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CRÓNICA DE UMA TRAVESSIA, LUÍS CARDOSO

1- Crónica de uma Travessia, no que toca ao género literário, faz parte da categoria de
texto narrativo. É uma autobiografia e um romance, uma vez que se fala da história de
vida do autor, contada na primeira pessoa. No entanto, com algumas deformações do
real, variando, assim, entre a “estória e [a] História”, tal como é dito no livro, por José
Eduardo Agualusa.

2- Referente à estrutura externa, conseguimos ver a divisão em 11 capítulos, numerados


de 1 a 11, sem quaisquer títulos. Porém, estes capítulos não fazem a divisão das várias
histórias que o narrador conta, mas, sim, a divisão entre os episódios da mesma
história. Desta forma, o autor faz com que o leitor não se perca durante tudo o que ele
narra, de modo a não confundir pessoas, lugares e épocas. O livro é ainda iniciado
com um prefácio, para que se conheça um pouco sobre o autor/narrador, e, logo a
seguir, José Eduardo Agualusa escreveu mais uma nota, fazendo ainda alusão à vida do
sujeito, mas do ponto de vista de um amigo de longa data- “Conheci o Luís Cardoso em
1981, no Instituto Superior de Agronomia” (página 7). Chama-lhe “Como se fosse um
prefácio”.

3-

Assunto Este livro fala da história de vida de Luís Cardoso, de forma


detalhada, e das suas aventuras. Contém muitas histórias cuja
dicotomia realidade/ficção é fortemente evidenciada. Relata a
sua infância em Timor-Leste, a sua viagem para a ilha de Ataúro,
da sua vinda para Portugal, em exílio, entre outras. Ou seja, este
livro baseia-se nas histórias que o narrador viveu ao longo da sua
vida, misturando-as com o seu cunho pessoal, onde se salienta o
mito e o fantástico- “Dizia-se que um natural de Ataúro nunca
era atacado por um tubarão, a não ser que fosse portador de
qualquer maldição ou tivesse ofendido qualquer costume, ente
ou antepassado.” (página 21).
Personagens Esta é uma obra onde predomina a escassez de personagens.
Temos a principal, Luís Cardoso (o narrador), que fala das suas
vivências. No entanto, há outras personagens que integram a
história, tais como: o seu pai, enfermeiro a quem se dá destaque
no início, por ter sito prisioneiro de guerra; o homem do leme
(sókão) que os leva na viagem entre ilhas, e que faz referência
ao seu passado doloroso. Por fim, há outras pessoas (como
Domingos, Mali Mau, Simão, etc.) a quem o autor não dá
destaque nenhum, uma vez que não tira grande partido do que
lhe disseram. No entanto, contribuem para a verosimilhança da
história.
Tempo cronológico O tempo cronológico, em Crónica de uma Travessia, remonta
para a infância do autor- dos seus dias em Timor-, e para o resto
da sua vida, inclusive em Portugal, “em Junho de 1990”.
Tempo histórico Este livro, no que faz referência ao tempo histórico, situa-se na
época das invasões indonésias, em 1975. Contudo, não é
propriamente possível indicar um tempo histórico, uma vez que
a obra decorre durante a vido do autor, deixando marcas em
vários locais por onde passou.
Espaço físico Tendo em conta que este livro relata uma travessia, os espaços
físicos não são permanentes nem definitivos. No entanto, há
referências a locais timorenses como Díli, ilha de Ataúro, Dare,
Cailaco, Manufahi, etc.; e a locais portugueses, tais como Lisboa
e Vale do Jamor.
Espaço social A classe social do narrador e da sua família encaixa na média-
baixa, porque, embora sejam do povo, o pai tinha o curso de
enfermagem, o que lhe conferia uma maior estabilidade
socioeconómica- maior do que a dos outros timorenses.

4- A personagem principal, que é por sua vez o narrador e também escritor, mostra-se
uma pessoa resiliente, persistente, determinada e patriota, tendo sempre como
objetivo a valorização devida do seu pai, que foi uma pessoa fundamental para a sua
vida, mas também para a História de Timor. Quanto à presença, o narrador
caracteriza-se como autodiegético, visto que é a personagem principal; é omnisciente,
relativamente à ciência, pois sabe tudo, inclusivamente aquilo que vai na cabeça dos
outros (como acontece com o sókão, sabendo o que lhe aconteceu no passado e o que
este acha de Simão- outro viajante); e, quanto à posição, é subjetivo, uma vez que
toma partido daquilo que lhe é dito.
Neste livro, é notória, ainda, a mensagem que Luís Cardoso deixa clara: não é por
termos tido um passado complicado- sem independência e sem riqueza monetária, no
seu caso- que não vamos ser alguém com valor, e lutador, no futuro.
Algo importante que é relatado neste livro são os valores familiares- atentando na
forma orgulhosa, humilde e ternurenta com que ele descreve a família-, não
esquecendo, também, os valores patriotas e independentistas que este defende.
Comprova-se, por exemplo, na página 99, em que o narrador descreve, de forma
pormenorizada, como foram surgindo várias pequenas forças contra o regime
indonésio , com Ramos-Horta, Xavier do Amaral, Osório Soares, Nicolau Lobato, e
outros que representavam a força timorense- mesmo não sendo todos autóctones-
“Juntou-se-lhe [a Domingos Oliveira] o Francisco lopes da Cruz e, acolitados por Paulo
Pires, […] constituíram a trindade UDTista oriunda de Soibada. […] Xavier do Amaral foi
escolhido como rosto do partido Nacionalista […]. Nicolau Lobato juntou-se-lhe […].
Ramos-Horta deu-lhe visibilidade internacional. Estava constituida a troika de Soibada.
Osório Soares […] fundou o partido integracionista […]. Com o cunhado Domingos
Pinto, também vindo de Macau, formou a dupla da APODETI.” (página 99).

5- A situação que fez despoletar em mim intriga foi logo no começo da obra, em que o
narrador fala constantemente de um “ele” - evidenciando, assim, mistério através do
pronome pessoal-, e que só mais à frente sabemos quem é. Durante as primeiras
páginas, temos referência à morte desse indivíduo, a uma homenagem, embora breve,
mas forte, e o realce ao que esse “ele” sofreu. Mais à frente, é-nos explicitado que
esse ele era o pai do narrador. Algo que também perturba, de certa forma, o narrador
é a utilização do eufemismo “
6- Este excerto inclui-se no relato de um episódio caricato, em que o narrador fala como
o seu pai o queria congratular pela passagem para a terceira classe, ganhando uma
mota de brincar. No entanto, mais tarde, já em Lisboa, queria ter uma motorizada
verdadeira, igual à que tinha de brincar. Porém, nada mais conseguiu que umas luvas
feitas na Indonésia.
Escolhi esta passagem, uma vez que mostra a ironia do autor. Revela que, apesar de
brincar com algo triste e que fez parte do seu passado difícil, não deixa de ironizar com
“má sina”, com as luvas que ganhou, feitas no país que invadiu o seu.

7- Esta obra de Luís Cardoso realça a perseverança do narrador durante toda a sua vida: a
luta de sair de timor, a luta dos estudos em Silvicultura- que se evidenciam no livro
através do nome científico de todas as plantas e árvores que descreve, atribuindo à
obra sensações visuais, que, consequentemente, trazem verosimilhança- a luta em
cuidar do pai quando este já não transbordava saúde, e tantas outras lutas que fizeram
Luís a pessoa que é hoje. Conseguimos, por último, estabelecer uma ligação entre tudo
aquilo que ele descreve e conta e os título e subtítulo do livro. Por exemplo, na última
página, o narrador faz referência a uma flor da árvore ai-dik, a ai-fik-funam. Ou seja, o
subtítulo, “A Época do Ai-Dik-Funam”, faz referência à natureza no dia em que o pai do
narrador morreu, uma vez que eram estas as plantas que se viam na rua. No entanto,
podemos ainda notar que estas flores, de tom vermelho, se relacionam ao típico Sol do
Oriente; o Sol a que Luís tanta referência faz. O Sol, símbolo de esperança e
luminosidade- na altura anterior à independência de Timor- faz parte da maioria das
descrições que o narrador faz, daí os tons de vermelho na capa de Crónica de uma
Travessia, assim como o realce ao pôr-do-sol na mesma- “- Quero que vejas o nascer
do Sol no mar” (página 22), “ […] o navio Timor descarregava [estrangeiros brancos] no
cais de Díli e recolhia outros, mais queimados pelo tempo que pelo sol, deixando em
terra aquelas minhas conterrâneas abatidas de Louro Monu e Loro Sae [pôr do sol e
nascer do sol, respetivamente] […].” (página 84), “[…] aportavam às terras, segundo
Camões, onde o Sol logo em nascendo vê primeiro […] (página 90).
Este livro tem como crítica as desigualdades e todas as adversidades que as vítimas de
guerra passaram, notando, naturalmente, uma escrita baseada na repugnância à
guerra. Concluímos, também, que Luís Cardoso dá destaque, como mensagem, à
importância que os valores da independência e os valores familiares têm como
contribuição para um mundo e sociedade mais justos, de forma a que não tenhamos
de passar pelo o que o narrador passou durante parte da sua vida.

APRECIAÇÃO CRÍTICA
(já fui tirando alguns tópicos, pois fui adicionando ao longo da análise anteriormente feita)

-2 prefácios

- Mistério através do “Ele” pág. 9

- começa com o fim, e não com o início

-Expressões timorenses- sem serem traduzidas


-Freses longas, que por vezes se tornam complicadas de assimilar

-Uso frequente de recursos expressivos

-Preciso estar com atenção porque não repete notas- só aparece o significado uma vez

-às vezes põe o significado nas notas ou então à frente, entre vírgulas- não é cansativo, o leitor
não anda sempre a olhar para cima e para baixo

-pág. 45 é preciso conhecer várias histórias míticas

-Escrita deliciosa que faz querer ler devagar para não acabar

-Aliteração "sem querer"- 96

-Informação pormenorizada sobre timor e os seus, como ele diz, reinos

-Comparações satíricas 69

-Humor através de metáforas 74

-Vocabulário acessível

-Aliterações que às vezes fazem lembrar os ritmos timorenses 132

-Descrição das pessoas antes de dizer os seus nomes 133

-Trocadilhos com as palavras 136

-Como volta a pegar em personagens e histórias anteriormente referidas 138

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