Pequena Contribuição Metodológica social especifica, formas concretas de dominação

Ao Feminismo Emancipacionista. dos homens sobre as mulheres e de alienação de

Parte II
ambos. A Figura 6 sintetiza o que afirmarmos a
Milton B. de Almeida Filho esse respeito no artigo anterior.

De um ponto de vista marxista todos os Sabemos que a competição pelos

fenômenos humanos envolvem pelo menos 5 excedentes da produção e pela propriedade dos

características correlacionadas dialética e meios de produção ao surgirem na primitiva

hierarquicamente: o desenvolvimento humano esta economia familiar gerou a competição pelas

fundado na satisfação de necessidades biológicas mulheres e sua prole (Engels, 1977). Como

(1) para as quais se providencia modos de produção resultado de um longo processo histórico o modo

que acabam por ampliar estas necessidades e criar de produção da vida e o sistema estruturado de

outras ainda mais complexas (2) e com os quais se laços sociais que o viabiliza foram concentrando

reproduz e cria outros seres humanos (3) por poder nas mãos dos homens; poder para decidir a

intermédio de um sistema estruturado de laços apropriação e a produção da vida material, para

sociais (4) que geram afinal distintas formas de determinar as regras e normas sociais vigentes e

consciência (5) (Marx e Engels, 1986). para validar as idéias que davam sustentação a esta
crescente concentração de poderes (Muraro, 1992).
Alienação Alienação Os modelos de socialização patriarcais foram então
Masculina Feminina
vitoriosos por todos os lados expressando de forma
avassaladora a nova e inusitada supremacia
Modelos Patriarcais
de Socialização masculina numa espécie animal radicalmente
dependente das escolhas e das ações de suas fêmeas
Dominação
(Sforza e Sforza, 2002; Rogoff, 2005).
Propriedades e Atributos O patriarcado pode ser definido num
Biológicos Sociais Psicológicos sentido mais especifico como a dominação do pai
Filogênese ou do marido nas relações conjugais, familiares e
Sociogenese de gênero (Therborn, 2006). Este sentido é
Ontogênese demasiadamente restritivo para avaliar toda
F
Figura 6. Sob a hegemonia do patriarcado as relações de influência que as assimetrias do poder masculino
dominação e alienação determinam como se desenvolvem
os atributos e propriedades biopsicossociais de homens e exercem sobre outras esferas da vida social,
mulheres ao longo das dimensões temporais filogenética,
sóciogénetica e ontogenética. igualmente importantes para a compreensão da
feminilidade e seu desenvolvimento histórico. Na
As transformações biopsicossociais de verdade, a partir da família, o poder patriarcal
homens e mulheres ocorrem, desde a instituição da estende seus tentáculos para todo o tecido social e,
propriedade privada e da divisão social do trabalho, ele mesmo, não é completa e principalmente
sob a influência determinante das formas determinado no âmbito das relações familiares. O
patriarcais de socialização que geram, no território patriarcado é uma relação civil cujo padrão
de cada modo de produção e de cada formação hierárquico está presente em todas as relações e
instituições sociais, que se amplifica para o modo
como as pessoas vivem sua corporeidade, que se
sustenta com base na coerção e no convencimento
ideológico e que, por tudo isso, deve possuir uma
base material concreta, sem a qual tal poder seria
impraticável (Saffioti, 2004; Aguiar, 1997). Qual,
então, a base material do patriarcado? Como essa
base possibilita a sua manutenção ao longo do
tempo histórico sobrevivendo a diferentes modos
de produção do passado e do presente1?
. Na ontologia marxista o impulso original
Determinação em última Relações
instância Econômicas
Instâncias Família/Classe/Etnia/Políti
Mediadoras ca/Ideologia....
Indicadores Indicadores
Masculinidade Feminilidade
Figura 7. Os pólos opostos e complementares, masculino e
feminino, e seus indicadores biopsicossociais, são
determinados, em última instância, pelas relações
econômicas vigentes num determinado modo de produção e
por instâncias intermediárias que funcionam como meios
de realização da influência econômica e, inversamente, em
formas de condicionamento histórico do desenvolvimento
das relações de produção e das forças produtivas.
A solução metodológica que o marxismo
propõe para este problema é conceber as relações
1
Num estudo com o objetivo de “apreender o
significado e o alcance das políticas sociais dirigidas à mulher
em Cuba, no marco de uma sociedade em trânsito ao
socialismo”, César (2006) afirma que: “Em termos de bem-
estar em geral a Revolução cubana enfatizou o alcance da
igualdade de classe social, mas não abandonou os aspectos de
desigualdades por gênero. As diferenciações com relação a
gênero também têm suas características segundo os momentos
históricos que Cuba tem atravessado, dos primeiros tempos do
triunfo da Revolução até hoje, marcadas pela existência de
uma invariante, o patriarcado. Exemplos se encontram em
questões que se analisaram neste estudo, como a relação entre
'o mundo público e o mundo privado; a assunção aos cargos de
direção; o machismo como manifestação do patriarcado e que
apresentam diferenças e semelhanças entre os dois sistemas, o
capitalista e o socialista. (...) O mercado de trabalho (...) é
estruturado por normas masculinas que dificultam conciliar o
trabalho produtivo e o reprodutivo”.
de produção e o grau de desenvolvimento das
forças produtivas como a base material
determinante dos processos de socialização
baseados na supremacia masculina que acabam
gerando de um lado dominação sobre as mulheres e
de outro, alienação de homens e mulheres. Trata-se
de um tipo especifico de determinação, pois ela é
mediada por outras formas de sociabilidade, fatores
materiais suplementares e formas correlatas de
concepção de vida e mundo.
que dá início à criação da complexidade da vida
humana é a nossa condição de animal cuja
sociabilidade se sustenta em duas formas muito
especiais de metabolismo social: o trabalho e a
linguagem. A partir do trabalho e dos modos de
produção que ele viabiliza com o crescente controle
sobre a natureza emergem outras formas de
existência social que vão se tornando relativamente
autônomas em relação a sua base original e passam
então, a condicioná-la de forma mais um menos
intensa. Quanto mais complexa é a base econômica
mais se demandam modos de regulação não
econômicos da produção da vida humana que são,
por sua vez, explicitamente determinados pelos
interesses materiais das classes e frações de classe
em luta na sociedade (Engels e Marx, 1975). No
caso concreto, os modelos de socialização
patriarcais influenciaram decisivamente a divisão
social do trabalho desde que ela substituiu, a muitos
milênios atrás, a divisão natural e sexual do
trabalho.
A base material dos modelos patriarcais
são, portanto, a propriedade privada em geral e não
uma de suas formas específicas, a propriedade
capitalista, e as dicotomias do trabalho social
geradas pela apropriação privada, que separam o
campo da cidade, o trabalho intelectual do manual,
que divide os trabalhadores em especialistas e que
impedem a universalização do ser humano.
A figura 7 mostra que sobre a base das
interações cotidianas entre homens e mulheres,
fundamentais para garantirem a produção e
reprodução da vida e dos indivíduos, erguem-se as
instâncias nas quais se vive o cotidiano, numa
ordem hierárquica, em que o mais imediato – as
instâncias mediadoras da família, da classe social,
da etnia, das opções políticas e da ideologia –, é
sobre-determinado pela instância mais afastada – as
relações econômicas que formam a estrutura de
uma determinada formação econômica e social. É
claro que o “distanciamento” do econômico é um
fenômeno da alienação, que torna estranho para os
trabalhadores os produtos, os meios de produção, a
produtividade, as formas de trabalho,
conhecimento e a técnica que utilizam, enfim:
“Uma vez que o trabalho vivo se incorpora ao
capital, (...) todas as forças produtivas do trabalho
social passam a desempenhar o papel de forças
produtivas do capital ...”. (Marx, 1984)
Esse processo de distanciamento
produzido socialmente e não corresponde à
verdades dos fatos reais. Entretanto, o processo de
mediação do econômico pelas outras formas de
interação social já citadas, não tem nada de ilusório
ou enganoso. Trata-se, simplesmente, da maneira
pela qual o fator econômico ganha vida e se imiscui
aberta e sorrateiramente na totalidade do tecido
social e, simultaneamente, de como o fator
econômico acaba por ser regulado, em suas formas
concretas de existência, por aquelas dimensões que,
a partir do seu impulso, foram socialmente
necessárias e historicamente desenvolvidas (Marx e
Engels, 1986).
Na medida em que os modelos patriarcais
de socialização estão presentes desde a divisão
social do trabalho até as regras e costumes da vida
familiar toda a rede de determinações
feminilidade, ou todas as dimensões da existência
social das mulheres estão embebidas destas formas
de poder assimétrico entre homens e mulheres.
De um ponto de vista metodológico, como
estas diferentes instâncias hierarquicamente
distribuídas se relacionam mutuamente?
Na tradição marxista pos Marx tem-se
usado dois conceitos para designar as totalidades
sociais: modo de produção e formação econômico-
social. Para estudarmos fenômenos cuja natureza é
fortemente determinada pelas dimensões biológica,
psicológica e social nos parece que nenhum dos
dois é suficiente. Além disso, eles não explicam
como, independentemente do modo de produção, o
problema da opressão e exploração das mulheres
persiste em todas as formações históricas concretas.
o É claro, se adotamos um conceito de modo
de produção que inclui as dimensões
superestruturais o problema está resolvido com a
evidente subsunção dos aspectos biológicos,
psicológicos e sociais ao fator econômico.
é Entretanto, uma leitura metodológica da economia
política marxista não nos autoriza a fazer esta
manobra. Em Marx, a produção pode ser concebida
de duas formas conexas. Numa forma mais restrita
a produção se refere ao ato produtivo em si mesmo,
à operação e concretização do trabalho em unidades
produtivas e em mercadorias. Num sentido mais
amplo se refere a todo o processo de produção,
incluindo aí a distribuição, a troca e o consumo;
neste caso a Produção envolve todo o processo
social que se concretiza na produção de
consumidores e seus atos/hábitos de consumo. A
Produção produz, além de bens, suas próprias
condições de continuidade no tempo e no espaço
(Marx, 1998). É essa capacidade de auto-
organização que leva muitos autores a incluírem no
da
conceito de modo de produção as variáveis
relativas aos elementos chamados superestruturais.
Já o conceito de formação econômico-
social apesar de abarcar todos os processos sociais
não lida de forma mais explicita com as dimensões
biológicas e psicológicas presentes no fenômeno da
feminilidade.
Propomos então recuperar e desenvolver
uma outra estrutura categórica e conceitual para dar
conta da complexidade da
feminilidade/masculinidade em torno da idéia de
modo de vida.
No inicio deste artigo nos propusemos
formular e resolver uma questão, qual seja, a de
encontrar uma forma ou um método adequado para
definir e, portanto, compreender e transformar a
condição feminina como parte do processo da
revolução social. Neste sentido, desenvolvemos a
tese de que a feminilidade ou condição feminina de
existência é o modo de viver próprio das mulheres
ou o modo de vida das mulheres.
O conceito de modo de vida na tradição
marxista.
Originalmente, a noção de "modo de vida",
encontra-se claramente explicitada nos escritos de
Lewis Morgan (1977[1877]), um dos precursores
da antropologia no século passado, cuja obra
inspirou Engels na Origens da família, da
propriedade privada e do Estado (Engels, 1972) e
Marx em diversas momentos de sua obra máxima
O capital (Marx, 1984).
A expressão "modo de vida" foi empregada
por Marx e Engels como conceito que destaca a
natureza não somente material e física da
reprodução social. Em A ideologia alemã (Marx &
Engels, 1977 – grifos dos autores), apresenta este
conceito da seguinte forma:
“O modo pelo qual os homens produzem seus meios
de vida depende, antes de tudo, da natureza dos
meios que eles encontram e têm de reproduzir. Este
modo de produção não deve ser considerado,
simplesmente, como a reprodução da existência
física dos indivíduos. Trata-se, antes, de uma forma
definida de atividade destes indivíduos, uma forma
definida de expressarem suas vidas, um modo de
vida determinado. Assim como os indivíduos
expressam suas vidas, assim eles são”.
Aqui Marx e Engels chamam a atenção
para o fato de que o modo de produção é uma
forma de expressar algo mais amplo, um
determinado modo de vida. Nos Grundrisse (Marx,
1998), encontramos um aprofundamento deste
conceito:
Essas condições naturais de existência, com as quais
ele [o produtor] se relaciona mesmo como com um
corpo inorgânico, têm caráter duplo: elas são (i)
subjetivas e (ii) objetivas. O produtor existe como
membro de uma família, de uma tribo, um
agrupamento de sua gente, etc. – o que adquire
historicamente formas diversas resultantes da mistura
e conflitos com outros (Marx, 1998 – grifos do
autor).
Aqui eles acentuam que as condições
naturais envolvem mais do que o homem e suas
competências e habilidades físicas em relação com
a natureza, o produtor é um ser social em
cooperação e competição com outros seres
humanos. Mais na frente, ao se referir a atitude do
produtor frente a terra fonte de toda a riqueza
produzida pelo trabalho, Marx afirma que o
individuo é mais do que “a abstração do
"indivíduo que trabalha", tendo um modo objetivo
de existência (...) que antecede sua atividade e não
surge como simples conseqüência dela, sendo tanto
uma pré-condição de sua atividade, como é sua
própria pele, como são os seus órgãos sensoriais
(...). Ou seja a existência – como membro de uma sociais que induzem e possibilitam estas atividades
comunidade... (Marx, 1998). (Sampedro, 1984; Rutevick, 1989; Rey, 2004).

Ao longo do Capital Marx ora usará o Entre outros pesquisadores latino-

conceito de modo de vida para se referir as americanos o conceito foi desenvolvido de forma
condições materiais da produção, ora para se referir mais abrangente e mais enraizada nas idéias
àquela parte da vida que está fora da produção, mas clássicas e embrionárias de Marx e Engels sobre a
que é por ela influenciada constituindo uma espécie questão. Neste sentido destacam-se como
de estilo de vida: componentes do modo de vida, além das condições
“ Passando o trabalhador a maior parte do tempo da materiais da existência, os estilos de vida delas
vida no processo de produção, as condições desse
derivados (Menendez, 1990 e 1995; Possas, 1989).
processo constituem em grande parte aquelas em que
Só posteriormente foi incluído como dimensão do
se desenvolvem suas atividades e as condições de sua
vida,” (Marx, 1984) modo de vida as respectivas idéias e representações
simbólicas que refletindo as condições e o estilo de
O conceito de modo de vida chegou a ser vida, concretizam um desenho mais real da “pele” e
empregado no contexto da Antropologia Soviética: dos “órgãos” que esta dimensão da existência
representa dentro de um determinado modo de
“El modo de vida es la esfera del consumo individual
de bienes materiales y espirituales, es la esfera de la
produção (Samaja, 1998).
vida cotidiana fuera del tiempo de trabajo. (...) es una
parte especial de la vida social, vista la necesidad que O desenvolvimento do conceito de modo
tiene cada persona de reponer sus fuerzas gastadas en de vida no âmbito das ciências da saúde tem
el proceso de la actividad laboral”. (Kelle & produzido efeitos positivos no conhecimento das
Kovalzon ,1975).
causas das doenças e da saúde, na descrição dos
fatores de risco e proteção associados a um
Curiosamente este conceito foi abandonado
determinado modo de viver e de como, baseando-se
pela economia e sociologia marxista
neste tipo de conhecimento, é possível formular
contemporâneas, mas encontrou um campo fértil
políticas e ações de prevenção e promoção da
entre os estudiosos marxistas no campo da saúde.
saúde, além de permitir que se associem claramente
Atualmente, nos estudos sobre modo de vida,
os diferentes tipos de enfermidades à posição social
destacam-se grupos de especialistas ligados ao
e econômica que os indivíduos ocupam na rede
CIPS - Centro de Investigación Psicológica e
social.
Social de Havana, ao INIE - Instituto de
Investigação Econômica de Cuba e à Facultad
Proponho, então que se defina o modo de
Latinoamericana de Ciencias Sociais de Cuba alem
vida como o conjunto das condições
de outros pesquisadores latino-americanos. Entre
socioeconômicas, ambientais e corporais
os estudiosos cubanos prevalece uma compreensão
(condições materiais de vida), hábitos, rotinas e
sobre modo de vida centrada na expressão das
tradições presentes no sistema de atividades que
motivações essenciais do ser humano no interior de
compõem o cotidiano das pessoas, grupos e classes
um sistema de atividades concretas e nos fatores
sociais (estilo de vida), visões de mundo, teorias,
conceitos, princípios e valores (concepção de vida).
do outro e de si
mesmo
do Trabalho ao do seu meio social
Capital Alienação
. motivo se diferenciam e se assemelham uma às
Condições de Estilo de
Vida Modo de Vida Vida
Concepção de
Vida
Figura 8. Componentes do conceito de modo de vida e sua
relação com a alienação, condição humana nas sociedades
de classes.
Mulheres e Homens vivem sua existência
sempre de um modo determinado. Este modo
decidirá como suas características biopsicossociais
se desenvolverão ao longo do tempo de suas vidas
pessoais, no interior de um determinado grupo ou
classe que compõe um certo tipo de sociedade. Um
modo de vida é determinado, em primeiro lugar,
pelas condições materiais da vida entre as quais se
incluem a posição de classe, o tipo de profissão, o
sexo, a idade, as características físicas do lugar
onde mora e trabalha, a saúde e a doença,etc. As
mulheres são diferentes uma das outras, no tempo e
no espaço, de acordo com as condições materiais de
sua existência. Estas diferenças não existem só
entre classes opostas mas também no interior das
mesmas classes e grupos sociais, das mesmas
famílias e profissões e estas diferenças podem estar
relacionadas a fatores ecológicos, ao tipo de do
meio ambiente em que elas vivem e com os quais
se relacionam.
Na dependência direta destas condições
está o conjunto de atividades que elas realizam no
seu cotidiano e que materializam as posições que
ocupam no interior das classes e dos grupos sociais
e dos lugares que habitam e trabalham. Estas
atividades se concretizam por meio das rotinas e
procedimentos que as caracterizam e dos hábitos e
tradições que elas geram e representam. Hábitos,
rotinas e tradições compõem um determinado estilo
de viver. As mulheres possuem um estilo de vida
diferente dos homens por essa razão e pelo mesmo
outras. Mulheres de épocas diferentes e de classes
sociais distintas tem estilos tão distantes uns dos
outros quanto mais forem diferenciadas suas
condições de vida.
Intrinsecamente associado a um
determinado estilo de vida surgem princípios,
valores, conceitos e teorias que articulam visões de
mundo e sociedade dentro de alguma concepção de
vida socialmente compartilhada. Mulheres e
homens irão, então, compartilhar visões de mundo
que se separam e se unem a depender do estilo de
vida que adotam ou que assumem
compulsoriamente. Tais concepções são
necessárias para produzirem sentido pessoal e
social para as condições e o estilo com o qual se
vive. As condições materiais e econômicas
determinarão por intermédio de um estilo de vida
característico, pelo tipo e natureza do conjunto de
atividades cotidianas, os limites e as possibilidades
da consciência.
Os modelos de socialização patriarcais não
podem ser alterados radicalmente se, mesmo
ocorrendo mudanças nas condições materiais –
incorporação crescente das mulheres no mercado
de trabalho, por exemplo – não ocorrerem
consequentemente mudanças nas atividades
concretas que as mulheres realizam. Se a
incorporação ao mercado se der em “profissões
femininas”, com salários e prestigio desiguais aos
dos homens ocorrerão mudanças das rotinas,
hábitos e tradição na vida das mulheres, mas ainda
persistirão um leque enorme de atividades
tradicionais e, consequentemente, dubiedades e
paradoxos nos comportamentos, valores e idéias
que dão fôlego e longevidade ao modos patriarcais
de exercício do poder social.
O conceito de modo de vida nos permite
ver com clareza o processo de mudança social mais
amplo e dentro dele em que pontos e dimensões
ocorrem transformações e qual a sua natureza e
alcance estratégicos. E mais ainda, possibilita
adotar conscientemente diferentes e múltiplas
frentes de lutas pela emancipação e relacioná-las
com coerência. Sabemos que não adianta mudar as
condições de vida se não alterar-se
concomitantemente as atividades que materializam
um determinado estilo que aquelas condições
idealmente exigem. Uma das lutas feministas mais
importantes na atualidade é fazer corresponder às
transformações em algumas das suas condições
materiais de existência um conjunto igualmente
inovador de rotinas e hábitos. Aqui, trava-se uma
luta secular para que os homens aceitem e
participem de “atividades femininas”, e para que
atividades consideradas essencialmente femininas,
como a maternidade, por exemplo, sejam
assumidas socialmente. Um modo de produção
pode mudar por inteiro e continuarem a existir
entraves patriarcais à emancipação das mulheres e
dos homens por conta de que prevalece um estilo
de vida antigo, isto é, um conjunto de atividades
cotidianas socialmente designadas para as mulheres
que lhes subtrai poder em relação aos homens ou a
mulheres das classes sociais dominantes.
Sabemos por experiência própria que em
muitas situações as idéias são as últimas coisas a
mudarem. O modelo teórico do modo de vida
permite que tenhamos plena consciência deste
fenômeno e que associemos à luta pela mudança
das condições e estilo de vida a transformação das
idéias. Idéias não se consolidam socialmente, não
se transformam numa força social transformadora
se elas não se expressam como representações de
uma vida realmente vivida, se elas não se
organizam em ações concretas e persistentes, se
elas não coordenam novas rotinas e novos hábitos,
se elas, enfim, não fazem parte da construção de
uma nova tradição. Para mudar ampla e
profundamente as idéias de homens e mulheres a
respeito da dominação e alienação presentes no
patriarcado ainda dominante, é fundamental
envolvê-los na construção de atividades
transformadoras, que alterem e alterne os papéis
sociais de gênero tradicionais.
Mudança nas condições de vida como a
incorporação feminina ao mercado de trabalho
desencadeia um conjunto de transformações
objetivas no estilo de vida das mulheres e
consequentemente na concepção de vida que elas
adotam. Estas transformações, em curso no Brasil
(Venturi, G., Recamán, M. e Oliveira, S, 2004),
impulsionam desafios e transformações
desconcertantes para os homens, que aceitam e
participam, mas, sobretudo vacilam e muitas vezes
se opõem explicita ou tacitamente. Esta oposição
tem como causa principal o fato de que para a
burguesia financeira e monopolista é necessário
usar o trabalho feminino como instrumento de
desvalorização geral da força de trabalho e
conseqüente aumento da mais-valia absoluta do
capital. Cria-se uma situação de competição entre
trabalhadores masculinos e femininos e novo foco
de tensão no interior do proletariado.
Finalmente, sob a ótica do modo de vida,
seria interessante estudarmos o quanto de mudança
resulta para a classe operária do fato de que grande
parte do seu contingente seja constituído de
mulheres. Qual significado estratégico tem essa
transformação? O que muda no papel das mulheres
na revolução socialista e nas transformações em
curso no Brasil? Como pensar e organizar o Partido
de vanguarda nestas novas condições?
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