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a a ¥ “Do mesmo auctor: Consethos praticos sobre a 2.° edicfio, broch. 100, ene. Aos menin primeira Commnnl 160 rei io ow a erenga em Jesus Christo, broch. 100, ene. 160 reis. |) © Interna. Se existe. — 0. ques é. — Como poderemos evital-o, 2.* edigfo, broch. 100, enc. (160 re: A Sagrada Co 100, enc. 160 reis. Verdades como punhos. Broch. 50, ene. 100 reis. Padre F. X. SCHOUPPE da Companhia de Jesus © Dogma do In ‘llustrado por “ factos tirados da histori ada e profanas ~ Approvado pelo Em." Snr. D. Americo, Cardeal Bispo do Porto, Broch, 120, ene, 200 reis, @ PORTO —TYP. PROGRESSO de Domingos A. da Silva & C.* 15, Largo do 8 Domingos, 15 Nef, S 0 INFERNO” Se existe—0 que ¢—Como poderemos evi vor Mons! SEGUR SEGUNDA EDIGAO Apptovada pelo Ex ¢ Revzmo Sar, D, Antonio, Aloysio Gomes da Silva 39, Rua da Pieatia, «1 1908 Approvacao canonica «Péde publicar-se. Porto, 2 de Setembro de 1905. } A. Bisro no Pouroo. r "A Sua Santidade o Papa Pio IX ao ductor PIO IX, PAPA Amado Fitho, Sande © Beneio Apostolie Nos vos felicitamos de todo 0 coracho por deixardes ide sexguir fickmente o com tanto provel a -vossn voracio de aranto do Evangelho, As ¥o8s Publicacies sio hem deprossn espalhadas entre Povo por meio de milhares d'exemplares. ‘08 vossos eseriptos so. to procurados, 6 porque agradam; e se nfo tivessom o dom ae Attrahir os espivitos, de penetrar até 0 intimo: dos coragées ede produzir welles os sens bene: fieos efteitos, nao potterian agradar. Aproveitie, pois, a raga que Dons vos con- cede, continiae « trabathar com ardor 6 eum= prir vosto ininisterio d'evangelisied Quanto a Nis, vos promettemos da parte de Dens wna grandivsa proteeeto para podérdes zer 20 caminho da salvacio am numero amas cada vez mais eonsiderayel, © grangeardes este modo una magnifion cordn do glorian 2 Nresta espectativa, reecbei, como la protecgio divina @ dos ontros dons. do Senhor a Bongo Apostoliea, que vox eoneedemos, muito amado Filho, com todo 0 aitveta do Noss cora: Gio, para voa testemunhar a Nossa paternal bo nevolenei. Dado em Roma, janto de S. Pedro, aos 2 de Margo de 1876, trigétsino anno do Noaso Ponti- a Pro 1x, Para, PROLOGO Era em 1837, Dois alferes, ainda mogos, que, ha pouco, tinham sahido de Saint-Cyr, Yisitavam os monumentos ¢ raridades de Pa _ ris. Bntraram na egreja da Assumpe%o, junto das Tulherias, ¢ estacaram a obscrvar 08 qua- dros, as pintnras ¢ todas as obras artisticas Paguelle bello ed Nem sequer pensa- vam em orar. Um d’elles vin ao pé d’um confissionario ~ um padre, ainda novo, com sobrepeliz, que | adorava o SS. amento. «Olha para este seu camarada; sem duvida es- pera por alguem, —‘Talvez por ti, respondeu 0 outro rindo-se.—Por mim? Para que?— Quem sabe? Talvez para te confessar.— Para me confessar? ! Pois bem, apostas que sou ea igs els ir? — Tn, ives confeasar-to?! Ora!» poz-se a rir, sacudindo os hombros. «Apos- tas?, repetiu 0 novo official, com um modo | zombeteiro © decidido, Apostemos um bom ‘pnozouo Jantar, acompanhado @'uma garrafs de vigho de Champagne. — Acceito a aposta do jantar e do vinho, Dessfio-te a ires confessiir-te. » Dito isto, 0 outro dirigin-se ao padre e fallou- The ao ouvido; esto levanton-se, entrou no confissionario, emquanto o fingido penitente langava para o seu camarada um olhar de yencedor, ¢ ajoelhava como para confes- sar-se. «Tem graga!>, murmurou 0 outro; © as sentow-se, par ver em que viria aquillo « parar. Eaperou cinco minutes, dez minutos, um quarto de hora, «O que 6 que elle faz?, perguntava a simesino, com uma euriosidade quasi impaciente. O que poderd elle ter dito todo este tempo? » Emfin, 0 confissionario abriu-se, 0 padre sahiu com o semblante animado ¢ grave, e; depois de ter sondado o joven militar, cristia, O official levantow-se tambem, vermelho como a erista dum gallo, puxando pelo bigode com ar um pouco dis simulado, e deu signal ao seu amigo que o seguisse, afim de sahirem da egreja. Que’ é iss0?, disse este, O que foi que te acontecen? Sabes que te demoraste quasi vinte minutos com o padre? Palavra de honra, julguei por um momento que ias fe dovéras. Com effeito, ganhaste bem o ten jantar. Queres que seja esta tarde? —Nio, responden o outro com man humor; hoje nfio. Qualquer dia nos veremos. Tenho gue fazer © preciso de me retirar de tir pertando a milo de seu companheiro, afas- tou-so precipitadamente, de ma catadura, O que se teria passado. entre o alferes © © confessor? Kil-o: Apenas o padro abrin a portinha do confissionario, conhecen, pelas maneiras do joven official, que esto ia alli, nfio para confessar-se, mas para fazer zom= baria. Tinha elle ousado dizer-Ihe, conelin- do niio sei que phrase: «A religito! — con- fissio! Eu zombo de tudo isso!» O padre era homem atilado. «Perd&o, meu caro senhor, disse interrompendo-o com brandura; vejo que o que fazcis nko 6 a serio. Deixemos de parte a confissito e'con- yersemos alguns instantes. Gésto muito dos militares, e, sogundo me parece, vés sois um joven bom ¢ amavel. Dizei-me: qual é a vossa graduacho?» O official comegava a conhecer que tinha commettido uma sandico. Contonte por achar um meio de sahir deste estado, respondeu cortezmente: «Sou apenas alferes. Sahi ainda ha pouco de Saint Cyr. —Alfores? E ficareis muito tempo alferes? ¥ a « PROLOG - 9 —Eu sei 14, Dois annos, on tres annos, quatro annos talvez.—E depois ?—Depois Passarei a tenente.—F. depois?— Depois serei capititio. —Capitilo? em que idade se péde ser capitiio? —Ne tiver fortuna, respon don o official sorrindo, posso ser capitito aos yinte e oito on vinte ¢ nove annos.—E de- pois?—Oh! depois 6 difficil, Fica-se mnito tempo eapitio. Depois passa-se a major, em seguida a tenente-coronel, e depois a coronel. —Mnuito bem! Ahi estas vés coronel n03 guarenta ou quarenta e dois annos de idade. E depois? —Depois serci goneral de brigada @ depois general dle divisio. —E depois? Depois nfo resta senilo o gran de marechal mas as minhas aspiragtios nfo chegam @ tanto.—Embora; mas nao chegareis a ca- sar-vos?—Talvez chegue, talvez; mas seri 86 quando for official superior. —Pois bem! Entio sereis casado, official superior, general de brigada, general de divisio © talvex até marechal de Franca, quem sabe? E depoi senhor?, accrescenton 0 padre com anctori- dade. —Depois? depois? replicon o official, quasi confuso. Oh! créile; niio sei o que succederé depois. —Véde como isto & singu- lar, disse entiio 0 sacerdote com um aecento cada vez mais grave. Sabeis o que se pas- até entiio e niio sabeis 0 que depois edera. Pois bem, en o sei vou dizél-o. epois, senhor, morrereis. Apenas morrer- "des, apparecereis diante de Deus para serdes _julgado. Se continuardes a viver como até agora, sereis condemmado e ireis arder eramente no inferno, is-aqui o que spois suecederé! » O mancebo, aterrado ¢ enfastiado deste remate, parecia querer esquivar-se. «Um ine "stante inais, senhor, continuou o padre. Te- tho ainda ‘algunas palavras a dizer-vos, Sois honrado, nio ¢ verdade? Pois bem, ea ambem o sou, Viestes aqui zombar de mim; sso dar-me uma reparacho, a em nome da_honra. Seré les. Haveis de me de oito dias, de “afiancar que, por esp: ‘noite, antes’ de vos deitardes, posto de | joclhos, direis em voz alta: «Um dia hei Bi wiorrer, mas rice disso. Depois da iminha morte serei julzado, mas rio-me disso, “Depols do mew julgimento, serei conten: nado, mas rio-mé disso. Ireis arder eterna- mente no inferno, mas rio-me d’isso. » - Direis isto; mas dacs-me a vossa palavra de honra do que nio haveis de faltar, nko & verdade? » © alferes, cada vez mai 4 rendo a todo o custo sahir d’aquelle emba- rago, prometten tudo e em seguida o bom padre despedin-o com bondade, accrese tando: «No preciso, meu caro ami dizer que vos perddo de todo 0 meu cor: Se tiverdes necessidade de mim, aqui raramn-se, como vimos. © novo official jantou s6. Via-se que es tava vexado. A’ hoite, antes de se deit hesiton wn pouco; mas tina dado sua vra de honra; nfo faltou ao prometti «Morrerei, serei julgado; irei talver pi © inferno...» Nio teve animo de accre centar: «rio-me d’isso. » z Assim decorreram alguns dias. Sua peni- tencia lembraya-lhe continuamente o parecia munir-lhe aos ouvidos. A sua indole, como a das noventa e nove centesimas ‘parte os mancebos, tinha mais de dissipado que de msu. O oitavo dia no passou sem: que o official voltasse, entio desacompanha- do, 4 ogreja da Assumpelo, Confessou-se com contriegiio sincera, e sahiu do confis- sionario com o rosto banhado de lagrimas ea alegria no coragio. indo _alguem me certificon, elle foi um digno ¢ fervoroso christie, Foi a litagto do inferno que, com a graca de Deus, operon aquella mudanga. Ora, 0 ucto que ella produziu no espirito deste ovo official, porque o n&o prodazird no 0, caro leitor? __ E’ preciso, ‘pois, meditar no inferno em- “quanto 6 tempo. ~_ Cumpre pensar no inferno, B’ uma ques- 0 pessoal a sun existencia, ©, confesac-o, profundamente temivel. Aquella questo proposta a cada um de nds; e, bom on ran grado nosso, necessita @ama solugio itive. Vamos pois, se quizerdes, examinar, breve ‘mas rigorosamente, duas coisas: 1." se existe inferno; 2.* 0 que 6 o inferno. Appéllo aqui nicamente para a vossa £6 e probidade. Se existe inferno es niferno: tem sido este a crenga de todos os poves em todos. os tempos: © que todos os povos teom sempre a ditado em todos 03 tempos, constitue 0 qu se chama uma verdade de senso commim, ou, se assim quizerdes dizer, uma verdad de sentimento commum, universal. Aquell que niio quizesse admittir uma d’estas gran— des verdades universaes, niio teria, como muito bem se diz, senso commum, Gom ef feito, s6 um insensato poderd imaginar que pode ter razio contra todo o mundo. 3 Ora, em todos os tempos, desde o princi pio do’ mundo até aos nossos dias, todos os. povos teom acreditado no inferno, 2 , 0 INFERNO Debaixo d’um on d’outro nome, de firmas mais ou menos, alteradas, teem recebido, eonservado ¢ proclamado a crenga em cas- tigos terriveis e eternos, em que 0 fogo ap- ee punigio dos maus spois da sua morte. EY este um facto corto, © que tem sido to claramente estabelecido pelos nossos grandes philosophos christios, que seria superfluo, por assim dizer, dat-nos ao tra- balho de proval-o Desde 0 principio do mundo acha-se a existencia d’um inferno eterno de fogo consignada em termos bem claros nos mais antigos dos livros conhecidos, que so os de Moysés. Nao os cito aqui, notae bem, senito sob o ponto de vista puramente historico. O° nome de inferno acha-se ahi com todas as suns lettras, ‘Assim, no docimo sexto capitulo do livro dos Numeros yémos os tres levitas, Coré, Dathan e Abiron, quo tinham blasphemado de Dens ¢ se revoltaram contra Moysés, «precipitados. vivos no inferno» ¢ 0 texto repete: «E desceram vivos para o inferno (descenderuntque vivi in infernum); @ 0 fogo (ignis), que o Senhor fez sahir entio, devo- Tou 0s outros duzeritos e cincoenta rebel- en des.» Ora Moysés eserevia isto mil e seis- ‘contos annos antes do nascimento de Jesus Christo, isto é ha perto de tres mil ¢ qui- mhentos annos. * No Denteronomio o Sonhor diz pela bocea de Moysés: (O fogo accenden-se na minha. colera, © os seus ardores ponetrario até ds profundezas do inferno (et ardobit usque ad inferni novissima).» "No livro de Job, igualmente escripto por Moysés, segundo «firmam os maiores sabios, os impios, enja vida é cheia de gésos, e que @izem a Deus: «Nao temos necessidade de v6s, nem queremos a vossa lei; de que vale servir-vos © orar?, estes impios ccahem: n’um instante no inferno (in puncto ad in- ‘ferna descendunt).» Job chama ao inferno ca regio das trevas, a regio envolvida nas sombras da morte, a regiio da desgraca e das trevas, onde nfo ha ordem alguma, mas reina 0 horror eterno ‘sed sempiternus horror inha- Bitat).» Eis-aqui testemanhos certos, mui respeitaveis, que remontam 4 origem pri- mitiva da historia, Mil annos antes da éra christi, n'esse tempo em que ainda nfo existia a historia grega, nem romana, David e Salomio fal- 16 0 INFERNO Jam frequentemente do inferno, como @uma grande verdade do tal modo’ conhecida e reconhecida de todos, que nio ha mesmo nevessidade de 2 demonstrar. No livro dos Psalmos, David diz, entre outras coisas, fallando’ dos peccadores: «que elles serio Jangados no inferno (eonvertantur peecato- rea in infernwn). Que os impios serio con- fandidos © precipitados no inferno (et dedu- cantur in infernum .» N’outra parte falla das «dores do inferno (dolores infernt). » Salomio nfio é menos formal, Ao referir os designios dos impios, que qaerem sedu- zir e perder o justo, sttribue-lhes estas palavras: «Devorémol-o vivo, como faz 0 inferno (sfeut infernus).» FE n’aquella famo- sa passagem do livro da Sabedoria, em que descreve tio admiravelmente a desespcra- Ho dos condemnados, accrescenta: «His 0 que i ‘in inferno) aquelles que pecearam; porque a esperanga do impio desvanece-se ‘como o famo yue o vento leva.» Emm outro de seus livros, chamado o Eccle- siastico, diz ainda: «A multidio dos impios & como um embrulho de estopa, e o seu ultimo fim é a chamma de fogo (jlamma ignis); so os infernos, as trevas e as penas FT (et in fine illorum inferi, et tenebrae, et pence)» Dois seculos depois, mais de oitocentos an- tes de Christo, o grande propheta zia: «Como eahiste do alto dos eéos, r? tu, que dizias em ten coragio: ltura do oé seme- 0», eis-te precipitade no ado do abysmo (ad infernum profundum tact)» * passagem de suas prophecias, do fogo eterno do inferno. «Os diz elle, fieam aterrados. Qual deri habitar com 0 fogo devo- 2 tyne devorants) © com a8 cham- scum ardovibus sempiternis)? » ropheta Daniel, quo viveu duzentos is de Isaius, diz, fallando da do Juizo final Ea multidio a no pb despertarfio, uns gutros para um oppro- nual ado por parte as até ao precarsor do Baptista, que tambem fal- lava ao povo de Jerusalem do fogo eterno do inferno, como d'uma verdade conhecida por todos, © de que jamais ninguem duvi- resurreigh dos que dos outros proph Mesias, S. Le TD sxwnaxo dou. «Bis que Christo chega, oxclama elle. Padejard o seu gro, recolhers o trigo (os escolhidos) nos sens celleiros; quanto & pa- Tha (03 peccadores), lan a no fogo que nunca se apaga “in igne inextinguibili). » ‘A antigaidade pagi, groga e latina, fal- la-nos tambem do inferno e de suas terriveis penas, que nunea terio fim. Debaixo de formas mais ou menos exactas, segundo os. povos o: is ow menos afastados das tradig as e dos ensinamentos dos Patriarchas ¢ dos Prophotas, acha-se sem- pre a erenca no inferno, ¢’no inferno do fogo e de trevas. ‘Tal & 0 Tartaro dos gregos ¢ dos latinos, «Os impios que desprezaram as leis santas, sMo precipitados no Tartaro, para nunca sa- hirem delle ¢ para soffrorem ahi tormentos horriveis cternos», diz Socrates, citado por Platto, sou diseipulo. FE Platto diz: «Deve-se dar credito 4s tradictes antigas e sagradas, que ensinam que depois desta vida a alma sera julgada @ punida severamente, se nfo viveu como devia. » Aristoteles, Cicero e Seneca fallam @ostas mesmas tradigfes, que se perdem na noite dos tempos. Homero © Virgilio revestiram-as com 0 es primiti 19 colorido de suas immortaes poesias. Quem nto lea ainda a narracto da descida de Eneas aos infornos, onde, sob 0 nome do Tartaro, do Plato, ete., descobrimos as grandes verdades primitivas, desfigurada elo paganismo? Os suppli- eternos, ¢ um 2 s 6 pi ntado como «fixa- inferno.» Esta crengy ineontestada fe e reconhecida pelo primeiro 0, Bayle. Sen collega no ismo e na impiedade, o inglez broke, declarou-a com igual fran- . so extene Eins a igsis’, dos impios que nilo teem querido er a Deus © que nio obedecem ao gelho de Nosso Senhor Jesus Christo; penas eternas na morte, r (penas dabunt in Fallando do que aconteceré no fim do mundo, diz: Entio o Filho do homem enviar’ os seus Anjos, que agarrario os que tiverem praticado 0 mal, e 03 arrejarto na fornalha do fogo (tn camtnum ignés), onde haveri pranto ¢ ranger de dente Quem tiver oavidos para ouvir, que onguy. Quando o Filho de Deus predisse 0 Juizo final, no vigesimo quinto capitulo do Evan- S nos conhocor elho de 8, Mathous, Pantemio os proprios termos da sentenga » diz que os peceado- astigo dos mans anjos P a nas profundezas do os do Tartaro (rudenti- tos in Tartarum tradidit que ha de pronunciar contra os réprohos: Chama-os «iilhos da maldigtio «Retirac-vos de mim, malditos, para o fogo aie filii), aos quaes esto reser- res das trevasp. JoRo falla-nos tambem do inferno e de . A respeito do Anti-Christo Iso propheta, diz: «Serfo langa- sivos no abysmo ardente de fogo ¢ de jecxofre (in stagnum ignis ardentis sul- re), para ahi scrom atormentados de dia ‘ite por todos os seculos dos seculos ‘abuntur die ac nocte in saecula saecu- eterno (discedite a me, maledtcti in ignem asternum)». F. sccresconton: «Estes irto para o supplicio eterno (in supplicium as- ternum)». Pergunto-vos: ha porventura al- ama coisa mais explicita? BOs Apostolos, ecarregados pelo Salva- dor de desenvolveren ina © com- pletarem suas revelagies, fallam-nos do inferno e de suas chammas eternas uma, maneira nfo menos iatelligivel. Para nfo citar sono algamas do suas palavras, lem- Dremo-nos do que disse S. Paulo aos chris tos de Thessalonica, na sua prigagio sobre © Juizo final, que o Filho de Deus «tirard inganga, na chamma do fogo (in flamma Enfim, o Apostolo 8. Judas falla-nos do in- ru0, mostrando-nos os demonios © os répro- presos por toda a cternidade no meio trevas @ soffrendo as penas do fogo (ignés aetorné ponam sustinentes)>. a anal FB em todo o curso de suas Hpistolas inspi- xadas insistem ox Apostolos continuamente no temor dos juizos de Deus © nos castigos eternos que aguardam os peceadores impe- nitentes. "Apés ensinamentos to claros, 6 porven- tura de admirar que » Egreja nos apresente a cternidade das penas ¢ do fogo do inferno como um dogma de { propriamente dito? F isto de tal modo, que aquelle que ousasse negal-o, ov simente duvidar d’olle, seria por este facto hereje. Portanto, a oxistencia lo inferno ¢ um artigo de fé catholica, & estamos d’elle tio certos, como da existen- cia de Deus. Logo, ha inferno, ‘Bm xesumo: 0 testemunho de todo o ge- nero humano ¢ das suas mais antigas tradi gBes, 0 testemunho da natureza humana, da Feeta raziio, do coragho e da consciencia, o, além d'isso, 0 testemunho do ensino infalli- vel de Deus e da sua Egreja, sko concordes om attestar-nos com uma certeza absoluta que ha inferno, inferno do fogo ¢ de trevas, inferno ctorno, para castigar os impios ¢ 08 pecesdores impenitent Caro leitor, poder uma verdade ser esta~ Delecida de maneira mais peremptoria? Sh REISTE IEA, 29. O inferno existe pai i ; iste para castigo dos réprobos @ n&io para deixalos volta nae Quando ello so Pre valle aot a jizeis que nunca ninguem voltou de I i. dade ri cea fi a ce haa na ordem habitual da eel oncia. Mag 6 porventura corto que nunea ninguem volton do inferno? Estaos certo de que, para mostrar a sux misericordia ¢ Justiga, Deus nunca permittin que appare. congo ny terra umn condninado? es Na Sagrada Escriptura e na historia pea ae are © ma Metra Gloss que se tenha tornado a orange, gHe geral eaten cin em do ontro mundo, ee ee se nilo tivesse por funda- oe me que vos conte aqui alguns fact a authentic ude parece incontes- if ¢ provam a existencia do inf pelo tremendo testemun de ld polo ‘tremendo testemunlo dos quo de ld O dr, Raymundo Diveres, — Na vida de © 1srRnN0 §. Bruno, fandador da ordom dos Cartuxos, eneontra-so um facto, estudado a fando los doutissimos Bollandistas, e que apre- genta ‘i critica, a mais séria, todos os cara- ‘teres historicos de authenticidade; nm facto acontecido em Paris em pleno dia, na pre- senca de muitos milhares de testemunhas, fe eujas narragdes foram recolhidas por con- temporaneos; emfim, que dou naseimento-a uma grande Ordem reliziosa. Um celebre doutor da Unive idade do Paris, chamado Raymundo Diocres, sca~ bava’de fallecer no meio da_admiragio ‘universal ¢ da tristeza de todos os seus diseipulos. Era no anno de 1082, Um dos mais sabios doutores d’aquelle tempo, co- nhecido em toda « Europa pela sua scien- cin, talento e virtudes, por nome Brano, estava entio em Paris com quatro compa- nheiros, e tomon por um dever assistir ds exeqnias do illustre morto. O cadaver tinha ido depositado na grande sala da_chan- cellaria, proximo 4 egreja de Notre-Dame, © uma multidio immensa coreava o leito, onde, segundo o uso do tempo, estava ex- to 9 morto, coberto com tim simples véo. ‘No momento em que se principiava a cantar uma das ligdes do Officio de defun- Se Fino. aL tos, que cemega assim: «R my a assim: «Responde-me, grandes @ numerosns sto tas iniquidadvags ma vor sepulchral sahin dobsixe do w6o funebre, © toda a multidto de povo i 10 de Deus sou accusado», Todos ore am para junto do cuduver: enguewse 0 panno mortuario; o infeliz estava immovel, gelado, perfeitamente morto, A coremonia’ Por ‘um, momento, intorrompida, fot de novo megada. Os assisten: estavam cheios de ° ror. Repetine © Ofeio; chogous0 & veferida lig no" elles Feces: Dresta. vez, & vista de todo 0 V0, ergucn-se 0 morto, © com eee rip «Por justo juizo de Dous sou julgados, ¢ tornow a cahir. O terror do anditorio che, ao, seu auge. Os medicos examinaram @ morto, O cadaver estaya frio e rivido, Nao orto ¢ stava Frio © vivid houve coragem de eontinuar, eo ‘Omielo icon adiado para o dia seguinte. oa As auctoridades ecclosiasticas nfo sabiam © que se devoria resolver. Uns diziam: ¢E um réprobo; é indigno das oragtes da Egrojay. Outros diziam : «Nio, tudo isto & sem duvida mui terrivel ; mas, emfim, todos nflo scromos porventura accusados pric ‘este lastimoso estado. Nio ousava revelar horrivel e vergonhoso que © opprimia. ‘Emfim, uma doenga mortal veio facilitar- the o moid de fazer una boa confissto. « Ago ra, que estou doente, disse elle, vou confessar tudo, Quero fazer uma confissilo geral antes de morrer.> Mas, dominado pela soberba, de fal modo embrulhon « confissito das suas oul- pas, que o confessor nada pide perceber. TPove tm yago desejo de confessar-se no dia soguinte; mas sobreveio um accesso de deli- io, eo desgragado morren sem uma bow — confissto das suas culpas. A Communidade, me ignorava a terrivel realidade, dizia: -FS6 elle nifo esta no eéo, qual de nés poderé Ji entrar?» E nas suas mos iam tocar © eruzes, rosnrios © medalhas. O corpo foi -fransportado com uma especie de veneragto para a egreja do mosteiro, ficando exposto Fe coro até-a manhX do dia seguinte, em E. .e se deviam celebrar os funeraes. _-WiAigans momentos antes da hora mareada para. as exequias, um dos religiosos, ao ir Kear © sino, vin de repente diante de si, fanto do altar, 0 defunto cereado de cadeins que, de abrazadas pelo fogo, pareciam ver- sethas, e divisou na sua figura alguma coi do ineandescente. Aterrado, o pobre religioso eahiu de joelhos com os olhos fi q x08 orosa apparigto, nto 0 réprobo Tho sical «No oreis por mim. Eu eston no inferno por toda a, eteridado. « Contou a Iemen- vel historia da sua fanesta vergonha e dos sous sacrilegios, ¢om seguida desapparecen, leixando na egreja um tilo man cheiro, que $2 epalliou polo convonto, eomo para pi fara verdade de indo o quo. 0 religioso weabava do vér © onvir. Avisados os supe. tiore, cates mandaram immediatamesto ro cadaver, julgs indi Bepnitara ecclesia” tiene a A meretriz’ de Napoles.—' i de Jeronymo, celebre tnissionat ode Cae hin do Foss no comégo do sestlo decattog tra oncarregado do dirigir as misses de Naz poles. Certo dia, om que prigava n'uma raga dalli, algumas mulheres de md vida, feunides por convite d'auma dentro ollas ghamada Catharina, osforgavam-so om por” furbar 9 sermio com doscantes © exclama- ex ruidosns, para obrigar 0 padre a Zrttarso; mas elle nfo deisou de concluir sett , dando most i Gtictar com a8 suas involencina 2 Algum tempo depois foi de novo prégar ene ee ‘Ao vér fochada a porta © daa casa de Catharina, onde ordina- riamente havia grande tumalto, n’um pro- fando silencio exelamon o santo: «Oh! que acontecen a Catharina?—Padre, nito sabe? ‘A desgragada morreu hontem de tarde sem poder pronunciar'uma s6 palavra,—Catha- Fina miorreu? replicou 0 santos morreu de repente? Entromos e vejamos.» Abriram a orta; o santo subio a escaduria, © seguido Frama qultid’o do gente, entrou na sala onde o cadaver estava, estendido no chiio, sobre um panno mortuario, circumdado de quatro velas, segundo o uso do paiz. Obser- you-a por algum tempo com olhos espan~ tados, @ depois disse em voz alta: «Catha- rina, onde estés agora?» O cadaver nada responden. © santo ropetiu: «Catharina, dize-me onde estés agora, Ordeno-te que me digas onde 6 a tua morada. » Entio, com grande espanto de todos, os olhos do cada- Ver abriram-se, seus labios agitaram-se con- vulsivamente, @, com voz aterradora, res ponden: «No inferno! estou no inferno!» ‘A estas palavras, os que as ouviram fugi- tam espantados, 6 0 santo desceu com elles, repetindo: «No. inferno! Oh, Deus! No in ferno! Ouvistes? No inferno!» A improssto deste prodigio foi to viy P igio foi tho viv: que muitos que d’elle foram testem niio ousaram entrar em suas casas sem Primeiro se terem confessado. © amigo do Conde Orloff.—No Dedictcsto'sce faanp oo ro, cada qual mais authentico, © quo choza ram ao meu conhecimento. O'primeiro pas- sou-se quasi na minha familia. Acontocen elle na Russia, em Moscou, ponco. tempo antes da horrivel eampanha’de 1812, Mou avd materno, o conde Rostopchine, gover- nador militar de Moscou, era muito amigo do general conde. Orlof cclebre pela sua Wura, mas mais impio do quo v: Um dia, depois d’am opiparo jantar, mine e um de sous amigos, 0 general V., ti oltaireano ‘como 2 soci, pose 4 rmos horrorosos da igi sobretudo do inferno, «E se por cua Orloff, houvesse alguma coisa além do tumulo?—N'esse caso, replicou o general V. aquelle de nés dois que morrer primeira, vird avisar 0 outro. Que The parece?— Excelente ideia!», respondou conde Orloff. E ambos, apesar de estarem um houve numerosos brindes, 6 conde Orloff co embriagados, deram mui sériamento saa palavra de honra de no faltarem a0 ajuste. Algumas semanas depois rebenton uma d’essas grandes guerras que Napoleio, sabia suscitar, O exereito russo entrou em campanha, e 0 general V. recebeu ordem de partir immediatamente, para tomar um, commando importante. ‘Tinha deixado Moscou havia duas ou tres semanas, quando uma manhi muito cédo, no momento em que me avd se vestia, alguom. abriu precipitadamente a porta do sew quarto, Era 0 conde Orloff, vestido de rou- pa branca, em chinelas, com os cabellos erigados, o olhar espantado, ¢ pallido como um morto. «Que 6 isso, Orloft’? Sois vés, a esta hora, com semelhante traje? Que ten- des, que vos aconteceu?— Mea amigo, res fpnies o cond Oslo, pareoe-ne aus ‘estou loido. Acabo de vér o general V.—O geno- ral V.? Pois elle ji voltou?—Ab! no, yeplicou Orloff, asséntando-se n’um canapé e segurando a cabega com as mios. Nio, nlo voltou e & isso 0 que me espanta.» ‘Meu avé nfo comprehendia nada, e pro- curava socegal-o. «Contae-me 0 que vos acontecen © 0 que quer dizer tudo isso. » Entio, esforgando-se por dominar a sua ER GT 77 ee sxsem aneenxe ke ‘commogiio, 0 conde Orloff narvou o seguint «Meu caro Rostopchine, ha algam tempo 0 general V, © eu juramos mutuamente que © primeiro que morresse viria dizer ao outro se além do tumulo existe algauma coisa, Esta manbi, ha apenas meia hora, estava tranquillamente na minha cama, tendo pouco antes acordado, © nflo pensava sequer no meu amigo, quando de repente se abriram, as cortinas do meu leito e vi a dois 03 de mim o general V., om pé, pallido, @ com a milo direita sobre 0 peito. Disse-m «Existe inferno, ¢ en eahi n’elle.» E desap- parecen immediatamente, Corri depressa a procurar-vos. A minha cabega parte-se. Que | coisa tio estranha! N&o sei o que devo pensar. » _ Mou avo socegou-o como pide. Era diffi: cil, Fallou-lhe de sonhos, ¢ que elle talven dormisse ainda. Disse-lhe que ha muitas coisas extraordinarias ¢ inexplicaveis, ¢ ou- tras trivialidades deste genero, que dio consolagiio aos espiritos fortes, Depois man- dou atrollar os cavallos e reconduzin o conde Orloff a sua casa, Dez ou doze dias depois d’este estranho successo, um postilhio trouxe a meu avd, entre outras noticias, a da morte do geno- een tra, sentiu um grande cheiro a queimado; _ ¢ approximando-se da sua sonhora, que com difficuldade podia fallar, via no pulso uma — / queimadura to profunda, que 0 0350 estava, vista e as carnes quasi consumidas, ¢ ti- nha de largura a m&o d'um homem. Da porta do salfo até 4 cama, @ da cama 4 mesina porta, vin no tapete as pégadas @am homem, que chegaram a queimar 0 tecido d’um a outro lado, Por ordem da sua, ‘senhiora abrit a porta do saliio, e encontrou mais alguns vestigios no tapete. «Pela manhi a infeliz dama soube, com um terror fucil de conceber, que n'aquella noite, d uma hora, o seu lord fora achado, morto junto a uma mesa que tinha mandado transportar para o seu quarto, onde expi- rou, depois de se ter embriagado. «Ignoro, continuou o superior, se esta terrivel ligtio converteu a desgragadu; mas © que sci, 6 que ella ainda vive, © que, para occultar os signaes da sinistra quei- madura, traz no pulo esquerdo, 4 maneira, de bracelete, uma atadura d’ouro, que niio abandona nem de noite nem de dia. Repito: este facto foi-me narrado por um proximo parente d'aquella senhora, christto fervo- ros0, e cuja pulavra dou todo o credito. «Nq familia nflo se falla d'isto; ¢ ew ‘mesmo vol-o confio occultando os nomes das Apesar do véo em quo esta appariglo tem ‘estado. dove ortar onvolvida, paral me impossivel pOr em duvida a sua terrivel authenticidade. Certamente a dama do bra- celete no teria desde ontilo necessidade de que alguem Ihe viesse provar a existencia, do inferno. A prostituta de “Roma.—No anno de 1873, alguns dius antes da Assumpsio, deu-se em Roma wma d’essas terriveis appa- rigdes de almas do outro mundo, que coro: boram eflicacissimamente a verdade da exis- tencia do inferno. Numa d’essas cas infames, que a invasio sacrilega do dom aio temporal do Papa fez abrir em muitos logares de Roma, wna infeliz donzella tinha uma ferida na mo, que a obrigou a ser transportada a0 hospital da Consolagio, Ou porque o sangue, viciado pela devassi- dio, fez aggravar a ferida, ou por qualquer complicasiio, a desgragada morron n’essa noite. No mesmo instante, uma das suas companheiras, que certamente ignorava o que se acabava de passar no hospital, com 7 QE wee Em segundo logar, ¢ a corrupgtio do co- raglo que fax négur a existencia do inferno. Quando se n&o quer deixar a mi vida que chefes da incredulidade voltaireana. Ha- ‘viain estabelecido por A+B que nfio havia Deus, nem Paraiso, nem Inferno; queriam, Weste modo ficar tranquillos. E entretanto ‘a historia mostra-os, uns apés outros, to- mados de horrivel panico no momento da morte, retractando-se, confessando-se © pe- dindo’ perdio a Deus © aos homens. Um @elles, Diderot, escrevia a rospeito da morte d'Alembert: «Se eu nko estivesse junto d’elle, ter-se iia retractado, como todos ‘oe outros.» E mesmo assim pouco faltou, porque elle tinha pedido um padre, Todos sabem que Voltaire, no leito da morte, pedin duas ou tres vezes com instan« cin que The chamassem o parocho de S. Sulpicio; porém seus discipulos cercaram tio bem a sua cama, que 0 peice nilo pode chegar ao pé do velho moribundo, quo ex- iron n’um accesso de raiva e de desespero. Verse winda em Paris 0 quarto onde se pas- sou esta scena tragic. ‘Os que gritam mais fortemente contra o inferno, créem n’elle mais do que nds. No momento da morte eahe a mascara, e ent&o ‘yé-se 0 que estava coberto. Ja se no ouvem aquelles arrazoados inspirados pelo interesse - e dictados pelo médo. elle no existe, embora so sinta o contrario, Twaginemos’ um homem enjo coracto, phantasia, sentidos e habitos ‘quotidianos slo regulados e absorvidos por um amor calpayel. Entrega-se todo sis suas paixdes, sacrifica-se por ellas inteiramente. Ide entto fallar-the do inferno! Fallareis a um surdo. E se algumas vezes, no meio dos gritos da paisto, uve a vor da consciencia o da £6, logo Ihe imp3e silencio, nfio querendo ouvir a verdade, que Iho brada no coracto e The entra pelos ouvidos. Ide fallar do inferno a esses mancebos ibertinos que povoam os lyceus, as officinas, as fabrieas © 08 quarteis. Responder-vos-hito cori phrases de colera © com gargalhadas Gisboficas, raais podcroses para elle do qua 0s argumentos da f8 e do bom senso. Sto querem que o inferno exista, Um dia vi um, que se encaminhou para mim, levado por um resto de {6, Exhortei-o quanto me foi possivel a nfo deshonrar-se com 0 seu procedimento, « viver como ehris- to, como homem e nfo como bruto. « Ta conduz ao inferno, comega-se a dizer que’ sua porta jazia, um pobre mendign, por nome Lazaro, coberto de chagas, que dese- java comer a3 migalhas cahidas da mesa do ico; mas ninguem Ih’as dava, Ora 0 pobre morreu, ¢ foi leyado pelos Anjos ao scio @Abrahio, isto é, ao paraiso. O rico morrew tambem, e foi sepultado no inferno. Ahi, no meio dos tormentos, levanton os olhos e vin ao longe Abrahio, ¢ Lazaro em seu seio Entio em altos gritos, exclamou: «Abra- iio, meu pae, tende -piedade de mim; mandac a Lazaro que molhe a ponta do sew dedo na agua e que venha refrescar-me a Tingua, porque estou soffrendo ' horriveis tormentos n'estas chammas. —Meu filho, respondeu-lhe Abrahio, lembra-te que du- ranto a vida gosaste dos prazeres, a0 passo que Lazaro padecen. Agora elle 'estd con- solado ¢ tu soflrendo.—Ao menos, replicon © rico, enviae Lazaro, eu vol-o pego, a casa de meu pae, pois tenko cinco irmios, e que thes diga os tormentos que aqui se ra que nilo venham, como en, cabir ‘Togar. —'Toem Moysés ¢ os Prophetas, res- pondeu Abrahto; ougam-os. Nao, pae, re- Plicou o condemnado; isso nfio basta. ‘Mi se algum morto os for avisar, entio fa penitencia». E Abrahiio lhe disse: «Se ell nilo escutam Moysés os Prophetas, embora Tesuscite um morto nfo acreditarXo na sua palavra», Esta grave paribola do filho de Deus 6 a resposta antocipada ‘is illustes dos que, para erérem no inferno © converterem-se exigem resurreicdes milagres, Se ao re. dor d'elles abundassem milagres de toda a natureza, ainda nio acreditariam. Seriam como os jndens, que, 4 vista dos milagres do Salvador, ¢ particularmente da. resurrei¢to de Lazaro, em Bethania, n&o tiraram seniio esta conclusto: «Que deve- mos fazer? Bis que todo 0 povo corre atraz Welle. Matémol-o.» E mais tarde, 4 vista dos milagres quotidianos, publicos © abso- lutamente incontestaveis de 8, Pedro © dos outros Apostolos, disseram tambem: « Estes homens fazem milagres que no podemos negar. Mandémol-os prender @ prohibamos- Ibes_que preguem dora em diante o nome fo Jesus.» Bis o gue produzem ordinaria~ ente 08 milagres © as resurreigBes dos mortos navpresenga dos que teem o espifito © 0 coracho corrompidos. ‘ —Quantas vezes nfo se tem repetide a» phrase vordadciramente louea, dita por iderot, um dos maiores impios do seculo passado: «Ainda que todo o Paris, dizia um dia, me viesse affirmar que vira’ resus citar um morto, proferia antes erér que Paris estava louco, do que admittir um milagre. » Ainda os maiores peccados desejam vér milagres; mas inteiramente sto dominados pelas mesmas tendencias, teem tomado as mesmas resolugdes; © se um resto de bom senso os impede de proferir semelhantes absurdos, na pratica nfo fazem mais nem menos. Ye Subeis 0 que 6 preciso para no haver Gifficuldade em erér no inferno? E’ viver do mancira que nio haja Welle nenhum médo. Véde os yerdadciros christios, os Christos castos, conscienciosos, fieis ‘aos seus deveres: vem-lhes acaso a ideia de duvidarem do inferno? As duvidas provéem antes do coracio do que da intelligencia; salvo varas exeopgdes, devidas ao orgulho da meia sciencia, 0 homem de vida regular nflo sente a minima necessidade de decla- mar contra a existoncia do inferno. So aoe 0 taro O que 6 0 inferno sticiosas Primeiro que tudo, campre afastar-nos com cuidado de todas as fiegies populares © supersticiosas, que alteram em tantos espiritos a nogid verdadeira ¢ catholica do inferno, Muitos forjam um inferno phantas- tico © ridiculo, © depois dizem: « Nao creio no inferno, pois 6 absurdo e impossivel. Nao, niio creio nem posso crér no inferno. » Com efieito, se o inferno fosse o que dizem muitas ‘mulheres, alids boas, terieis cem vezes, mil vezes raziio de nflo acredi- tardes n’elle. Todas estas invengies sio dignas de figurar ao lado dos contos que s0 fabricam para entreter a imaginagio do vulgo. Nao é isto o que ensina a Egreja; e se alyumas vezes, afim de commoverem mais vivamente os coragdes, alguns auctores: e prégadores julgaram poder empregar a phantasin, sua boa intengiio nao os impediu do procederem mal, visto que a ninguem 6 permittido desfigurar a verdade e expél-a & te dos réprobos. Deveis Iembrar-vos dos ter ‘mos da sentonca que Elle pronunciard contra | os réprobos no Juizo final, ¢ de que ja falla mos atraz: «Retirac-vos de mim, malditos, © ide para 0 fogo eterno, que foi preparado para o demonio ¢ seus anjos Notac bem: a primeira palayra da sen- tonga do Soberano Juiz faz-nos comprehen- der a primeira pena do inferno, que 6 a “geparagio de Dons, a privagto de Dons, a Miipldicko de Dens; por outras polavras, 6 f -eondemnacio ow reprovasto. +A leviandade do espirito e a falta de £6 “viva impedem-nos de comprehender n’esta vida 03 horrores, espantos @ desesperos que resultam da condemnagio. Fomos eriados para o bom Deus, © s6 para Elle. Tende- mos para Deus como a vista para a Inz @ © coragto para o amor. No meio das mil preoceipagios d’este mundo n&o sentimos bem aquella tendencia, e afastamo-nos de Deus, nosso unico fim, em troco das coisas que hos cercam, do que vémos, onvimos, soffremos e amaimos, Mas depois da morte, a yerdade entra na_posse de todos os sens direitos, Cada um de nds acha-se diante do seu Deus, diante d’Aquel gal e para o qual foi criado, © Saat oe" irvistlo dos homens sensatos, sob 0 protexto de amedrontar os ignorantes, para mais facilmente os fazer sahir do’ caminho da perdictio. Bom sei que muitas vezes se ‘experimenta um grande embarago em fazer comprehender ao povo os terriveis castigos do inferno; ¢ como a maior parte da gente | precisa de representagies materiaes para Conceber as coisas mais clevadas, & qi preciso fallar do inferno e do supplicio dos éondemnados d’uma maneira figurada. Mas muito difficil fazél-o com moderagio; muitas vezes, repito, com as mais excellen- tes intengies cahe'se no impossivel, ou antes, no ridienlo. Nao, 0 inferno niio é isto. D’um modo bem differente, 6 grande o terrivel. Vamos vil-o. em pri dle pena A condemnagito & a soparagto total de Deus. O condemnado 6 uma ereatura total ¢ definitivamente separada do seu Deus. ‘oi Jesus Christo, que nos mostrou a con- como a pena primaria ¢ dominan- ia’ unico que pide dar-Ihe a vida, a felicidade, © deseango, a alegria, 0 amor, emfim, tudo, Ora, figurae-vos o estado daquelle Komem que, n’um momento, absoluta ¢ totalmente, perdeu a vida, a luz, a felicidade, o amor e, emfim, 0 que para elle era tudo. Ima- ginae este vacuo subito e absoluto no qual se abysma um sér criado para amar e possuir Aquelle do qual se vé privado. Gm membro da Companhia de Jesus, P. Surin, que se tornou celebre no decimo sctimo pelas suas virtudes, ¢ infortunios, sentiu durante quasi vin annos as angustias deste terrivel estado. Para livrar uma pobre e santa religiosa da obsessiio do demonio, que resistira a mais de tres mezes de exorcismos, de oragies @ - austeridades, 0 caridoso padre levou o seu heroismo a ofierecer-se como victima, se a misericordia divina se dignasse ouvir 0s seus rogos ¢ livrar aquella infeliz ereatura. Foi attendido; e Nosso Sonhor permittin, santificagio do seu servo, que o demonio apoderasse immediatamente do seu © atormentasse durante longos annos. authentico do que os factos 1s a que den logar a possessio do Surin, © que seria muito longo ey ae referir aqui. Depois do sou livramento recolheu n’um eseripto, que ainda se con- serva, tudo o quo sofiren n’aquelle estado sobrenatural, em que o demonio, apoderan- do-so materialmente, por assim’ dizer, das suas faculdades e sontidos, lhe fazia son- tir uma parte das suas impresses e do seu lesespero de réprobo. «Parecia-me, diz elle, que todo o men ,¢ todas ne'potencias da minke alia @ corpo eram impellidas com uma nia inexprimivel para o Senhor a vin que Elle era a minha suprema felicidade, o meu bem infinito, 0 unico objecta da minha existencia, © ao mesmo teimpo sentia wma forga irresistivel que me arrancava de Deus © me retinha longe @Elle; de sorte que, eviado para viver, via-me e sentia-me privado d’Aquelle que — 6 vida; criado para a verdade o para a Inz, conheela-me absolutamente repellido da luz'e da verdade; eriado para amar, vi amor, privado inteiramente do amor; lo para o bem, estava sepultado no lo mal. Bs «Nao posso, contintia elle, compara angustias e 08 desesperos des mivel afiligio, sono ao estado a’ “ Yerme» que roe ox condemnados. 0 remix ee yigorosamente langada para um alvo d’onde a repelle incossantemente uma forea in- vencivel ; impellida irresistivelmente para diante, & sempre e invencivelmente repel- Tida para traz. » Isto é apenas um pallido symbolo d’aquella torrivel realidade, que se chama a conde- mnagio. . A’condemnacio é necessariamente acom: panhada do desespero. E’ a este desospero que Nosso Senhor chama no Evangelho «0 y @Tudo isto vale mais, disse Jesus, do que ir para essa prisio de fogo onde o verme dos répro- bos nunca morre (ubi vermis corum non moritur).» O verme dos condemnados 6 0 remorso, 6 0 desespero. Tem o nome de verme, por- que na alma peceadora 6 condemnada nagco corrupgio do peccado, como nos cada- Yeres os vermes nascem’ da corrupeio da carne. Emquanto vivemos n&o podemos imaginar exactamente 0 que silo o remorso. € 0 desespero dos condemnados, pois que neste mundo, onde nada 4 perfeito, 0 mal anda sempro acompanhado com 0 bem, © 0 jisturado com algum mal. Por mais lentos quo possam ser n’esta vida of . 7 © que i 0 sxexs0 desesporos © remorsos, silo sempre alliviados por certas esperangas, © tambem pola im- possibilidade de supportar o soffrimento, nando elle exeede uma determinada mei fa. Mas na eternidade tudo 6 perfeito, per- mitti-me a expresso; o mal entio & per= feito como o bem, isto 6, n&o ha allivio, nem esperanga, ném possibilidade de mitie gaglo, como adiante explicaremos. O re- }ors0 € 0 desespero dos condenmados serio completos, irrevogayeis, sem remedio, som ‘sombra de allivio, sem a possibilidade de serem suavisados:’ sio absolutos quanto possivel, porque o mal absoluto nto existe, Imaginaes 0 que sera este estado de de- sespero, privado d’am raio sequer despe- ranga. E este pensamento tho. doloroso: «Perdi-me, porque quiz, e perdi-me para sempre, por coisas de nada, por bagatelas momentaneas! Podia com tanta facilidade salvar-me eternamente, como tantos ou tros !> «AY vista dos bomaventurados, diz a Sax grada Eseriptura, 0s condemnados serio possuides d’um formidavel terror, e aflictos geitardo, gemendo: «Ai! que nos engana- mos (ergo erravimus), © nos afastam verdadeiro caminho! "Trilhamos as e Rime. da iniquidade e da perdigiio, desprezamos ‘© caminho do Senhor. De que nos servisam ‘as riquezas, © os prazeres? Tudo pastou omo uma sombra, e cis agora perdidos e abysmados na nossa p lade.» Eo escriptor sagrado accrescentay « Assim di- zem no inferno os peccadores condemnados.» Ao desespero accreseeri 0 odio, fructo tambem da maldigto: «Retirai-vos do mim, malditos!» E que odio! © odio de Deus, o odio per Hits doftSom infinite; de Vordadle menus do eterno Amor, da Bondade, da Bolleza, da Paz, da Sabedoria, da PerieieRo infinita e eterna! (dio implacavel, sobrenatw que absorve todas as potencias do espii e do coracio do condemnado. © réprobo no poderia odiar o seu Deus so Ihe fosse permittido, como aos bemaven- turados, contempla-o fice a fk ag suas’ perfeigdes ¢ indiziveis esplei Mas niio 6 assim que no inferno se vi Deus. Os réprobos n&o o sentem sendo nos terriveis effeitos da sua justica, isto 6, nos tormentos; por isso odeiam a Deus, como odeiam os castigos que soffrem, como odeiam a condemnagio e a maldigio. to © que # 0 ixvEEso 63 No seculo passado um pare virtuoso, 20, isar um possesso em Messina, pergun: tou ao demonios «Quem és tn? — Sou o sér que no ama_a Dens», responden o espirito mau. E em Paris, n’um outro exorcismo, perguntando!o ministro de Deus ao demo- io: «Onde estis?», responden este com «Nos infernos para sempre. — EB quererias ser aniquilado? —Nao, afim de poder sempre odiar a Deus.» O mesmo po- deria dizcr cada um dos condemnados : odeiam cternamente Aquelle que deviam amar eternamento. «Mas, diz muita gente, Dons 6 a mesma Bondade. Como quereis, pois, que Elle nos condemne?» No 6 Deus que condemna; é © pocerdor que se condemna. © terrivel fiieto da condemnacRo tem por causa, nfo a Bondade de Deus, mas sémente sua Santi- dade © Justiga, Deus, assim como 6 Bom, 6 Santo, e a sua Justica ¢ tho infinita no inferno, como a sua Bondade © Misericor- dia so infinitas no e60. No offendaes a Santidade de Dons e ficae certos de que nilo sereis condemnados. O réprobo posswe © que escolheu livremente, desprezando to- das as gragas do sen Dens. Escolhen 0 Raat TT

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