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O fim das meta-narrativas: um entimema da pós-modernidade.

Ensaio sobre fragmentos de Althusser1

The end of the meta-narratives: an enthymeme of postmodernity.


Essay on the Fragments of Althusser

Antonio Herci Ferreira Júnior2


São Paulo, agosto de 2019

EIXO TEMÁTICO
Pensar a partir de Althusser: avanços teóricos

Partindo-se (i) do princípio epistemológico de que “não existe fora da ideologia”, e (ii)
a sua correlata tese-proposição “o logos é da extensão da ideologia” confronta-se aqui o
discurso que aponta o fim das metanarrativas dentro de uma polêmica sobre a pós-
modernidade. Mas que continua reverberando em certo pensamento contemporâneo, no
campo da estética mas transbordando para a moral e a política, guardando uma tese ocultada
de que existe um sincronismo entre as esferas do ser humano tal que, se na cultura ou estética
são assim, é por conta de tal ou qual derrota ideológica ou econômica e tendo como
organizador uma ideia de verdade, beleza e validade [utilidade] que tenta ajuizar o ato político
— já por decorrência moral — como algo que deva também ser, de certo modo, uma
expressão estética.

Este último encontra-se particularmente concentrado na icônica obra de Lyotard (2008)


e quanto às primeiras premissas, são encontradas articuladas em diversos momentos da obra
de Althusser, mas particularmente aqui dos Aparelhos ideológicos de Estado (1985) e
L’unique tradition matérialiste (1993).

Tentaremos aqui uma abordagem de uma perspectiva invertida: existe uma nova e
cíclica renovação da hegemonia do capitalismo e que malgrado moralmente a condenemos,
está dando seus frutos para uma perspectiva de classe, senão não estaria mundialmente sendo
adotada em diversos países e continentes: o fascismo não é prerrogativa da exceção, talvez

1
Resumo expandido de comunicação enviado para apreciação da comissão organizadora do III Colóquio
Internacional Althusser, Unicamp, Campinas, Brasil, 2019.
2
Graduado em Filosofia. Mestre e doutorando em Estética e História da Arte pelo PGEHA/MAC/USP.
Compositor e Dramaturgo.

1
seja mesmo desafeito às exceções, pois apenas na naturalidade pode estender seus braços tão
literalmente para a aniquilação e ainda fazer um discurso sobre a liberdade, pois falam da
mais evidente e primária liberdade e naturalidade: a força. Dentro dessa perspectiva, muitas
estéticas são construídas para estar no veio desse progresso, e a marca da própria modernidade
foi estar nesse papel central do progresso. Mas de forma crítica.

A menção ao termo “pós-modernidade” é algo que, em si mesmo, exige uma especial


atenção. Pois traz concepções e ideias que carregam de forma implícita duas questões que
geralmente não são apresentados explicitamente, mas através de um discurso subliminar ou
fundado em um senso comum científico, um conceito de evolução histórica e um outro de
relação entre a forma de vida de uma sociedade e sua expressão estética. Se contarmos com o
fato de que a ideologia não é um imaginário do mundo, mas da nossa relação com o modo de
produção, evidentemente que a expressão estética está sob esse epíteto, em parte na virtu, em
parte na sorte.

A polêmica em torno da pós modernidade, na estética, nos despertou do sonho cético de


uma arte sem essências ao mostrar que cada obra já tem seu valor inscrito desde antes mesmo
de ser planejada. A arte tem em si uma essência, como tudo o mais o tem, que está na
extensão da ideologia e do logos, nasce com nome pré-programado como tudo o mais. Mas
assim como tudo o mais, é parte sua própria ideologia, outra parte é virtu.

Tentemos uma forma geral: (i) o logos — o discursivo de uma teoria — é da mesma
extensão que sua (ii) ideologia — a idealização das relações dessa teoria com os meios de
produção. Discutir sobre o esgotamento da modernidade, entrar na polêmica da pós
modernidade ou afirmar uma questão que nos lance no debate sobre ruptura e continuidade
nos arremete em uma discussão onde o que, de fato está no centro, é a auto imagem como
contemporâneo. Vale dizer, tomar decisões sobre o que seja a história.

O que implica uma relação entre observar, fazer parte ou construir e moldar o modelo
do que se quer mostrar ao que se quer mostrar, e com a teoria construtiva para tal.

O coração tem razões, a razão tem razões e a fé tem razões, o que de uma ou outra
ordem se manifeste não é a negação do sujeito, mas o sujeito em outras de suas ordens.
Professar como preparação da ação, confessar como chamado coletivo e considerar, como
aceitação do outro, são pertinentes à mesma subjetividade, que se expressa de vários modos,
inclusive em sua compreensão de mundo, um feixe de sensações de certezas e verdade que

2
nos capacita, afinal, para enfrentar a obrigação cotidiana de viver sob uma liberdade incluída
como excluída no sistema humano.

Quando compreendemos o mundo o integramos, em algum modo concreto e efetivo de


produção e reprodução de sua forma de vida. Essa compreensão, que dá sentido à relação
entre ser e efetividade de forma de vida — isto é, concorrência da vida com a produção e
reprodução da vida — é chamada de ideologia. Ideologia portanto não é uma livre
imaginação, ou um déficit racional, uma ausência ou uma demência de mundo, mas as
relações que a razão estabelece para o estabelecimento de suas verdades cotidianas e habituais
e permite a certeza para a além do que pode ser demonstrado ou a continuidade da certeza
além do momento presente de sua percepção.

O mundo, para Pascal, não era é descoberto pela razão, mas meticulosamente
construído, na medida em que enveredamos pela pequena ponte que parece estar sobre um
abismo, sujeito a ventos e balançando a todo momento, que são os valores, sem a
possibilidade de um ponto fixo. Os que estão na margem veem o movimento diferente dos
que estão no barco. Estes últimos, por outro lado, se tendem todos para um mesmo lado,
viram o barco.

As ligações entre ética e estética vem sendo estudadas desde quando se viram como
termos utilizados em diversas disciplinas e ramos de saber. Portanto quando Wittgenstein
molda seu famoso fragmento “ética e estética são uma só”, participa de um amplo espectro
que transita entre dois possíveis polos: a autonomia da estética e da ética, no sentido de estar
acima de suas próprias limitações e configurações a partir do modo de vida da qual
participam. No outro polo está o determinismo que implicaria, do modo de vida, uma marca
intransponível para qualquer produção cultural.

No entanto o que distancia Wittgenstein dessa discussão é justamente o fato de que,


para ele, os dois são caminhos absurdos, perdem sentido pois suas teses se anulam em
discursos de opinião, que poluem o enfoque filosófico de fato. A partir de seus ‘jogos de
linguagem’ e da teoria dos ‘aspectos’, pode-se ter a mesma questão sob outra forma.

Referências
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado. Tradução Walter José Evangelista;
Maria Laura Viveiros de Castro. 6. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
ALTHUSSER, Louis. L’unique tradition matérialiste (1985). Lignes, n. 8, p. 72–119, 1993.

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