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1889 Proclamação da República


Dicionário de Vocábulos Brasileiros, de Beaurepaire-Rohan

1897 Fundação da Academia Brasileira de Letras


1937 Fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP
1938Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, de H. Lima

e G. Barroso
1939Grande e Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de L. Freire
(1939-44)
1943 Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa
1961Dicionário da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, pela ABL

(1961-67)
1965 A Lingüísticaé introduzida no currículo dos cursos de Letras
1969Dicionário Melhoramentos da Língua Portuguesa, Editora Melho-

ramentos
1975Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio B. de Holanda
2001Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss

Nos relatos de viajantes, aparecem os primeiros comentários sobre termos


utilizados no Brasil: nomeações em português e termos indígenas traduzidos e
comentados. Ainda nos relatos aparecem listas de palavras organizadas tematicamente,
pequenos glossários e verbetes de tipo enci- clopédico. Os bilíngües português-tupi dos
jesuítas inauguram os dicioná- rios de língua e realizam a primeira alfabetação
(colocação em ordem alfa- bética) do português em dicionário brasileiro. Note-se que
essa alfabetação, que podemos apontar no Vocabulário na Língua Brasílica (século
XVI, provavelmente, ou início do XVII) se dá muito proximamenteà primeira
alfabetação em Portugal, que, conforme Verdelho (1995), ocorre com o primeiro
bilíngüe português-latim, de Jerônimo Cardoso (1562). Assim, enquanto em Portugal
tínhamos a relação português-latim, no Brasil era trabalhada a relação português-tupi.

A passagem da exo-gramatizaçãoà endo-gramatização na segunda metade do


século XVIII constitui uma virada. O dicionário de Moraes marca uma mudança
significativa devido a vários fatores: expulsão dos jesuítas, influência da Gramática Geral,
obrigatoriedade do estudo do português, sur- gimento de novas instituições, como as
academias, e de um contingente de brasileiros que realizava estudos em Portugal. A partir
daí, esse dicionário e em seguida outros que o seguirão servem de referência para a
produção bra- sileira. Ele permite a partir daí que se observem as semelhanças e
diferenças,

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as³faltas´ e³omissões´, desencadeando-se assim a produção de dicionários brasileiros.
Quanto aos bilíngües, há uma tendência de inversão da ordem: de português-tupi (ordem
utilizada pelos jesuítas) para tupi-português, de modo a definir os termos do tupi que passam
a ser considerados do português bra- sileiro. Surgem, em seguida, primeiramente os
dicionários de complemento, de regionalismos e de brasileirismos durante o século XIX, e
em seguida os dicionários brasileiros de língua portuguesa no decorrer do século XX.

Condições de produção dos dicionários brasileiros

Uma posição historicista coloca que o saberé um produto histórico, resultante de


uma série de causas e que pode ser situado em determinadas conjunturas espaço-
temporais. Como afirma Auroux:

Que todo saber seja um produto histórico significa que ele resulta a cada instante de
uma interação das tradições e do contexto. Não há nenhuma razão para que saberes
situados diferentemente no espaço- tempo sejam organizados do mesmo modo,
selecionem os mesmos fe- nômenos.É o reconhecimento deste fato que constitui nossa
posição resolutamente historicista, ao mesmo tempo que fornece o interesse heurístico
de todo trabalho histórico (Baratin & Desbordes, apud Auroux, 1992: 14).

Este posicionamento conduz a dizer que temos no Brasil um modo específico de


organização do saber dicionarístico, que se dá em um certo contexto e em um certo
espaço-tempo. Ainda conforme Auroux,³as cau- sas que agem sobre o desenvolvimento
dos saberes lingüísticos são extre- mamente complexas. Pode-se notar conjuntamente: a
administração dos grandes Estados, a literalização dos idiomas e sua relação com a
identida- de nacional, a expansão colonial, o proselitismo religioso, as viagens, o
comércio, os contatos entre línguas, ou o desenvolvimento dos conheci- mentos conexos
como a medicina, a anatomia ou a psicologia.´ (Auroux, 1992: 28). A partir da
perspectiva discursiva em que nos situamos, acres- centamos que as determinações
causais estão relacionadas com ascondi-

ções de produção do discurso: quem produz o dicionário, como, onde, para

quem, em que circunstâncias? Analisando o caso brasileiro, levantamos as seguintes


condições de produção: a territorialidade, a administração do ter- ritório, a urbanização, a
institucionalização, os contatos lingüísticos, a identi- dade nacional, a influência de
teorias, os domínios conexos, as tecnologias.

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a) territorialidade

O saber lingüístico toma formas específicas conforme o território em que aparece,


estabelece-se e transforma-se. No Brasil, com o descobri- mento e a colonização, o
contato dos europeus com uma natureza e socie- dades específicas levam ao aparecimento
de formas dicionarísticas singu- lares. A questão da referência logo se coloca, com os
processos de nomeação, tradução, glosa, definição, ou seja, as formas lingüístico-
discursivas que estarão na base do texto dicionarístico. Decorre daí o aparecimento e a
circulação de³nomes do Brasil´, com seus diversos modos de definição e explicação. Tal
fato se dá juntamente com a literalização dos nomes de línguas indígenas e a
textualização na forma de relatos. Esses nomes ainda não estão organizados
alfabeticamente; eles aparecem pontualmente nos discursos ou ordenados tematicamente,
na forma de um saber enciclopédi- co, que trata da natureza, doíndio, das situações de
colonização. A territo- rialidade se relaciona a um real que constantemente clama por
sentidos, e cuja interpretação estabelece limites espaço-temporais nos quais se inse- rem
os sujeitos. NaÉpoca Colonial, a dicionarização realizou-se nas re- giões de fronteira ou
contato. A região da³costa do Brasil´ era apontada pelos jesuítas como local de
gramatização, em que sujeitos europeus eín- dios se relacionavam. Podemos dizer que as
diversas frentes de contato vão definindo as formas de territorialidade.6

b) administração do território

Do fator (a) decorre um segundo, queé a administração do territó- rio, nas suas
diversas maneiras de realização: colonização, governo, Esta- do. Acompanha esse fator
um outro que lhe está relacionado, a saber, a institucionalização. Tais fatores colocam
em pauta a questão da unidade/ diversidade de línguas e a definição de políticas
lingüísticas, das quais resultam determinadas formas dicionarísticas. Parece bastante
plausível re- lacionar algumas formas dicionarísticas a formas de administração do ter-
ritório. Assim, nos governos coloniais, com a política lingüística da colo- nização,
temos os dicionários bilíngües, que serviram como instrumentos de catequese e
colonização. Com o Estado Monárquico, no século XIX, e o objetivo de atribuir uma
identidade e uma história aos habitantes do Brasil,

Sobre as diversas formas de contato e a relação com a produção de saberes


lingüísticos no Brasil, ver ORLANDI Eni Puccinelli. (1990), Te r r aà v i s t a, Cortez:
São Paulo/Unicamp: Campinas.

110

que podemos apontaré o do Rio de Janeiro de finais do século XIX. O dicionário de M.


Soares (1889) introduz uma série de discursividades pró- prias do contexto urbano:
instituições públicas, administração, comércio, espaço público, jornalismo, sujetividade
urbana. O lexicógrafo, portanto, volta-se mais decididamente para a observação das
práticas urbanas. O século XX foi palco de uma urbanização sem precedentes, da qual
decor- reu uma ampliação da rede escolar, o aparecimento de universidades, o
surgimento de editoras e a conseqüente ampliação do público letrado. Po- demos
considerar esse fator uma das causas do aparecimento dos primei- ros dicionários
brasileiros de língua portuguesa, com a produção diciona- rística de grandes centros
urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.

d) institucionalização

As formas administrativas e a urbanização são acompanhadas de processos de


institucionalização. A Companhia de Jesus, naÉpoca Coloni- al,é a primeira instituição
a produzir dicionários: os bilíngües português- tupi. Tal produção acompanha o
aparecimento e o declínio dessa institui-

ção, respectivamente em 1547 e 1757. Na primeira metade do século XVIII

surgem as primeiras academias brasileiras, que, apesar de não produzirem dicionários,


tiveram um papel regulador no estabelecimento do português de Portugal.8 Elas surgem
sob a influência do Iluminismo, que acarretou igualmente mudanças no sistema escolar
e no estabelecimento de institui-

ções jurídicas. Note-se que nesse período as universidades portuguesas ti-

veram um papel importante na formação das elites brasileiras. Não parece fora de
propósito associar esse fatorà formação do dicionarista Moraes, que deixa o Brasil em
1774 rumo a Portugal. Lá faz um curso jurídico na Universidade de Coimbra. Em
seguida, elabora seu dicionário, publicado em 1789 em Lisboa. No Brasil Monárquico,
a Biblioteca Nacional (1808)

urbanização, Pfeiffer estuda a constituição no Brasil de um sujeito urbano


escolarizado:³o processo de escolarização e o de urbanização funcionam, ambos,
como instrumentos, do Estado, de normatização, estabilização, regulamentação dos
sentidos do sujeito e dos senti- dos para o sujeito ocupar a cidade.´ (Cidade e sujeito
escolarizado. In Cidade atravessada:

os sentidos públicos no espaço urbano, Eni P. Orlandi (Org.). Campinas: Pontes,


2001).
8

B. Mariani mostra que as academias que surgiram no Brasil no século XVIII tiveram
uma função reguladora que levou a combater a língua geral e defender o português:³Les
académies fonctionnent comme desµpré-institutions¶, dont la fonction régulatrice
majeure serait de mettre en oeuvre l´écriture d´une histoire officielle du Brésil, en
utilisant le portugais de la métropole comme instrument permettant d´éviter touteµ
échappée´ de sens.´ (Langages 130, Paris: Larousse, 1998, p. 84).
111

e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) promoveram a pro- dução e


publicação de dicionários bilíngües, dentre os quais os de Gonçal- ves Dias (1858) e
Ferreira França (1859). Tais obras trazem como marca a colocação do português em uma
ligação histórica com o³tupi antigo´. O IHGB segue até o período republicano, quando
promove a publicação de dicionários de brasileirismos. Com a República, surge a
Academia Brasi- leira de Letras (1897), cujo dicionário, depois de muitas discussões e
pro- jetos, fica pronto em 1943 eé publicado em 1961-1967 (o de Antenor Nascentes). A
ABL teve um papel fundamental na formação de lexicógra- fos, na concepção de projetos
dicionarísticos e na normatização ortográfi- ca. Podemos apontar ainda uma passagem da
concepção histórica e regio- nal dos dicionários, que prevalecia com o IHGB, para uma
concepção que tende para o dicionário da língua geral tomada em sincronia. A
escolarização

é um fato importante. No Colégio Pedro II, em finais do século XIX e

início do XX, atuaram alguns dicionaristas. Mencione-se, na primeira me- tade do XX,
Antenor Nascentes. A ampliação do ensino escolar nesse pe- ríodo levouà produção de
dicionários compactos e adaptados ao contexto brasileiro. Concorreu também para este
fato a consolidação de um merca- do de livros. O aparecimento de editoras nas décadas
de 30 e 40 abre cami- nho para as publicações independentes e para a série de
dicionários de nomes próprios. Segundo H. Pontes (1989: 364), com a Revolução de 30,
uma nova configuração³se expressou nos mais variados setores da vida cultural do país:
na instrução pública, nas reformas do ensino primário e secundário, na criação de novas
faculdades e das primeiras universidades brasileiras, na produção artística e literária,
nos meios de difusão cultural e, sobretudo, naênfase aos estudos e ao conhecimento da
realidade nacio- nal´. Nessa nova configuração, as editoras ocuparam um lugar
significati- vo, com a publicação de estudos sobre a realidade nacional. Dentre tais
editoras está a Civilização Brasileira. Fundada pelo acadêmico Gustavo Barroso, ela
publica o Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portu-

guesa, do próprio G. Barroso e de H. Lima. Este pequeno dicionário, com

definições breves e sem exemplos ou citações, teve grande sucesso edito- rial,
inaugurando a série de dicionários brasileiros de língua portuguesa. De 1939 a 1944, a
editora A Noite publica no Rio de Janeiro o Grande e

Novíssimo Dicionário da Língua Portuguesa, de Laudelino Freire. Men-

cionemos ainda, dentre outras, a editora Delta, do Rio de Janeiro, que pro- move edições
brasileiras do dicionário de C. Aulete (1958, 1970, 1980), a Melhoramentos, de São
Paulo, que publica seu dicionário desde 1969, atual-
112

mente denominadoMichaelis, e a editora Nova Fronteira, do Rio de Janei- ro, que desde
1975 publica oAuré lio. Ainda na série das instituições, te- mos também nas décadas de
30 e 40 o aparecimento das universidades, com a fundação das faculdades de Letras (em
1937, surge a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP). As conseqüências
desse fato come-

çam a aparecer nas últimas décadas. Podemos mencionar, com relação aos
dicionários gerais, a elaboração em curso do Dicionário de Usos do portu-
guês Contemporâneo (ver Borba, 1997), realizada com base em um corpus
eletrônico da língua escrita.
e) contatos lingüísticos

O contato entre europeus eíndios motivou as primeiras produções lexicográficas


no Brasil. Em um meio multilíngüe ocorre um processo de exo-gramatização, com as
línguas indígenas sendo dicionarizadas por fa- lantes europeus. Ainda que pouco
documentado, podemos apontar um pro- cesso semelhante com relaçãoàs línguas
africanas.9 Com as medidas pom- balinas, a política monolíngüe se estabelece e temos a
introdução do primeiro dicionário do português, seguida da endo-gramatização brasileira.
Nesse pro- cesso, as diferenças lingüísticas passam a ser tratadas como diferenças inter-
nas: regionalização,³influência´ de outras línguas (sobretudo indígenas e africanas) no
português brasileiro, reconhecimento dos brasileirismos. As semelhanças e diferenças
entre o português brasileiro e o português de Por- tugal também levam a certos projetos
lexicográficos e modos de inclusão/ exclusão. Com respeito aos contatos do português
com outras línguas, tais como as de imigrantes, parece-nos que seria pertinente um estudo
da histó- ria dos dicionários bilíngües, bem como do modo como os monolíngües tratam
tais línguas.É interessante notar ainda, após o período de diferen- ciação/identificação em
relação ao português de Portugal, um movimento de ampliação com relação aos demais
países de língua portuguesa.10

E. Bonvini e M. Petter, analisando a documentação sobre as línguas africanas no


Brasil, indicam a existência do Vocabulário Português-Angolano, redigido por Pedro
Dias em 1694. O mesmo autor também publica, em Lisboa, em 1697, Arte da língua
de Angola, em que descreve a língua quimbundo, falada em Salvador por escravos
originários de Angola (Portugais du Brésil et langues africaines,L a n g a g e s 130,
Paris: Larousse, 1998).

10

Analisando diversos dados sobre os contatos culturais e lingüísticos Brasil/África, M.


Petter mostra que a edição de 2000 do Aurélio passa a incluir angolanismos, cabo-
verdianismos, guineensismos, moçambicanismos e santomensismos. (A constituição do
léxico nacional: problemas de línguas em contato, trabalho apresentado no XLIX
Seminário do GEL, Marília, 2001).

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f) identidade nacional

A atribuição de uma identidade nacional constitui um fator motivador da produção


de dicionários. Podemos remeter os dicionários bilíngües tupi- português daÉpoca
Imperial aos processos de identificação do brasileiro que tomaram oíndio como
antepassado deste. Gonçalves Dias, autor do

Dicionário da Língua tupi chamada língua geral dos indígenas do Brasil,

foi encarregado de elaborar uma história das línguas indígenas e elegeu o tupi como
língua dos antepassados brasileiros. Ressalte-se dessa produção o aparecimento de
reflexões etimológicas que ligavam termos do tupi anti- go a termos do português
brasileiro. Desta maneira, os termos tupi vão sendo incorporados ao português. Outro
momento associadoà identidade nacional está na produção de dicionários de
brasileirismos, no final do século XIX, quando se buscava uma identidade para o povo
brasileiro, não apenas pela influência indígena, mas por diversas condições sociais. As
conseqüências disso são observáveis na constituição da nomenclatura des- ses
dicionários, com a inclusão de uma série de termos relativosà conjun- tura brasileira:
designativos de raça e grupo social, termos culturais, ter- mos do cotidiano das cidades.
Os movimentos nacionalistas na década de 20 também estão na base de construções de
identidade nacional. Podemos afirmar que isso levouà introdução, nos dicionários de
língua portuguesa feitos no Brasil, de elementos culturais próprios desse contexto.

g) influência de teorias

Examinando a produção dicionarística brasileira,é possível em gran- de escala


relacioná-la com teorias lingüísticas desenvolvidas em conjuntu- ras determinadas. Os
dicionários muitas vezes não explicitam as filiações teóricas, sobretudo quando não
apresentam prefácios ou indicações de fi- liações. Resta ao analista o procedimento de
detectar as teorias implícitas. Considerando-se estas condições, vamos indicar a
influência de cinco gran- des correntes teóricas. A primeiraé a da Gramática Latina. Os
dicionários bilíngües jesuítas tinham uma forma muito próxima da gramática. Grande
parte dos verbetes trazia comentários gramaticais, com presença marcante da Gramática
Latina, que serviu de base também para a elaboração da gra- mática de Anchieta. Há
uma intertextualidade visível entre esta gramática e o Vocabulário na Língua
Brasílica.11 Desenvolveu-se aí um saber con-

11
Ver J. H. Nunes (Dicionário e instrumentos lingüísticos no Brasil: dos relatos de
viajantes
aos primeiros dicionários, tese de doutorado, Unicamp, 1996).

114

trastivo entre a língua indígena e a língua portuguesa, tendo a Gramática Latina como
metalinguagem teórica. A marca mais flagrante desse saber está na reflexão sobre as
partes do discurso no interior dos verbetes do VLB. Com a virada que consistiu na
interrupção da produção jesuíta e no empréstimo do dicionário de Moraes, sai de cena a
Gramática Latina e entra a gramática geral ou filosófica. Tal influênciaé explicitada a
partir da segunda edição, quando se introduz nos preâmbulos desse dicionário uma
gramática com base na Gramática Geral. A relação pode ser observada na mudança
estrutural da obra, que elimina os comentários etimológicos que havia em Bluteau e
torna as definições menos extensas, além de deixar o dicionário mais compacto. Com
isso, segue o modelo iluminista da³clare- za´ e³concisão´, passando do dicionário de
grandes autores ao dicionário do³modo de pensar´. Em meados do século XIX, a
influência da lingüís- tica histórica se faz observar nos dicionários bilíngües tupi-
português e na relação que se estabelece entre o tupi antigo e o português, relação
apoiada pela corrente romântica. Note-se que os dicionários de G. Dias e F. França
foram publicados em Leipzig, onde vigorava o comparatismo alemão. No caso dos
dicionários tupi-português, ocorreu menos uma genealogia das línguas,12 mas uma
explicação histórica que incluiu a construção de um saber etimológico ligando o tupi
antigo ao português falado. No final do século XIX e entrando pelo XX, temos a
influência da gramática da língua nacional. A defesa da língua nacional tem como
conseqüência imediata a modificação da nomenclatura dos dicionários, com a inclusão
de brasilei- rismos nos dicionários portugueses e a elaboração de dicionários de brasi-
leirismos. A questão semântica tambémé colocada, ressaltando-se os ca- sos de
homonímia e polissemia. Estabelecem-se ainda marcações de domínio (brasileirismo,
regionalismo, popular, etc.). No século XX, os es- tudos sincrônicos tiveram uma
grande influência, cujas conseqüências ain- da estão em curso. Podemos apontar o
aparecimento dos dicionários monolíngües como reconhecimento de uma língua
brasileira, com uma fonética, uma morfologia, uma sintaxe, uma semântica, embora na
polê- mica sobre o nome oficial da língua tenha prevalecido por razões diversas o
nome³língua portuguesa´.13 Acompanha esse processo uma separação mais delineada
entre o dicionário de definição e o dicionário histórico ou

12
Uma reflexão sobre a genealogia das línguas encontra-se nos vocabulários
comparativos de
línguas indígenas elaborados por Martius.
13
A esse respeito ver L. F. Dias (Os sentidos do idioma nacional. Campinas: Pontes,
1996).
115

etimológico: os dicionários de brasileirismos, como os de Soares (1888) e Rohan


(1889), dedicavam um espaço significativo para a etimologia, en- quanto os dicionários
brasileiros de língua portuguesa limitam esse espaço

àindicação da origem.14
) domínios conexos

O saber lexicográfico se constitui na relação com diferentes domí- nios conexos,


tais como ciência, literatura, história, religião, mídia, etc.. Por isso, ele se apresenta com
diversas configurações conforme as alianças e fronteiras que se estabelecem entre esses
domínios. NaÉpoca Colonial, os relatos traziam uma forma de conhecimento que aliava
ciência, política, religião, descrição de costumes, compondo um saber enciclopédico que
serviria em seguida de fonte para a lexicografia. Com os jesuítas, a relação com a religião
determinou em grande medida as formas lexicográficas. Assim, temos na nomenclatura
do VLB a presença de um vocabulário reli- gioso e de cenas enunciativas próprias da
situação de catequese. Em Moraes, o domínio jurídico ganha terreno, o que acarreta, além
da mudança na for- ma da definição, como apontamos no item anterior, a inclusão ou
atualiza-

ção do vocabulário das instituições, dos sujeitos e das concepções jurídicas

e políticas, com as modificações discursivas que daí decorrem. Enquanto no Moraes o


jurídico ganha espaço, nos bilíngües publicados pelo IHGB o dicionário está aliadoà
história, tal como promovida pelo Estado Monár- quico. Assim, o binômio
direito/história funciona distribuindo as signifi- cações em espaços discursivos
específicos. O discurso da história, no en- tanto, começa a declinar na segunda metade
do século XIX, enquanto os domínios da sincronia (estudos da língua falada, ciências
socias, folclore, além de diversasáreas científicas) passam a se estabelecer. As
conseqüên- cias dessas transformações se observam na produção dicionarística do sé-
culo XX: definição de termos em uso no Brasil, introdução e acréscimo de acepções
científicas, marcação de domínios (brasileirismo, regionalismo, folclore, familiar,
vulgar, coloquial, gíria, etc.), transcrição fonética.15O u - tro domínio que a partir do
século XIX começa a ser introduzidoé o do jornalismo. O dicionário de Soares (1888)
inclui, entre suas fontes, vários

14

Note-se que o recém-lançado Dicionário Houaiss da língua portuguesa não segue esse
pro- cedimento, dedicando mais espaço aos comentários etimológicos, introduzidos no
interior dos verbetes.
15
No Dicionário da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes (1961), editado pela
Academia
Brasileira de Letras, apresenta-se uma transcrição fonética dos termos

Referências bibliográficas
118

das no território. Refletindo sobre questões deética e política lingüística, Orlandi coloca
que³ao invés de considerar uma oposição estrita entre uni- dade e diversidade,
consideramos essa relação como uma relação necessá- ria e dinâmica. As políticas
lingüísticas são o lugar material de realização dessa relação historicamente necessária
em uma sociedade como a nossa´ (Orlandi, 1998: 13). Uma das conseqüências desta
reflexão para a concep-

ção do dicionário monolíngüe parece-nos ser a de considerar a relação di-

nâmica entre as línguas no interior mesmo do dicionário de³uma língua´. Apesar de o


dicionário monolíngüe apresentar uma unidade imaginária (no caso, do português
brasileiro), de fato há inscrita nele uma série de rela-

ções entre as línguas (de inclusão, exclusão, confronto, absorção, filiação,


etc.), que convém explicitar e não apagar.

Concluindo, diremos que a busca das causas da dicionarizaçãoé também um


trabalho político da memória e do esquecimento16d a ( s ) língua(s), tais como
produzidas e instrumentadas pelos sujeitos em deter- minadas conjunturas. Do nome
próprio de autoràs diversas formas de re- presentação coletiva ou institucional do
dicionário, o lugar do lexicógrafo, assim como o do próprio objeto-dicionário, constitui-
se no interior de uma série de fatos inter-relacionados, cuja historicidade procuramos
explicitar. Realizamos, desse modo, um trabalho de atualização da memória do saber
dicionarístico, sem negar os gestos de interpretação aí envolvidos, mas sim
reconhecendo-os como tomadas de posição na própria construção da(s) história(s) da
dicionarização.

REFERÊNCIAS

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16

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esquecimento na enunciação do discurso político. In: Os múltiplos territórios da
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palavras oriundas de lín- guas africanas seja o de Piso (1957 [1658], apud STUTZ,
2001), que apon- ta o emprego de nomes de animais e vegetais trazidos pelos africanos:

Como os europeus um dia transportaram para a América as plantas e


sementeiras que julgaram lucrativas, assim os africanos, entre as ervas
124
úteis para aqui trazidas, cuidadosamente cultivam ainda a chamada pelos

lusitanosB e l i n g e l a , e pelos angolenses africanosTo n g a ouM a c o m b o , bem


como as duas outrasQ u i g o m bó eSé s a m o. Segue-se a primeira e mais preciosa
espécie africanaQ u i g o m bó, a que os lusitanos deram o nome bastante apropriado
de Quigombó de cheiro, istoé, cheiroso, por causa da semente moscada. [...] A
SegundaárvoreQ u i g o m bó , chama- daQ u i g o m b o pelosíncolas, em toda parte,
e pelos angolenenes

Quillobo. [...] A quarta era trazida pelos etíopes, daquela parte daÁfri-

ca denominada Congo, erva chamadaG i rg i l i m pelos lusitanos, sem nome entre os


indígenas,é considerada por nós uma espécie de sésamo. (Piso, 1957[1658]: 441-5)

A menção de palavras africanas em textos com objetivos variados, como o supra


citado± parte de uma obra de história natural± e em outros trabalhos, como relatos de
viajantes, revela, principalmente, a preocupa-

ção com o referente, o interesse em retratar o novo, o original. Embora não

seja explícita nesses textos uma intenção lingüística, as citações de termos vindos
daÁfrica constituem uma fonte importante para a história do regis- tro do contato
cultural e lingüístico ocorrido no Brasil: ao mesmo tempo em que consignam o
conhecimento e o uso dos termos, indicam os interes- ses e as apreciações dos falantes.
Ao lado desses documentos, encontram- se os registros lingüísticos intencionais,
representados por textos orienta- dos pela identificação e busca de traços africanos na
realidade nacional: listas lexicais, léxicos e dicionários especializados. A investigação
desse material permite identificar os interesses de seus autores, articulados ao contexto
daépoca em que foram produzidos e nos leva a questionar os resultados e a metodologia
utilizada na elaboração de tais registros. Este texto analisará, sem pretender a
exaustividade, trabalhos que registraram a presença de termos oriundos de línguas
africanas no léxico do português do Brasil (PB), situando-os no contexto histórico e
analisando a contribui-

ção que deram ao conhecimento do que passou a ser identificado como


³africanismos´ no PB.
Vestígios de línguas africanas no Brasil
Nenhuma língua africanaé falada, atualmente, no Brasil. Temos al- guns
registros do passado que nos informam indiretamente que tal prática deve ter ocorrido
em lugares e situações especiais. No século XVII, 1697, publica-se em Lisboa a Arte da
lingua de Angola, oeferecida a Virgem

117

os diretamente ligados ao Estado. Na segunda metade desse século, quan- do tem início
a informatização, novas possibilidades técnicas aparecem, cujas implicações apenas
começam a se apresentar. Uma delasé a constru-

ção decorpora eletrônicos a partir dos quais se pode produzir uma série de

dicionários. Editoras e universidades preparam seus bancos de dados em vista dessas


novas condições tecnológicas. Mencionemos a esse respeito o Centro de Estudos
Lexicográficos (CEL) da UNESP, campus de Araraqua- ra, onde foi construído e está
sendo ampliado umcorpus da língua escrita que compreende literatura romanesca,
jornalística, dramática, técnica e oratória. Uma das conseqüências mais visíveis da
informatização nos di- cionáriosé a mudança nas formas de busca. Ultrapassando os
limites da ordem alfabética, temos várias outras possibilidades, como a busca em sub-
domínios, por segmentos da palavra-entrada, pelo texto dos verbetes, por autor citado,
etc.

Dicionarização: interpretação,ética e política

Considerar o dicionário como um objeto histórico nos leva a dizer que sua
constituiçãoé determinada por uma série de fatores causais, que se podem explicitar
analisando-se as condições de sua produção. Este seria um primeiro ponto a se
considerar nas práticaséticas e políticas ligadasà análise e produção de dicionários.É a
partir da analise dessas condições de produção e das periodizações e interpretações daí
resultantes, que pode- mos falar em uma³tradição lexicográfica´, ou antes, em uma
história da

dicionarização, tendo por objeto um conjunto polêmico de saberes consti-

tuídos na base do dicionário e ligados a determinadas conjunturas sócio- históricas. Esta


perspectiva conduz também a questionar a evidência das formas dicionarísticas,
abrindo-se espaço para sua interpretação. Tal inter- pretação não estaria nunca
estabelecida de uma vez por todas, mas sempre sujeita a retomadas e reconstruções.
Como afirma Pêcheux (1988: 293- 304), ao trazer Lacan para refletir sobre a relação
sujeito/ideologia,³só há causa daquilo que falha´. A forma dicionarística, tal como
construída pelo sujeito lexicográfico, nunca coincide com as condições que a
determinam. Daí o fato de que os sentidos que o dicionário produz sempre podem ser
outros, estando abertosà interpretação.

O segundo ponto que gostaríamos de levantar diz respeitoà oposi-


ção unidade/diversidade. Vimos que o dicionário monolíngüe constitui-se
como resultado de uma política lingüística que, enquanto trabalhava o do-
mínio do português brasileiro, muitas vezes silenciava outras línguas fala-

Referências bibliográficas
118

das no território. Refletindo sobre questões deética e política lingüística, Orlandi coloca
que³ao invés de considerar uma oposição estrita entre uni- dade e diversidade,
consideramos essa relação como uma relação necessá- ria e dinâmica. As políticas
lingüísticas são o lugar material de realização dessa relação historicamente necessária
em uma sociedade como a nossa´ (Orlandi, 1998: 13). Uma das conseqüências desta
reflexão para a concep-

ção do dicionário monolíngüe parece-nos ser a de considerar a relação di-

nâmica entre as línguas no interior mesmo do dicionário de³uma língua´. Apesar de o


dicionário monolíngüe apresentar uma unidade imaginária (no caso, do português
brasileiro), de fato há inscrita nele uma série de rela-

ções entre as línguas (de inclusão, exclusão, confronto, absorção, filiação,


etc.), que convém explicitar e não apagar.

Concluindo, diremos que a busca das causas da dicionarizaçãoé também um


trabalho político da memória e do esquecimento16d a ( s ) língua(s), tais como
produzidas e instrumentadas pelos sujeitos em deter- minadas conjunturas. Do nome
próprio de autoràs diversas formas de re- presentação coletiva ou institucional do
dicionário, o lugar do lexicógrafo, assim como o do próprio objeto-dicionário, constitui-
se no interior de uma série de fatos inter-relacionados, cuja historicidade procuramos
explicitar. Realizamos, desse modo, um trabalho de atualização da memória do saber
dicionarístico, sem negar os gestos de interpretação aí envolvidos, mas sim
reconhecendo-os como tomadas de posição na própria construção da(s) história(s) da
dicionarização.

AULETE F. J. Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Parceria


Antônio Maria Pereira Livraria Editora, s.d.
AUROUX Sylvain. A Revolução Tecnológica da Gramatização. Campinas: Editora
da Unicamp, 1992.
AUROUX Sylvain.³A hiperlíngua e a externalidade da referência´. In: Gestos de
leitura: da história no discurso, E. P. Orlandi (Org.). Campinas: Editora da
Unicamp, 1994.
16

De acordo com J-J. Courtine,³Memória e esquecimento são indissociáveis na


enunciação do político´ (O chapéu de Clémentis. Observações sobre a memória e o
esquecimento na enunciação do discurso político. In: Os múltiplos territórios da
Análise do Discurso, F. Indursky e M. C. L. Ferreira (Orgs). Porto Alegre: Sagra
Luzzatto, 1999).

119
AUROUX S., MAZIÈRE F., ORLANDI E. P. L´hyperlangue brésilienne,L a n g a g e
s
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BEAUREPAIRE-ROHAN, Visconde de. Dicionário de Vocábulos Brasileiros. Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1889.
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In:L a n g a g e s 130, Paris: Larousse, 1998.
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Pesquisas lingüísticas em Portugal e no Brasil. E. Gärtner (Org.), Frankfurt am
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de Janeiro: Padrão, 1975.
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MARIANI, Bethania S. C. L institutionnalisation de la langue, de la mémoire et de la
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politique du marquis de Pombal. In:L a n g a g e s 130. Paris: Larousse, 1998.

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Dicionarização: interpretação,ética e política

Considerar o dicionário como um objeto histórico nos leva a dizer que sua
constituiçãoé determinada por uma série de fatores causais, que se podem explicitar
analisando-se as condições de sua produção. Este seria um primeiro ponto a se
considerar nas práticaséticas e políticas ligadasà análise e produção de dicionários.É a
partir da analise dessas condições de produção e das periodizações e interpretações daí
resultantes, que pode- mos falar em uma³tradição lexicográfica´, ou antes, em uma
história da

dicionarização, tendo por objeto um conjunto polêmico de saberes consti-

tuídos na base do dicionário e ligados a determinadas conjunturas sócio- históricas. Esta


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abrindo-se espaço para sua interpretação. Tal inter- pretação não estaria nunca
estabelecida de uma vez por todas, mas sempre sujeita a retomadas e reconstruções.
Como afirma Pêcheux (1988: 293- 304), ao trazer Lacan para refletir sobre a relação
sujeito/ideologia,³só há causa daquilo que falha´. A forma dicionarística, tal como
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determinam. Daí o fato de que os sentidos que o dicionário produz sempre podem ser
outros, estando abertosà interpretação.

O segundo ponto que gostaríamos de levantar diz respeitoà oposi-


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como resultado de uma política lingüística que, enquanto trabalhava o do-
mínio do português brasileiro, muitas vezes silenciava outras línguas fala-

Referências bibliográficas
118

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que³ao invés de considerar uma oposição estrita entre uni- dade e diversidade,
consideramos essa relação como uma relação necessá- ria e dinâmica. As políticas
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em uma sociedade como a nossa´ (Orlandi, 1998: 13). Uma das conseqüências desta
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ção do dicionário monolíngüe parece-nos ser a de considerar a relação di-

nâmica entre as línguas no interior mesmo do dicionário de³uma língua´. Apesar de o


dicionário monolíngüe apresentar uma unidade imaginária (no caso, do português
brasileiro), de fato há inscrita nele uma série de rela-

ções entre as línguas (de inclusão, exclusão, confronto, absorção, filiação,


etc.), que convém explicitar e não apagar.

Concluindo, diremos que a busca das causas da dicionarizaçãoé também um


trabalho político da memória e do esquecimento16d a ( s ) língua(s), tais como
produzidas e instrumentadas pelos sujeitos em deter- minadas conjunturas. Do nome
próprio de autoràs diversas formas de re- presentação coletiva ou institucional do
dicionário, o lugar do lexicógrafo, assim como o do próprio objeto-dicionário, constitui-
se no interior de uma série de fatos inter-relacionados, cuja historicidade procuramos
explicitar. Realizamos, desse modo, um trabalho de atualização da memória do saber
dicionarístico, sem negar os gestos de interpretação aí envolvidos, mas sim
reconhecendo-os como tomadas de posição na própria construção da(s) história(s) da
dicionarização.

AULETE F. J. Caldas. Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa. Parceria


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De acordo com J-J. Courtine,³Memória e esquecimento são indissociáveis na


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esquecimento na enunciação do discurso político. In: Os múltiplos territórios da
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119
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120
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A diversidade do léxico do português do Brasil foi notada pelos primeiros
viajantes e tornou-se matéria de estudo lingüístico no século XIX. Os primeiros trabalhos
sobre a diferença entre o português de Portugal e o português brasileiro (PB) observaram
que a variedade nacional se distin- guia da língua da antiga metrópole pela incorporação
de termos de origem indígena e africana, decorrente do contato dos falantes de línguas
diversas e da necessidade de denominar realidades novas encontradas na América.
Segundo Arthur Neiva, osbrasileirismos± como tais peculiaridades passa- ram a ser
reconhecidas± surgem logo nos primeiros trabalhos escritos sobre o Brasil e talvez os
primeiros vocábulos registrados sejam os que constam da lista de doze palavras colhida
por Pigafetta, cronista da expedição de Fernão Magalhães, em 1519, entre as quais
estão:pindá ³anzol, gancho, fisga, gar- ra´ eui³farinha´ (Neiva, 1940: 3, apud Theodoro
Sampaio).

Antes da chegada dos portugueses ao Brasil, a língua portuguesa já havia


entrado em contato com as línguas africanas, como se observa em documentos
portugueses dos séculos XVI e XVII (Bonvini, 1996) que re- velam o uso de termos
emprestados principalmente do quimbundo, refe- rentesà escravidão, ao tráfico,à vida
militar e ao quotidiano. No Brasil, talvez um dos registros mais antigos do uso de
palavras oriundas de lín- guas africanas seja o de Piso (1957 [1658], apud STUTZ,
2001), que apon- ta o emprego de nomes de animais e vegetais trazidos pelos africanos:

Como os europeus um dia transportaram para a América as plantas e


sementeiras que julgaram lucrativas, assim os africanos, entre as ervas

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derivada de um empréstimo mais antigo, um empréstimo de segunda gera-
ção e, a esse título, é significativo encontrá-la no historiador brasileiro de
Angola, Silva Corrêa (1782).

Como mostra este breve ensaio, a utilização judiciosa das variantes de


empréstimos que encontramos no português falado no Brasil permite chegar a sólidas
hipóteses sobre a origem dos empréstimos oriundos de línguas africanas, sobretudo as
que são do tipoµbanto¶. Esses empréstimos apresentam a vantagem de serem mais
amplamente atestados e também mais antigamente integrados. Este trabalho, entretanto,
assenta-se sobre duas condições prévias: por um lado, um levantamento sistemático de
to- das as formas de empréstimos atestadas no Brasil e, paralelamente, um
conhecimento aprofundado e extenso das línguas faladas naÁfrica.

Esta abordagem não exclui os casos de ambigüidade, ela pode, ao contrário,


colocá-los em evidência.É o caso quando um dado termo pode ser interpretado como
procedente de um empréstimo de uma língua africa- na ou de um empréstimo da língua
tupi. Veja-se o seguinte exemplo: for- malmente, /mulungu/ [Do tupimurun¶ gu.] pode
tanto ser uma palavra de origem banto quanto tupi, com umaúnica diferença, o
acento, que nãoé o mesmo para cada uma das línguas : /mu¶lungu/ (banto) no lugar de /

murun¶gu/ (tupi) ; /r/ et /l/ são intercambiáveis em muitas línguas africa-


nas. No plano semântico, as duas origens também são possíveis, já que o
Novo Aurélio século XXI dá três acepções diferentes, duas indígenas e uma

africana :«1. V.corticeira. 2. V.flor-de-coral. 3. Espécie de ingome, de origem africana,


que produz sons retumbantes». Nãoé de espantar que essa semelhança formal tenha sido
fonte de confusão desde a partida e que ela tenha causado uma espécie de« leitura» bi-
direcional: o indígena bra- sileiro interpretando a palavra africana segundo o modelo
tupi, o africano interpretando a palavra tupi conforme o modelo banto. A hesitação do
lo- cutor encontra-se com a do descritor de hoje face a essa palavra estrangei- ra. Uma
verdadeira análise sistemática dos dois tipos de empréstimo traria, a nosso ver, um
esclarecimento importante sobre os contatos de línguas no período da escravidão e,
finalmente, sobre a identidade lexical do portu- guês falado atualmente no Brasil.

161
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