

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O pais, apesar de fazer parte de um continente que convive diariamente com a crise
humanitária mundial que percebemos na actualidade, ainda é pouco desenvolvido no
assunto, mas demonstra estar buscando um maior desenvolvimento para lidar com a
questão.

Entretanto, não basta que Moçambique tenha leis nacionais ou seja parte de
instrumentos internacionais para que efectivamente lide com os direitos e deveres dos
deslocados. É mais do que necessário que procedimentos internos sejam adoptados para
uma maior satisfação da protecção dos deslocados, visando garantir sua segurança e
bem-estar.

Por sua vez, devo ressaltar que não é somente do Estado a total responsabilidade pela
protecção dos deslocados, o Alto Comissariado das Nações Unidas e outras instituições
internacionais que lidam com refugiados ou deslocados, por não terem território
próprio, actuam nos territórios dos Estados, visando a efectivação da protecção da
população obviamente com a permissão do próprio Estado.

No entanto, cabe dar destaque ao facto de que a protecção dos deslocados não tem por
fim o momento da aceitação das províncias em receber esses indivíduos em seu
território, vai além, muito além.

Por que motivo é que durante o presente trabalho, dedicar-se-á um momento para
demonstrar a real efectividade da protecção, demonstrando o mais detalhadamente
possível a presença de acções que viabilizem a maior satisfação dos direitos e a
reposição da dignidade dos deslocados e uma efectiva protecção.

Por fim, objectivando analisar a efectividade da protecção do Estado moçambicano aos


deslocados no âmbito do Poder Judiciário, uma pesquisa jurisprudencial será realizada,
demonstrando o real posicionamento do referido Poder.

Por ser uma questão actual e por presenciarmos a maior crise humanitária que acontece
desde 2017 na província de Cabo Delgado, a atenção volta-se com maior força para o
tema. Não basta que somente o governo lide com tal questão, é necessário maior
empenho da sociedade civil, buscando inserção desses indivíduos na sociedade, tendo
em vista a dificuldade em buscar um novo lugar em uma cultura geralmente diferente.

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À primeira vista, muitos podem se perguntar sobre o interesse que a temática possa
suscitar em Moçambique, ao argumento de que, em razão das geográficas da província e
do país, provavelmente a população mais afectada não seriam forçados a se deslocar
para outros distritos ou mesmo províncias do país por causas da guerra, ainda que
agravadas pelo terrorismo.

Ambiguamente, muitos consideram que o tema diga somente respeito dos outros países
africanos que vivem em guerra em todos anos, e que, por isso, não mereça a atenção de
uma tese em direitos humanos em Moçambique, sobretudo na província de Cabo
Delgado.

Em uma perspectiva internacional imediata, já se verifica a relevância do tema para o


posicionamento de Moçambique quanto ao estatuto jurídico que deva ser aplicado às
pessoas que buscam abrigo após terem deixado suas zonas de origem em razão de
contextos de guerra (terrorismo).

Por exemplo, muitas pessoas têm buscado melhores condições de vida em alguns
distritos da província de Cabo Delgado, sendo que esta província é uma das do país, que
mais sofre com a escassez de água, falta de serviços básicos sociais e infra-estruturas
que podem alavancar o desenvolvimento da população residente.

Em uma perspectiva internacional mediata, a relevância do tema parece ainda mais


clara. As causas de guerra que orientam e provoca o deslocamento forçado de pessoas
(em evento intrinsecamente multicausal) resultam da relação estabelecida entre o
homem e a descobertas dos recursos naturais valiosos, que, além de insustentável, do
ponto de vista do desenvolvimento social, expõe enormes dificuldades as comunidades
que menos teriam contribuído menos de enfrentar guerras.

Do ponto de vista do discurso de protecção dos direitos humanos, que inclui a protecção
da existência humana digna, afrontada pelos efeitos do agir humano sobre a ganância, o
tema também é central.

O potencial de agravamento de conflitos preexistentes em razão de pressões por


deslocamentos de pessoas associados a causas de guerra em Cabo Delgado exigirá a
actuação internacional para garantia da segurança internacional e de direitos humanos às
comunidades envolvidas.

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Cabo Delgado, que almeja maior centralidade na geopolítica internacional, e aspira até
mesmo a um dos maiores investimentos feito pela TOTAL, deverá, sem dúvidas,
posicionar-se sobre os instrumentos jurídicos a serem utilizados para o enfrentamento
dos desafios apresentados pela temática.

OBJECTIVO

Objectivo Geral
O objectivo geral do presente estudo consiste em analisar o papel do Estado na garantia
dos direitos dos deslocados na Província de Cabo Delgado.

Objectivos específicos
Em termos específicos, o estudo visa:

 Identificar as necessidades das pessoas deslocadas em Cabo Delgado;


 Descrever as acções do Estado no apoio aos deslocados em Cabo
Delgado;
 Relacionar as acções do Estado no apoio aos deslocados com os
protocolos internacionais e ferramentas nacionais;
 Propor possíveis medidas de melhoria quanto a protecção, segurança e
manutenção de bem-estar dos deslocados no âmbito do Poder Jurídico.

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HIPÓTESES

Segundo Silva e Menezes (2001), citado por Mauvilo (2011), a hipótese é a directriz de
todo o processo de investigação, isto é, orienta o planeamento dos procedimentos
metodológicos necessários à execução da pesquisa. Richarddson (1999), consideram
que o pesquisador assume a hipótese como sendo a resposta provisória para a solução
do problema do estudo.

Constituem hipóteses do trabalho, nesta pesquisa, as seguintes:

a) A satisfação da população deslocada na cidade de Pemba, pressupõe que haja


um bom desempenho do Estado em termos de segurança, protecção e
manutenção do bem-estar;
b) O não cumprimento dos protocolos e dispositivos legais na protecção aos
deslocados leva-os a vulnerabilidade.

ESTRUTURA DO TRABALHO

O trabalho está estruturado em 5 capítulos:

Capitulo 1: constitui a parte introdutória do trabalho, onde de forma resumida está


exposto o contexto do estudo, a colocação do problema em causa, os objectivos que se
pretendem alcançar e hipóteses do trabalho.

Capitulo 2: corresponde à metodologia aplicada para a realização do trabalho, revisão


bibliográfica e pesquisa documental;

Capítulo 3: corresponde à revisão bibliográfica, onde debate-se ideias de diversos


autores, relatórios e outros artigos científicos sobre a matéria relacionada com o tema,
para além de conceitos fundamentais ao trabalho para o seu melhor entendimento.

Capítulo 4: é sobre a caracterização geográfica da área de estudo, destacando a


localização Geográfica e divisão administrativa da área de estudo, as características
físico-geográficas, mas também características da população.

Capítulo 5: faz-se a apresentação e análise dos resultados, com base nos dados obtidos
do nas entrevistas aos deslocados, para além de interpretação das convenções e pactos

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internacionais sobre direitos internacionais dos deslocados/refugiados.

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2. METODOGIA

Metodologia/técnicas de pesquisa

Para a concretização dos objectivos traçados na presente pesquisa foi necessário


recorrer a certos métodos e técnicas de pesquisa que permitiram que as hipóteses de
estudo fossem comprovadas. Dentre os métodos e técnica usada, os destaques vão para
a revisão bibliográfica, pesquisa documental, inquérito, entrevista.

Para o alcance dos objectivos previamente traçados no âmbito da realização do trabalho


científico, é necessária a aplicação de métodos que, para Marconi (2001), consistem em
uma aplicação de uma série de regras com finalidade de resolver determinado problema
ou explicar um facto.

Um conjunto das actividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e


economia, permite alcançar o objectivo de conhecimentos válidos e verdadeiros,
traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do cientista
(Lakatos e Marconi, 2003).

Num trabalho científico de modo geral, inicia-se com a colecta de dados sejam eles
bibliográficos ou de pesquisa de campo, supostamente importantes para um referido
problema (Marconi, 2001).

Para a recolha dessa informação na perspectiva de Campenhoudt e Quivy (1992), não


existe dentro da diversidade de métodos científicos existentes os melhores, a escolha
deles depende dos objectivos do modelo de análise e das características do campo de
análise.

Nesta óptica de ideia, o presente trabalho tem uma forma de abordagem que é
qualitativa que, prende-se em analisar descrevendo e interpretando o fenómeno de
deslocamentos populacionais devido a guerra em Cabo Delgado.

O estudo é exploratório e descritivo em que, segundo De Assis (s/d), a exploratória tem


a finalidade de proporcionar maiores informações sobre determinado assunto, facilitar a
delimitação de um tema de trabalho.

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Para Gil (2008), são desenvolvidas com objectivo de proporcionar visão geral, é
realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e enquanto a
descritiva, visa observar, registar, analisar, clarificar e interpretar os dados na
perspectiva de De Assis (s/d) e para Gil (2008), tem como objectivo primordial a
descrição das características de determinada população ou fenómeno ou
estabelecimento de relações entre as variáveis.

A pesquisa bibliográfica, constitui o procedimento metodológico mais aplicado neste


trabalho que implica em um conjunto ordenado de procedimentos de busca por
soluções, sempre realizada para fundamentar teoricamente o objecto de estudo,
contribuindo com elementos que subsidiam a análise futura dos dados obtidos e tem
sido um procedimento bastante utilizado nos trabalhos de carácter exploratório-
descritivo (Mioto e Lima 2007).

A pesquisa bibliográfica, consistiu também na pesquisa documental que, foi efectuada a


partir da recolha institucional de informações e pesquisa de artigos científicos, que
abordam o assunto de deslocados, guerra, direitos humanos, para além de relatórios de
tratados internacionais sobre protecção, segurança e bem-estar dos deslocados.

A fonte de colecta de dados na pesquisa documental está restrita a documentos, escritos


ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias. Estas podem ser feitas no
momento em que o facto ou fenómeno ocorre, ou depois (Marconi e Lakatos, 2003).

A recolha institucional de informações úteis ao trabalho, será feita ao nível das


direcções que lidam com os assuntos de deslocados na cidade de Pemba, tais como
INGD e Liga dos Direitos Humanos informações, mas também algumas Organizações
Não Governamentais (ONG‟s) que estão na linha da frente no apoio aos deslocados.

O trabalho terá auxílio de algumas ferramentas legais, convenções e protocolos


internacionais sobre a segurança, protecção e bem-estar dos deslocados e refugiados que
vigor em Moçambique.

Para fundamentar e enriquecer o conteúdo ou informações, far-se-á entrevista semi-


estruturada aos responsáveis das instituições seleccionadas que lidam com os
deslocados na província de Cabo Delgado.

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Entrevista

As entrevistas foram fundamental para captar as informações dos deslocados sobretudo


a proveniência, facilidades e dificuldades que enfrentam.

Grupo alvo de entrevistas

O inquérito deverá abranger homens e mulheres provenientes dos distritos afectados na


província a serem seleccionados pelo estudo, que tenham uma idade igual ou superior a
18 anos.

Amostra

A definição da amostra foi feita obedecendo a fórmula da determinação da amostra para


um universo que não ultrapassa as 100 mil unidades e nesse caso, para o estudo o grupo
alvo, é estimado em 201. 846, que representa o número da população da cidade de
Pemba (CENSO, 2017).

Dados Fórmula e cálculos

ε (Erro amostral)=1.5% 2
Z ∗σ ∗N
2
n= 2 2 2
Variância(σ )=10 ε ( N −1 ) + Z ∗σ
2 2
N (Número da população da cidade de Pemba, 4 ∗10 ∗201,846
n=
Censo 2017) = 201,846 1. 5 ∗(201,846−1 ) +4 2∗10 2
2

Z Nível de confiança (γ) =95%= 2 ɸ(z) n=157


=0,9544 ↔2%

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3. REVISÃO TEÓRICA

Este capítulo faz referência de diversos autores que, de alguma forma, abordam o
assunto em estudo, mas, sobretudo, os conceitos, com alguma limitação que se deve à
dificuldade encontrada na disponibilidade de trabalhos já feitos sobre o assunto.

Como defendem Lakatos e Marconi (2003), a revisão bibliográfica visa a citação das
principais conclusões e ideias a que outros autores chegaram e permite salientar a
contribuição das pesquisas já realizadas e demonstrar contradições ou reafirmar
comportamentos e atitudes.

Conceito de guerra

CLAUSEWITZ (1832), considera a guerra como “um acto de violência para levar o
inimigo a fazer a nossa vontade”. Assim, diz o autor, “a violência, ou seja, a força física
(...) é, pois, o meio; a submissão compulsória do inimigo à nossa vontade é o objectivo
último”. O autor explica ainda que, para que o objectivo se atinja plenamente, o inimigo
tem que ser desarmado, sendo este o verdadeiro objectivo das hostilidades na teoria, já
que assume o lugar do objectivo final, colocando-o como algo que não pertence bem à
guerra.

Neste caso, Boniface (1997), afirma que Clausewitz via a guerra como um elemento
instrumental e intencional, e explica que foi dessa concepção política ou racional da
guerra que resultou a famosa fórmula de CLAUSEWITZ (1832): “a guerra é uma
simples continuação da política por outros meios”.

A guerra pode ser também entendida de outras formas. Segundo SANTOS (2000), a
concepção cataclísmica vê a guerra como uma catástrofe inevitável. A concepção
escatológica considera a guerra a forma de alcançar um estádio superior da vivência do
Homem na Terra, sendo essa uma situação de pureza exigida pela religião.

Deslocados internos

Recentemente contudo, em alguns casos, como as fronteiras, contrariando a tendência


global, têm vindo a tornar-se menos porosas (Cernea and McDowell, 2000), muitos dos

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indivíduos permanecem dentro do território do seu país, designando-se de “deslocados
internos”. Não tendo atravessado uma fronteira, não beneficiam de nenhuma lei
internacional específica, nem de uma organização mandatada para responder
exclusivamente às suas necessidades.

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internacional específica, nem de uma organização mandatada para responder exclusivamente às
suas necessidades.

As populações deslocadas, muitas das vezes, atravessam as fronteiras nacionais e


tornam-se refugiados num outro país, beneficiando da Convenção Internacional de 1951
sobre o Estatuto dos Refugiados e o seu Protocolo de 1967 (Office of the United
Nations High Comissioner for Human Rights).

Os deslocados internos surgem nos trilhos dos conflitos internos ou regionais que têm
grassado em quase todos os continentes, desde o final da Guerra-Fria. O armamento que
os Estados Unidos e a União Soviética haviam distribuído aos seus aliados de ocasião,
vem sendo utilizado nas guerras entre clãs e grupos étnicos que despontaram nessa
altura. (Cohen e Deng, 1998).

Os actores presentes neste tipo de conflito, muitas das vezes, usam como estratégia a
expulsão de diferentes tribos ou grupos étnicos, sem distinção entre combatentes e não
combatentes (Hashimoto, 2003).

A decisão de não ter incluído os deslocados internos nos beneficiários da Convenção de


1951 repousa sobre vários motivos que nada devem aos contornos do conceito: recursos
limitados; vontade de impedir que os Estados se desresponsabilizassem pelo bem-estar
das suas populações, delegando esse imperativo noutros Estados ou comunidade civil; e,
particularmente, o receio de que a interferência nos assuntos dos deslocados internos
pudesse constituir uma ingerência nos assuntos internos dos Estados onde os deslocados
residiam, mutilando assim a soberania nacional dos mesmos (Rutinwa, 1999).

O facto de serem as autoridades nacionais a assumir a responsabilidade primária pelo


bem-estar dos deslocados internos, coloca, por vezes, sérios entraves à protecção física
e à assistência material concedida a estes migrantes. Na realidade, podem ser os
próprios governos a expulsar e a causar a fuga destas populações muitas vezes
confundidas com os grupos rebeldes ou podem, simplesmente, não ter capacidade ou
vontade de as apoiar (Castles, 2003).

Devido a estas contradições e ao reconhecimento de que estas inquinavam o


enquadramento analítico que vigorava, tradicionalmente, na explicação da violência
dentro dos Estados, têm surgido vozes defensoras de um conceito mais abrangente de

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segurança humana, imbuído de preocupações com as ameaças à dignidade humana, e
que se centra na protecção dos indivíduos, por contraste à protecção exclusiva do
Estado (CERNEA,2000).

Estado esse, que muitas das vezes não tem tido condições para responsabilizar-se dos
deslocados internos, o agravante é de que não permite a ajuda externa para combater os
terroristas evocando questões de soberania (Idem).

A questão da soberania constitui, efectivamente, um rastilho para o estalar de grandes


controvérsias com as quais as Nações Unidas se vêem envolvidas frequentemente,
quando o que está em causa é a assistência internacional prestada dentro dos limites de
um Estado que não conseguiu assegurar as suas responsabilidades no que toca a
protecção dos deslocados internos (COHEN, 2004).

Os governos não gostam que entidades externas venham interferir nos seus assuntos
internos, sobretudo no caso de guerras, pois temem que a assistência possa quebrar a
sua autoridade, ao legitimar seus oponentes, afugentando, por isso, a ajuda humanitária
(Inês, 2009).

Corre-se, assim, o risco de gerar situações dúbias, nas quais se aguarda que um Estado,
num cenário de emergência, julgue e decida o momento a partir do qual a comunidade
internacional pode entrar no território e começar a trabalhar com os terroristas
(Hashimoto, 2003).

1.4 Direitos Fundamentais

Dimoulis e Martins (2007) entendem que, para se falar em direitos fundamentais, há que
se estar presentes três elementos: Estado, indivíduo e texto normativo regulador da
relação entre Estado e indivíduos. Assim, “essas condições apresentaram-se reunidas
somente na segunda metade do século XVIII”. Ainda sustentam que, sem a existência
do Estado, esses direitos não poderiam ser garantidos e cumpridos.

Apesar de que o elemento indivíduo necessite existir para se conceber a ideia de


pretensões constitucionais, tais autores, salientam que, “no passado, as pessoas eram
consideradas membros de grandes ou pequenos colectivos (família, clã, aldeia, feudo,
reino), sendo subordinadas a tais colectivos e privadas de direitos próprios” (Silva,

17
2007).

18
Posteriormente, nas constituições modernas, o indivíduo passou a ser considerado um
ser moral, independente e autónomo, o que possibilitou o reconhecimento de direitos
individuais, tais como a liberdade, a igualdade e a propriedade.

Por sua vez, o terceiro requisito é o texto normativo regulador da relação entre Estado e
indivíduos que, conforme o aludido autor Silva (2007), é exercido pela Constituição,
que declara e, ao mesmo tempo, garante determinados direitos fundamentais.

Na perspectiva de Silva (2007) enfatiza que “as teorias dos direitos fundamentais foram
formuladas de acordo com a organização do Estado em cada época histórica, em função
da relação entre o Estado e os súbditos, uma vez que nessa relação se estabelecem os
direitos, as garantias e as liberdades dos cidadãos”.

É bastante utilizada a expressão gerações dos direitos fundamentais, o que gera uma
ideia de gradação. As pretensões essenciais de primeira geração referem-se aos direitos
individuais e políticos, cuja finalidade era limitar o poder opressor do Estado a favor
dos indivíduos. Nessa época, vivia-se sob as batutas do Estado liberal, que se
posicionava distante das relações privadas (Pasqualini, 1999).

Esses direitos tiveram origem nas doutrinas iluminista e jus naturalista, dos séculos
XVII e XVIII, englobando a vida, liberdade, propriedade, igualdade formal, as
liberdades de expressão colectiva, os direitos de participação política e, ainda, algumas
garantias processuais individuais (Idem).

Com o declínio do Estado Liberal, surge o chamado Estado Social), cujo objectivo
primordial era minimizar a injustiça e permitir aos cidadãos uma melhoria na qualidade
de vida. Tem-se, nesse momento, um Estado intervencionista e assistencial, que
adoptava práticas no campo social. Daí serem de segunda geração tais direitos,
chamados de sociais (Nobre,2000).

Já os direitos de terceira geração relacionam-se aos direitos colectivos e difusos, vez


que transcendem o homem-indivíduo. Como exemplos citam-se o direito ao meio
ambiente sadio, o direito do consumidor, o direito ao desenvolvimento económico
sustentável e a conservação do património cultural (Rosenvald, 2008).

Os direitos de quarta geração referem-se à universalização dos direitos humanos, ao


cosmopolitismo, à democracia universal e aos direitos de solidariedade. Eles

19
representam a quebra das fronteiras estatais. Seus defensores sustentem a ideia de que
as pretensões constitucionais têm que acompanhar a globalização e, portanto, há que se
pôr um fim às fronteiras geográficas entre os países (Coelho, 2009).

Salienta-se que, actualmente, tem-se falado em direitos fundamentais de quinta geração,


sendo aqueles relacionados à realidade virtual, em razão do grande desenvolvimento da
internet, de outro turno, refere-se a quinta geração dessas pretensões sob outra óptica,
dizendo que eles se relacionam ao direito à paz (Bonavides, 2008).

Faz-se atentar-se ao facto de que a terminologia gerações sugere, a princípio, uma


equivocada ideia de que cada nova geração substitui a anterior, o que não é verdade. Tal
facto pode ser comprovado através da análise da própria Constituição da República de
Moçambique, que engloba em seu corpo normativo direitos de todas as gerações.

Na CR/2004 referências às pretensões essenciais são encontradas em diversas partes do


texto constitucional, destacando-se o título III: “Dos direitos, deveres e garantias
fundamentais”, que regulamenta direitos individuais, colectivos, sociais e políticos.

Dimoulis e Martins (2007) criticam a utilização do termo geração que, para eles, não é
cronologicamente exacto, pois, ao se considerar os aspectos históricos, “(…) pode-se
indicar que já havia direitos sociais garantidos nas primeiras Constituições e
Declarações do século XVIII e de inícios do século XIX”. Por essa razão, de acordo
com aqueles autores (2007), uma parte da doutrina prefere se referir às categorias dos
direitos fundamentais utilizando o termo “dimensões”.

Martínez (1995), afirma que “os direitos fundamentais são representantes de um sistema
de valores concreto, de um sistema cultural que deve orientar o sentido de uma vida
estatal contida em uma Constituição (…)”.

Nessa linha de raciocínio, Dimoulis e Martins (2007) exprimem que: “direitos


fundamentais são direito público-subjectivos de pessoas (física ou jurídicas), contidos
em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram carácter normativo supremo
dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da
liberdade individual”.

A conceituação acima não é a melhor para ser adoptada nos dias actuais. Considera-se
que o Estado e a sociedade evoluíram e, como consequência, houve o desenvolvimento

20
dos direitos e das garantias fundamentais. Actualmente, o campo de abrangência dessas
pretensões públicas subjectivas cresceu, já que, além de defender a pessoa contra os
entes estatais, também constitui instrumento de defesa contra outros particulares
(Steinmetz, 2004).

A seu turno, Sarlet (2007), mais concatenado com o desenvolvimento da sociedade,


enfatiza que: “Os direitos fundamentais exprimem determinados valores que o Estado
não apenas deve respeitar, mas também promover e proteger, valores esses que, de outra
parte, alcançam uma irradiação por todo o ordenamento jurídico público e privado razão
pela qual de há muito os direitos fundamentais deixaram de poder ser conceituados
como sendo direitos subjectivos públicos, isto é, direitos oponíveis pelos seus titulares
(particulares) apenas em relação ao Estado”.

Nesse mesmo diapasão encontra-se o conceito abaixo de Sarmento (2004): “Os direitos
fundamentais são concebidos como princípios supremos do ordenamento jurídico, não
só na relação do indivíduo com o poder público, actuando em forma imperativa.
Afectam, também, a relação recíproca dos atores jurídicos particulares e limitam sua
autonomia privada, regendo-se, então, como normas de defesa da liberdade e, ao mesmo
tempo, como mandados de actualização e deveres de protecção para o Estado”.

Na segunda dimensão, tais direitos actuam como fundamento da ordem político-jurídica


do Estado, que se propõem a emanar uma ordem dirigida ao Ente Público, no sentido de
que a ele incumbe a obrigação permanente de concretização e realização de tais
pretensões essenciais (Sarlet, 2007).

Destarte, os direitos fundamentais que no início objectivavam proteger o indivíduo do


Estado, actualmente, também visam à protecção contra outros particulares e, além disso,
por meio do conteúdo dessas pretensões, surge a possibilidade de o indivíduo receber
alguma prestação do Estado. Esses direitos relacionam-se com cada momento histórico,
em posições jurídicas essenciais que concretizam as exigências da liberdade, igualdade
e dignidade entre os seres humanos (Moraes,2003).

Dignidade da Pessoa humana


A raiz etimológica da palavra dignidade provém do latim dignus, que é aquele que
merece estima e honra. Segundo Rosenvald (2005): “A dignidade humana seria um

21
juízo analítico revelado a priori pelo conhecimento. O predicado (dignidade) que
atribuo ao sujeito (pessoa humana) integra a natureza do sujeito e um processo de
análise o extrai do próprio sujeito. Sendo a pessoa um fim em si jamais um meio para se
alcançar outros desideratos, devemos ser conduzidos pelo valor supremo da dignidade”.

Na actualidade, a tendência dos ordenamentos jurídicos é possibilitar ao ser humano o


exercício de suas actividades diárias com dignidade. De um modo geral, a actual
sociedade desaprova actos que atentem contra o ser humano.

Rosenvald (2005), cita Flórez Valdés (1990), para lembrar que “a dignidade da pessoa
humana é a razão de ser do direito e fundamento da ordem política e paz social. Todo
direito é constituído para servir ao homem (…). A dignidade situa o ser humano no
epicentro de todo o ordenamento jurídico (…)”.

Silva (2007), expõe que “se é fundamento é porque se constitui num valor supremo,
num valor fundante da república, da federação, do país, da democracia e do direito”.

A Constituição moçambicana 2004, entre os princípios fundamentais, também já havia


proclamado “que todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei.
Assim, percebe-se que a positivação constitucional da dignidade da pessoa humana
surgiu como uma resposta à prática de horrorosos crimes perpetrados contra os seres
humanos.

Consoante Moraes (2003), saber em que consiste a dignidade humana: “é uma questão
que, ao longo da história, tem atormentado filósofos, teólogos, sociólogos de todos os
matizes, das mais diversas perspectivas, ideológicas e metodológicas. A temática
tornou-se, a partir de sua inserção nas longas Constituições, merecedora da atenção
privilegiada do jurista que tem, também ele, grande dificuldade em dar substância a um
conceito que, por sua polissemia e o actual uso indiscriminado, tem um conteúdo ainda
mais controvertido do que no passado”.

Júnior (2000), faz referência a diversos doutrinadores, citando, em um primeiro


momento, Larenz (1978), para destacar que ele: “reconhece na dignidade pessoal a
prerrogativa de todo ser humano em ser respeitado como pessoa, de não ser prejudicado
em sua existência (a vida, o corpo e a saúde) e de fruir de um âmbito existencial
próprio”.

22
Benda (1996) entende que a dignidade da pessoa humana possui: “como parâmetro
valorativo (…), o condão de impedir a degradação do homem, em decorrência de sua
conversão em mero objecto de acção estatal. Mas não é só. Igualmente, esgrime a
afirmativa, de aceitação geral, de competir ao Estado a procura em propiciar ao
indivíduo a garantia de sua existência material mínima”.

É de salutar importância analisar, de forma mais acurada, os pontos acima destacados, a


começar pela igualdade entre os homens. Destaca Júnior (2000) que “a igualdade entre
os homens representa obrigação imposta aos poderes públicos, tanto no que concerne à
elaboração da regra de direito (igualdade na lei) quanto em relação à sua aplicação
(igualdade perante a lei)”.

Quanto à impossibilidade de degradação do ser humano, ela se liga a protecção


outorgada ao homem para que ele não seja reduzido à condição de mero objecto do
Estado e de terceiros. Nos ensinamentos de Júnior (2000), essa abordagem “passa pela
consideração de tríplice cenário, concernente às prerrogativas de direito e processo
penal, à limitação da autonomia da vontade e à veneração dos direitos da
personalidade”.

Júnior (2000), ressalta, ainda, que “a consagração constitucional da dignidade da pessoa


resulta na obrigação do Estado em garantir à pessoa humana um patamar mínimo de
recursos, capaz de prover-lhe a subsistência”.

Com relação ao conceito de dignidade da pessoa humana, Sarlet (2009) entende que “a
busca de uma definição necessariamente aberta mas minimamente objectiva impõe-se
justamente em face da exigência de um certo grau de segurança maior e estabilidade
jurídica.

Sarlet (2009), comunga do entendimento segundo o qual o melhor conceito jurídico de


dignidade da pessoa humana deve abranger (mas não se restringir) a vedação da
coisificação e destacar a dupla perspectiva ontológica e instrumental, compreendendo a
sua dimensão negativa (defensiva) e a positiva (prestacional). Assim, tem-se por
dignidade da pessoa humana:

“A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz


merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,

23
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano,
como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,
além de propiciar e promover sua participação activa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.

Relação entre a Dignidade da Pessoa humana e os Direitos Fundamentais


Miranda (2000) observou que “a constituição confere uma unidade de sentido, de valor
e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais, que, por sua vez, repousa
na dignidade da pessoa humana, isto é, na concepção que faz da pessoa fundamento e
fim da sociedade e do Estado”.

O princípio da dignidade da pessoa humana é de suma importância para as pretensões


públicas subjectivas constitucionais. Coelho (2009) enuncia que “não há dúvida que os
direitos fundamentais (…) são influenciados e tocados pelo primado da dignidade da
pessoa humana”.

Na preleção de Silva (2007), “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que


atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”.

Para Sarlet (2004), uma vez que os direitos e garantias fundamentais encontram seu
fundamento directo e imediato: “na dignidade da pessoa humana, do qual seriam
concretizações, constata-se que os direitos e garantias fundamentais podem ser
reconduzidos de alguma forma à noção de dignidade da pessoa humana, já que todos
remontam à ideia de protecção e desenvolvimento das pessoas”.

Andrade (2006), sustenta que o princípio da dignidade da pessoa humana radica na base
de todas as pretensões essenciais. O grau de vinculação dos diversos direitos àquele
princípio poderá ser diferenciado, de tal sorte que existem direitos que constituem
explicitações em primeiro grau da ideia de dignidade e outros que dele são decorrentes.

Dessa maneira, em conformidade com Sarlet (2004), o princípio da dignidade da pessoa


humana actua como elemento fundante e informador dos direitos e garantias
fundamentais e, ainda, serve de parâmetro para aplicação, interpretação e integração,
não apenas de tais pretensões constitucionais, mas de todo o ordenamento jurídico.

24
Portanto, os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana apresentam, como
traço comum, o facto de que ambos “actuam no centro do discurso jurídico-
constitucional de forma indissociável”.

Verifica-se ser inseparável a inter-relação entre a dignidade da pessoa e as pretensões


constitucionais, mesmo em ordens normativas nas quais a dignidade ainda não mereceu
referência expressa, porque os direitos fundamentais são inerentes à pessoa humana.

Conforme Biagi (2005), tais direitos “são os pressupostos elementares de uma vida
humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é
livre e digno numa comunidade livre; a comunidade só é livre se for composta por
homens livre e dignos”.

Consoante já salientado, Moraes (2003) pensa que o substrato material da dignidade da


pessoa humana compreende quatro princípios jurídicos, nomeadamente os da igualdade,
liberdade, integridade física/moral (psicofísica) e solidariedade que, segundo Sarlet
(2009), “encontram-se vinculados a todo um conjunto de direitos fundamentais”.

Ainda para Sarlet (2004), essas pretensões essenciais constituem explicitações da


dignidade da pessoa humana. Nesse ínterim, em cada direito fundamental se faz
presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma projecção da dignidade da pessoa.

Essa dignidade, na condição de valor fundamental, atrai o conteúdo de todos os direitos


fundamentais de qualquer dimensão (ou geração). Como consequências, “sem que se
reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em
verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade” (Haberle,2009).

Direito Internacional Humanitário (DIH) e Direito Internacional dos Direitos


Humanos (DIDH)
A finalidade precípua do Direito Internacional Humanitário (DIH) e do Direito
Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é a protecção da vida, da saúde e da
dignidade da pessoa humana, entretanto, sob ópticas distintas.

O Direito Internacional Humanitário regulamenta questões não contempladas pelo ramo


do Direito Internacional dos Direitos Humanos, como a condução das hostilidades, o

25
status de combatente e de prisioneiro de guerra, a protecção do emblema da cruz
vermelha e do crescente vermelho (BOCKENFORDE, 1993).

Em contrapartida, o Direito Internacional dos Direitos Humanos dispõe acerca de


aspectos da vida em tempos de paz, que não estão regulamentados pelo DIH, como a
liberdade de imprensa, o direito de reunião, de votar e fazer greve.

O DIH é um conjunto de normas internacionais, convencionais e consuetudinárias,


destinadas a regulamentar problemas causados directamente por conflitos armados
internacionais e não internacionais. Ou seja, protege as pessoas e os bens afectados, ou
que podem ser afectados por um conflito armado, ao mesmo tempo em que limita o
direito das partes conflituantes de escolher os métodos e os meios de fazer guerra
(UNAMI, 2016).

Os principais tratados de DIH aplicáveis em caso de conflito armado internacionais são


as quatro Convenções de Genebra e seu Protocolo Adicional I, de 1977. Em caso de
conflito armado não internacional, as principais disposições aplicáveis são o artigo 3º,
comum às quatro Convenções de Genebra e as disposições do Protocolo Adicional II.

Por sua vez, o DIDH é um conjunto de normas da mesma natureza que o DIH, mas que
estipula o comportamento e os benefícios que as pessoas ou grupos de pessoas podem
esperar ou exigir do Governo.

Neste contexto, os direitos humanos são aqueles inerentes a todas as pessoas, em razão
de sua condição enquanto seres humanos, sendo que muitos princípios e directrizes de
índole não convencional (direito programático) integram também o conjunto de normas
internacionais de direitos humanos.

As principais fontes convencionais do DIDH são os Pactos Internacionais de Direitos


Civis e Políticos e de Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1966), as Convenções
relativas ao Genocídio (1948), à Discriminação Racial (1965), Discriminação contra a
Mulher (1979), Tortura (1984) e os direitos das Crianças (1989).

26
4. LOCALIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A cidade de Pemba localiza-se entre as coordenadas 12°58'.14" e 40° 31'07.71"latitude


sul, 35° 2'45.04", a cidade de Pemba e tem como limites a costa Oriental de África, em
Moçambique, ao Sul da Província de Cabo Delgado e junto à Baia de Pemba.

Este Distrito faz fronteira à Norte com à Baia de Pemba, à Sul faz fronteira com o
distrito de Mecúfi, à Este é banhado pelo Oceano Índico e à Oeste limita-se com o
distrito de Pemba-Metuge e a Baia de Pemba, (SITCD,2003),

Mapa nº 1: Localização Geográfica da cidade de Pemba

População
De acordo com Censo de 2017, a província de Cabo Delgado tem 2 333 278 habitantes
em uma área de 82 625km² dos quais 201,846 pertence a cidade de Pemba, e, portanto,
uma densidade populacional de 28,2 habitantes por km². Quando ao género, 51,5% da
população era do sexo feminino e 48,5% do sexo masculino (INE, 2017).

27
O valor de 2017 representa um aumento de 699 116 habitantes ou 42,8% em relação aos
1 634 162 residentes registados no censo de 2007 (INE, 2007).

1.5 CAPITULO 5-APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE


RESULTADOS

Neste capítulo, faz-se a apresentação e análise dos resultados, com base nos dados
obtidos através do inquérito e entrevistas realizados no centro de acolhimento e nos
bairros da cidade de Pemba

Demografia

Em termos demográfico, a maioria dos deslocados entrevistados para este estudo (83%),
é constituída por população jovem e 17 % representa a população velha. Quanto à
idade, a maioria dos inquiridos (29%) é da faixa etária de 32-40 anos, seguido por um
grupo constituído por (21%) na faixa etária de 18-30 anos e por último existe um grupo
menos constituído com (11%) que são da faixa etária entre 41-45 (gráfico 1).

Gráfico 1: Distribuição percentual da população inquirida

26-30 anos
21%

21-25 anos
15%
32-40 anos
29%
População
velha 17-20 anos
11%
41-45 anos
7%

46-67 anos
17%

Em termos demográficos, foram escolhidas as variáveis sexo, idade, ocupação, estado


civil e nível de escolaridade. Portanto, de um total de 157 indivíduos entrevistados para

28
este estudo, 114 são do sexo feminino, o que demonstra muita vulnerabilidade de
mulheres em momentos de guerra, vide a tabela 1.

Gráfico 2: Distribuição percentual da população inquerida por sexo

120

100

80

60

40

20

0
População Deslocada Inquirida Feminina Masculina

Escolaridade
Quanto ao nível de escolaridade dos entrevistados, verifica-se que a maioria (50%) tem
o Ensino Geral. Mas também existe uma proporção significativa (10%) com Ensino
Superior, para além dos que frequentam Ensino Técnico (5) e outros indivíduos de
diversos níveis de escolaridade com uma percentagem (35%).

Ocupação
De um total de 152 da população inquirida para este estudo, 63% da população é
desemprega e 37% é constituída por empregados; é importante realçar que dentre os
desempregados, 76% dessa população pratica actividade comercial por conta própria e
existe um outro grupo correspondente a 24% dos desempregados que não aderem a
nenhum tipo de actividade de rendimento, estando em dependência total aos
encarregados.

29
6. DIREITOS DOS DESLOCADOS

No terreno, constatou-se uma grande presença de organizações humanitárias das Nações


Unidas, da Igreja Católica e islâmicas que prestam assistência aos deslocados.
Entretanto, a ajuda disponibilizada, não têm chegado para todos.

Os centros de concentrações dos deslocados, verificou-se que em termos de condições


de vida nos campos dos deslocados são particularmente precárias: dificuldades de
acesso a água e a alimentação, alojamento exíguo e sem equipamentos, acesso limitado
aos cuidados de saúde, exposição a riscos acrescidos de propagação de doenças,
inexistência ou pouco acesso a empregos.

SAÚDE
Saúde é conceitualmente entendida a partir de um amplo rol de saberes, que não se
limitam à medicina, que vão além do conjunto das ciências médicas e que alcançam a
sociologia, a antropologia, a filosofia, a geografia e, inclusive, o direito. Embora muitas
vezes seja abordada por oposição à noção de doença, saúde significa mais do que a
mera ausência de enfermidade ou do que o acesso a medicamentos ou a expedientes
terapêuticos. A definição adoptada pela Carta da OMS:

„‟Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental


e social e não consiste apenas a ausência de doença ou de
enfermidade‟‟.

A saúde está entre os direitos humanos, pois é decorrência do próprio direito à vida.
Na Declaração de 1948 seu reconhecimento como direito humano era indirecto,
especialmente no art. 25:
§ 1° Toda pessoa tem direito a um padrão de vida
capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-
estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,
cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
o direito à segurança, em caso de desemprego, doença,
invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência em circunstâncias fora de seu

30
controlo.
A percepção da saúde na Declaração é ampla e condiz com a concepção que a este
respeito tem a OMS. Perceba-se que os cuidados médicos são apenas um dos elementos
da saúde. O dispositivo citado é de carácter exemplificativo nas especificações, ou
aproximações, que faz acerca da saúde.

Veja-se que todo um contexto socioeconómico é determinante do conteúdo da saúde,


que envolve a alimentação, o vestuário e a habitação. Embora não referida no art. 25 da
Declaração, a educação também é um elemento essencial à promoção da saúde, pois
pela educação as pessoas se convencem da necessidade de uma boa alimentação, de
actividades físicas regulares, do não-uso de substâncias nocivas à saúde etc.

Indirectamente, não apenas o citado artigo 25, mas também outros dispositivos da
Declaração pressupõem a existência de um direito à saúde. Assim é com o direito à vida
(art. 3º) e com a proibição da tortura (art. 5º). Da mesma forma, quando no art. 2º, § 1º,
afirma que:

„‟Todos são capazes para gozar dos direitos e liberdades


fundamentais, sem qualquer distinção, está vedada a
segregação preconceituosa por razões de saúde, ou
melhor, de doença especialmente as doenças
contagiosas‟‟.

Por tratar-se assunto relacionado com a saúde, durante a visita de campo, observou-se
que por falta de abrigo adequado e cuidados médicos, há casos em que na mesma casa
são acomodados indivíduos com doença contagiosa sem tratamento médico.

Este tipo de cenário contradiz aquilo que está plasmado na Constituição da República de
Moçambique Art. 89:

„‟Todos os cidadãos têm o direito à assistência médica e


sanitária, nos termos da lei, bem como o dever de
promover e defender a saúde pública‟‟.

Ademais, contraria o que está no Pacto Internacional sobre Direitos Sociais,


Económicos e Culturais (PIDESC), a saúde tem um papel de maior destaque. Isso é
compreensível à medida que a saúde é historicamente um direito de dimensão social,

31
que exige o agir estatal, de maneira que a simples abstenção do Estado, na forma de
liberdades individuais, não é suficiente para propiciar a sua efetivação. No que se refere
ao PIDESC, interessam especialmente os artigos 11 e 12.

O artigo 11 do Pacto declara o direito a um nível de vida digna, no que se refere a


aspectos materiais da existência humana: alimentação, vestimenta, moradia etc. Trata-se
de um aspecto essencial da promoção da saúde, especialmente de prevenção de
enfermidades.

O artigo 12, por sua vez, diz respeito ao direito à saúde em sentido estrito e, neste
sentido, especifica a protecção das crianças e dos trabalhadores. De modo geral, postula
tanto pela prevenção de doenças, como pela assistência quando da sua ocorrência:

1. Os Estados Signatários do presente Pacto reconhecem o


direito de toda pessoa de desfrutar o mais alto nível
possível de saúde física e mental.

2. Entre as medidas que deverão ser adoptadas pelos Estados


Signatários do Pacto a fim de assegurar a plena
efectividade deste direito, figurarão as necessárias para:

a) A redução da mortalidade infantil e do índice de


nato-mortos, bem como o desenvolvimento sadio das
crianças;

b) O aprimoramento em todos os seus aspectos da


higiene do trabalho e do meio ambiente;

c) A prevenção e o tratamento das doenças


epidémicas, endémicas, profissionais e de outro tipo, e a
luta contra elas.

d) Criar condições que garantam a todos assistência


médica e serviços médicos em caso de doença.

32
EDUCAÇÃO
A educação para a cidadania visa contribuir para a formação de pessoas responsáveis,
autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres no respeito
pelos outros, com espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como
referência os valores dos direitos humanos (RUTKOSKI, 2006; BARCELOS, 2009).

A educação como essencial, tanto para que se possa usar da liberdade expressa como
direito civil mediante uma consciência crítica que permita lutar por direitos na prática
para que todos possam se desenvolver adequadamente. É necessário um entendimento
do seu papel social como sujeito para que possamos transformar a sociedade e
alcançarmos um padrão razoável de civilidade. (Barcelos, 2009).

Portanto, o direito à educação se insere como instrumento de mudança social prevista na


Constituição da República, art. 88:

Na República de Moçambique a educação constitui


direito e dever de cada cidadão; O Estado promove a
extensão da educação à formação profissional contínua e
a igualdade de acesso de todos os cidadãos ao gozo deste
direito.

Entende-se que estamos inseridos numa sociedade democrática que tem por definição a
pluralidade, o convívio e a interlocução na diversidade, o direito de participar nos
espaços e processos comuns de ensino e aprendizagem realizados pela escola está
previsto na legislação, e as políticas educacionais devem estar compatíveis com esses
pressupostos que orientam para o acesso pleno e condições de equidade no sistema de
ensino.

A Constituição da República adopta como princípio a “igualdade de condições para o


acesso e frequência na escola”, compreendido como efectivação para promover o bem
de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação, prevê uma sociedade com escolas abertas a todos, em qualquer etapa ou
modalidade, bem como o acesso a níveis mais elevados de ensino.

O direito ao acesso à educação para todos os cidadãos traduz a afirmação de um bem


comum à comunidade política e ao compartilhamento, por parte de seus membros, do

33
conhecimento como um valor. Porém, a inexistência da possibilidade de realização do
direito à educação, ou a insuficiência de condições para o seu exercício, implica que a
igualdade de direitos e deveres de cidadania está anulada ou prejudicada (Santos, 2001).

Isso por que homens e mulheres não nascem com o conhecimento das leis, dos direitos
e dos deveres da cidadania, o que pressupõe um longo processo de socialização e de
escolarização, se esse processo não se efectiva, automaticamente, está sendo negado um
dos direitos essenciais da cidadania. Portanto, a educação pública é um dever básico do
Estado com os seus cidadãos. (ROSSI, 1978; SANTOS, 2001).

Com base nas entrevistas efectuadas aos deslocados na cidade de Pemba, identificou-se
pessoas que nas suas comunidades estudavam mas devido aos ataques, chegados a
cidade de Pemba na condição de refugiado também há pessoas que são integrados,
como explica um dos nossos entrevistados:

„‟Apresentei-me às autoridades locais e tive a facilidade


de começar a estudar‟‟.

„‟Tenho 2 filhos que estão a estudar, embora tive alguma


dificuldade devido a falta de documentos‟‟.

Outros devido a burocracia, ainda não conseguiram a ser integrados nas escolas para
exercerem seu direito cívico:

„‟Não estou a estudar porque não tenho documentos, fui


apresentar-me as autoridades e eles disseram para que eu
espere, mas já passam 2 meses sem ter resultado‟‟.

Em suma, quanto ao direito à educação para os deslocados, e um serviço que esta a ser
administrado de forma positiva embora de forma lenta no processo de integração dos
deslocados devido ao sistema organizacional da instituição que tutela este serviço.

34
HABITAÇÃO

1.6 6.3.1. Direito à Moradia


Nolasco (2008), define o direito à moradia como sendo a posse exclusiva de um lugar
onde se tenha um amparo, que se resguarde a intimidade e se tenha condições para
desenvolver práticas básicas da vida. É um direito erga omnes, um lugar de
sobrevivência do individuo. É o abrigo e o amparo para si próprio e seus familiares
“[…] daí nasce o direito à sua inviolabilidade e à constitucionalidade de sua
protecção‟‟.

Já Sarlet (2008) ressalta a visão de independência desse direito, trata-o como direito
autónomo que possui esfera de cobertura e fins próprios, o que não impossibilita a sua
possível conexão com outros bens tidos fundamentais.

O bem da „‟moradia‟ ‟é inerente á pessoa e independente de objecto físico para a sua


existência e protecção jurídica. Para nós, „‟ moradia‟‟ é elemento essencial do ser
humano e um bem extrapatrimonial. „‟Residência‟‟ é o simples local onde se
encontraria o individuo. E a habitação é o exercício efectivo da „‟ moradia‟ ‟sobre
determinado bem imóvel. Assim, a „‟ moradia‟‟ é uma situação de direito reconhecida
pelo ordenamento jurídico […]. (SOUZA, 2004)

O direito à moradia possui ampla protecção no âmbito do direito internacional, a iniciar


pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. Esta foi adoptada e promulgada
pela Resolução 271 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 10 de
Dezembro de 1948. E muito embora se utilizasse ainda a “habitação” para expressar
esse direito, já se estabelecia a moradia como requisito para se desfrutar de uma vida
completa, conforme retrata o art. 25, item I, da dita Declaração:

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os
serviços sociais indispensáveis, o direito a segurança, em
caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou
outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controlo”.

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Prevê ainda a declaração em seu art. 12 que ninguém sofrerá intervenção na sua vida
particular, na sua família, no seu lar ou em sua correspondência, nem ataques em
relação à sua honra e reputação. E tendo tais intromissões ou ataques, toda pessoa tem
direito à protecção da lei.

O termo moradia, até então não mencionado propriamente, fora utilizado pela primeira
vez no Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e Culturais que com o
intuito de protecção internacional dos direitos humanos abarcou o direito à moradia
como tal.

Em seu art. 11 o PIDESC (Pacto Internacional de Direitos Económicos, Sociais e


Culturais) já trazia uma visão de complementaridade entre os direitos tidos como
essenciais, destacando a moradia adequada como um dos pressupostos para um
desenvolvimento saudável:

“Os Estados signatários do presente pacto reconhecem o


direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para
si próprio e para a sua família, inclusive alimentação,
vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma
contínua melhoria de suas condições de vida”.

Traçou-se, por consequência, uma nova ordem económica, social e cultural, abarcada, a
partir de então, pelo próprio art. 2º do citado pacto, segundo o qual:

„‟Todo Estado-membro que se encontrava presente se


comprometeu a adoptar medidas, principalmente nos
planos económicos e técnicos, até o limite dos seus
recursos disponíveis, que alcancem de forma crescente e
uniforme o pleno exercício dos direitos neles
reconhecidos, incluindo-se a utilização de medidas
legislativas com esse intuito.

O Estado Moçambicano aderiu ao mencionado pacto, desde então, a moradia passou a


ser visada com um direito de todo indivíduo, devendo o poder público tutelá-la de
maneira efectiva. Contudo, o direito à moradia já está consagrado na Constituição da

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República de Moçambique, em seu artigo 91º, ao estabelecer o direito à moradia de
seguinte maneira:

„‟Todos os cidadãos têm direito à habitação condigna,


sendo dever do Estado, de acordo com o desenvolvimento
económico nacional, criar as adequadas condições
institucionais, normativas e infra-estruturais‟‟.

Nesse diapasão, a moradia embora ainda não enunciada com um direito social universal,
já era vista como preocupação e buscada como status constitucional. No artigo referido
anteriormente vê-se a, já, consideração da moradia como necessidade essencial primaria
do indivíduo. E desse pensamento, dá-se sua importantíssima característica não só de
direito social, como também de direito personalíssimo, humano e fundamental diante da
evidente precisão desta para a sobrevivência do ser humano.

Assim, com o desenrolar dos ataques em massa nos distritos da província de Cabo
Delgado, contribuíram para o rápido crescimento do número da população de
deslocados em Pemba, nos dois últimos anos¸ designadamente 2019 e 2020; Até no
início de 2021 o número triplicou.

Para este estudo, num universo de 157 deslocados entrevistado, 96 % vivem com os
familiares ou em casas arrendadas e 6% vivem nos centros de acolhimento, vide o
gráfico a seguir.

Nas familias/arrendamentoNos centro de acolhimento

4%

96%

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O estudo revela que ainda há deslocado que saem dos centros de acolhimento para
devido a falta de condições de vida: dificuldades de acesso a água e a alimentação,
alojamento exíguo e sem equipamentos, acesso limitado aos cuidados de saúde,
exposição a riscos acrescidos de propagação de doenças. Essa situação contrapõe os
princípios constitucionais (direito à vida, à saúde e habitação)

Direito à alimentação
O direito de estar ao abrigo da fome, intimamente ligado ao direito à vida, é considerado
uma norma absoluta, o nível mínimo que deve ser garantido a todas as pessoas,
independentemente do grau de desenvolvimento alcançado pelo Estado.

Nesta perspectiva, o direito a uma alimentação adequada é realizado quando cada


homem, cada mulher e cada criança, só ou em comunidade com outros, tem física e
economicamente acesso a qualquer momento a uma alimentação suficiente ou aos
meios para obtê-la.

Assim, as obrigações em matéria de direitos humanos têm de ser cumpridas


principalmente pelos Estados. No que diz respeito ao direito à alimentação, pode-se
identificar vários tipos de obrigações que se referem à adopção das medidas necessárias
para a realização progressiva deste direito, sem que se verifiquem discriminações,
respeitando-o, protegendo-o e realizando-o, inclusivamente através da cooperação e
assistência internacional.

A obrigação do Estado de fazer criar ou alimentar a um individuo deve ser


acompanhado com um princípio muito importante quando se trata de matéria
relacionados aos direitos humanos, que é o „‟princípio da não discriminação‟‟.

O seu carácter universal significa que são aplicáveis a todas as pessoas sem que se
possam estabelecer quaisquer condições ou limitações por motivos de raça, cor, sexo,
língua, religião, nascimento ou qualquer outra condição social.

Especialmente importante é a necessidade de garantir a igualdade entre homens e


mulheres no gozo do seu direito à alimentação. Esta obrigação de não discriminar é de
aplicação imediata e não está subordinada à realização progressiva.

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Não obstante, os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e estão
relacionados entre si sem que nenhum deles tenha prioridade sobre o outro.

Pelo facto de a alimentação ser uma realidade multidimensional, existem estreitas


relações entre o direito à alimentação e outros direitos humanos, como por exemplo:

a) O direito à água, pois esta faz parte da dieta alimentar e é necessária para
produzir e cozinhar os alimentos;
b) O direito de propriedade, em particular à propriedade da terra e a outros recursos
produtivos necessários para produzir os alimentos‟;
c) O direito à saúde, já que a adequada utilização biológica dos alimentos é
condicionada pelo estado de saúde da pessoa e pela possibilidade de acesso a
cuidados básicos de saúde; e
d) O direito ao trabalho e a uma remuneração justa que permita à pessoa satisfazer
as suas necessidades básicas, entre as quais a alimentação.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. 25.1, afirma o seguinte:

“Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de


assegurar a si e a sua família, saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis…”.

O direito à alimentação é um conceito de natureza jurídica, no qual existem titulares de


direitos (as pessoas) e titulares de obrigações (o Estados).

Assim, pois de ter feito as visitas na área de estudo, sobretudo nos bairros da cidade de
Pemba previamente seleccionados, fez-se entrevista com vários deslocados que se
encontram acomodados em casas de familiares e em casas arrendadas. Para um número
considerável, ter uma refeição diária é quase impossível. Dado que as famílias
acolhedoras são, na sua maioria, pobre, com a chegada dos deslocados, as dificuldades
de acesso aos bens mais básicos para subsistência aumentam significativamente.

“Não temos o que comer, desde que fomos inscritos para


o apoio domiciliário ainda não tivemos resposta.

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„‟Desde que estamos aqui em Pemba tenho tido apoio dos
meus familiares, mas pela quantidade de pessoas que
somos não chega para alimentar todos os membros da
família…‟‟.

Entretanto, no terreno todos se queixam de falta de alimentação e de condições básicas


para dormir/repousar. Existem deslocados que foram registados pelas autoridades, mas
mesmo assim passam cerca de 3 meses que não recebem ajuda alimentar, forcando os
deslocados a fazerem alguns trabalhos domésticos para conseguir alimentos:

Estou aqui e já fui registado pelo governo mas até agora


ainda não recebi nada em termos de apoio alimentar e
outros tipos de ajuda, graças a boa vontade de algumas
pessoas que por vezes tenho feito trabalhos domestico
para pelo menos ter comida.

Em muitos casos o cenário de falta de condições básicas de sobrevivência é frequente.


Facto que os deslocados pedem ajuda constantemente.

De forma genérica, as dificuldades passam também alguns deslocados que vivem em


casas arrendadas um pouco por toda a cidade de Pemba. Raramente recebem ajuda
alimentar e quando esta lhes chega é insuficiente para cobrir os dias em que, depois
ficam sem a mesma, até que voltem a receber mais alimentos:

Nós somos deslocados vindo do distrito de Palma,


estamos a arrendar esta casa, somos no total 17 pessoas,
o problema reside no apoio alimentar. Pode passar 2
meses sem ter o apoio e quando recebemos o tal apoio
não satisfaz ao agregado.

Em suma, a alimentação não é suficiente. Porém, a situação é diferente no que se refere


a regularidade da assistência alimentar comparando com outros tipos de direitos que
devem ser prestados aos deslocados (saúde, educação e abrigo). Do que se constatou
tanto, existem várias organizações não-governamentais que estão apoiando e cada uma
delas apoia em função das suas capacidades, isso faz com que cada agregado familiar

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que tenha sido registado pelas autoridades locais recebe mensal certa quantidade de
alimentos que pode variar em função da organização que fornece a ajuda.

7. OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO

7.1.Os direitos humanos afectados


O deslocamento forçado de pessoas é uma experiência dramática e dolorosa, pois
significa o abandono involuntário do local de origem, o qual abriga as lembranças
pessoais, as pessoas próximas e suas tradições culturais, além da perda do domicílio, do
eventual emprego e até de bens materiais.

O deslocamento forçado para além dos limites do Estado de origem pode significar
sofrimento ainda maior, decorrente da perda da sua própria identidade, da sua
capacidade de expressão e de manifestação dos sentimentos em sua língua materna.

Em sua origem, o deslocamento forçado de pessoas indica pobreza, fragilidade de


instituições políticas e sociais, falta de efectividade de direitos sociais. A violação teria
uma causa imediata, relacionada a factores locais que teriam conduzido à descoberta de
recursos naturais valiosos, dentre os quais normalmente presente na garantia de direitos
humanos mínimos e de um sistema institucional e social apto a lidar com crises, que dê
efectividade a medidas de adaptação e de protecção.

Ademais, considera-se que a degradação da vida das populações atenta contra o direito
humano das presentes e futuras gerações de existência digna em um desenvolvimento
da província que comporte seu amplo desenvolvimento como pessoas.

No contexto de conflitos associados ao terrorismo pode funcionar como agravantes para


que pessoas sejam forçadas a se deslocar e, em seus efeitos, afectar o exercício de
diversos direitos humanos tanto durante o deslocamento, como no reassentamento.

Portanto, o direito à dignidade, o direito à moradia, o direito à educação, o direito à


alimentação e o direito à saúde podem ser directamente restringidos durante o
deslocamento e no reassentamento, principalmente se a comunidade de acolhimento
também apresenta vulnerabilidade social.

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Isso vai ferindo directamente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, o
Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, a Convenção sobre
os Direitos da Criança, entre outros documentos internacionais que declaram e
protegem direitos humanos.

No reassentamento, o deslocamento forçado, ao impor o abandono involuntário do local


de origem o qual abriga as lembranças pessoais, as pessoas próximas e suas tradições
viola o direito à identidade cultural.

O reassentamento também pode gerar pressão sobre a infra-estrutura e disponibilidade


de recursos dos locais de destino, impondo análise que compreenda as capacidades de
acolhimento, com garantia de direitos humanos mínimos à população assentada e à
originária.

A impossibilidade de deslocamento, quando o contexto é de deslocamento forçado,


também violaria direitos humanos, principalmente quando há risco à vida, à saúde e à
segurança alimentar.

O assunto em discussão nesta monografia, com o patético que pode comportar, impõe,
em síntese, a reflexão sobre como proteger tais pessoas, combatendo as causas que
forçam o deslocamento e possibilitando-o, quando estratégia última para a
sobrevivência e adaptação, sempre tendo em vista a máxima protecção do ser humano.

A efectividade dos direitos humanos, principalmente de direitos sociais e a garantia de


uma vida digna, é a chave para o combate à vulnerabilidade e para a prevenção dos
deslocamentos forçados. Durante o deslocamento e no reassentamento, a garantia de
direitos humanos torna o movimento digno, quando inevitável ou quando adoptado
como estratégia de adaptação.

A grande questão que se põe é como garantir e operacionalizar mecanismos de


concretização de direitos humanos em comunidades vulneráveis inseridas em contextos
de fragilidade conflitual de guerra. Cabe analisar a adequação dos instrumentos
internacionais actuais de protecção da pessoa humana face aos desafios apresentados
pela dimensão expandida do agir humano, que, associados às fragilidades locais,
poderão agravar riscos de maior vulnerabilidade e forçar pessoas a se deslocar interna e
externamente.

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As esferas internacionais de protecção da pessoa humana
Para o enfrentamento de situações de ameaça à pessoa humana, o direito internacional
prevê três grandes vertentes de protecção internacional: o direito humanitário, o direito
dos refugiados e os direitos humanos. Essas três vertentes de protecção apresentam-se
interrelacionadas e convergentes.

O fio condutor da conexão é a máxima salvaguarda do ser humano pelo direito


internacional, quando os Estados se mostram incapazes de garantir a protecção de
pessoas vulneráveis.

A convergência, em âmbito internacional, entre os direitos humanos, o direito


humanitário e o direito dos refugiados é antes de tudo hermenêutico, pois as três
vertentes visam à máxima protecção da pessoa humana tanto em tempos de paz como
em de conflitos armados.

Os instrumentos internacionais definidores de direitos humanos têm sido considerados


verdadeiro arcabouço de protecção humana e de interpretação de todo o direito
internacional público em franca expansão.

Igualmente, a protecção dos refugiados é actualmente considerada intimamente


relacionada à protecção dos direitos humanos, seja no que concerne às causas dos
deslocamentos humanos, quanto nas etapas sucessivas à solicitação do refúgio, em que
direitos humanos (tomados em sua totalidade, incluindo direitos sociais, económicos e
culturais) devem ser assegurados.

Precedentes da protecção internacional dos deslocados/refugiados


A protecção contemporânea dos deslocados, no contexto da Convenção de Genebra de
1951, encontra-se imbrincada com o sistema internacional de protecção dos direitos
humanos. O direito dos deslocados insere-se no percurso de positivação dos direitos
humanos e teve como fonte inspiradora imediata a própria Declaração Universal de
Direitos Humanos.

Com vistas a evitar que certos Estados aproveitassem de seu direito de supervisionar a
protecção de minorias para intervir em assuntos internos de outros países, preferiu-se,
após a Primeira Guerra Mundial, o estabelecimento de um sistema internacional de

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responsabilidade de colectivização para o controlo da protecção de minorias, que ficou a
cargo da Liga das Nações.

Inicialmente, imaginava-se que não seriam necessárias medidas adicionais, pois se


considerava que os deslocamentos de pessoas ocorridos no pós-guerra eram anómalos,
um fenómeno passageiro, e que seria possível lidar com a questão através de
naturalizações consensuais nos Estados de residência ou com a devolução dos
estrangeiros quando as condições internas tivessem normalizado. Além disso, os
direitos eram concedidos aos estrangeiros com base na relação de “Estados mais
favorecidos”, sem qualquer uniformização e isonomia de direitos.

O Acordo de 1928, quanto ao estatuto jurídico dos imigrantes russos e arménios, abriu
caminho para o afastamento desse modelo. Não era mais possível o enfrentamento da
questão dos deslocados com base na generosidade em relação a “Estados mais
favorecidos”, pois a questão dos deslocados parecia persistir e até mesmo aqueles
provenientes de países favorecidos eram recusados.

O Acordo de 1928 consistia em série de recomendações não vinculantes aos Estados


quanto aos requisitos para a concessão do refúgio e de direitos a serem garantidos aos
deslocados. Nesse documento, havia a previsão de que era inadequada a concessão de
direitos com base no princípio da reciprocidade. Dentre os direitos previstos no Acordo
de 1928 destacam-se o acesso aos tribunais, o direito ao trabalho, a protecção contra a
expulsão e a igualdade na tributação.

Entretanto, ao invés de solucionar a situação, o Acordo de 1928 acabou sendo ignorado,


ao argumento comum à época de que a “Grande Depressão” havia tornado difícil a
garantia de direitos escassos aos próprios cidadãos de cada Estado, sendo impossível
sua extensão aos estrangeiros.

O contexto era tão grave que em 1933 a Comissão Intergovernamental da Liga das
Nações, responsável pela protecção dos deslocados, afirmou “a conveniência de uma
convenção destinada a garantir um estatuto jurídico mais estável para os refugiados” e
que “a estabilização do estatuto jurídico dos refugiados, só pode, devido à própria
natureza das medidas a serem tomadas, ser provocada por um acordo formal, celebrado
por um certo número de Estados em causa‟‟.

44
A Convenção de 1933 sobre o Estatuto internacional dos refugiados foi um dos
primeiros instrumentos internacionais de codificação de direitos humanos. Ela abriu
espaço para o reconhecimento, pelo direito internacional, demonstrando a aceitação
progressiva de que a positivação de direitos humanos estaria dissociada da
nacionalidade, a considerar o género humano.

Em vários pontos, a Convenção de 1933 apenas formalizou e ampliou recomendações


que já tinham sido previstas no Acordo de 1928. Contudo, apenas oito Estados
ratificaram este tratado, demonstrando as dificuldades políticas existentes para a
positivação de Convenção para a protecção dos deslocados.

Por outro lado, a protecção pelo sistema de nações mais favorecidas não garantia o
enfrentamento adequado à situação, principalmente em momento de crise económica,
como na década de 1930, em que os países evitavam a entrada de estrangeiros ou o
acesso por eles ao trabalho e benefícios sociais.

As negociações internacionais para a previsão de um direito internacional dos


deslocados iniciaram com o Acordo de 1928 e com a Convenção de 1933, e
significaram uma revolução silenciosa para o direito internacional dos direitos humanos,
muito embora a efectividade desses tratados fosse reduzida. Primeiramente porque
consagraram a ideia introduzida no sistema de protecção das minorias, de supervisão
internacional do cumprimento de direitos humanos, sob a autoridade da Liga das
Nações.

Ademais, porque avançaram na substância dos direitos humanos garantidos aos


estrangeiros, dissociando o seu reconhecimento do princípio da reciprocidade. Esse
passo foi determinante para a proclamação posterior de direitos a serem protegidos a
qualquer pessoa, indistintamente, em razão de sua condição de humanidade.

Pode-se dizer, portanto, que o sistema de protecção de minorias contribuiu para a


evolução do sistema internacional de protecção dos direitos humanos e,
especificamente, para o processo de positivação dos direitos dos deslocados interno e
externos.

Os tratados sobre as minorias chamaram a atenção da comunidade jurídica internacional


para a situação de risco de certos nacionais dentro de seus próprios países de origem e

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de nacionalidade e assim inverteram a equação, direccionando a atenção internacional
para a protecção de minorias dentro de Estados soberanos, muito embora houvesse
interesse mediato em impedir-se a eclosão de situações que pudessem ameaçar a paz
internacional.

8. INSTRUMENTOS REGIONAIS DE PROTECÇÃO DOS

DESLOCADOS 8.1.Convenção de Kampala


Em Kampala, em reunião realizada em Outubro de 2009, a União Africana (“UA”),
sucessora da OUA (Organização da Unidade Africana), adoptou a Convenção sobre a
Protecção e Assistência às Pessoas Deslocadas Internamente na África (Convenção de
Kampala).

A União Africana buscou reforçar a protecção dos direitos das pessoas mais vulneráveis
no continente. Quer o deslocamento seja causado por conflitos armados, catástrofes
naturais ou projectos de desenvolvimento, o seu impacto é invariavelmente grave, pois
afecta todos os aspectos da vida das pessoas, desde o acesso à alimentação, à água, ao
abrigo e a serviços básicos, tais como de saúde e educação.

A Convenção de Kampala visa a implementar estrutura jurídica que evite o


deslocamento interno, proteja e apoie as pessoas durante o movimento e apresente
soluções sustentáveis para as pessoas deslocadas.

O preâmbulo da Convenção reconhece os direitos inerentes das pessoas deslocadas


internamente como previstos e protegidos no direito humanitário e nos documentos
internacionais de direitos humanos, e como preconizados nos Princípios Orientadores.

Com relação à evitabilidade do deslocamento forçado, o artigo 3 (1a) da Convenção


prevê que:

“Os Estados comprometem-se a evitar deslocamentos


arbitrários e a proteger os direitos fundamentais das
pessoas deslocadas internamente durante o deslocamento”
e

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O art. 4, prevê a obrigação de os Estado-Partes implementarem sistemas de alerta
rápidos nas áreas susceptíveis ao deslocamento, elaborar e implementar estratégias de
redução de risco de calamidades, adoptar medidas de gestão e de resposta a catástrofes e
emergências, e fornecer, caso necessário, protecção e assistência imediatas às pessoas
deslocadas internamente.

Com relação aos direitos a serem respeitados durante o deslocamento e no


reassentamento, o artigo 1º determina que os Estados-Partes deverão:

“Respeitar e garantir a protecção dos direitos humanos


das pessoas deslocadas internamente, incluindo um
tratamento humano, a não discriminação, a igualdade e a
igual protecção pelo direito”.

A preocupação com o tratamento igualitário das pessoas deslocadas internamente


também é exposto no artigo 9 (1a), ao prever que:

“Os Estados-Partes tomarão as medidas necessárias


para assegurarem que as pessoas deslocadas
internamente sejam acolhidas sem discriminação de
qualquer tipo e vivam em condições satisfatórias de
tranquilidade, dignidade e segurança”.

O artigo 9 reconhece a importância da garantia e efectividade de direitos sociais às


pessoas deslocadas, prevendo que os Estados-Partes devem providenciar, sem demora,
assistência humanitária adequada, como alimentação, água, abrigo, cuidados médicos e
outros serviços de saúde, saneamento básico, educação e todos os outros serviços
sociais necessários, inclusive às comunidades de acolhimento.

Contudo, já vislumbrando possível insuficiência de recursos dos Estados africanos, a


Convenção de Kampala estabeleceu, no artigo 5, que os Estados devam permitir a
passagem rápida e sem impedimento da ajuda humanitária, além de solicitar e facilitar a
cooperação de organizações locais e internacionais e de agências humanitárias:

Os Estados-Partes devem providenciar suficientemente a protecção e assistência das


pessoas internamente deslocadas, e onde os recursos disponíveis sejam inadequados e
não lhes permitam assim fazê-lo, eles devem cooperar com vistas a solicitar a

47
assistência de organizações internacionais, agências humanitárias, organizações da
sociedade civil e outros agentes de relevo. As referidas organizações podem oferecer os
seus serviços a todos os indivíduos necessitados.

A Convenção de Kampala reconhece a emergência dos deslocamentos internos de


pessoas e destaca a importância de que direitos humanos sejam protegidos antes,
durante e após o reassentamento, tanto pelo próprio país de origem, como por meio de
cooperação internacional humanitária. Contudo, ao mesmo tempo o documento sugere
que o problema deva ser enfrentado na dimensão regional e que as obrigações de
protecção das pessoas deslocadas devam recair apenas no Estado de origem.

A Convenção é aplicável aos deslocamentos internos independentemente da causa que


os tenha motivado, incluindo contextos de movimento forçado em que presente causa
ambiental. O artigo 4(2), ao prever a implementação de sistemas de alerta rápido a
desastres naturais, indica acção para protecção humana em contextos envolvendo risco
ambiental.

Considerando que os países africanos mais afectados pelos deslocamentos de pessoas


(internos e externos) figuram também dentre os mais pobres, o enfrentamento efectivo
do problema exige reflexão acerca do financiamento das acções de protecção.

A Convenção de Kampala é omissa nesse ponto, parecendo acreditar que os países


signatários serão capazes de plenamente garantir a protecção necessária às populações
deslocadas, não obstante eles sejam palco de pobreza e violação de direitos humanos
básicos.

Finalmente, assim como os Princípios Orientadores, a Convenção de Kampala não se


dirige à protecção de pessoas deslocadas que cruzem as fronteiras de seus Estados, as
quais se encontram em vácuo normativo internacional.

Prevenção e Protecção contra a Deslocação


“Os Estados Parte deverão […] Abster-se de, proibir e evitar a deslocação arbitrária das
populações” “Os Estados Parte deverão criar sistemas de alerta rápido, no contexto do
sistema de alerta rápido continental nas áreas susceptíveis de deslocação, elaborar e
implementar estratégias de redução de risco de calamidades, medidas de gestão e de
resposta a catástrofes e emergências, e fornecer, caso necessário, protecção e assistência

48
imediatas às pessoas deslocadas internamente” Convenção de Kampala, Artigo 3(1)(a) e
4.

Um dos objectivos da Convenção de Kampala é promover e reforçar medidas regionais


e nacionais para evitar ou mitigar, proibir e eliminar as causas primordiais da
deslocação interna”. Para isso, solicita aos estados que evitem a deslocação em
resultado de conflito e violações de direitos humanos, observando as suas obrigações ao
abrigo do direito internacional, incluindo legislação sobre direitos humanos e direito
humanitário, de forma a evitar situações que possam conduzir a deslocação arbitrária.

Em relação à deslocação causada por catástrofes naturais, a Convenção pede aos


Estados que concebam, criem e implementem sistemas de alerta rápida e que adoptem
medidas de resposta a catástrofes e gestão de catástrofes

“Os Estados Partes deverão incorporar as suas obrigações ao abrigo da presente


Convenção no seu direito interno, através da promulgação ou alteração da legislação
pertinente relativa à protecção e assistência às pessoas deslocadas internamente, em
conformidade com as suas obrigações, ao abrigo do direito internacional.” Convenção
de Kampala, Artigo 3(2)(a).

Protecção e Assistência Humanitária


A Convenção de Kampala estabelece que os estados devem considerar como seu dever
e responsabilidade principais conceder protecção e assistência a Pessoas Deslocadas
Internamente, sem discriminação de qualquer tipo. Assim, a Convenção impõe
obrigações aos estados no sentido da avaliação das necessidades e das vulnerabilidades
de PDIs e de comunidades de acolhimento (ou para facilitar tais avaliações), e da
prestação de adequada assistência humanitária a Pessoas Deslocadas Internamente em
todas as fases da deslocação. Sempre que apropriado, essa assistência tem de se estender
a comunidades locais e de acolhimento.

A Convenção de Kampala realça as necessidades específicas de crianças separadas e


não acompanhadas, mulheres que sejam chefes de família, mulheres grávidas, mães
com crianças pequenas, pessoas idosas e deficientes. É preciso tomar medidas para
proteger as pessoas deslocadas contra violência sexual e baseada no género, práticas
perniciosas, recrutamento de crianças e tráfico e contrabando humano.

49
“ [Os Estados Parte comprometem-se a] providenciar às pessoas deslocadas
internamente, da melhor forma possível e sem demora, assistência humanitária
adequada, nomeadamente alimentação, água, abrigo, cuidados médicos e outros
serviços de saúde, saneamento básico, educação e todos os outros serviços sociais
necessários. Esta assistência pode ser estendida, caso seja necessário, às comunidades
locais e de acolhimento.” Convenção de Kampala, Artigo 9(2)(b)

9. PROTECÇÃO DOS DESLOCADOS EM MOÇAMBIQUE


Não obstante, o foco deste trabalho seja a protecção das pessoas forçadas a se deslocar
por causas da guerra agravada pelo terrorismo, analisar-se-á, brevemente, a
possibilidade de que essas pessoas sejam consideradas refugiados/deslocadas.

O interesse do olhar nacional decorre da especificidade da abertura conceitual prevista


na Convenção de Kampala ao reconhecimento, como deslocados internos, de pessoas
que são obrigadas a abandonar suas aldeias por violação massiva dos direitos humanos
ou outras circunstâncias que tenham afectado gravemente a ordem pública, que é
seguida pela legislação nacional moçambicana.

A Constituição da República Moçambique passou a inserir-se de forma clara no Sistema


Internacional de Protecção dos Direitos Humanos e a utilizar-se do discurso de direitos
humanos para galgar legitimidade em fóruns internacionais.

A legislação moçambicana refere alguns princípios genéricos sobre s protecção da


pessoa aos direitos humanos, que é aplicável tanto em período de guerra como em
situações de conflito armado, também fornece uma importante protecção aos deslocados
internos. Tem como objectivo evitar o deslocamento de pessoas e garantir os direitos
básicos, caso ele venha a ocorrer.

A proibição da tortura, do tratamento ou da punição brutal, desumana ou degradante, e


o direito de desfrutar pacificamente da própria propriedade, da vida doméstica e familiar
são particularmente importantes para evitar o deslocamento.

Nos últimos dias, algumas pessoas estão abandonar os centros de acomodação devido à
falta de comida e de condições básicas de saneamento de meio. Além dos deslocados
que estão em zonas relativamente seguras, há dezenas de milhares de pessoas que

50
continuam nas aldeias afectadas por ataques e que também precisam de assistência
humanitária urgente.

Para estes casos, a Convenção de Kampala obriga o Estado a tomar todas “as medidas
necessárias para organizar as operações de socorro de carácter humanitário imparcial e
garantir condições de segurança efectivas”, conforme o nº 7 do artigo 5.

Além do sofrimento humano, a crise humanitária em Cabo Delgado está a revelar as


fragilidades institucionais de lidar com os deslocados. Na alínea a) do artigo 2, a
Convenção de Kampala obriga os Estados signatários a:

“Incorporar as obrigações emergentes da convenção no


seu direito interno, através da promulgação ou emenda
da legislação pertinente relativa à assistência e protecção
das pessoas deslocadas internamente”.

Legislação e políticas nacionais incumbem aos estados o dever prioritário de concessão


de protecção e assistência humanitária a Pessoas Deslocadas Internamente. A evolução
de legislação, políticas e estratégias nacionais constitui um processo essencial através
do qual o Estado pode assegurar o cumprimento das suas obrigações, ao abrigo do
direito internacional.

A legislação e políticas nacionais da deslocação, tal como o regresso, o realojamento e a


reintegração, ou dirigidas a uma causa específica de deslocação, como catástrofes
naturais. Uma lei ou uma política que se ocupem de um ou mais direitos específicos das
pessoas deslocadas, como o direito a restituição e compensação por perda de
propriedade.

51
10. CONCLUSÕES

As migrações forçadas de pessoas por causa de guerra agravada pelo terrorismo em


Cabo Delgado é resultado de uma função complexa que envolve diversas
consequências que colocam as populações dos distritos abrangidos em situação de
vulnerabilidade.
O alto nível de vulnerabilidade, decorrente da pobreza, fragilidade de instituições
políticas e sociais aptas a lidar com contextos de crise, além da insuficiência de
informações, combinados com o agravamento dos ataques terroristas podem gerar
grandes crises humanitárias e impõem a reflexão sobre medidas de protecção em
âmbito nacional e internacional, inclusive para garantia da segurança dos deslocados
internos.
Terrorismo, por si só, apenas em contextos específicos forçou o deslocamento de
pessoas nos distritos abrangidos. Contudo, esses deslocamentos produziram efeitos
socioeconómicos que são capazes de agravar vulnerabilidades já existentes, devido a
pobreza.
Ou seja, as consequências resultantes da guerra na Província de Cabo Delgado
actuarão em combinação com factores preexistentes que compõem a vulnerabilidade
das populações, multiplicando sofrimento, determinando assim o deslocamento
forçado das populações.
Causa-efeito intrínseca das deslocações forçadas, demonstra a fluidez e
interdependência dos órgãos que apoiam os deslocados, impondo uma análise
sistemática e consequências do agir do Estado e Organizações não-governamentais
(ONG). A protecção pelo direito humanitário pode garantir respostas rápidas e
emergenciais a situações de guerra. E mesmo quanto às respostas emergenciais, o
sistema actual de Moçambique carece de recursos financeiros suficientes para
protecção satisfatória das comunidades vulneráveis. Como a assistência humanitária é
sempre encarada como uma liberalidade, os recursos são disponibilizados aos Estados
considerados mais estratégicos aos doadores.
A protecção pelo sistema de direitos humanos é mais abrangente e inclui todo o género
humano. O fortalecimento dos direitos humanos reduziria a vulnerabilidade e criaria
um sistema sócia e económico coeso, enfrentando as causas para o deslocamento. Os
direitos humanos também funcionam como prisma para a protecção a ser garantida

52
durante o deslocamento e no reassentamento.
A Convenção de Kampala indica direitos humanos que devem ser resguardados e
promovidos em situações envolvendo o deslocamento interno de pessoas. Tal
documento tem por fim a estabilidade do movimento interno forçado, com a actuação
pelo próprio Estado.
A previsão de cooperação de outros países, por meio desse mecanismo, é apenas
complementar e não vinculante. Contudo, tendo em vista que Moçambique é
denominado o um dos países mais pobre do mundo, instituições políticas são
frágeis, onde carecem de infra-estrutura de protecção para situações de crise, a mera
enunciação de direitos humanos pouco garante em termos de protecção efectiva.
O problema dos deslocados internos na província de Cabo Delgado impõe, para o seu
enfrentamento de racionalidade organizada, voltada para restabelecer a dignidade das
populações afectadas.
As condições de sobrevivência dos deslocados requerem que se volte também aos
efeitos combinados e cumulativos de direitos dos deslocados, oriundos de várias fontes
de apoio, capazes de produzir efeitos estabilizador duma vida digna e duradoura para
os que estão nos centros de acomodação e os que estão nas casas de arrendamento ou
familiar.

53
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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