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DA ARTE ARTESANAL

E MECÂNICA
À ARTE ELETRÔNICA
Antecedentes no século XIX
A exploração das novas tecnologias de comunicação social tornou-se
uma razão de peso maior para os rumos da arte no período que se esten­
de das quatro últimas décadas do milênio ao início deste século. Ela se
difunde no mesmo ritmo dos vertiginosos avanços que se sucedem num
campo que é inseparável de toda a estrutura de produção da sociedade.
O aproveitamento dos meios eletrônicos e informacionais pela arte
a atualiza, fazendo-a compartilhar da mais profunda compreensão do
mundo gerado por esses meios. Norbert Wiener nos diz que só é possível
existir um entendimento da sociedade "através de um estudo das men­
sagens e das facilidades de comunicação de que se disponha" (WIENER,
1968, p.16), afirmação à qual acrescenta sua previsão de que "no futuro
o desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunicação, as
mensagens entre o homem e as máquinas, entre as máquinas e o homem
e entre a máquina e as máquinas estão destinadas a desempenhar um pa­
pel cada vez mais importante" (idem). A consciência desse processo de
investigação dos espaços-tempos que dominam cada vez mais o nosso
cotidiano, enunciado pelo criador da cibernética, tem sido demonstrada
pelos artistas nos últimos anos.
A máquina-que alcançara um estágio inédito de desenvolvimento
no Renascimento, pela conexão estabelecida entre conhecimento teórico
e experimentação, com resultados que foram alvo de exemplar divulga­
ção científica, na forma de reconstituição de inventos dos artistas-en­
genheiros, às vezes depurados pela história 1 -representou, na época

Ver GALLUZZI, Paolo. Gli ingegneri dei Rinascimento: da Brunelleschi a Leonardo da Vinci.
nça: Palazzo Strozzi, 1996.

ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 23


do industrialismo, uma grande transformação na vida humana. São por
demais conhecidas as reações de toda sorte, favoráveis e desfavoráveis,
fundamentadas ou literárias, que a máquina provocou no século XIX.
A promessa de progresso ilimitado que ela encarnava-com diretas re­
percussões na vida econômica, social e política-sofria questionamentos
como os de Samuel Butler, seguidor de Darwin. Para Butler, a máquina,
ainda em estágio inicial, mas em evolução rápida, prefigurava-se como
a verdadeira sucessora do homem, que seria reduzido a uma condição
de segunda ordem. Por isso foi execrada e assunto de sátira na pena do
autor de Erewhon 2 , que chegava a pregar a sua própria destruição. No en­
tanto, essa concepção de Butler vinha de uma era que não permitiu "com­
preender a verdadeira natureza do comportamento dos autômatos, e suas
afirmações são antes incisivas figuras de linguagem que observações
científicas" (WIENER, 1968, p.180).
Entre os que sustentaram uma postura crítica diante da máquina,
deve-se destacar um dos personagens centrais da arte do século XIX,
como reflexão teórica e como exercício: William Morris. Revivalista in­
fluenciado por John Ruskin, seguidor do socialista utópico na desenfrea­
da sociedade liberal daquele tempo, combatente consciente dos efeitos
negativos da industrialização no design, era irredutível defensor do arte­
sanato nas artes aplicadas. Morris entendia a máquina como uma ameaça
aterradora. Essa visão desfavorável da máquina, de diferenciados matizes
entre vários expoentes intelectuais de sua época, na passagem do século
XIX para o XX, perseveraria, como é sabido, em notórias figuras da cultura
do século XIX, bastando lembrar as ideias dos filósofos Oswald Spengler
e Martin Heidegger3 • No que concerne diretamente às artes, recorde-se o
teórico e historiador de arquitetura moderna Sigfried Giedion e um intér­
prete da cidade como Lewis Mumford.
Em que pese a sua obstinação em preservar o trabalho manual
diante das novas condições impostas pela produção industrial, Morris,
ao reabilitar o desenho aplicado, colocava-se na base de todo um proces­
so de funcionalidade da forma que ensejaria o ulterior aparecimento de
associações como Arts and Crafts, na Inglaterra, e Deutscher Werkbund, na
Alemanha, da qual seria herdeira a escola Bauhaus, socialista e altamen­
te tecnologizada, assim como, no plano individual, figuras paradigmáti­
cas como as de Henry van de Velde e Walter Gropius. Na era romântica
firmara-se o espírito de Gesamtkunstwerk, uma conjunção de diversos ho­
rizontes artísticos que, de certo modo, anunciava a transdisciplinaridade
cultural dos dias contemporâneos. Por outro lado, as técnicas tradicio­
nais haviam se enriquecido com os empastados na pintura, o uso das co­
res industrializadas em meados do século XIX, a diversificação da aquare­
la, a revivescência da xilogravura e a incorporação da litografia, de início
entendida apenas nos limites mecânicos da reprodução. Nesse clima de
renovação, surgiram os logo populares panoramas.

2. Zanini aqui se refere à sátira utópica Erewhon (1872), do escritor britânico Samuel Butler.
3. O autor aqui faz referência aos livros de Speng!er, um crítico das técnicas: A decadência do
Ocidente (1918) e O homem e a técnica (1931). Refere-se ainda à célebre conferência de Martin
Heidegger "A questão da técnica", proferida em 1953, posteriormente publicada em 1954.
A tradução em português vem sendo recorrentemente publicada em revistas acadêmicas.

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Várias novas técnicas permearão as artes plásticas no avanço do
industrialismo, um relacionamento dos mais difíceis, palco de controvér­
sias na sociedade que se urbanizava e começava a conhecer a prolifera­
ção das imagens. Essa questão, envolvendo elitismos (como o de lngres)4
e a tendência à democratização do acesso à produção artística, é tratada,
em amplo espectro social da arte, no âmbito da França, pelo historiador
Gérard Monnier5 • O autor se refere aos vastos cenários pictóricos que
são os panoramas, ou seja, as representações da cidade, episódios mi­
litares e outros temas tratados em trompe /'rei/, instalados em espaços
de forma circular cujo centro era ocupado pela plateia (MONNIER, 1995,
p.116). No caso do diorama e suas variantes luminísticas e ilusionistas,
podemos ver antecedentes ao cinerama e a outras modalidades atuais
de espetáculo6 • Entre as formas de reprodutibilidade que prosperaram
na atmosfera do progresso industrial, situa-se, na área de escultura, a
"máquina de redução", que, como já diz o nome, tornava menor o formato
das peças originais, em vários materiais, para fins de difusão e comércio7
(MONNIER, 1995, p.157).
Contudo, nesse contexto da primeira Revolução Industrial, foi de
impacto o aparecimento da fotografia, herdeira da câmera escura, pri­
meiro instrumento de reprodutibilidade automática da imagem. A inven­
ção punha inexoravelmente em xeque o entendimento tradicional da arte.
Entretanto, a questão que de imediato se colocou (e se colocará em per­
durável controvérsia, que se arrastou até a segunda metade do século
XX) era se a fotografia pertencia ou não ao universo das belas-artes. Nas
palavras de Walter Benjamin, em seu texto clássico sobre as artes visuais
"A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução"ª, afirma que
"gastaram-se vãs sutilezas a fim de se decidir se a fotografia era ou não
arte, porém não se indagou antes se essa própria invenção não transfor­
maria o caráter geral da arte" (BENJAMIN, 1983, p.13), erro que, ele acres­
centa, cometeram mais tarde os teóricos de cinema. O que o membro da
Escola de Frankfurt pôs em evidência, como se sabe, foi a perda da "aura"

4.. Zanini faz aqui uma referência ao pintor francês Jean-Auguste Dominique lngres (1780-
'-'1167), que assumia uma posição contrária às inovações da pintura que rompiam com os
<.,-íncipios clássicos por ele seguidos.
� MONNIER, Gérard. L'art et ses institutions en France: de la Révolution à nos jours. Paris:
,&allimard, 1995.
·&.Importante notar o gesto contemporâneo de Zanini ao destacar o panorama como uma
'1Drma artesanal que, de algum modo, antecedeu o cinema e as instalações audiovisuais
· a,m suas potentes formas de imersão. Para conhecer a história dos panoramas e as
1•culações contemporâneas, conferir GRAU, Oliver. Arte virtual-da ilusão à imersão. São
. Paulo: Unesp/Senac, 2007. O autor desenvolve uma completa trajetória dos panoramas
'ecle outros procedimentos e técnicas de imersão. Vale a pena ainda conferir SCHWARTZ,
:Vanessa. O espectador cinematográfico antes do aparato do cinema: o gosto do público
.-,a realidade na Paris fim de século. ln: CHARNEY, Leo e SCHWARTZ, Vanessa (orgs.). O
: cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
'I. Monnier aqui se reporta à obra coletiva La sculpture française au XIX• siécle, publicada
, .-ando da exposição no Grand Palais, em Paris, 1986, com curadoria de Anne Pingeot.
a. Zanini aqui se refere ao texto de Walter Benjamin publicado na coleção "Os pensado-
11e5" (Abril, São Paulo, 1983, p.13), que trazia o titulo "A obra de arte na época de suas
licnicas de reprodução". Todas as citações dizem respeito a essa edição. O titulo mais
conhecido no Brasil foi o publicado em BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. São Paulo:
Brasiliense, 1993.
da obra de arte, provocada pelo "valor de exibição" (BENJAMIN, 1983,
p.14). Divulgada um quarto de século depois de sua morte, a reflexão de
Benjamin trouxe compreensão sobre as relações emergentes da arte com
a sociedade das tecnologias industriais. Estudos recentes, entretanto, re­
veem a questão da "aura", considerando que os próprios meios de difu­
são da obra de arte, cada vez mais massificados, contribuem para o culto
dos originais preservados em museus e coleções9 •
A disposição de que a imagem fotográfica não corresponde ao uni­
verso poético surgiu drasticamente em Charles Baudelaire. Em "Carta ao
sr. diretor da Revue Française sobre o salão de 1859", o poeta e crítico con­
siderou a fotografia incapaz de ir além da condição de "serva das ciências
e das artes" (BAUDELAIRE, 1873, p. 261). O crítico limitava o alcance da
nova imagem: "que ela orne a biblioteca do naturalista, exagere os ani­
mais microscópicos, fortaleça com algumas informações as hipóteses
do astrônomo ( ... ), nada melhor do que isso". Mas "se lhe for permitido
invadir o terreno do impalpável e do imaginário, aquilo que não vale senão
pelo fato de o homem acrescentar-lhe a sua alma, aí então, desgraçados
de nós!" (ibidem, p. 262). Fixado no entendimento do aparelho como tão
somente apto à reprodutibilidade mecânica da realidade, considerou a fo­
tografia "refúgio de todos os pintores fracassados" (ibidem, p. 260).
Mas uma afirmação da criatividade possível com a primeira mídia saída
da máquina declarava-se já naquela época, no conflito entre fotógrafos e
pintores. Como afirma Aaron Scharf, abordando o conflito que os dividia:

No século XIX, fotógrafos que se consideravam artistas com câmeras do


mesmo modo que outros o eram com pincéis esforçaram-se frequentemente
em demonstrar que o seu meio não era inteiramente mecânico, podendo, ao
contrário, ser tão sensível ao espírito quanto a mão do operador(...) a inven­
tividade dos fotógrafos na época, no que diz respeito ao seu equipamento e
técnica, de longe superava a dos pintores.(SCHARF, 1965, pp. 7-9)

Sucessora, a quatro séculos de distância, da célebre tavoletta 1º de


Filippo Brunelleschi, que representava em perspectiva monocular a Piaz­
za di San Giovanni, estabelecendo o espaço numérico do Renascimento,
e herdeira das projeções óticas da câmera escura, a fotografia tem sido
considerada o fator do desmoronamento das tendências realistas da
pintura. O historiador italiano Cario L. Ragghianti assumiu essa tese em
195411 • Com o surgimento da fotografia, a representação mimética, que na

9. A obra de Benjamin tem sido largamente estudada e entre os que revisam suas reflexões
está András Sándor. Conferir SÁNDOR, András. Art as the Concept of the Arts in the Age
of Mechanical Reproduction. ln: VAYER, Lajes. Prob/emí dí melado. Atas do XXIV Congresso
Internacional de História da Arte (C.I.H.A., 1979), Bolonha: CLUEB, vol. X, 1992.
10. A tavoletla foi um dispositivo desenvolvido pelo italiano Filippo Brunelleschi (1377-1446)
para demonstrar a perspectiva. Para tanto, o arquiteto florentino pintou o exterior da igreja
de San Giovanni e fez um furo na altura da linha do horizonte, coincidindo com seu pon­
to de vista. Diante da igreja colocava-se, com uma das mãos, o pequeno quadro, posi­
cionando o olho no furo, com a outra mão segurava-se um espelho. Com isso a igreja era
refletida, dando a impressão de se ver a cena real ao se olhar para o quadro no espelho.
11. Conferir RAGGHIANTI, Cario L. Estetíca índustríale. Sele Arte, Milão, nº 14, set.-out., 1954.

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pintura chegara a extremos no duvidoso gosto pompier12 , cedia a concei­
tos de valorização da forma e à subjetividade de expressão, para os quais
não faltaram adeptos no decorrer do século XIX. Seria talvez necessário
lembrar a opinião segundo a qual essa mudança provocada pela invenção
da fotografia não se fizera tão rapidamente, como vários autores afirmam.
Meyer Schapiro recorda que seis décadas depois da descoberta da nova
técnica, tornada pública em 1839, comprovava-se o recrudescimento do
realismo na arte (em termos de luz, atmosfera e movimento). Tal fato, para
Schapiro, "fala contra a opinião segundo a qual a arte moderna originou­
-se como uma resposta à fotografia" {SCHAPIRO, 1978, p. 142). Na trans­
formação da Kunstwollen 13 , entre o final do século XIX e o início do século
XX, deve ser considerada, sem dúvida, a existência de várias razões con­
ceituais, amplamente conhecidas, que remetem à essência dialética do
universo da arte. Mas, pouco ou nada reconhecida pelos historiadores e
críticos de arte, a influência da fotografia na profunda transformação so­
frida pela pintura é fenômeno mais aceito desde os anos de 1960.
Cabe mencionar a imensa relevância da fotografia para o conheci­
mento e a divulgação da arte. André Malraux, em As vozes do silêncio [Les
voix du silence], no início dos anos 1950, demonstrou toda a importância
dessa contribuição, mesmo após a chegada do tempo dos museus. Vi­
sando suprir lacunas impreenchíveis neles existentes e dar maior acesso
público à arte, propôs o museu imaginário, afirmando: "As artes plásti­
cas inventaram a sua imprensa" (MALRAUX, 1951, p.14). "Incomparável
auxiliar" (ibidem, p. 25), a fotografia, no seu contínuo aperfeiçoamento
técnico, "estende o nosso conhecimento mais do que satisfaz a nossa
contemplação: porém ela estende esse conhecimento como o fez a in­
venção da gravura" (ibidem, p. 28). De toda a evidência, a contemplação, a
rigor, exige a visita ao original. Para Malraux, com razão, "a história da arte,
há cem anos, desde que ela escape aos especialistas, é a história do que é
fotografável" (idem, p. 28) 14• Ele previa assim a existência dos museus vir­
tuais, que, na dimensão ciberespacial, introduzem novas e revolucionárias
possibilidades de divulgação15 •

12. Pompíer é uma denominação, inicialmente mais irônica, que indicava certo estilo român­
rIco tardio. O nome vem dos capacetes dos bombeiros (em francês, pompier) franceses, que
se parecem com elmos antigos.
·3, Termo alemão que significa, literalmente, "vontade da arte". No entanto, trata-se de
.:ma noção complexa desenvolvida pelo historiador da arte austríaco Alais Riegl (1858-
-1905), que, de alguma forma, abriu caminho para as reflexões de Panofsky e Cassirer ao
;ierceber a produção artística marcada pelos aspectos do tempo histórico. De Riegl foi
:iublicado no Brasil, com tradução de Werner Rothschild Davidsohn e Anat Falbel, O culto
TIOderno dos monumentos (Perspectiva, 2014), que traz uma densa introdução de Annatere­
sa Fabris sobre o livro e o pensamento de Riegl.
•4. Uma nota aqui indicava: "Ver Berger, Rosalind Krauss, Battcock, p. 56, New Artists Video.
Malraux e cibercultura, ver Pierre Lévy, p.154". Possivelmente essa passagem seria poste­
·1ormente desdobrada. Podemos aferir pelas evidências que ele estava indicando: Modos de
,er (John Berger, 1972), "Photography's Discursive Spaces: Landscape" (Rosalind Krauss,
Art Journal, vol. 42, nº-4, The Crisis in the Discipline (1982), pp. 311-19) e Gregory Battcock
:New Artists Video, E. P. Dutton, 1978). Zanini indicava ainda Cibercultura, de Pierre Lévy (34
Letras, 1999)-uma passagem na página 154 que trata da ampliação do acesso à arte pelo
JSO das novas mídias.
15. Conferir HABER, Alicia. Nouve/les de /'!COM, vai. 54, n21, 2001, p. 6.

=A ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 27


As vanguardas e as tecnologias industriais
O período entre a última década do século XIX e a primeira do século XX
é, na Europa, o contexto dos embriões e da constituição dos movimentos
inaugurais da arte moderna. A denominação é consagrada e abrange o
conjunto das vanguardas que se desenvolveram transpondo a guerra de
1914, projetando-se mais além em desdobramentos que passam por outra
conflagração mundial e atingem seu final num percurso que se estende
até as décadas de 1950 e 1960. A referência a uma condição moderna re­
montava a várias fontes históricas, significando uma ruptura ou transição
de uma realidade de valores atuais, diante de outros anteriores conside­
rados ultrapassados.
Compreende aquele momento adiantado da sociedade industrial,
com a evolução na arte da pintura conduzida por fortes individualidades
que abandonavam a visualidade espontânea e sensorial do impressionis­
mo (cujo grupo expunha pela última vez em 1886), rompendo de vez com
o antigo ideário naturalista, como pensa Jacques Thuillier16, na escolha
de reconstrutoras e contrastantes metas. Igualmente, é o momento de
eclosão do fenômeno Art Nouveau. Tendo vínculos com a pintura, mas di­
rigido essencialmente às artes aplicadas e à arquitetura, em atitudes pe­
culiarizadas por idiossincrasias, porém enquadradas na larga orientação
decorativa da época, constituiu-se o Art Nouveau uma primeira negação
do historicismo do século XIX.
Reportando-nos à pintura, recordemos que a França possuía con­
sistências originais de renovação das mais influentes no século XIX, em
cuja fase final atingia outro auge, porém como parte de um quadro euro­
peu mais unificado. Em Paris, que no início do século XX atrairia gran­
de número de artistas do continente e de fora, se configurou a "escola",
transcendendo nacionalidades, com o nome da cidade. Em suas origens, a
problemática pictórica moderna distribuiu-se em pesquisas de alta racio­
nalidade, assim como em valores psíquicos e nas esferas de sentido espi­
ritual. A fragmentação geométrica do mundo natural em Paul Cézanne se­
ria herdada pelo espaço cubista, mas o pós-impressionismo de Georges
Seurat ensejaria uma via própria no rigor de suas ordenações. Seurat,
diversamente da concentração plástica existencial de Cézanne (como a
analisou Merleau-Ponty) 17, fundamentou-se em conhecimentos científicos
na investigação da realidade (primeiro absorvidos em Charles Blanc) 18 com
base nos princípios do "contraste simultâneo das cores" de Michel-Eugêne
Chevreul e depois em outras fontes, como Ogden Rood, que distinguiu a cor­
-luz da cor de pigmento, demonstrando a maior pureza da primeira. Conhe­
cendo esse fato, Seurat foi levado a introduzir efeitos mais luminosos em
suas telas19 , dirigindo suas experiências de fusões cromáticas por meio da

16. Ver THUILLIER, Jacques. lmpressionnisme: une révision. Revue de l'Art (25), Paris, 1974, pp. 4-7.
17. Referência ao importante ensaio "La doute de Cézanne" (1945) [A dúvida de Cézanne],
de Merleau-Ponty, que analisa a obra do pintor. No Brasil, o ensaio foi publicado em O olho
e o espírito (São Paulo: Cosac Naify, 2004).
18. Aqui Zanini se refere ao crítico de arte francês Charles Blanc (1813-82), que desenvolveu
diversas reflexões e teorias em torno do uso da cor.
19. Conferir HERBERT, Robert L. Seurat (catálogo de exposição); prefácio de Françoise Cachin.
Paris: Réunion des musées nationaux/Musée d'Orsay, 1991, p. 440. O autor insere textos sobre
as leituras artísticas, estéticas e científicas de Seurat entre as páginas 433 e 448.

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técnica "pontilhista" (toques calculados de pinceladas justapostas), de
onde resultou sua poética estrutural. No embasamento em disciplinas no­
vas da percepção, é um iniciador, em seu tempo, das conexões entre a arte
e a ciência.
As ideias do círculo pós-impressionista que se formou com Seurat e
outros pintores, sobretudo Paul Signac, além do crítico Félix Fénéon, alar­
garam-se em penetrantes repercussões internacionais, como no futurismo
italiano em formação pelo trâmite de seu divisionismo. Distantes de Cézan­
ne e Seurat foram os caminhos de Paul Gauguin e de Vincent van Gogh. O
primeiro, em imagens concisas, herméticas e de imersões primitivistas, é
assimilado pelo fauvismo e pelo expressionismo, vanguardas nas quais in­
tervém também a sensibilidade dramática de Van Gogh. Reúnem-se a eles,
na influência sobre o expressionismo alemão, o belga James Ensor e o suí­
ço Ferdinand Hodler, ambos de inícios impressionistas, e principalmente o
norueguês Edvard Munch, em sua emotividade receptiva a Van Gogh. Outro
componente dessa heterogênea atmosfera pictórica e de reação ao impres­
sionismo é o da imanência espiritual do simbolismo, relacionada à literatura
e à poesia (Paul Verlaine e Stéphane Mallarmé), tendência de valores de­
siguais, particularmente em dívida com Gauguin. No transcendente imagi­
nário da corrente, anunciaram-se elementos da abstração e do surrealismo.
Haverá vanguardas conectadas a emergentes tecnologias e outras que per­
manecerão à margem dessa influência, como o expressionismo.

Art Nouveau
Contrastante com as condições mutáveis da pintura no transcorrer do
século XIX, a arquitetura na Europa chegara à Bel/e Époque esteticamente
submissa a tradições. A passividade historicista dominava a mente dos
arquitetos. Em contraste com a sua inoperância generalizada, os enge­
nheiros demonstravam-se em consonância com o desenvolvimento da Re­
volução Industrial. O século XIX, não raro, foi tachado como destituído de
arquitetura e também lembrado como um século de engenheiros. Eles se
notabilizaram pela audácia de suas pontes de arcos de ferro de extensões
cada vez maiores-material que por excelência elegeram-no final dos Se­
tecentos e das plataformas ferroviárias no novo século, inicialmente na
Inglaterra, destacando-se em seguida por outras obras que exijiam cons­
tantes e novas soluções tecnológicas, de que o Crystal Palace20 é um pri­
meiro grande exemplo. Josef Paxton, um jardineiro construtor de estufas,
foi o autor dessa gigantesca estrutura limpa e transparente pré-fabricada
em ferro e vidro (mais de quinhentos metros de comprimento) que abrigou
a "Exposição Universal" de Londres de 1851.
Na economia de suas formas, o Crystal Palace se tornou uma antevisão
da arquitetura do século XX. A Torre Eiffel, de Gustave Eiffel, e a Galeria das
Máquinas, do engenheiro Victor Contamin, para a qual contribuiu Ferdinand
Dutert, em Paris, a algumas décadas de distância, confirmavam o papel so­
berano da engenharia. Contudo, sem maiores intenções revolucionárias, nas

20. Zanini aqui faz referência ao Palácio de Cristal, construção monumental de ferro e vidro no
1-tyde Park, em Londres, desenvolvida para a "Exposição Universal" de 1851. Posteriormente, foi
transportado para outro parque, sendo destruído por um incêncio em 1936.

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CRYSTALPALACE, HYDE PARK, LONDRES, 1851.

três últimas décadas do século XIX alguns arquitetos britânicos deram con­
sistência ao chamado English Domestic Reviva/, modestas mas convincentes
construções de espírito simplificado e racionalizado, precedendo rumos do
modernismo funcional do continente.
Seria da Inglaterra que outros fatores ainda trariam uma cota das
mais importantes para o desencadeamento no continente, no final do
século, de um amplo movimento de renovação das artes aplicadas e de­
corativas, em conexão com a arquitetura. A continuidade de estilos so­
breviventes do passado seria posta em xeque por uma criatividade de
fantasiosos recursos de caráter ornamental, extremamente individualiza­
dos e manifestos como uma tendência de abrangência internacional que
refluiu na própria Inglaterra. A mais usual de suas várias denominações
nacionais era a de Art Nouveau. Correspondia a um momento de intensi­
ficação da vida urbana, marcada pela crescente intervenção da máquina
nas atividades mais comuns, criadora de hábitos de uma realidade nova,
mas com resistências sedimentadas dos meios artesanais.
A renovação nesses domínios da arte na Europa continental entre os
dois séculos, e paralelamente nos Estados Unidos, tem uma grande dívida
com a Inglaterra. Em primeiro lugar, em relação a William Morris, persona­
gem-chave da cultura do século XIX, em seu pensamento conjugado à ação
através de escritos, pronunciamentos e oficinas que organizara. Dívida que
inclui o. conhecimento da experiência de corporações de artes e ofícios e
exponencialmente da Arts and Crafts Exhibition Society, criada em 1888.
Mesmo em breves palavras, é imprescindível deter-se em Morris.
Espírito identificado a John Ruskin em princípios morais e estéticos, as­
sim como iniciado na sua ideologia socialista, acompanhou-o no interes­
se pela arte medieval (devendo-se lembrar o antecedente de Augustus

30 WALTER ZANINI
Welby Northmore Pugin, na defesa do Gothic Reviva!, privilegiado diante
de outras formas de recuperação artística do passado na Inglaterra) e fez
parte, por pouco tempo, da conservadora confraria de artistas pré-rafae­
litas, apoiada por seu mentor. Morris foi uma figura multifacetada-pintor,
poeta, conferencista, político militante desenvolvido em leituras de Marx,
designer, empresário-em quem o futuro reconhecerá o pioneiro do design
moderno, assim como o papel importante na sustentação da arquitetura
doméstica, com representantes notáveis em Philip Webb e Richard Nor­
man Shaw na reação aos padrões solenes da Era Vitoriana. A influência
de Morris extrapolou em muito a Inglaterra e se fez sentir desde o exemplo
de sua própria casa (Red House), construída em 1859, por Webb, em Kent,
uma discreta releitura do gótico, a que Morris integrou a sua decoração e o
mobiliário. Recorde-se que se acrescentara uma perspectiva nova à histó­
ria da arquitetura e das artes tradicionalmente segregadas como menores,
trazendo relevância às suas questões materiais e tecnológicas, nas visões
dos arquitetos e teóricos Gottfried Semper e Eugêne Viollet-le-Duc.
Não vendo mais sentido na arte separada dos objetos circundantes,
Morris destruiu seus próprios quadros. A opção pelas artes decorativas e
aplicadas era para Morris um dever social e a elas se dedicou com verdadei­
ra devoção com o objetivo de introduzir qualidades regenerativas ao estado
sofrível a que haviam sido reduzidas em sua massificação descontrolada
pela Revolução Industrial. Uniu-se a amigos, entre eles alguns pré-rafaelitas,
e fundou em 1861, em Londres, a empresa Morris, Marshall, Faulkner & Co.
para produção de móveis, tecidos decorativos, papéis de parede, peças de
metal, tecidos chintz, tapeçarias e vitrais. Mais tardiamente, dedicou-se à
renovação da arte tipográfica em edições de livros. Motivos vegetais eram
a base de seu desenho estilizado, expresso em formas claras e concisas e
em composições ritmadas. Nas suas palavras, a arquitetura, a pintura e a
escultura, particularizadas como artes do intelecto, achavam-se divorcia­
das da decoração no seu sentido mais restrito, e sua preocupação era o
"grande corpo da arte por onde homens em todos os tempos haviam lutado
para embelezar o prosaico da vida diária" (BRIGGS, 1962, p. 85). Para Morris,
o trabalho artístico devia ser, acima de tudo, um ato de prazer.

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RED HOUSE. PROJETO.

Contestatário dos usos mecânicos-embora tenha desenhado para


a indústria de tecido e aceitasse essa intervenção em pormenores secun­
dários de execução-, Morris, como Ruskin, demonizava a máquina, acre­
ditando na retomada do artesanato medieval como atitude salvadora. Essa
condenação dos usos da máquina situava-se, porém, na contramão da his­
tória. O impasse dos altos custos do trabalho manual e dos materiais que
elitizavam seus usos de limitado alcance serial contrariava os seus próprios
e elevados propósitos sociais de democratizar a arte. Como afirma Nikolaus
Pevsner, era "destrutiva a parte essencial de sua doutrina"(PEVSNER, 1962,
p. 26), ou seja, "o regresso às primitivas condições medievais(...) numa
época em que praticamente todos os objetos de uso cotidiano são fabrica­
dos com a ajuda de máquinas"(ibidem, p. 27) 21.

21. Pevsner reviu e ampliou parte de suas ideias em outras edições. Conferir o capítulo
"L'architecture et les arts appliqués", catálogo da exposição "Les sources du xx� Siêcle: les
arts en Europe de 1881 à 1914", MNAM, Conseil de l'Europe, Paris, 1960-1961, pp. XLI-LVI; e
Origens da arquitetura moderna e do design [The Sources of Modem Architecture and Design].
São Paulo: Martins Fontes, 2001 (1968). Entre os seus principais seguidores encontravam-se
Walter Crane (1845-1915) e Charles Robert Ashbee (1863-1942), neste último desvelando-se
uma tardia persuasão de receptividade à utilização industrializada.

32 WALTER ZANINI
Na síntese das artes envolvendo a recuperação do artesanato em
William Morris e em fontes especificamente estilísticas de seus continua­
dores destaca-se, principalmente, Arthur Heygate Mackmurdo. Fundador
do movimento Century Guild (1882), Mackmurdo foi inovador na tradição
de seu mestre, celebrizado pela xilogravura de motivos curvilíneos da pá­
gina de rosto do seu livro Wren's City Churches (1883) (incunábulo a que se
remetem os artistas ingleses do período).
Em outras inspirações, a exemplo dos desenhos e ilustrações de
figuras alongadas de Aubrey Vincent Beardsley, localizam-se os elemen­
tos de fundamentação do Art Nouveau. Mas as influências trazidas para o
continente, facilitadas pela revista The Studio, estendem-se à arquitetura
e incluem outras referências, como a de Charles F. Annesley Voysey.
Dois artistas que se re�elaram por formas estilizadas análogas fo­
ram o pintor holandês de origem indonésia Johannes Toorop, atraído por
Beardsley, e o pintor, gravurista e escultor belga Fernand Khnopff, ambos
pertencentes ao Grupo dos XX, de orientação simbolista, importante re­
ferência da dinâmica cultura modernista assumida em Bruxelas, com ex­
posições internacionais, eventos e publicações. Foi também em Bruxelas
que surgiu Henry van de Velde-um dos principais ativadores no impulso
do Art Nouveau (GIEDION, 1978, p.11).
Nos domínios da Arte Pura, corrente que nascia e perduraria como
expressão decorativista, foram colhidos fatores normativos de contempo­
raneidade endereçados inexoravelmente ao anti-historicismo. Incluem­
-se, entre outros grandes agentes dessa infusão, Paul Gauguin, Edvard
Munch, Georges Seurat, Henri de Toulouse-Lautrec e Ferdinand Hodler.
Antes de mais nada, as caracterizações gerais do Art Nouveau em
seus utensílios domésticos e na arquitetura são de uma linguagem rigo­
rosamente fechada em seus intentos formais, predominantemente con­
figurados em curvas ondulantes e assimétricas de origem orgânica que
podem evoluir em sentido abstrato. As formas retas e geometrizadas, po­
rém, não lhe são estranhas. Aos elementos europeus-a exemplo de in­
terpretações rococós ou no que capturam da pintura-somam-se outros,
de origem antiga ou oriental, como assimilações japonesas (ukiyo-e), chi­
nesas, malaias (batique).
O estilo acabou irradiando-se como um sopro de novidade a partir
do início da década de 1890 por diversas cidades europeias e suscitou uma
grande variedade de denominações. A de Art Nouveau, derivada da loja pari­
siense L'Art Nouveau, aberta em 1896 pelo marchand Siegfried Bing, em Pa­
ris, tornou-se a mais frequente. Juntaram-se outras denominações, princi­
palmente Jugendstí/ na Alemanha, Sezessionstíl na Áustria, Modernismo ou
Modernista na Espanha, Líberty e Floreale na Itália, Modem Style na Inglaterra
etc. Bruxelas, Paris, Viena, Munique, Dresden e Darmstadt estiveram entre
seus centros mais ativos. A corrente adentrou a Escandinávia, alcançando
a Europa oriental e a Rússia. Teve correspondências nos Estados Unidos e
presença na América Latina.
Num primeiro momento como trabalho de desenhistas de obje­
tos utilitários, o Art Nouveau aliou os arquitetos ao seu projeto. Eram
eles igualmente designers e vários deles seus teóricos. Contribuições
pioneiras dessa aliança foram as dos belgas Victor Horta, na mansão

C:A. ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 33


Tassel, em Bruxelas em 1892-93; e a casa que Henry van de Velde cons­
truiu para si próprio em Uccle, em 1895, ambos relacionando-se à "obra
total" de Morris. É importante juntar-se a elas a obra do precocemente
desaparecido Paul Hankar. Também os austríacos Joseph Maria Olbrich
e Josef Hoffmann, discípulos de Otto Wagner, o alemão Peter Behrens,
o francês Hector Guimard, conhecido sobretudo pelas entradas do me­
trô de Paris e sua ambientação. E ainda o espanhol Antoni Gaudí, fruto
do isolamento espanhol, de excepcional e compulsiva singularidade
em construções visionárias em Barcelona. O escocês Charles Rennie
Mackintosh, arquiteto e integrante da School of Art de Glasgow, junta­
mente com o seu grupo familiar, de incisiva influência internacional, é
uma referência maior. Vínculos relativos com o Art Nouveau demonstra­
ram-se na vigorosa personalidade independente do holandês Hendrick
Petrus Berlage. Nos Estados Unidos, analogias certamente sem vínculos
diretos estabeleceram-se entre o decorativismo de Louis Henry Sullivan
e o dos países europeus.
O rompimento com as formas pretéritas das artes aplicadas e arqui­
teturais constituiu o primeiro atributo reivindicado pelo Art Nouveau. Como
afirma Henry-Russell Hitchcock, "o Art Nouveau foi de fato o primeiro es­
tágio da arquitetura moderna na Europa, se por arquitetura moderna se
entende primordialmente a total rejeição do historicismo" (HITCHCOCK,
1981, p. 416). A dominância dos elementos ornamentais, ostensivos diante
dos componentes de ordem estrutural (fazendo recordar a tese de Ruskin),
personaliza indefectivelmente o estilo. Recorre-se a materiais atraentes e
de apelo sensorial, ao lado do uso virtuoso do ferro fundido, que se presta
à dupla função decorativa e estrutural. Caracterizam o estilo e a singula­
ridade de seus elementos as aberturas irregulares e caprichosas de suas
fachadas, os exóticos arcos em ferradura de cavalo e o gosto pelas ondu­
lações parietais, entre outros.
O esmero na homogeneidade da decoração não se omitia diante
dos menores equipamentos. A desautorização dos estilos imitativos cor­
respondia à vontade de espelhar a vida moderna no progresso de sua in­
dustrialização, que se acordava com o otimismo da próspera classe bur­
guesa. Pondo em circulação uma grande quantidade de objetos, ainda
originários da atividade artesanal, ela trazia discriminações acusadas por
Giulio Cario Argan. A alta sociedade, como afirma Hitchcock, beneficia­
va-se das peças de materiais nobres, enquanto a pequena burguesia con­
sumia produtos do mesmo tipo, porém banalizados pela qualidade infe­
rior dos materiais e pela escala de sua difusão. O artefato era dominante
na produção, entretanto disseminado industrialmente para o consumo
generalizado, o que faz do Art Nouveau uma primeira instância artística
relacionada à mecanização.
Entre os designers que empregaram um amplo espectro de materiais
e técnicas, desde o mobiliário ao papel pintado, passando pela encader­
nação, litografia, cartaz, tapeçaria, cerâmica, prataria e ourivesaria, entre
outros, situam-se, por exemplo, os franceses Émile Gallé, Louis Majorelle,
René Lalique, René Wiener e Eugêne Grasset. Além desses, os alemães,
Otto Eckmann, August Endell, Richard Riemerschmid e Hermann Obrist,
assim como o dinamarquês T horvald Bindesb0II, o sueco Nils Kreuger e

34 WALTER ZANINI
o americano Louis Comfort Tiffany. O Brasil contou com diversos artistas
discípulos de Grasset, como Eliseu Visconti. Sobressaiu ainda, entre os
arquitetos, Victor Dubugras, de nacionalidade franco-argentina, que se
fixara definitivamente no país.
Dominante no cenário artístico por um breve tempo, embora alon­
gado em regiões fora de suas áreas de concentração, o Art Nouveau teve,
provindo de seus próprios círculos, o antídoto à sua saturação ornamen­
tal, em formas racionais, como as que se declararam em Otto Wagner,
autor do influente livro Moderne Architektur (1896), que estava atento às no­
vas condições de vida que se originaram na cidade moderna, e da mesma
forma em Van de Velde, Mackintosh, Hoffmann, Olbrich, Peter Behrens,
Adolf Laos, nomes seminais na abertura à arte de construir que se anun­
ciava desde o final do século XIX. Adolf Laos, dentre todos, certamente
foi o mais radical na denúncia do Art Nouveau, tendo recebido fortes in­
fluências, de Wagner à Escola de Chicago, e provavelmente de Sullivan,
quando em viagem aos Estados Unidos. Membro da Sezession de Viena ao
lado de Olbrich e Hoffmann, onde partilha as mesmas ideias de Gustav
Klimt, em múltiplas iniciativas, em textos e edificações, é um dos esteios
das transformações profundas que reordenam o espírito da arquitetura
no sentido que assinalará seu "estilo internacional".
ELISEU VISCONTI. FRISO DO TEATRO MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO.

Nos Estados Unidos, imposições sobre as quais pesaram decisivamen­


te razões sociais e econômicas próprias do desenvolvimento do país condu­
ziram às realizações arquitetônicas da Escola de Chicago. Os arranha-céus
da capital do Meio-Oeste simbolizam por excelência o espírito emergente da
modernidade americana. De fins pragmáticos, trazendo como características
principais a sua estruturação interior metálica e a clareza de sua destinação
funcional imediatamente disponível ao olhar, esses prédios tornaram-se um
capítulo novo na história da arquitetura. Entre seus fundadores, encontram-se
o engenheiro-arquiteto William Le Baron Jenney e Henry Hobson Richardson,
que se desprende de influxos europeus, além de Louis Henry Sullivan, figura
reconhecidamente principal desse impulso inovador. Sullivan associou-se a
Dankmar Adler para um longo percurso em comum.
Ainda próximo a Richardson, com seu Audiforium Building (1889),
Sullivan deixaria uma série de edifícios de marca pessoal em Chicago e
outras cidades, como o Guaranty Building (1896), de Buffalo (NY), em que
o impressionante rigor estrutural de sua verticalidade é acompanhado de
seus padrões decorativos. De um despojamento construtivo que se an­
tecipa à arquitetura racional do século XX, a fidelidade aos adornos em­
presta certa especificidade ao Art Nouveau nos Estados Unidos.
É nos escritórios de Sullivan e Adler, entre 1887 e 1893, que Frank
Lloyd Wright praticamente inicia sua trajetória, voltada para a arquitetura
habitacional. Logo proeminente, Wright-futuro criador da arquitetura or­
gânica-teria sua carreira universalizada a partir de sua revelação à Europa,
entre 1910 e 1911.
A rejeição do historicismo dominante no século XIX e a atenção dada
às artes em suas aplicações na vida cotidiana foram elementos fortemente
postos em realce pela historiografia no exame do Art Nouveau. Uma contes­
tação radical a fórmulas decaídas pelo uso significava reconhecer uma si­
tuação nova de considerar o fenômeno que se exaltava como o modernismo.

36 WALTER ZANINI
No contexto de renovação da arquitetura da época, ao lado do uso do
ferro e do vidro, outro material de fundamental importância tecnológica para o
futuro próximo da arquitetura, o concreto armado, numa história de múltiplas
experiências, foi aperfeiçoado em 1895 pelo engenheiro francês François Hen­
nebique. Sua utilização se tornou amplamente difundida. O engenheiro fran­
cês Tony Garnier previa-o para o seu visionário projeto da Cidade Industrial
(1901-04). Auguste Perret adotou-o em seu edifício da rua Franklin, em Paris,
datado de 1903, porém os melhores exemplos viriam mais tarde.
Os meios mecanizados nas artes aplicadas e na arquitetura haviam
se deparado com a intransigência perseverante nas guildas inglesas. No
entanto, havia espíritos convencidos ou que acabaram por se convencer
da impossibilidade de sustar ou ignorar um modo de fazer e um modo de
viver em que se efetivavam as novas condições científicas e tecnológicas
impostas a partir da Revolução Industrial, admitindo o seu aproveitamento
em formas corretivas, como é o caso de Ashbee. De atitude próxima a
Morris, Ashbee evoluiria para a aceitação da máquina, desde "que ela seja
dominada", para afirmar mais tarde: "A civilização depende da máquina,

37
e não é possível a qualquer sistema que pretenda encorajar ou favorecer
o ensino das artes deixar de reconhecer este fato"(PEVSNER, 1962, p. 28).
Na raridade de precursores que acreditavam na intervenção mecânica,
Pevsner rememorou o designer Lewis F. Day, que afirmava: "Queiramos
ou não, as máquinas, os motores a vapor e a eletricidade(... ) virão a ter
alguma coisa que ver com a futura arte decorativa" (idem). Pevsner, em
sua obra, retomou ainda o pensamento do arquiteto John D. Sedding,
citando suas declarações, como: "Não devemos pensar que deixarão
de se usar as máquinas. É impossível organizar a manufatura em qual­
quer outra base. Vale mais reconhecer isto de maneira inequívoca(... ) do
que nos revoltarmos contra um fato real e inevitável" (ibidem, pp. 28-9).
Considerando essas preliminares do reconhecimento da existência e
importância da máquina, Pevsner salientou a sua diferença em relação
às iniciativas concretas que ocorreram logo depois na Europa e também
nos Estados Unidos, onde Frank Lloyd Wright já demonstrava toda a sua
confiança e entusiasmo na adoção da máquina pela arte em seu livro The
Art and Craftof the Machine(1901). De sua parte, Giedion relacionou a que­
da do "ecletismo ao fato de a indústria haver atingido, enfim, o seu ple­
no desenvolvimento e a época estar madura para as grandes mudanças"
(GIEDION, 197 8, p. 8).
Os usos mecânicos do Art Nouveau se fizeram essencialmente no
sentido da divulgação industrial dos produtos e de empregos relativos,
na arquitetura, de materiais como, sobretudo, o ferro, além do vidro e em
seguida o concreto armado. A transferência do trabalho manual para a
esfera da industrialização, pelo projeto específico que percorrerá a natu­
reza serial do desenho industrial futuro, tomaria uma direção mais precisa
com o Deutscher Werkbund.

O Deutscher Werkbund
O movimento de integração da arte e do artesanato à produção industria­
lizada tomou enorme impulso na Alemanha. Entre outras atitudes e inicia­
tivas nesse sentido, a criação do Deutscher Werkbund, em 1907, foi a mais
importante. Citando os estatutos da associação de 1908, Giedion recordou
que a ideia não era nova: "Sir Henry Cole, um dos primeiros reformadores
da indústria na Inglaterra, fundara em 1847 os Art Manufacturers a fim de
elevar o nível do gosto popular ao introduzir a beleza na produção mecâ­
nica."22 Prossegue o historiador: "Seus esforços haviam atingido seus fins
na primeira 'Exposição Universal', a Great London Exhibition de 1851 e seu
Palácio de Cristal" (GIEDION, 1948, p.144). 4
A geração que vem depois de William Morris se reconciliou com a �
indústria e retomou as diretrizes de Cole para a criação das guildas de arte
e de artesanato. Em 1907, sessenta anos depois dos Art Manufacturers, as
bases de uma reconciliação definitiva pareciam lançadas: "A porta esta­
va aberta a uma colaboração constante entre a arte e a indústria" (idem).
Ressalte-se o que antes havia escrito Pevsner:

22. Descrito pormenorizadamente em GIEDION, Sigfried. Mechanization Takes Command.


Nova York: Oxford University Press, 1948.

38 WALTER ZANINI
..RY VAN DE VELDE. ESCOLA DE ARTES APLICADAS DE WEIMAR, ALEMANHA.

O que eleva Morris, como renovador do desenho, muito acima do círculo de


Cole e de Pugin não é apenas o fato de ele ser um verdadeiro gênio do traça­
do, enquanto aqueles não, mas também o de reconhecer a unidade indisso­
lúvel de uma época e do seu sistema social, coisa que eles não tinham feito.
(PEVSNER, 1962, p. 57)

Com a ascendência de Morris e das corporações que o seguiram,


Henry van de Velde e o alemão Hermann Muthesius, personalidades das
mais distintas entre si, são normalmente apontados pela historiografia
como as que mais contribuíram no processo que conduziu a Alemanha
a uma posição ímpar nos inícios racionalistas das artes aplicadas e da
arquitetura, encaminhadas à tecnologização. Van de Velde, originaria­
mente pintor, foi ainda escritor, conferencista e educador. Influenciado
por Seurat e Gauguin, filiado ao grupo belga pós-impressionista Les Vingt,
ilustrador de livros, Van de Velde realizou amplo espectro de objetos a
partir do móvel. Formas sólidas combinadas a desenvoltos elementos or­
namentais curvilíneos o individualizavam. Assumiu a arquitetura em 1895,
ao construir sua casa em Uccle, como antes citado, seguindo o pensa­
mento estético-social da "arte total" de Morris em Kent. Opostamente a
este, contudo, declarava-se a favor da máquina na produção artística e foi
muito influenciado pelas teorias de Alais Riegl.
Van de Velde, além da Bélgica, em seu périplo por diversos países
europeus, foi longamente ativo na Alemanha, sendo determinante o convite
que recebeu do Grão-Ducado de Saxe-Weimar para conselheiro de arte em

:.: ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 39


1901. Designado em 1904 como professor da Kunstgewerbeschule (Escola
de Artes Aplicadas) de Weimar, projetaria em 1906 os novos edifícios
da escola e da preexistente academia de artes. Ele começou a despojar
seus edifícios dos elementos ornamentais, concentrando-se nos proble­
mas estruturais, mas sem radicalismos. Uma de suas principais realiza­
ções, revelando-se avançado projeto cênico, foi o teatro da Exposição
"Werkbund" em Colônia, em 1914. Em 1915, Van de Velde indicaria Walter
Gropius, que o·admirava, como o seu sucessor para a direção dos esta­
belecimentos de ensino de Weimar, de cuja fusão resultaria a Bauhaus
em 1919.
Arquiteto, historiador da arquitetura e teórico de arte, Hermann
Muthesius aprofundara-se em pesquisas da arquitetura domiciliar e das
artes aplicadas da Inglaterra quando foi adido da embaixada alemã em
Londres, entre 1896 e 1903. Era convicto da grande importância do design
renovado por Morris no seu artesanato e de como se afirmara no movi­
mento Arts and Crafts. Ao retornar à Alemanha, transmitiu seus conheci­
mentos, ansioso por mudar a mentalidade do meio, que mantinha gastas
tradições artesanais. Fixado na Prússia, começou por introduzir reformas
no ensino das escolas de artes e ofícios. A partir de 1906, já conhecido
por suas ideias, defensoras das formas simples e adequadas às suas fun­
ções, e de acordo com o espírito da Sachlichl<.eit (objetividade)-tendência
que reagia ao decorativismo do Jugendstil, e que ele assumia, identifican­
do-a à nova realidade de um "estilo de máquina" (Maschinenstil)-, aliou-
-se a vários arquitetos, artistas, intelectuais e industriais, no propósito de
criar uma associação interessada em alcançar uma excelência no trabalho
industrial. Nikolaus Pevsner e outros historiadores23 divulgaram dados so­
bre essa arregimentação, que culminou na fundação do Deutscher Werl<.­
bund em outubro de 1907 (PEVSNER, 1962, p. 36).
Uma verdadeira campanha, da qual Muthesius foi o pivô, denunciou
a vulgaridade dos objetos correntemente fabricados pela indústria alemã
e reivindicou outras bases para a relação entre a arte e a mecanização.
Mediante de argumentações que levavam em conta envolventes fatores
sociais e econômicos defendidos como se fossem de interesse prioritá­
rio para a nação-assim como razões diretas de mercado-, obteve-se a
sustentação necessária ao aparecimento desse centro de estudos, não
obstante as fortes posições contrárias de industriais conservadores e
igualmente da camada artística resistente a mudanças do seu status quo.
O que se reivindicava era uma qualidade, a que se reportou Pevsner:
"A qualitãt, a ideia fundamental do grupo, era definida não apenas como
trabalho bem-feito e durável ou pelo emprego de materiais perfeitos e au­
tênticos", mas também como "a possibilidade de se atingir um todo orgâ­
nico que fosse sachlich 24 , nobre, e assim, se quiserem, tornado artístico"
(ibidem, p. 39). Em particular, na comparação entre o trabalho artesanal
e o da produção mecanizada, Pevsner transcreveu o seguinte extrato de

23, Conferir FRAMPTON, Kenneth. História crítica da arquitetura moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1997, entre as páginas 129 e 137. BANHAM, Reyner. Teoria e projeto na primeira era da
máquina. São Paulo: Perspectiva, 2003.
24. "Objetivo" em alemão.

40 WALTER ZANINI
discurso do arquiteto Theodor Fischer (1862-1938), quando da primeira
reunião do Werl<.bund:

Não há qualquer linha divisória nítida entre a ferramenta e a máquina. É pos­


sível urna produção de grande nível, quer com ferramentas quer com máqui­
nas, desde que o homem domine a máquina e faça dela uma ferramenta(... ).
A culpa da produção inferior não cabe às máquinas em si, mas à nossa in­
capacidade de as manejar adequadamente(... ) o mal não vem da produção
em massa ou da divisão do trabalho, mas do fato de a indústria ter perdido
a noção da sua finalidade, que é conseguir urna qualidade superior, e de
não sentir o dever de servir a comunidade, mas sim o direito de ser o tirano
da nossa época.(PEVSNER, 1962, p. 39)

Entre outras figuras ligadas a Muthesius que encarnaram a consciência


alemã da modernidade na perspectiva que conduzia a uma evolução artístico­
tecnológica situam-se o historiador e museólogo de arte Alfred Lichtwark, o
político social-democrata Friedrich Naumann e o construtor de móveis Karl
Schmidt, artesão pioneiro no uso da máquina na Alemanha desde 1899 e pre­
sente nas exposições da Deutsche Werkstatten, em Dresden. Além de Nau­
mann e Schmidt, foram os primeiros participantes do Deutscher Werl<.bund
os arquitetos Peter Behrens, Josef Hoffmann, Hans Poelzig, Joseph Maria
Olbrich e Richard Riemerschmid.
A atmosfera de reflexão e trabalho da associação conteve, desde
os primórdios, elementos controversos. Não obstante o empenho de Mu­
thesius pela afirmação das relações arte-indústria, sua causa profunda
na criação do Werl<.bund, o trabalho de aperfeiçoamento das condições
artesanais ganhou relevo no ambiente de que faziam parte vários mem­
bros do Jugendstil em extinção. Frampton refere-se à falta de unanimida­
de dos fundadores para "com o ideal de Muthesius do design normativo
para a produção industrial" {FRAMPTON, 1997, p.131). Em 1911, Muthesius,
na reunião anual da associação, apontou para a solução estandardizada
do design. A questão da definição do produto industrial seria debatida à
exaustão na reunião de 1914. Nela travou-se o conhecido debate entre Van
de Velde e Muthesius. Este, como defensor da estandardização do pro­
duto, e Van de Velde, a favor da preservação da liberdade de expressão
individualizada do artista, trouxeram grande ressonância ao conflito que,
todavia, permaneceria em aberto.
A história do Deutscher Werl<.bund registra um reconhecimento maior
da importância geral da arte na sociedade industrial desde o próprio ano de
sua fundação, coincidente com a nomeação de seu membro Peter Behrens
como arquiteto e designer pela Allgemeine Elektrizitats-Gesellschaft {AEG).
Ele se tornou autor de amplo complexo de objetos e aparelhos elétricos e
da comunicação visual da companhia, função a que, logo adiante, somou­
-se o trabalho de construção de edifícios, a partir da Usina de Turbinas em
Berlim (1908-09)-obra que, ao lado da Casa Steiner {1910) de Adolf Loos, em
Viena, inaugura a arquitetura racional. O seu exemplo histórico se acresce
na lembrança de que Walter Gropius, Le Corbusier e Mies Van der Rohe
foram seus estagiários. Gropius e Adolf Meyer trariam outro momento
de significação ao Werl<.bund, com a apresentação da inspirada fábrica-

JA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 41


ADOLF LOOS. CASA STEINER, VIENA, ÁUSTRIA. FACHADA E INTERIOR.

-modelo, referenciada no projeto de Behrens, na exposição da associação


de 1914, em Colônia. Ambos, assim como Bruno Taut, aluno de Theodor
Fischer, que exibiu nessa mostra o notório Pavilhão de vidro, estavam entre
os novos membros da associação. Paralisada pela Primeira Guerra Mun­
dial, a associação, que trazia prenúncios da Bauhaus, seria outra vítima do
nacional-socialismo, ressurgindo mais tarde. De inegável importância so­
ciocultural para a Alemanha, no período aqui em foco, o espírito do Deut­
scher Werkbund infundiu-se em outros países europeus, como a Áustria e
a Suécia, e se fez reconhecidamente influente na Inglaterra com a criação
da Design and Industries Association (DIA), em 1915.

O Art Nouveau foi alvo de crítica generalizada em sua posteridade, quando


se lhe reservara a qualificação pejorativa de mauvais goüt fin de siecle (mau
gosto do fim do século), pondo em dúvida sua legitimidade como movi­
mento influente da nascente arte moderna. O descrédito crítico acom­
panhou o movimento, lembrado como inconsequente ou anômalo, como
sabemos, nos excessos que, por vezes, em sua efusão decorativa, quase
atingia o kitsch. A complexidade do Art Nouveau permeia as interpretações
de seus historiadores.
Mas o estilo fundamental que a tendência deixou naqueles anos em
sua reação moral e estética aos estagnados padrões historicistas provo­
cou o nascimento de uma linguagem internacional que, embora de forma
relativa, foi a primeira instância de uma divulgação industrializada de seus
produtos, atraindo também progressivas atenções positivas. O Art Nou­
veau começou a apontar soluções para a arte do século XX, nas artes apli­
cadas e na arquitetura, em caminhos que seguem o movimento de Morris,
o Arts and Crafts, e, logo, a mesma disposição de Wrigth.
O reconhecimento, mesmo com restrições, aparece em exposições
como "Les Sources du XXª Siêcle" (MNAM Paris, 1960-61), com curadoria
de Jean Cassou, que permitiu rara oportunidade de revisitar a corrente

42 WALTER ZANINI
em amplo contexto cultural e de referências sociológicas. Em sua análise
como curador, Cassou não poupara críticas aos excessos ornamentais
do movimento, por vezes indo a " níveis de ilegitimidade na arquitetura e
nas artes aplicadas", reconhecendo, entretanto, que se atravessava "um
momento muito importante da história da arte moderna" (CASSOU, 1960).
O Art Nouveau, para Cassou, atendia a uma sociedade que queria tirar o
máximo proveito da existência, na Bel/e Époque, das tensões sociais que
levariam à Primeira Guerra Mundial.
Embora controvertida, fortaleceu-se a presença do Art Nouveau
na contemporaneidade, durante o centenário do movimento, na mos­
tra "Anatomy of an Exhibition-Art Nouveau 1890-1914" (National Gallery,
Londres, 2000), com curadoria de Paul Greenhalgh. Um fato inegável na
rápida trajetória do movimento é a evolução consciente de seus artistas
na depuração dos meios ornamentais, engendrando os caminhos do de­
senho industrial e da arquitetura moderna.
Entre os séculos XIX e XX, as mudanças de hábito sob a ação das
incessantes novas formas de comunicação-às invenções do telégrafo e
da fotografia na primeira metade do século acrescentava-se a do cinema;
em seguida ao telefone, de pouco anterior, surgia o rádio-, ativadas pelas
dinâmicas de fatores sociais, econômicos e culturais, instigaram o apa­
recimento do fenômeno artístico que se tornou universalmente conheci­
do como modernismo. A sociedade do capitalismo em desenvolvimento
abria-se a um vigoroso estágio de sua evolução industrial, manifesta em
grandes empreendimentos tecnológicos e nos usos da máquina em co-

PETER BEHRENS. FÁBRICA DE TURBINAS AEG, BERLIM 1908-09'.

Jl\ ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 43


nexões antes desconhecidas com as atividades mais comuns. Um novo
quadro da existência engendrava a ideia fixa do progresso, que cativa
os espíritos, partindo de incessantes conquistas científicas e técnicas e
do encontro direto com as invenções que se reproduzem, a exemplo dos
meios de comunicação, transformam e aceleram as formas de compor­
tamento humano e suas funções sociais. As cidades, no seu desenvol­
vimento e crescente complexidade urbanística, serão a evidência maior
dessa grande metamorfose produzida pela industrialização.

O Futurismo 25
O relacionamento entre a arte e a tecnologia, vago e precário no desenro­
lar da Revolução Industrial, ganhara entre os dois séculos um estado pro­
gressivo, essencial ao processo modernista. Nos incessantes progressos
científicos e técnicos eram alargados os usos da máquina em suas cone­
xões com as atividades mais comuns, e a arte não permaneceria estranha a
essa disseminação. Entre as vanguardas históricas, o futurismo italiano foi
a primeira a conscientizar-se da impulsão tecnológica na conformação da
sociedade moderna, configurando-se, na linguagem ideológica e estética
desse desenvolvimento, como um movimento de caráter decorativista que
tivera inícios na atmosfera {in de siecle das metrópoles e sua febre industria­
lista, introduzindo-se nas artes aplicadas e na arquitetura, com presença
também na pintura, escultura, gravura e artes do espetáculo.
Fundado na Itália por Filippo Tommaso Marinetti e lançado publi­
citariamente em manifesto pelo jornal parisiense Le Figaro em 20 de fe­
vereiro de 1909, o Futurismo desenvolveu-se por diferentes etapas. Até
praticamente o final da Primeira Guerra Mundial, seu "período heroico"
era percebido no comportamento desassombrado que implicava a críti­
ca violenta às tradições parasitárias, tentando se afirmar não obstante
dificuldades de reconhecimento. Havia no seu ideário não apenas a que­
bra da estagnação cultural italiana, mas a estratégia de uma expansão
internacional. Seguiu-se o que foi considerado o "segundo Futurismo",
nos anos 1920 e 1930, uma etapa que, malgrado sem a densidade ante­
rior, contribuiu com desdobramentos próprios para a longa continuidade
do movimento.
Frequentemente subestimado por vozes como a de Guillaume Apol­
linaire, que o encarava subordinadamente ao cubismo, o futurismo alcan­
çou, graças a seus importantes integrantes, a atenção da crítica nacional
e internacional. No entanto, o movimento seria melhor conhecido somen­
te depois da investigação historiográfica entre as décadas de 1950 e 1960,
além de outros aportes nos anos de 1970, que permitiram perceber melhor
a globalidade de sua atuação 26 • Fundamental foi o seu resgate-como su-

25. Zanini iniciava o tópico com a seguinte observação, em formato de nota, como outras
que pontuavam o texto e sinalizavam onde seria necessário revisá-lo e ampliá-lo: "Abrir
com o cubismo e referências ao expressionismo. Les demoiselles d'Avignon, 1907. Fascismo
a que não aderiram". Difícil compreender a sinalização de Zanini em relação à última frase;
no entanto, a primeira diz respeito às aproximações que ele percebia entre os movimentos.
26. Enrico Crispolti realizou acurado levantamento da historiografia futurista na Itália e no
exterior, dos seus inícios ao final dos anos 1980, em seu livro Storia e critica dei Futurismo.
Bari: Laterza, 1986. pp. V-XXI e 93-100.

44 WALTER ZANINI
cedeu com o dadaísmo, a que se conecta-por mérito das novas gerações,
que viram nele prefigurações de elementos vitais de seus valores.
Assinalou-se o Futurismo pelo turbilhão de ideias, teorias, traba­
lhos e ações a distância dos limites especulativos e fechados nos quais a
arte se produzia no começo do século. Mobilizou-se para abarcar as artes
em geral numa atmosfera fermentada por inconformismo político e social.
Eram evidentes as afinidades entre a ótica futurista e as transgressões da
segunda metade do século XX na procura de conexões entre arte e vida,
nas relações com a ciência e a tecnologia, na abrangência das categorias
artísticas separadas por hábitos ancestrais e pela busca de sua síntese,
na criatividade de uma realidade ambiental ativa, no acercamento dialéti­
co do público- apesar das óbvias complexidades históricas que lhes são
próprias. Com os olhos na mutável atualidade que apontava para adiante,
o futurismo repudiou o ambiente retrógrado e passadista em que emer­
gia, atitude que repercutiu e se reproduziu nas particularidades de diver­
sos centros, principalmente europeus, por onde se difundiu. O combate
à cultura oficial italiana, enrijecida no culto do antigo, atingiria situações
de violência extremada. O manifesto de Marinetti era substancialmente um
libelo de ordem moral diante do status quo, dando margem a uma indicação
resoluta de perspectivas a serem abertas. Pregava, em estilo alegórico, a
destruição das academias "de todas as espécies, das bibliotecas e museus,
o fim das cidades veneradas". Em face do conservadorismo predominante,
exaltava o "amor ao perigo" e o "hábito da energia e da temeridade". Lou­
vava "as capitais modernas e suas grandes multidões agitadas pelo traba­
lho, pelo prazer, pela sublevação", os cenários alterados pela eletricidade e
pela máquina. É particularmente essencial o trecho em que enaltece "uma
beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com o seu
cofre adornado de grossos tubos semelhantes a serpentes de hálito explo­
sivo... um automóvel rugidor, que parece correr sob a metralhadora, é mais
belo que a Vitória de Samotrácia".
Como fenômeno tipicamente italiano-como o cubismo é francês,
e o expressionismo, germânico-, o Futurismo deve ser compreendido no
seu íntimo relacionamento com o período de efervescente nacionalismo­
-colonialista e irredentista que atravessava a nação no seu "pós-Ressur­
gimento". Sua programática estética revolucionária era permeada pela
disposição de contribuir à reformulação sociocultural do país, retirá-lo de
atrasos, para fazê-lo avançar política e intelectualmente, ser reconhecido
no território dos recém-introduzidos novos progressos tecnológicos. Em
seus múltiplos manifestos, foram comuns enunciados patrióticos exacer­
bados, a glorificação da guerra que os conduziu à intervenção no conflito
mundial de 1914, de diretas e trágicas consequências. O grito otimista de
sua utopia, dos mais ambiciosos, era para ser ouvido pelo mundo.
O Futurismo recebeu específicas influências do pensamento pas­
sional de Friedrich Nietzsche, contestado, porém, no seu idealismo do
"eterno retorno". Encontrou, por outro lado, suporte à sua inquieta sensi­
bilidade na concepção intuitiva da duração de Henri Bergson. Como em
outros setores da modernidade artística, repercutiram no meio futurista
as teorias de Albert Einstein. No seu apoio utópico a reivindicações so­
ciais e políticas manifestava-se a aderência ao sindicalismo anarquista

DA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 45


em que incidia o pensamento de Georges Sarei. Entre várias fontes lite­
rárias de que se aproximaram, registram-se as de Emile Verhaeren e de
Maria Morasso, pelo seu interesse pela máquina.
Foi de uma insurgência literária, conduzida por Marinetti, que nas­
ceu o Futurismo. A disponibilidade para uma dilatação que englobou ou­
tras formas de linguagem se fez a curto e longo prazo, numa condição
coletivista em que se insere intensamente a ação dos indivíduos. Desde
o início, suas motivações abrangeram, como se disse antes, as questões
sociais e políticas, o que os levou a publicar, no próprio ano de sua fun­
dação, um primeiro manifesto político. Contou o movimento com desta­
cadas personalidades, porém é excepcional a parte que coube a Marinetti
não apenas pelo fato de ter sido o seu criador e ideólogo, mas por opero­
sa atuação na teorização e ação de âmbito poético e teatral, na colabora­
ção com outras áreas estéticas e na procura conjunta de uma "arte total".
Sua atividade múltipla incluiu as tarefas de arregimentação, organização
e divulgação do movimento, nacional e internacionalmente. Marinetti é
uma figura onipresente na existência de todo o desenrolar do movimento.
Sua formação se fizera entre os anos finais do século XIX e os primeiros
do século XX, na convivência com os poetas simbolistas de Paris. Nesse
meio boêmio, assimilara a poesia de versos livres criados por Gustave
Kahn, que na Itália seria primeiro transmitida por Gian Pietro Lucini. Ou­
tra aquisição parisiense para o poeta italiano foi a do nascente teatro mo­
derno. A antológica peça satírica Ubu Rei, de Alfred Jarry, encenada em
insultuoso clima de contestação no Théâtre de l'CEuvre em 10 de dezem­
bro de 1896, é a referência para Marinetti apresentar mais tarde, em 1909,
no mesmo teatro, em não menor clima de tumulto, a farsa Le Roí Bombance,
escrita anos antes. A vinculação direta com o espectador, prenúncio de
outras experiências-que veremos mais adiante-, peculiarizou-o nessa
estreia, que lhe valeu renome como dramaturgo. Data também do ano do
manifesto a publicação de seu romance Mafarka, o futurista, narrativa que
conta a história do "super-homem mecânico e alado, um novo Ícaro salvo
da morte e do passado que se torna (...) um símbolo fantasmal do mis­
ticismo futurista e do desejo de exaltar a epopeia industrial", alegorica­
mente significando "a fundação do próprio futurismo" (LISTA, 1986, p.13}.
As primeiras ações futuristas organizadas por Marinetti foram as
chamadas serate (saraus). Participavam, entre muitos outros, os integran­
tes da revista Poesia, fundada por, entre outros, Marinetti em 1905, em Mi­
lão: Paolo Buzzi, Enrico Cavacchioli, Francesco Cangiullo, Corrado Go­
voni e Libero Altomare. O grupo se apresentava em teatros de cidades
italianas, expondo seu pensamento em manifestos políticos e, no plano
estético, declamando versos livres, provocando reações coléricas, porém
encontrando receptividade entre o público jovem. Pertencem as serate à
história dos antecedentes da performance.
Sediado em Milão, ali tomou vulto o movimento que se alastrou em
núcleos criados em Roma, Florença, Turim e outras cidades. No plano
internacional, o Futurismo despertou audiências imediatas na Europa
(França e Inglaterra) e prontamente também na Rússia. Depois, inscre­
veram-se países como o Brasil, em reflexos que incidiram na Semana de
Arte Moderna no início dos anos 1920, em São Paulo.

46 WALTER ZANINI
As artes plásticas foram as primeiras a solidarizar-se com a tese
futurista gerada no círculo literário. A adesão dos pintores Umberto Boc­
cioni, Cario Carrà, Luigi Russolo, Giacomo Balia e Gino Severini, entre
outros, foi o passo inicial para os propósitos totalizantes do movimento.
O grupo foi adiante com a participação dos arquitetos Antonio Sant'Elia
e Maria Chiattone, dos músicos Francesco Balilla Pratella e Luigi Russo­
lo, do fotógrafo Anton Giulio Bragaglia, dos cineastas Bruno Giovanni
Corradini (Bruno Corra) e Emilio Settimelli. Esses e outros setores foram
anunciados por sistemático lançamento de manifestos, procedimento
mantido no chamado "segundo futurismo".
Enquanto Balia era figura perseverante em suas metas, a pintura
acrescentou-se de novos artistas, ligados ao pintor Fortunato Depero, as­
sim como pela presença de Enrico Prampolini. O Futurismo desenvolveu­
-se até seus tempos tardios em espaços ambientais, no mobiliário, na de­
coração e cenografia, abarcando ainda a dança, a moda e um interesse pela
radiofonia. Além da política, tratou de temáticas como guerra e luxúria.
A "mulher futurista" foi objeto do manifesto de Valentine de Saint-Point.
A incorporação das artes plásticas ao movimento foi marcada por
duas proclamações: o Manifesto dos pintores futuristas e A pintura futurista­
manifesto técnico, respectivamente em 11 de fevereiro e 11 de abril de 1910,
assinados por Balia, Boccioni, Carrà, Russolo e Severini. Esses artistas
possuíam uma formação impressionista e pós-impressionista obtida nas
circunstâncias diversas de suas carreiras, mas certamente remetendo à
referência maior de Georges Seurat e a uma militância no divisionismo
italiano e sua decomposição de tons puros, expressão que tivera entre
seus principais representantes o pintor e teórico Gaetano Previati, um
antecedente particularmente respeitado pelo grupo.

-:,A. ARTE ARTESANAL E MECÂNICA Â ARTE ELETRÔNICA 47


Deve-se à clarividência de Boccioni a aproximação dos pintores ao
movimento liderado por Marinetti, que, juntamente com Carrà e Russolo,
deu forma ao núcleo futurista de Milão. Boccioni ainda redigiu em colabo­
ração com ambos o primeiro dos manifestos, cujos termos não eram menos
veementes e cáusticos que o de 1909 na condenação ao culto do passado.
Organizador do grupo, Boccioni se consagraria nos manifestos e tex­
tos como o principal teórico da arte futurista. Os preceitos defendidos nos
manifestos de lançamento tomaram corpo em figurações de elaboração di­
visionista pouco distanciadas dos modelos naturais, porém abaladas pelo
enérgico sentido do movimento em seu estado de velocidade, questão cen­
tral ao futurismo, que possuía, no espaço urbano das representações, uma
predileção ideológica. São exemplos telas como A cidade que sobe (1909), de
Boccioni; O funeral do anarquista Galli (1911), de Carrà; e A revolta e Recordações
de.uma noite (1911), aqui do mundo mais interiorizado de Russolo. De fontes
fotográficas provieram elementos de integração à estética pictórica futu­
rista. Na primeira das obras citadas acima, de Boccioni, há derivações das
imagens sequenciais de Eadweard Muybridge27 •
Datam de uma conferência em Roma, de 1911, reproduzida no catálogo
da exposição na Galerie Bernheim Jeune em Paris, em 1912, outros concei­
tos futuristas que Boccioni introduziu, como a "simultaneidade", a síntese
que se realiza no quadro "entre aquilo que se recorda e o que se vê", e as "li­
nhas-força" por onde se decompõe o objeto que se pinta28 • Boccioni dedicou
outros estudos à pintura futurista, assim como foi autor de manifestos sobre
a escultura e a arquitetura futurista, dinamismo e simultaneísmo.
Um primeiro e exponencial relacionamento internacional da história do
Futurismo deu-se em algum momento em 1911, quando de sua aproximação
ao Cubismo e da exposição em Paris já mencionada, depois vista em outras
cidades, gerando grande repercussão. Rememore-se que a fratura da monolí­
tica perspectiva artificia/is pelo Cubismo originara-se da descoberta do sistema
formal contrastante da escultura africana por Pablo Picasso e do seu diálogo
com o calculado espaço cromático de Paul Cézanne, do qual Georges Braque
compartilhou, tendo afirmação na "fase analítica", entre 1910-12, e derivações
para composições de formas simplificadas da "fase sintética", entre 1912-15,
de que participaram Fernand Léger e Juan Gris, entre outros artistas.

27. Neste trecho havia outra nota de Zanini sugerindo novas articulações e desdobramen­
tos: "Argan, p. 582. Baila, Boccioni, domínio absoluto da máquina-Cubismo essencial
metonímia. Ver Quéau, p. 32, Eloge de la simulation, deplacement par contiguité. Mas cubismo
permanece estático. Ver a seguir". Pela bibliografia manejada ao longo do livro, parece que
Zanini se refere aos livros Arte moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos (Giulio
Cario Argan, Cia. das Letras, 1992) e É!oge de la simulation: de la vie des langages à la synthese des
images (Philippe Quéau, Champ Vallon/lNA, 1986), indicando um futuro desdobramento em
relação ao uso das máquinas nas simulações e movimentos, bem como na produção das
posteriores imagens de síntese.
28. Em nota, Zanini indica novo desdobramento: "(Crispolti, 14, 317). (livro enc.) Ambiente
Celant-Hulten 521; Balia, arredo 522)". O autor se refere, primeiramente, ao crítico e historia­
dor de arte Enrico Crispolti, importante especialista na obra de Baila, e ao seu livro Ricerche
dopo /'Informa/e (Roma: Officina Edizione Roma, 1968), que aparece em outras referências
presentes no livro. O autor também faz menção ao catálogo da exposição retrospectiva de
artistas italianos do início do século XX-"Arte Italiana: Presenze 1900-1945" (Milão: Bom­
piani, 1989)-realizada no Palazzo Grassi (Veneza, 1989), com curadoria de Pontus Hultén e
Germano Celant.

48 WALTER ZANINI
UMBERTO BOCCIONI. FORMAS ÚNICAS DA CONTINUIDADE NO ESPAÇO, 1913.

Ao contrário de outro movimento que se inaugurara contempo­


raneamente em 1910 na pintura de Wassily Kandinsky, o Abstracionis­
mo-destinado ao mais longo percurso das vanguardas no século XX-,
o Cubismo, em sua curta duração, até completar-se na fase sintética de
Fernand Léger e Juan Gris, não se afastou do cumprimento de uma des­
tinação figurativa. Esse desiderato confirmou-se em reconstruções da
realidade em níveis materiais e técnicos com a introdução da colagem
no espaço metafórico da pintura. Ou seja, fragmentos de produtos reais
como papel-jornal, cartas de jogar, caracteres fotográficos etc., proce­
dimentos que constituíram, no fim de 1912, o ponto de partida de no­
vas formas de criatividade. O Cubismo, de algum modo, deu impulso à
abstração. A decomposição das formas da realidade em planos geomé­
tricos que produzem na multiplicidade das angulações a captação sin­
crônica do olhar significava a conquista da percepção conectada pela
inovação poética de recentes reflexões filosóficas e avanços da física29 •
Continha-se a sua expressão em intirnismos de cenários formais clau­
surados, corno os utensílios domésticos. A partir de conceitos próprios
de figuração dinâmica, os futuristas encontraram na formulação geo­
métrica cubista urna estruturação potencializada da imagem, entretanto
convertida por uma criatividade de intuições e espontaneidades colhi­
das no contexto vivencial. Assim, a correspondência entre Futurismo

29. Aqui Zanini parece se referir a algumas importantes postulações do historiador de arte
suíço Sigfried Giedion, que escreveu, entre outros, Espaço, tempo, arquitetura (1941) (São Paulo:
Martins Fontes, 2004), aproximando as formulações de Albert Einstein em torno da teoria
da relatividade da produção cubista. Inovadoras mas equivocadas, essas formulações se
esclareceram nas reflexões de Meyer Schapiro em "Einstein e o cubismo: ciência e arte", in:
SCHAPIRO, Meyer. A unidade da arte de Picasso. São Paulo: Cosac Naify, 2002.

DA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 49


e Cubismo é de ordem reformista. Produz-se um confronto de concep­
ções, de imaginários, atestando isso obras como Estados de ânimo: os
adeuses (1911) e Elasticidade (1912), de Boccioni; A galeria de Milão (1912),
de Carrà; ou Dança do Pan-Pan no Monico (1909-11), de Severini-obras de
futuristas certos do fator velocidade no mundo moderno.
As relações entre os dois movimentos foram de aproveitamento recí­
proco, uma vez que o Cubismo, de sua parte, usufruiu da dinâmica futuris­
ta. Na época, houve sérias controvérsias em análises, como a que envolveu
o poeta e crítico Guillaume Apollinaire, estudioso e incentivador do Cubis­
mo. Ele teria feito juízos contestatários ao Futurismo em abordagens nas
quais, às vezes, dá lugar ao reconhecimento. Causou particular polêmica
em 1912 o seu emprego do termo "simultaneísmo"-um elemento futurista
essencial de instauração previamente definido e utilizado por Boccioni­
a propósito do pós-Cubismo de Robert Delaunay intitulado "Orfismo"
por Apollinaire, suscitando reações do próprio Delaunay e de Marinetti.
Apollinaire considerava a tendência como sucessora do Cubismo, dando-lhe
o nome em referência a Orfeu, devido ao privilégio da cor sobre a forma.
Boccioni-cuja formação incluíra a visitação a Paris e outras ca­
pitais europeias, sedes de secessões expressionistas, onde captara in­
fluências- conduziu seus conceitos em robusta produção plástica de
contínua e clara evolução, que, numa primeira fase futurista, resultou em
pinturas como A cidade que sobe, e em seguida, absorvendo o cubismo,
na citada série Estados de ânimo: os adeuses, em que é insinuante o esta­
do psicológico na dinâmica da representação. Sucedem-se telas como
Assunto (1912), em convulsões de planos e aplicações expressionistas de
cor. Em etapa mais tardia, desenvolve uma inclinação à síntese formal em,
por exemplo, Dinamismo de um ciclista (1913). Carrà, que explorara diver­
sos temas realistas e de ação em seu futurismo inicial, como no conteúdo
ideológico de O funeral do anarquista Ga/li, de motivos esportivos como em
Nadadores (1932), ou nos conglomerados urbanos, de que é exemplo O que
me disse o trem (1911), em contato com a geometrização analítica cubis­
ta, deu maior solidez organizativa ao seu trabalho. A galeria de Milão, com
seus planos de movimentos rápidos articulados no espaço, em baixas
tonalidades cromáticas, é um exemplo. Severini contrasta com o tacitur­
no Carrà na procura individualizada de conciliação entre o Futurismo e o
Cubismo, onipresente na leveza das múltiplas e jubilosas representações
de espetáculos parisienses, de ágeis composições e cores luminosas.
Diversamente de seus colegas, Balia e Russolo não deram mostras
de empatia ao cubismo. Russolo foi de uma idiossincrasia de acentuada
aura simbólica na sua contemplação da cidade, engendrada em esquemá­
ticas geometrizações e contrastes de cor, a exemplo de A revolta. Ele aban­
donaria a pintura, em 1913, por um projeto revolucionário em música. Baila,
mestre de Boccioni e Severini, abarcara o impressionismo, o pós-impres­
sionismo e o divisionismo em sua carreira anterior. A independência de ati­
tude e o caráter experimental não sofreram continuidade em seu individua­
lizado percurso futurista, que seria o mais durável dentre esses artistas.
A investigação da série de imagens da velocidade do automóvel (1912-13)
assinala uma ótica abstratizante que se desprende do objeto. Nessa sé­
rie eram interiorizados os movimentos maquinais em "linhas de força",

50 WALTER ZANINI
utilizando oposições de luzes e sombras. Depois de realizar figurações de
movimentos sequenciais influenciado pela cronofotografia de Étienne-Ju­
les Marey, o que permanece na obra de Boccioni são signos em forma de
retas ou arabescos transmissores da sensação da velocidade. Em seguida
às tensões dessas interpretações de rotações mecânicas, entre 1912 e 1914
realizou as álacres e cintilantes composições de formas geométricas, geral­
mente trianguladas, de cores puras, intituladas Compenetrações iridescentes.
Numericamente inferior à da pintura, a produção escultural de Boc­
cioni, desenvolvida entre 1912 e 1914, parcialmente destruída, é elemento
fundamental do Futurismo. De assento no importante contexto de ideias
da evolução dessa arte na década de 1910, em peças como Desenvolvimen­
to de uma garrafa no espaço (1912) e Formas únicas da continuidade no espaço
(1913), a sintetização que imprimiu às formas em interpenetrações dinâ­
micas foi repassada à sua pintura tardia.
A exemplo da pintura e da arquitetura, a escultura também é territó­
rio teórico de Boccioni. No Manifesto técnico da escultura futurista, lançado
em Milão em 11 de abril de 1912, Boccioni faz uma crítica demolidora aos
clássicos "ideais de beleza" e o seu culto do nu-contumazes na escultura
entre os séculos XIX e XX. Reconhece no impressionista Medardo Rosso o
único artista "que tenha tentado abrir a escultura a um campo mais vasto,
ao restituir com o modelado as influências de um ambiente e as ligações
que o vinculam ao sujeito", uma questão vital para o artista futurista.
Para Boccioni não havia possibilidade de renovação para a escultu­
ra (assim como não havia para a pintura) senão "buscando o estilo do mo­
vimento, ou seja, tornando sistemático e definitivo como síntese aquilo a
que o impressionismo dera sustento como fragmentário, acidental e, por­
tanto, analítico". Assim, por meio da "sistematização das vibrações das
luzes e das compenetrações dos planos se produzirá a escultura futurista,
cujo fundamento será arquitetônico, não somente como construção de
massas, mas de modo que o bloco escultórico tenha em si os elementos
arquitetônicos do ambiente escultórico no qual vive o sujeito" 3º.
De grande importância são suas reflexões sobre a absorção pela es­
cultura do entorno arquitetônico a que será relacionada. "Escancaremos a
figura e encerremos nela o ambiente." Assim, abre-se o bloco tradicional,
na "absoluta e completa abolição da linha acabada e da estátua fechada. Do
cerne desse bloco receptivo, sua plasticidade se prolongará pelo espaço,
modelando-o". Do amálgama entre o objeto e o contexto arquitetônico terá
origem a escultura de ambiente. Ela será a tradução em zonas plásticas (uti­
lizando-se qualquer tipo de material) dos planos atmosféricos que, circun­
dando as coisas, as ligam e interseccionam, visão a que Boccioni dera, em
1911, a propósito da pintura, o nome de "transcendentalismo físico".
Um espaço de energias era posto em evidência na concepção da
escultura expansiva de Boccioni, que se refere às afinidades misterio-

30. Aqui Zanini insere a nota: "Ver Manifesto técnico da escultura, ver BRION, Carrà." Em rela­
ção ao Manifesto, podemos inferir que Zanini utilizou as edições disponíveis no catálogo da
exposição "Futurismo e Futurism" (Milão: Bompiani, 1986), assim como a tradução em CHIPP,
Herschel. Teorias da arte moderna (São Paulo: Martins Fontes, 1996). Refere-se ainda às re­
flexões sobre Carrà presentes em BRION-GUERRY, Liliane (ed.). L'année 1913: les formes es­
theliques de l'a:uvre d'art à la veille de la Premiére Guerre Mondiale (Paris: Klincksieck, 1973).

JA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 51


sas estabelecidas entre os objetos que terminam onde outros começam.
À convivência dinâmica das formas esculturais juntava-se, como novo
valor, a vivência do espectador. No manifesto sobre a pintura, em 1910,
i
Boccioni já havia af rmado a vontade de colocar o espectador no "centro
do quadro" e não "de frente para nós". Concentrada na visão escultóri­
ca, a concepção é parte da estética futurista que produz o agenciamento
complexo entre a obra e o espaço-tempo a que é determinada, sendo um
legado não mais na ftnitude de um objeto transcendente, mas em decisi­
vos aprofundamentos da investigação da arte.
O mais abrangente uso de materiais foi estimulado por Boccioni
na composição escultural: "planos de madeira ou metal, imóveis ou me­
canicamente móveis para um objeto, formas esféricas peludas para os
cabelos, semicírculos de vidro para um vaso, fios de ferro e reticulados
para um plano atmosférico etc.". Um grande encorajamento tecnológico
ocorre, dessa forma, em 1912. Observou que "mesmo vinte materiais di­
versos podem concorrer a uma única obra no escopo da emoção plásti­
ca", enumerando vidro, madeira, cartão, ferro, cimento, crina, couro, es­
topa, espelhos, luz elétrica etc. Um exemplo dessas fusões aparece em
Dinamismo de um cavalo que corre e casas (1914-15).
A pintura destacou-se na multidisciplinaridade de setores do movi­
mento no "período heroico". Boccioni e Batia afirmaram-se como figuras
exponenciais: o primeiro com a primazia de autorizados estudos críticos,
como o de Roberto longhi, em 1914. Nos anos de conflito mundial- envol­
vendo a ttália em 1915-, o grupo pioneiro de artistas plásticos deu mos­
tras de desintegração. Boccioni aproximara-se de Cézanne e encontrou
pouco depois a morte na guerra, em 1916. Recorde-se a perda anterior da
pintura futurista na decisão de Russolo ao voltar-se para o mundo sono­
ro. Carrà, que acompanhara a pintura (e colagens mais tardias), autor de
argutos textos teóricos da revistaLacerba ou como no revelador manifesto
A pintura dos sons, rumores e odores (1913), embora cioso de sua empenha­
da participação futurista, encaminhou-se a partir de 1916-17 para o silên­
cio e a economia da "pintura metafísica". Severini, pintor admirado em
várias partes da Europa, igualmente autor de manifestos, trocaria mais
adiante o seu trabalhado futurismo aliado ao cubismo por uma posição
classicista. Baila, de experiências sempre renovadas que avançariam peta
década de 1920, seria o único sobrevivente do grupo.
Entre os fatos que assinalaram a história do futurismo nessa fase
anterior à Primeira Guerra Mundial acha-se o aparecimento do núcleo de
Florença. Sucessora de La Voce, em 1913, a revista Lacerba, de alcance in­
ternacional, dirigida por Giovanni Papini e pelo pintor e escritor Ardengo
Sofftci, assumiria o futurismo. Divergências com Marinetti encerrariam
essa aproximação em 1915. Haverá lugar, em seguida, para outra revista,
L'ltalia Futurista, de que participaram Bruno Corra e Arnaldo Ginna31 •

31. Em nota, Zanini indica: "Críticas de Papini e Soffici-deter-se nesse ponto". Certamente o
desejo explícito pelo tipo e modo de escrita da nota indica um ponto de pesquisa para futuro
desdobramento. A questão que aqui parecia interessar a Zanini, dentro do projeto de sua ampla
pesquisa, era o tensionamento entre os dois grupos em relação ao lugar e ao papel da máquina (e
portanto da técnica) nas manifestações da arte, assim como questões políticas. Para saber mais,
conferir FABRIS, Annateresa. Futurismo: uma poética da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1987.

52 WALTER ZANINI
UMBERTO BOCCIONI. DINAMISMO DE UM CAVALO QUE CORRE E CASAS, 1915.

Boccioni seria confrontado em seu grande prestígio com o posterior


e crescente reconhecimento a Baila. Eles representavam, em verdade, duas
vertentes singulares dentro da estética compartilhada: o dinamismo plástico
("linhas de força") da figuração e o espírito de abstração. Balia encarnava
a progressão sintetizadora de múltiplas linguagens, como expressou junto
com Depero no manifesto Reconstrução futurista do universo, de março de 1915.
Abrem esse documento referências a manifestos e outros textos sobre a
pintura e a escultura produzidos no decorrer dos seis anos de existência do
movimento, trazendo, como consequência, o "dinamismo plástico, a pias­
mação da atmosfera, as compenetrações de planos e os estados de espírito".
Considera-se que "a avaliação lírica do universo mediante as palavras em
liberdade de Marinetti e A arte dos ruídos de Russolo se funde com o dinamis­
mo plástico para dar a expressão dinâmica, simultânea, plástica, rumorística
da vibração universal". Estimulados por Marinetti, dispuseram-se a realizar
essa "fusão total para reconstruir o universo, alegrando-o, ou seja, recrian­
do-o integralmente". Declaram:

Daremos carne e esqueleto ao invisível, ao impalpável, ao imponderável,


ao imperceptível. Encontraremos equivalentes abstratos de todas as for­
mas e de todos os elementos do universo, para depois os combinarmos,
unindo-os de acordo com os caprichos de nossa inspiração, para chegar­
mos a complexos plásticos que colocaremos em movimento.

Uma arte ambiental, rnultissensorial, abstrata e dinâmica, entre vá­


rias outras características, é aonde queriam chegar os dois artistas em
sua ideia de "reconstrução", com o uso de grande variedade de materiais,
corno fios metálicos ou de algodão, lã, seda de quaisquer espessuras, co­
loridos, celuloides, espelhos, redes metálicas e tecidos, assim como dis­
positivos mecânicos, eletrotécnicos, musicais e de sonoplastia, líquidos

� ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 53


SIITESI FUTDRIST!A DELLA �GUERRA Otori&WMftt, b t'lw;:r,-. dtf,,·jit,-'-, a ta '-.a i� _d.t fflOl'lit«t;e (t; � N.F�J �•'lte pw i_T� �feftU ... g'1'Uf;ll .ndltta dtt çl)f'\i'j e- d• �
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MARINETTI, BOCCIONI, CARRA, PIATTI E RUSSOLO. ARTE CINÉTICA FUTURISTA, APRESENTADA NA GALERIA SPROVIERI, 1914.

quimicamente luminosos de diversificada coloração, molas, alavancas,


tubos etc. Com esses recursos, previam uma série de complexos plás­
ticos contendo usos tecnológicos, como os de movimentos mecânicos
conjugados e variáveis ou que se decompõem, transformando-se em suas
formas ou expandindo-se em onomatopeias, sons e ruídos. Além disso,
pretendiam soluções "mágicas" (complexos plásticos que aparecem ou
desaparecem) e pirotecnias com o uso de água, fogo e fumaça. Em seus
planos estavam o "concerto plástico motorrumorista no espaço, o vestido
transformável, a fonte giroplástica rumorejante, o edifício de estilo rumo­
rejante transformável". Todo um tópico é dedicado ao mundo infantil na
recriação do brinquedo, além de imaginarem o "animal metálico, um novo
ser automatizado que fala, grita e dança", prenúncio de futuros robôs.
A instauração imanentemente relacionada ao ambiente dinamiza­
do, que Boccioni propusera para a escultura futurista com usos polima­
teriais e a presença do espectador "ativado", expandia-se em irrestritas
dimensões nas "reconstruções" imaginadas por Baila e Depero. Maurizio
Calvesi situou o manifesto de 1915 "na confluência do futurismo com o
filão Jugendstil, que já havia sugerido a Baila o interesse pelo ambiente do
homem, µelos mó\Jeis e decoração" (CAL\JESI, 1986, µ. 42.6). Um µrnieto
de ambientação de Baila retroagia a 1912, aplicado no mobiliário da Casa
Lowe/lsle//7 (Dusse/dorf), finalizada em 1914 e posteriormente destruída.

54 WALTER ZANINI
Balla aplicou suas formas geométricas e motivos imaginativos a
uma grande quantidade de móveis. Seus sucessivos projetos ambien­
tais preocupavam-se com a totalidade plástica, como no que diz res­
peito à cor e à luz. O crítico Germano Celant refere-se ao seu vínculo
com o cenário escultórico conceituado por Boccioni, "agindo e agen­
te". Esse espaço, afirma Celant, "vai interpretado qual cenário potencial
para o comportamento de seu habitante e qual imaginário autodinâmi­
co". Não é um acaso-ele afirma-que todos os artistas futuristas, de
Balla a Prampolini, de Depero a Pannaggi, alicerçando-se no projeto
ambiental, tenham demonstrado seu interesse também pela "perso­
nalização" do espaço ativo da cena, tanto que o nascimento das res­
pectivas pesquisas de espetaculosidade e ambientação, pública e pri­
vada, é em 1914 quase contemporâneo, aventando-se a hipótese "de
um movimento e uma dinâmica que implicam a ação do seu habitante
e o movimento cenográfico", asseverando "que não se pode, de fato,
considerar o ambiente futurista sem a premissa da ação" (CALVES!,
1986, p. 522). Perspectivas distantemente premonitórias abriam-se com
esses conceitos e realizações para os envíronments de quatro décadas
mais tarde. Calvesi fala-nos do " fervor inventivo de Balla" e suas "anteci­
pações de tantos fatos de vanguarda" (ibidem, p. XLVIII).
Em 1914, em Roma, a Galeria Sprovieri, celebrizada pelo apoio às
mostras e eventos futuristas, realizou a "Exposição Livre Futurista Inter­
nacional", reunindo artistas de alguns países, além de recém-ingressan­
tes italianos no movimento, como Ottone Rosai e Mario Sironi, e particu­
larmente artistas de importante presença na continuidade do movimento,
a exemplo de Depero e Prampolini. Naquele ano, Marinetti e Francesco
Cangiullo apresentaram na mesma galeria o primeiro exemplar de arte
cinética futurista, pendurando uma construção que oscilava "do alto de
um teto, incitando o visitante a movê-la" (LISTA, 1987, p.13).
Em referências mais gerais sobre os pintores futuristas, pode afirmar­
-se que, constituindo uma impulsão coletiva, onde se inserem outras influên­
cias salientes- como a da cronofotografia de Étienne-Jules Marey, a foto­
grafia de Eadweard Muybridge e o próprio fotodinamismo de Anton Giulio
Bragaglia, membro do movimento-, expressaram-se também por experiên­
cias personalizadas as que situam Balla na esfera da abstração e a abran­
gência europeia da vivência de Boccioni quando jovem, visitante de Paris e
outras capitais onde se desenvolveram as secessões expressionistas.
Primeira arregimentação artística do século XX comprometida com
a vida moderna em seus múltiplos aspectos socioculturais, exprimindo
a maior convicção nas formas que a existência contemporânea assume
na convivência com as tecnologias mais recentes, fundamentalmente di­
versa em suas razões estéticas da arte precedente pela universalidade
de propósitos experimentais transpoéticos, o futurismo encontra-se nas
raízes dos outros movimentos da história vanguardista.
A grande capacidade de arregimentação de Marinetti conduziria o
Futurismo ainda muito adiante no tempo, tornando-o uma das tendências
mais perduráveis do modernismo. Essa qualidade organizativa do poeta
somou-se à do homem dotado de excepcional "senso das relações públi­
cas, que permaneceu insuperado, ao menos na Europa e meio século antes

::;4 ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 55


de Marshall McLuhan", como escreve Pontus Hultén, referindo-se a seus
manifestos, publicações e presença cênica (HULTÉN e CELANT, 1986, p.18) 32•
Obscurecidos por longo tempo pela grande e impetuosa ressonância
alcançada pelas realizações plásticas, não foi por muito tempo dedicada
maior importância aos outros eventos futuristas, no entanto essenciais
na história maior dessa vanguarda-um fato que se repetiu com os demais
movimentos do modernismo, que, entretanto, privilegiaria a solidez dos ob­
jetos, não considerando a efemeridade dos acontecimentos. No caso do
futurismo, o historiador americano Michael Kirby foi o primeiro a abordar
abrangentemente a questão em Futurist Performance [Performance futurista]
(Dutton, Nova York, 1971, posteriormente reeditado em 1986). O desenvolvi­
mento do happening e da performance, assim como da Body Art no segundo
pós-guerra, foi responsável pelo levantamento do véu que encobria todo um
território de manifestações onde se fincavam suas raízes, precedentes por
vezes próximos do que se tornou a performance.
Desde o início, os eventos futuristas caracterizaram-se por propó­
sitos contestatários os mais violentos contra todo o quadro cultural do­
minante, provocando escândalos e não raro a intervenção policial.
A via multiforme do Futurismo, como já se disse, compreendeu áreas
de manifestação como as "palavras em liberdade" na poesia, uma variedade
de performances, o "teatro sintético" e o "teatro de variedade", as "linhas de
força" na pintura e escultura, o projeto arquitetônico transformador da ci­
dade de Antonio Sant'Elia e a arte de geradores de ruídos (intonarumori), de
Russolo, criador, com Ugo Piatti, de novos instrumentos musicais, constru­
ções dinâmicas já lembradas por Cario Carrà em seu manifesto. Como Balla,
Carrà desenvolveu formas tridimensionais soltas no espaço. Além disso, po­
dem ser citados a criação de Balla e de Fortunato Depero, em 1915, de assem­
biages de formas polimateriais estáticas ou móveis (complexos plásticos), as
obras metálicas móveis de Enrico Prampolini e o fotodinamismo de Anton
Giulio Bragaglia. A multidisciplinaridade futurista abrangeu ainda o cinema.
Surgiram nesse meio, em 1916, as ideias de um cinema dirigido às inerências
visuais que influenciaram os artistas-cineastas dos anos 1920.
Enrico Prampolini foi elemento de relação entre as duas fases do
Futurismo. É importante lembrar essa figura vanguardista investigadora
de diversas áreas artísticas, incluindo a arquitetura e o teatro, embora
permanecesse essencialmente ligada à pintura. Sua ideia do movimento
como gênese da forma foi enfatizada por Palma Bucarelli (1961), revelan­
do sua cultura curiosa da tecnologia e da ciência.
No manifesto L'Arte Meccanica (1923), coassinado por Ivo Pannaggi e Vi­
r\icio Paladini (BUCARELLI, 1961, p.17), Prampolini exaltou a máquina, estabe­
lecendo uma nova compreensão quanto ao que pregara o primeiro futurismo:
a máquina agora não mais vista em sua exterioridade, como função prática,
porém elevada ao plano da vida espiritual e desinteressada da arte para se
tornar uma altíssima e fecunda inspiradora (ibidem, p. 49).

32. Essa parte do texto e, da mesma forma, quase todos os últimos parágrafos dos capítulos
dos livros eram esboços cheios de notas para possíveis desdobramentos que, de alguma ma­
neira, traziam as relações com a contemporaneidade. Os trechos foram editados mantendo-se
essa característica.

56 WALTER ZANINI
No plano internacional, relacionamentos múltiplos do Futurismo se es­
tabeleceram na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina e no Japão.
Na França, as conexões-que implicam fortes litígios com o Cubismo-com­
preenderam nomes como Robert Delaunay, Fernand Léger, Marcel Duchamp
e Raymond Duchamp-Villon. O interesse futurista pela máquina se faria pre­
sente no desempenho do vorticismo, fundado em manifesto de 1915 na In­
glaterra pelo pintor Wyndham Lewis, também voltado ao Orfismo de Delau­
nay, e tendo presenças como Jacob Epstein, Henri Gaudier-Brzeska e David
Bomberg, além de poetas, a exemplo de Ezra Pound. Entre as maiores cor­
rentes internacionais do início do século contendo vínculos com o futurismo,
as vanguardas russas e o dadaísmo ocupam um lugar destacado.

Vanguardas russas33
Os movimentos de arte que constituem as vanguardas russas, de impor­
tante papel na história da modernidade, correspondem à transformação
política que se produziu no país nas três primeiras décadas do século XX.
Uma jovem e decidida geração participava do processo revolucionário
que se concretizou em 1917, disposta a romper com padrões estéticos es­
tagnantes e motivada pelo seu encaixe na sociedade com interesses obje­
tivos. Parte essencial dos propósitos em debate para a renovação da arte
russa implicava uma dupla atenção: de um lado, a presença de elementos
endógenos identificadores de uma antiga e profunda cultura; de outro, a
aproximação às poéticas visuais da atualidade exercidas em centros ar­
tísticos ocidentais, aproximação que ocorreu na intensidade da expansão
internacionalista da época, com o progresso das comunicações. Foram
múltiplos os focos de seu impulso, destacados em perspectivas diversas
por historiadores, críticos e curadores.
Para os meios artísticos de Moscou e São Petersburgo, tornava-se
vital o esforço coletivo. A vontade da renovação aglutinava elementos de
identificação da antiga cultura eslava às poéticas visuais europeias, mani­
festas em centros avançados, entre eles Munique (onde se fixara Kandinsky),
Berlim e, sobretudo, Paris. Grupos como Rosa Azul e os que se formaram a
seguir, como Valet de Carreau, indicaram a franca arregimentação de pro­
pósitos dos artistas. Obviamente, não se pode esquecer de particularidades
fortemente individualizadas da criatividade, como a de natureza extraordiná­
ria de Kandinsky, fundador da arte abstrata, atuando fora de seu país.
As relações com o Ocidente, fortes no decorrer do século XIX na lite­
ratura e na música, eram das mais escassas nas artes plásticas. Entretanto,
no extremo final daquele século e início do XX, múltiplos fatores de apro­
ximação provocaram uma situação inédita para a grande área desprovida
de intercâmbio. Várias cidades abriram-se ao Art Nouveau. Enfatiza-se com
razão o papel desempenhado por Sergei Diaghilev, ao lado de Alexandre
Benois e Léon Bakst, na formação do movimento de vanguarda Mir lskusstva
(O mundo da arte), que editou a revista de mesmo nome. Diaghilev seria

33. Nesta parte, talvez pela centralidade e importância das vanguardas russas, havia uma
nota de Zanini indicando: "Texto provisório, em estudo". Apesar de o texto apresentar
lacunas e trechos incompletos, além de muitas notas, optamos por incluir o tópico para
manter o gesto do autor de construir o cenário da produção artística modernista rumo a
uma desmaterialização cada vez mais acentuada.

DA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 57


o organizador dos Balés Russos, com as marcantes cenografias e figuri­
nos de Bakst, levados a Paris e outras capitais europeias. As atividades
do empresário haviam compreendido exposições grandiosas em Paris. As
coleções de Sergei Chtchoukine e Ivan Morozov em Moscou, abrangendo
as correntes da pintura moderna e tendo em Picasso e Matisse seus últi­
mos expoentes, expostas nos verdadeiros museus que eram as suas casas,
tornaram-se outro fator de incremento cultural que serviram aos artistas
locais e deram ao público interessado acesso às obras. Numerosos passa­
riam a ser os artistas russos que se fixavam sobretudo em Paris, temporá­
ria ou definitivamente, e seriam participantes do movimento internacional
que ali se formou depois da Primeira Guerra Mundial. Grande parte dos
artistas que alterariam o curso da arte russa usufruíra da livre atmosfera
parisiense nos primeiros anos da segunda década do século XX, em que
sobressaem as novas experiências cubistas.
A renovação artística em Moscou e em São Petersburgo se torna­
va mais robusta com a formação de grupos, a realização de exposições
e outros eventos. Emergia uma nova geração. Um pintor que trabalhava
com os tipos populares russos e dentro de princípios de representação
"primitivista" que cultivava, Mikhail Larionov, desde 1910-11, dava seus pri-
meiros passos no raionismo, um movimento que ofereceria cabais expli­
cações no manifesto de 1913, definido como "uma síntese de Cubismo,
Futurismo eOrfismo".
O ideário futurista, surgido em Milão, era conhecido na Rússia pela
publicação em Moscou do manifesto de 1909. Seus vários aspectos logo
se tornaram conhecidos nos meios de São Petersburgo e Moscou. Em
1914, a presença de Marinetti nas duas cidades suscitou, como em outros
ambientes, os mais tumultuados debates. O futurismo russo, como o de­
nominara Maiakóvski, já se mostrava assentado no país. Outras tendên­
cias partilhavam a modernidade que superava estágios conservadores da
arte russa, do Cubismo e do Orfismo com os estímulos recebidos do gru­
po constituído em Munique por Kandinsky, Franz Marc e Auguste Macke,
de onde se originaria o movimento Der 8/aue Reiter (O cavaleiro azul), fon­
te orientadora do expressionismo alemão no sentido da abstração.
Kasimir Malevitch e Vladimir Tatlin, dos mesmos embasamentos e cír­
culos de tendências modernistas dos pioneiros Mikhail Larionov e Natália
Gontcharova, se fixaram definitivamente em Paris em 1914, acompanhando
o Diaghilev e realizando o décor de seus balés. Uma devoção por figurações
primitivistas de cenas camponesas em Malevitch cedeu antes de 1915 ao
rompimento total com a expressão da realidade e à entronização da abstra­
ção, um caminho que Kandinsky começara a apontar em 1910.
O Futurismo russo deu-se antes e ao longo de parte do período
da Revolução de 1917 e compreendeu as artes plásticas no raionismo de
Mikhail Larionov e Natália Gontcharova, na obra em evolução do supre­
matista Kasimir Malevitch e dos construtivistas Vladimir Tatlin e Alexander
Rodchenko, em EI Lissitzky, e também a poesia (Vladimir Maiakóvski, Velimir
Khlebnikov e Aleksei Kruchenykh), o teatro (Vsevolod Meyerhold e Aleksandr
Tairov), o cinema (Vladimir Kassianov e Dziga Vertov). Os contatos russos
no Ocidente incluíram intenso relacionamento com o Cubismo, de que é pro­
va a rubrica interfacial "cubofuturismo" adotada ao lado de Futurismo.

58 WALTER ZANINI
As mudanças no meio russo-Construtivismo
Com semelhanças ao lado de aspectos contrapostos, o Suprematismo
e o Construtivismo, fundados respectivamente por Kasimir Malevitch e
Vladimir Tatlin, constituíram-se em contribuições de importância maior
para a arte do século XX. A primeira dessas tendências russas voltava-se
para ideários de puras estruturas formais, enquanto a segunda conduzia
sua base estética abstrata para a aplicação social, com a utilização de
recursos técnico-materiais do progresso industrial. Ambas assumiram
a ideologia da Revolução de 1917, mas esse propósito, que o poder so­
viético inicialmente estimulava pela sua modernidade, assimilando-o aos
seus fins sociopolíticos, não tardou a ser sacrificado em favor de uma
arte oficial de temas programados34 • Com isso, o decisivo período das
vanguardas no país do leste europeu seria dramaticamente sacrificado.
Assimiladores do Cubismo e do Futurismo, os movimentos cultu­
rais russos haviam demonstrado grande capacidade recriadora na intro­
dução dos novos conceitos e métodos em seu ambiente periférico. O Fu­
turismo, em particular, trazia metas que impregnavam a fase de agudas
mudanças políticas, sociais e econômicas, não tardando em dar retribui­
ções ao Ocidente por mérito de sua universalidade atingida.
Os construtivistas Tatlin e Rodchenko, assim como Naum Gabo, fo­
ram os pioneiros russos na concepção da arte de movimento em tempo
real. O projeto do Monumento à Terceira Internacional, de Tatlin (1917), na linha
do producionismo do seu "laboratório de arte", previa essa efetiva dinâmi­
ca temporal. Anteriormente, desde 1914, nos contrarrelevos construídos,
em suas palavras, com "materiais verdadeiros" (lâminas industrializadas
de ferro e cobre, madeira, cordas etc.), eliminava-se a base escultural e si­
tuavam-se essas construções de formas abstratas interpenetradas no alto
e no ângulo das paredes, conjugando-as assim diretamente à arquitetura
em espaços reais.
O projeto de Tatlin para o monumento não foi realizado. De um lado,
faltavam melhores condições tecnológicas de execução para uma obra de
tal magnitude e complexidade, e, de outro, a crise que envolvia o país revo­
lucionário não facilitava a obtenção de recursos. No formato de uma enor­
me torre, prevista para ter quatrocentos metros de altura, composta por du­
pla espiral metálica que devia elevar-se entrelaçada e sustentada por trama
igualmente de metal, de transparência que tornaria visível o vácuo interno
ocupado por quatro espaços superpostos nas formas de cubo (na base),
trapézio, cilindro e hemisfério (no vértice), com elementos guarnecidos de
vidro, o monumento ia além da condição de requisitos exclusivamente es­
téticos. Combinando razões arquitetônicas e escultóricas, o artista alme­
java um edifício adaptado à nova ordem política e socioeconômica, na sua
destinação de abrigar manifestações culturais, um centro de irradiação de
informações e serviços administrativos. Entre os conceitos introduzidos no
projeto, era essencial o movimento cinético de seus volumes internos sis­
tematizados para girar eletricamente em diferentes tempos.

34. Sobre essa importante passagem das vanguardas russas em relação ao regime comu­
nista, vale a pena conferir GROYS, Boris. Obra de arte total Stalin. Valencia: Pre-textos, 2008.
A questão histórica aponta para as origens das tensões entre arte e poder.

'JA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 59


VLADIMIR TATLIN. MONUMENTO À TERCEIRA INTERNACIONAL, 1917.

Rodchenko é autor do termo "arte não objetiva" e em quem se fun­


diram ideias suprematistas e construtivistas-como foi também o caso de
EI Lissitzky. Ele possui uma obra de ampla variedade de concepções e téc­
nicas. Como EI Lissitzky, encontra-se entre os primeiros artistas russos
da fotomontagem. Destinada a ficar pendurada, a escultura em madeira
Construção suspensa (1919), composta de aros conjugados, é uma das for­
mas iniciais de móbile (como os contrarrelevos de Tatlin), uma modali­
dade na história do objeto em movimento. Malevitch, em 1921, oito anos
depois do Quadrado negro, realizou uma série de pinturas monocrômicas,
mas visando demonstrar o estado de exaustão da pintura. Integrado ao
producionismo, estendeu suas atividades ao desenho aplicado, à foto­
grafia, tipografia e cenografia.
Naum Gabo assumira a posição suprematista de Malevitch. Ele é
autor e cossignatário, ao lado do irmão, o também escultor Antoine Pevs­
ner, em 1920, do Manifesto Realista-nome que depois seria substituído por
Manifesto Construtívista. O domínio de novos materiais industriais, leves,
dúcteis e transparentes (como os plásticos e o fio de náilon), lhe permitiu
a organização de esculturas de espaços vazados, em múltiplos planos,
sensíveis à luz e reveladores de um rigor matemático. Gabo mostrou in­
teresse (não confirmado posteriormente) por uma arte dotada de anima­
ção mecânica. Sua pequena construção, conservada na Tate Gallery, cujo
movimento real simula um volume virtual-haste de metal fixada na base

60 WALTER ZANINI
e acionada por um motor-, contemporânea ao projeto de Tatlin, é um dos
ícones da arte cinética da primeira geração35 •
O número de artistas responsáveis pela inovação da arte cinética
foi, porém, dos mais restritos. Impulsionado pelo pensamento consciente
da evolução da existência humana em um quadro de presença progressi­
va de uma segunda natureza-a tecnologia-, o projeto de uma dinâmica
do objeto, tradicionalmente estático, viu-se em dificuldades para a sua
consecução técnico-mecânica, o que justifica, em parte, não só a limita­
ção da experiência a uns poucos (e o discreto número de trabalhos reali­
zados pela maioria no conjunto de sua obra), como também o fato de essa
fração significativa, em geral, não ter perseverado no empreendimento.
Gabo, que projetara uma nova peça motorizada, declararia mais tarde, em
1937, que a mecânica na época deixava a desejar para os fins almejados.
A arte moderna russa, por intermédio de Alexander Scriabin e Vla­
dimir Baranov-Rossiné, artista com frequência esquecido, foi igualmente
uma das primeiras a possuir representantes nas práticas que remontam
ao órgão de cor, criado possivelmente pelo frade jesuíta Louis Bertrand
Castel. Dessa fonte derivou o campo de pesquisas entre música e pin­
tura, de incessantes controvérsias, objeto no século XX do livro Colour­
-Music: lhe Art of Light [A arte da luz] (1927), de Adrian Bernard Klein. O
compositor Scriabin (POPPER, 1962, p.157) deu visibilidade cromática ao
seu Prometeu ou Poema de fogo, através de um "teclado de luz" (1908-10).
Entre 1910 e 1914, Baranov-Rossiné, pintor e escultor de formação, rela­
cionou-se com o meio parisiense de Robert Delaunay e Sonia Delaunay
Terk, absorvendo influências do Simultaneísmo, do Cubofuturismo e do
Construtivismo. Desde o início de sua carreira em São Petersburgo, preo­
cupava-se com a relação entre a pintura e a dimensão temporal. Para esse
fim, inventara o "optofone", instrumento semelhante a um teclado que lhe
permitia simultaneidade de projeção e transmissão de cores e sons.
Um aceno deve ser feito à importância dos elementos cinéticos e
luminocinéticos introduzidos no teatro russo de vanguarda, recordan­
do-se nomes como o de Meyerhold, autor de concepção "biomecânica"
para o desempenho performático dos atores, robotização presente em
diretores como Annenkov, que se antecipam às ideias de Schlemmer na
Bauhaus (RIPELLINO, 1986, p.140). Colaboraram com Meyerhold artistas
como Rodchenko, Liubov Papava e Baranov-Rossiné.
À área do luminocinético inaugural ligam-se outros artistas, como
Raoul Hausmann, membro do movimento dadaísta em Berlim, e Moholy­
-Nagy, a partir de sua atividade na Bauhaus, em cujo setor de teatro e co­
reografia registram-se as experiências de Ludwig Hirschfeld-Mack, Josef
Hartwig e Kurt Schwerdtfeger.

Dadá e Surrealismo
As visões otimistas e progressistas imperantes na Itália e Rússia seriam
contraditas por outra vanguarda-a do anárquico estado de espírito dadá.

35. Apesar de Zanini não fazer referência ao nome da obra sobre a qual discorre, pelas ca­
racterísticas apontadas podemos inferir que se trata de uma reconstrução, produzida em
1985, de Construção cinética-onda parada, de 1919-20.

-:;A ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 61


No curso da devastadora Primeira Guerra Mundial e nos anos que a se­
guem, o "grito dadá", angustiado e blasfemo, foi, antes de mais nada, um
puro e profundo ato de revolta. A própria arte foi o primeiro alvo de uma
desafiadora e implacável contestação. Não havia meias-medidas nas ati­
tudes que igualmente passavam a enfrentar a crise da época, nos planos
moral, religioso e político, pugnando pela mais irrestrita liberdade indi­
vidual. Envolta em contradições, a burguesia era responsabilizada pelo
grande extermínio, justificado como um determinismo histórico de seu
próprio desenvolvimento. Na descrença da arte do establishment, a tábu­
la rasa do Dadaísmo recorria às vanguardas que a haviam antecedido a
partir do Futurismo, sua fonte de pensamento e ação inspiradora. Não se
poupavam valores estéticos voltados para si mesmos e o sistema artís­
tico enraizado no aproveitamento comercial, uma crítica que ressurgirá
no segundo pós-guerra. O niilismo irreverente do Dadaísmo, matizado de
todos os humores, insurgia-se, entretanto, contra a apologia do progres­
so, básico no movimento marinettiano. O anátema da civilização contem­
porânea estendia-se, ipso facto, à sua mecanização. A máquina tornou-se
um dos objetivos maiores de seu escárnio.
Dois agrupamentos paralelos deram origem ao Dadaísmo. O pri­
meiro configurou-se em Nova York, em 1915, reunindo principalmente
Marcel Duchamp, Francis Picabia e Man Ray. O fotógrafo Alfred Stieglitz,
o colecionador Walter Arensberg-ambos americanos-e o compositor
franco-americano Edgard Varêse eram os outros membros.
Foi, entretanto, em Zurique, no ano seguinte, que o movimento de­
signado, como sabemos, por um nome escolhido ao acaso surgiu oficial­
mente, ao se promoverem exposições, conferências e performances tea­
trais e musicais no Cabaret Voltaire. Entre seus fundadores achavam-se
os poetas e artistas alemães Richard Huelsenbeck e Hugo Bali-e sua mu­
lher, a atriz Emmy Hennings-, os romenos Tristan Tzara e Marcel Janco
e o alsaciano Hans Arp, refugiados de guerra na neutralidade da Suíça,
além de outro alemão, Hans Richter, que chegou posteriormente.
Outras células dadaístas seriam em seguida estabelecidas na Eu­
ropa. Um grupo formado sobretudo por alemães-Richard Huelsenbeck,
Raoul Hausmann, Johannes Baader, George Grosz e John Heartfield
(Helmut Herzfelde)-criou o Club Dada de Berlim em 1918, onde é assu­
mida a dimensão política do movimento, participante da luta revolucio­
nária na caótica nação do pós-guerra. Hanover, com Kurt Schwitters, e
Colônia, com Max Ernst, Johannes Baargeld e Hans Arp, tornaram-se
outros polos da atividade dadaísta. Um núcleo se constituiu em Barcelo­
na, por meio de Picabia, fundador da revista 391. Em Paris desde 1919, o
movimento era essencialmente de natureza literária, contando, além de
André Breton, com outros poetas franceses, a exemplo de Paul Eluard,
Louis Aragon e Philippe Soupault, e da presença de Tristan Tzara. Mas
o Dadaísmo não ficou incólume à passagem do tempo, enfraquecido por
inconciliáveis conflitos internos e sofrendo a ameaça de não escapar aos
danos de uma continuidade retórica. Hans Richter relatou o seu dramáti­
co encerramento em Paris, no ano de 1923.
Defensores de uma arte não mais dividida em maiores e menores ou
compartimentada em antigas categorias estéticas (concepção que ressur-

62 WALTER ZANINI
PERFORMANCES DADA. CABARET VOLTAIRE, 1916.

giria com vigor nos anos 1950-60), não havendo nenhuma unidade maior
de linguagem entre seus membros, que fizeram uso de procedimentos
técnicos e materiais novos, do ready-made à colagem, da fotomontagem
ao filme, da poesia fonética e optofonética à antissinfonia, os dadaístas
foram de grande importância pelas suas inúmeras e originais publicações
e também pelas violentas e desconcertantes manifestações performáticas
que promoveram, recorrentes à provocação e ao escândalo. O Dadaísmo,
em sua ideologia demolidora, desloca para o artista o papel antes concen­
trado na obra.
Para os futuros rumos da arte, a figura decisiva do Dadaísmo é Mar­
cel Duchamp. Influenciado pelas formas dinâmicas do Futurismo e pela
cronofotografia de Étienne-Jules Marey, o artista franco-americano, que
se aplicara numa pintura de caracteres sucessivamente impressionistas,
simbolistas e cubistas, introduziu em sua obra uma identificável inves­
tigação do movimento, como vemos em pinturas e desenhos de 1911-12, a
exemplo da série Nu descendo a escada. O deslocamento físico imaginário
da figura adquire nessas telas uma realidade maquinal na geometrização
dos planos acelerados, não limitados a uma pura concepção ou percepção
visual. Em pinturas como A noiva (1912) afirma-se o enigmático e recorrente
erotismo de Duchamp, permeado de uma ironia visceral.
Porém, entediado da pintura já nessa época, Duchamp conduziu
sua complexidade mental em anotações, desenhos e ensaios pictóricos
não tradicionais, inspirado pela alquimia, física, mecânica e biologia, ao
fim do que realizaria o seu trabalho capital: A noiva desnudada pelos seus
celibatários, mesmo (O grande vidro), elaborado entre 1915 e 1923. Insólita
em seu contexto técnico e material-desde o uso de placas superpostas
de vidro transparente (227,5cm x 175,8cm) até a utilização de poeira acu-

=ti. ARTE ARTESANAL E MECÂNICA Â ARTE ELETRÔNICA 63


mulada-, essa obra, para a qual Duchamp "imagina uma eletricidade sem
fio, dando-lhe um papel quase metafísico na comunicação tão difícil de se
estabelecer, a distância, entre as partes separadas-a máquina celibatária do
lado de baixo e a noiva, ao alto" (LEBEL, 1983), se constituiria numa enigmáti­
ca sátira erótica, condensando o essencial de sua obra anterior e anunciando
o que virá depois.
Na obra unitária de Duchamp, o ready-madefoi o aspecto essencial que
o afastou definitivamente do fazer artístico tradicional. Ao escolher objetos
de uso cotidiano, como o Secador de garrafas (1914) e, sobretudo, Fonte (1917),
nivelara a sua banalidade à hierarquia estética. Dessa forma, procurava avi­
zinhar os separados universos da arte e da existência comum-atitude futu­
rista, de decisiva importância posteriormente nos anos 1960. Ouchamp con­
tribui fundamentalmente ao considerar o espectador o agente conclusivo da
obra, compreensão lúcida que mais tarde se universalizou.
Duchamp, ao lado de Tatlin, Gabo e Moholy-Nagy, foi um dos ar­
tistas introdutores do movimento real no espaço das artes visuais, de
certa forma precedendo-os com o seu ready-made inaugural Roda de bi­
cicleta (1913), uma roda de veículo fixada num pequeno banco, de sorte
a poder ser girada e produzir os efeitos vibratórios de seus raios. Essa
sua primeira evidência cinética foi sucedida por duas realizações óticas
envolvendo o uso da eletricidade: a Placa rotativa de vidro (ótica de precisão)
(1920) e Meia-esfera rotativa (ótica de precisão) (1925). Duchamp descreveu a
primeira obra como:

Uma série de cinco placas de vidro sobre as quais foram traçadas linhas
brancas e pretas, girando em torno de um eixo metálico; cada placa era
maior que a anterior e, quando se olhava de um certo ponto, tudo se juntava
e constituía um só desenho. Quando o motor girava, as linhas produziam o
efeito de círculos contínuos brancos e pretos, bastante tênues, como você
pode imaginar. (CABANNE, 1967, p.107)

As experiências óticas de Duchamp se dão sempre no sentido da


exploração de efeitos produzidos por esferas com espirais postas em ro­
tação e compreenderam também o cinema 36• Ele voltaria a investigar a mo­
bilidade temporal ainda uma vez ao construir a máquina Rotorrelevos (1934).
As pesquisas óticas de Duchamp absorveram tanto o olhar como a psi­
que do espectador pela lógica e intensidade das sensações produzidas no
continuum das rotações dos círculos excêntricos. Posteriormente, como
veremos, a arte do Grupo Cobra, movimentos diversos como o letrismo e
o situacionismo, a Arte Op e a Arte Cinética, a Pop Art, a obra mecânica
de Jean Tinguely, os eventos de John Cage e do Grupo Fluxus, as várias
tendências desmaterializantes seriam todas manifestações associadas
seminalmente por diferentes ângulos, ao espírito de Duchamp.
Desde 1911 Duchamp era ligado a Francis Picabia. Não faltavam
afinidades entre eles. Em 1915, seriam os criadores do dadaísmo do lado
oeste do Atlântico. Picabia, pintor e poeta francês de origem espanhola,
tivera uma fase impressionista seguida de rápida aderência ao Cubismo

36. Ver capítulo 4: "Aspectos da contribuição do cinema de artista e experimental".

64 WALTER ZANINI
IIARCEL DUCHAMP. ANÉMIC CINÉMA, 1926.

(como Duchamp), Orfismo e Abstração. Como dadaísta, manteve-se fiel


ao território virtual do movimento, ao contrário de Duchamp, demonstran­
do atuação das mais ativas e polêmicas no movimento. Deve-se a Picabia
a criação da revista 391, que fundou em Barcelona em 1916. A partir de 1915,
data do reencontro com Duchamp em Nova York, Picabia, com sua verve,
desenvolveu a fase intitulada Mecanomórfica, em que faz da máquina um
instrumento de incursões fantasiosas, sem perder a objetividade na análi­
se gráfica de seus componentes, como em Máquina, transformar rapidamente
(1916) e Desfile amoroso (1917). O erotismo também permeia o seu trabalho,
muitas vezes acrescido de inscrições as mais irônicas.
De Picabia é a autoria, em 1924, dos cenários e figurinos do balé Re­
lâche para a companhia sueca de Rolf de Maré (concebidos em 1920), mu­
sicado por Erik Satie e apresentado no Théâtre des Champs-Elysées, em
Paris. Resolveu esse mestre da surpresa, como o chamava André Breton,
usar 370 refletores instalados no palco (cujas reverberações obedeciam
à intensidade das notas do compositor), para ofuscar, agressivamente, a
visão dos espectadores. Picabia ainda realizou o filme Entr'acte, que foi
exibido no intervalo da apresentação do balé Relâche37 •
A outra figura do núcleo dadá nova-iorquino e mais tarde do movimen­
to surrealista foi o pintor, escultor, autor de ready-mades, fotógrafo e cineasta
americano Man Ray, receptivo a Duchamp, porém dono de uma luz própria.
As qualidades experimentais desse artista revelaram-se em fotografias de
interessantes construções, compostas de materiais diversos, como a ferra­
gem O homem (1918). Nesse ano, realizou suas primeiras aerografias (pintu­
ras feitas com pistola de ar comprimido e uso de pouchoir 38), técnica a que,
em 1922, sucedeu outra invenção: a dos rayographs (fotogramas obtidos

37. Zanini deixou uma nota nesse ponto: "Aqui Relâche, ver p. adiante, cinema de artista, p.
54, PERFORMANCE Goldberg". Com a breve nota, o autor parece apontar para outras rela­
ções acionadas ou inauguradas pela obra de Picabia que iriam reverberar em proposições
contemporâneas da arte, como a performance e as relações entre arte e cinema. Fazendo
alusão ao livro de Roselee Goldberg, recorrente nas citações, e ao bloco sobre o cinema
de artista, Zanini parece mais uma vez reforçar o desejo de traçar uma rede de referências
em torno dos processos de desmaterialização da arte, especialmente ligada ao maquínico
e tecnológico, ao longo do tempo.
38. Estêncil.

uA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 65


diretamente de objetos colocados sobre o filme ou o papel sensível, ou
seja, uma fotografia sem câmera, procedimento similar ao utilizado por
Moholy-Nagy). Movendo-se na esfera do erotismo humorado, Man Ray
afirmou uma qualidade americana na tradição do wisecrack39 que o distin­
gue dos seus dois colegas do Dadaísmo.
A exemplo de Tatlin e Rodchenko, o artista encontra-se entre os pri­
meiros investigadores da estética de objetos tridimensionais movidos ou
que se movem no espaço. As primeiras peças desse gênero que produziu
foram Abajur (1919), pequena estrutura metálica de superfície em espiral, e
Obstrução (1920), uma curiosa assemblage de cabides coordenados em equi­
líbrio, seguidos do surrealista Objeto indestrutível (1923). É provável que as
duas primeiras peças fossem conhecidas de outro americano, Alexander
Calder, que no início da carreira se notabilizara como autor de pequenas
figuras de fio de aço e sobretudo de Circus, cenário de intensa animação
composto de acrobatas, dançarinos e animais. Decidido a ir além do movi­
mento virtual, Calder tornou-se o artista emblemático do móbile, designa-

39. Aqui, Zanini se refere aos jogos de palavras rápidos, irônicos e humorísticos presentes
nas obras de Man Ray.

66 WALTER ZANI�
ção inventada por Duchamp em 1932, ao ver uma de suas obras motoriza­
das. O móbile tem sido anexado à estética cinética na sua sui generis dupla
condição de construção programada e mecanizada, além de objeto de mo­
vimentos imprevisíveis. Ao abandonar os motores, talvez por desestímu­
lo-utilizados numa curta fase entre 1932 e 1936, quando elaborou estruturas
de metal com formas curvas integrando o espaço ou dinamizadas diante
de um painel-, o artista-engenheiro Calder passou a dedicar-se ao móbile
suspenso, igualmente metálico, com seus discos, hastes e fios pintados de
branco e preto ou cores primárias, meticulosamente coordenados e perfei­
tamente equilibrados, que se movimentam em ritmos temporais por impul­
sos do ar ou, ainda, por interferência do espectador. Autores como Marcel
Brion, Frank Popper e Jack Burnham já mencionavam todo um repertório
de objetos animados ou suscetíveis de animação, de procedência e natu­
reza as mais diversas, que podem ter sugerido a criação do móbile, como
bandeiras, estandartes, marionetes, bonecas, lâmpadas giratórias chine­
sas ou mesmo autômatos e, ao lado disso, o mundo botânico, de galhos e
folhagens. A sensação lúdica que provoca a invenção calderiana não deve
fazer esquecer que se trata de uma obra contagiada por valores dadaístas
e surrealistas, por meio de Hans Arp e, talvez principalmente, de Juan Miró,
na sequência da incidência que sofreu do construtivismo de Piet Mondrian.
Contemporaneamente à fase inicial dos móbiles de Calder, e inde­
pendentemente dessa concepção, em 1933, outro artista de importância
para a arte tecnológica, Bruno Munari, procedente do movimento futu­
rista, a que se filiara em 1927, criou as Máquinas inúteis, construções de

MAN RAV E SUA OBRA 08STRUCTION, EM 1964.

JA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA Â ARTE ELETRÔNICA 67


elementos geométricos proporcionais e articulados, de uma mobilidade
natural no espaço, que o integram à história do cinetismo40 .
Ainda em relação a Picabia e sobretudo a Duchamp (que cumpriu su­
cessivas estadas em Nova York), recorde-se a influência exercida por eles
na vanguarda americana da época, possuidora de forte vertente de artistas
de inspiração em motivos tecnológicos-mas não como negação e sátira
da máquina. É claro que devemos situar essa especificidade americana no
contexto maior de germinação do modernismo no país. Isso inclui a expe­
riência ganha pelos contatos com numerosos artistas da Europa (princi­
palmente de Paris41 ) e várias mostras internacionais nos Estados Unidos,
como Armory Show (1913), além da desenvoltura da ação aglutinadora exer­
cida pelo fotógrafo e marchand Alfred Stieglitz, pioneiro na divulgação da
nova arte fotográfica no país. Por fim e sobretudo, obviamente, o próprio
feeling da modernidade americana. Considere-se, no entanto, que nesse
período, que se estende pela década de 1920, alicerçou-se a contrapartida
do encantamento europeu pelos Estados Unidos, demonstrado nas rea­
ções de Picabia logo ao seu primeiro contato com Nova York, em 1913.
No ambiente desde logo propenso a transformações, Duchamp, além
de influenciar os rumos de Man Ray, trouxe motivações aos precisionistas, as­
sim como Picabia. Adotando assuntos industriais, acham-se, entre seus artis­
tas, Joseph Stella, Stuart Davis, Charles Demuth, Morton Livingston Scham­
berg, Gerald Murphy, Charles Sheeler, Niles Spencer e Georgia O'Keeffe. Por
serem "inteiramente românticos e idealistas" (HUNTER, 1959, p. 57), é verdade
que os modernistas americanos preferiram seguir uma conduta moderada,
não assumindo a postura exorcista dos anárquicos visitantes europeus, ou
ainda, segundo o historiador: "Talvez o sentimental apego dos americanos à
máquina como criadora do conforto material e seu otimismo básico no futuro
não lhes permitissem uma visão crítica da tecnologia" (ibidem, p. 59). Suas
representações pictóricas caracterizam-se, com efeito, pelo interesse na ob­
jetividade e pelo despojamento inerente às formas funcionais.
A determinação entre os dadaístas, na sua busca de liberação, de
mudar técnicas antigas da arte e introduzir novas, utilizando uma diversi­
dade de materiais, é aspecto densamente presente no meio alemão. Em
Hanover, Schwitters, precedido das colagens de Braque e Picasso, conce­
beu a obra Merzbilder (1919) e a série Coluna (1923). Max Ernst, em Colônia,
entre Dadá e Surrealismo, foi explorador versátil de processos técnicos de
incisiva incidência na sua fulgurante estética do fantástico em colagens,
fotomontagens e trabalhos de técnicas mistas, além do frottage, que inven­
tou (decalque obtido com a fricção de um lápis no papel posto sobre uma

40. Nota de Zanini: "[acima referência ao surrealismo. De Stijl, móbile, Mondrian ref. -?reti­
rar daqui para lugar do móbile depois, de cinética? Hulten cat;.68, autômatos, talvez deixar
aqui e dizer que se volta ao assunto mais adiante]". O empreendimento histórico e concei­
tuai que Zanini desenvolvia era amplo e se construía de forma rizomática. Aqui ele indica,
novamente, o catálogo da exposição "Arte italiana: Presenze 1900-45" (Milão: Bompiani,
1989), com curadoria de Pontus Hulten e Germano Celant. E aponta a dúvida de onde inserir
o capítulo de arte cinética, que pelo teor ainda muito inicial do texto, com muitas notas,
entrou posteriormente no projeto.
41. Sobre as relações artísticas entre Paris e Nova York, consultar Paris-New York 1908-68, ca­
tálogo republicado da exposição realizada no MNAM, Paris, 1977. Centre Pompidou, Gallimard,
Paris, 1991.

68 WALTER ZANINI
superfície de texturas em relevo). Os artistas que se reuniram no Club
Dada tinham o objetivo de relacionar seus procedimentos técnicos dire­
tamente às condições de vida da época, como afirmam no manifesto de
1918. A obra de Raoul Hausmann, artista plástico, escritor e poeta influen­
ciado pelo Futurismo e Cubismo, é a propósito um dos melhores exemplos
a apontar. Inventor da fotomontagem, realizador de colagens, greffages,
assemb!ages e gravuras, exprimiu igualmente valores pessoais na poesia
fonética e optofonética. Hausmann (1959, p. 41), em "Peinture Nouvelle et
Photomontage", de seu livro Courrier Dada, narra que começara a realizar
quadros com recortes de papel colorido, jornais e cartazes no verão de
1918. Foi, entretanto, em temporada na ilha de Usedom, no Mar Báltico, que
teve a ideia de empregar a nova técnica ao contemplar litografias coloridas
representando a imagem de um granadeiro sobre um fundo de caserna,
com o detalhe de, no lugar da cabeça do soldado, ter sido colocado seu
retrato fotográfico. Ainda em 1918, iniciou-se em Berlim nessa visão nova,
servindo-se de fotos de imprensa e de cinema, lembrando que:

tomado de um zelo renovador, precisava dar um nome a essa técnica(...)


de comum acordo com George Grosz, John Heartfield, Johannes Baader
e Hannah Hõch, decidimos chamá-la fotomontagem, que traduzia nossa
aversão ao fato de sermos tratados como artistas, pois, em verdade, nos
considerávamos engenheiros (de onde provinha a preferência que tínha­
mos pelos uniformes de trabalho, os overafls), e pretendíamos construir ou
montar nossos trabalhos.(HAUSMANN, op. cit., p. 42)

Segundo Hausmann, couberam sobretudo a Johannes Baader e


Hannah Hõch o emprego e a divulgação da nova técnica, enquanto George
Grosz e John Heartfield continuaram fiéis à colagem até 1920. Sem dúvida,
o amálgama surpreendente e tenso de fragmentos de imagem e textos im­
pressos sobre acontecimentos na ordem do dia, com a evidente participa­
ção do acaso, surgia como um novo Simultaneísmo de visão na herança do
Futurismo e do Cubismo.
Mais tarde, em conferência que pronunciou, em 1931, no Kunstge­
werbemuseum de Berlim, Hausmann fez várias observações sobre a foto­
montagem, relembrando ainda os conflitos pessoais em torno da priorida­
de da invenção- que envolvia John Heartfield e Max Ernst-, reivindicando
a sua precedência. Assinalou o contraste entre a fotomontagem voltada
para a atualidade e a pintura dos anos de guerra-o expressionismo pós-
-futurista que havia fracassado em razão de sua não objetividade e falta
de convicção. Para Hausmann:

Os dadaístas, tendo inventado o poema estático, simultâneo e puramente fo­


nético, aplicavam os mesmos princípios à expressão plástica. Foram os pri­
meiros a utilizar o material fotográfico para criar, com a ajuda de estruturas
formais diferenciadas, muitas vezes heteróclitas e de significado antagônico,
uma existência nova capaz de arrancar ao caos da guerra e da revolução uma
nova formulação ótica. Eles sabiam que um poder propagandístico se achava
incluso nesse método e que a vida contemporânea não demonstrava coragem
para o desenvolver e acolher. (Ibidem, p. 47)

DA ARTE ARTESANAL E MECÂNICA À ARTE ELETRÔNICA 69


Hausmann acrescentou que a fotomontagem, depois de seu momen­
to inicial, quando se apresentava como uma "explosão de pontos de vista
e um turbilhão de imagens( ...) indo além da pintura futurista em sua com­
plexidade", sofrera uma evolução que se poderia chamar de construtiva.
O autor ainda notava que, em consequência da sua utilização nas áreas
da propaganda e publicidade comercial, "a técnica da fotomontagem fora
bastante simplificada(...) afastando-se dos caprichos da primeira hora"
(HAUSMANN, 1959, p. 47), e dizendo-se confiante em seu futuro.
Assinale-se a importância da obra em fotomontagem de John Heart­
field na década de 1920 e início da de 1930, dirigida, em boa parte, para temas
políticos e de combate ao nazismo. Além de Max Ernst e outros artistas já
lembrados, acrescente-se o_nome de Richard Huelsenbeck nessa técnica. EI
Lissitzky introduziu-a na Rússia, segundo Hausmann, depois de ver os traba­
lhos de Huelsenbeck em Berlim, em 1922. Mencione-se também Paul Citroen,
pintor holandês, que pertencia ao Dadá e posteriormente desenvolveu uma
obra de fotomontagem com a Bauhaus na primeira metade dos anos 1920.
Para a diversificação das técnicas fotográficas no meio dadá de Zu­
rique, concorreu Christian Schad. Desde 1918, esse artista alemão, ativo
como gravador em madeira, valeu-se de uma técnica que inventou e tem o
seu nome-as schadogra{ias, arranjos de formas sobre uma superfície sen­
sível(placa ou papel) expostas a uma fonte de luz.
Acrescente-se o nome do pintor e compositor dodecafônico russo
Jef Golyscheff, cujas obra plástica e partituras musicais foram destruídas
pelo nazismo em 1933. Quando membro do Club Dada, de Berlim, realizara
"móbiles preparados com fios de aço e carretéis". Golyscheff fizera dese-
nhos mecânicos e se servira na época de "materiais contrastantes, como
latas de conserva, vidros, cabelos, rendados de papel, um espetáculo óti­
co inverossímel, inimaginável antes daquela data"42•
Herdeiro de Mallarmé, o meio de poetas dadaístas de Berlim conhe­
ceu amplo desenvolvimento com Hugo Bali, Hausmann, Arp e Schwitters­
incluindo-se a dimensão fonética, de projeções futuras. Em "Poême Phoné­
tique", no seu Courrier Dada, Hausmann explica a sua experiência poética no
mundo sonoro:

O poema optofonético e o poema fonético representavam os primeiros passos


em direção a uma poesia de perfeição não objetiva, abstrata, no que se distin­
gue (por exemplo) dos poemas de palavras novas, sobretudo onomatopeias
ordenadas em arranjo musical, de Hugo Bali. (HAUSMANN, 1959, p. 50)

Pesquisador da optofonia desde 1923, Hausmann inventou um apa­


relho optofônico, em 1927, com teclado e tubo de projeção que convertia a
música em formas caleidoscópicas, transformado, em 1932, em máquina
de calcular, funcionando por meios fotoelétricos43•

42. Depoimento do artista ao autor no verão de 1965, no Brasil, em São Paulo, onde residiu
por vários anos. Seus móbiles, assim como brinquedos e outros objetos, eram feitos em
material perecível. O nome de Golyscheff deve ser rememorado. Ele sofreu a destruição
generalizada de suas partituras e obras gráficas no período nazista. Ver catálogo de mostras
individuais realizadas no MAC-USP, em 1965 e 1975.
43. Como antes lembrado, Baranov-Rossiné fora autor, na Rússia, de outra realização no gênero.

70 WALTER ZANINI
KURT SCHWITTERS. MERZBAU, 1937.
A contribuição da Bauhaus
A aspiração de promover uma aproximação entre a arte e o mundo in­
dustrial estava no cerne da criação do ensino da Bauhaus, na Alemanha
(1919). Consoante aos princípios que remontam aos movimentos Arts and
Crafts e Deutscher Werkbund, influenciada pela concepção construtivista
do "laboratório de arte" de Tatlin e pelo movimento holandês De Stijl, do
qual participaram Mondrian, Van Doesburg, Van der Leck e o arquiteto
Rietveld, a escola fundada pelo arquiteto Walter Gropius dispunha de
condições teóricas e práticas para cumprir os objetivos de uma integra­
ção entre as artes, a arquitetura e o universo das artes aplicadas. Assu­
miu assim a Bauhaus uma atitude criadora coletivista, aproximadora das
separadas dimensões da arte e da vida, de acordo, portanto, com a ideo­
logia socialista-razão, porém, de suas dificuldades ante as reações na­
zistas. Inaugurada em Weimar, em 1919, transferida para Dessau em 1925,
seria fechada pelos nazistas em 1933, depois de instalada em Berlim no
ano anterior. Foi na Bauhaus que surgiu o conceito de design.
As investigações da luz-quer no sentido do teor das cores na pintura
dos grandes mestres da abstração, quer no uso da energia elétrica, difun­
dido desde o Futurismo-tiveram importância na Bauhaus. Diversificadas
personalidades participaram do corpo docente da escola, voltadas em geral
para a arte abstrata e concreta, como Paul Klee, Wassily Kandinsky e Oskar
Schlemmer, além de Laszlo Moholy-Nagy, Johannes ltten, Lyonel Feininger e
Josef Albers. Dentre eles, Moholy-Nagy foi dos mais influentes no caminho
seguido pela instituição. Precedido de conceitos futuristas e inspirado por
Tatlin, Malevitch e EI Lissitzky, o artista construtivista húngaro destinava-se a
ser um dos principais mestres de sua geração no desenvolvimento das ideias
plásticas pela apropriação das novas tecnologias. Para Moholy-Nagy, a pin­
tura e a escultura, transformadas pela luz e pelo movimento, mudavam a con­
dição de sua existência. Na escultura, empregou os materiais oriundos da
recente industrialização, como o acrílico, o galalite e o alumínio, criando pla­
nos geométricos diáfanos e dinâmicos, em uma via que inelutavelmente se
afirmará na desmaterialização do objeto artístico. O Modulador de luz-espaço,
construção de quase dois metros de altura que conciliava diferentes lâmi­
nas metálicas, desenvolvido entre 1922 e 1928, fazia movimentos giratórios
acionados por um mecanismo elétrico, produzindo efeitos luminosos que
eram projetados ao redor. Essa obra pôs Moholy-Nagy entre os fundado­
res da arte luminocinética. Seu inspirador, nesse aspecto, foi Malevitch.
A multiplicidade de suas atividades incluiu a fotografia (em 1922 ele reali­
zou fotogramas, contemporaneamente a Man Ray), novas técnicas tipográ­
ficas, filme experimental e cenários de ópera. Sua lucidez na compreensão
da arte da idade industrial projetou-se em toda a sua produção multiforme,
que incluiu a experiência que realizou em 1922, ao ordenar a uma indústria,
por telefone, a feitura de pinturas esmaltadas (MOHOLY-NAGY, 1947, p. 77).
A contribuição de Moholy está presente nos seus livros e textos,
assim como no importante incentivo que trouxe aos estudantes na Ale­
manha e posteriormente em Chicago, a partir de 1937, ao fundar a Nova
Bauhaus. Antevisões de Moholy-Nagy, como a do aproveitamento da luz
artificial em projetos abarcando espaços em grande escala, se tornariam
realidade em décadas posteriores.

72 WALTER ZANINI
Outro mestre da Bauhaus, o pintor e escultor Oskar Schlemmer, atuan­
do na área de teatro e coreografia, demonstrou uma possante motivação pela
arte em movimento, sobre a qual deixou reflexões e experiências inovadoras.
Schlemmer procurou unificar os diferentes aspectos da linguagem teatral, se­
gundo a filosofia de síntese da instituição. A inexequibilidade do seu projeto
prematuro de introduzir robôs suficientemente destros no Balé triádico (1922-
-23), um dos espetáculos que criou com música de Paul Hindemith, levou-o
à incumbência dada aos dançarinos (cujos trajes robotizados desenhou) de
simularem o comportamento do autarca ao moverem-se no palco de forma se­
melhante ao deslocamento das peças em um tabuleiro de xadrez. Como vimos
antes, o teatro de vanguarda russo precedera-o nesse propósito.
O tema do robô desenvolvia-se francamente naqueles anos por várias
formas, tanto nas letras como nas artes, entre teses a favor e contra a máqui­
na. Schlemmer mostrava-se escrupuloso em relação aos usos mecânicos na
arte, temendo a sua banalização, sendo reconhecida a qualidade do seu balé
no aproveitamento dos recursos paródicos que tinha em vista. Pelo seu inte­
resse no movimento real na arte, constitui-se num dos iniciadores do cinetis­
mo, assim como do que futuramente seria chamado de performance.

LÁSZLÓ MOHOLY-NAGY. MODULADOR DE LUZ-ESPAÇO, 1930.

73
OSKAR SCHLEMMER. BALÉ TRIÁDICO, 1926.
OSKAR SCHLEMMER. ESBOÇO PARA FIGURA EM
MOVIMENTO DE DANÇA, 1921.
Além de essencial na obra de Moholy-Nagy, a arte luminocinética,
dimensão maior do cinetismo das vanguardas, de grande difusão futu­
ra, manifestava-se com intensidade na área de teatro da Bauhaus, onde
também lecionavam Josef Hartwig, Kurt Schwerdtfeger e Ludwig Hirsch­
feld-Mack. Eles descobriram e desenvolveram uma nova forma de luz em
movimento. Hirschfeld-Mack descreveu como isso se deu:

Originalmente, havíamos planejado um espetáculo de sombra para um fes­


tival. Acidentalmente, quando substituíamos uma lâmpada de acetileno,
as sombras projetadas sobre uma tela de papéis transparentes duplica­
ram-se e, devido ao fato de as lâmpadas de acetileno serem de diferentes
cores, uma "fria" e outra "quente", ambas eram vistas simultaneamente.
De imediato, pensamos em aumentar seis vezes as fontes de luz e pôr vi­
dros coloridos diante delas. (SHARP, 1976, p. 322)

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