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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


FACULDADE DE LETRAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS ORIENTAIS E ESLAVAS
SETOR DE HEBRAICO
Profa Dra: Cláudia Andréa Prata Ferreira

O Livro de Jonas

O livro de Jonas não contém oráculos proféticos, mas uma narração envolvendo a
pessoa de um tal de Jonas filho de Amati. O livro refere-se provavelmente ao mesmo
Jonas mencionado em 2Rs 14,25. Não se trata, porém, de um relato histórico. O livro
de Jonas pertence ao gênero literário midráxico e é um ensinamento didático de ca-
ráter sapiencial.

O livro narra a fuga de Jonas diante da ordem de Deus de pregar em Nínive. Para fu-
gir a essa ordem, Jonas entra em um navio e dirige-se a Társis. Durante a viagem,
porém, desencadeia-se uma grande tempestade e o navio está prestes a afundar.
Jonas se faz atirar ao mar (c. 1). Então Jonas é engolido por um grande peixe que o
vomita após três dias, na praia (c.2). A seguir ele obedece a ordem divina e Nínive
realmente se converte (c. 3). Jonas se aborrece por causa do efeito de sua pregação
e Deus lhe mostra à luz do exemplo da mamoneira que sua ira é infundada (c. 4).

O autor deste livro é desconhecido. Mas o estilo e o linguajar do livro, bem como a
tese aqui defendida, nos levam a situá-lo no séc. IV aC. No contexto atual o canto de
ação de graças de Jn 2,3-10 é, sem dúvida, um acréscimo posterior.

Jonas, o hebreu (1,9), encarna aqui o povo de Israel. O livro fustiga a atitude parti-
cularista do povo de Israel. Como exemplo é escolhida a cidade de Nínive, destruída
em 612 aC, que continuava, contudo, como protótipo da inimiga de Israel. O autor do
livro de Jonas mostra uma grande abertura sapiencial. Ele reage violentamente con-
tra a tendência de seus contemporâneos – especialmente a partir da reforma de Es-
dras-Neemias – de restringir a salvação a Israel. A misericórdia divina não tem limi-
tes.

Capítulo 1

Missão e desobediência de Jonas. 1 A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas filho de Amati:
2“Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia contra ela que a sua maldade chegou até
mim”. 3Jonas, porém, levantou-se para fugir em direção a Társis, longe da face do Senhor. Desceu
a Jope e encontrou um navio que zarpava para Társis; pagou a passagem e embarcou para ir com
eles a Társis, longe da face do Senhor.
Jonas, jogado no mar. 4Mas o Senhor lançou sobre o mar um vendaval e houve no mar uma tão
grande tempestade que o navio estava a ponto de naufragar. 5Os marinheiros ficaram com medo e
começaram a gritar cada qual para o seu deus. Lançaram a carga ao mar para aliviar o navio. Jonas,
O Livro de Jonas 2

porém, havia descido para o fundo do navio e, deitado, dormia profundamente. 6O comandante do
navio aproximou-se e lhe disse: “Como podes dormir? Levanta-te, invoca o teu deus! Talvez este
deus se lembre de nós e não pereceremos”.
7E eles diziam uns aos outros: “Vamos lançar a sorte para saber por causa de quem nos acontece
esta desgraça”. Lançaram a sorte e ela caiu sobre Jonas. 8E lhe disseram então: “Conta-nos qual é a
tua missão, donde vens, qual o teu país e a que povo pertences”. 9Ele lhes disse: “Eu sou hebreu e
venero o Senhor, Deus do céu, que fez o mar e a terra”. 10Então os homens foram tomados por um
grande temor e perguntaram: “Por que fizeste isto?” Pois os homens sabiam que ele fugia para lon-
ge da face do Senhor, porque lhes tinha contado. 11Eles perguntaram: “Que te faremos para que o
mar se acalme em torno de nós?” Pois o mar se tornava cada vez mais tempestuoso. 12Ele lhes dis-
se: “Tomai-me e lançai-me ao mar e o mar se acalmará em torno de vós; pois eu sei que é por mi-
nha causa que esta grande tempestade se levantou contra vós”. 13Então os homens remaram para
atingir a terra, mas não puderam, pois o mar se tornava cada vez mais tempestuoso. 14Invocaram,
então, o Senhor e disseram: “Ah! Senhor, não queremos perecer por causa da vida deste homem!
Não coloques sobre nós o sangue inocente, pois tu ages como queres”.
15Depois pegaram Jonas e o lançaram ao mar e o mar acalmou sua fúria. 16Os homens foram, en-
tão, tomados por um grande temor em relação ao Senhor; ofereceram um sacrifício ao Senhor e
fizeram votos.

Capítulo 2

Jonas louva a Deus pela salvação. 1 E o Senhor mandou que um peixe grande engolisse Jonas.
Jonas permaneceu nas entranhas do peixe três dias e três noites. 2Então Jonas orou ao Senhor seu
Deus, das entranhas do peixe, 3e disse:
“De minha angústia clamei ao Senhor
e ele me respondeu;
do seio do Xeol pedi ajuda
e tu ouviste a minha voz.
4Lançaste-me nas profundezas, no fundo dos mares,
e a torrente me cercou,
todas tuas ondas e vagas passaram sobre mim.
5E eu dizia: Fui expulso
de diante de teus olhos.
Como poderei contemplar novamente
o teu santo templo?
6As águas me envolveram até o pescoço,
o Oceano primitivo cercou-me,
e algas enrolaram-se em volta de minha cabeça.
7Eu desci até as raízes das montanhas,
à terra, cujos ferrolhos estavam atrás de mim para sempre.
Mas tu fizeste subir da fossa a minha vida,
Senhor meu Deus.
8Quando minha vida em mim desfalecia,
lembrei-me do Senhor;
O Livro de Jonas 3

minha prece chegou a ti,


até o teu santo templo.
9Aqueles que veneram os ídolos vãos,
abandonam seu amor.
10Quanto a mim, com cantos de ação de graças,
vou te oferecer sacrifícios
e vou cumprir os votos que tiver feito:
ao Senhor pertence a salvação!”
11Então o Senhor ordenou ao peixe e este vomitou Jonas sobre a terra firme.

Capítulo 3

Deus perdoa aos ninivitas. 1A palavra do Senhor foi dirigida a Jonas uma segunda vez:
2“Levanta-te, vai a Nínive, a grande cidade, e anuncia-lhe a mensagem que eu te disser”. 3Jonas
levantou-se e foi a Nínive, conforme a palavra do Senhor. Nínive era uma cidade muito grande:
eram necessários três dias para percorrê-la. 4Jonas entrou na cidade e a percorreu durante um dia.
Pregou, então, dizendo: “Ainda quarenta dias e Nínive será destruída”.
5Os homens de Nínive creram em Deus, convocaram um jejum e vestiram-se de sacos, desde o
maior até o menor. 6E a notícia chegou ao rei de Nínive. Ele levantou-se do trono, tirou o manto,
cingiu-se com um saco e assentou-se sobre a cinza. 7Em seguida fez proclamar em Nínive como
decreto do rei e de seus grandes: “Homens e animais bovinos e ovinos não provarão nada! Não co-
merão e não beberão água. 8 Homens e animais se cobrirão de sacos, invocarão a Deus com vigor e
cada qual se converterá de seu caminho perverso e da violência que está em suas mãos. 9Quem sa-
be? Talvez Deus volte atrás, arrependa-se e revogue o ardor de sua cólera, de modo que não pere-
çamos!
10 Deus viu suas obras, como eles se converteram de seu caminho perverso, e se arrependeu do
mal que lhes ameaçara fazer, e não o fez.

Capítulo 4

Deus reprova a indignação de Jonas. 1Mas isto trouxe um grande desgosto a Jonas, e ele ficou
indignado. 2Orou, então, ao Senhor dizendo: “Ah! Senhor, não era justamente o que eu dizia quan-
do estava ainda em minha terra? Por isso fugi apressadamente para Társis; pois eu sabia que tu és
um Deus benévolo e misericordioso, lento para a cólera, cheio de amor e que se arrepende do mal.
3Mas agora, Senhor, toma a minha vida, eu te peço; pois é melhor para mim a morte do que a vida”.
4O Senhor disse: “Tens, por acaso, motivo para te irar?”
5Jonas saiu da cidade e instalou-se ao leste da cidade. Lá construiu uma cabana e assentou-se à
sombra para ver o que aconteceria na cidade. 6Então o Senhor Deus fez crescer uma mamoneira
sobre Jonas, para dar sombra à sua cabeça e libertá-lo de seu mau humor. Jonas ficou muito alegre
por causa da mamoneira. 7No outro dia, ao surgir da aurora, Deus mandou um verme e ele picou a
mamoneira e esta secou. 8Quando o sol se levantou, Deus mandou um vento oriental muito quente;
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o sol bateu na cabeça de Jonas e ele desfalecia. Então pediu a morte e disse: “É melhor para mim
morrer do que viver”. 9E Deus disse a Jonas: “Será que está certo que te aborreças por causa da
mamoneira?” E ele disse: “Sim! está certo que eu me aborreça até a morte”.
10E o Senhor disse: “Tu tens pena da mamoneira, que não te custou trabalho e que não fizeste cres-
cer, que em uma noite existiu e em uma noite pereceu. 11E eu não deveria ter pena de Nínive, a
grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil homens que não distinguem entre direita e esquer-
da, assim como muitos animais?”

Fonte:
Bíblia Sagrada. Petrópolis, Vozes, 1996. (versão em cd-rom).

Reflexão

O que significa estar dentro de um peixe no fundo do mar?

Como conciliar o Deus justo com o Deus misericordioso?

Qual a nossa resposta à pergunta final de Deus no livro de Jonas?

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