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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO LUIZ FUX, PRESIDENTE DO

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO – PSB NACIONAL,


partido político devidamente registrado perante o Tribunal Superior
Eleitoral e com representação no Congresso Nacional (Doc. 01), inscrito
no CNPJ sob o n. 01.421.697/0001-37, com sede nacional na SCLN 304,
Bloco A, Sobreloja 01, Entrada 63, Asa Norte, Brasília/DF, CEP no.
70.736-510, vem, por intermédio de seus advogados devidamente
constituídos (Doc. 02), respeitosamente à douta presença de Vossa
Excelência, com fulcro no art. 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição
Federal, e na Lei n. 9.868/1999, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE


com pedido de medida cautelar

em face da integralidade do Decreto n. 10.966/2022 e dos arts. 4º,


parágrafo único, e 39, § 2º, do Decreto n. 9.406/2018, incluídos pelo
Decreto 10.965/2022 (Doc. 03), a preverem medidas de incentivo ao
garimpo, especialmente na região amazônica, e o faz pelas razões de
fato e de direito a seguir aduzidas.

I. SÍNTESE DA DEMANDA.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem por


objeto a declaração de inconstitucionalidade dos seguintes atos:

(i) integralidade do Decreto n. 10.966/2022, que


institui “o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da
Mineração Artesanal e em Pequena Escala e a Comissão
Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração

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Artesanal e em Pequena Escala”, incentivando a prática
de garimpo ilegal.

(ii) arts. 4º, parágrafo único, e 39, § 2º, do Decreto n.


9.406/2018, incluídos pelo Decreto 10.965/2022,
que preveem o estabelecimento de critérios
simplificados para os processos de outorga de
empreendimentos de mineração pela Agência Nacional
de Mineração e criam hipótese de registro de
licenciamento tácito.

Em 11 de fevereiro, a Presidência da República editou os


Decretos n. 10.966/2022, por meio do qual instituiu o Programa de Apoio
ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-
Mape), cuja finalidade é propor políticas públicas e estimular a
“mineração artesanal e em pequena escala”, com foco na região da
Amazônia Legal.

O Decreto considera como “mineração artesanal e em


pequena escala” o que é mais comumente chamado de garimpo,
atividade de extração de minérios que, não obstante esteja prevista na
Lei n. 7.805/1999 e dependa da outorga de permissão do Poder Público,
é normalmente realizada de forma ilegal, inclusive em terras
indígenas e de preservação ambiental.

Por meio do Decreto, ainda se criou a Comissão


Interministerial para o Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em
Pequena Escala (Comape), colegiado coordenado pelo Ministério de Minas
e Energia incumbido da definição de diretrizes, do acompanhamento das
ações do programa e da atuação como instância opinativa em assuntos
relacionados à mineração.

Eis o inteiro teor do Decreto n. 10.966/2022:

Art. 1º Fica instituído o Programa de Apoio ao


Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena
Escala - Pró-Mape, com a finalidade de propor políticas
públicas e estimular o desenvolvimento da mineração
artesanal e em pequena escala, com vistas ao
desenvolvimento sustentável regional e nacional.
Art. 2º São princípios do Programa Pró-Mape:
I - a abordagem multidisciplinar que vise à integração de
fatores e processos que considerem a estrutura e a dinâmica
socioeconômica e ambiental e os valores histórico-evolutivos
do setor da mineração artesanal e em pequena escala; e
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II - a visão sistêmica que propicie a análise de causa e efeito
e permita estabelecer as relações de interdependência entre
as questões socioeconômicas e ambientais do setor da
mineração artesanal e em pequena escala.
Art. 3º São objetivos do Programa Pró-Mape:
I - integrar e fortalecer as políticas setoriais, sociais,
econômicas e ambientais para o desenvolvimento da
atividade da mineração artesanal e em pequena escala no
território nacional;
II - estimular as melhores práticas, a formalização da
atividade e a promoção da saúde, da assistência e da
dignidade das pessoas envolvidas com a mineração artesanal
e em pequena escala; e
III - promover a sinergia entre as partes interessadas e
envolvidas na cadeia produtiva do bem mineral.
Art. 4º São consideradas mineração artesanal e em pequena
escala as atividades de extração de substâncias minerais
garimpáveis, desenvolvidas na forma da Lei nº 7.805, de 18
de julho de 1989.
Art. 5º Fica instituída a Comissão Interministerial para o
Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena
Escala - Comape.
Art. 6º Compete à Comape:
I - definir diretrizes para a atuação coordenada dos órgãos da
administração pública federal, com vistas à execução do Pró-
Mape;
II - orientar e coordenar ações para o fortalecimento das
políticas públicas de que tratam os incisos I e II do caput do
art. 3º;
III - acompanhar a implementação de políticas públicas
relacionadas com a mineração artesanal e em pequena
escala;
IV - priorizar ações para a implementação das políticas
públicas relacionadas com a mineração artesanal e em
pequena escala, de forma a atender a situações que exijam
providências especiais ou de caráter emergencial; e
V - opinar, quando provocado pelo Presidente da República
ou por quaisquer de seus membros, sobre propostas de atos
normativos do Poder Executivo federal relacionados com a
mineração artesanal e em pequena escala.
Art. 7º A Comape é composta por representantes dos
seguintes órgãos:
I - Ministério de Minas e Energia, que a coordenará;
II - Casa Civil da Presidência da República;
III - Ministério da Cidadania;
IV - Ministério da Justiça e da Segurança Pública;
V - Ministério do Meio Ambiente; e
VI - Ministério da Saúde.
§ 1º Cada membro da Comape terá um suplente, que o
substituirá em suas ausências e seus impedimentos.
§ 2º Os membros titulares da Comape deverão ser ocupantes
de cargo de Natureza Especial e os respectivos suplentes
deverão ser ocupantes de Cargo Comissionado Executivo -
CCE de nível 15 ou superior ou equivalente.

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§ 3º Os membros da Comape e os respectivos suplentes serão
indicados pelos titulares dos órgãos que representam e
designados em ato do Ministro de Estado de Minas e Energia.
§ 4º Poderão ser convidados representantes de entidades
públicas ou de outras instituições para participar das
reuniões, sem direito a voto, ou dos trabalhos a serem
desenvolvidos no âmbito da Comape.
Art. 8º A Comape se reunirá, em caráter ordinário,
semestralmente e, em caráter extraordinário, mediante
requerimento de um dos membros, referendado pela maioria
absoluta.
§ 1º O quórum de reunião da Comape é de maioria absoluta
e o quórum de aprovação é de maioria simples.
§ 2º Na hipótese de empate, além do voto ordinário, o
Coordenador da Comape terá o voto de qualidade.
§ 3º O regimento interno será aprovado pela maioria absoluta
dos membros da Comape, no prazo de noventa dias, contado
da publicação deste Decreto.
Art. 9º A Comape poderá instituir subcomissões e grupos de
trabalhos técnicos com o objetivo de auxiliarem na sua
atuação.
Parágrafo único. As subcomissões e os grupos de trabalhos
técnicos:
I - serão instituídos e compostos na forma de ato da Comape;
II - serão compostos por, no máximo, cinco membros;
III - terão caráter temporário e duração não superior a um
ano; e
IV - estarão limitados a, no máximo, três em operação
simultânea.
Art. 10. A Amazônia Legal será a região prioritária para o
desenvolvimento dos trabalhos da Comape.
Art. 11. Os órgãos da administração pública federal, direta e
indireta, incluídas as empresas públicas e as sociedades de
economia mista, prestarão, quando solicitado pela Comape,
o apoio técnico necessário à consecução dos seus objetivos.
Art. 12. A Secretaria-Executiva da Comape será exercida pelo
Ministério de Minas e Energia.
Art. 13. A participação na Comape será considerada
prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Art. 14. Os membros da Comape que se encontrarem no
Distrito Federal se reunirão presencialmente ou por
videoconferência, nos termos do disposto no Decreto nº
10.416, de 7 de julho de 2020, e os membros que se
encontrarem em outros entes federativos participarão da
reunião por meio de videoconferência.
Art. 15. Este Decreto entra em vigor na data de sua
publicação.

A publicação do Decreto foi recebida com enorme


preocupação por especialistas e entidades voltadas à proteção do meio
ambiente e de povos tradicionais, que apontam para o indevido
incentivo ao garimpo — prática altamente danosa ao meio ambiente

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— e para o declarado intuito de “formalização” de atividades ilegais
atualmente em curso.

Segundo nota do Greenpeace Brasil, “além de incentivar mais


desmatamento, grilagem e garimpos ilegais, agora o governo busca formas
de legalizar esses crimes e avança com medidas que liberam mais
destruição e contaminação ambiental, principalmente na Amazônia"1.

Também de acordo com Ane Alencar, presidente do Instituto


de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), “não há garimpo artesanal
na Amazônia, mas sim garimpo predatório, com uso descontrolado de
mercúrio e grandes impactos ambientais e à saúde da população de toda
a Amazônia. É preocupante que Bolsonaro pretenda facilitar o garimpo em
um bioma já ameaçado por atividades ilegais”2.

Os especialistas destacam que o garimpo não é, por


natureza, uma prática sustentável. Isso porque se consubstancia na
extração de bens não renováveis e tem repercussões socioambientais
extremamente negativas, sendo preciso desmatar imensas áreas de
vegetação e utilizar, no processo da extração de minérios, substâncias
tóxicas e poluentes que afetam o ecossistema, as populações que vivem
nos arredores das áreas mineradas e os próprios trabalhadores.

Em conjunto com o Decreto n. 10.966, a Presidência da


República editou o Decreto n. 10.965/2022, que modificou diversos
atos normativos em matéria de mineração.

Entre as alterações, destaca-se a inclusão do parágrafo único


ao art. 4º do Decreto n. 9.406, de 12 de junho de 2018, que estipula que
a Agência Nacional de Mineração deve estabelecer critérios
simplificados para análise de atos processuais e procedimentos de
outorga, principalmente no caso de empreendimentos de pequeno
porte ou de aproveitamento de substâncias minerais específicas.
Confira-se:

Art. 4º Compete à Agência Nacional de Mineração - ANM


observar e implementar as orientações, as diretrizes e as
políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia e

1
Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/14/decreto-
que-estimula-mineracao-artesanal-visa-legalizar-garimpo-apontam-
ambientalistas.ghtml
2
Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/14/decreto-
que-estimula-mineracao-artesanal-visa-legalizar-garimpo-apontam-
ambientalistas.ghtml
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executar o disposto no Decreto-Lei nº 227, de 1967 – Código
de Mineração, e nas normas complementares.

Parágrafo único. A ANM estabelecerá critérios simplificados


para análise de atos processuais e procedimentos de outorga,
principalmente no caso de empreendimentos de pequeno
porte ou de aproveitamento das substâncias minerais de que
trata o art. 1º da Lei nº 6.567, de 1978.

Também foram acrescidos parágrafos ao art. 39 do Decreto


9.406/2018, estabelecendo o parágrafo segundo que, uma vez
transcorrido o prazo de sessentas dias, será considerado efetivado
tacitamente o registro de licenciamento para aproveitamento de
recursos minerais, ainda que sem manifestação da ANM. Veja-se:

Art. 39. O aproveitamento de recursos minerais sob o regime


de licenciamento obedecerá ao disposto na Lei nº 6.567, de
1978, e em Resolução da ANM.
§ 1º A efetivação do registro de licenciamento pela ANM em
área livre, desde que devidamente instruído em conformidade
com os procedimentos e os requisitos estabelecidos em
Resolução da ANM, será concluída no prazo de sessenta dias,
contado da data de apresentação da licença ambiental
competente.
§ 2º Encerrado o prazo de que trata o § 1º sem que a ANM
tenha se manifestado, desde que cumpridos os requisitos
de que trata o referido parágrafo, serão produzidos os
efeitos da efetivação do registro.
§ 3º O disposto no § 2º não dispensará a efetivação do registro
pela ANM e não impedirá que a ANM faça exigências para
adequação ao plano de lavra em momento posterior.

Observa-se que a simplificação dos processos de autorização


e o registro tácito de licenciamento flexibilizam e facilitam a
formalização de empreendimentos de garimpo — atividade que,
justamente por trazer tantos impactos socioambientais negativos, deveria
ter sua fiscalização e acompanhamento intensificados por parte das
autoridades competentes.

Tal afrouxamento das regras pode impedir a detecção de


diversas ilegalidades que envolvem o processo de mineração, dentro de
toda a sua complexidade, como aquelas envolvendo extração de minérios
em terras indígenas, em unidades de conservação ou fora de limites
geográficos autorizados, títulos fantasmas, ausência de informação sobre
os títulos de origem e exportação sem registros da produção oficial.

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Assim, são verdadeiramente temerárias as medidas adotadas
pelo Governo Federal no sentido de incentivar o garimpo, sobretudo na
Amazônia Legal, região que nos últimos anos tem experimentado a
intensificação do desmatamento e outros efeitos da mineração
ilegal, um dos problemas mais graves que aflige a região.

Percebe-se que, ao editar os Decretos impugnados e instituir


política de incentivo ao garimpo, a Presidência da República inovou no
ordenamento jurídico, imiscuindo-se na disciplina pertinente aos
recursos minerais reservada, por meio do devido processo legislativo, ao
Congresso Nacional. Por conseguinte, são flagrantes a exorbitação das
competências executivas previstas no art. 84, IV, e VI, “a”, da CF, e a
violação aos princípios da reserva legal (art. 22, XII, CF), da legalidade
(art. 5º, II, CF) e da separação dos poderes (art. 2º, CF).

A disciplina dos Decretos é totalmente incompatível com o


sistema de proteção constitucional ao meio ambiente, na medida em que
busca formalizar e incentivar práticas ilegais. O irresponsável estímulo
ao garimpo encontra obstáculo nos comprovados desgastes aos
ecossistemas e às populações nos arredores das áreas de mineração,
sendo patentes as violações ao princípio da defesa do meio ambiente,
ao direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e ao princípio
da vedação ao retrocesso ambiental (arts. 170, VI, 225, caput e § 1º,
IV, CF).

Nesse contexto, imperiosa a propositura da presente ação


direta, a fim de ver reconhecida a inconstitucionalidade dos atos
impugnados, conforme se passa a demonstrar.

II. DA LEGITIMIDADE ATIVA.

Conforme dispõem o art. 103, VIII, da Constituição Federal e


o art. 2º, VIII, da Lei n. 9.868/1999, os partidos políticos que possuem
representação no Congresso Nacional podem propor ação direta de
inconstitucionalidade, como é o caso do Partido Socialista Brasileiro –
PSB (Doc. 01).

Segundo a jurisprudência desta e. Corte, a legitimidade ativa


de agremiação partidária com representação no Congresso Nacional “não
sofre as restrições decorrentes da exigência jurisprudencial relativa ao
vínculo de pertinência temática nas ações diretas” (ADI no 1.407-MC, Rel.
Min. Celso de Mello, Plenário, DJ 24.11.2000).

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Quer-se dizer, portanto, que os partidos políticos possuem a
denominada legitimidade ativa universal para provocação do controle
abstrato de constitucionalidade, de modo que resta clara a legitimidade
do Partido Socialista Brasileiro para o ajuizamento da presente ação.

III. DO CABIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE


INCONSTITUCIONALIDADE.

A ação direta de inconstitucionalidade, prevista no art. 102,


inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, tem por objeto a declaração
de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual que
viole diretamente a Constituição.

Os Decretos impugnados, a pretexto de disporem sobre a


organização e o funcionamento da administração federal e
regulamentarem a legislação pertinente à exploração de recursos
minerais, representam atos normativos autônomos, aptos a serem
impugnados na presente demanda.

Isso porque inovam no ordenamento jurídico em matéria


de recursos minerais, reservada ao Congresso Nacional conforme o art.
22, XII da CF.

Por esse motivo, a violação ao texto constitucional ora


suscitada é direta, independente do juízo de ilegalidade, haja vista que
os Decretos impugnados assumem perfis autônomo, por exorbitar a
competência regulamentar, prevista no art. 84, IV da Constituição.

Diante de hipóteses análogas — decreto pretensamente


regulamentar que ultrapassa os limites da legislação — o Plenário deste
e. STF autoriza a impugnação mediante ação direta de
inconstitucionalidade, veja-se:

Referendo de medida cautelar em ação direta de


inconstitucionalidade. Decreto nº 10.502, de 30 de setembro
de 2020. Política Nacional de Educação Especial: Equitativa,
Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Ato
normativo que inova no ordenamento jurídico. Densidade
normativa a justificar o controle abstrato de
constitucionalidade. Cabimento. Artigo 208, inciso III, da
Constituição Federal e Convenção Internacional sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência. Educação inclusiva
como paradigma constitucional. Inobservância. Medida
cautelar deferida referendada. 1. O Decreto nº 10.502/2020
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inova no ordenamento jurídico. Seu texto não se limita a
pormenorizar os termos da lei regulamentada (Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional), promovendo a
introdução de uma nova política educacional nacional,
com o estabelecimento de institutos, serviços e
obrigações que, até então, não estavam inseridos na
disciplina educacional do país, sendo dotado de
densidade normativa a justificar o cabimento da presente
ação direta de inconstitucionalidade. Precedentes: ADI nº
3.239/DF, Rel. Min. Cezar Peluso, Rel. p/ o ac. Min. Rosa
Weber, Tribunal Pleno, DJe de 1º/2/2019; ADI nº
4.152/SP, Rel. Min. Cezar Peluzo, Tribunal Pleno, DJe de
21/9/2011; ADI nº 2.155/PR-MC, Rel. Min. Sydney
Sanches, Tribunal Pleno, DJ de 1º/6/2001. [...] 4. A
Política Nacional de Educação Especial questionada
contraria o paradigma da educação inclusiva, por claramente
retirar a ênfase da matrícula no ensino regular, passando a
apresentar esse último como mera alternativa dentro do
sistema de educação especial. Desse modo, o Decreto nº
10.502/2020 pode vir a fundamentar políticas públicas que
fragilizam o imperativo da inclusão de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação na rede regular de ensino. 5.
Medida cautelar referendada. (ADI 6590 MC-Ref, Rel. Min.
Dias Toffoli, j. 21.12.2020, p. 12.02.2021)

Assim, a presente ação atende o requisito do art. 102, I,


alínea “a” da Constituição, razão pela qual se permite o controle abstrato
de constitucionalidade nesta Suprema Corte.

Na eventualidade de se entender que os atos objeto da


presente ação deveriam ser impugnados pela via da arguição de
descumprimento de preceito fundamental, prevista no art. 102, III, §1º
da Constituição, requer-se seja a presente recebida como ADPF, em
virtude do princípio da fungibilidade, conforme entendimento pacífico
deste STF3.

É inegável que o princípio da legalidade, o direito


fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio
da vedação ao retrocesso constituem elementos fundantes do Estado
Democrático de Direito, de modo que são considerados preceitos
fundamentais para o efeito do controle objetivo de constitucionalidade.

Além disso, caso não se conclua pelo cabimento de ação


direta de inconstitucionalidade, restará na ADPF o único meio apto a
sanar de forma eficaz e definitiva a lesividade aos direitos fundamentais

3 STF, ADI 4163, Relator Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 01.03.2013.
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elencados na presente demanda, atendendo-se, assim, ao requisito da
subsidiariedade.

Assim, evidenciado o pleno cabimento da presente demanda,


passa-se as razões que levam à sua procedência.

IV. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DOS ATOS IMPUGNADOS.

IV.1. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO AVANÇO DA MINERAÇÃO


NO BRASIL.

Antes de demonstrar especificamente as


inconstitucionalidades dos atos impugnados, são necessárias breves
considerações sobre a recente ampliação da mineração no Brasil,
sobretudo em áreas ambientalmente sensíveis, a revelar verdadeira
estratégia governamental de incentivo ao garimpo ilegal.

A mineração, por si só, é uma atividade econômica que


sabidamente gera grandes impactos ambientais, implicando a
degradação de paisagens naturais, o desmatamento para a retirada da
cobertura vegetal, a poluição e a contaminação de recursos hídricos e do
solo, a alteração da qualidade do ar, a redução da biodiversidade e a
produção de rejeitos.

Nesse sentido, a especialização e o avanço da mineração


afetam fortemente as comunidades que residem nos arredores das áreas
mineradas, além de ameaçarem produções que dependem da utilização
de recursos naturais locais, como a agricultura, a pesca e o turismo.

É importante, assim, ter em vista que a mineração, apesar


de atividade econômica relevante, deve se submeter a parâmetros
rígidos de controle e fiscalização.

Basta citar os recentes e lamentáveis rompimentos de


barragens nas cidades de Mariana e Brumadinho para que fique clara a
necessidade de intensificação de mecanismos de prevenção de danos
socioambientais no que se refere ao desenvolvimento dessa atividade
econômica, que vem ganhando tanta força nos últimos anos.

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Com efeito, segundo levantamento do MapBiomas publicado
em agosto de 2021, a área minerada no Brasil registrou um aumento de
564% nos últimos 35 anos, totalizando 206 mil hectares em 20204.

Nessa linha, o estudou alertou para o ritmo intenso de


crescimento do garimpo — atividade artesanal e de pequeno porte que
opera, em sua maioria, na ilegalidade ou com insuficiente fiscalização —
cuja taxa de expansão se quadriplicou a partir de 20105, atingindo uma
área ocupada de 107,8 mil hectares, superior à ocupada pela mineração
industrial, em 98,3 mil hectares

Apesar de se sujeitar a exigências menos rígidas em


comparação com a mineração industrial, sobretudo no que se refere a
trabalhos de pesquisa prévia, é certo que o garimpo se submete, no
mínimo, ao regime de permissão de lavra garimpeira, na forma da Lei n.
7.805/1999, dependendo, portanto, de aval do Poder Público.

Ocorre que, apesar de não ser uma atividade


necessariamente ilícita, o garimpo é normalmente realizado sem a
autorização das autoridades competentes, ou seja, de forma ilegal,
ocupando inclusive áreas de território indígenas e unidades de
conservação ambiental. Ainda segundo o estudo do MapBiomas, entre
2010 e 2020, a área ocupada por garimpos cresceu 495% em terras
indígenas e 301% em unidades de conservação6.

Também se sabe que a Amazônia é o bioma mais ocupado


no país pela mineração, concentrando 49,2% da área ocupada por
mineração e 93,7% da área ocupada pelo garimpo7. Em 2020, a área
minerada por garimpos chegou a 101,1 mil hectares na Amazônia8.

4
Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/08/30/area-ocupada-
por-mineracao-no-brasil-cresceu-mais-de-564percent-em-tres-decadas-e-meia-
aponta-levantamento.ghtml
5
Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/08/30/area-ocupada-
por-mineracao-no-brasil-cresceu-mais-de-564percent-em-tres-decadas-e-meia-
aponta-levantamento.ghtml
6
Disponível em: https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/area-de-mineracao-
cresce-mais-de-6-vezes-e-avanca-sobre-terras-indigenas/
7
Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2021/08/30/area-ocupada-
por-mineracao-no-brasil-cresceu-mais-de-564percent-em-tres-decadas-e-meia-
aponta-levantamento.ghtml
8
Disponível em: https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/governo-lanca-
programa-para-estimular-o-garimpo-na-amazonia/
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11
No final de 2021, destacaram-se no noticiário nacional as
imagens do “paredão” de cerca de 600 barcas de garimpeiros
instaladas ilegalmente no Rio Madeira, na Amazônia9:

Imagem: Poder 360

Pesquisas científicas evidenciam a contaminação da água,


do solo e do ar em regiões amazônicas pelo mercúrio, utilizado na
extração do ouro, o que impacta também a saúde das comunidades
ribeirinhas e indígenas cuja alimentação tem como fonte peixes e outros
animais encontrados nos rios. Constata-se um alto nível de mercúrio no
organismo de animais e de moradores de locais próximos a garimpos na
Amazônia, associado a diversos problemas neurológicos10.

Recentemente, laudo da Polícia Federal concluiu que a


mudança na coloração do rio Tapajós, em Alter do Chão/PA – ponto
turístico conhecido como “Caribe Amazônico” – foi causada pelo
garimpo ilegal e pelo desmatamento na região. Comparando imagens
de satélite de julho de 2021 a janeiro de 2022, os peritos identificaram
“aumento drástico” na quantidade de sedimentos nas águas, que

9
Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/garimpo-no-rio-madeira-
quantidade-impressiona-mas-pratica-e-comum-na-regiao/
10
Disponível em: https://www.poder360.com.br/meio-ambiente/mineracao-pode-
resultar-em-catastrofe-dizem-pesquisadores/
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12
adquiriram coloração turva. Estima-se que garimpeiros tenham
despejado cerca de 7 toneladas de rejeitos no Tapajós11.

Também é grave o quadro no que se refere aos conflitos


compreendendo o setor mineral brasileiro, conforme aponta o Mapa dos
Conflitos da Mineração no Brasil 2020. O levantamento, realizado pelo
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, tem por
objetivo visibilizar, sistematizar e monitorar as violações de direitos
cometidas nos meios urbano e rural envolvendo empresas mineradoras e
de transformação mineral nacionais e internacionais, assim como
garimpos legais e ilegais.

O Mapa identificou 823 ocorrências de conflito em 2020,


envolvendo ao menos 1.088.012 pessoas. As extrações ilegais de
minérios, em particular os garimpos, provocaram 149 ocorrências em
19 estados, com destaque para o Pará (42,2%), Mato Grosso (12,7%) e
Minas Gerais (8,0%). Segundo a pesquisa, a população indígena foi o
grupo mais afetado por essa atividade, em 31 localidades (23,8%) e com
49 ocorrências (32,8%)12.

Ainda segundo o levantamento, as categorias que mais foram


atingidas pela mineração foram: “Pequenos proprietários rurais” (14,8%),
“Trabalhadores” (12,2%), “Ribeirinhos” (10%) e “Indígenas” (9,7%). Ao
menos 112.718 indígenas estavam envolvidos em conflitos, sendo 58,7%
deles com garimpeiros. Os quilombolas, por sua vez, sofreram violações
em 43 conflitos e 47 ocorrências, envolvendo ao menos 20.800 pessoas
desse grupo.

Também foram identificados diversos episódios de violência


extrema, com 144 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão,
5 ocorrências de ameaça de morte, 3 assassinatos, 27 mortes de
trabalhadores e 26 ocorrências de remoções envolvendo 57.662 pessoas.

Ainda, investigação realizada pela agência de notícias


Mongabay constatou que empreendimentos de mineração e garimpo que
haviam sido alvo de operações de resgate de dezenas de trabalhadores
em condições análogas à escravidão em 2018 e 2020 conseguiram

11
Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2022/02/17/garimpo-e-
desmatamento-causaram-mudanca-de-cor-de-agua-de-rio-em-alter-do-chao-diz-
pf.ghtml
12
Disponível em: http://emdefesadosterritorios.org/mapa-de-conflitos-da-mineracao-
revela-722-casos-e-823-ocorre%CC%82ncias-em-2020-envolvendo-ao-menos-1-088-
012-pessoas-no-brasil/
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13
obter aprovação de requerimentos minerários na ANM13, o que expõe a
fragilidade da fiscalização e da proteção aos trabalhadores do setor.

Por fim, vale citar como exemplo os conflitos na Terra


Yanomami, maior reserva indígena do Brasil, que têm se estendido ao
longo dos anos com a invasão por garimpeiros de terras indígenas
protegidas para a extração ilegal de ouro. Segundo a Hutukara
Associação Yanomami, em setembro de 2021, havia mais de 20 mil
garimpeiros no local e a área de floresta destruída pelo garimpo ilegal
superou a marca de 3 mil hectares, o que representou um aumento de
44% em relação ao ano anterior14.

Percebe-se que a mineração no Brasil é um assunto de


profundo impacto, que deve ser pensado sob a ótica das populações
envolvidas, inclusive povos tradicionais, e levando em conta os diversos
fatores de risco, como a destruição de biomas.

A discussão sobre o garimpo no Brasil, ao contrário do que


faz crer o Governo Federal com a edição dos dois Decretos ora
impugnados, não pode se limitar à simplista perspectiva de atração de
investimentos, geração de empregos e desburocratização.

Na verdade, por ser uma atividade geralmente desenvolvida


de forma ilegal — de efeitos tão nocivos e em razão da qual o Brasil já
vem enfrentando comprovados problemas socioambientais — é evidente
que o Poder Público deveria estar se empenhando na intensificação de
mecanismos de controle e fiscalização, de modo a combater as ilicitudes
e aperfeiçoar o setor.

Todavia, o que se verifica na prática é uma política de


desmonte ambiental e incentivo ao garimpo e à mineração ilegais
orquestrada de maneira sistemática e capilarizada pelo Governo Federal,
sendo os dois Decretos impugnados apenas amostras desse desígnio.

A título de exemplo, em 05.12.2021, noticiou-se que o


Ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto
Heleno, na condição de representante do Conselho de Defesa Nacional,
assinou sete atos de assentimento prévio para pesquisa e prospecção
de ouro por garimpeiros e empresas com registros de infrações

13
Disponível em: https://brasil.mongabay.com/2021/02/trabalho-escravo-em-
garimpos-expoe-redes-criminosas-na-amazonia/
14
Disponível em: https://www.poder360.com.br/brasil/garimpo-ilegal-dispara-em-
terra-indigena-yanomami-onde-duas-criancas-morreram/
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14
ambientais, justamente em região da Amazônia que concentra terras
indígenas e unidades de conservação ambiental15.

A constitucionalidade de tais atos é alvo de questionamento


perante este e. Tribunal, por meio das ADPFs n. 921 e 924, sob a relatoria
do Ministro Nunes Marques.

A citada ADPF n. 921 também impugna o art. 2º, § 2º da


Resolução n. 22, de 30 de janeiro de 2020, da ANM, que prevê que o não
cumprimento dos prazos para manifestação da ANM sobre requerimento
de liberação de atividade econômica implicará aprovação tácita.

Também se sabe que, em 09.03.2021, o Congresso Nacional


aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei n.
191/2020, proposto pelo Executivo, que regulamenta a exploração de
recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas.

Embora se proponha a regulamentar os arts. 176, § 1º, e 231,


§ 3º, da Constituição — que preveem o estabelecimento legal de condições
específicas para a lavra de minerais em terras indígenas — o projeto
mostra-se inadequado para este fim, não tendo sequer sido submetido ao
debate pela sociedade, especialmente pelas comunidades indígenas.

É o que destacam as principais mineradoras do país que,


por meio do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), posicionaram-se
contra a aprovação do projeto16, afirmando que “Uma vez que a
mineração em terras indígenas está inscrita na Constituição Federal,
artigos 176 e 231, a sua regulamentação precisa ser amplamente debatida
pela sociedade brasileira, especialmente pelos próprios povos indígenas,
respeitando seus direitos constitucionais, e pelo parlamento brasileiro”.

É evidente portanto, que os atos ora impugnados não são


medidas isoladas. Integram e ampliam, em verdade, política de incentivo
ao garimpo e à exploração de minérios às margens de preceitos
constitucionais, como se verá a seguir.

15
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2021/12/empresas-
autuadas-pelo-ibama-e-garimpeiros-com-dragas-se-beneficiam-de-atos-do-
governo.shtml
16
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/mineradoras-sao-
contra-projeto-de-bolsonaro-sobre-mineracao-em-terras-indigenas.shtml

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15
IV.2. EXORBITAÇÃO DE COMPETÊNCIAS EXECUTIVAS (ART. 84, IV
E VI, “A”). VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL (ART.
22, XII, DA CF), DA LEGALIDADE (ART. 5º, II DA CF) E DA
SEPARAÇÃO DOS PODERES (ART. 2º DA CF).

Inicialmente, cabe destacar que há uma tendência temerária


do atual Governo Federal em redigir atos normativos de teor genérico
para tratar de políticas públicas complexas e multisetoriais, criando-
se uma falsa percepção de legalidade e juridicidade.

No entanto, análise mais atenta dos atos ora impugnados,


sob o prisma dos direitos e garantias constitucionais e da tutela de bens
jurídicos essenciais à sociedade, não deixa dúvidas sobre o caráter nocivo
da estrutura normativa que tem sido construída e da exacerbação, pela
Presidência da República, de suas competências regulamentares.

O Decreto n. 10.966/2022 foi editado pelo Presidente da


República sob a justificativa da necessidade de promoção de “boas
práticas” e “desenvolvimento sustentável” para as atividades de extração
de substâncias minerais garimpáveis, por serem “fonte de riqueza e renda
para uma população de centenas de milhares de pessoas”17.

Nessa linha, o ato presidencial deu origem ao Pró-Mape,


programa cujo objetivo seria propor políticas públicas e estimular o
“desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala”, e
à Comape, a comissão interministerial coordenada pelo Ministério de
Minas e Energia que deverá orientar as ações do programa.

Um dos objetivos declarados do Pró-Mape, conforme disposto


do art. 3º, inciso II, do Decreto consiste na “formalização” da mineração
artesanal e em pequena escala. Em seguida, o art. 4º define que
“mineração artesanal e em pequena escala” como “as atividades de
extração de substâncias minerais garimpáveis, desenvolvidas na forma da
Lei n. 7.805, de 18 de julho de 1989”.

Conforme já ressaltado, ao falar em “mineração artesanal


e em pequena escala”, o Decreto refere-se, na verdade, ao garimpo,
o qual, apesar de ter previsão na Lei n. 7.805/1989, a tratar do regime
de permissão de lavra garimpeira, é geralmente desenvolvido de forma
ilegal.

17Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/decreto-institui-


programa-para-o-setor-de-mineracao-artesanal-e-em-pequena-escala
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16
A Lei n. 7.805/1989 submete o garimpo a regime de
permissão outorgada por autoridade administrativa local, condicionada
ao cumprimento de requisitos de natureza, dimensão, localização e
utilização econômica específicos e à obtenção de prévio licenciamento
ambiental. O art. 10 do Diploma define a garimpagem nos seguintes
termos:

Art. 10. Considera-se garimpagem a atividade de


aproveitamento de substâncias minerais garimpáveis,
executadas no interior de áreas estabelecidas para este
fim, exercida por brasileiro, cooperativa de garimpeiros,
autorizada a funcionar como empresa de mineração, sob o
regime de permissão de lavra garimpeira.
§ 1º São considerados minerais garimpáveis o ouro, o
diamante, a cassiterita, a columbita, a tantalita e
wolframita, nas formas aluvionar, eluvionar e coluvial; a
sheelita, as demais gemas, o rutilo, o quartzo, o berilo, a
muscovita, o espodumênio, a lepidolita, o feldspato, a mica
e outros, em tipos de ocorrência que vierem a ser
indicados, a critério do Departamento Nacional de
Produção Mineral - DNPM.
§ 2º O local em que ocorre a extração de minerais
garimpáveis, na forma deste artigo, será genericamente
denominado garimpo.

Veja-se que não há, na Lei n. 7.805/1989, qualquer


referência a um conceito de “mineração artesanal e em pequena escala”,
nomenclatura que o Governo Federal passa a adotar por meio do Decreto,
buscando dar a impressão de que o garimpo é uma atividade
desenvolvida de forma rudimentar, quando na verdade há uma grande
estrutura empresarial que dá suporte à prática.

Assim, ao criar um programa e uma comissão voltados para


o incentivo à formalização de tais empreendimentos — mediante simples
mudança de nomenclatura entre garimpo e “mineração artesanal” —, o
Governo Federal, em verdade, sinaliza para a regularização de
atividades de garimpo desenvolvidas às margens da lei.

Com efeito, diversos especialistas e ambientalistas


observaram que tratar garimpo como mineração artesanal consiste em
um “eufemismo”, e que o objetivo do Decreto é estimular uma prática
em geral ilícita18.

18
Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sustentabilidade/decreto-de-
bolsonaro-muda-nome-de-garimpo-para-mineracao-artesanal/
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17
A respeito do Decreto 10.966/2022, o Instituto Escolhas,
associação civil de pesquisa em sustentabilidade, afirma que “a forma do
governo Jair Bolsonaro acabar com a legalidade na Amazônia é pegar a
atividade ilegal e, na caneta, dizer que ela é legal”19. Para a
entidade, a edição do ato normativo "significa que os garimpos que operam
de forma ilegal terão um arcabouço institucional para seu funcionamento.
Ou seja, ao invés de fiscalizar e por fim aos garimpos ilegais, o governo
está abrindo um espaço institucional para que essas atividades se tornem
legais"20.

O Greenpeace destaca que o aceno à regularização do


garimpo provocará uma corrida ilegal por ouro na Amazônia. Segundo
Danicley Aguiar, porta-voz da entidade, "o sujeito que estava pensando
em investir no garimpo, mas tinha medo da PF ou do Ibama, vai colocar
dinheiro porque pensa que Bolsonaro vai legalizar. O impacto é muito mais
político-psicológico. Ele vai estimular uma onda, uma corrida ao ouro ilegal,
estimular que novos garimpos sejam abertos, novas balsas sejam
colocadas na água"21.

Na mesma linha, Roberto Liebgott, coordenador regional do


Conselho Indigenista Missionário afirma que “em nossa avaliação, o
governo avança suas linhas e agora finca os pilares da garimpagem na
Amazônia, como prioridade, para estimular o garimpo ilegal nas terras
indígenas. E esse conselho (Comape) será para fazer reverberar as falas
de Bolsonaro com relação ao garimpo”22.

O desiderato do Governo Federal de incentivar e oficializar


a exploração mineral que já ocorre de maneira ilegal se confirma
também quando analisado o Decreto n. 10.965/2022, que modifica
diversos outros decretos que regulamentam o Código de Mineração
(Decreto-Lei n. 227/1967).

Conforme adiantado, sob o pretexto “reduzir a burocracia


considerada excessiva”, o art. 4º, p. único, do Decreto n. 9.406/2018,
incluído pelo Decreto 10.965/2022 prevê que a Agência Nacional de
Mineração estabeleça “critérios simplificados para análise de atos

19
Disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/14/decreto-
que-estimula-mineracao-artesanal-visa-legalizar-garimpo-apontam-
ambientalistas.ghtml
20
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/02/decreto-de-
bolsonaro-vai-levar-a-corrida-ilegal-por-ouro-na-amazonia-diz-greenpeace.shtml
21
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/02/decreto-de-
bolsonaro-vai-levar-a-corrida-ilegal-por-ouro-na-amazonia-diz-greenpeace.shtml
22
Disponível em: https://www.extraclasse.org.br/ambiente/2022/02/decreto-de-
bolsonaro-muda-nome-do-garimpo-para-mineracao-artesanal/
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18
processuais e procedimentos de outorga, principalmente no caso de
empreendimentos de pequeno porte ou de aproveitamento das substâncias
minerais de que trata o art. 1º da Lei nº 6.567, de 1978”.

Na mesma toada, o art. 39, § 2º, do Decreto n. 9.406/2018,


também acrescido pelo Decreto 10.965/2022, com a justificativa de
compatibilizar “o Regulamento do Código de Mineração ao que estabelece
a Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), particularmente no
que toca ao direito de que os atos públicos de liberação de atividade
econômica serão expedidos tempestivamente”23, prevê a aprovação tácita
do registro de licenciamento, após o escoamento do prazo de sessenta
dias para a manifestação da ANM.

Trata-se de medidas que evidentemente beneficiam o


garimpo, flexibilizando regras procedimentais e facilitando a obtenção
dos licenciamentos para uma atividade de alto impacto socioambiental,
em detrimento da aferição do atendimento dos requisitos legais.

Conclui-se, portanto, que a integralidade do Decreto n.


10.966/2022 e a inclusão dos arts. 4º, p. único, e 39, § 2º, ao Decreto n.
9.406/2018 pelo Decreto n. 10.965/2022, ofendem o princípio da
legalidade, na medida em que, ao preverem o incentivo ao garimpo ilegal
e a flexibilização de regras e procedimentos de regulação da atividade
econômica, fragilizam e desrespeitam o sistema de regulação da
atividade da mineração e de proteção socioambiental.

Nesse sentido, verifica-se que o Decreto n. 10.966/2022,


editado com base no art. 84, VI, “a”, da CF, que atribui ao Presidente da
República competência para dispor sobre a organização e funcionamento
da administração federal não se limita a propor regras de estruturação
administrativa, mas institui política pública de incentivo ao garimpo.

Da mesma forma, ao acrescer os arts. 4º, p. único, e 39, § 2º,


ao Decreto n. 9.406/2018, que regulamenta o Código de Mineração, o
Presidente da República também não se ateve aos limites da competência
regulamentar que lhe assegura o art. 84, IV, da CF.

Na verdade, como se demonstrou, o que pretende o Governo


Federal, por vias transversas, é sinalizar e facilitar a regularização de
empreendimentos ilegais de garimpo, de modo a incentivar e atrair

23 Disponível em: https://www.gov.br/secretariageral/pt-


br/noticias/2022/fevereiro/presidente-jair-bolsonaro-edita-decreto-que-altera-o-
regulamento-do-codigo-de-mineracao
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investimentos para a atividade, não obstante os comprovados prejuízos
socioambientais decorrentes da prática e a vertiginosa alta da mineração
ilegal na Amazônia.

Assim, os atos impugnados também obstam a definição, pelo


Poder Legislativo, de normas relativas à regulação da mineração e da
formulação de políticas públicas pertinentes a essa atividade econômica.
Percebe-se, em outras palavras, que o Executivo pretende desviar do
processo legislativo a disciplina de matéria cuja competência é
atribuída à União.

Portanto, nota-se a inequívoca violação à reserva legal, na


medida em que a Constituição estabelece a atribuição privativa da União
para legislar sobre recursos minerais, nos termos do art. 22, XII, da CF.

Com efeito, a jurisprudência deste e. STF é uníssona sobre


competência legislativa do Congresso Nacional em relação a essa matéria,
senão vejamos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. FEDERALISMO E
RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. LEI ESTADUAL QUE
SIMPLIFICA LICENCIAMENTO AMBIENTAL PARA
ATIVIDADES DE LAVRA GARIMPEIRA, INCLUSIVE COM
USO DE MERCÚRIO. INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA
UNIÃO PARA EDITAR NORMAS GERAIS SOBRE PROTEÇÃO
AMBIENTAL. DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
EQUILIBRADO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO
PARA LEGISLAR SOBRE JAZIDAS, MINAS E OUTROS
RECURSOS MINERAIS. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. A
competência legislativa concorrente cria o denominado
“condomínio legislativo” entre a União e os Estados-
Membros, cabendo à primeira a edição de normas gerais
sobre as matérias elencadas no art. 24 da Constituição
Federal; e aos segundos o exercício da competência
complementar – quando já existente norma geral a disciplinar
determinada matéria (CF, art. 24, § 2º) – e da competência
legislativa plena (supletiva) – quando inexistente norma
federal a estabelecer normatização de caráter geral (CF, art.
24, § 3º). 2. A possibilidade de complementação da legislação
federal para o atendimento de interesse regional (art. 24, §
2º, da CF) não permite que Estado-Membro simplifique o
licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira,
esvaziando o procedimento previsto em legislação nacional.
Precedentes. 3. Compete privativamente à União legislar
sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e
metalurgia (art. 22, XII, da CF), em razão do que incorre
em inconstitucionalidade norma estadual que, a pretexto
de regulamentar licenciamento ambiental, regulamenta
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20
aspectos da própria atividade de lavra garimpeira.
Precedentes. 4. Medida cautelar confirmada. Ação julgada
procedente.
(ADI 6672, Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. em 15.09.2021,
p. 22.09.2021)

Segundo o professor J.J. Gomes Canotilho, há violação ao


núcleo essencial da separação dos poderes “sempre que um órgão de
soberania se atribua, fora dos casos em que a Constituição expressamente
permite ou impõe, competência para o exercício de funções que
essencialmente são conferidas a outro e diferente órgão”24.

Nesse contexto, verifica-se que os atos impugnados também


violam o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da
Constituição, na medida em que inovam o ordenamento jurídico,
estabelecendo política pública em sentido contrário à regulação legal da
matéria, legitimamente instituída pelo Congresso Nacional.

Por todo o exposto, não resta dúvida de que o Decreto n.


10.966/2022, em seu texto integral, e o Decreto n. 10.965/2022, no que
acresce os arts. 4º, p. único, e 39, § 2º, ao Decreto n. 9.406/2018,
exacerbam as competências do Executivo, ofendendo os princípios da
legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes, motivo pelo qual
devem ser declarados inconstitucionais.

IV.3. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA DEFESA DO MEIO AMBIENTE


(ART. 170, VI) E AO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE
EQUILIBRADO (ART. 225, CAPUT E § 1º, IV, DA CF). VEDAÇÃO AO
RETROCESSO EM MATÉRIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado


constitui preceito constitucional com exigência expressa no art. 225 da
Constituição Federal. Consagrou-se o meio ambiente como um bem de
uso comum do povo, essencial à qualidade de vida, e cuja proteção é
direito difuso, atribuído a todas as pessoas, brasileiros ou estrangeiros.

Assim, a Constituição impõe à coletividade e, sobretudo, ao


Poder Público a obrigação de defender e preservar o meio ambiente –
“formado pelo conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que

24CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ªed.


Coimbra: Almedina, p. 559.
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21
propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas
formas”25 – para as presentes e futuras gerações.

Nessa perspectiva, as políticas públicas aparecem como um


dos instrumentos de concretização do direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, sendo necessárias para que se
alcancem patamares cada vez mais elevados do nível de proteção de tal
direito.

Tais constatações são importantes para que se compreenda


que o exercício da atividade econômica deve ser compatível com a matriz
constitucional em que se insere, a qual preza pela centralidade da pessoa
humana e atribui ao meio ambiente a mais alta relevância enquanto bem
jurídico a ser protegido.

Por esse motivo é que, além de assegurar a todos existência


digna e de fundar-se nos valores da livre iniciativa e do trabalho, a ordem
econômica deve pautar-se, entre outros princípios, na “defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação”, na forma do art. 170, VI, da CF.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante


tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração
e prestação;

Também decorre da própria natureza fundamental e


garantidora do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado o
princípio da vedação ao retrocesso, também chamado de “efeito
cliquet”, ou entrenchment. Por força desse princípio, não se admitem
investidas contra direitos concretamente protegidos e consolidados na
ordem jurídica, permitindo-se apenas ampliação e aprimoramento.

Segundo André de Carvalho Ramos, a proibição do retrocesso


impõe que o Poder Público atue no sentido de preservar o “mínimo já
concretizado dos direitos fundamentais, impedindo o retrocesso, que

25DA SILVA, José Afonso. Direito Ambiental Constitucional. 4ª ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 20.
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22
poderia ser realizado pela supressão normativa ou ainda pelo
amesquinhamento ou diminuição de suas prestações à coletividade”26.

É possível, portanto, pensar a incidência do princípio da


proibição do retrocesso ao campo das políticas públicas ambientais,
resguardando-as e, consequentemente, protegendo o próprio direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, contra alterações prejudiciais
operadas por meio de atos do Poder Público. Cria-se, desse modo, uma
espécie de “blindagem contra retrocessos”, na expressão utilizada por
Sarlet e Fensterseifer27.

Vê-se, assim, que “a vedação do retrocesso não pode ser vista


na perspectiva de direitos isoladamente considerados, mas sim à luz do
sistema de que fazem parte”28. Desse modo, a construção de atos
normativos que disciplinam temas sensíveis não pode ser pautada por
sentimentos e emoções ideológicas de um determinado momento
histórico, mas deve fundamentar-se na garantia de proteção da atual e
futuras gerações. Nas palavras do Ministro Herman Benjamin29, do
Superior Tribunal de Justiça:

[...] também se mostra incompatível com a pós-modernidade,


que enfatiza a dignidade da pessoa humana, a solidariedade
e a segurança jurídica das conquistas da civilização,
transformar direitos humanos das presentes gerações e
garantias dos interesses dos nossos pósteros num ioiô
legislativo, um acordeão desafinado e imprevisível, que ora se
expande, ora se retrai. Essa uma preocupação que domina
vários campos do Direito e ganha centralidade na tutela do
meio ambiente.

O Ministro destaca a importância do princípio da vedação ao


retrocesso ambiental como “princípio geral do Direito Ambiental, a ser
invocado na avaliação da legitimidade de iniciativas legislativas
destinadas a reduzir o patamar de tutela legal do meio ambiente,
mormente naquilo que afete em particular a) processos ecológicos
essenciais, b) ecossistemas frágeis ou à beira de colapso, e c) espécies
ameaçadas de extinção”.

26
CARVALHO RAMOS, André de. Curso de direitos humanos. 6. ed., São Paulo: Saraiva
Educação, 2019, p. 102-103.
27 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental.

5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.


28 STF. Medida Cautelar no Mandado de Segurança no 33.474 (DF). Rel. Min. Luís

Roberto Barroso. DJe nº 232/2018. Publicado em 3 de novembro de 2016


29 BENJAMIN, Herman. Princípio da Proibição de Retrocesso Ambiental, em Princípio

da Proibição de Retrocesso Ambiental, Brasília: Senado Federal, 2011, pp. 62/63.


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23
Especificamente em matéria ambiental, ressalta-se que o
princípio foi reconhecido internacionalmente pelo Princípio 3, ‘c’, do
Acordo Regional de Escazú para América Latina e Caribe sobre Acesso à
Informação, Participação Pública na Tomada de Decisão e Acesso à
Justiça em Matéria Ambiental (2018)30.

Também este e. Supremo Tribunal Federal já reconheceu


expressamente a incidência do princípio da vedação do retrocesso
ambiental. Nesse sentido, o voto do Min. Celso de Mello no julgamento
conjunto da ADC n. 42 e das ADIs n. 4901, 4902, 4903 e 4937 (Rel.
Min. Luiz Fux, j. 28.02.2018, p. 13.08.2019), em que assentada a
constitucionalidade de diversos dispositivos do Código Florestal, tornou-
se importante paradigma para tratar do tema:

Refiro-me ao princípio que veda o retrocesso social, cuja


incidência não permite que se suprimam ou que se reduzam
os níveis de concretização já alcançados em tema de direitos
fundamentais.
Esse postulado impede que, em tema de direitos
fundamentais, inclusive em matéria ambiental, sejam
desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou
pela formação social em que ele vive, consoante adverte
autorizado magistério doutrinário [...]
Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria
social, particularmente em matéria socioambiental, traduz,
no processo de sua efetivação, verdadeira dimensão negativa
pertinente aos direitos fundamentais (como o direito a um
meio ambiente ecologicamente equilibrado), impedindo, em
consequência, que os níveis de concretização dessas
prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente
reduzidos ou suprimidos pelo Estado, exceto na hipótese em
que políticas compensatórias sejam implementadas pelas
instâncias governamentais.

Também no julgamento da ADI n. 4.717 (Relª. Minª. Cármen


Lúcia, j. 05.04.2018, p. 15.02.2019), em que questionada a modificação
de áreas de unidades de conservação, este Supremo entendeu que as
alterações promovidas pela lei impugnada “importaram diminuição da
proteção dos ecossistemas abrangidos pelas unidades de conservação por
ela atingidas, acarretando ofensa ao princípio da proibição de retrocesso
socioambiental, pois atingiram o núcleo essencial do direito fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto no art. 225 da
Constituição da República”.

30Artigo 3 - Princípios - Na implementação do presente Acordo, cada Parte será́ guiada


pelos seguintes princípios: (…) c) princípio de vedação do retrocesso e princípio de
progressividade.
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24
Por fim, vale ressaltar recente decisão do e. Min. Ricardo
Lewandowski, que concedeu, com base no princípio da vedação ao
retrocesso ambiental, medida cautelar na ADPF n. 935, para suspender
trechos do Decreto 10.935/2022, que dispõe sobre a proteção de
cavernas, grutas e outras cavidades naturais subterrâneas.

Sob essa ótica, é incontestável a opção feita pela legislação


ambiental e reforçada pela jurisprudência para que, em temas
ambientais, o caminho seja trilhado para frente, sem nunca retroceder.
Assim, a atuação do Poder Público encontra limites materiais na
proibição de ações que tenham como objetivo desconstruir ou regredir
a patamares de direitos e garantias inferiores àqueles já
consolidados.

Com isso em vista, é mais do que evidente que o Decreto n.


10.936/2022, ao criar programa e comissão cujo intuito é formalizar e
estimular práticas de garimpo ilegal, implica retrocesso em matéria de
proteção ambiental. Isso porque institui política pública de incentivo a
uma atividade econômica altamente nociva ao meio ambiente e que
já vinha crescendo de maneira vertiginosa.

Em primeiro lugar, questionam-se os conceitos trazidos pelo


art. 1º do Decreto n. 10.966/2022, que institui o Pró-Mape “com vistas
ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”. Isso porque não
existe desenvolvimento sustentável em uma atividade predatória
como a mineração, sobretudo nos moldes praticados por garimpeiros no
Brasil.

Conforme observa o pesquisador Tádzio Coelho, do grupo


Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade, da Universidade
Federal de Juiz de Fora, não é possível falar em “mineração
sustentável”. O que se pode considerar para o setor é uma prática social
e ambientalmente responsável, adotando-se políticas de redução de risco,
no que a fiscalização dos órgãos ambientais cumpre papel essencial31.

Nessa perspectiva, uma política que reivindica um


desenvolvimento sustentável regional e nacional deveria incluir,
prioritariamente, as articulações que têm sido desenvolvidas em toda a
América Latina para o fortalecimento da política dos afetados, que coloca

31
Disponível em: https://administracaomineral.com.br/mineracao-sustentavel-e-
possivel/
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25
no centro do debate os povos diretamente impactados pelas atividades
de extrativismo e mineração em seus territórios.

Ocorre que o Decreto n. 10.966/2022, além de ter sido


editado sem qualquer debate ou interlocução com a sociedade, nem
sequer menciona a possibilidade de inclusão dessas populações no
colegiado que cria, a ser coordenado, conforme o art. 7º, pelo Ministério
de Minas e Energia e composto por representantes da Casa Civil e dos
Ministérios da Cidadania, da Justiça e da Segurança Pública, do Meio
Ambiente e da Saúde.

Nesse sentido, fica evidente que não há qualquer pretensão


de priorizar o desenvolvimento sustentável e a garantia de direitos
mínimos para as populações afetadas. Na prática, o Comape atenderá as
demandas dos setores de apoio ao alto escalão do Governo Federal,
priorizando, como se espera, pautas dos garimpeiros em detrimento da
proteção do meio ambiente e dos povos tradicionais.

Tampouco os princípios e objetivos do Programa, dispostos


nos arts. 2º e 3º, dão especial atenção a esses fatores, destacando-se o
conteúdo genérico e a redação prolixa desses dispositivos, que, apesar
da inserção de expressões como “dinâmica socioeconômica e ambiental” e
“sinergia entre as partes interessadas”, revelam abordagem inteiramente
centrada no aspecto econômico do garimpo, desconsiderando a cadeia
de impactos gerados pela ação no meio ambiente e na população das
regiões.

E nem se fale no disparate de adotar a Amazônia Legal


como “região prioritária para o desenvolvimento dos trabalhos da
Comape” (art. 10). Segundo os já citado levantamento do MapBiomas32,
a Amazônia concentrou 93,7% dos garimpos no território brasileiro
em 2020, ano em que três de cada quatro hectares minerados estavam
localizados na região.

De outra parte, também fica claro que a inclusão do art. 4º,


p. único e do art. 39, § 2º, ao Decreto n. 9.406/2018, por meio do Decreto
n. 10.965/2022 – os quais preveem o estabelecimento de “critérios
simplificados” para os processos e procedimentos de outorga para
empreendimentos minerários de pequeno porte e de licenciamento tácito,

32
Disponível em:
https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2021/08/30/amazonia-concentra-
93percent-dos-garimpos-no-brasil-e-assustador-diz-pesquisador.ghtml
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26
escoado o prazo de manifestação da ANM — representam flagrante
retrocesso no que tange à proteção ambiental.

É de se destacar que a vedação ao retrocesso em matéria


ambiental também se aplica ao âmbito administrativo, “onde fica
impedida a simples extinção de órgãos e sistemas de licenciamento e
sanção, sem a previsão de alternativas institucionais”, como bem aponta
Andreas Krell33.

Se os alarmantes dados relacionados ao crescimento da área


ocupada pelo garimpo ilegal e dos conflitos gerados pela mineração levam
à natural conclusão pela necessidade de enrijecer a fiscalização e a
regulamentação da atividade mineradora, é, no mínimo, absurdo propor
a flexibilização de exigências legais e a facilitação da formalização de
empreendimentos de garimpo.

Com efeito, as disposições do Decreto n. 10.965/2022 ora


impugnadas impõem o engessamento e o esvaziamento das atividades
de licenciamento e outorga do aproveitamento de recursos minerais.
A razão de ser de tais mecanismos é justamente conferir tratamento
diferenciado a uma atividade econômica que tem severos e comprovados
impactos ambientais, buscando compatibilizar desenvolvimento da
mineração com a proteção constitucional do meio ambiente.

Assim, o simplório pretexto de “desburocratização” não se


revela suficiente para justificar a flexibilização dos procedimentos que
envolvem a outorga de regimes de exploração de minérios, dadas as
especificidades da atividade e as particularidades da experiência no
desenvolvimento da atividade no Brasil, marcado por ilegalidades e pela
violência contra o meio ambiente e povos tradicionais.

No conjunto, os atos normativos editados pelo Executivo


Federal não respondem a uma demanda por políticas de estímulo a uma
mineração artesanal e em pequena escala. Em verdade, somam-se a toda
a estrutura que tem sido montada ao longo dos quatro últimos anos que
tem como meta “passar a boiada”, nas palavras do ex-ministro do Meio
Ambiente, Ricardo Salles34.

Não obstante a mudança de titular, o Ministério do Meio


Ambiente não tem alterado as políticas de desmonte ambiental e

33 MENDES, Gilmar; STRECK, Lenio; in CANOTILHO, J.J. Gomes, (et al). Comentários
a Constituição do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Saraiva/Almedina, p. 2083.
34 https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/05/22/ministro-do-meio-ambiente-
defende-passar-a-boiada-e-mudar-regramento-e-simplificar-normas.ghtml
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27
retrocessos institucionais, refletidos nos 430 quilômetros quadrados de
alertas de desmatamento em janeiro de 2022 — número quatro vezes
maior que o de 2021, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe).35

Em resumo, as disposições impugnadas esvaziam


completamente as balizas mínimas esperadas para a tutela do meio
ambiente no Brasil frente ao desenvolvimento da atividade econômica de
mineração, principalmente do garimpo.

Logo, diante do evidente caráter regressivo do Decreto n.


10.936/2022 e do Decreto n. 10.935/2022, no que ponto em que inclui
os arts. 4º, p. único, e 39, § 2º, ao Decreto n. 9.406/2018, impõe-se a
sua declaração de inconstitucionalidade.

V. DA MEDIDA CAUTELAR.

No presente caso, impõe-se o deferimento de medida cautelar


para que seja imediatamente suspensa a eficácia do Decreto n.
10.966/2022 e dos arts. 4º, parágrafo único, e 39, § 2º, do Decreto
n. 9.406/2018, incluídos pelo Decreto 10.965/2022, uma vez que
presentes os requisitos da probabilidade do direito e do perigo na demora.

A probabilidade do direito está amplamente configurada,


diante de todas as razões acima expostas. Ao instituir política de
incentivo ao garimpo incompatível com a regulação existente em matéria
de recursos minerais, o Presidente da República imiscuiu-se em matéria
reservada ao Congresso Nacional, exorbitando suas competências
executivas (art. 84, IV, e VI, “a”, CF), e violando os princípios da reserva
legal (art. 22, XII, CF), da legalidade (art. 5º, II, CF) e da separação dos
poderes (art. 2º, CF).

Os atos impugnados possibilitam o avanço do garimpo ilegal


em terras protegidas da Amazônia, sob a justificativa incabível de
promoção da sustentabilidade, integrando o conjunto de atos normativos
que estão sendo estruturados em benefício de grandes mineradoras e
garimpeiros envolvidos em conflitos com povos indígenas e destruição de
parcelas consideráveis do meio ambiente. Nesse sentido, são mais do que
evidentes as violações ao princípio da defesa do meio ambiente, ao direito

35 https://oglobo.globo.com/politica/ministro-do-meio-ambiente-joaquim-leite-
reproduz-politica-de-ricardo-salles-dizem-especialistas-1-25403086
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28
fundamental ao meio ambiente equilibrado e ao princípio da vedação ao
retrocesso ambiental (arts. 170, VI, 225, caput e § 1º, IV, CF).

O perigo de dano, por sua vez, consubstancia-se nos efeitos


diretos e nefastos dos atos aqui impugnados, que permitem o avanço
desmedido do garimpo em terras protegidas, além de darem abertura à
edição de novos atos ou adoção de políticas pelo Comape que tenham
como finalidade precípua o avanço do garimpo predatório, sem qualquer
embasamento científico ou discussão com especialistas sobre o tema e
com as populações atingidas.

Conforme exaustivamente apontado, está-se diante uma


política de desmonte ambiental e de incentivo a práticas predatórias de
mineração promovida pelo Governo Federal, o que se reflete no
crescimento das taxas de desmatamento, das áreas ocupadas pelo
garimpo e dos conflitos envolvendo o setor da mineração.

A indicar a iminência de danos ambientais irreversíveis na


região amazônica em consequência da flexibilização do garimpo, cita-se
novamente, a título de exemplo, o comprovado avanço da garimpagem
na bacia do Tapajós desde meados de 2021, cujo acúmulo de
sedimentos resultou na contaminação e na mudança de coloração
das águas em Alter do Chão36.

É urgente, portanto, a concessão de medida liminar para


suspender a eficácia da integralidade do Decreto n. 10.966/2022 e dos
arts. 4º, parágrafo único, e 39, § 2º, do Decreto n. 9.406/2018, na
redação dada pelo Decreto 10.965/2022, sob pena de se colocar em
risco imediato o patrimônio histórico, cultural e ambiental brasileiro.

VI. PEDIDOS.

Diante do exposto, requer-se a este e. Supremo Tribunal


Federal o conhecimento da presente ação direta de inconstitucionalidade,
tendo em vista o preenchimento de seus pressupostos de
admissibilidade, para que:

a) Preliminarmente, seja concedida medida cautelar


para determinar a suspensão imediata da eficácia do

36
Disponível em: https://g1.globo.com/natureza/noticia/2022/02/17/garimpo-e-
desmatamento-causaram-mudanca-de-cor-de-agua-de-rio-em-alter-do-chao-diz-
pf.ghtml
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29
Decreto n. 10.966/2022 e dos arts. 4º, parágrafo único,
e 39, § 2º, do Decreto n. 9.406/2018, incluídos pelo
Decreto 10.965/2022;

b) No mérito, seja julgada procedente a presente ação


direta, ratificando-se a liminar concedida e declarando-
se a inconstitucionalidade do Decreto n. 10.966/2022
e dos arts. 4º, parágrafo único, e 39, § 2º, do Decreto n.
9.406/2018, incluídos pelo Decreto 10.965/2022.

Por fim, requer-se que as publicações sejam realizadas em


nome do advogado Rafael de Alencar Araripe Carneiro, inscrito na
OAB/DF sob o n. 25.120, sob pena de nulidade. Informa-se, para os
efeitos do disposto pelo artigo 39, I, do Código de Processo Civil, que o
signatário tem escritório em Brasília, no endereço SGAN Quadra 601
Bloco H L2 Norte – Ed. ION - Sala 1035, Brasília/DF - CEP 70.830-018.

É atribuído à causa, para meros efeitos contábeis, o valor de


R$ 100,00 (cem reais).

Nesses termos, pede deferimento.


Brasília, 25 de março de 2022.

Rafael de Alencar Araripe Carneiro Felipe Santos Correa


OAB/DF 25.120 OAB/DF 53.078

Ana Luísa Gonçalves Rocha Rafael Batista Marquez


OAB/DF 64.379 OAB/DF 23.597

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