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INTRODUÇÃO

No estado democrático de direito, o qual estamos vivendo em tempos hodiernos,


procura-se estabelecer garantias aos cidadão da forma mais abrangente possível. Assim, para
que tal objetivo ocorra, deve-se buscar um Estado equilibrado e provedor dessas garantias, um
Estado que respeite a dignidade da pessoa humana, o direito de propriedade, o direito à vida e
o direito à liberdade, por exemplo.
Dessa forma, na busca pela atuação do Estado frente ao cidadão, não se pode exigir
daquele que venha com todas as forças possíveis, pelo contrário, deve-se privilegiar as formas
menos dolorosas para o indivíduo na busca pelo equilíbrio social. Com isso, sempre que o Jus
Puniendi for atuar, deve este observar qual a medida mais adequada possível para conter o
cidadão irregular. Não se deve admitir um Estado dilacerador, totalitário, que atue de forma
desarrazoada.
Todo o ordenamento jurídico possui princípios que norteiam seus efeitos. Assim como
todas as áreas do saber, o direito se utiliza de princípios para justificar a sua existência, suas
posições e postulados, seja na seara constitucional, civil, administrativa ou penal, apenas para
citar. Estes funcionam como verdadeiras ferramentas, que nas mãos certas fazem o que o
ourives produz numa pedra de diamante, a qual chega até ele totalmente suja e sem contornos
afilados, contudo após um longo trabalho bem feito, esta é transformada numa das pedras
mais valiosas.
Diferente disso não está o direito penal, que através de seus princípios próprios
orientam o operador do direito na busca pelo justo penal, e mesmo quando não se tem nos
seus próprios princípios justificativas plausíveis, busca, em outras áreas jurídicas, princípios
tantos quantos forem necessário para atingir o fim perseguido pela constituição. Não poderia
ser diferente, já que é justamente o direito penal o responsável pelos ataques mais fortes ao
cidadão, é o que podemos chamar de violência legítima.
Desta feita, não mais se tolera um Estado, como dito acima, invasor, abusivo. Mas,
sim, um Jus Puniendi que busque o ataque necessário, quando necessário e na medida certa,
revelando, portanto, um visão de Direito Penal mínimo, direito esse que deve cuidar
exatamente daqueles bens jurídicos de maior importância e que não seja albergado por outra
forma estatal de proteção.
Partindo do que foi exposto, vejamos o seguinte: O código penal no seu art. 155
prescreve que subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel, terá como sanção uma

7
reclusão de 01(um) a 04(quatro) anos e multa. Bem, digamos que uma determinada pessoa
resolve furtar uma caneta, ela é pega em flagrante e levada à delegacia, o delegado faz
abertura do inquérito e manda pra o Ministério Público, este por sua vez faz a denúncia e o
juiz acata mandando citar o réu.
As perguntas que se podem fazer, além de outras, são: Caso seja condenado, a caneta
furtada justifica uma prisão de 01(um) a 04 (quatro) anos? É plausível que o direito penal
cuide de fato tão irrelevante? O legislador realmente estava preocupado com este tipo de
situação ao criar o tipo penal? Compensa ao estado mover recursos tão dispendiosos para
cuidar de fato tão ínfimo? Será que uma resposta civil ou até mesmo administrativa não
resolveria este tipo de problema de maneira mais satisfatória?
Essas são algumas indagações que analisaremos e tentaremos responder nesse
trabalho. O objetivo não é criar impunidades, mas punir na medida certa, mais justa e
adequada possível. É certamente com o princípio da insignificância que encontramos uma das
melhores e eficazes formas de aplicar esse pensamento. Mostrando que o direito penal não
deve se preocupar com ninharias.

8
1. OS PRINCÍPIOS.

1.1. BREVES CONCEITOS DO QUE VEM A SER PRINCÍPIOS.

Para alguns doutrinadores, princípios são fontes do direito, pressupostos de validade,


fundamentos de toda uma ordem, tal como está posto na Constituição Federal de 1988. Esta
carta política denomina seu título 1 como: Dos Princípios Fundamentais, elencando o
princípio da soberania, o da dignidade da pessoa humana, como base de sustentação, apenas
para citar.
Os princípios se estabelecem como Lei, doutrina ou acepção fundamental em que
outras encontram guarida, suporte1. São eles o norte, aquilo que direciona todo o ordenamento
jurídico. Mas não é apenas no Direito que se encontram definições ou estudos a respeito dos
princípios, buscando ao máximo extrair deles tudo o que possam oferecer. Seguindo o que diz
Thiago Bonfim2, o termo que hora se fala é utilizado nos mais variados campos das ciências
estudadas pelo homem, a exemplo de filosofia, teologia, política, sociologia, dentre outros.
Demonstrando, dessa forma, que torna-se necessário o estudo desse instituto, mesmo que em
breves linhas, para que se defina com maior clareza os contornos do presente trabalho. Já para
Tartuce3, o conceito de princípio possui uma base em sua construção que, em muitos dos
casos, não é conhecida pelos operadores do direito.
Em obra sintética4, porém não vazia, o citado autor elenca conceitos a respeito do que
se entende por princípio, sendo um destes estampado na obra clássica do século XX, qual
seja, Enciclopédia Saraiva de Direito. Tal verbete foi construído pelo jurista alagoano Sílvio
de Macedo que assim diz:
A palavra princípio vem de principium, que significa início, começo, ponto de
partida, origem. Em linguagem científica princípio quer dizer fundamento, causa,
estrutura. O termo foi introduzido na filosofia por Anaximandro de Mileto, filósofo
pré-socrático, que viveu entre 610 a 547 a.C.5

Maria Helena Diniz revela que os princípios "são cânones que não foram citados,
explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no

1
GUIMARÃES, Diocleciano Torrieri. Dicionário Compacto jurídico. 16ª Ed. São Paulo: Rideel 2012. p 198
2
BONFIM, Thiago Rodrigues de Pontes. Os princípios Constitucionais e sua força normativa: análise da prática
jurisprudencial. Bahia: Juspodivm 2008. p 57.
3
TARTUCE, Flávio, Manual de Direito Civíl. Vol. único. 2ª ed. São Paulo: Método 2012. p 19.
4
Op. cit. p. 19-20.
5
FRANÇA, Rubens Limongi. Enciclopédia Saraiva de Direito. In: TARTUCE, Flávio, Manual de Direito Civíl.
Vol. único. 2ª ed. São Paulo: Método 2012. p 19.
9
ordenamento jurídico"6. Por isso que alguns jurístas como Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de
Andrade Nery falam que não existe a necessidade dos princípios jurídicos estarem expressos
na norma7, ou seja, não se faz necessário que esteja lastreado, positivado, no ordenamento
jurídico para que estes irradiem seus efeitos.
Ensina Miguel Reale que os princípios são "verdades fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas
também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos
exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxi 8."
Assim, os princípios são o que se pode chamar alicerce de toda uma ordem normativa,
suas vigas mestras, base de sustentação nos quais se assentam todos os valores
constitucionais. É a partir deles que todo o restante normativo ganha razão de existência, além
de definir o alcance de todas as normas.

1. 2. OS PRINCÍPIOS JURÍDICOS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DIREITO.

Os princípios jurídicos são, em certa medida, e no sentido do que foi explanado acima,
os vetores de todo o mundo jurídico, pois estes carregam em si uma carga axiológica de
altíssimo grau, ou seja, são fontes do direito por excelência.
Como preceitua o Doutrinador Dirley da Cunha Junior:
"O princípio jurídico se destaca como a pedra angular desse sistema de normas. Ou,
poder-se-á afirmar aqui apressadamente, que os princípios de Direito consagram os
valores(democracia, liberdade, igualdade, segurança jurídica,dignidade, estado de
direito, etc.) fundamentadores do sistema jurídico, orientadores de sua exata
compreensão, interpretação e aplicação e, finalmente, supletivos das demais fontes
do direito (tridimensionalidade funcional dos princípios). 9

Não se poderia ter outro direcionamento já que é manso entre os estudiosos do tema
que os princípios nascem como consequência de uma cultura sociojurídica de determinada
sociedade, valores supremos eleitos como verdade, os quais são tidos como verdadeiros
alicerces para a mantença de determinado grupo, obviamente que em muitos dos casos essa
eleição se apercebe de forma implícita. Desse modo, se comportam como fundamento de toda

6
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil interpretada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p123.
7
NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003. p.
141.
8
REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 303.
9
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de Direito Administrativo.11ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012. p. 34.
10
uma ordem jurídica, bem como delineador da construção e aplicação das normas pertencentes
ao ordenamento10.
Interessante anotação faz Alberto Jorge quando diz que em que pese todas as normas
constitucionais serem superiores às demais normas infraconstitucionais, aquelas são
sustentadas pelos princípios, como diz o autor, são as linhas mestras, os núcleos fundamentais
da constituição 11 . Conforme Hans Kensen, tamanha é a importância dos princípios que a
própria Constituição Federal, que é o fundamento de validade todas as demais normas,
também se vale dos princípios para que se completem seus efeitos.
Essa importância dada aos princípios ganha maior relevo quando se trata das garantias
emanadas pela constituição, e assim o grau de proteção que um princípio pode dar é de tal
monta que no entender de Alberto Jorge "os princípios ditarão ao juiz critérios para a
determinação de inconstitucionalidade das normas que o maltratem12. Indubitavelmente
essa é uma das características de maior importância que possui os princípios jurídicos
constitucionais, vez que servirão de escudo contra qualquer ataque ao sistema constitucional
idealizado pelo constituinte originário.
O doutrinador Robert Alexy preconiza que:
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado da maior maneira
possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Por isso, são
mandados de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em
diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não só depende das
possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito do juridicamente possível
é determinado pelos princípios regras e opostas".13

Thiago Bonfim14seguindo o que leciona Paulo Bonavides e Ruy Samuel Espíndola,


afirma que os princípios têm três funções relevante para o ordenamento jurídico:
fundamentadora, interpretativa e supletiva, onde a primeira irradia efeitos no sentido de que
todas as normas que se contraponham aos núcleos principiológicos irão perder sua validade e
eficácia se enfrentarem normas de nível constitucional. A segunda orienta o aplicador do
direito, estabelecendo soluções jurídicas, ou seja, são vetores que guiarão as demais normas
jurídicas e a terceira tem a função de suplementar o sistema jurídico, nas hipóteses de lacunas,
espaços vazios localizados em normas de maior grau de densidade normativa.

10
LUIZ DA SILVA, Ivan. Princípio da Insignificância no Direito Penal. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 27
11
LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Direito Penal Constitucional: a Imposição dos Princípios
Constitucionais Penais. São Paulo: Saraiva 2012.
12
Op cit. p. 17.
13
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. In: BONFIM, Thiago Rodrigues de Pontes. Os
princípios Constitucionais e sua força normativa: análise da prática jurisprudencial. Bahia: Juspodivm 2008.p. 50
14
BONFIM, Thiago Rodrigues de Pontes. Op. cit. p. 66-67.
11
Da mesma forma leciona Luiz Flávio Gomes:
[...] por força da função fundamentadora dos princípios, é certo que outras normas
jurídicas neles encontram o seu fundamento de validade. O artigo 261 do CPP (que
assegura a necessidade de defensor ao acusado) tem por fundamento os princípios
constitucionais da ampla defesa, do contraditório, da igualdade etc.. Os princípios,
ademais, não só orientam a interpretação de todo o ordenamento jurídico, senão
também cumprem o papel de suprir eventual lacuna do sistema (função supletiva ou
integradora). No momento da decisão o juiz pode valer-se da interpretação
extensiva, da aplicação analógica bem como do suplemento dos princípios gerais de
direito (CPP, art. 3º). Considerando-se que a lei processual penal admite
"interpretação extensiva, aplicação analógica bem como o suplemento dos princípios
gerais de direito" (CPP, art. 3º), não havendo regra específica regente do caso torna-
se possível solucioná-lo só com a invocação de um princípio 15 .

Celso Antonio Bandeira de Mello 16prima pela importância dos princípios de tal forma
que chega a afirmar que é preferível infringir uma norma a um princípio, dado o valor que
este carrega em si, senão, vejamos o que o conceituado autor nos revela:
Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção
aos princípios implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório,
mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou
inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa
insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais.

Em dias atuais vislumbra-se nos princípios uma importância não mais subsidiária,
secundária, ou seja o famoso "soldado de reserva". Na realidade, estes se encontram no mais
alto nível do ordenamento, pois como visto acima, eles norteiam toda a ordem constitucional.
Por isso que doutrinadores como Leonardo Zehuri tovar afirmam que:
[...] em que pese o vocábulo princípio ter como uma de suas características essa
indeterminação conceitual e dimensional, o certo é que, hodiernamente, na fase
interpretativa-constitucional em que vivemos, os princípios jurídicos, sob qualquer
prisma que lhe seja atribuído o enfoque, ganharam, ou melhor, tiveram reconhecido
seu intenso grau de juridicidade. Ou seja, deixaram de desempenhar os princípios
um papel secundário, para passar a cumprir o papel de protagonistas do
ordenamento, ganhando, nessa medida, o reconhecimento de seu caráter de norma
jurídica potencializada e predominante[...]17.

Pelos motivos anteriormente citados, percebe-se que, independentemente do


doutrinador, é uníssono na doutrina que os princípios jurídicos têm um lugar de destaque na
sociedade e no direito, seja na aplicação da norma ou na elaboração desta. Por isso que em
toda e qualquer situação ou caso concreto deve ser verificado se na construção ou aplicação
do direito, foram respeitados os princípios norteadores e "fundantes", da lógica jurídica18.

15
GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.
851, 1 nov.2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7527>. Acesso em: 30 jan. 2013.
16
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revistas dos Tribunais.
1988. p. 230.
17
TOVAR, Leonardo Zehuri. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 696, 1 jun.2005 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6824>. Acesso em: 30 jan. 2013.
18
REALE, Miguel. Op. cit. p. 303.
12
1.3.ALGUNS PRINCÍPIOS PENAIS QUE ASSIM COMO O DA INSIGNIFICÂNCIA
ESTABELECEM CONTORNOS AO LEGISLADOR E AO OPERADOR DO DIREITO
(BREVES COMENTÁRIOS), NA LIMITAÇÃO DO JUS PUNIENDI.

1.3.1 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Este princípio se afigura como uma das mais importantes garantias individuais do
indivíduo, possui aplicação em todos os ramos do direito, além de servir como arma na luta
pela segurança jurídica, uma vez que no âmbito das relações privadas aquilo que não está
proibido em lei será permitido fazer, enquanto que para o Estado, mais precisamente
Administração Pública, tudo aquilo que não é permitido será proibido. Ademais, o
princípio da legalidade possui pelo menos duas maneiras de ser observado, seja de lato sensu,
onde legalidade seria tudo aquilo que estivesse acobertado pela lei como também outros
preceitos normativos que derivassem da Lei ordinária ou Lei complementar, como exemplo,
medidas provisórias, decretos, portarias, etc.. Por outro lado existe a visão strictu sensu,
conhecido também como reserva legal, na qual o princípio da legalidade defende que será
legal apenas aquilo estampado em Lei ordinária, sendo esta a única forma de se externar o que
vem a ser crime ou pena.
É justamente nessa última visão do princípio da legalidade que se assenta o direito
penal, pois sabido é que é justamente nessa seara que atua a mão mais forte do Estado, por
dispor dos meios mais dolorosos para com o cidadão.
O princípio da legalidade, o sentido em que se direciona para a vertente penal, vem
estampado na Constituição Federal no art. 5º inciso XXXIX, onde este diz que não há crime
sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. No mesmo sentido está
disposto no artigo 1º do código penal brasileiro que "Não há crime sem lei anterior que o
defina. Não há pena sem prévia cominação legal".
Rogério Greco19 afirma ser este o princípio mais importante do Direito Penal:
É o princípio da legalidade, sem dúvida alguma, o mais importante do Direito Penal.
Conforme se extrai do art.lº do Código Penal, bem como do inciso XXXIX do art.
5a da Constituição Federal, não se fala na existência de crime se não houver uma lei
definindo-o como tal. A lei é a única fonte do Direito Penal quando se quer proibir
ou impor condutas sob a ameaça de sanção. Tudo o que não for expressamente
proibido é lícito em Direito Penal.[...]

19
GRECCO, Rogério. Curso de Direito Penal. 13ª ed. Rio de Janeiro: Impetus 2011. p. 90.
13
Para tanto, não pode a lei ser apenas anterior ao fato, mas deve também ser
estabelecida em sentido estrito, como dito alhures não deve ser construído por qualquer ato
normativo, mas unicamente por lei ordinária(princípio da reserva legal). Deve essa também
ser escrita, certa e necessária, uma vez que também atua como limitador do jus puniendi.
Entendimento também defendido pelo Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. CRIME
DEEMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N.º 9.503/97. TESTE
DO"BAFÔMETRO" E EXAME DE SANGUE ESPECÍFICO NÃO
REALIZADOS. FALTA DE COMPROVAÇÃO DO GRAU DE ALCOOLEMIA
AO DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR
OBJETIVA DO TIPO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro sofreu significativas mudanças em
sua estrutura típica, com o advento Lei n.º 11.705/08.Primeiro, esse delito passou a
ser de perigo abstrato, sendo desnecessária a demonstração da efetiva potencialidade
lesiva da conduta. Em segundo lugar, incluiu-se a elementar referente
à"concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis)
decigramas", tornando a imputação mais objetiva e precisa. Em seu texto original, o
delito exigia, para sua configuração, apenas a comprovação de que o condutor do
veículo dirigia sob a influência de álcool apta a comprometer a incolumidade de
outrem.
2. A nova redação do crime de embriaguez ao volante exige, para caracterizar a
tipicidade da conduta, seja quantificado o grau de alcoolemia. Essa prova técnica é
indispensável e só pode ser produzida, de forma segura e eficaz, por intermédio do
etilômetro ou do exame de sangue.
3. Insta observar, aliás, que o parágrafo único do referido art. 306 remete ao Decreto
n.º 6.488/08, que, por sua vez, regulamentou a equivalência entre os distintos testes
de alcoolemia, sem mencionara aferição meramente clínica.
4. Desse modo, em face do princípio da legalidade penal, revejo minha posição,
a fim de reconhecer a atipicidade da conduta por ausência de elementar
objetiva do tipo penal.
5. Agravo regimental desprovido.20

1.3.2 PROPORCIONALIDADE

Este princípio não está posto expressamente na constituição, porém o legislador


constituinte ao estabelecer outros, indiretamente consagrou este princípio como sendo parte
do pensamento constitucional vigente, a exemplo do princípio da individualização da pena, o
qual estabelece que a pena não passará da pessoa do condenado21, ou seja, apenas responderá
pelo crime aquele que o cometeu.

20
BRASIL, STJ - AgRg no Ag 1291648 RS 2010/0047956-0, 5ª TURMA, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe
10/10/2011.
21
Título II - Dos Direitos e Garantias Fundamentais
Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...]
14
Assim, existem duas forma de verificação do aludido princípio: no plano abstrato e no
plano concreto. No primeiro deve o legislador já tentar estabelecer a proporcionalidade entre
o fato e a sanção prevista para ele. No segundo, é o Magistrado quem deve atuar na
verificação do caso concreto e estabelecer o quantum deve ser aplicado
Ensina Grecco que:
No que diz respeito especificamente à proporcionalidade em concreto, ou seja,
aquela levada a efeito pelo juiz, sua aferição não é tão tormentosa quanto aquela que
deve ser realizada no plano abstrato. Isto porque o art, 68 do Código Penal, ao
implementar o critério trifásico de aplicação da pena, forneceu ao julgador meios
para que pudesse, no caso concreto, individualizar a pena do agente, encontrando,
com isso, aquela proporcional ao fato por ele cometido. Assim, por exemplo, se
depois de analisar, isoladamente, as circunstâncias judiciais, o juiz concluir que
todas são favoráveis ao agente, jamais poderá determinar a pena-base na quantidade
máxima cominada ao delito por ele cometido, o que levaria, ao final de todas as três
fases, a aplicar uma pena desproporcional ao fato praticado.22

Assim também pensa o Superior Tribunal de Justiça:


HABEAS CORPUS. FURTO DE OBJETO NO INTERIOR DO VEÍCULO.
ROMPIMENTO DEOBSTÁCULO. FURTO SIMPLES. AFASTAMENTO DA
QUALIFICADORA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma desta Corte tem proclamado, ressalvado o meu entendimento
pessoal, que não se mostra razoável considerar como qualificado o furto de
objeto no interior do veículo, ainda que com rompimento de obstáculo, e como
simples a subtração do próprio veículo, sob pena de se ferir o princípio da
proporcionalidade.
2. Observa-se, na hipótese, a extinção da punibilidade do paciente pela prescrição da
pretensão punitiva, a teor do art. 109, VI, com redação anterior à dada pela Lei nº
12.234/2010, art. 110, § 1º, e art. 117, IV, todos do Código Penal.
3. Habeas corpus concedido para desclassificar a conduta imputada ao paciente para
a de furto simples, e, concedido, de ofício, para declarar a extinção da punibilidade
pela prescrição da pretensão punitiva23.

Na aplicação do referido princípio há que se observar também outros parâmetros, tais


como: Adequação, onde deve se certificar que o meio escolhido é o correto a se atingir o fim;
Necessidade, na qual se estabelece que o meio empregado atinge o fim sem violar qualquer
outro direito, ou até mesmo, no caso de violação, que seja a mínima possível, e por último a
Proporcionalidade em Sentido Estrito, aqui a grosso modo, o objetivo é de observar se o

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a
decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
22
GRECCO, Rogério, Op cit. 74.
23
BRASIL, STJ - HC 117620 SP 2008/0220237-7, 6ª TURMA, Rel. Des. Haroldo Rodrigues (convocado), DJe
25/04/2011
15
direito beneficiado é mais importante que o que fora lesado, quando de sua aplicação no caso
concreto, obviamente na hipótese de conflito.24

1.3.3 INTERVENSÃO MÍNIMA

Neste princípio, a ideia é a de que o direito penal deve ser sempre a ultima ratio, a
última opção, pois apenas deverá atuar quando os demais ramos jurídicos se mostrarem
insuficientes para dar a proteção esperada.
Se se observa que qualquer outra seara normativa ou mesmo qualquer outro meio seja
suficiente e menos gravoso que as mãos do direito penal, este não deve ser utilizado de forma
alguma, já que este ramo do direito é muito violento, atacando em muitas das vezes um dos
bens mais valiosos do ser humano que fora conquistado com tanto ardor, a liberdade.
O Superior tribunal de Justiça também faz parte da corrente que defende o direito
penal como ultima ratio, coadunando-se com a atual direção do estado democrático de direito:
HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL.POSSIBILIDADE. NÃO DEVOLUÇÃO DE 4 DVDs LOCADOS.
ILÍCITO CIVIL.PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA. PACIENTE
REINCIDENTE E PORTADOR DEMAUS ANTECEDENTES.
CIRCUNSTÂNCIAS QUE NÃO TRANSFORMAM ODESCUMPRIMENTO
CONTRATUAL EM CRIME. CONSTRANGIMENTO
ILEGALDEMONSTRADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de
significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da
intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando
como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal.
2. No caso, constata-se o reduzido grau de reprovabilidade e a mínima ofensividade
da conduta, além da reduzidíssima periculosidade social, pois a não devolução de 4
DVDs, retirados mediante contrato de locação entre o associado e a locadora de
vídeo, caracteriza um ilícito civil e está longe de configurar conduta que autorize a
intervenção do direito penal, que deve ser reservado para as situações em que os
outros ramos do direito não forem suficientes à tutela do bem jurídico protegido.
3. O fato de o paciente ser reincidente ou possuir anotações em sua folha de
antecedentes criminais por crimes contra o patrimônio não transforma o
descumprimento contratual em ilícito penal.
4. Habeas corpus concedido para restabelecer a sentença de primeiro grau que
absolveu o paciente25.

24
SABINO, Pedro Augusto Lopes. Proporcionalidade, razoabilidade e Direito Penal. Jus Navigandi, Teresina,
ano 9, n. 340, 12jun. 2004 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/5328>. Acesso em: 28.jan.2013.
25
BRASIL, STJ - HC 189392 RS 2010/0202636-3, 5ª TURMA, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe
28/06/2012.
16
1.3.4 PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE

Segundo Rogério Grecco, a origem desse princípio remonta ao período iluminista, que
através da secularização tentou acabar com a confusão que existia sobre moral e o direito26.
O princípio em exame busca determinar que só se admite a tipificação referente a fato
que gere um perigo concreto, real e efetivo de dano a um bem jurídico penalmente relevante27.
Dessa forma, Alberto Jorge ensina que: quando o fato ensejador não for capaz de causar
ofensa, este princípio mostra-se como uma garantia a favor da impossibilidade do legislador
tipificar determinada conduta.
Para o eminente autor, o direito penal só deve se preocupar com a pacificação externa
da sociedade, uma vez que a educação moral não é atributo das ciências penais. Assim,
mesmo que o legislador insista em tipificar toda e qualquer conduta no intuito de dar brios,
tem o Magistrado, caso o ataque ao bem jurídico seja inofensivo, o dever de não aplicar a
norma penal ao caso concreto 28.
O Superior Tribunal de justiça é consoante ao entendimento:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE
FOGO DESMUNICIADA. AUSÊNCIA. OFENSIVIDADE. ATIPICIDADE DA
CONDUTA.1. A Sexta Turma desta Corte firmou compreensão de que não
caracteriza o delito de porte de arma de fogo se esta se encontra desmuniciada, sem
que exista munição ao alcance, porquanto o princípio da ofensividade em direito
penal exige um mínimo de perigo concreto ao bem jurídico tutelado pela norma,
não bastando a simples indicação de perigo abstrato.2. Agravo regimental a que
nega provimento.29

DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS . PORTE DE ARMA. ART. 16, CAPUT,


DA LEI 10.826/03. ARMA COM NUMERAÇÃO RASPADA. ARTEFATO
DESMUNICIADO. BEM JURÍDICO TUTELADO. AFETAÇÃO. AUSÊNCIA.
1. Não sendo o paciente denunciado nem condenado pela figura do parágrafo único,
inciso IV, do art. 16 do Estatuto do Desarmamento, não se deve sustentar a
tipicidade, invocando-se a circunstância de se tratar de arma com numeração
raspada, encontrando-se o artefato desmuniciado.
2. Diante do princípio da ofensividade, não há falar em comportamento típico
quando inexiste afetação do valor objeto de tutela. In casu, o paciente foi
flagrado portanto arma de uso restrito sem munição, ausente, portanto,
qualquer risco para a incolumidade pública.
3. Ordem concedida para, revogando o trânsito em julgado, trancar a ação penal n.
630/05, da 6.ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP.30

26
GRECCO, Rogério. Op. cit. p. 49.
27
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 14ª ed. São Paulo: Saraiva 2009. p. 22.
28
LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Op. cit. p. 81-88.
29
BRASIL, STJ - AgRg no HC 194742/MS, 6ª TURMA, Rel. Des. Haroldo Rodrigues (convocado, TJ-CE),
DJe 11/04/2011.
30
BRASIL, STJ -.HC 109.170/SP, 5ª TURMA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 1º/2/2011
17
HABEAS CORPUS . PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ARMA
DESMUNICIADA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. No delito de porte ilegal de arma de fogo, mesmo comprovado por laudo
pericial que a arma se encontrava apta a realizar disparos, encontrando-se
desmuniciada, atípica é a conduta, por ausência de ofensa ao princípio da
lesividade.
2. Na linha da orientação prevalente na Sexta Turma desta Corte, o fato de a
arma de fogo estar desmuniciada afasta a tipicidade do delito de porte ilegal de
arma de fogo.
3. Ordem concedida para, com base no art. 386, III, do CPP, absolver o paciente em
relação à acusação que lhe é dirigida por porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido (Processo nº 2006.001.003066-9 - 34ª Vara Criminal do Rio de
Janeiro)."31

1.3.5 PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL

Bitencourt afirma que o direito penal apenas tipifica, ou seja dá guarida a


comportamentos que detenham relevante valor social, diz também que "o caráter fragmentário
do Direito Penal dignifica que o Direito Penal não deve sancionar todas as condutas lesivas
dos bens jurídicos, mas tão-somente aquelas condutas mas graves e mais perigosas praticadas
contra bens mais relevantes"32. Como exemplo, podemos citar os casos de bigamia, os quais
possuíam em outros tempos proteção formal, porém, é fato socialmente aceito e que não gera
ao direito penal qualquer relevância quando de sua prática, pois esse fato é satisfatoriamente
resolvido na seara cível, com as ações de divórcios e dependendo do caso, danos morais.
Por isso que em tempos hodiernos este princípio não se limita unicamente ao direito
penal, mas a todo o ordenamento jurídico, já que tornou-se um princípio geral de
interpretação, segundo afirma Flávio Gomes33. Dessa, maneira transforma-se num filtro, o
qual estabelecerá qual bem socialmente relevante interessará ao direito penal.

1.3.6 PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE.

Este princípio se apresenta como corolário de outros, tais como intervenção mínima,
ofensividade (lesividade) e adequação social34por se tratar da "última instância" no direito
penal.

31
BRASIL, STJ - HC 99.510/RJ, 2ª TURMA, Rel. Min. OG Fernandes , DJe. 29/11/2010
32
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 14-15
33
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da Insignificância e outras excludentes da tipicidade. 3ª ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais 2012.
34
GRECCO, Rogério. Op.cit. p. 57.
18
Este principio tem a função de determinar que apenas os bens jurídicos não protegidos
por outros ramos da ciência jurídica é que podem ser tutelados pelo Direito penal, ou seja, tem
sua importância na utilização em abstrato do tipo penal35, na construção do dispositivo legal.
O Superior Tribunal de Justiça já proferiu o entendimento de que o Direito penal
moderno deve tutelar unicamente os bens jurídicos de maior relevo, por isso que a intervenção
do estado na seara penal, jus puniendi, deve ter um caráter fragmentário36.
HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO
DAINSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. RES
FURTIVAEAVALIADA EM R$ 68,80.
1.A aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada segundo os
postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria
penal.
2. A aferição da reprovabilidade do comportamento do autor do delito dá-se
mediante a análise global da conduta - por exemplo, a importância do objeto
material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, as circunstâncias - e do
resultado concretamente verificados.
3. O fato de haver registro de condenações transitadas em julgado contra o paciente,
inclusive pela prática de furto, não é empecilho à aplicação do princípio da
insignificância. Ressalva do entendimento do Relator.
4. Reconhecida a atipicidade da conduta, ficam prejudicados os pedidos
subsidiários de redução e de substituição da pena, bem assim de reconhecimento do
furto privilegiado.
5. Ordem concedida na forma do pedido principal, para,reconhecendo-se a
atipicidade material da conduta, absolver o paciente com fundamento no art. 386,
III, do Código de Processo Penal, ficando extinta a condenação a ele imposta na
Ação Penal n.0018312-81.2009.8.21.0023, da 3ª Vara Criminal da comarca de Rio
Grande/RS. 37

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO SIMPLES TENTADO. PRINCÍPIO


DAINSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. RES
FURTIVAE (R$30,00).
1. A aplicabilidade do princípio da insignificância deve ser avaliada segundo os
postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria
penal.
2. A aferição da reprovabilidade do comportamento do autor do delito dá-se
mediante a análise global da conduta - por exemplo, a importância do objeto
material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, as circunstâncias - e do
resultado concretamente verificados.
3. O fato de haver ações penais em curso contra o paciente, algumas com sentença
passível de recurso, inclusive pela prática de furto,não é empecilho à aplicação do
princípio da insignificância.Ressalva do entendimento do Relator.
4. Ordem concedida na forma do pedido principal, para,reconhecendo-se a
atipicidade material da conduta, absolver o paciente com fundamento no art. 386,
III, do Código de Processo Penal, ficando extinta a condenação a ele imposta na
Ação Penal n.053.01., da 1ª Vara Criminal da comarca de Avaré/SP.38

35
MASSON, Cléber. Direito Penal Esquematizado: Parte geral. 6ª ed. São Paulo: Método 2012. p. 41.
36
BRASIL, STJ - HC 50.683/PE, 6ª TURMA Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa,DJe. 04.04.2006.
37
BRASIL, STJ - HC 219166 RS 2011/0224934-5, 6ª TURMA. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 11/04/2012.
38
BRASIL, STJ - HC 237777 SP 2012/0065027-1, 6ª TURMA. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 29/06/2012.
19
Com isso, ao Direito penal cabe a menor parcela de proteção, não em qualidade, mas,
sim, em quantidade de bens protegidos pelo ordenamento, os quais se mostram numa
infinidade de situações individuais e coletivas, restando ao direito penal a menor delas.39

39
GRECCO, Rogério. Op. cit. p. 57-58.
20
2. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

2.1 ORIGEM DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

A maioria dos doutrinadores penais, como Régis Prado40 e Bitencourt41, afirmam que
o princípio da insignificância foi estabelecido pela primeira vez por Claus Roxin no ano de
1964, partindo do adágio latino minima non curat praetor, o qual, em outras palavras, quer
dizer que o magistrado, no ofício de julgar, deve se preocupar com os casos realmente
relevantes, inadiáveis, desprezando os insignificantes, ou seja, não deve se preocupar com
aquilo que não tenha relevo, importância.
Isso não significa dizer que aquilo que um juiz definiu como irrelevante, em
determinado caso concreto, será sempre insignificante. Não se trata de definições ad
aeternum, mais adiante mostraremos que existem critérios para essa definição, pois essa
análise sempre dependerá de cada caso posto.
Ainda existem aqueles que vão mais longe, afirmando que a origem deste princípio é
bem mais anterior, datando vestígios em 1903 na obra de Fraz von Liszt, também de 1903,
quando este afirmou que a legislação de seu tempo fazia uso excessivo da pena, ressaltando
que talvez fosse oportuno restaurar o antigo brocardo jurídico: minima non curat praetor. Há
outros autores que atrelam o surgimento do mencionado princípio ao Direito romano, que de
forma geral não se preocupava com delitos de pequena ou quase nenhuma monta. Nesse passo
já se tinha um visão de insignificante.
Com isso, ressalta Luiz da Silva que existem duas correntes a respeito do surgimento
deste princípio para o direito: Aquela que atribui ao Direito romano e outra que o nega como
fonte criadora. Este mesmo autor afirma que Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, o qual faz
parte dos que negam, defende que não se poderia aceitar o Direito romano como criador de
tal princípio no sentido em que se encontra, por se tratar de um direito essencialmente
privado, o qual faltaria especificidade para tratar do tema na seara penal. Enfatiza que este
princípio tem suas raízes no ideário iluminista, negando o brocardo minima non curat praetor
e elegendo como cerne de criação do princípio o Princípio da Legalidade, fazendo referência à

40
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito penal Brasileiro: Parte Geral. 9ª ed. São Paulo. Revista dos tribunais.
2011. p. 157.
41
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op.cit. p. 21.
21
outro bocardo: nullum crimen nulla poena sine iuria, enfatizando que não há dano quando um
mal não represente a incidência da norma penal incriminadora.42
Para Justificar seu pensamento, Lopes utiliza-se de um pensamento do Marquês de
Beccaria:
A exata medida dos delitos é o dano causado à sociedade. Eis aí uma dessas
verdades que, embora evidentes para um espírito menos perspicaz, mas ocultas por
um concurso singular de circunstâncias, só não conhecidas de um pequeno número
de pensadores em todos os países e em todos os séculos". Discussões a parte, o certo
é que o princípio existe e é manso quanto a sua aplicação ao caso concreto. 43

2.2. DISTINÇÃO TERMINOLÓGICA

Luiz Flávio Gomes, assim como a maior parte da doutrina, trata os dois institutos
como sinônimos, pois, para o autor "infração de bagatela ou delito de bagatela ou crime
insignificante expressa o fato de ninharia, de pouco relevância (ou seja: insignificante)" 44.
Afirma Silva 45 que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm utilizado estes termos,
princípio da insignificância e criminalidade de bagatela, de forma indistinta, gerando
confusão, pois para o citado autor os termos ora empregados não formam sinônimos, de certo
que o Princípio da Insignificância se aplica ao caso concreto, sendo espécime de norma
jurídica. Já o crime de Bagatela se refere à infração em si, a qual provoca nenhum ou
insignificante dano ao bem protegido pela norma.
Com o intuito de evidenciar seu posicionamento cita o pensamento de Maurício
Ribeiro Lopes, que assim se manifesta:
É certo que o próprio termo designativo do objeto adotado para estudo - princípio da
insignificância - encontra-se sujeito a críticas das mais procedentes e, com essa
nomenclatura, é desconhecido nos principais sistemas de direito contemporâneo.
Não cremos que seja possível, todavia, e nem mesmo necessário, chegar ao exagero
de se afigurar que tal designativo é criação genuinamente nacional. Todavia, no
exterior, onde se desenvolve um direito penal compatível com as estruturas de
funcionamento e compreensão dos problemas segundo marcas características
ideológicas semelhantes às nossas, tal princípio é mais conhecido por princípio ou
criminalidade de bagatela.46

Buscando ainda trazer mais fundamentos que soem ao seu favor, Silva traz outro
pensamento que corrobora o que este autor defende. Ainda nas lições de Ribeiro Lopes:

Pessoalmente, e com voz solteira, faço distinção entre o princípio da insignificância


e o crime de bagatela. Se não reside rigor científico no procedimento - e não estou

42
LUIZ DA SILVA, Ivan.Op.cit. p. 95-96.
43
Op.cit. p. 96.
44
GOMES, Luiz Flávio. Op.cit. p. 19.
45
LUIZ DA SILVA, Ivan. Op. cit. p. 88.
46
Op. cit. p. 88.
22
certo de que não resida - ao menos para barrar as tentativas de duvidosa boa-fé
daqueles que, em nome da democratização e humanização do direito penal, lançam-
se a defender a existência de procedimento menos rígido - onde, por exemplo, possa
ter vigência o princípio da oportunidade da ação penal - ou até os mais liberais que
admitem um sistema de penas menos severo, insistem em incluir delitos de nenhuma
repercussão social na categoria constitucional infrações penais de menor potencial
ofensivo. 47

O que se observa é que no Brasil essa discussão não traz, hodiernamente, grandes
problemas jurídicos, pois muitos dos tribunais tratam desses princípios como se sinônimos
fossem, buscando o mesmo fim, que é a irrelevância do dano causado. Dessa forma, tanto os
tribunais superiores como os de segunda ou primeira instância, trabalham de forma uníssona
no que se refere ao objeto no qual se irradia os efeitos da bagatela ou insignificância, mais
adiante, nas decisões estampadas no terceiro capítulo deste trabalho, veremos que ora o
tribunais utilizam o termo bagatela, ora insignificante, tratando do mesmo objeto, ou seja
querendo dizer a mesma coisa.

2.3 TIPICIDADE FORMAL E MATERIAL

Antes de adentrarmos ao conceito de insignificância, se faz necessário entender o que


vem a ser tipicidade formal e material, mesmo que em linhas gerais, pois é neste ponto que se
identifica a aplicabilidade ou não do referido princípio e possível exclusão da tipicidade
material, mais especificamente neste último.
Como é sabido, na Constituição Federal de 1998, os poderes da República são três,
independentes e harmônicos entre si: Judiciário, Executivo e Legislativo 48. A este último cabe
o dever de criar as leis, tipificar condutas, estabelecer regras de convívio social direcionadas
pelo constituinte originário na medida de suas necessidades, adequando os anseios sociais
com as necessidades públicas de paz social.
Conforme preceitua Michel Temer: lei é "ato normativo produzido pelo poder
legislativo segundo forma prescrita na constituição, gerando direitos e deveres em nível
imediatamente infraconstitucional"49.
Para alguns doutrinadores, a teoria do tipo foi responsável pela criação da tipicidade
como predicativo basilar da dogmática delitiva. Assim, tipo se define, segundo Bitencourt 50,

47
LUIZ DA SILVA, Ivan. Op. cit. p. 90.
48
Título I - Dos Princípios Fundamentais
[...]
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
49
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo. Malheiros. 2010. p. 137.
23
como "o conjunto de elementos do fato punível descrito na Lei penal", exercendo uma função,
como diz o autor, limitadora e individualizadora das condutas humanas.
Construção que parte do legislador, este escolhe as ações que serão consideradas
delitivas, demonstrado-se como um modelo abstrato, proibindo ações, formado por
características individuais que os distinguirá dos outros51.
Portando, tipicidade nada mais é que a adequação do fato praticado pelo agente com a
conduta descrita no tipo, ou seja a correspondência entre o fato e o estabelecido no tipo.
Bitencourt elenca três funções do tipo penal: função indiciária, função limitadora e função
diferenciadora do erro. 52
Na primeira, o próprio tipo estabelece os contornos da conduta penalmente ilícita, ou
seja, a adequação do fato ao tipo pressupõe uma conduta contrária ao direito, que apenas
decairá na hipótese de uma causa de justificação, ressalvada as hipóteses dos crimes culposos
e comissivos por omissão, já que nestes casos o tipo é aberto e por tal motivo não contém a
descrição completa do fato.
A segunda função, que é a de garantia (fundamentadora e limitadora), é justamente a
que garante o direito que o cidadão tem de saber que sua conduta é proibida, antes mesmo de
praticá-la, princípio da anterioridade, não há crime sem lei anterior que o defina. Como diz
Bitencourt, não existe um tipo garantia, o que há na realidade é a função do tipo que resulta
do princípio da reserva legal, que obriga o tipo a ajustar-se ao fato cometido, caso esse ajuste
não ocorra, penalmente não há que se falar em delito penal.
Por último e terceira revela-se a função diferenciadora, nesta o autor do delito só
responderá dolosamente pela prática do fato descrito no tipo se conhecer todas as elementares
do tipo, desde que se trate de erro inevitável.
Desta forma, quando o parlamentar cria os tipos penais, este o está fazendo
formalmente, no plano abstrato, seria uma previsão do fato que se adequando a norma
estabelecida pelo legislador esta incidirá sobre aquele. Porém, quando se fala em fato na seara
penal é preciso analisar não apenas a adequação formal, mas também a material já que quando
o legislador avocou pra si a responsabilidade de tipificar lesões corporais ou mesmo
patrimoniais, este não quis abarcar condutas indistintamente, ou seja, não quis alcançar todo e
qualquer delito, mas aqueles que realmente causem lesão relevante. Assim, quando o
legislador tipificou o delito de furto, não estava ele pensando em punir aquele que subtraia pra

50
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit. p. 273.
51
Op cit. p. 273-274.
52
Op cit.. p. 275-276.
24
si uma bala de caramelo, por exemplo, pois este fato, isoladamente, não traz relevância
jurídica alguma. A partir disso é possível se entender que se o fato não traz consequências
jurídicas de relevo, incide o princípio ora em estudo.
Interessante o que diz a respeito Carlos Vico Mañas:
"Ao realizar o trabalho de redação do tipo penal, o legislador apenas tem em mente
os prejuízos relevantes que o comportamento incriminado possa causar à ordem
jurídica e social. Todavia, não dispõe de meios para evitar que também sejam
alcançados os casos leves. 0 princípio da insignificância surge justamente para evitar
situações dessa espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo
penal, com o significado sistemático político-criminal da expressão da regra
constitucional do nullum crímen sine lege, que nada mais faz do que revelar a
natureza subsidiária e fragmentária do direito penal." 53

2.4. CONCEITO DE INSIGNIFICÂNCIA (PRINCÍPIO).

Insignificante, repise-se, é fato de pouca, quase nenhuma relevância jurídica penal, é


aquilo que se assemelha ao nada para o direito penal, pois se afigura como uma ninharia.
Contudo, arduosa é a tarefa de se conceituar o que vem a ser o princípio da insignificância.
Sem dúvida alguma, uma das grandes dificuldades encontras para a aplicação e
aceitação do princípio da insignificância é a ausência na dogmática jurídica de um conceito
estabelecido, pelo legislador, tanto em patamar constitucional quanto infraconstitucional 54 ,
vez que com relação ao princípio em análise não se encontra no ordenamento aquilo que se
chama de interpretação autêntica, a qual se verifica quando o próprio legislador, na sua
atuação legiferante, estabelece conceitos ou até mesmo quando não deixa outra margem de
interpretação para o aplicador da norma, apenas a contida no corpo do dispositivo.
De certo que o este, o legislador, não se preocupou com o determinado instituto de
forma direta. Com isso a criação conceitual deste princípio é essencialmente doutrinária e
pretoriana, na medida que foi através dos contornos estabelecido pelo legislador
constitucional que surgiram interpretações das mais diversas formas para que se chegasse ao
conceito, ou pelo menos tentativa de conceito existente nos dias atuais. Atividade essa nada
fácil, devido a complexidade da sociedade hodierna, bem como do emaranhado de
dispositivos levantados pelo parlamento.
Essa grande dificuldade de conceituar o que vem a ser o princípio da insignificância é
percebida quando se nota que a maioria dos doutrinadores penalistas se quer dizem o que é o
princípio em exame. Estes, quando vem a identificá-lo, o fazem através dos efeitos irradiados

53
GRECCO, Rogério. Op. cit. p. 63.
54
LUIZ DA SILVA, Ivan. Op. cit. p. 99.
25
de sua aplicação, ou seja não se estabelece o que é o princípio, mas, o que acontece quando da
sua verificação. Como exemplo vejamos o que diz Luiz Flávio gomes, se harmonizando com
Claus Roxin: princípio da insignificância "é justamente o que permite, na maioria dos tipos
legais, excluir desde logo danos de pouca monta". 55Diomar Ackel Filho diz que: “O princípio
da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite infirmar a tipicidade de
fatos que, por sua inexpressividade constituem ações de bagatela, despidas de
reprovabilidade, de modo a não merecerem valoração da norma penal, surgindo, pois como
relevantes”56.
Veja também que nos dizeres de Francisco Assis Toledo, que o princípio se relaciona
com a qualidade e a quantidade do injusto, fazendo com que o fato quando insignificante seja
extraído da tipicidade penal. 57
Assim, como dito mais acima, seguindo o que ensina Bitencourt, o princípio da
insignificância se apresenta como limitador ao jus puniendi, pois exige que para que o fato
praticado pelo agente se amolde ao tipo exigido pelo legislar, se faz necessário que o dano
alcance a tipicidade material e não apenas a formal.
Flávio Gomes ainda divide o delito de bagatela em infração bagatelar própria e
infração bagatelar imprópria.58
Infração Bagatelar Própria, afirma o autor, é aquela que já nasce ínfima, sem
condições de causar dano relevante, expressivo, pois não se trata de um ataque grave ao bem
jurídico, razão pela qual não cabe a intervenção do direito penal, e nesse caso se aplica os
vetores definido pelo Supremo tribunal federal, quais sejam: a)ausência de periculosidade
social da ação, b) a mínima ofensividade da conduta do agente, ou seja, conduta idônea, c)
inexpressividade da lesão jurídica causada e d) Falta de reprovabilidade da conduta 59.
Nesse ponto, ainda segundo ao autor, a doutrina diverge quanto a aplicação dos
critérios estabelecidos pelo STF, discutindo se estes deveriam ser aplicados em bloco,
verificados todos de uma só vez, ou se poderia ser invocados isoladamente, ou seja um a um.
Para tanto o referido autor se utiliza da insignificância da conduta e da insignificância
do resultado, ou até mesmo um misto de ambas, defendendo que a conduta, ainda que
relevante, não deve entrar em cena o direito penal, mesmo que o resultado o seja. Por

55
GOMES, Luiz Flávio. Op.cit. p. 52.
56
Diomar Ackel Filho. O princípio da insignificância no direito penal. São Paulo. Julgados do Tribunal de
Alçada Criminal de São Paulo, 1998, página 73.
57
TOLEDO. Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 127.
58
GOMES, Luiz Flávio. Op.cit. p. 19.
59
GOMES, Luiz Flávio. Op cit.. p. 20.
26
exemplo, numa inundação dolosa, que um dos autores contribui apenas com um copo de água,
certamente este copo não foi o responsável pela inundação, tornando desnecessária atuação do
direito penal contra este autor. Bem como quando o que ocorre o inverso, apesar da conduta
ser relevante, se esta não atingir o resultado expressivo também não há que se falar em
intervenção penal. Como exemplo, temos a subtração de uma bala de caramelo, onde a
conduta de furto é reprovada, porém o resultado é totalmente inexpressivo, neste caso
somente o desvalor do resultado é ínfimo, mesmo assim há que se ignorar.
Existe também a possibilidade das duas situações se agregarem. Assim no em
momento que se verifica que tanto a conduta quanto o resultado são ínfimos, irrisórios para o
direito penal, como acontece num acidente de trânsito, no qual se verifique a culpa levíssima
do agente, gere lesões insignificantes, aqui também deve se afastar a atuação do direito penal,
até porque existe outras forma de se resolver citado problema, eventual ação de reparação de
danos, por exemplo.
A Infração Bagatelar Imprópria, ensina Flávio Gomes, é aquela que ao final do
processo, no momento de sentenciar, impõe ao magistrado o dever de reconhecer o princípio
da irrelevância penal do fato, verificado por óbvio, alguns requisitos como: autor sem
antecedentes, já ter sido eventualmente preso, pouca ofensa ao bem jurídico, bem jurídico de
pouca relevância, dentre outros60.
Desta feita mesmo o fato sendo formalmente e materialmente típico, verifica-se ao
final que não se faz necessário a aplicação da pena, o fato tornou-se insignificante para o
direito penal.
Diante de tais observações e afirmações é possível concluir que o princípio em estudo
é utilizado com o intuito de valorar condutas, de forma razoável e concreta, vez que deve
buscar sempre a proporcionalidade entre a conduta realizada pelo agente e o que está posto no
tipo incriminador, sem descurar do dever imposto ao direito penal de proteger os bens
jurídicos mais relevantes, pois como dito alhures, o direito penal é a ultima opção do Estado,
que o deve utilizar quando os outros meios de coerção não se mostrarem suficientes para
proteger o bem jurídico, além do dever de manter a ordem e a paz social.

60
GOMES, Luiz Flávio, Op cit. 105.
27
2.5 ALGUMAS CRÍTICAS AO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.

Devido às dificuldades acima apresentadas, no que se refere à falta de previsão legal,


dificuldade de conceituação, é que repousa as mais ferozes críticas a utilização do deste
princípio.
O que se alega com essa falta é justamente a ausência de segurança jurídica
ocasionada por esses fatores, pois repousa sua aplicação em bases puramente doutrinárias,
onde foi-se buscar no próprio direito penal a justificativa de sua existência, deixando ao crivo
do operador do direito, mais precisamente do magistrado, a verificação da possibilidade de
aplicação deste princípio ao caso concreto.
Ainda há outra situação que é a de que embora o princípio da insignificância seja
aceito pela maior parte da doutrina e jurisprudência, os seus contornos, limites de
aplicabilidade não foram definidos. Então, não raro encontra-se situações análogas onde
magistrados decidem de forma um tanto quanto conflitantes, principalmente a situações
61
especiais e previsão legal de sanções para delitos de menor potencial ofensivo
Há ainda quem defenda que este princípio na realidade se trata de um subprincípio62
do direito penal, ocasionado pela polissemia que este princípio comporta, sendo na verdade
uma ferramenta de interpretação consubstanciada no princípio da ofensividade.

61
MAIA, Fernanda Capra Brandão. O furto e o princípio da insignificância. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n.
2245, 24 ago.2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/13384>. Acesso em: 28 jan. 2013.
62
LIMA, Alberto Jorge Correia de Barros. Op cit. p. 88.

28
3. ALGUMAS APLICAÇÕES DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELA
JURISPRUDÊNCIA NACIONAL, DISCUSSÕES E ANÁLISES NAS ESPÉCIES.

3.1 NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS E DE DESCAMINHOS

Nestes tipos de crimes a incidência do princípio da insignificância, ou seja seu


reconhecimento, depende do valor mínimo que se exige para que se possa fazer a execução
fiscal na via judicial. Assim no montante que se estabelece o crédito tributário deve incorporar
tudo, multas inclusive. Porém se mesmo assim, somando-se tudo, o valor encontrado não
vencer o mínimo firmado como base para execução, torna-se imperiosa a incidência do
princípio da insignificância63.
Insta observar que, esse critério não se trata de um critério geral de aplicação do
observado princípio da insignificância, pois torna-se bem característico tanto nos crimes
tributários e de descaminhos quanto nos delitos previdenciários, como será visto mais adiante.
Interessante observar a evolução na jurisprudência, no tocante aos valores
estabelecidos como mínimos para o ajuizamento e consequente aplicabilidade do princípio em
estudo no decorrer dos anos.
Assim, entre os anos de 1997 e 2001 o valor observado foi de R$ 1.000,00 (mil reais)
como preceituado no artigo 1° da Lei 9.469/1997 64 ; nesse momento também ficou
consolidado, na seara tributária federal, que poderia se aplicar a insignificância para exercer o
trancamento da ação penal relativa aos impostos inferiores a este valor 65. Nos anos de 2002 e
2003 entrou em vigor a lei 10.522/2002, no mês de julho, que acabou gerando a alteração do
valor para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais). Assim também a jurisprudência entendia
não ser lesivo até esse montante, pois não causava lesão grave aos cofres públicos, apesar de
formalmente típica, não restava tipicidade material alguma, entendimento que perdurou até o
ano de 2004, conforme decisão exarada neste mesmo ano, vejamos:

63
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 117.
64
Art. 1° O advogado Geral da União e os dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas
públicas federais poderão autorizar a realização de acordos ou transações, em juízo, para terminar o litígio, nas
causas de valor até R$50.000,00 (cinquenta mil reais), a não propositura de ações e a não interposição de
recursos, assim como requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos
recursos judiciais, para cobrança de créditos, atualizados, de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil
reais), em que interessadas essas entidades na qualidade de autoras, rés, assistentes ou oponentes, nas
condições aqui estabelecidas.
65
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 118.
29
HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, CAPUT, SEGUNDA FIGURA,
DO CÓDIGO PENAL). PRINCÍPIO DA BAGATELA OU DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO, IN CASU.
"I – Essa Eg. Corte havia consolidado entendimento no sentido de aplicar o
princípio da insignificância para possibilitar o trancamento da ação penal no
crime de descaminho de bens, cujos impostos incidentes e devidos fossem iguais
ou inferiores a R$ 1.000,00, valor considerado pelos arts. 1.º da Lei n.º 9.469/97
e 20 da MP 1.542-28/97 como de desinteresse do erário em execução fiscal.
Precedentes.
II – Nada obstante, com a entrada em vigor da Lei 10.522, de 19 de julho de
2002, o legislador posicionou-se no sentido de certificar a insignificância de
créditos de valor igual ou inferior a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Precedentes.
III – In casu, o tributo devido pelo paciente foi avaliado em R$ 1.372,27,
montante inferior ao determinado pela lei e pela jurisprudência como lesivo aos
cofres públicos, fato a possibilitar a incidência do princípio da insignificância.
Isso porque, a conduta imputada na peça acusatória não chegou a lesar o bem
jurídico tutelado, qual seja, a Administração Pública em seu interesse fiscal.
IV – Acórdão a quo que deve ser cassado, restabelecendo-se a decisão que não
recebeu a denúncia, ante a aplicação do princípio da insignificância penal."
Habeas Corpus concedido 66.

Ainda no ano de 2004 houve uma Portaria de número 49 publicada em 1° de abril,


emitida pelo Ministro da Fazenda, que afirmava a não inscrição como dívida ativa da união os
débitos com valor de no máximo R$1.000,00 (mil reais) e como dito acima o não ajuizamento
das execuções fiscais. Mais adiante veio a Lei 11.033/04 que no art. 21 ratificou a valor de
R$10.000,00 (dez mil reais) para o ajuizamento67.
Interessante notar que a jurisprudência do STJ, por pensamento exarado pelo ministro
Félix Ficher, passou a considerar como valor R$ 100,00 (cem reais), com o argumento de que
no artigo 18 da Lei 10.522/2002, cancelou-se os créditos até esse valor, para esse ministro o
que importava era o valor do crédito cancelado e não a quantidade para o ajuizamento da
execução68, pois não extinguia o crédito. Senão vejamos:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. DESCAMINHO. DÉBITO FISCAL. ARTIGO
20,CAPUT, DA LEI Nº 10.522/2002. PATAMAR ESTABELECIDO PARA O
AJUIZAMENTO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO DA DÍVIDA ATIVA OU

66
BRASIL, STJ - HC 34281 / RS HABEAS CORPUS 2004/0035344-8, 5ª TURMA, Rel. Ministro José Arnaldo
da Fonseca, DJe 09/08/2004 p. 281.
67
Art. 21. Os arts. 13, 19 e 20 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, passam a vigorar com a seguinte
redação:
[...]
"Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda
Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$
10.000,00 (dez mil reais).
....................................................................................
§ 2o Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versem
exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil
reais).
68
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 119-120.
30
ARQUIVAMENTO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. ART. 18, § 1º, DA LEI Nº
10.522/2002. CANCELAMENTO DO CRÉDITO FISCAL. MATÉRIA
PENALMENTE IRRELEVANTE.
I - A lesividade da conduta, no delito de descaminho, deve ser tomada em relação ao
valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas.
II - O art. 20, caput, da Lei nº 10.522/2002 se refere ao ajuizamento da ação de
execução ou arquivamento sem baixa na distribuição, não ocorrendo, pois, a
extinção do crédito, daí não se poder invocar tal dispositivo normativo para
regular o valor do débito caracterizador de matéria penalmente irrelevante.
III – In casu, o valor do tributo incidente sobre as mercadorias apreendidas é
superior ao patamar estabelecido no dispositivo legal que determina a extinção
dos créditos fiscais (art. 18, § 1º, da Lei nº 10.522/2002), logo, não se trata de
hipótese de desinteresse penal específico.
Recurso provido.69

Pois bem esse cenário perdurou até de meados de 2007, quando o TRF 4° região
decidiu por não aplicar o mínimo estabelecido pelo STJ e, em Apelação Criminal 2003.70.03.
009921-6-PR, resolveu considerar como mínimo os R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais),
não chegando ao patamar dos R$10.000,00 (dez mil reais), mas que abaixo dos R$ 2.500,00
seria irrelevante70.
No ano seguinte, a partir de fevereiro, o STF tanto com a ministra Carmem Lúcia,
quanto com o ministro Joaquim Barbosa, dentre outros ministros, reestabeleceram o valor de
R$ 10.000,00 (dez mil) como limite mínimo a ser exigido para a execução fiscal. Assim a
partir desse momento praticamente consolidou-se o entendimento de que para a execução
fiscal o valor mínimo a ser cobrado seria o de R$ 10.000,00.
Esse pensamento também serve para o crime de descaminho que se afigura como
aquele crime no qual o autor deixa de pagar, no todo ou em parte, o imposto referente à
entrada ou saída de mercadorias em nosso país.
Segue o entendimento do STJ, alegando atipicidade material da conduta:
HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA.
VALORSONEGADO INFERIOR A DEZ MIL REAIS. CONDUTA DE MÍNIMA
OFENSIVIDADE PARA O DIREITO PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL.
CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA.
ABSOLVIÇÃO DO RÉU QUE SE IMPÕE.
1. A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça dirimiu a controvérsia
existente em relação ao crime de descaminho e firmou compreensão segundo a
qual os débitos tributários que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais), ex
vi do art. 20 da Lei 10.522/02, são alcançados pelo princípio da insignificância.
2. A Lei 11.457/2007 considerou também como dívida ativa da União os débitos
decorrentes das contribuições previdenciárias, dando-lhes tratamento similar aos
débitos tributários.
[...]

69
BRASIL, STJ - REsp. 685135 / PR 2004/0063581-7, 5ª TURMA, Rel. Ministro Féliz Ficher, DJe DJ
02/05/2005 p. 401.
70
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 120.
31
7. Embora a conduta do paciente se amolde à tipicidade formal e subjetiva, ausente
no caso a tipicidade material, que consiste na relevância penal da conduta e do
resultado típicos em face da significância da lesão produzida no bem jurídico
tutelado pelo Estado.
8. Ordem concedida para cassar o acórdão combatido, absolvendo-se o paciente,
com fundamento no art. 386, III, do CPP, em razão da atipicidade material da
conduta a ele imputada.71

Assim, a justificativa para que exista essa ausência do Estado na execução acima desse
valor (R$10.000,00) é justamente a de que não compensa ao poder público ajuizar a execução,
pois não se recupera o valor mínimo exigido, ou mesmo do custo processual, tendo mais
gastos do que o próprio valor que se está a cobrar. Tanto tem razão esse quantum, que a
Procuradoria da Fazenda Nacional elevou o teto para R$20.000,00 (vinte mil reais), sob o
argumento de que nas ações de execução fiscal a União na maioria das vezes não consegue
valor menor que R$21.700,00 (vinte e um mil e setecentos reais. Chegou-se a esse valor
através de estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada(Ipea).72
Defende-se também que os delitos previdenciários devem se render ao princípio da
insignificância, sob o argumento de que como agora quem faz a arrecadação dos créditos
previdenciários é a Super Receita, ou seja, como fica a cargo da Secretaria da Fazenda
Nacional fazer a arrecadação e a fiscalização de todos os tributos e contribuições sociais, não
há mais que se distinguir o crédito tributário do previdenciário, pois como o bem jurídico é o
mesmo o tratamento dispensado também deverá ser o mesmo73.

3.2 NOS CRIMES AMBIENTAIS.

Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de justiça, admitem o


princípio da insignificância em matéria ambiental, sob a justificativa de que o dano ambiental
deve ser efetivo e potencial ao valor fundamental do meio ambiente, dessa forma defende-se a
vertente do direito penal mínimo, admitindo-se a responsabilização por meio do direito
administrativo ou direito civil, tendo assim o direito penal atuação de ultima ratio, atuando de
forma subsidiária em relação à responsabilidade civil e administrativa.
Ademais quando se pratica um delito contra o bem ambiental surge a responsabilidade
ambiental, com isso tenta-se a restabelecer o equilíbrio destruído pelo dano. No nosso país a

71
BRASIL, STJ - HC 195372 / SP HABEAS CORPUS 2011/0015674-4, 5ª TURMA, Rel. Ministro Jorge
Mussi, DJe 18/06/2012.
72
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 123-124.
73
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 127.
32
responsabilização pelo dano ambiental pode ser exigida nas três esferas, penal, administrativa
e cível. Como não poderia ser diferente, cada uma dessas formas de responsabilização tem
uma natureza, qual seja: Na civil a natureza é reparatória ou de caráter compensatória, ficando
a natureza preventiva para a responsabilidade administrativa e a repressiva para a Penal. Esta
última, como dito acima apenas de forma subsidiária, quando no caso das outras duas formas
não atingirem a proteção desejada para o bem jurídico tutelado.
Vejamos o que diz o STF em decisão monocrática proferida pelo ministro Gilmar
Mendes, alinhando-se a este entendimento:
DECISÃO: Trata-se de recurso de habeas corpus, com pedido de medida liminar,
interposto por ADRIANO FONTANA CARVALHO,contra decisão da
Sexta Turma Recursal de Lages-SC, que denegou a ordem no HC n° 27, impetrado
em face de ato do Juízo da Vara Única de Santa Cecília-SC.
O recorrente responde a ação penal pela prática da infração penal descrita no art. 50
da Lei n° 9.605/98, por ter efetuado o corte de duas árvores da espécie nativa
Pinheiro brasileiro (Araucaria angustifolia).
[...]
Decido.
Em exame sumário da controvérsia, constato a presença dos requisitos legais para a
concessão da medida liminar. O art. 50 da Lei n° 9.605/98 prevê pena de detenção,
de três meses a um ano, e multa, para quem "destruir ou danificar florestas nativas
ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de
especial preservação". Como se pode constatar, a norma penal protege o valor
fundamental do meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, assegurado pelo art. 225 da
Constituição da República.A finalidade do Direito Penal é justamente conferir
uma proteção reforçada aos valores fundamentais compartilhados
culturalmente pela sociedade. Além dos valores clássicos, como a vida,
liberdade, integridade física, a honra e imagem, o patrimônio etc., o Direito
Penal, a partir de meados do século XX, passou a cuidar também do meio ambiente,
que ascendeu paulatinamente ao posto de valor supremo das sociedades
contemporâneas, passando a compor o rol de direitos fundamentais ditos de 3a
geração incorporados nos textos constitucionais dos Estados Democráticos de
Direito. Parece certo, por outro lado, que essa proteção pela via do Direito
Penal justifica-se apenas em face de danos efetivos ou potenciais ao valor
fundamental do meio ambiente; ou seja, a conduta somente pode ser tida como
criminosa quando degrade ou no mínimo traga algum risco de degradação do
equilíbrio ecológico das espécies e dos ecossistemas. Fora dessas hipóteses, o
fato não deixa de ser relevante para o Direito. Porém, a responsabilização da
conduta será objeto do Direito Administrativo ou do Direito Civil. O Direito
Penal atua, especialmente no âmbito da proteção do meio ambiente, como
ultima ratio, tendo caráter subsidiário em relação à responsabilização civil e
administrativa de condutas ilegais. Esse é o sentido de um Direito Penal
mínimo, que se preocupa apenas com os fatos que representam graves e reais lesões
a bens e valores fundamentais da comunidade.
[...]
As circunstâncias do caso concreto levam-me a crer, neste primeiro contato
com os autos, que o corte de dois pinheiros, de um conjunto de 7 outras árvores
da mesma espécie, presentes no meio de uma lavoura de soja e milho e que,
portanto, que não chegam a compor uma "floresta" (elemento normativo do
tipo), não constitui fato relevante para o Direito Penal. Não há, em princípio,
degradação ou risco de degradação de toda a flora que compõe o ecossistema local,
objeto de especial preservação, o que torna ilegítima a intervenção do Poder Público
por meio do Direito Penal.

33
[...]
A jurisprudência desta Corte tem sido no sentido de que a insignificância da
infração penal, que tenha o condão de descaracterizar materialmente o tipo,
impõe o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC n° 84.412, Rel.
Min. Celso de Mello, DJ 19.11.2004; HC n° 83.526, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ
7.5.2004).
[...]74

Mesmo no caso de crimes ambientais que afetem a fauna, como a pesca de frutos do
mar, quando em período de ovulação, no qual o direito protege a não extinção das espécies,
ainda assim, quando se mostra como crime famélico e o dano não for relevante, deverá ser
aplicado o princípio da insignificância, pensamento este, externado em acórdão exarado pelo
STF.
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime ambiental. Pescador flagrado com doze
camarões e rede de pesca, em desacordo com a Portaria 84/02, do IBAMA. Art.
34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98. Res furtiva e de valor insignificante.
Periculosidade não considerável do agente. Crime de bagatela. Caracterização.
Aplicação do princípio da insignificância. Atipicidade reconhecida. Absolvição
decretada. HC concedido para esse fim. Voto vencido. Verificada a objetiva
insignificância jurídica do ato tido por delituoso, à luz das suas circunstâncias,
deve o réu, em recurso ou habeas corpus, ser absolvido por atipicidade do
75
comportamento .

Nesta mesma decisão o Ministro Ricardo Levandowski, vencido na ocasião,


acrescentou que apesar do crime ser objetivamente insignificante, o que a Lei Ambiental
vislumbra no caso é a proteção do período de reprodução para evitar a extinção, razão pela
qual para este magistrado não prosperaria o intento do autor76.
Também se mostra harmonizado com o STF o Superior Tribunal de Justiça visto que
defende o mesmo ponto de vista no que concerne a insignificância dos delitos ambientais,
defendendo que deve ser demonstrada a proporcionalidade do delito, materialmente, com a
sanção imposta pelo legislador:
HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME AMBIENTAL. ART. 34 DA LEI 9.605/98.
TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE TIPICIDADE MATERIAL. TEORIA
CONSTITUCIONALISTA DO DELITO. INEXPRESSIVA LESÃO AO BEM
JURÍDICO TUTELADO.
ORDEM CONCEDIDA.
1. O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação
restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser
considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas,
primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da

74
BRASIL, STF - RHC 88880 MC / SC - SANTA CATARINA, Rel. Ministro Ministro Gilmar Mendes, DJ
09/06/2006.
75
BRASIL, STF - HC 112563 / DF - DISTRITO FEDERAL, 2ª Turma, Rel. Ministro Ricardo Levandowski,
Rel. p/ o Acórdão Min. Cezar Peluso, DJ 21/08/2012.
76
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 154.
34
sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando
os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
2. [...]
3. A conduta dos pacientes, embora se subsuma à definição jurídica do crime
ambiental e se amolde à tipicidade subjetiva, uma vez que presente o dolo, não
ultrapassa a análise da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a
imposição de pena privativa de liberdade, uma vez que a ofensividade da conduta se
mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a
reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem
jurídico se revelou inexpressiva.
4. [...]77

Mais recentemente o Tribunal Superior exarou o mesmo entendimento com relação ao


corte de árvores, onde este não teve dano relevante para a flora:
PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (ART. 40
DA LEI Nº 9.605/95). CORTE DE UMA ÁRVORE. COMPENSAÇÃO DO
EVENTUAL DANO AMBIENTAL. CONDUTA QUE NÃO PRESSUPÔS
MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ORDEM
CONCEDIDA.
1. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de suprimir um
exemplar arbóreo, tendo em vista a completa ausência de ofensividade ao bem
jurídico tutelado pela norma penal.
2. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para reconhecer a atipicidade
material da conduta e trancar a Ação Penal nº 002.05.038755-5, Controle nº 203/07,
da Vigésima Quarta Vara Criminal da comarca de São Paulo.

3.3 NOS CRIMES ENVOLVENDO O USO DE DROGAS

Segundo Flávio Gomes, existem duas vertentes que se pode trabalhar a


descriminalização da posse privilegiada de drogas para uso pessoal. Uma que se harmoniza
com o pensamento exarado pela Suprema Corte argentina, a qual entende que o consumo
pessoal de drogas não afeta terceiros, portanto não teria razão de ser punida, de certo que esta
punição esbarraria no princípio da lesividade ou ofensividade. Uma outra vertente seria a
oferecida pelo princípio da insignificância.78
Pode-se afirmar que com a entrada em vigor da lei 11.343/2006, denominada Lei de
Drogas, a posse para uso pessoal tornou-se uma infração penal sui generis, vendo sob a ótica
formal, já que para o STF, este crime deve ser punido com medidas alternativas79
EMENTA:I. Posse de droga para consumo pessoal: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): natureza
jurídica de crime.
1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite
distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não

77
BRASIL, STJ - HC 86913 / PR 2007/0162966-6, 5ª TURMA, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJe 04/08/2008.
78
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 137.
79
Op. cit.
35
obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de
distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L.
11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui
somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei
incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII).
2. [...]
3. [...]
4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas
ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial
ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que
trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da
prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30).
5. [...]
6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo,
das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de
que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). II.
Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L. 11.343/06, pelo decurso de mais
de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa interruptiva. III. Recurso
extraordinário julgado prejudicado. 80

Existem, inclusive, entendimentos de que esse tipo de crime transfigurou-se em mera


infração administrativa, como é o caso da Política Criminal Européia, a Suprema Corte
argentina e a Suprema Corte Colombiana. Com isso se afasta a ideia de perigo abstrato que
possuía o ato infracional, uma vez que não afeta terceiros ou bens jurídicos relevantes para o
Direito Penal.81
O delito em comento configura-se como delito de posse. Assim, se a quantidade de
droga apreendida não tiver capacidade alguma de causar lesão a terceiros, não resta razão para
que o direito penal atue, pois não existe aqui qualquer infração penal relevante.82
Dessa maneira, a única pessoa lesada é o próprio usuário que deve na realidade receber
ajuda para se tratar do vício. Inclusive para Delgado, qualquer punição nesse sentido seria
inconstitucional, pois para o autor "O único bem jurídico posto em risco de lesão ou
efetivamente lesado com a conduta de portar droga para consumo pessoal é o do próprio
usuário. Portanto, há uma situação de autolesão, cuja punição é inconstitucional". 83
O referido autor ainda afirma que "[...]pessoas doentes não necessitam de punição,
mas sim, de tratamento médico especializado e multidisciplinar. Punir a pessoa que usa
drogas é puni-la por aquilo que ela é e não por aquilo que ela fez. É privilegiar-se o Direito
Penal do Autor e não o Direito Penal do Fato[...]".84

80
BRASIL, STF - RE 430105 QO / RJ, 1ª TURMA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJe-004 27-04-2007
81
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. p. 137.
82
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. p. 138.
83
DELGADO, Rodrigo Mendes. A inconstitucionalidade do porte de droga para consumo pessoal. Tese
humanista ou principiológica. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3455, 16dez. 2012 . Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/23224>.Acesso em: 28 jan. 2013.
84
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 138.
36
Interessante notar o pensamento estampado pelo voto da ministra Ellen Gracie, no ano
de 2008, quando esta, reconhece que este tipo de delito na realidade é um problema de saúde e
que o paciente necessita de ajuda, diz ela que punição severa deve ser dada a traficantes, não
podendo alcançar os usuários.
EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO
ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO
BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente,
militar, condenado pela prática do delito tipificado no art. 290 do Código Penal
Militar (portava, no interior da unidade militar, pequena quantidade de maconha). 2.
Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da
insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima
ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido
grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio
da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a
prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo
circunstanciado. Preocupação, do Estado, em alterar a visão que se tem em
relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser
reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser
oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior
Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe
a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei
penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade
humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso,
como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes
criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei
que, em lugar de apenar --- Lei n. 11 .343/2006 --- possibilita a recuperação do civil
que praticou a mesma conduta. 8. No caso se impõe a aplicação do princípio da
insignificância, seja porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva, seja por
imposição da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida. 85

É bom lembrar que neste trabalho não se busca a descriminalização das drogas, nem
poderia ser assim, já que não é objeto de estudo deste obra acadêmica, porém, não se pode
deixar de evidenciar fatos que pesam sobremaneira nas interpretações e aplicações da lei
penal.
Como diz Delgado:
Não estamos defendendo a legalização das drogas, posto que não poderíamos
cometer a candura de ignorar os nefastos e deletérios efeitos dos problemas
relacionados às drogas, que danifica todo tecido social, desmantelando famílias e
ceifando vidas. Mas, o usuário ou dependente é apenas uma pessoa doente e
necessitada de tratamento e recuperação. O usuário é a vítima não o algoz do
86
problema.

O ministro Celso de Melo, hoje decano da Suprema Corte Nacional, vislumbrou no


ano de 2010, uma verdadeira atipicidade da conduta do usuário de drogas, devendo esta ser

85
BRASIL, STF - HC 90125- RS, 2ª TURMA, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe- 05-09-2008.
86
DELGADO, Rodrigo Mendes. A inconstitucionalidade do porte de droga para consumo pessoal. Tese
humanista ou principiológica. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3455, 16dez. 2012 . Disponível em:
<http://jus.com.br/revista/texto/23224>.Acesso em: 28 jan. 2013.
37
considerada, quando do julgamento desses tipos de crimes, mesmo que em ambiente
castrense:
E M E N T A: CRIME MILITAR (CPM, ART. 290) - PORTE (OU POSSE) DE
SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - QUANTIDADE ÍNFIMA - USO PRÓPRIO -
DELITO PERPETRADO DENTRO DE ORGANIZAÇÃO MILITAR - PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - IDENTIFICAÇÃO DOS
VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE
POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE
DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO
MATERIAL - PEDIDO DEFERIDO.- Aplica-se, ao delito castrense de porte (ou
posse) de substância entorpecente, desde que em quantidade ínfima e destinada
a uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar, o
princípio da insignificância, que se qualifica como fator de descaracterização
material da própria tipicidade penal. Precedentes. 87

Certamente, não se pode ignorar o fato da ínfima lesão, ou como diz alguns, nenhum
lesão ao bem jurídico tutelado, em situações que se permita a aplicação do direito penal, pois
esse ramo do direito, como já dito outras tantas vezes nesse trabalho e na doutrina pátria, é o
responsável por invadir a liberdade do indivíduo, trazendo consequências muitas vezes
irreversíveis, seja do ponto de vista psicológico, seja do ponto de vista social.
Portanto, nos tipos de situações como a apresentada, não pode se permitir que o
usuário seja punido, por consequência de algo que o mesmo já é vítima, no caso o vício.
Assim, vislumbrando a proteção a dignidade da pessoa humana, devemos procurar
alternativas, mesmo que rígidas, para tratar a saúde desse cidadão dependente, devemos sim
buscar o direito penal do fato e não do autor, não importa quem seja, mas o que ele faz e o
resultado de sua conduta.

3.4 NOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Discute-se há muito tempo sobre a aplicação do princípio da insignificância quando o


paciente é a Administração Pública. Em decisão exarada no ano de 2012, o Supremo Tribunal
Federal emitiu entendimento no sentido positivo através da primeira turma, apesar de
existirem várias decisões em sentido contrário, principalmente no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça. Nesse Tribunal, mais precisamente na terceira Seção, usa-se o argumento
no sentido de não poder se aplicar o princípio porque mesmo que o valor (bem objeto da
infração) seja mínimo, o que na realidade se defende vai além do patrimônio, protege-se a
moral administrativa. 88

87
BRASIL, STF - HC 97131-RS, 2ª TURMA, Rel. Min. Celso de Mello, DJe - 27-08-2010
88
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 151.
38
Interessante observar que o próprio Superior Tribunal de Justiça aplica o referido
princípio em crimes, mas o mesmo não o faz, por exemplo, nos atos de improbidade (Lei
8429/92), sob o argumento que não existe o bem jurídico penal denominado "moralidade",
por conseguinte este valor é defendido na seara administrativa. 89
Nesse entendimento, o que se busca no administrado é o respeito a ética e aos valores
morais que permeiam a Administração Pública. Isso se justifica porque o que exige a
aplicação da moralidade é justamente um dos pilares da administração pública, qual seja, a
indisponibilidade do interesse público, por mais que o valor seja ínfimo, a lesão é fortemente
suficiente para fundamentar a não aplicação do princípio da insignificância nos casos de
crimes contra a Administração Pública.90
Como exemplo do raciocínio veja-se o seguinte caso: Digamos que numa blitz
realizada pela polícia militar, o seu carro seja apreendido e levado para o local destinado a
guarda de veículos, por exemplo, o DETRAN. Chegando lá no dia seguinte para reaver o seu
automóvel, você percebe que as calotas do seu carro fora retirada pelo policial que deteve o
carro, ou mesmo pelo responsável pela guarda do veículo. O que se observa nesse caso é que
apesar das calotas terem valores extremamente baixos, chegando a R$15,00(quinze) ou
R$20,00(vinte) reais o jogo completo, houve um total desrespeito por parte do Estado para
com o particular, ou seja, foi um ato totalmente imoral, praticado por aquele que deveria na
realidade o defender. Por isso que alguns defendem que não se deve aplicar o princípio da
insignificância nos crimes praticados por agentes públicos no exercício das funções.
Assim acompanhemos o voto que se segue da terceira turma do Superior Tribunal de
Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PECULATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. O entendimento firmado nas Turmas que compõem a Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da
insignificância aos crimes contra a Administração Pública, ainda que o valor da
lesão possa ser considerado ínfimo,uma vez que a norma visa resguardar não
apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.

89
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O Superior Tribunal de Justiça aplica o princípio da
insignificância aos crimes e não aos atos de improbidade: existe contradição?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13,
n. 1984, 6 dez.2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12047>. Acesso em: 26 jan. 2013.
90
AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. O Superior Tribunal de Justiça aplica o princípio da
insignificância aos crimes e não aos atos de improbidade: existe contradição?. Jus Navigandi, Teresina, ano 13,
n. 1984, 6 dez.2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12047>. Acesso em: 26 jan. 2013.

39
Apesar desse entendimento estampado no STJ o Supremo Tribunal Federal possui
voto no sentido oposto, pois mesmo reconhecendo que houve ataque à moralidade
administrativa, o que o STF observa como requisto fundamental é o dano efetivamente
causado, não restando motivos para a não aplicação do princípio, quando verificada a ínfima
lesão, é o que se depreende do voto exarado recentemente pela segunda turma:

DELITO DE PECULATO-FURTO. APROPRIAÇÃO, POR CARCEREIRO, DE


FAROL DE MILHA QUE GUARNECIA MOTOCICLETA APREENDIDA.
COISA ESTIMADA EM TREZE REAIS. RES FURTIVA DE VALOR
INSIGNIFICANTE. PERICULOSIDADE NÃO CONSIDERÁVEL DO AGENTE.
CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES. CRIME DE BAGATELA.
CARACTERIZAÇÃO. DANO À PROBIDADE DA ADMINISTRAÇÃO.
IRRELEVÂNCIA NO CASO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ABSOLVIÇÃO
DECRETADA. HC CONCEDIDO PARA ESSE FIM. VOTO VENCIDO.
VERIFICADA A OBJETIVA INSIGNIFICÂNCIA JURÍDICA DO ATO TIDO
POR DELITUOSO, À LUZ DAS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, DEVE O RÉU, EM
RECURSO OU HABEAS CORPUS, SER ABSOLVIDO POR ATIPICIDADE DO
COMPORTAMENTO.91

Portanto, dependendo de quem julgue dentre esses dois tribunais a resposta ao delito
pode ser a favor ou contra o réu.

3. 5 NOS CRIMES MILITARES

O grande entrave para a aplicação do princípio da insignificância em favor dos


militares é dever funcional que estes possuem, de onde decorre toda uma conduta pautada no
respeito ético-moral, ou seja a postura que se espera de um militar. Tem muita relação com a
hierarquia e disciplina impostas a esses indivíduos como valores supremos, verdadeiras
"pernas" que sustentam a ideia de militarismo, que para a doutrina militar, se não houver
respeito a esses valores, estaria o militarismo entregue a destruição.
Vejamos um dos argumentos que Amaral cita a respeito da impossibilidade de
aplicação do enunciado princípio em alguns crimes militares, defendendo a hierarquia e
disciplina como valores intangíveis:
Destarte, em nosso entendimento, nem todos os crimes militares admitem a ideia de
insignificância, pois o grau da lesão ou ofensa ao bem jurídico tutelado é impalpável
ou imensurável, por exemplo, nos casos de crimes contra o serviço e o dever militar,
ou nos crimes contra a autoridade ou disciplina militar. Pensemos nos crimes
previstos nos artigos 157 (violência contra superior), 160 (desrespeito a superior) e
163 (recusa de obediência). Como dizer, sem causar gravíssimo dano à hierarquia e
à disciplina, que tais crimes comportam a ideia de insignificância? Não se admite

91
BRASIL, STF - HC 112388 SP , 2ª TURMA, Rel. Min. Ricardo Levandowski, DJe 14-09-2012.
40
tal possibilidade. Ou o subordinado respeita seu superior e acata suas ordens
(legais), ou ocorre grave violação da disciplina que ultrapassa a seara administrativa,
carecendo de reprimenda penal. 92

Essa conduta, dita exemplar, foi utilizada para justificar o voto da Ministra Rosa
Weber em Habbeas corpus, impetrado por militar da reserva, o qual teve ordem denegada.

EMENTA HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. POLICIAL MILITAR


RODOVIÁRIO NA RESERVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. ELEVADA REPROVABILIDADE
DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA.
1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando
não só o valor do dano decorrente do crime, mas igualmente outros aspectos
relevantes da conduta imputada.
2. O pequeno valor da vantagem auferida é insuficiente para aplicação do
princípio da insignificância ante a elevada reprovabilidade da conduta do
militar da reserva que usa documento falso para não pagar passagem de
ônibus.
3. Aos militares cabe a guarda da lei e da ordem, competindo-lhes o papel de
guardiões da estabilidade, a serviço do direito e da paz social , razão pela qual
deles se espera, ainda que na reserva, conduta exemplar para o restante da
sociedade, o que não se verificou na espécie.
4. Ordem denegada.

Note que nesse pensamento não é a situação de ativa, ou seja de está exercendo o
serviço público como militar, que proíbe a aplicação do princípio da insignificância, mas sim
a situação de militar em si mesma, pois até os que já se aposentaram, ainda assim, são
considerados militares e portanto devem agir nos conformes do militarismo.
Apesar desse entendimento da ministra Rosa Weber, o que se nota através dos votos é
que domina na jurisprudência do STF a possibilidade de aplicação do referido princípio, ainda
que em crimes militares, bastando para tanto estejam presente os 04(quatro) requisitos
necessários para que haja a atipicidade da conduta, quais sejam: a mínima ofensividade da
conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de
reprovabilidade do comportamento, a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Ademais o Ministro Celso de Melo, evoluiu nesse pensamento, tendo em conta que
este magistrado em voto emitido no ano de 2010 acenou pela utilização do princípio em
exame, vejamos:
E M E N T A: CRIME MILITAR (CPM, ART. 290) - PORTE (OU POSSE) DE
SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE - QUANTIDADE ÍNFIMA - USO PRÓPRIO -

92
AMARAL, Fábio Sérgio do. A aplicação do princípio da insignificância no âmbito do Direito Militar . Jus
Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3381, 3 out.2012 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/22723>.
Acesso em: 26 jan. 2013.

41
DELITO PERPETRADO DENTRO DE ORGANIZAÇÃO MILITAR - PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE - IDENTIFICAÇÃO DOS
VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE
POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE
DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO
MATERIAL - PEDIDO DEFERIDO.- Aplica-se, ao delito castrense de porte (ou
posse) de substância entorpecente, desde que em quantidade ínfima e destinada
a uso próprio, ainda que cometido no interior de Organização Militar, o
princípio da insignificância, que se qualifica como fator de descaracterização
material da própria tipicidade penal. Precedentes. 93

Alinhando-se a ele o ministro Ricardo Levandowski:


HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PACIENTE CONDENADO PELO
CRIME DE FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. COISA FURTADA. VALOR QUE CORRESPONDIA AO
DOBRO DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS.
RAZOÁVEL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM
DENEGADA. I -A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a
ação atípica exige a satisfação, de forma concomitante, de certos requisitos,
quais sejam, conduta minimamente ofensiva, a ausência de periculosidade
social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e lesão
94
jurídica inexpressiva.[...]

No mesmo sentido Carmem Lúcia:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME MILITAR.


PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA
CASTRENSE. POSSIBILIDADE. DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO.
CONDUTA MANIFESTAMENTE ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
ORDEM CONCEDIDA.
1. A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por
uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz
de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito
não foram aptos a propiciar a pacificação social.
2. O fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com
uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência
entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão
significativa ao bem jurídico penalmente protegido.
3. É possível a aplicação do Princípio da Insignificância, desfigurando a
tipicidade material, desde que constatados a mínima ofensividade da conduta
do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de
reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão
jurídica. Precedentes.
4. O Supremo Tribunal admite a aplicação do Princípio da Insignificância na
instância castrense, desde que, reunidos os pressupostos comuns a todos os
delitos, não sejam comprometidas a hierarquia e a disciplina exigidas dos
integrantes das forças públicas e exista uma solução administrativo-disciplinar
adequada para o ilícito. Precedentes.
5. A regra contida no art. 240, § 1º, 2ª parte, do Código Penal Militar, é de
aplicação restrita e não inibe a aplicação do Princípio da Insignificância, pois
este não exige um montante prefixado.
6. A aplicação do princípio da insignificância torna a conduta manifestamente
atípica e, por conseguinte, viabiliza a rejeição da denúncia.
7. Ordem concedida. 95

93
BRASIL, STF - HC 97131-RS, 2ª TURMA, Rel. Min. Celso de Mello, DJe-27-08-2010
94
BRASIL, STF - HC 112196-PE, 2ª TURMA, Rel. Min. Ricardo Levandowski, DJe-17-08-2012
95
BRASIL, STF - HC 107638 PE, 1ª TURMA, Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe-29-09-2011
42
Interessa notar que o próprio Superior Tribunal Militar já reconhece a possibilidade de
aplicação do princípio da insignificância, consubstanciado nos requistos expostos para a sua
efetiva utilização. Passemos então a observar dois votos do STM a respeito do assunto:
EMENTA: Apelação. Furto qualificado. Princípio da Insignificância.
Inaplicabilidade. Redução do quantum da pena. Fatos comprovam que a atitude dos
Apelantes, ao praticarem a conduta típica, foi dirigida à subtração do bem, estando
presente, indubitavelmente, o dolo, pois a ação praticada pelo Acusado tipifica
inteiramente o delito de furto qualificado que lhe foi imputado na Denúncia. Será
cabível a aplicação do Princípio da Insignificância quando presentes,
simultaneamente, a mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma
periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e a inexpressividade da lesão jurídica provocada
(Jurisprudência do STF). A aplicação da atenuante prevista no art. 240, § 2º, do
CPM, em se tratando de Réu primário que restitui a coisa ao seu dono ou repara o
dano causado antes da instauração da ação penal.Apelo parcialmente provido.
Decisão unânime.96

EMENTA: Apelação do MPM. Furto simples. Princípio da insignificância.


Inaplicabilidade. Furto atenuado. Provimento.Inconformismo do MPM diante da
absolvição de Acusado como incurso no art. 240, caput, do CPM.Autoria e
materialidade devidamente delineadas e provadas, ressaindo clara, na hipótese, a
figura do dolo a permear o proceder objetivo do Réu. Para a aplicação do
princípio da insignificância, há que se avaliar um conjunto de vetores, quais
sejam: a mínima ofensividade da conduta, a inexistência de periculosidade
social do ato, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a
inexpressividade da lesão provocada. In casu, possível é apenas a visualização do
vetor pertinente ao pequeno valor da res e ao pouco significado do prejuízo para a
Vítima, ou seja, frise-se, o da inexpressividade da lesão provocada.Condenação do
Acusado nas penas do delito de furto atenuado, previsto no art. 240, § 2º, do CPM,
em virtude da restituição da importância em dinheiro que se encontrava na
carteira.Provimento do Apelo do MPM. Decisão majoritária. 97

Cabe observar que o Tribunal Militar, especialista que é na seara castrense, não se
esquiva da importância da verificação da insignificância mesmo em situações militares, ou
sujeitas administração militar, esta postura revela uma importante evolução no pensamento
militar, pois não cabe mais querer viver uma ditadura em pleno momento de enaltecimento de
um estado democrático de direito, voltado às garantias do cidadão, que mesmo sendo militar,
também deve ser albergados por valores constitucionais estabelecidos, tais como dignidade da
pessoa humana, além de princípios penais como o da humanidade, lesividade e razoabilidade,
dentre outros.
No seguinte voto, o ministro Levandowski faz ressalva a hierarquia e disciplina, mas
também observa a ausência da cumulatividade dos requisitos de caracterização da

96
BRASIL, STM - AP 389620097030203 RS 0000038-96.2009.7.03.0203, Rel. Min. Raymundo Nonato de
Cerqueira Filho, DJe- 11/06/2012.
97
BRASIL, STM - AP 193220097020102 SP 0000019-32.2009.7.02.0102, Rel. Min. Luis Carlos Gomes Mattos,
DJe- 14/04/12.
43
insignificância, mostrando talvez um tendência de rendição ao aludido princípio, caso
houvesse a presença de tais requistos.

PENAL. HABEAS CORPUS. PORTE DE ENTORPECENTE EM ÁREA SOB


ADMINISTRAÇÃO MILITAR (ART. 290 DO CPM). PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. NÃO-INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE CUMULATIVIDADE
DE SEUS REQUISITOS. BEM JURÍDICO. PROTEÇÃO. HIERARQUIA E
DISCIPLINA MILITAR. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 98

Como diz Flávio Gomes: "Não há dúvida que também no âmbito dos crimes militares
99
é possível ter incidência o princípio da insignificância".
Diante o exposto não existe razão suficiente para que não seja aplicado o princípio da
insignificância quando o delito se alinhar com as premissas estabelecidas pelo STF, uma vez
que, se não tem reprovabilidade, lesão, se é inexpressiva e não há periculosidade social, não
se sustenta o argumento de que as instituições militares estariam entregue a destruição, na
hipótese de incidência do aludido princípio.
Além do mais, como visto acima, o próprio Superior Tribunal Militar se alinha a esse
entendimento, não restando argumentos que se sobressaiam a insignificância do fato ou da
conduta. Nesse ponto caberia às instituições militares procurar outros meios de solução, uma
vez que como dito alhures, o direito penal é a ultima ratio.

3.6 NOS CRIMES CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO

Aqui o que se observa, como relevante para a incidência do princípio em destaque, é o


valor do bem jurídico protegido pela norma e não a quantidade produzida de determinado
produto impróprio para o consumo. 100
Digamos que apenas uma garrafa foi considerada imprópria para o consumo, dentre
tantas outras apreendidas, esta pode caracterizar um dano muito grande, de certo que uma
garrafa pode conter contaminação suficiente para matar uma família inteira, vai depender do
nível de contaminação. Portanto, deverá o magistrado analisar o caso concreto no intuito de
aplicar ou não o princípio da insignificância.
Repise-se, não é quantidade do produto apreendido que determinará a insignificância
do delito, mas sim o perigo potencial que possui.
Vejamos o que afirma a jurisprudência do STF:
98
BRASIL, STF - HC 107689 RS, 1ª TURMA, Rel. Min. Ricardo Levandowski, DJe 14-09-2012.
99
GOMES, Luiz Flávio. Op. cit. 144.
100
Op. cit. 142.
44
EMENTA: AÇÃO PENAL. Crime contra a saúde pública. Colocação, no mercado,
de duas garrafas de refrigerante impróprio para consumo. Art. 7º, inc. IX e §
único, cc. art. 11, caput, da Lei nº 8.137/90. Fato típico. Princípio da
insignificância. Impossibilidade de reconhecimento em habeas corpus. Delito que
atenta de imediato contra as relações de consumo. HC denegado. Constitui, em
tese, delito contra as relações de consumo, por no mercado refrigerantes em
condições impróprias para consumo.101

101
BRASIL, STF - HC 88077 / RS, 2ª TURMA, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 16-02-2007.
45
CONCLUSÃO

Diante de tudo que foi apresentado neste trabalho, não resta dúvidas quanto a
importância do princípio da insignificância na aplicação do direito no caso concreto. Isso se
justifica porque não pode o Direito Penal, através das razões já expostas acima, se preocupar
com problemas ínfimos, seja porque se afigura como desnecessária essa atuação, seja porque
outros ramos do direito podem resolver esses problemas, considerados de pequena monta, de
forma satisfatória e sem invadir tanto na esfera individual do cidadão.
Como visto acima, existe situações onde é mais dispendioso para o Estado mover a
ação penal contra o infrator do que deixar de movê-la, pois o resultado não compensaria. Há
outras onde o resultado da ação penal se mostra bastante insatisfatória, desproporcional e não
razoável, como o caso do furto da caneta. Não se defende aqui que não se deve punir o
infrator, muito pelo contrário, dependendo do fato poderá, sim, o Estado, ou até mesmo o
particular, se valer das esferas civil e administrativa com o fito de sancionar o infrator de
alguma forma, desde que adequada, justa e necessária.
No caso do usuário de Drogas, este deve realmente ser tratado como doente e a este ser
disponibilizado a oportunidade de cura, sob pena de incorremos no direito penal do autor e
não do fato. Como bem colocou a Ministra aposentada Ellen Gracie, sanção penal é para
traficantes e não para usuários, estes já sofrem com a doença. Portanto o Estado que deve
protegê-los jamais poderá ser visto nessa situação como agente sancionador.
Nesse diapasão, vislumbramos o princípio da insignificância como uma ferramenta de
aperfeiçoamento do direito penal, com a qual se busca a evolução do sistema, que luta contra
uma política capitalista de valoração de condutas, política esta que muitas das vezes não
valora os bens exigidos como tutelados pelo direito, causando com isso grandes males na
aplicação do direito. Assim, surge esse princípio como artifício para curar as imperfeições
geradas pelo legislador que, em determinados casos, não consegue evitar que condutas
ínfimas não sejam alcançadas pelo tipo incriminador, na forma abstrata.
Porém há de considerar que, mesmo assim, surge para o magistrado o dever de
amenizar essas diferenças, pois a este é dado o dever de aplicar a justiça em cada caso
concreto, aparando as arestas. Não se pode mais imaginar um magistrado irresponsável, por
achar que aplicando a lei pura, estará isento de culpa no caso de injustiças.
Apesar de ainda haver resistência por parte da doutrina e jurisprudência, em menor
número por óbvio, este princípio cada vez mais se fortalece. Mesmo em ambiente rígidos,

46
como os castrenses, os quais não se vislumbram liberdades, ou quando as verem são de
formas pouco sensíveis, mesmo aí podemos sentir uma gradual mudança de pensamento, uma
verdadeira evolução, já que os próprios ministros do STM, que são especialistas em crimes
militares, começam a sentir a necessidade de aplicação do princípio em destaque,
consubstanciados no entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal.
Por conseguinte, o princípio da insignificância, mesmo diante de todas a dificuldades,
seja de definição seja de conceituação, foi aceito pela maioria da doutrina pátria e
jurisprudência dos tribunais superiores como excludente da tipicidade material. Sendo um
forte aliado na luta contra as injustiças sociais causadas pelo direito penal, quando de sua
aplicação irresponsável, bem como na luta a favor do fortalecimento de um estado
democrático de direito onde todas as garantias estampadas na constituição encontrem guarida.

47
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