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Antonieta Coelho
É ainda muito cedo para se tecerem considerações sobre as implicações das leis de
Terras, do Ordenamento do Território e das Actividades no Direito de Recursos
Naturais angolano, até porque nenhuma está regulamentada.
Assim, neste primeiro texto sobre os novos direitos reais menores que recaem sobre
os recursos naturais propriedade do Estado é apenas feita uma síntese dos novos
regimes jurídicos.
1
. Este texto destina-se exclusivamente aos estudantes de Direito dos Recursos Naturais da Faculdade de
Direito da Universidade Agostinho Neto no ano lectivo 2006-2007. Não pode ser reproduzido sem
autorização da autora. A reprodução não autorizada do texto constitui violação de direitos de autor
punível nos termos da Lei nº 4/90.
1
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Trata-se de direitos que vão onerar o direito de propriedade do Estado sobre bens do
seu domínio privado.3 Contudo, o art. 40/3 da LT estabelece que um direito fundiário, o
direito de ocupação precária pode ter por objecto terras do domínio público do Estado,
desde que «a natureza destas o permita».
O disposto nos arts 10/1 e 10/4 da LT implica a separação dos regimes dos recursos
naturais implantados nesses terrenos do domínio privado porquanto, como se viu, os
restantes recursos naturais integram o domínio público sendo alguns deles qualificados
como tal em leis especiais, como a LA, a LAP e a LRBA. Assim, a concessão de um
2
. Esta definição de direitos fundiários, referida apenas aos terrenos propriedade do Estado, apenas é
justificada pelas características próprias dos regimes de recursos naturais em Angola porque, em termos
gerais, direito fundiário é todo o direito que tem por objecto solos.
3
. Domínio privado e domínio público vêm, como se viu, definidos nos arts 1/e e 1/d da LT,
respectivamente.
2
Direito dos Recursos Naturais
direito fundiário não implica a aquisição de qualquer direito, para além do fundiário,
sobre os recursos naturais que se encontrem na área concedida (LT, art. 10/4).
Para além disso, a LT afirma no art. 3/2 não ser aplicável às terras que não possam
ser objecto de direitos privados, incluindo «os terrenos do domínio público».
Todos os direitos sobre recursos naturais têm, historicamente dada a sua construção
a partir de direitos sobre terras, a referência a uma área delimitada.
Na Lei de Terras, como se viu, o art. 1/j define terras como o mesmo que terrenos.
Um terreno é
parte delimitada do solo, incluindo o subsolo e as construções nele existentes que não
tenham autonomia económica, a que corresponda ou possa corresponder um número
próprio na matriz predial respectiva e no registo predial (art. 1/k)
A integração do subsolo nos terrenos leva a que este tenha dois regimes jurídicos de
acordo com a sua composição (por exemplo, jazidas de minerais) e, essencialmente, os
fins do seu uso. Se este visa, por exemplo, a exploração de minerais ou águas, partes do
subsolo com autonomia económica, aplica-se o regime do domínio público do Estado.
Se o subsolo serve para construções subterrâneas como, por exemplo, um parque de
estacionamento de um prédio, passa a ser um «terreno» e os direitos que incidem sobre
essas partes do subsolo são os previstos na LT. Assim, o que constitui o domínio
privado do Estado são as partes do subsolo que não contêm minerais exploráveis e
águas, que são utilizáveis, por exemplo, para construções.
Para além disso, a lei prevê a classificação dos terrenos concedíveis em urbanos e
rurais (art. 19/3), tendo por referência a legislação de ordenamento do território (LT, art.
19/6). A LOT estabelece no art. 35/1/a que uma das operações de ordenamento do
território é a classificação e qualificação de terrenos.
Por essa razão, a LOT exige a publicidade dos instrumentos de ordenamento pela
sua publicação no DR (art. 60/2) ou, no caso de planos municipais, em edital (art. 60/3)
e ainda pelo registo predial (art. 60/1). Para além disso, os particulares têm direito à
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Direito dos Recursos Naturais
informação sobre os planos territoriais,4 tanto na fase de elaboração como após a sua
aprovação, podendo consultá-los e obter cópias e certidões de peças documentais desses
planos (LOT, art. 53º).
Os terrenos urbanos dividem-se (LT, art. 21/1) em terrenos urbanizados, cujos fins
estão definidos nos planos urbanísticos (art. 21/2), terrenos de construção, ou seja
terrenos urbanizados que se destinam, após loteamento,5 à construção de edifícios (art.
21/3) e terrenos urbanizáveis (art. 21/4).
Quanto aos terrenos rurais podem ser, segundo os seus fins ou o seu regime jurídico
(LT, art. 22/1), comunitários (arts 22/2 e 23º), agrários (arts 22/2 e 24º) e nestes de
regadio ou de sequeiro (art. 45/5), florestais (art. 22/4), de instalação (art. 22/5 e 25º) e
viários (arts 22/6 e 26º).
Uma outra categoria são os terrenos reservados para fins especiais, que implicam a
exclusão do seu aproveitamento por particulares (art. 27/1). A lei divide os terrenos
reservados em reservas totais e parciais (art. 27/3). Este tipo de terrenos inclui as áreas
4
. Os planos territoriais (PTs) são instrumentos de ordenamento do território com o «objectivo directo»
de assegurar a «ordenação da ocupação e uso dos espaços compreendidos no território» (LOT, arts 2/d e
28/1). São de âmbito nacional, provincial e municipal (arts 26/1 e 28/2), podendo ainda ser planos
especiais (LOT, art. 28/3/a) e planos sectoriais (LOT, art. 28/3/b). Os PTs podem ainda ser classificados
em planos de ordenamento rural e planos urbanísticos (art. 28/4).
5
. Loteamento, uma operação de urbanística nos termos do art. 41/1/b da LOT. É definido no art. 54/1 da
LT como «a acção que tenha por objecto ou por efeito a divisão de terrenos urbanizáveis em um ou mais
lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana de harmonia com o disposto nos
planos de urbanização ou na sua falta ou insuficiência, com as decisões dos órgãos autárquicos
competentes». O «lote» é «a unidade autonomizada de terreno resultante da operação de loteamento» (art.
54/2). Salvo nos casos de operações de loteamento de terrenos integrados no domínio privado das
autarquias, «o loteamento é aprovado por alvará emitido pela autarquia local, mediante prévio
requerimento dos particulares interessados» (art. 54/4).
5
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
de protecção ambiental referidas no art. 14º da LBA onde se realiza, entre outros
objectivos, a conservação in situ de recursos biológicos.6
Nas reservas totais não é permitida «qualquer forma de ocupação ou uso» salvo as
exigidas pelo fim a que a reserva se destina (art. 27/4).
Nas reservas parciais são «permitidas todas as formas de ocupação e uso desde que
não colidam com os fins» da reserva (art. 27/6). A lei prevê reservas parciais no art.
27/7, das quais se destacam:
a) O leito das águas interiores e do mar territorial bem como a plataforma
continental (als a) e b);
b) A faixa da orla marítima e do contorno de ilhéus, baías e estuários (al. c);7
c) A faixa de protecção junto a nascentes de água bem como de contorno de lagoas
e albufeiras (als d) e e).8
A LT descreve no art. 3/1 alguns dos fins do uso de terrenos sobre os quais se irão
constituir direitos fundiários: «fins de exploração agrícola, pecuária, silvícola, mineira,
industrial, comercial, habitacional, edificação urbana ou rural, de ordenamento do
território de protecção do ambiente e de combate à erosão dos solos».
Por fim, a LT estabelece limites de áreas dos terrenos objecto de direitos fundiários.
Assim, nos terrenos urbanos a área máxima é de dois hectares e nas zonas suburbanas
de cinco hectares (art. 43/1). Para evitar a criação de latifúndios e consequente escassez
6
. CDB, art. 8/a-b.
7
. Nos termos do Dec. nº 4/01, as «faixas de protecção» marítimas e nas águas continentais (interiores)
abrangem as águas, os seus leitos e margens (art. 3/1, por referência para os planos de ordenamento).
Estas faixas podem ser «zonas de protecção terrestre» e «zonas de protecção marítimas» (art. 3/2). As
zonas terrestres têm como limite máximo 500 metros, contados a partir da «linha que limita a margem das
águas» (cit. art.). As zonas de protecção marítima têm como limite máximo 30 metros (cit.art.).
8
. Lei de Águas, art. 71º, relativamente à classificação como áreas de protecção das «zonas adjacentes às
nascentes de águas e poços, os locais e respectivas áreas adjacentes onde se instalem captações de água
para consumo, sujeitas a licenciamento ou concessão, as margens dos lagos artificiais e respectivas áreas
adjacentes». A Lei estabelece proibições de certos usos desses terrenos como a construção de habitações,
a instalação de estabelecimentos comerciais e industriais ou de sepulturas de pessoas ou animais (art.
71/3).
6
Direito dos Recursos Naturais
de terras, a área máxima dos terrenos rurais é de dez mil hectares. Mas a lei estabelece
também, no caso destes terrenos, um limite mínimo de dois hectares (art. 43/2), para
evitar a parcelização de terrenos que leve, inter alia, a que a sua exploração não seja
suficiente para assegurar o mínimo de existência, a dignidade social e o direito ao
desenvolvimento das famílias rurais.9
O facto de uma pessoa singular ou colectiva ser titular de direitos fundiários para um
terreno com a área máxima não significa que não possa ser titular de direitos para outras
áreas. Assim, o art. 44º apenas exige, para a transmissão e constituição de novos direitos
fundiários a favor de pessoa já titular de direitos para outras áreas, que seja feita «prova
do aproveitamento útil e efectivo dos terrenos concedidos».
A área da unidade de cultura é fixada por regulamento «em função das zonas do
País e do tipo de terreno» (art. 45/4). Os limites dos terrenos urbanos são fixados pelos
forais,10 planos urbanísticos e operações de loteamento (art. 52º).
Quanto aos terrenos comunitários, a lei não estabelece limites, porque os limites de
área referidos no art. 43/2 se aplicam apenas a terrenos objecto de contrato de
concessão. Assim, a delimitação dos terrenos comunitários é feita segundo critérios
9
. Alvarenga, 1995: 67.
10
. Foral é definido no art. 1/f da LT como o «título aprovado por diploma do governo pelo qual o Estado
delimita a área dos terrenos integrados no domínio público do Estado e por estes concedidos às autarquias
locais para gestão autónoma».
7
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
relacionados com o seu aproveitamento útil e efectivo (art. 37/1), como decorre também
da definição do art. 1/c, por uma comunidade rural. São terrenos
Utilizados por uma comunidade rural segundo o costume relativo ao uso da terra
abrangendo, conforme o caso, as áreas complementares para a agricultura itinerante,
os corredores de transumância para o acesso do gado às fontes de água e as pastagens
e os atravessadouros, sujeito ou não ao regime de servidão, utilizados para aceder à
água ou às estradas ou caminhos de acesso aos aglomerados urbanos (art. 23/1).
A lei dispõe ainda, quanto aos terrenos comunitários, que a sua delimitação e
definição do seu aproveitamento «deve obedecer ao disposto nos correspondentes
instrumentos de ordenamento do território» (art. 51/1), impondo que no correspondente
procedimento sejam consultadas as «autoridades administrativas, instituições do poder
tradicional e famílias da comunidade rural afectada» (arts 51/2 e ainda 23/2).
11
. Nos termos do art. 2/2 da Lei das Sociedades Comerciais (Lei nº 1/04) as cooperativas são sociedades
comerciais e, por isso, a sua titularidade de direitos fundiários vem contemplada no art. 42/c da LT
(«pessoas colectivas de direito privado»).
8
Direito dos Recursos Naturais
Ao contrário do que sucede com leis especiais sobre outros recursos naturais
propriedade do Estado, a LT não inclui no conteúdo positivo dos direitos fundiários o
direito de exercício de actividades quando este esteja por lei sujeito a autorização prévia
da Administração porquanto os fins a que se destina o uso dos terrenos sobre os quais
recaem direitos fundiários são muito diversos.
12
. Sobre se se trata de empréstimos contraídos pela comunidade ou pelas famílias ver a subsecção 10.1.5,
pois a lei fala em «titular» evitando referir-se a comunidade e deixando aberta a possibilidade de se tratar
de dívidas de famílias rurais.
13
. Prata, 1992: 11.
10
Direito dos Recursos Naturais
14
. Pires de Lima e Varela, 1967: 217.
15
. Ver o art. 23º.
16
. Prestações essas reguladas nos arts 47º e 57º e sujeitas às excepções previstas nos arts 37/6 e 50º.
11
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
direito extinto deve entregar o terreno num dado estado, aferido em função da sua
utilização para o fim para o qual o direito foi concedido e tendo em consideração o
cumprimento das normas ou disposições contratuais aplicáveis.
Tendo em consideração o art. 13/4 da LDS, como regra os direitos fundiários são
temporários (art. 55/1/c-e). As únicas excepções à temporalidade dos direitos fundiários
na Lei de Terras, que derivam do CC, são a propriedade e o domínio útil civil ou
comunitário (art. 55/1/a-b). No caso de direitos temporários, o art. 55/2 prevê que o
contrato se renove automaticamente por períodos sucessivos se nenhuma das partes o
denunciar nos termos estabelecidos no contrato.
10.1.4. Propriedade
O art. 34/1/a integra nos direitos fundiários o direito de propriedade do Estado sobre
terras do domínio privado e o art. 35/1, sob a epígrafe «propriedade privada» manda
aplicar à propriedade estadual o regime do CC, para além das «disposições especiais
contidas na presente lei e nos seus regulamentos». Contrariamente à definição do art.
1/e, ao domínio privado aplicar-se-ão, portanto, regras de direito público e de direito
privado, tal como, aliás, refere parte da doutrina.17
Este direito de propriedade está ainda sujeito a restrições pois só pode ser
transmitido pelo adquirente após 5 anos de aproveitamento útil e efectivo do terreno e
17
. Por exemplo, Pinto Duarte afirma que «O referido art. 1304 não pode ser entendido como
estabelecendo um princípio de aplicabilidade das regras de Direito Privado à propriedade pública; tem de
ser entendido (de resto conformemente à letra do preceito) como estabelecendo que essas regras se
aplicam apenas subsidiariamente à propriedade pública e sempre sob reserva de demonstração de
inexistência de contradição de naturezas normativas» (2002: 33).
18
. Ver o art. 1307º do CC.
12
Direito dos Recursos Naturais
Para além disso, aplica-se ao uso destes terrenos a regra geral de respeito pelas
disposições de ordenamento do território quanto à transformação e utilização dos
terrenos (LT, art. 36/4).
O art. 38º da Lei de Terras prevê que um dos direitos que podem constituir sobre
terrenos urbanos e rurais do Estado é o domínio útil civil (art. 38/3), e remete o seu
regime para os arts 1491º a 1523º do CC (art. 38/2).
Por essa razão, a enfiteuse foi fortemente reduzida ou abolida em muitos países
depois das revoluções liberais, em especial em França depois da Revolução Francesa e o
código civil desse país não a contempla.21 Em Portugal, a enfiteuse foi abolida depois
do 25 de Abril, primeiro para prédios rústicos e depois urbanos, tendo o direito de
propriedade ficado atribuído ao enfiteuta e sendo o senhorio indemnizado.22
19
. Pinto Duarte, 2002: 198.
20
. Pires de Lima e Varela, 197., vol II, 484, Pinto Duarte, 2002: 198.
21
. Pinto Duarte, 2002: 199.
22
. Loc. Cit.
13
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Para Pinto Duarte, tal como vem regulada no CC, a enfiteuse pode ser considerada
«um desmembramento tendencialmente perpétuo do direito de propriedade em dois
direitos, o domínio útil e o domínio directo».24 No entanto, parte da doutrina considera
que o domínio directo é tão reduzido e o domínio útil tão intenso que não se pode
considerar a enfiteuse um ius in re aliena, sendo mais adequado falar em duas
propriedades imperfeitas, ou mesmo considerar o enfiteuta como o proprietário. Outros
autores, rejeitando a concepção de duas propriedades sobre o mesmo objecto,
argumentam que a relação entre o senhorio e o enfiteuta é uma relação de condomínio,
posição rejeitada por Pires de Lima e Varela devido à diferença de conteúdo dos direitos
do senhorio e do enfiteuta daqueles do condómino.25
O enfiteuta tem os direitos previstos no art. 1501º do CC que, para Pires de Lima e
Varela,26 não contem uma enumeração taxativa. Destes direitos destacam-se usar e fruir
o prédio como coisa sua (al. a), o que inclui, segundo parte da doutrina, toda a gama de
poderes de tomada de decisão, em especial quanto à administração desses bens,
próximos da propriedade, incluindo alterando a forma e substância da coisa e
modificando o seu destino económico, por exemplo, transformando um prédio rústico
em prédio urbano.27 Mas na Lei de Terras, como se viu, os direitos fundiários têm um
conteúdo negativo comum, para além das obrigações decorrentes do CC. Sendo,
portanto, os arts 56º e 18º da LT, em especial, aplicáveis ao domínio útil civil, é
afastada a plenitude da propriedade do conteúdo positivo deste direito. Ou, por outras
palavras, a remissão da LT para o art. 1501º do CC (art. 38/1) não implica um conteúdo
positivo e negativo do domínio útil civil idêntico ao do CC.
Para além do direito de usar e fruir a coisa como sua, o enfiteuta tem os seguintes
direitos:
23
. 2002: 115. Ver ainda a síntese relativa aos direitos fundiários no período colonial (ob.cit.: 70-73).
24
. 2002: 198.
25
. Pires de Lima e Varela, 1972: 485-86.
26
. Ob.cit.: 503.
27
. Loc.cit.
14
Direito dos Recursos Naturais
b) Alienar ou onerar o seu domínio por acto entre vivos ou mortis causa (CC, art.
1501/c), incluindo negociando a constituição de direitos reais menores sobre o
prazo, incluindo direitos de garantia.29 Este direito livre transmissão está sujeito
na LT às regras do art. 61º, em especial do nº 9.
d) Obter a redução do foro ou encampar o foro (é o mesmo que redução) (CC, arts
1501/e e 1509º), tendo em consideração o disposto nos arts 38/5, 47/3 e 57º da
LT.
e) Remir o foro (CC, 1501/f e 1511º) após 20 anos de duração do direito (LT, art.
38/7, 40 anos no CC, art. 1511/1).
a) Pagamento do foro apenas em dinheiro (LT, arts 38/6, 47/3 e 57º), (no CC em
dinheiro ou géneros, arts 1502º-1505º);
O senhorio, neste caso o Estado, tem os direitos previstos no art. 1499º do CC:
28
. Parte da doutrina opõe-se à ideia de que seja possível ao titular do direito extinguir servidões,
enquanto outra parte considera tratar-se de um acto de administração do terreno (Pires de Lima e Varela,
1972: 503-4).
29
. Ob.cit: 504.
15
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
c) Preferir na venda e dação em pagamento do domínio útil (CC, art. 1499/c e LT,
art. 61/8);
Como se sabe o domínio útil civil é, por natureza, de duração perpétua (CC, art.
1492º), mas o enfiteuta pode unilateralmente extinguir o domínio directo exercendo a
faculdade de remição do foro (CC, art. 1511º, LT, art. 38/7), ou seja pagando o
equivalente a 10 foros (LT, art. 38/9) após 20 anos de duração do seu direito (LT, art.
38/7) e após fazer prova do aproveitamento efectivo de, pelo menos, 2/3 do terreno em
causa «juntamente com outros igualmente possuídos em propriedade ou enfiteuse» (art.
38/8).
O direito de superfície regulado no at. 39º da Lei de Terras tem muito interesse
prático actualmente pois a disposição transitória da Lei estabelece que aos direitos
fundiários para uso de terras do Estado para fins agrícolas constituídos no âmbito da lei
anterior se aplica o regime do direito de superfície desde que estes direitos tenham sido
legalizados no âmbito dessa lei (art. 83/2). O antigo direito de uso e aproveitamento de
terra era um direito de superfície, mas é mais duvidoso que o direito de ocupação
familiar integrasse esse tipo. De qualquer modo, no caso de os seus titulares terem
adquirido um título nos termos do Dec. nº 32/95 (arts 44º-46), passaram a ser titulares
de um direito de superfície.
16
Direito dos Recursos Naturais
terrenos do seu domínio privado fica sujeito a legislação especial» sendo a aplicação do
regime do CC subsidiária.30 Tem aqui especial interesse, para além da LT e seus
regulamentos, o regime da Lei nº 2030, que parece manter-se em vigor relativamente
aos terrenos urbanos visto não ter sido expressamente revogada pela LT.
Menezes Cordeiro critica esta formulação do CC pois não inclui outras faculdades
para além de «manter», «fazer plantações» ou «construir» e define-o pois como
a afectação jurídica de um prédio alheio em termos de nele se efectuar, ou
simplesmente manter, edifícios e plantações, com o subsequente aproveitamento das
coisas assim mantidas (1993: 706-07).
30
. Sobre a racionalidade desta disposição, ver Pires de Lima e Varela, 1972: 545-46.
31
. Cordeiro, 1993: 710.
17
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
ii. Transmissibilidade - o direito de superfície pode ser transmitido por acto inter vivos e
mortis causa nas condições previstas no art. 61º da LT. O direito de superfície pode ser
ainda hipotecado nos termos do art. 39/4 da LT.
Nos termos dos arts 1535º, 1538º e 1530º do CC e do art. 61/9 da LT, o Estado tem
direito ainda de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície
e um direito de aquisição sobre o implante, caso o direito de superfície venha a
extinguir-se pelo decurso do prazo, para além do direito ao pagamento do cânon
superficiário.33
32
. Cordeiro, 1993: 710-11.
33
. Loc.cit.
18
Direito dos Recursos Naturais
Embora não seja este ano estudado, nesta parte do programa, o regime das
concessões florestais,34 deve referir-se que há dúvidas sobre se os direitos que são
constituídos por «concessões para exploração florestal», previstas em especial nos arts
111º ss. do Regulamento Florestal, serão um direito de superfície vegetal, limitado
apenas a certas espécies de vegetação já implantadas na área concedida (art. 114/6/b do
Regulamento). Tal interpretação seria reforçada pelos arts 3/1 e 22/4 da LT. A aceitar-se
esta posição, o seu regime diferenciar-se-á do regime do direito de superfície da LT
essencialmente quanto à intransmissibilidade do direito de exploração florestal e à
obrigação de repovoamento de acordo com o previsto no plano de exploração aprovado
(Reg. Florestal, arts 51º, para. único, 124º e 115/1).
O direito de ocupação precária tem a duração máxima de um ano (LT, art. 55/1/e),
renovável por iguais períodos se nenhuma das partes o denunciar nos prazos e formas
34
. Dado estar a ser revista a legislação florestal, não são tratados os direitos que incidem sobre recursos
florestais, sendo feita apenas uma breve referência aos regimes em vigor a propósito do acesso aos
recursos naturais propriedade do Estado.
19
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
A construção das instalações não definitivas fica sujeita ao regime das benfeitorias
úteis do art. 1273º do CC, o que significa que o titular do direito tem o direito de
levantar as benfeitorias ou de ser indemnizado das benfeitorias realizadas no caso de
não as poder levantar, estabelecendo o art. 1273/2 o critério da aplicação das regras do
enriquecimento sem causa (LT, art. 40/4).
A Lei de Terras cria no art. 37º um direito real de natureza diversa dos direitos
estabelecidos no CC. Na senda do art. 12/4 da LC e do art. 9º da LDS, a LT veio
consagrar um direito colectivo sobre recursos naturais de que são titulares as
comunidades rurais. Trata-se do domínio útil consuetudinário. Este direito colectivo é
constituído ope legis e o seu reconhecimento pelo Estado é realizado por título emitido
pela autoridade competente (arts 37/2 e 37/3).
No entanto, a lei não é clara sobre quem é o titular deste direito, pois o art. 37/1
reconhece o direito de domínio útil consuetudinário às famílias enquanto integradas em
20
Direito dos Recursos Naturais
comunidades e não às comunidades em si.35 Para além disso, o art. 37/9 dispõe
expressamente que, em caso de o direito consuetudinário não regular matérias relativas
a este domínio, são as famílias consideradas os «titulares do domínio útil», em situação
de contitularidade. A figura mais próxima que encontramos no Direito Civil será a da
co-enfiteuse, que no entanto parece não ser aqui aplicável (ver o art. 1493º do CC, sobre
o princípio da indivisibilidade do prazo) e a da comunhão de direitos. Nesta, se será
aplicável o regime do condomínio a esta contitularidade do domínio útil
consuetudinário pelas famílias é matéria a aprofundar mais tarde.
35
. O art. 63/3 refere até a proibição de transmissão mortis causa do direito.
21
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
consuetudinário» (art. 81/1). Apenas serão aplicáveis os arts 69º a 80º da LT no caso de
a questão não ser resolvida segundo as normas costumeiras (art. 81/2).
Este domínio tem uma duração perpétua (art. 55/1/b). A área dos terrenos rurais
comunitários está sujeita às regras acima referidas a propósito do objecto dos direitos
fundiários (arts 23º e 51º).
As águas são bens do domínio público do Estado, «domínio público hídrico» (LA,
art. 5/1), inalienável e imprescritível (art. 5/2), cuja concessão visa a «sua preservação e
gestão em benefício do interesse público» (art. 5/3). São equiparadas a imóveis (art.
12/1).
Os particulares podem ter acesso por títulos vários (acesso livre, licença e contrato
de concessão, arts 22º-24º), às águas dos rios, lagos, lagoas, nascentes e lençóis de
águas subterrâneas. Contudo, tal como acontece no regime dos minerais, estes
permanecem propriedade do Estado.
Os direitos sobre águas são, em geral, diferenciados em função dos seus usos: para
fins de alimentação e higiene, para fins agrícolas, pecuários, industriais (inclui mineiros
e uso de água como matéria prima de indústrias) e hidroeléctricos, de navegação,
transporte, meio de pesca de recursos biológicos e de recreação e ainda fins de
saneamento e limpeza do ambiente, fins de preservação de solos e de recursos florestais
e do clima. A água é o recurso natural com maior variedade de usos.
Ao referir-se ao acesso aos recursos hídricos, a Lei de Águas distingue entre usos
comuns (arts 21º, 22º e 12/2) e usos privativos (art. 21º e 22º), prevendo ainda usos
proibidos no art. 67º. Uso comum é o que resulta da utilização da água no seu estado
natural sem necessidade de autorizações e uso privativo aquele em que é necessária
licença ou concessão (art. 22/1).
22
Direito dos Recursos Naturais
regime de acesso, podem ser titulares destes direitos as pessoas singulares ou colectivas,
nacionais ou estrangeiras (art. 24/2, para os usos privativos).
Por um lado os direitos de uso decorrentes do direito humano à água, que tem no
ordenamento angolano, em primeiro lugar, por referência o art. 22º da LC, sobre o
direito à vida, visto tratar-se de um bem essencial à vida, e ainda o direito à inerente
dignidade da pessoa humana (art. 20º).36 A LA densifica estas normas constitucionais, e
ainda os arts 3/1 (sobre o direito aos benefícios da utilização racional dos recursos
naturais) e 5/b (obrigação de satisfação de necessidades básicas) da LBA, ao consagrar
o direito à água (art. 9/1/a) e a obrigação do Estado de garantir o acesso à água e de
assegurar o abastecimento de água (arts 10/2/a e 10/2/d). A LA estabelece um regime
designado de acesso livre, ou seja, sem necessidade de autorização prévia do Estado e
gratuito para os usos comuns de água (art. 22/1).
Por outro lado, a lei consagra direitos de uso relacionados com o acesso de
particulares a actividades económicas de exploração de recursos hídricos, nos termos do
art. 10º da LC e dos arts 6º a 9º e 13/4 da LDS. A LA densifica estas disposições
relativamente aos recursos hídricos nos arts 9/1/h e 10/2/e (obrigação do Estado de
promover os diferentes usos de águas).
36
. Neste caso, e em especial, do art. 11/1 do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais: «1.
Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a uma nível de vida
suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem
como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão as
medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito, reconhecendo para esse efeito a
importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida. 2. Os Estados Partes do
presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de todas as pessoas de estarem ao abrigo da fome,
adoptarão individualmente e por meio da cooperação internacional as medidas necessárias, incluindo
programas concretos: a) Para melhorar os métodos de produção, conservação e de distribuição dos
produtos alimentares pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de
princípios de educação nutricional e pelo desenvolvimento ou a reforma dos regimes agrários, de maneira
a assegurar da melhor forma a valorização e utilização dos recursos naturais; b) Para assegurar uma
repartição equitativa dos recursos alimentares mundiais em relação às necessidades, tendo em conta os
problemas que se põem tanto aos países importadores como aos países exportadores de produtos
alimentares».
23
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Como se viu, os usos comuns visam, inter alia, assegurar o direito dos cidadãos à
água (estabelecido no art. 9/1/a) com o fim de «satisfazer necessidades domésticas,
pessoais e familiares do utilizador, incluindo o abeberamento de gado e a rega de
culturas de subsistência, sem fins estritamente comerciais» (art. 23/1).
Podem ser titulares deste direito, dado a sua finalidade ser a subsistência, todas as
pessoas singulares («cidadãos» titulares do direito à água).
Este direito é um direito de uso gratuito e livre (art. 23/2) que apenas «consiste na
faculdade de se servir de certa coisa alheia» e que não nos aparece com o conteúdo do
direito de uso previsto no CC (art. 1484º), relativamente à faculdade de fruição, de
«haver os respectivos frutos na medida das necessidades do titular e da sua família».
Assim, tal como acontece com os direitos mineiros, também este direito de uso tem um
conteúdo diverso do direito previsto no CC.
O direito de uso comum dos recursos hídricos não implica a posse exclusiva do
recurso no seu ambiente natural nem a sua disposição para fins comerciais (art. 23/1).
Este direito deve ser exercido para os fins e nas condições estabelecidas na lei bem
como no «regime tradicional de utilização das águas» (art. 23/2), havendo aqui remissão
para a aplicação de normas de direito consuetudinário. As restrições ao exercício do
direito referem-se em especial nos «limites quantitativos» ou utilização dos meios
eventualmente definidos pela entidade gestora da bacia hidrográfica (art. 23/5).
Para além disso, os titulares de direitos de uso comum devem cumprir obrigações de
non facere, como não alterar as margens ou desviar os corpos de água dos seus leitos
(art. 23/4) ou não obstruir o livro curso das águas (art. 27/1), bem como obrigações de
24
Direito dos Recursos Naturais
facere, como remover os obstáculos que se oponham ao livre curso das águas (art. 27/1)
e contribuir para prevenir calamidades (art. 29/2); devem ainda observar os princípios
previstos no art. 9º (art. 9/2) e abster-se das acções previstas no art. 67º.
Os direitos de uso comum, dada a sua finalidade, não estão sujeitos a prazos. Como
regra, os direitos de uso comum prevalecem sobre os direitos de uso privativo (arts 22/2
e 33/1), em especial se se trata de direitos anteriores, caso o gozo do direito de uso
privativo exclua o gozo dos direitos de uso comum. Assim, a lei afirma que não podem
ser concedidos direitos de uso privativo no caso de usos comuns «pre-existentes» (art.
37/2). Contudo, o art. 33/1 vai mais longe e estabelece que não podem ser «concedidos
ou mantidos» direitos de uso privativos em detrimento dos usos comuns.
A lei prevê ainda um tertium genus, nem uso comum nem uso privativo, no regime
especial de direito de uso gratuito e sem necessidade de licença, mas uso indirecto para
fins comerciais, para os usos por titulares de direitos de uso e aproveitamento de terras,
hoje os direitos fundiários regulados na Lei de Terras, nos casos de usos de águas para
fins agrícolas previstas no art. 26/1 da LA: águas de lagos, lagoas e pântanos, águas de
nascentes em certas condições, águas subterrâneas fora de áreas de protecção e águas
pluviais (als a)-d). Os «utentes dos talhões que circundam lagos, lagoas e pântanos» são
também titulares deste direito (art. 26/3).37
A par dos direitos de uso comum, a lei prevê direitos de uso privativo para fins
comerciais.
Nos usos de água que integram os direitos de uso privativo, a LA destaca aqueles
que se destinam aos seguintes fins (arts 25/1 e 25/2):
37
. Ver as obrigações destes titulares de talhões marginais no art. 27º.
25
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
A lei distingue entre usos privativos que não alteram «significativamente a qualidade
e quantidade da água e o equilíbrio ambiental» (art. 41/1), sujeitos a regimes
simplificados de licenças, e outros usos privativos em que os direitos se constituem por
concessão.
Decorre, pois, da lei há dois tipos de direitos de uso privativo, distintos na lei
segundo os seus impactos ambiental e nas reservas dos recursos e os seus modos de
constituição (licença ou concessão, esta em sentido restrito trata-se em ambos os casos
de uma concessão porque atribuindo a particulares direitos sobre bens do domínio
público). Concessão vem definida no Anexo à lei como a
Transferência temporária por uma pessoa jurídica de direito público dos direitos
exclusivos de exploração de um serviço público, conferindo administrativamente a
outra o direito de explorar ou utilizar um bem público.
26
Direito dos Recursos Naturais
A LA estabelece regras comuns aos dois tipos de direitos e específicas para cada
tipo. Nos arts 33º a 40º são estabelecidas as normas comuns aos dois tipos de direitos.
Assim, quanto ao conteúdo positivo dos direitos de uso privativo, decorre dessas
disposições que se trata de direitos de uso e fruição das águas e de exercício das
actividades comerciais com elas relacionadas (arts 37º, regime geral, 44º, para usos sob
licença e art. 54º, para usos sob concessão) dentro dos fins a que a coisa se destina (LA,
arts, 5/3, 9º, 10º, 39/b in fine e, em especial, 40º, abuso de direito). Estes direitos
implicam a posse das águas superficiais ou subterrâneas numa dada delimitação (área) e
a disposição das águas captadas em certas condições estabelecidas na lei, licença ou
contrato de concessão.
c) A utilização racional da água (LA, art. 39/b e LBA, art. 3/1) e a garantia de
impactos ambientais mínimos das suas actividades (LA, art. 39/f); o respeito por
regras de protecção ambiental (arts 66º-69º);
27
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
j) Sujeição a requisição no caso de força maior, em especial secas, cheias etc, para
afectação das águas a usos comuns (art. 30º);
k) Sujeição a fiscalização do Estado (arts 39/e, regra comum, 45/d, para os usos
sob licença, e 55/c e 70/2, para os usos sob concessão);
i. Temporalidade: os direitos são sempre concedidos por um prazo, que inclui eventuais
prorrogações, e extinguem-se verificado esse prazo. Nos usos sob licença o prazo
máximo é de 15 anos (LA, art. 43º) e nos usos sob concessão, de 50 anos (art. 51/1),
renováveis.
28
Direito dos Recursos Naturais
ii. Obrigação de restituição da coisa: findo o prazo da licença (art. 47º, com reversão
para o Estado dos bens implantados) ou da concessão (art. 52º, instalações só em caso
de rescisão do contrato, art. 60/3) ou verificadas outras causas de extinção do direito.
iv. Sujeição a registo: sendo as águas equiparadas a imóveis (art. 12/1), a concessão de
direitos de uso privativo está sujeita a registo (art. 12/3), só produzindo efeitos perante
terceiros a partir desse registo (art. 12/5).
São direitos acessórios comuns aos dois tipos de usos privativos a já referida
constituição de servidões de águas (art. 31º) e a construção das obras necessárias (art.
37/1). Nos usos sob concessão, a LA prevê ainda o direito de uso dos terrenos
necessários à execução de construções exigidas pelo efectivo exercício do direito,
«mediante o pagamento das taxas e indemnizações que forem devidas» (art. 51/2), o
direito de requerer expropriações e o direito de «utilizar bens do domínio público ou
privado do Estado, nos termos que vierem a ser acordados no respectivo contrato de
concessão» (art. 54/b).
29
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Esta questão será aqui abordada em termos simples, tendo em conta o facto de haver
uma grande diversidade de soluções legislativas e ainda de se tratar da primeira
abordagem a esta problemática no direito angolano. Sumariando os problemas que se
levantam:
38
. Incluindo no sistema chamado de ‘nacionalização’ por Ramos pois ainda que apenas empresas
públicas tivessem acesso às actividades petrolíferas e mineiras, levantar-se-ia sempre, dado tratar-se de
entidades autónomas dotadas de personalidade jurídica, o problema da natureza e conteúdo dos seus
direitos.
39
. Não constitui objecto deste trabalho discutir os problemas da teoria geral dos direitos reais. Contudo,
chama-se a atenção para a crítica da doutrina à noção de oponibilidade erga omnes dos direitos reais (ver,
por exemplo, Menezes Cordeiro, 1993: 301-316 e 236-240).
30
Direito dos Recursos Naturais
ii. O Estado mantém, após atribuir direitos sobre minerais, a propriedade dos minerais
in situ? Que direitos, se reais, são então transmitidos ao concessionário? Será o contrato
de concessão um contrato com eficácia real?
iii. Assumindo que os recursos minerais integram o domínio público, como decorre de
legislação e entende parte da doutrina de países com sistemas de raiz romano-
germânica, qual é, nessa medida, o regime da constituição dos direitos de
concessionários?
iv. Haverá, nos regimes de minerais, contratos que nos aparecem como de natureza
estritamente obrigacional, distinguindo-se eventualmente do quadro do contrato de
concessão, mas cuja substância integra regimes com consequências práticas similares,
ainda que formalmente diversos?
Não se pretende aqui resolver todos estes problemas, e por essa razão são apenas
enunciados alguns aspectos mais relevantes para a compreensão da natureza e conteúdo
dos direitos mineiros, em especial do direito de exploração.
40
. Ver CC, arts 1302º e segs., espec. arts 1304º (domínio do Estado) e 1305º (conteúdo do direito de
propriedade).
41
. Lei nº 13/78, art. 5/1.
32
Direito dos Recursos Naturais
Hoje, esse problema está resolvido pela Lei de Terras que prevê expressamente no
art. 29/1/c que os minerais integram o domínio público do Estado. Como se viu, o art.
29/2 estabelece que os bens do domínio público são «inalienáveis, imprescritíveis e
impenhoráveis». Também a LAP afirma expressamente no art. 4º que as jazidas de
petróleos integram o domínio público do Estado.
ii. A concessionária não tem poderes de disposição das jazidas mas apenas dos minerais
após extracção (como decorre dos arts 12/1e 18º da LAGM) e o Estado tem um direito
de preferência legal na aquisição de quotas ou acções das próprias concessionárias na
LAGM (art. 11/8).
iii. O gozo da coisa (jazida) é realizado em condições (o regime que decorre da lei) que
afastam a plenitude característica da propriedade.
iv. O Estado pode dar por finda a concessão em certas situações, como de «grave perigo
para a saúde e vida das populações» (LAGM, art. 17º) e a concessionária não pode
suspender as actividades sem prévia autorização do Estado (LAGM, art. 13/4).
v. Por fim, deve-se ter em conta o art. 13/4 da LDS, em que já se proibia a alienação da
propriedade, neste caso das jazidas de minerais.
33
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
42
. A antiga LAP (Lei nº 13/78) continha no seu art. 5º uma definição mais rigorosa de direitos mineiros:
«os direitos mineiros concedidos à Sonangol compreendem os poderes de uso, fruição e gestão da
propriedade estatal dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos» (art. 5/1). Incluiam ainda poderes de
transformação e alteração da configuração natural do solo e subsolo (art. 5/3) e são concedidos para «os
fins seguintes: a) Pesquisa de hidrocarbonetos; b) Produção de hidrocarbonetos; c) Outros fins conexos»
(art. 5/2).
43
. Sobre as «operações petrolíferas» na LAP, ver a secção 10.3.4.
34
Direito dos Recursos Naturais
44
. Estas definidas como “quantidade de recursos minerais existentes em cada jazida mineral” (nº 2).
35
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
A duração dos direitos mineiros da 1ª fase está limitada a cinco anos (art. 5/5), findo
os quais os direitos caducam. No caso de direitos concedidos por prazo inferior a cinco
anos, as eventuais prorrogações até ao limite de cinco anos implicam a libertação de
50% da área concedida (art. 6/2/c).
45
. Sobre os requisitos subjectivos de concessão de direitos mineiros, ver o texto sobre acesso, secção
3.4.1.
36
Direito dos Recursos Naturais
Ao contrário da LAGM, na LAP este direito não é exclusivo (art. 35/3). Não é
necessária a associação à CN (art. 13º) e o direito não é qualificado como mineiro. A
licenciatária não tem qualquer preferência na atribuição do estatuto de associada da CN
para poder exercer as actividades mineiras subsequentes (art. 35/4).
A licenciatária tem os direitos previstos no art. 28/1, dos quais se destacam, para
além de «executar os fazer executar os trabalhos» previstos na licença (art. 28/1/a) e o
direito de «ocupar, com respeito da lei e os direitos existentes, áreas necessárias à
execução dos trabalhos, bem como ao alojamento» do pessoal de campo (art. 28/1/c).
Tem as obrigações estabelecidas nos arts 7º, 24º-25º, 27º e algumas das obrigações da
CN previstas no art. 30/1 (por remissão do art. 28/2), das quais se destacam o
46
. Definidas na lei como «o conjunto de operações a executar na terra ou no mar, mediante utilização de
métodos geológicos, geoquímicos ou geofísicos, com vista à localização de jazigos de petróleo, com
exclusão de perfuração de poços, processamento, análise e interpretação de dados adquiridos nos
respectivos levantamentos ou da informação disponível nos arquivos do Ministério de tutela ou da
Concessionária Nacional, assim como estudos e mapeamento regionais conducentes a uma avaliação e
melhor conhecimento do potencial petrolífero da área.» (art. 2/19).
47
. Com efeito, ao definir pesquisa a lei considera-a «as actividades de prospecção, perfuração e testes de
poços conducentes à descoberta de jazigo de petróleo» (art. 2/14).
37
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
A LAP trata pois a 1ª e 2ª fases de modo unificado, adiante tratado. De referir agora
apenas que na LAP o risco obrigatório é afectado às associadas da CN, tendo a lei um
formação de risco mais clara que a LAGM ao estabelecer que as associadas não têm
«direito à recuperação dos capitais investidos no caso de não existir uma descoberta
economicamente viável» (art. 18º).
38
Direito dos Recursos Naturais
48
. Diga-se de passagem que a importância desta discussão resulta de razões históricas, a ligação do
ordenamento angolano ao ordenamento português e, em consequência, ao quadro do CC. Têm especial
interesse nesta matéria os comentários que são feitos por Cordeiro sobre a construção dos direitos reais
(1993: 13-69). Ver ainda Carvalho, 1995: 17-46.
49
. Exploração como actividade é definida como o «conjunto de operações que têm como finalidade o
desmonte e extracção dos recursos minerais» (Cap. I/8);
50
. Beneficiação ou tratamento é definido na lei como o «conjunto de operações que têm como objectivo
a beneficiação, ou seja a separação e a concentração de recursos minerais extraídos, incluindo a lapidação
e industrialização de rochas ornamentais» (Cap. I/9).
39
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
No entanto, parece não ser essa nem a racionalidade da LAGM, nem a prática dos
contratos de concessão ou a posição maioritária na doutrina. Assim, por exemplo, e
relativamente à legislação portuguesa, Ramos considera que a ‘comercialização’
abrange «o transporte e a transmissão a qualquer título, desses recursos, sem
dependência de qualquer autorização» (1994: 69).
São adiante enunciados alguns dos problemas levantados pela natureza do direito de
exploração na LAGM.
A. Usufruto
51
. Lei das Actividades Geológicas e Mineiras (Dziennik Ustaw nº 27, item 96).
40
Direito dos Recursos Naturais
v. Em tudo o que não vier regulado na lei de minas aplica-se ao usufruto mineiro o
regime do Código Civil, com as necessárias adaptações (art. 13º).
52
. Sobre as características do usufruto no CC, ver Cordeiro, 1993: 648-50 e ainda 658.
53
. Ver Cordeiro, 1993: 654-55, onde argumenta que o art. 1439º não tem natureza imperativa e que o
usufrutuário tem o gozo da coisa desde que respeite o seu destino económico que contudo está limitado
pela possibilidade de regresso da coisa ao estado anterior, ou seja, aquele que a coisa tinha no momento
da constituição do usufruto.
41
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Assim, o direito de exploração não nos aparecerá como um direito de usufruto tal
como definido no CC porque decorre do seu conteúdo a alteração de forma e substância
que impossibilita a utilização da coisa no seu estado anterior pelo proprietário quando o
usufruto se extingue. Contudo, num aprofundamento desta problemática, poderá
argumentar-se que o regime prescrito na lei para a utilização de minerais, as regras
sobre a produção, constitui a «definição da forma e substância», e que a legislação
mineira admite, como componente dessa definição de forma e substância, a sua
alteração de acordo com o fim económico do bem. Neste caso, as objecções atrás
referidas à natureza do direito de exploração como um usufruto não procederiam.54
Por fim, há que referir que o art. 1457/1 do CC prevê um usufruto de concessão
mineira: «o usufrutuário de concessão mineira deve conformar-se, na exploração de
54
. Agradeço ao Dr Jorge Silva a chamada de atenção para este aspecto.
55
. «As coisas consumíveis são, como se sabe, aquelas cujo uso regular importa a sua destruição (consumo
material) ou a sua alienação (consumo jurídico)» e o usufruto destas coisas tinha a designação clássica de
quase-usufruto (Pires de Lima e Varela, 1972, Vol. III: 415, comentário ao art. 1451º). Ver a definição de
coisas consumíveis no art. 208º do CC.
56
. Pires de Lima e Varela, 1972: 391, anotação ao art. 1439º.
42
Direito dos Recursos Naturais
minas com as praxes, seguidas pelo respectivo titular». Para Pires de Lima e Varela, o
art. 1457º «regula separadamente duas hipóteses»: i. «a de o usufruto ter por objecto
uma concessão mineira» (art. 1457/1) e, ii. «a de esse direito incidir sobre terrenos onde
existam explorações mineiras concedidas a terceiros» (art. 1457/2).
No primeiro caso, quanto à forma como a mina deve ser explorada, adoptou-se o
mesmo critério (subjectivo) que prevaleceu quanto aos cortes nas matas (art. 1455º) e
quanto ao arranque das plantas de viveiro (art. 1456º). A solução tem, entre outras, a
principal vantagem de evitar que a ânsia de lucro do usufrutuário o leve a cansar
excessivamente a mina, em detrimento dos legítimos interesses do proprietário (Pires
de Lima e Varela, 1972: 427, anotação ao art. 1457º).
Ora este usufruto de concessão não é o direito de exploração regulado na LAGM mas
poderá ser um usufruto do direito de exploração, tendo em conta o disposto no art.
1439º do CC. Ou seja, o direito previsto no CC não pode no ordenamento angolano
referir-se ao usufruto de jazidas mas do direito de exploração (usufruto de direitos).
Contudo, a LAGM sujeita a transmissão de direitos mineiros a autorização prévia (arts
6/3 e 11/8), havendo, no caso do direito de exploração, um direito de preferência do
Estado (art. 11/8).
B. Direito do locatário
43
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
57
. The Glossary of Property Terms, 1989: 121-22.
58
. Dando um exemplo a adopção deste “arrendamento”, a legislação petrolífera da Nigéria prevê a
atribuição de direitos de exploração de hidrocarbonetos através de leases, que conferem ao seu titular
«todos os direitos do titular de uma licença de prospecção, e ainda “o direito exclusivo de, dentro da área
arrendada, realizar operações de prospecção e pesquisa e apropriar, transformar, armazenar, transportar,
exportar ou de qualquer outro modo tratar o petróleo descoberto em ou sob a área arrendada”. Durante a
vigência de um arrendamento, terá de pagar uma renda anual (que é dedutível do royalty devido)»
(Etikerentse, 1988: 28).
59
. Baade continua: «Mesmo o sistema de 'apropriação em primeiro lugar' dos direitos relativos a águas no
Oeste dos EUA é essencialmente um produto do costume dos mineiros no domínio público federal - em
que, pelo menos do ponto de vista estrito da lei, os mineiros não tinham nem a propriedade da terra, nem
das águas nem mesmo dos minerais» (1992: 9).
44
Direito dos Recursos Naturais
iii. garantia (hipoteca). Os direitos mineiros podem ser acomodados neste esquema
de modo mais conveniente pelo reconhecimento do título mineiro como um direito
de propriedade separado e à parte da propriedade da superfície, mas isto adia em vez
de solucionar o problema prático de abordar o instrumento conhecido como
«arrendamento mineiro» (mineral lease), que requer substancialmente menos que a
propriedade plena perpétua de minerais. O desmembramento generacional da
propriedade entre usufruto e propriedade nua ou de raiz não só torna o
“arrendamento mineiro” muito mais complicado quando aplicado à totalidade do
imóvel, mas também fracassa como análogo do “arrendamento mineiro” pois
enquanto o usufrutuário (ou o arrendatário vitalício) tem de preservar a substância do
imóvel, o fim próprio de um “arrendamento mineiro” é esgotar o recurso mineral
“arrendado”. Por fim, pela mesma razão, um “arrendamento mineiro” não é um
arrendamento no sentido comum do termo, na medida em que se espera, em termos
óptimos, que o arrendatário devolva intacto o invólucro vazio do objecto arrendado.
Seria apressado, aqui, procurar uma solução na compra e venda,60 porquanto o
“comprador” de minerais que ainda têm de ser descobertos e extraídos visa um
direito de propriedade actual oponível não apenas ao “vendedor” mas também a
terceiros (e, por razões financeiras, potencialmente a favor de terceiros). (...) A
África do Sul (um país com um sistema de direito romano-germânico não codificado
e que incorpora a noção de direito romano de título unitário), resolveu o dilema do
operador mineiro considerando, por decisão judicial, o “arrendamento mineiro” uma
quase-servidão. Na Alemanha (um país com um sistema romano-germânico de
direito codificado incorporando um numerus clausus dos direitos reais), tiveram de
ser criados, por legislação local, direitos mineiros transmissíveis e com caracter
real,61 no e do “arrendamento mineiro” por proprietários da superfície com um título
relativamente aos minerais aí existentes, porquanto um regime meramente
obrigacional demonstrou não atrair empresas mineiras (e os seus credores). Assim,
parece razoavelmente claro que a questão legal central no direito mineiro moderno
não é da propriedade de minerais ainda não descobertos (minerais in situ) ou
extraídos mas a construção de regras que assegurem os elementos principais das
concessões mineiras desde os proprietários dos minerais até aos operadores. Neste
domínio, a propriedade estadual de minerais in situ é um ponto de partida muito
conveniente porque permite a criação de direitos reais transmissíveis uno actu (1992:
8-11).
60
. De coisas futuras, ver CC, art. 880º.
61
. Direito de propriedade é usado aqui no sentido anglo-americano de direito patrimonial ('property').
45
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
i. Direitos de uso e fruição62 das jazidas de minerais, dentro dos fins a que a coisa se
destina, que implicam a posse das jazidas, mas não da superfície (art. 11/2), salvo
quanto aos terrenos referidos nos arts 11/5 e 12/2/f. Os direitos compreendem também a
posse, tratamento e disposição (“comercialização”) dos minerais extraídos. O uso e
fruição das jazidas são feitos em condições, estabelecidas na lei ou contrato, muito
restritivas do conteúdo dos direitos quando contrastadas com o regime do CC. Dessas
condições destacam-se:
- o cumprimento de um plano de exploração63 aprovado pelo Estado e nos prazos
convencionados (art. 12/2/a), incluindo a observância de taxas de extracção
estabelecidas no plano;
- o cumprimento de determinadas regras técnicas segundo a «melhor metodologia da
tecnologia mineira» (art. 12/2/a);
- a proibição de abandono de exploração de jazidas menos rentáveis (art. 12/2/c);
- a proibição da redução ou suspensão das operações de exploração sem autorização
prévia (arts 13/3 e 13/4);
- o cumprimento das normas de protecção ambiental (art. 12/2/e);
- a subordinação a fiscalização do Estado (art. 24º).
62
. Uso e fruição são entendidos como «aproveitamento das utilidades permanentes da coisa e a
apropriação do resultado das suas potencialidades produtivas, naturais ou jurídicas» (Cordeiro, 1993:
651).
63
. Plano de exploração é definido na LAGM como o «projecto de execução das operações de exploração
e de beneficiação, contendo a descrição dos métodos e das instalações, a programação fg das operações, o
cálculo dos custos e a previsão dos resultados económicos e financeiros (Cap. I/14).
46
Direito dos Recursos Naturais
ii. Temporalidade: os direitos são sempre concedidos por um prazo, que inclui eventuais
prorrogações, e extinguem-se verificado esse prazo (LAGM, arts 13/1, 13/2 e 17/b).
iii. Transmissibilidade dos direitos: embora a LAGM estabeleça no art. 6/3 a proibição
de «transmissão, alienação ou negociação» da «licença de prospecção», excepto no caso
de autorização expressa do CM, quanto ao direito de exploração a lei apenas prevê
indirectamente um direito de preferência do Estado na «aquisição do título de
concessão» (art. 11/8). No entanto, como se considera que a lei regulou exaustivamente
os direitos mineiros da 1ª fase, tratando na parte relativa ao direito de exploração apenas
no que lhe é específico, são aplicáveis ao direito de exploração as disposições
pertinentes sobre dos direitos de prospecção, pesquisa e reconhecimento, neste caso o
art. 6/3. Assim, entende-se ser possível a transmissão dos direitos mineiros desde que
autorizada pelo CM. O que é específico do direito de exploração é o direito de
preferência do Estado na cessão da posição no contrato de concessão. Esta interpretação
vem reflectida em alguns contratos de concessão que incluem cláusula prevendo a
possibilidade de cessão de posição contratual, sem prejuízo do direito de preferência do
Estado.64
64
. Assim, por exemplo, o art. 24º do Contrato para o Projecto Luzamba (concessão de direitos mineiros
para diamantes em bruto à SDM), estabelece que «1. A Concessionária poderá ceder os direitos mineiros,
total ou parcialmente, salvo o disposto no nº 3 do artigo 6º e no nº 8 do artigo 8º da Lei nº 1/92».
65
. Refere-se aqui especificamente o royalty («imposto sobre o valor dos minerais extraídos».
47
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Para finalizar, e na óptica da tipicidade dos direitos reais, uma solução no sentido
aqui apontado dependerá de se averiguar se foi intenção do legislador na LAGM criar
um direito real. A ambiguidade da LAGM deixa em aberto esta discussão. Como
decorre do art. 1306/1 do CC, a tipicidade dos direitos reais implica «a impossibilidade
da constituição de direitos reais não previstos na lei», por contrato ou acto unilateral
privado, mas nada impede o legislador de criar outros direitos reais para além dos
previstos no CC.66
66
. Ver por exemplo, Cordeiro, 1993: 333-38.
67
. Decreto Legislativo nº 106 (1981), Lei Geral das Actividades Mineiras.
48
Direito dos Recursos Naturais
Assim, o art. 6º estabelece que as operações petrolíferas apenas podem ser exercidas
mediante licença para as actividades de prospecção (art. 28º), e concessão (exclusiva da
CN nos termos do art. 4º conjugado com o art. 44º). O art. 44º prevê que, pelo decreto e
concessão, sejam atribuídos à CN direitos de «executar as operações petrolíferas numa
determinada área». Trata-se aqui de direitos mineiros.
68
. Operações petrolíferas são definidas na LAP como «as actividades de prospecção, pesquisa, avaliação,
desenvolvimento e produção de petróleo realizadas ao abrigo desta lei» (art. 2/12). A pesquisa, como se
viu, abrange a prospecção. Sobre as definições destas actividades na LAP, ver o texto sobre «Os recursos
naturais», secção 1.2.4 (sobre minerais).
49
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
empresa pública deve ter participação maioritária de 50% no capital de cada projecto, a
menos que o CM autorize uma participação mais baixa (art. 15º). Independentemente do
valor da sua participação financeira, a CN participa sempre na direcção de operações
petrolíferas (art. 17º).
Os direitos mineiros referem-se sempre a uma área (arts 11º) que constará do
decreto de concessão (48/2/b). Dado os direitos serem em geral concedidos para as duas
fases, o art. 66º estabelece que findo o período de pesquisa será feita a demarcação
definitiva da área, considerando-se libertadas as áreas que não constem da demarcação
definitiva (art. 66º).
50
Direito dos Recursos Naturais
realizar essas operações? Apenas uma comparação do conteúdo positivo e negativo dos
diferentes direitos permitirá estabelecer a diferença entre uns e outros.
i.O direito de realizar operações petrolíferas na área (arts 6º, 7/3, 44º e 29º), incluindo os
direitos de «livremente programar, projectar, executar ou mandar executar, os trabalhos
a que estejam obrigados ou autorizados, utilizando os meios humanos e técnicos
adequados (art. 7/3);
v. O direito de aquisição dos bens usados na concessão em caso de reversão (art. 57º);
vi. O direito de receber uma renda, dividindo o produto da venda de informação com
empresas titulares do direito de prospecção, no caso de licença de prospecção (art.
36/3);
vii. Direitos de consulta obrigatória pela Administração Pública como, por exemplo, os
previstos no arts 16/4, 36/2 e 44/4/b;
51
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Esta disposição estabelece, portanto, que tanto a CN como as associadas têm direito
ao petróleo produzido nos termos dos contratos. Quando a lei se refere a quota, pode ter
em vista duas situações: i. ou o direito das associadas a uma quota da produção no
âmbito de CPPs69 ou de contratos de o consórcio;70 ii. ou ainda de contrato de sociedade
que inclua uma cláusula de partilha de produção.
69
. Relembrando, o CPP é um contrato de prestação de serviços por grosso em que a prestadora (s) de
serviços é remunerada com uma quota da produção que se divide, na indústria petrolífera, em petróleo de
custo e petróleo de lucro.
70
. O contrato de consórcio vem regulado na Lei nº 19/03, e é definido no art. 12º como o «contrato pelo
qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas, se obrigam entre si a, de forma concertada e
temporária, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição, com vista a, nomeadamente (...): d)
pesquisa e exploração de recursos naturais». Nos consórcios externos cujo objecto seja a exploração de
recursos naturais, «cada um dos membros do consórcio deve adquirir directamente a parte dos produtos
que lhe caiba» (art. 23/1) sem prejuízo de esta poder ser vendida por um dos membros do consórcio por
conta de outro membro (art. 23/3).
71
. Ver a subsecção 10.3.3.
52
Direito dos Recursos Naturais
direitos destas sobre o petróleo direitos de crédito resultantes dos contratos com eficácia
real previstos no art. 14/2.
Assume-se assim que os direitos mineiros da CN são de direitos de uso e fruição das
jazidas de petróleos do domínio público do Estado, que incluem os direitos acima
referidos, em especial a participação na direcção das operações ainda que com
participação minoritária no contrato (art. 17º). Estes direitos estão sujeitos a um
conjunto de restrições, para além das acima referidas quanto à disposição do petróleo.
Com efeito, são obrigações da concessionária:
ii. Realizar as operações de acordo com as regras da «boa técnica e prática da indústria
petrolífera» (art. 7/1), pesquisando e produzindo o petróleo «de modo racional segundo
as regras técnicas e científicas mais apropriadas em uso na indústria petrolífera e de
acordo com o interesse nacional» (arts 21/1 e 30/1/b)
iii. Assegurar que a operadora mantém no país um sistema de «serviços de apoio que
lhe permita gerir autonomamente e executar de forma eficiente as operações
petrolíferas» (art. 83º).
iv. Conduzir e executar as operações de forma prudente, com respeito pelas normas de
segurança de pessoas e instalações, em geral, e de segurança, higiene e saúde no
trabalho «em vigor na indústria petrolífera internacional» (arts 7/2 e 23/1).
vi. Proceder a estudos desde que verifique indícios da presença de petróleo (art. 30/1/c).
vii. Não iniciar a produção comercial sem prévia autorização do ministro de tutela (art.
69/2).
54
Direito dos Recursos Naturais
ix. Realizar concursos para execução dos programas de trabalhos aprovados, salvo no
caso de autorização do ministério de tutela (art. 30/1/j).
xiii. Contratar os seguros necessários (art. 30/2), em especial porque o regime geral de
responsabilidade civil da CN e das associadas é o do art. 493º do CC (LAP, art. 25/1),
ou seja inversão do ónus da prova de culpa para actividades consideradas perigosas.72
Do que atrás ficou dito podemos concluir que os direitos mineiros da CN têm na
LAP as seguintes características:
i. Direito de uso e fruição das jazidas de petróleo sujeita a grandes limitações reflectidas
em especial na sujeição a autorizações prévias de um conjunto de decisões tomadas no
âmbito da realização das operações petrolíferas.
72
. O art. 25/3 contem uma disposição esclarecendo a questão da responsabilidade civil no caso de acto
autorizativo das autoridades competentes, prevendo que as «aprovações e autorizações não as eximem (a
CN e as associadas) de responsabilidade civil em que possam incorrer» relativamente aos actos aprovados
ou autorizados.
55
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
iv. Obrigações de dare, facere e non facere legais ou contratuais (art. 30/1), algumas das
quais já foram atrás referidas. É interessante que a LAP nada diz sobre pagamentos a
serem efectuados ao Estado, salvo quanto ao regime dos bónus de produção.
Como se viu, qualquer sociedade que pretenda exercer actividades petrolíferas deve
associar-se à CN (LAP, art. 13º). É importante salientar que a reserva de controlo
estabelecida na LAP se refere às actividades petrolíferas “a montante” (upstream), ou
seja as que se referem à realização de operações petrolíferas tal como definidas na lei. O
regime de exercício das actividades “a jusante” (downstream), tais como a refinação de
petróleo e a distribuição de combustíveis é regulado por legislação específica.
A LAP refere ainda uma categoria à parte, o contrato de serviços com risco, que é
um contrato de prestação de serviços por grosso, pelo qual a prestadora de serviços não
tem direito a quota da produção, sendo remunerada em dinheiro, muito embora, tal
como nos outros contratos, lhe caiba suportar o risco obrigatório (art. 14/2 e 18º).
73
. Ver o sumário sobre acesso a recursos naturais propriedade do Estado.
56
Direito dos Recursos Naturais
ii. O direito a uma quota do petróleo produzido, nos termos do contrato (art. 81º) e com
as restrições previstas nos arts 78º e 79º.
iv. Os direitos acessórios previstos no art. 29º, por referência do art. 31/1.
Quanto às obrigações, para além das previstas nos contratos, as associadas têm as
obrigações legais da CN estabelecidas no art. 30/1 (por referência do art. 31/2) e as
constantes do art. 31/2. Têm ainda as seguintes obrigações, que partilham com a CN:
ii. Realizar as operações de acordo com as regras da «boa técnica e prática da indústria
petrolífera» (art. 7/1), pesquisando e produzindo o petróleo «de modo racional segundo
as regras técnicas e científicas mais apropriadas em uso na indústria petrolífera e de
acordo com o interesse nacional» (arts 21/1 e 30/1/b).
iii. Executar as operações de forma prudente, com respeito pelas normas de segurança
de pessoas e instalações, em geral, e de segurança, higiene e saúde no trabalho «em
vigor na indústria petrolífera internacional» (arts 7/2 e 23/1).
57
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Embora a LAGM não contenha nenhuma disposição clarificando este aspecto, pode
assumir-se ser essa transmissão efectuada à boca da mina, por referência para o art.
15/2/a, a menos que os contratos disponham diversamente. Com efeito, estabelece este
artigo que o imposto sobre o valor dos recursos minerais extraídos (royalty), se
reportará, quando não houver tratamento, ao valor que o mineral tiver nesse momento.
58
Direito dos Recursos Naturais
Dado que a lógica do royalty é constituir uma primeira remuneração do Estado pela
diminuição do valor do seu subsolo resultante da extracção e eventual transmissão de
propriedade dos minerais extraídos, este critério será uma pista para se fixar o momento
da transmissão de propriedade, que por vezes vem regulado em contratos. Assim sendo,
e na falta de disposição contratual, deverá entender-se que enquanto não forem
extraídos (e porque o direito de exploração se refere, entre outros, à extracção) os
minerais continuam a constituir propriedade do Estado.
A LAP inclui, como se viu, uma disposição sobre esta questão. Sob a epígrafe
«propriedade do petróleo produzido», o art. 82º estabelece que
O ponto de transferência da propriedade do petróleo produzido situa-se sempre fora
ou para além da boca do poço, devendo o ponto de contagem do petróleo produzido
preceder o ponto de transferência da propriedade.
Esta questão foi levantada a nível internacional em diferentes áreas. Assim, por
exemplo, Higgins considera que, embora a maior parte das resoluções da ONU tenha
sido redigida em termos de nacionalizações e requisições, pode-se levantar o problema
dos direitos adquiridos relativamente a outras situações para além da simples revogação
74
. Esta determinação é importante para efeitos de determinação de afectações de risco dada a regra res
suo domino perit.
59
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Para além dos direitos mineiros em si, as concessionárias serão ainda titulares de
direitos instrumentais desses direitos mineiros. Para Ramos, estes direitos acessórios são
poderes funcionais que lhe permitem (ao concessionário) aproveitar adequadamente
os recursos. (... e) só poderão ser exercidos desde que se afigurem necessários para a
exploração do recurso objecto da concessão de exploração (1994: 69-70).
75
. Acção Martini Co (1930), Venezuela, in Ralston, Law and Procedure of International Tribunals, 306:
«permitir a existência de tal poder da parte do Estado como parte no contrato seria atribuir a uma das
partes no contrato o direito de destruir todo o interesse da outra parte nesse contrato» (Higgins, 1981: 52).
76
. Acção Oscar Chinn (1934) PCIJ Series A/B. «O que interessa é se o titular do direito (estabelecido no
contrato, licença) é destituído do seu benefício, e não se a forma é outra que não uma abrogação ou
revogação - e apesar de não ter havido interferência com o título: 'A revogação ou extinção de direitos
adquiridos, transmitidos e definidos por um contrato, é um acto tão ilícito, dando lugar a direito a
indemnização, como a tomada ou destruição de propriedade» (Higgins, 1981: 53).
77
. Higgins continua: «Isto leva-nos inexoravelmente à relação entre regulamentação de actividades pelo
Estado e apropriação pelo Estado. O Estado tem certamente o direito pleno de emitir normas sobre o
regime jurídico do Mar do Norte relativamente ao qual concede licenças. O que não pode é exercer esses
poderes de um modo que seja discriminatório, de má fé, ou arbitrário - ou de um modo que destitua o
licenciado daquilo de que é titular nos termos da licença. (...) Nem pode legislar impunemente de modo a
privar as partes com as quais celebraram contratos dos seus direitos no âmbito desses contratos» (1981:
55-6)
60
Direito dos Recursos Naturais
A LAP, vem no art. 29º listar esses direitos acessórios dos quais se destacam:
i. «ocupar, com respeito pela lei e pelos direitos existentes, as áreas necessárias à
execução das operações petrolíferas» (art. 29/1/c);
iii. importar os bens duradouros necessários às operações (art. 29/1/d) e exportar a sua
quota da produção (art. 29/1/e).
A LAGM não prevê estes direitos acessórios de modo sistemático e apenas se refere,
para além do uso de terrenos e águas necessários às actividades mineiras (arts 12/2/f e
12/2/g, respectivamente)78: i. à exportação, sujeitando-a a «parecer prévio» do MGM
(art. 18/4) e, ii. ao «uso, transporte e armazenamento de materiais explosivos»,
estabelecendo que a correspondente licença será concedida «mediante apresentação da
licença de prospecção ou título de exploração» (art. 22/1).
Em Angola, país dotado de uma extensa ZEE, embora actualmente a Lei nº 6-A/04
regule de igual modo os recursos marinhos e os recursos biológicos de água doce (água
continentais),79 na verdade o regime dos direitos de pesca foi construído a partir do
Direito do Mar e seus desenvolvimentos.
78
. Ver o texto sobre concorrência de direitos.
79
. Ver a definição do art. 1/ 4 da LRBA.
61
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
havia restrições à pesca. A crescente escassez dos recursos biológicos marinhos e a crise
da sua renovabilidade, para além de desenvolvimentos do Direito do Ambiente, levaram
a uma diferente abordagem aos recursos e actividades com eles relacionadas e à
patrimonialização destes recursos, isto é, à sua afectação a determinados titulares de
direitos patrimoniais para evitar situações de tragédia dos bens comuns.
Aliás, como afirmam Dupuy e Vignes, a atribuição a cada estado costeiro de direitos
sobre os recursos biológicos de certas zonas do mar visou, inter alia, assegurar que
eram geridos por uma entidade com poderes para garantir o respeito pelas regras de
gestão sustentável dos recursos.80 Esse tipo de preocupações também motivaram
progressivas restrições da liberdade de pesca, em especial a sujeição destas actividades
a licenciamento de actividade. O grau mais elevado de restrições resultou da
progressivo desenvolvimento do conceito do Mar Territorial como uma zona do mar em
que o estado costeiro exerce direitos de soberania como no território nacional em terra,
com apenas algumas restrições de Direito Internacional, como as relativas ao direito de
passagem inofensiva.
80
. Dupuy-Vignes, 1991: 1013-014.
81
. Em especial, como se sabe, nos arts 61º e 62º. Ver Coelho, 2000 e 2000a.
82
. Em especial, como se sabe, nos arts 61º e 62º.
62
Direito dos Recursos Naturais
83
. Sobre a CDB, ver Coelho, 2002a.
84
. Sobre esta evolução ver, por exemplo, Proutière-Maulion, 1999: 523.
63
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Embora a natureza jurídica das quotas fosse pouco clara, como adquiriram mais
tarde uma natureza claramente patrimonial ao serem objecto de transacções onerosas
(cessão de quota de pesca), parte da doutrina considera-as hoje, nos ordenamento em
que não existe proprietário definido dos recursos biológicos do mar, «um bem móvel de
natureza incorpórea ao qual está adstrito um direito de exploração, susceptível de ser
classificado na categoria dos direitos intelectuais», porque não se trata, segundo parte da
doutrina, de vender capturas potenciais mas de uma autorização de captura. 86 Assim,
alguns autores diferenciam “direitos de acesso” (resultantes da licença de exercício de
actividade) e “direitos de exploração” (resultantes da quota).87
85
. Ver os arts 19º e 21/1 da LRBA.
86
. Proutière-Maulion, 1999: 522. Valor mobiliário com referência para coisas móveis discriminadas por
espécies e quantidades na quota.
87
. Proutière-Maulion, 1999: 519.
64
Direito dos Recursos Naturais
titulares do direito de pesca depende de estes capturarem os recursos sobre que incidem
os direitos.
Na LRBA, o acesso aos recursos biológicos aquáticos tem uma grande influência do
Direito do Mar e, por essa razão, não são referidos em detalhe os regimes comparados
dos direitos sobre recursos biológicos de águas continentais.
A LRBA distingue os direitos de pesca segundo tipos de pesca enunciados no art. 5º.
A primeira grande distinção é entre pesca comercial, ou seja com fins lucrativos, e não
comercial (art. 5/2). A pesca comercial pode ser industrial, semi-industrial e artesanal
(art. 5/3). Estes tipos de pesca são definidos, respectivamente, nos arts 1/58, 1/60 e 1/55.
Quanto à pesca não comercial ela pode ser de subsistência (definida no art. 1/57),
recreativa (definida no art.1/59), desportiva, de prospecção e de investigação (esta
definida no art. 1/56).
65
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
ii. o pagamento das taxas de pesca (art. 37/1/b), do qual poderão ser isentos por
um período de cinco anos os titulares de direitos de pesca artesanal (art.
52/3);
66
Direito dos Recursos Naturais
Os direitos de pesca incidem sempre sobre uma zona de pesca (art. 61/1/d), que nos
termos do art. 89/1, são, no mar, as zonas norte, centro e sul, cabendo aos ministros das
Pescas e da Energia e Águas determinar por decreto executivo conjunto as zonas de
pesca continental (art. 89/2). Como se viu, podem ser estabelecidas restrições de pesca
nas zonas de segurança a que se refere o art. 60/4-7 da CDM, para protecção de
instalações e estruturas fixas como plataformas e ductos submarinos (art. 90º da LRBA).
67
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Para além destas divisões do Mar Territorial e da ZEE angolana em zonas de pesca,
a LRBA estabelece ainda zonas reservadas para certos tipos de pesca. Assim, o Mar
Territorial é reservado a pessoas angolanas ou estrangeiras nacionais da SADC
relativamente às quais haja reciprocidade (art. 32/2). Dadas as disparidades de posse de
meios necessários à pesca, com vista a assegura a igualdade de oportunidades, no Mar
Territorial, a zona das quatro milhas náuticas está reservada à pesca artesanal, de
subsistência, de investigação científica e recreativa (art. 33º).
Os direitos de pesca têm, na LRBA, uma duração limitada, variável segundo os tipos
de pesca. Assim, na pesca comercial os direitos têm a duração máxima de vinte anos
(art. 39/1), na pesca de investigação a duração máxima de cinco anos (art. 132/9) e na
pesca de prospecção a duração máxima de três meses, renováveis (art. 132/8).
Os direitos de pesca são direitos patrimoniais que oneram a propriedade estadual dos
recursos naturais no caso de pesca comercial e não comercial e, por essa razão, a lei fala
em concessões. Estes direitos incidem sobre reservas (mananciais) de recursos
biológicos aquáticos existentes numa dada zona, recursos esses que são móveis e de
captura aleatória.
68
Direito dos Recursos Naturais
Os direitos de pesca são transmissíveis inter vivos e mortis causa (art. 44/1), mas, no
caso de transmissão inter vivos, é necessária autorização do Ministro das Pescas e a
transmissão apenas é possível nos casos previstos no art. 44/1.
Como as quotas não podem exceder as TACs, este sistema tem como consequência
que, a partir de um dado número de titulares de direitos de pesca a operar não é
possível, sem pôr em perigo a sustentabilidade do recurso, permitir a entrada nas
actividades de pesca a empresas interessadas, pelo menos quanto às espécies cuja TAC
já está totalmente atribuída. Assim, o regime de TACs, considerado o mais adequado
para a gestão dos recursos aquáticos, tem consequência a criação das chamadas
«barreiras à entrada no mercado» e a existência, a partir de certo momento, de um dado
69
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
número de empresas. Por essa razão, o art. 22/3 da LRBA, sobre os critérios de fixação
de quotas de pesca, estabelece que a quota de cada titular nunca pode ter como
consequência uma quota de mercado em percentagem superior à que vier a ser definida
em regulamento.
As quotas são transmissíveis com os direitos de pesca (art. 44/2), mas o Ministro das
Pescas pode autorizar a transmissão parcial ou temporária da quota no caso de
diminuição da capacidade de pesca do titular dos direitos por venda de embarcações ou
por paralização por avaria (art. 44/3). A quota pode ainda servir como garantia de
créditos, mediante autorização do Ministro das Pescas (art. 44/4/b). Daí decorre a sua
natureza de valor patrimonial com um certo grau de separação em relação aos direitos
de pesca, mesmo onde os recursos biológico aquáticos não são res nullius.
No regime de «limites de esforço de pesca» (arts 25º ss.), o controlo da captura dos
recursos com vista a assegurar a sua sustentabilidade não é feito directamente pelo
controlo das quantidades e espécies a capturar num dado período, mas pelo controlo
indirecto da capacidade de pesca. Assim, são definidas:
iv. tempo de pesca autorizado, ou seja x horas dia ou y dias mês (art. 26/1/f); e
v. artes de pesca a utilizar, pois destas depende também o volume das capturas
(art. 26/1/e).
70
Direito dos Recursos Naturais
Como se viu, os recursos naturais têm, em geral, usos múltiplos que poderão
eventualmente estar em conflito e suscitar questões de interesse público. Ora numa
mesma área podem encontrar-se os mais diversos recursos naturais susceptíveis de
aproveitamento económico. Sobre esses diversos recursos naturais podem recair direitos
de diferente natureza mas igualmente válidos de distintos titulares.
Por exemplo, pode tratar-se de área em que existem recursos naturais essenciais para
a sobrevivência de comunidades que aí vivem em economia de subsistência ou que, no
actual ordenamento angolano, são titulares do domínio útil consuetudinário, mas onde é
necessário, dada a sua importância para o desenvolvimento económico, realizar
actividades mineiras que poderão perturbar o exercício, pelos seus titulares, de direitos
sobre outros recursos naturais.
As formas como o direito resolve estes conflitos têm vindo a evoluir no sentido de
cada vez maior atenção aos direitos de comunidades residentes nas áreas em que se
encontram recursos naturais, incluindo a consideração de interesses tutelados em termos
de direito costumeiro dessas comunidades.
Hoje, parte de potenciais conflitos de direitos sobre recursos naturais são prevenidos
através do ordenamento do território, que estabelece os fins a que deve obedecer a
utilização dos diferentes terrenos, prevendo a legislação específica de recursos naturais
obrigações de respeito dos planos pelos titulares de direitos sobre os diferentes recursos
naturais.
88
. Adaptado dos textos de Direito dos Recursos Naturais, Sumário nº 2/96 e Ficha 4.6/00.
89
. ver o Capítulo III.
71
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Esta cisão dos direitos sobre terrenos e sobre os recursos naturais neles implantados
ou existentes no seu subsolo tem como consequência que possam surgir com frequência
conflitos entre direitos igualmente válidos de diferentes titulares sobre diferentes
recursos naturais. Assim, por exemplo, nada impede que sejam concedidos direitos
72
Direito dos Recursos Naturais
mineiros ou direitos sobre águas para áreas cuja superfície esteja a ser utilizada em
termos de direitos fundiários. A LAP reafirma este princípio ao estabelecer que
a atribuição de direitos relativos ao exercício das operações
petrolíferas não é, por regra, incompatível com a prévia ou posterior
atribuição de direitos para o exercício de actividades respeitantes a
outros recursos naturais ou usos para a mesma área (art. 9/1).
A. Conflito hierárquico
B. Conflito prevalente
90
. Cordeiro dá como exemplo: «coexistindo a propriedade com servidão de passagem, torna-se claro que
o primeiro direito é mais amplo. O direito de passagem exerce-se, então, integralmente em detrimento do
direito de propriedade, que só pode ser exercido na medida em que não impeça a passagem» (ob.cit.:
449).
91
. Dec. nº 32/95.
74
Direito dos Recursos Naturais
Concorrendo dois direitos iguais, prevalecerá segundo a regra prior tempore potior
jure e salvo se a lei dispuser em contrário, o direito constituído em primeiro lugar.
Cordeiro dá o exemplo de várias hipotecas sobre a mesma coisa (CC, art. 713º):
C. Conflitos de vizinhança
92
. Cordeiro acrescenta: «Assim, nos termos do artigo 1484º, n.º 1, do Código Civil, o ´direito de uso
consiste na faculdade de se servir de coisa alheia e de haver os respectivos frutos, na medida das
necessidades, quer do titular, quer da sua família´. O que quer dizer: se, por exemplo, o direito de uso
recair sobre um pomar, o usuário fará seus os frutos de que necessite; caso sobrem alguns, então o
proprietário poderá aproveitá-los. A prevalência do uso, que no seu campo específico não exclui os
poderes do proprietário, como sucederia, por exemplo, se do usufruto se tratasse, é manifesta» (loc.cit.).
75
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
encontramos em legislação específica são o art. 12/1 in fine da LAGM, e os arts 61º e
64º da LAP, sobre a unificação de concessões.
D. Conclusão
Quando houver uma situação de conflito entre direitos de natureza privada sobre
alguns recursos naturais, ele será resolvido segundo os regimes de Direito Civil
relativos a conflitos de vizinhança ou de sobreposição de direitos (Cordeiro, 1993:
420).93
93
. Sobre este tema ver, por exemplo, Cordeiro, 1993: 417 ss.
76
Direito dos Recursos Naturais
No caso de terrenos comunitários que não podem ser objecto de concessão (art.
37/3) é necessária, antes da sua concessão para fins de exploração de, por exemplo,
minerais, é necessária a sua desafectação pelo Estado (art. 37/4).
77
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Para além das servidões previstas no art. 27/9 e decorrentes da legislação específica
de certos recursos naturais, a LT prevê a constituição de servidões de passagem
relativamente a certos usos de terrenos por comunidades rurais como, por exemplo,
acesso a fontes de água ou a vias de comunicação (arts 56/h e 1/l). As servidões de
passagem para acesso à água vêm também previstas na LA (art. 31º), sendo titulares
deste direito todos os tipos de utilizadores de águas.
11.3. Conflitos entre direitos mineiros e direitos sobre outros recursos naturais
78
Direito dos Recursos Naturais
Já foi atrás dito que, em termos gerais, algumas legislações atribuem ao titular dos
direitos mineiros o direito de uso da superfície necessária às actividades mineiras, quer
de terrenos públicos quer privados, entendendo-se que os direitos mineiros prevalecem
sobre outros direitos, sem prejuízo de pagamentos que se mostrem devidos aos titulares
da propriedade ou de outros direitos sobre os terrenos em causa.95 Os regimes nestas
situações são muito variados.
94
. Referindo-se à equiparação da expropriação por utilidade pública com a figura da ‘venda forçada’
Cordeiro discorda deste conceito porquanto «a compra e venda é um negócio jurídico de tipo contratual,
dominado pelos princípios gerais do direito civil e sob império da autonomia da vontade que se coloca
muito longe da expropriação por utilidade pública» (1993: 559).
95
. Ver, por exemplo, Ndulu, 1987: 171-73 e 175, sobre a legislação zambiana.
96
. Lei nº 93-16 , sobre a Lei de Minas.
97
. Por despacho conjunto do Ministro das Minas e do Ministro competente em matérias de terras.
79
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
relacionadas» tanto no interior como no exterior da área em causa (art. 113º). Caso não
obtenha autorização do proprietário, o titular dos direitos mineiros pode obter uma
autorização especial conjunta do Ministro do Património Imobiliário e das Minas e, em
último caso, a expropriação por utilidade pública. Todas as despesas decorrentes da
aplicação destas disposições são por conta do titular dos direitos mineiros (arts 115º e
116º), mas
quando a ocupação de terrenos prive o proprietário ou o titular de
direitos fundiários costumeiros do gozo do solo durante mais de um
ano ou quando depois da execução dos trabalhos (mineiros), os
terrenos ocupados deixem de ser adequados a culturas, os
proprietários ou os titulares de direitos fundiários costumeiros podem
exigir do titular da autorização (para exercício de actividades
mineiras) a aquisição do solo. As parcelas de terras muito danificadas
ou degradadas numa grande parte da superfície devem ser adquiridas
na sua totalidade se o proprietário ou o titular dos direitos fundiários
costumeiros assim o exigir. Qualquer terreno adquirido nestes termos
é sempre avaliado no dobro do valor que tinha antes da ocupação (art.
116º).
Para além desta “compra forçada”, o titular dos direitos mineiros tem de indemnizar
por todos os danos que as suas actividades causem ao titular da propriedade do solo,
mas a indemnização referir-se-á apenas ao valor do dano emergente (cit. lei, art. 117º).
98
. Lei nº 33/1992.
99
. Minerals Ancillary Rights Commission.
80
Direito dos Recursos Naturais
100
. O processo a seguir na constituição de servidões e na expropriação vem regulado nos arts 246º-250º
da mesma lei.
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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Além disso, o art. 12/2/f impõe como cláusula obrigatória do contrato de concessão
(do direito de exploração) uma cláusula que regule
as formas e meios de assegurar a utilização pelo concessionário dos
terrenos necessários às actividades mineiras e à implementação das
instalações, edifícios e equipamentos.
Decorre destas duas disposições que a concessão dos direitos de exploração não tem
como efeito a concessão de qualquer direito sobre a superfície do solo correspondente à
dimensão de jazidas e estruturas no subsolo, devendo os direitos relativos ao uso da
superfície serem regulados no contrato de concessão.
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Direito dos Recursos Naturais
O art. 11/2 estabelece pois apenas o princípio geral de que a atribuição do direito de
exploração para jazidas no subsolo não implica como direito instrumental o direito de
superfície na totalidade do terreno correspondente à área abrangida no subsolo pelas
jazidas objecto do direito de exploração.
No art. 9/1 a LAP estabelece a regra geral sobre conflitos de direitos mineiros
relativos a petróleos e outros direitos
A atribuição de direitos relativos ao exercício de operações
petrolíferas não é, por regra, incompatível coma prévia ou posterior
atribuição de direitos para o exercício de actividades respeitantes a
outros recursos naturais ou usos para a mesma área.
101
. Ver CC, art. 1251º.
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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
Esta regra da LAP refere-se não só a direitos sobre solos, mas também a direitos
sobre recursos hídricos e florestais e, ainda, no caso de actividades realizadas no mar
(offshore), aos direitos de pesca.
Mas se houver «incompatibilidade» no exercício dos diferentes direitos que recaem
sobre os terrenos, cabe ao Governo decidir
sobre quais os direitos que devem prevalecer e em que condições, sem
prejuízo das compensações que se mostrarem devidas (art. 9/2).
No que respeita a direitos sobre águas, a LA tem uma abordagem preventiva aos
conflitos entre direitos mineiros e direitos sobre recursos hídricos, ao exigir que antes da
concessão de direitos mineiros seja concedida uma licença de uso privativo de águas
(art. 25/6), disposição que se aplicará à fase da exploração ou produção (infra). De
referir que a LA impõe a compatibilização dos prazos e «demais requisitos» previstos
nos dois instrumentos de concessão de direitos sobre estes diferentes recursos naturais
propriedade do estado.
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Direito dos Recursos Naturais
85
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado
exercidos na mesma área direitos mineiros para diferentes minerais, devendo então
aplicar-se a doutrina do art. 335º do CC.
Quer a LAGM quer a LAP tratam de situações em que possam advir conflitos de
vizinhança. Com efeito, o exercício de direitos mineiros e instrumentais por um titular
pode afectar o exercício de direitos em áreas vizinhas. Haverá então conflitos de
vizinhança prevendo algumas legislações formas de os solucionar.
causarem danos, podendo os titulares dos direitos afectados pelas servidões usar essas
construções mediante pagamento de uma «compensação fixada pelas autoridades
mineiras no caso de as partes não chegarem a acordo (sobre o seu montante)» (art.
79/5), e iii. «inspeccionar as instalações e infra-estruturas de (titulares de) direitos
mineiros contíguos ou em colisão» quando suspeite que o estado deficiente dessas
construções ou trabalhos que neles estejam a ser realizados possa perigar, por
inundações ou incêndios, a segurança de pessoas e instalações na área de que é titular
(art. 79/10).
Por fim, algumas entidades ou o público em geral, entre eles os titulares de diversos
direitos em áreas contíguas à da concessão podem ter, por força de lei ou acto
administrativo, direitos de uso de instalações e infra-estruturas situadas dentro da área
de uma concessão pelo titular de direitos mineiros nessa área.
11.4. Conflitos entre direitos sobre recursos hídricos e direitos sobre outros
recursos naturais
102
. No mesmo sentido, «As vias de comunicação ou linhas eléctricas criadas pelo titular (de direitos
mineiros) podem, quando daí não resulte qualquer obstáculo para a instalação e mediante o pagamento de
uma indemnização justa, ser utilizadas para serviço dos estabelecimentos vizinhos se eles os solicitarem e
eventualmente podem ser abertos ao público» (art. 116º, fine, do Código Mineiro do Níger).
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Direito dos Recursos Naturais
Aliás, em casos de força maior, a lei prevê a requisição de águas sujeitas a usos
privativos para fins de uso comum mas apenas enquanto permanecer a situação de força
maior (art. 30/1), havendo lugar à indemnização do titular de direitos de uso privativo
(art. 30/3).
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