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Direito dos Recursos Naturais

UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO

DIREITO DOS RECURSOS NATURAIS

Antonieta Coelho

Sumário desenvolvido 10/061

Direitos sobre recursos naturais propriedade do Estado

Neste sumário são vistos os direitos que, no ordenamento angolano, se constituem


sobre recursos naturais propriedade do Estado. Trata-se, portanto, de direitos sobre coisa
alheia, embora haja dúvidas sobre a natureza do domínio útil sobre terrenos.

Nestes direitos, no quadro actual do Direito de Recursos Naturais angolano, parte da


doutrina distingue entre direitos reais administrativos (direitos de particulares sobre
bens do domínio público) e direitos reais seguindo o regime comum.

É ainda muito cedo para se tecerem considerações sobre as implicações das leis de
Terras, do Ordenamento do Território e das Actividades no Direito de Recursos
Naturais angolano, até porque nenhuma está regulamentada.

Assim, neste primeiro texto sobre os novos direitos reais menores que recaem sobre
os recursos naturais propriedade do Estado é apenas feita uma síntese dos novos
regimes jurídicos.

1
. Este texto destina-se exclusivamente aos estudantes de Direito dos Recursos Naturais da Faculdade de
Direito da Universidade Agostinho Neto no ano lectivo 2006-2007. Não pode ser reproduzido sem
autorização da autora. A reprodução não autorizada do texto constitui violação de direitos de autor
punível nos termos da Lei nº 4/90.

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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

10.1. Direitos sobre terras

Os direitos sobre terras propriedade do Estado obedecem ao princípio da


taxatividade (LT arts 4/d e 8º), estabelecendo a Lei de Terras que são nulos os negócios
jurídicos que constituam direitos fundiários diferentes dos previstos na lei.

Os direitos fundiários são, na definição da Lei de Terras,


direitos que recaem sobre os terrenos integrados no domínio privado do Estado e de
que sejam titulares quer as pessoas singulares, quer as pessoas colectivas de direito
público e de direito privado (art. 1/g).

Dado o princípio da taxatividade, no art. 34/1 discriminam-se quais são os direitos


fundiários:2

a) Direito de propriedade (arts 35º e 36º);

b) Domínio útil consuetudinário (art. 37º);

c) Domínio útil civil (art. 38º);

d) Direito de superfície (art. 39º);

e) Direito de ocupação precária (art. 40º), aplicável expressamente, inter alia, à


prospecção mineira (art. 40/1/b).

Trata-se de direitos que vão onerar o direito de propriedade do Estado sobre bens do
seu domínio privado.3 Contudo, o art. 40/3 da LT estabelece que um direito fundiário, o
direito de ocupação precária pode ter por objecto terras do domínio público do Estado,
desde que «a natureza destas o permita».

O disposto nos arts 10/1 e 10/4 da LT implica a separação dos regimes dos recursos
naturais implantados nesses terrenos do domínio privado porquanto, como se viu, os
restantes recursos naturais integram o domínio público sendo alguns deles qualificados
como tal em leis especiais, como a LA, a LAP e a LRBA. Assim, a concessão de um

2
. Esta definição de direitos fundiários, referida apenas aos terrenos propriedade do Estado, apenas é
justificada pelas características próprias dos regimes de recursos naturais em Angola porque, em termos
gerais, direito fundiário é todo o direito que tem por objecto solos.
3
. Domínio privado e domínio público vêm, como se viu, definidos nos arts 1/e e 1/d da LT,
respectivamente.

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Direito dos Recursos Naturais

direito fundiário não implica a aquisição de qualquer direito, para além do fundiário,
sobre os recursos naturais que se encontrem na área concedida (LT, art. 10/4).

Para além disso, a LT afirma no art. 3/2 não ser aplicável às terras que não possam
ser objecto de direitos privados, incluindo «os terrenos do domínio público».

10.1.1. Objecto dos direitos fundiários

Todos os direitos sobre recursos naturais têm, historicamente dada a sua construção
a partir de direitos sobre terras, a referência a uma área delimitada.

Na Lei de Terras, como se viu, o art. 1/j define terras como o mesmo que terrenos.
Um terreno é
parte delimitada do solo, incluindo o subsolo e as construções nele existentes que não
tenham autonomia económica, a que corresponda ou possa corresponder um número
próprio na matriz predial respectiva e no registo predial (art. 1/k)

A integração do subsolo nos terrenos leva a que este tenha dois regimes jurídicos de
acordo com a sua composição (por exemplo, jazidas de minerais) e, essencialmente, os
fins do seu uso. Se este visa, por exemplo, a exploração de minerais ou águas, partes do
subsolo com autonomia económica, aplica-se o regime do domínio público do Estado.
Se o subsolo serve para construções subterrâneas como, por exemplo, um parque de
estacionamento de um prédio, passa a ser um «terreno» e os direitos que incidem sobre
essas partes do subsolo são os previstos na LT. Assim, o que constitui o domínio
privado do Estado são as partes do subsolo que não contêm minerais exploráveis e
águas, que são utilizáveis, por exemplo, para construções.

O solo é definido como a


camada superficial da terra sobre que recai a propriedade originária do Estado e
destinada ao aproveitamento útil, rural e urbano, através da constituição de um dos
diversos tipos de direitos fundiários previstos na presente lei» (art. 1/h).

A Lei de Terras distingue entre diversos tipos de terrenos, dependendo o regime


jurídico do terreno da sua classificação «em função dos fins a que se destinam» (art.
19/1). Para além da distinção jurídica entre terrenos do domínio público e do domínio
privado (art. 5º), a lei estabelece um segundo tipo jurídico que são os terrenos
concedíveis e não concedíveis (arts 19/2 e 20º). No art. 20/1 a lei prevê que são
concedíveis «os terrenos de que o Estado tenha a propriedade originária» e que «não
tenham entrado definitivamente na esfera privada de outrem».
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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Os terrenos comunitários e do domínio público não são concedíveis e não é


aplicável a estes últimos o regime da Lei (arts 19/7 e 3/2, respectivamente). Quanto ao
domínio comunitário é necessária, para a sua concessão, a «desafectação» nos termos do
art. 37/4-5. Este prevê três condições para que um terreno comunitário possa ser
desafectado deste domínio:

a) Que sejam ouvidas previamente as instituições do poder tradicional (art. 37/4);

b) Que os terrenos sejam livremente desocupados pelo seus titulares de harmonia


com as regras consuetudinárias (art. 37/5);

c) Que sejam outorgados outros terrenos aos membros da comunidade em causa


(art. 37/4).

Para além disso, a lei prevê a classificação dos terrenos concedíveis em urbanos e
rurais (art. 19/3), tendo por referência a legislação de ordenamento do território (LT, art.
19/6). A LOT estabelece no art. 35/1/a que uma das operações de ordenamento do
território é a classificação e qualificação de terrenos.

Define classificação dos terrenos como a «operação de ordenamento que determina


o destino e regime básico dos solos» (art. 36/2). No mesmo artigo, a LOT estabelece
que a distinção básica é entre terrenos urbanos (LT, arts 19/4 e 21º) e rurais (LT, arts
19/5 e 22º).

A qualificação é a operação de ordenamento que, partindo da classificação básica,


«define e regula a aptidão natural e específica dos solos rurais em função das suas
aptidões agrárias ou mineiras» bem como as funções dos solos urbanos «em razão da
actividade dominante que neles possa ser exercida» (LOT, art. 36/3).

O regime dos diferentes terrenos é assim definido em função das opções do


ordenamento territorial. Em consequência, para se saber que regimes específicos da LT
são aplicáveis é necessário, em primeiro lugar, consultar os instrumentos de
ordenamento.

Por essa razão, a LOT exige a publicidade dos instrumentos de ordenamento pela
sua publicação no DR (art. 60/2) ou, no caso de planos municipais, em edital (art. 60/3)
e ainda pelo registo predial (art. 60/1). Para além disso, os particulares têm direito à

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Direito dos Recursos Naturais

informação sobre os planos territoriais,4 tanto na fase de elaboração como após a sua
aprovação, podendo consultá-los e obter cópias e certidões de peças documentais desses
planos (LOT, art. 53º).

A classificação dos terrenos em urbanos e rurais é importante não só porque todos


os titulares de direitos fundiários devem respeitar as disposições do ordenamento do
território, mas também devem utilizar os terrenos para os fins previstos no ordenamento
(LT, arts 56/d, 56/c e 18/1 e LOT, arts 52/2 e 36º). Para além disso, o regime da
transmissão por compra e venda da propriedade de terras pelo Estado só é aplicável aos
terrenos urbanos (LT, arts 6/1 e 35/2).

Os terrenos urbanos dividem-se (LT, art. 21/1) em terrenos urbanizados, cujos fins
estão definidos nos planos urbanísticos (art. 21/2), terrenos de construção, ou seja
terrenos urbanizados que se destinam, após loteamento,5 à construção de edifícios (art.
21/3) e terrenos urbanizáveis (art. 21/4).

Quanto aos terrenos rurais podem ser, segundo os seus fins ou o seu regime jurídico
(LT, art. 22/1), comunitários (arts 22/2 e 23º), agrários (arts 22/2 e 24º) e nestes de
regadio ou de sequeiro (art. 45/5), florestais (art. 22/4), de instalação (art. 22/5 e 25º) e
viários (arts 22/6 e 26º).

Uma outra categoria são os terrenos reservados para fins especiais, que implicam a
exclusão do seu aproveitamento por particulares (art. 27/1). A lei divide os terrenos
reservados em reservas totais e parciais (art. 27/3). Este tipo de terrenos inclui as áreas

4
. Os planos territoriais (PTs) são instrumentos de ordenamento do território com o «objectivo directo»
de assegurar a «ordenação da ocupação e uso dos espaços compreendidos no território» (LOT, arts 2/d e
28/1). São de âmbito nacional, provincial e municipal (arts 26/1 e 28/2), podendo ainda ser planos
especiais (LOT, art. 28/3/a) e planos sectoriais (LOT, art. 28/3/b). Os PTs podem ainda ser classificados
em planos de ordenamento rural e planos urbanísticos (art. 28/4).
5
. Loteamento, uma operação de urbanística nos termos do art. 41/1/b da LOT. É definido no art. 54/1 da
LT como «a acção que tenha por objecto ou por efeito a divisão de terrenos urbanizáveis em um ou mais
lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana de harmonia com o disposto nos
planos de urbanização ou na sua falta ou insuficiência, com as decisões dos órgãos autárquicos
competentes». O «lote» é «a unidade autonomizada de terreno resultante da operação de loteamento» (art.
54/2). Salvo nos casos de operações de loteamento de terrenos integrados no domínio privado das
autarquias, «o loteamento é aprovado por alvará emitido pela autarquia local, mediante prévio
requerimento dos particulares interessados» (art. 54/4).

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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

de protecção ambiental referidas no art. 14º da LBA onde se realiza, entre outros
objectivos, a conservação in situ de recursos biológicos.6

As reservas totais visam, inter alia, a protecção do meio ambiente, a preservação de


monumentos ou de locais históricos, a defesa e segurança nacionais e a promoção do
povoamento ou do repovoamento (art. 27/5)

Nas reservas totais não é permitida «qualquer forma de ocupação ou uso» salvo as
exigidas pelo fim a que a reserva se destina (art. 27/4).

Nas reservas parciais são «permitidas todas as formas de ocupação e uso desde que
não colidam com os fins» da reserva (art. 27/6). A lei prevê reservas parciais no art.
27/7, das quais se destacam:
a) O leito das águas interiores e do mar territorial bem como a plataforma
continental (als a) e b);
b) A faixa da orla marítima e do contorno de ilhéus, baías e estuários (al. c);7
c) A faixa de protecção junto a nascentes de água bem como de contorno de lagoas
e albufeiras (als d) e e).8

A LT descreve no art. 3/1 alguns dos fins do uso de terrenos sobre os quais se irão
constituir direitos fundiários: «fins de exploração agrícola, pecuária, silvícola, mineira,
industrial, comercial, habitacional, edificação urbana ou rural, de ordenamento do
território de protecção do ambiente e de combate à erosão dos solos».

Por fim, a LT estabelece limites de áreas dos terrenos objecto de direitos fundiários.
Assim, nos terrenos urbanos a área máxima é de dois hectares e nas zonas suburbanas
de cinco hectares (art. 43/1). Para evitar a criação de latifúndios e consequente escassez

6
. CDB, art. 8/a-b.
7
. Nos termos do Dec. nº 4/01, as «faixas de protecção» marítimas e nas águas continentais (interiores)
abrangem as águas, os seus leitos e margens (art. 3/1, por referência para os planos de ordenamento).
Estas faixas podem ser «zonas de protecção terrestre» e «zonas de protecção marítimas» (art. 3/2). As
zonas terrestres têm como limite máximo 500 metros, contados a partir da «linha que limita a margem das
águas» (cit. art.). As zonas de protecção marítima têm como limite máximo 30 metros (cit.art.).
8
. Lei de Águas, art. 71º, relativamente à classificação como áreas de protecção das «zonas adjacentes às
nascentes de águas e poços, os locais e respectivas áreas adjacentes onde se instalem captações de água
para consumo, sujeitas a licenciamento ou concessão, as margens dos lagos artificiais e respectivas áreas
adjacentes». A Lei estabelece proibições de certos usos desses terrenos como a construção de habitações,
a instalação de estabelecimentos comerciais e industriais ou de sepulturas de pessoas ou animais (art.
71/3).

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Direito dos Recursos Naturais

de terras, a área máxima dos terrenos rurais é de dez mil hectares. Mas a lei estabelece
também, no caso destes terrenos, um limite mínimo de dois hectares (art. 43/2), para
evitar a parcelização de terrenos que leve, inter alia, a que a sua exploração não seja
suficiente para assegurar o mínimo de existência, a dignidade social e o direito ao
desenvolvimento das famílias rurais.9

Contudo, a Administração Pública pode autorizar a concessão de áreas superiores


aos limites máximos. No caso dos terrenos urbanos, tal competência é do Ministro que
superintende o cadastro (art. 43/1/c). No caso dos terrenos rurais, cabe ao CM autorizar
a concessão de direitos fundiários para áreas superiores (art. 43/3).

O facto de uma pessoa singular ou colectiva ser titular de direitos fundiários para um
terreno com a área máxima não significa que não possa ser titular de direitos para outras
áreas. Assim, o art. 44º apenas exige, para a transmissão e constituição de novos direitos
fundiários a favor de pessoa já titular de direitos para outras áreas, que seja feita «prova
do aproveitamento útil e efectivo dos terrenos concedidos».

De qualquer modo, de acordo com o princípio da capacidade adequada (infra), «a


área dos terrenos a conceder não pode exceder em 1/3 a superfície correspondente à
capacidade de trabalho do explorador directo e sua família» (art. 7/3). O art. 45/3
estabelece como excepção a esta regra, no caso de terrenos rurais
os projectos de aproveitamento agrícola, pecuário ou silvícola de terrenos agrários ou
florestais cuja área não exceda em 10% a superfície mínima correspondente à
unidade de cultura fixada para cada zona do País.

A área da unidade de cultura é fixada por regulamento «em função das zonas do
País e do tipo de terreno» (art. 45/4). Os limites dos terrenos urbanos são fixados pelos
forais,10 planos urbanísticos e operações de loteamento (art. 52º).

Quanto aos terrenos comunitários, a lei não estabelece limites, porque os limites de
área referidos no art. 43/2 se aplicam apenas a terrenos objecto de contrato de
concessão. Assim, a delimitação dos terrenos comunitários é feita segundo critérios

9
. Alvarenga, 1995: 67.
10
. Foral é definido no art. 1/f da LT como o «título aprovado por diploma do governo pelo qual o Estado
delimita a área dos terrenos integrados no domínio público do Estado e por estes concedidos às autarquias
locais para gestão autónoma».

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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

relacionados com o seu aproveitamento útil e efectivo (art. 37/1), como decorre também
da definição do art. 1/c, por uma comunidade rural. São terrenos
Utilizados por uma comunidade rural segundo o costume relativo ao uso da terra
abrangendo, conforme o caso, as áreas complementares para a agricultura itinerante,
os corredores de transumância para o acesso do gado às fontes de água e as pastagens
e os atravessadouros, sujeito ou não ao regime de servidão, utilizados para aceder à
água ou às estradas ou caminhos de acesso aos aglomerados urbanos (art. 23/1).

A lei dispõe ainda, quanto aos terrenos comunitários, que a sua delimitação e
definição do seu aproveitamento «deve obedecer ao disposto nos correspondentes
instrumentos de ordenamento do território» (art. 51/1), impondo que no correspondente
procedimento sejam consultadas as «autoridades administrativas, instituições do poder
tradicional e famílias da comunidade rural afectada» (arts 51/2 e ainda 23/2).

10.1.2. Requisitos subjectivos dos titulares de direitos fundiários

Salvo no caso do domínio útil consuetudinário (corpo do art. 42º), os direitos


fundiários podem ser concedidos a pessoas singulares ou colectivas (art. 34/1). São
enumeradas no art. 42º as categorias de pessoas que podem ser titulares desses direitos.
Nestas incluem-se pessoas singulares e colectivas nacionais, estrangeiras ou
internacionais e de natureza pública, privada ou cooperativa.11

Relativamente às pessoas de direito público estrangeiras, a lei exige que, para a


concessão de direitos fundiários, a sua «capacidade de aquisição de terrenos» esteja
prevista em acordos internacionais e que haja reciprocidade de tratamento a «entidades
angolanas congéneres» (art. 42/f).

As concessões gratuitas (ou seja, em que não há lugar à realização de qualquer


pagamento previsto no art. 57º) apenas podem ser atribuídas a pessoas que não tenham
meios para pagar as prestações devidas em cada tipo de direitos fundiários (art. 50/a) ou
a «instituições de utilidade pública reconhecida que prossigam a realização de fins de
solidariedade social, culturais, religiosos ou desportivos» (art. 50/b).

11
. Nos termos do art. 2/2 da Lei das Sociedades Comerciais (Lei nº 1/04) as cooperativas são sociedades
comerciais e, por isso, a sua titularidade de direitos fundiários vem contemplada no art. 42/c da LT
(«pessoas colectivas de direito privado»).

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Direito dos Recursos Naturais

Como se viu, apenas pessoas singulares de nacionalidade angolana podem adquirir a


propriedade de terrenos urbanos concedíveis do Estado (art. 35/2). A LFEPA estabelece
que as pessoas angolanas têm um direito preferência na concessão de direitos sobre
recursos naturais (neste caso, em especial, nos termos do art. 31/c da LFEPA).

A Lei de Terras estabelece como requisito da concessão de direitos fundiários a


capacidade adequada (art. 45/1), que decorre do princípio do aproveitamento útil e
efectivo consagrado no art. 7º da Lei. Assim, por exemplo, como se viu, a área dos
terrenos a conceder deve corresponder à capacidade de trabalho do explorador directo e
sua família «para garantir o aproveitamento útil e efectivo» (arts 7/3 e 45/2).

Os índices de aproveitamento útil e efectivo são fixados nos instrumentos de


ordenamento do território tendo em consideração, inter alia,
O fim a que o terreno se destina, o tipo de cultura aí praticado e o índice de
construção (art. 7/2)

10.1.3. Conteúdos positivos ou negativos comuns a todos os direitos fundiários

A Lei de Terras trata os direitos fundiários remetendo a determinação do seu


conteúdo para o CC, salvo no caso do domínio comunitário, em que a lei cria um novo
direito real bastante diferenciado do domínio útil regulado no Direito Civil. No entanto,
a lei afasta-se do conteúdo negativo dos direitos no CC, ao acrescentar obrigações dos
seus titulares para além das previstas no Código.

Ao contrário do que sucede com leis especiais sobre outros recursos naturais
propriedade do Estado, a LT não inclui no conteúdo positivo dos direitos fundiários o
direito de exercício de actividades quando este esteja por lei sujeito a autorização prévia
da Administração porquanto os fins a que se destina o uso dos terrenos sobre os quais
recaem direitos fundiários são muito diversos.

Relativamente à transmissibilidade dos direitos fundiários, e com a excepção do


domínio útil comunitário, integra o conteúdo positivo dos demais direitos fundiários a
faculdade da sua transmissão mortis causa (art. 61/4) e inter vivos. Esta última está, no
entanto, sujeita a restrições. Assim, o art. 61/6 estabelece que para a transmissão inter
vivos é necessária a autorização prévia do concedente. Também apenas pode ter lugar
apenas após cinco anos de aproveitamento útil e efectivo do terreno, sob pena de
nulidade da transacção (cit.art.).
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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

É proibida a transmissão de direitos fundiários relativos a concessões gratuitas (art.


62/1), salvo no caso de autorização para transmissão a entidade que preencha os
requisitos exigidos para a concessão gratuita (art. 62/2).

O Estado goza de um direito de preferência, sendo o primeiro preferente legal, na


transmissão por acto entre vivos de direitos fundiários por venda, dação em
cumprimento ou aforamento dos terrenos concedidos (art. 61/9).

O domínio útil civil, o direito de superfície e o domínio útil consuetudinário podem


ser hipotecados (LT, arts 38/11, 39/4 e 37/8, respectivamente).

O domínio útil consuetudinário é intransmissível (art. 63/3) e impenhorável (art.


63/4). No entanto, a lei permite que os terrenos comunitários sirvam para garantia de
empréstimos bancários, desde que estes tenham sido contraídos pela comunidade «com
vista ao aproveitamento útil e efectivo do terreno concedido» (art. 63/4).12

No caso de expropriação por utilidade pública os titulares de direitos fundiários têm


o direito de receber uma «indemnização justa» (LT, art. 12/3, LOT, art. 20/4).

Quanto ao conteúdo negativo dos direitos fundiários, a nova legislação apresenta


duas novidades relativamente ao regime aplicável do CC. Em primeiro lugar, na LOT é,
como se viu, enfatizada a função social dos direitos fundiários no art. 9/2. Na Lei de
Terras, o art. 18º, sob a epígrafe «limites ao exercício dos direitos fundiários»,
estabelece que este está «subordinado ao fim económico e social que justificou a sua
atribuição» (art. 18/1). Os titulares de direitos fundiários não devem, portanto, utilizar o
terreno para fim diverso daquele a que se destina (art. 56/c) nem exceder os limites
impostos pelo fim económico e social do direito fundiário em causa (art. 56/g). Sempre
que alguém exceder estes limites, o art. 18/2 da LT manda aplicar aos direitos fundiários
a regra sobre abuso de direito do art. 334º do CC. Neste caso, para além da sanção
prevista no art. 64/d da Lei de Terras (extinção do direito), outras consequências
sancionatórias serão a «eliminação dos efeitos do acto abusivo»,13 podendo qualquer

12
. Sobre se se trata de empréstimos contraídos pela comunidade ou pelas famílias ver a subsecção 10.1.5,
pois a lei fala em «titular» evitando referir-se a comunidade e deixando aberta a possibilidade de se tratar
de dívidas de famílias rurais.
13
. Prata, 1992: 11.

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Direito dos Recursos Naturais

lesado requerer «o exercício moderado, equilibrado, lógico e racional do direito»,14 e a


obrigação de indemnizar.

O art. 56º da LT concretiza aspectos da função social dos direitos fundiários


prevendo obrigações de facere e non facere e de dare. Estabelece que todos os seus
titulares devem promover o aproveitamento útil e efectivo do terreno de acordo com os
índices referidos no art. 7/2 (art. 56/b), cumprindo as normas do ordenamento do
território e os planos urbanísticos, bem como de protecção do ambiente (arts 56/d e 56/f,
respectivamente) e utilizando o terreno de modo a salvaguardar a sua capacidade de
regeneração e dos recursos nele existentes (art. 56/e). Os direitos fundiários estão ainda
limitados por servidões, em especial de passagem de comunidades rurais, 15 que incidam
sobre o terreno (art. 56/h). Os titulares de direitos fundiários têm ainda obrigações de
prestação de informação, devem fornecer as informações solicitadas pelas autoridades
sobre o aproveitamento útil e efectivo dos terrenos (art. 56/i).

O aproveitamento útil e efectivo, elemento nuclear da função social dos direitos


fundiários, é condição para atribuição de novas concessões a pessoas que já sejam
titulares de direitos fundiários (art. 44º) e, ainda, para a aquisição da propriedade por
remição do foro no domínio útil civil (art. 38/8).

Relativamente ao pagamento ao Estado pelo uso de terrenos sua propriedade, a LT


estabelece o princípio da onerosidade das concessões (art. 47/1), que reflecte o princípio
geral do utilizador pagador, salvo no caso das concessões gratuitas previstas no art. 50º
(art. 47/2). Assim, os titulares de direitos fundiários devem ainda pagar
tempestivamente as prestações devidas (art. 56/a).16 O art. 47/3-5 refere os critérios para
a determinação destes pagamentos.

Como regra, em todos os direitos relativos a imóveis, há lugar a devolução da área


(do terreno) após extinção do direito. Mas no Direito de Recursos Naturais, dada a
aplicação de normas relativas a certos usos de terrenos (usos obrigatório, usos
proibidos) ou a cumprimento de obrigações de conservação do recurso, o titular do

14
. Pires de Lima e Varela, 1967: 217.
15
. Ver o art. 23º.
16
. Prestações essas reguladas nos arts 47º e 57º e sujeitas às excepções previstas nos arts 37/6 e 50º.

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Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

direito extinto deve entregar o terreno num dado estado, aferido em função da sua
utilização para o fim para o qual o direito foi concedido e tendo em consideração o
cumprimento das normas ou disposições contratuais aplicáveis.

Tendo em consideração o art. 13/4 da LDS, como regra os direitos fundiários são
temporários (art. 55/1/c-e). As únicas excepções à temporalidade dos direitos fundiários
na Lei de Terras, que derivam do CC, são a propriedade e o domínio útil civil ou
comunitário (art. 55/1/a-b). No caso de direitos temporários, o art. 55/2 prevê que o
contrato se renove automaticamente por períodos sucessivos se nenhuma das partes o
denunciar nos termos estabelecidos no contrato.

10.1.4. Propriedade

O art. 34/1/a integra nos direitos fundiários o direito de propriedade do Estado sobre
terras do domínio privado e o art. 35/1, sob a epígrafe «propriedade privada» manda
aplicar à propriedade estadual o regime do CC, para além das «disposições especiais
contidas na presente lei e nos seus regulamentos». Contrariamente à definição do art.
1/e, ao domínio privado aplicar-se-ão, portanto, regras de direito público e de direito
privado, tal como, aliás, refere parte da doutrina.17

Tem interesse referir aqui especialidades da propriedade de terrenos urbanos que


sejam comprados ao Estado ou adquirida por remissão do foro. Trata-se de uma
propriedade sob condição,18 resolúvel administrativamente se o adquirente não
promover o aproveitamento útil e efectivo, de acordo com índices aprovados, no prazo
de três anos seguidos ou seis interpolados (art. 48/3). Neste caso, o adquirente pode
exigir a restituição do preço pago mas sem qualquer actualização (art. 48/4).

Este direito de propriedade está ainda sujeito a restrições pois só pode ser
transmitido pelo adquirente após 5 anos de aproveitamento útil e efectivo do terreno e

17
. Por exemplo, Pinto Duarte afirma que «O referido art. 1304 não pode ser entendido como
estabelecendo um princípio de aplicabilidade das regras de Direito Privado à propriedade pública; tem de
ser entendido (de resto conformemente à letra do preceito) como estabelecendo que essas regras se
aplicam apenas subsidiariamente à propriedade pública e sempre sob reserva de demonstração de
inexistência de contradição de naturezas normativas» (2002: 33).
18
. Ver o art. 1307º do CC.

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Direito dos Recursos Naturais

mediante autorização do concedente (art. 48/5). O Estado tem um direito de preferência


no caso de venda destes terrenos (art. 61/9).

Para além disso, aplica-se ao uso destes terrenos a regra geral de respeito pelas
disposições de ordenamento do território quanto à transformação e utilização dos
terrenos (LT, art. 36/4).

10.1.5. Domínio útil civil

O art. 38º da Lei de Terras prevê que um dos direitos que podem constituir sobre
terrenos urbanos e rurais do Estado é o domínio útil civil (art. 38/3), e remete o seu
regime para os arts 1491º a 1523º do CC (art. 38/2).

Como se sabe, na enfiteuse há um desmembramento do direito de propriedade em


domínio directo (eminente) do senhorio e domínio útil do enfiteuta (CC, art. 1492º) que
será uma espécie de locação perpétua.19

A enfiteuse foi um dos expoentes das relações feudais. Em geral, os proprietários


cediam o domínio directo por falta de meios para financiar o aproveitamento do terreno
ou por razões de insegurança. O senhorio ou fornecia o capital necessário para
utilização das terras ou lhes assegurava protecção e recebia o foro. 20 A expressão
«prazo», o objecto do domínio útil, está relacionada com as propriedades feudais.

Por essa razão, a enfiteuse foi fortemente reduzida ou abolida em muitos países
depois das revoluções liberais, em especial em França depois da Revolução Francesa e o
código civil desse país não a contempla.21 Em Portugal, a enfiteuse foi abolida depois
do 25 de Abril, primeiro para prédios rústicos e depois urbanos, tendo o direito de
propriedade ficado atribuído ao enfiteuta e sendo o senhorio indemnizado.22

19
. Pinto Duarte, 2002: 198.
20
. Pires de Lima e Varela, 197., vol II, 484, Pinto Duarte, 2002: 198.
21
. Pinto Duarte, 2002: 199.
22
. Loc. Cit.

13
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Em Angola, a enfiteuse foi, segundo Guerra, «a figura central» das concessões


agrárias no período colonial.23

Para Pinto Duarte, tal como vem regulada no CC, a enfiteuse pode ser considerada
«um desmembramento tendencialmente perpétuo do direito de propriedade em dois
direitos, o domínio útil e o domínio directo».24 No entanto, parte da doutrina considera
que o domínio directo é tão reduzido e o domínio útil tão intenso que não se pode
considerar a enfiteuse um ius in re aliena, sendo mais adequado falar em duas
propriedades imperfeitas, ou mesmo considerar o enfiteuta como o proprietário. Outros
autores, rejeitando a concepção de duas propriedades sobre o mesmo objecto,
argumentam que a relação entre o senhorio e o enfiteuta é uma relação de condomínio,
posição rejeitada por Pires de Lima e Varela devido à diferença de conteúdo dos direitos
do senhorio e do enfiteuta daqueles do condómino.25

O enfiteuta tem os direitos previstos no art. 1501º do CC que, para Pires de Lima e
Varela,26 não contem uma enumeração taxativa. Destes direitos destacam-se usar e fruir
o prédio como coisa sua (al. a), o que inclui, segundo parte da doutrina, toda a gama de
poderes de tomada de decisão, em especial quanto à administração desses bens,
próximos da propriedade, incluindo alterando a forma e substância da coisa e
modificando o seu destino económico, por exemplo, transformando um prédio rústico
em prédio urbano.27 Mas na Lei de Terras, como se viu, os direitos fundiários têm um
conteúdo negativo comum, para além das obrigações decorrentes do CC. Sendo,
portanto, os arts 56º e 18º da LT, em especial, aplicáveis ao domínio útil civil, é
afastada a plenitude da propriedade do conteúdo positivo deste direito. Ou, por outras
palavras, a remissão da LT para o art. 1501º do CC (art. 38/1) não implica um conteúdo
positivo e negativo do domínio útil civil idêntico ao do CC.

Para além do direito de usar e fruir a coisa como sua, o enfiteuta tem os seguintes
direitos:

23
. 2002: 115. Ver ainda a síntese relativa aos direitos fundiários no período colonial (ob.cit.: 70-73).
24
. 2002: 198.
25
. Pires de Lima e Varela, 1972: 485-86.
26
. Ob.cit.: 503.
27
. Loc.cit.

14
Direito dos Recursos Naturais

a) Constituir e extinguir servidões ou o direito de superfície (CC, art. 1501/b), com


as restrições decorrentes, quanto a servidões do art. 56/h da LT e do art. 31º da
LA28 e, quanto ao direito de superfície, do art. 61º da LT.

b) Alienar ou onerar o seu domínio por acto entre vivos ou mortis causa (CC, art.
1501/c), incluindo negociando a constituição de direitos reais menores sobre o
prazo, incluindo direitos de garantia.29 Este direito livre transmissão está sujeito
na LT às regras do art. 61º, em especial do nº 9.

c) Preferir na venda ou dação em cumprimento do domínio directo (CC, art.


1501/d), tendo em consideração, quanto a terrenos urbanos, o art. 48/6 da LT.

d) Obter a redução do foro ou encampar o foro (é o mesmo que redução) (CC, arts
1501/e e 1509º), tendo em consideração o disposto nos arts 38/5, 47/3 e 57º da
LT.

e) Remir o foro (CC, 1501/f e 1511º) após 20 anos de duração do direito (LT, art.
38/7, 40 anos no CC, art. 1511/1).

O enfiteuta tem as obrigações constantes da LT já referidas a propósito do conteúdo


negativo dos direitos fundiários:

a) Pagamento do foro apenas em dinheiro (LT, arts 38/6, 47/3 e 57º), (no CC em
dinheiro ou géneros, arts 1502º-1505º);

b) Devolução do terreno no caso de deterioração do prédio e se tal for exigido pelo


senhorio (art. 1508º) e, como é óbvio, no caso de extinção do direito nos termos
da LT.

O senhorio, neste caso o Estado, tem os direitos previstos no art. 1499º do CC:

a) Receber o foro anualmente e o triplo quando houver foros em dívida (art.


1499/a);

28
. Parte da doutrina opõe-se à ideia de que seja possível ao titular do direito extinguir servidões,
enquanto outra parte considera tratar-se de um acto de administração do terreno (Pires de Lima e Varela,
1972: 503-4).
29
. Ob.cit: 504.

15
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

b) Alienar ou onerar o seu domínio (art. 1499/b);

c) Preferir na venda e dação em pagamento do domínio útil (CC, art. 1499/c e LT,
art. 61/8);

d) Suceder no domínio útil na falta de herdeiro (art. 1499/d).

Como se sabe o domínio útil civil é, por natureza, de duração perpétua (CC, art.
1492º), mas o enfiteuta pode unilateralmente extinguir o domínio directo exercendo a
faculdade de remição do foro (CC, art. 1511º, LT, art. 38/7), ou seja pagando o
equivalente a 10 foros (LT, art. 38/9) após 20 anos de duração do seu direito (LT, art.
38/7) e após fazer prova do aproveitamento efectivo de, pelo menos, 2/3 do terreno em
causa «juntamente com outros igualmente possuídos em propriedade ou enfiteuse» (art.
38/8).

10.1.3. Direito de superfície

O direito de superfície regulado no at. 39º da Lei de Terras tem muito interesse
prático actualmente pois a disposição transitória da Lei estabelece que aos direitos
fundiários para uso de terras do Estado para fins agrícolas constituídos no âmbito da lei
anterior se aplica o regime do direito de superfície desde que estes direitos tenham sido
legalizados no âmbito dessa lei (art. 83/2). O antigo direito de uso e aproveitamento de
terra era um direito de superfície, mas é mais duvidoso que o direito de ocupação
familiar integrasse esse tipo. De qualquer modo, no caso de os seus titulares terem
adquirido um título nos termos do Dec. nº 32/95 (arts 44º-46), passaram a ser titulares
de um direito de superfície.

De referir que os terrenos não legalizados ou abandonados injustificadamente são


considerados confiscados (art. 83/3), salvo no caso de os ocupantes, no prazo de três
anos a partir da publicação do regulamento, requererem a emissão do título.

Ao direito de superfície previsto na LT aplicam-se, para além das disposições da lei


e seus regulamentos, o regime estabelecido nos arts 1524º a 1542º do CC (LT, art.
39/2). O art. 1527º do CC expressamente dispõe que a aplicação do regime do CC ao
direito de superfície «constituído pelo Estado ou pessoas colectivas públicas em

16
Direito dos Recursos Naturais

terrenos do seu domínio privado fica sujeito a legislação especial» sendo a aplicação do
regime do CC subsidiária.30 Tem aqui especial interesse, para além da LT e seus
regulamentos, o regime da Lei nº 2030, que parece manter-se em vigor relativamente
aos terrenos urbanos visto não ter sido expressamente revogada pela LT.

Como se sabe, segundo o art. 1524º do CC o direito de superfície


consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporariamente, uma
obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações.

Menezes Cordeiro critica esta formulação do CC pois não inclui outras faculdades
para além de «manter», «fazer plantações» ou «construir» e define-o pois como
a afectação jurídica de um prédio alheio em termos de nele se efectuar, ou
simplesmente manter, edifícios e plantações, com o subsequente aproveitamento das
coisas assim mantidas (1993: 706-07).

O CC prevê duas modalidades de direito de superfície: i. a construção e manutenção


de uma obra (superfície edificada), e, ii. a plantação e manutenção de árvores em
terreno alheio (superfície vegetal). Nesta última, Cordeiro distingue entre superfície
vegetal (alienação de vegetação já existente no terreno à data da constituição do direito
de superfície) e superfície para plantação («ad implantandum»). A LT refere-se a ambas
as modalidades, pois aplica-se a terrenos rurais e urbanos (art. 39/1).

A Lei de Terras não estabelece expressamente que o concessionário, tal acontece no


CC, é o proprietário das plantações, instalações e benfeitorias (propriedade
superficiária). Mas tal decorre dos arts 1524º e 1528º do CC.

Os direitos de uso e fruição implicam no direito de superfície as faculdades de


construir ou plantar em terreno alheio (havendo aqui um poder de transformação do
imóvel alheio), de «manter plantações em terreno alheio, considerando-se como seu
titular, em detrimento das regras da acessão», de «construir as servidões necessárias
para o correcto aproveitamento do implante» (CC, arts 1524º, 1529º e 1534º).31

No entanto, quanto ao seu conteúdo negativo o direito de superfície afasta-se do CC,


destacam-se:

30
. Sobre a racionalidade desta disposição, ver Pires de Lima e Varela, 1972: 545-46.
31
. Cordeiro, 1993: 710.

17
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

i. Temporalidade - o direito é sempre concedido por um prazo, prorrogável (LT, art.


55/2), que pode ser determinado ou indeterminado, não podendo no primeiro caso
exceder 60 anos (LT, art. 55/1/d). A lei de Terras afasta-se assim do regime do CC,
onde o direito pode estar sujeito a prazo ou não.

ii. Transmissibilidade - o direito de superfície pode ser transmitido por acto inter vivos e
mortis causa nas condições previstas no art. 61º da LT. O direito de superfície pode ser
ainda hipotecado nos termos do art. 39/4 da LT.

iii. Obrigação de restituição do terreno decorrido o prazo ou noutras situações de


extinção do direito previstas na lei, adquirindo o proprietário a propriedade das
edificações ou das árvores e tendo o superficiário direito a indemnização (CC, art.
1538º). Contudo, como se viu, o superficiário deve entregar o terreno no estado em que
este se deve encontrar tendo em consideração o disposto no art. 56º da LT.

iv. Obrigações de dare e de facere, em especial o pagamento do cânon superficiário


(LT, art. 39/3, renda anual calculada segundo critérios relacionados com a classificação
do terreno e com o grau de desenvolvimento da localidade em que está situado) e o
cumprimento de obrigações previstas no art. 56º da Lei de Terras.

Nestas situações de concessão do direito de superfície, o Estado mantém a


propriedade do terreno, que significa a «manutenção de todas as faculdades próprias do
direito real de propriedade, não comprimidas pela concorrência da superfície», 32 em
especial o «uso e fruição do subsolo» (CC, art. 1533º, LT, art. 30º), mas deixa de
temporariamente ter o uso e fruição do solo.

Nos termos dos arts 1535º, 1538º e 1530º do CC e do art. 61/9 da LT, o Estado tem
direito ainda de preferência na venda ou dação em cumprimento do direito de superfície
e um direito de aquisição sobre o implante, caso o direito de superfície venha a
extinguir-se pelo decurso do prazo, para além do direito ao pagamento do cânon
superficiário.33

32
. Cordeiro, 1993: 710-11.
33
. Loc.cit.

18
Direito dos Recursos Naturais

Em conclusão, o direito de superfície regulado na LT é um direito que onera a


propriedade estadual de solos com um regime específico mais limitativo do direito do
superfíciário que o regime geral estabelecido no CC.

Embora não seja este ano estudado, nesta parte do programa, o regime das
concessões florestais,34 deve referir-se que há dúvidas sobre se os direitos que são
constituídos por «concessões para exploração florestal», previstas em especial nos arts
111º ss. do Regulamento Florestal, serão um direito de superfície vegetal, limitado
apenas a certas espécies de vegetação já implantadas na área concedida (art. 114/6/b do
Regulamento). Tal interpretação seria reforçada pelos arts 3/1 e 22/4 da LT. A aceitar-se
esta posição, o seu regime diferenciar-se-á do regime do direito de superfície da LT
essencialmente quanto à intransmissibilidade do direito de exploração florestal e à
obrigação de repovoamento de acordo com o previsto no plano de exploração aprovado
(Reg. Florestal, arts 51º, para. único, 124º e 115/1).

Contudo, tendo em consideração o art. 10º da LT que integra no domínio público os


recursos da flora silvestre, este recursos serão regulados por legislação específica (art.
10/2). O regime da superfície vegetal previsto na LT será assim aplicável apenas à
silvicultura, ou seja, à actividade de plantação de árvores para exploração posterior.

10.1.4. Direito de ocupação precária

A LT consagra no art. 40º o direito de ocupação precária de terrenos, concedível


apenas para utilização temporária («construções não definitivas») e para fins enumerado
a título de exemplo no art. 40/1. Destes fins destacam-se a prospecção mineira (art.
40/1/b) e a investigação científica (art. 40/1/c).

O direito de ocupação precária é um direito de locação e está sujeito a regime do


contrato de arrendamento (LT, arts 40/1 e 40/3) do CC, em especial do art. 1083/3, em
tudo o que não vier regulado em legislação especial.

O direito de ocupação precária tem a duração máxima de um ano (LT, art. 55/1/e),
renovável por iguais períodos se nenhuma das partes o denunciar nos prazos e formas

34
. Dado estar a ser revista a legislação florestal, não são tratados os direitos que incidem sobre recursos
florestais, sendo feita apenas uma breve referência aos regimes em vigor a propósito do acesso aos
recursos naturais propriedade do Estado.

19
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

convencionados (art. 55/2). De qualquer modo, em alguns casos a duração do direito


estará vinculada à duração do projecto que constituiu fundamento da sua concessão. Por
exemplo, no caso das actividades mineiras, a fase de prospecção tem a duração máxima
de cinco anos na LAGM (art. 5/5) e a duração fixada na licença de prospecção na LAP
(art. 39/b). Findo este prazo, caducam os direitos mineiros de prospecção, pesquisa e
reconhecimento. A extinção dos direitos mineiros da 1ª fase obriga à denúncia do
contrato nos termos do art. 55/2 da LT e constitui, caso tal não ocorra, causa de extinção
do direito de ocupação precária nos termos do art. 64/c da mesma lei.

O locatário é obrigado ao pagamento de renda periódica ou única, cujos critérios de


fixação dependem, inter alia, da «área e classificação do terreno e do prazo pelo qual
haja sido constituído o direito» (LT, art. 40/5).

A construção das instalações não definitivas fica sujeita ao regime das benfeitorias
úteis do art. 1273º do CC, o que significa que o titular do direito tem o direito de
levantar as benfeitorias ou de ser indemnizado das benfeitorias realizadas no caso de
não as poder levantar, estabelecendo o art. 1273/2 o critério da aplicação das regras do
enriquecimento sem causa (LT, art. 40/4).

10.1.5. Domínio útil comunitário

A Lei de Terras cria no art. 37º um direito real de natureza diversa dos direitos
estabelecidos no CC. Na senda do art. 12/4 da LC e do art. 9º da LDS, a LT veio
consagrar um direito colectivo sobre recursos naturais de que são titulares as
comunidades rurais. Trata-se do domínio útil consuetudinário. Este direito colectivo é
constituído ope legis e o seu reconhecimento pelo Estado é realizado por título emitido
pela autoridade competente (arts 37/2 e 37/3).

Comunidade rural é definida no art. 1/c da LT como


Comunidades de famílias vizinhas ou compartes que, nos meios rurais, têm direitos
colectivos de posse, gestão e uso e fruição dos meios de produção comunitários,
designadamente dos terrenos rurais comunitários por elas ocupados e aproveitados de
forma útil e efectiva, segundo princípio de auto-administração e auto-gestão, quer
para sua habitação, quer para o exercício da sua actividade, quer ainda para a
consecução de outros fins reconhecidos pelo costume e pela presente lei ou seus
regulamentos.

No entanto, a lei não é clara sobre quem é o titular deste direito, pois o art. 37/1
reconhece o direito de domínio útil consuetudinário às famílias enquanto integradas em
20
Direito dos Recursos Naturais

comunidades e não às comunidades em si.35 Para além disso, o art. 37/9 dispõe
expressamente que, em caso de o direito consuetudinário não regular matérias relativas
a este domínio, são as famílias consideradas os «titulares do domínio útil», em situação
de contitularidade. A figura mais próxima que encontramos no Direito Civil será a da
co-enfiteuse, que no entanto parece não ser aqui aplicável (ver o art. 1493º do CC, sobre
o princípio da indivisibilidade do prazo) e a da comunhão de direitos. Nesta, se será
aplicável o regime do condomínio a esta contitularidade do domínio útil
consuetudinário pelas famílias é matéria a aprofundar mais tarde.

Embora a lei também reconheça personalidade e capacidade judiciárias às


comunidades rurais (art. 70/3), pode-se argumentar que se trata apenas da
susceptibilidade de ser parte em juízo, tal como acontece com outras realidades sem
personalidade jurídica, como os patrimónios autónomos. Assim, a questão da
personalidade jurídica das comunidades rurais está em aberto.

O domínio útil consuetudinário compreende «os direitos de uso e fruição dos


terrenos rurais comunitários» ocupados e «aproveitados de forma útil e efectiva segundo
o costume» pelas comunidades rurais. Tem natureza gratuita (arts 37/6, 47/2 e 50º). É
intransmissível, salvo no caso de o direito consuetudinário dispor de outro modo (art.
63/3) e impenhorável, salvo no caso de empréstimos bancários já referidos (art. 63/4).
Quanto ao conteúdo negativo do direito, ele compreende as obrigações previstas no art.
56º, incluindo obrigações de protecção do ambiente e de respeito pelas regras de
ordenamento do território.

O domínio útil consuetudinário está sujeito simultaneamente a regras de direito


estadual e consuetudinário. Assim, a LT afirma que
As questões relativas ao domínio útil consuetudinário que não possam ser resolvidas
pelo direito consuetudinário são reguladas pelos artigos 1491º a 1523º do Código
Civil, salvo quanto ao pagamento de foros, considerando-se o Estado como titular do
domínio directo e as famílias como titulares do domínio útil (art. 37/9).

Esta dualidade de regimes levou à adopção de mecanismo especial de resolução de


litígios, sendo prima facie aplicável o direito consuetudinário à resolução de «litígios
relativos aos direitos colectivos de posse, gestão, uso e fruição e domínio útil

35
. O art. 63/3 refere até a proibição de transmissão mortis causa do direito.

21
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

consuetudinário» (art. 81/1). Apenas serão aplicáveis os arts 69º a 80º da LT no caso de
a questão não ser resolvida segundo as normas costumeiras (art. 81/2).

Este domínio tem uma duração perpétua (art. 55/1/b). A área dos terrenos rurais
comunitários está sujeita às regras acima referidas a propósito do objecto dos direitos
fundiários (arts 23º e 51º).

10.2. Direitos sobre recursos hídricos

As águas são bens do domínio público do Estado, «domínio público hídrico» (LA,
art. 5/1), inalienável e imprescritível (art. 5/2), cuja concessão visa a «sua preservação e
gestão em benefício do interesse público» (art. 5/3). São equiparadas a imóveis (art.
12/1).

Os particulares podem ter acesso por títulos vários (acesso livre, licença e contrato
de concessão, arts 22º-24º), às águas dos rios, lagos, lagoas, nascentes e lençóis de
águas subterrâneas. Contudo, tal como acontece no regime dos minerais, estes
permanecem propriedade do Estado.

Os direitos sobre águas são, em geral, diferenciados em função dos seus usos: para
fins de alimentação e higiene, para fins agrícolas, pecuários, industriais (inclui mineiros
e uso de água como matéria prima de indústrias) e hidroeléctricos, de navegação,
transporte, meio de pesca de recursos biológicos e de recreação e ainda fins de
saneamento e limpeza do ambiente, fins de preservação de solos e de recursos florestais
e do clima. A água é o recurso natural com maior variedade de usos.

Ao referir-se ao acesso aos recursos hídricos, a Lei de Águas distingue entre usos
comuns (arts 21º, 22º e 12/2) e usos privativos (art. 21º e 22º), prevendo ainda usos
proibidos no art. 67º. Uso comum é o que resulta da utilização da água no seu estado
natural sem necessidade de autorizações e uso privativo aquele em que é necessária
licença ou concessão (art. 22/1).

Os direitos de particulares sobre águas que integram o domínio público do Estado


são, tal como os direitos mineiros, direitos sobre coisa alheia. Trata-se de novos direitos
reais menores que a lei caracteriza como direitos de uso. Adiantando em relação ao

22
Direito dos Recursos Naturais

regime de acesso, podem ser titulares destes direitos as pessoas singulares ou colectivas,
nacionais ou estrangeiras (art. 24/2, para os usos privativos).

Ao contrário do que sucede com os minerais, em que os direitos mineiros se referem


apenas a direitos de acesso para fins de exercício de actividades económicas, nos
recursos hídricos a lei divide os direitos sobre águas em direitos de dois tipos, com
racionalidades e regime jurídico diferentes.

Por um lado os direitos de uso decorrentes do direito humano à água, que tem no
ordenamento angolano, em primeiro lugar, por referência o art. 22º da LC, sobre o
direito à vida, visto tratar-se de um bem essencial à vida, e ainda o direito à inerente
dignidade da pessoa humana (art. 20º).36 A LA densifica estas normas constitucionais, e
ainda os arts 3/1 (sobre o direito aos benefícios da utilização racional dos recursos
naturais) e 5/b (obrigação de satisfação de necessidades básicas) da LBA, ao consagrar
o direito à água (art. 9/1/a) e a obrigação do Estado de garantir o acesso à água e de
assegurar o abastecimento de água (arts 10/2/a e 10/2/d). A LA estabelece um regime
designado de acesso livre, ou seja, sem necessidade de autorização prévia do Estado e
gratuito para os usos comuns de água (art. 22/1).

Por outro lado, a lei consagra direitos de uso relacionados com o acesso de
particulares a actividades económicas de exploração de recursos hídricos, nos termos do
art. 10º da LC e dos arts 6º a 9º e 13/4 da LDS. A LA densifica estas disposições
relativamente aos recursos hídricos nos arts 9/1/h e 10/2/e (obrigação do Estado de
promover os diferentes usos de águas).

36
. Neste caso, e em especial, do art. 11/1 do Pacto sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais: «1.
Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas a uma nível de vida
suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem
como a um melhoramento constante das suas condições de existência. Os Estados Partes tomarão as
medidas apropriadas destinadas a assegurar a realização deste direito, reconhecendo para esse efeito a
importância essencial de uma cooperação internacional livremente consentida. 2. Os Estados Partes do
presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de todas as pessoas de estarem ao abrigo da fome,
adoptarão individualmente e por meio da cooperação internacional as medidas necessárias, incluindo
programas concretos: a) Para melhorar os métodos de produção, conservação e de distribuição dos
produtos alimentares pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de
princípios de educação nutricional e pelo desenvolvimento ou a reforma dos regimes agrários, de maneira
a assegurar da melhor forma a valorização e utilização dos recursos naturais; b) Para assegurar uma
repartição equitativa dos recursos alimentares mundiais em relação às necessidades, tendo em conta os
problemas que se põem tanto aos países importadores como aos países exportadores de produtos
alimentares».

23
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

No art. 10/1 estabelece-se a orientação para o Estado de assegurar a «igualdade de


tratamento e de oportunidade para todos os intervenientes no processo de uso de água»,
quer em termos de direito à água para sua subsistência, quer à água para fins de
exercício de actividades económicas.

Os titulares destes direitos de uso têm o direito acessório (geral) de constituir as


servidões necessárias, em especial de passagem e de águas, ao exercício do direito (arts
31º e 54/b, este relativo a concessões de uso privativo).

10.2.1. Direitos de uso comum

Como se viu, os usos comuns visam, inter alia, assegurar o direito dos cidadãos à
água (estabelecido no art. 9/1/a) com o fim de «satisfazer necessidades domésticas,
pessoais e familiares do utilizador, incluindo o abeberamento de gado e a rega de
culturas de subsistência, sem fins estritamente comerciais» (art. 23/1).

Podem ser titulares deste direito, dado a sua finalidade ser a subsistência, todas as
pessoas singulares («cidadãos» titulares do direito à água).

Este direito é um direito de uso gratuito e livre (art. 23/2) que apenas «consiste na
faculdade de se servir de certa coisa alheia» e que não nos aparece com o conteúdo do
direito de uso previsto no CC (art. 1484º), relativamente à faculdade de fruição, de
«haver os respectivos frutos na medida das necessidades do titular e da sua família».
Assim, tal como acontece com os direitos mineiros, também este direito de uso tem um
conteúdo diverso do direito previsto no CC.

O direito de uso comum dos recursos hídricos não implica a posse exclusiva do
recurso no seu ambiente natural nem a sua disposição para fins comerciais (art. 23/1).
Este direito deve ser exercido para os fins e nas condições estabelecidas na lei bem
como no «regime tradicional de utilização das águas» (art. 23/2), havendo aqui remissão
para a aplicação de normas de direito consuetudinário. As restrições ao exercício do
direito referem-se em especial nos «limites quantitativos» ou utilização dos meios
eventualmente definidos pela entidade gestora da bacia hidrográfica (art. 23/5).

Para além disso, os titulares de direitos de uso comum devem cumprir obrigações de
non facere, como não alterar as margens ou desviar os corpos de água dos seus leitos
(art. 23/4) ou não obstruir o livro curso das águas (art. 27/1), bem como obrigações de
24
Direito dos Recursos Naturais

facere, como remover os obstáculos que se oponham ao livre curso das águas (art. 27/1)
e contribuir para prevenir calamidades (art. 29/2); devem ainda observar os princípios
previstos no art. 9º (art. 9/2) e abster-se das acções previstas no art. 67º.

Os direitos de uso comum, dada a sua finalidade, não estão sujeitos a prazos. Como
regra, os direitos de uso comum prevalecem sobre os direitos de uso privativo (arts 22/2
e 33/1), em especial se se trata de direitos anteriores, caso o gozo do direito de uso
privativo exclua o gozo dos direitos de uso comum. Assim, a lei afirma que não podem
ser concedidos direitos de uso privativo no caso de usos comuns «pre-existentes» (art.
37/2). Contudo, o art. 33/1 vai mais longe e estabelece que não podem ser «concedidos
ou mantidos» direitos de uso privativos em detrimento dos usos comuns.

A lei prevê ainda um tertium genus, nem uso comum nem uso privativo, no regime
especial de direito de uso gratuito e sem necessidade de licença, mas uso indirecto para
fins comerciais, para os usos por titulares de direitos de uso e aproveitamento de terras,
hoje os direitos fundiários regulados na Lei de Terras, nos casos de usos de águas para
fins agrícolas previstas no art. 26/1 da LA: águas de lagos, lagoas e pântanos, águas de
nascentes em certas condições, águas subterrâneas fora de áreas de protecção e águas
pluviais (als a)-d). Os «utentes dos talhões que circundam lagos, lagoas e pântanos» são
também titulares deste direito (art. 26/3).37

A LA estabelece, no entanto, que, também neste caso, prevalecem os usos comuns


anteriores «quando tradicionalmente estabelecidos» (art. 26/2) e que se tiver sido feita
«acumulação artificial de água» se aplica o regime do uso privativo (art. 26/4). Também
são titulares deste direito os «utentes de talhões» ribeirinhos, salvo no caso de usos
envolvendo grande volume de recursos (art. 26/3).

10.2.2. Direitos de uso privativo

A par dos direitos de uso comum, a lei prevê direitos de uso privativo para fins
comerciais.

Nos usos de água que integram os direitos de uso privativo, a LA destaca aqueles
que se destinam aos seguintes fins (arts 25/1 e 25/2):

37
. Ver as obrigações destes titulares de talhões marginais no art. 27º.

25
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

i. O abastecimento de água potável para consumo humano;


ii. A irrigação e pecuária;
iii. A produção de energia;
iv. O tratamento de minérios e desmonte de cascalho;
v. O tratamento de fibras vegetais;
vi. O uso como matéria prima para a indústria;
vii. A transferência de água para reprodução de espécies píscicolas e outros recursos
aquáticos (aquiculturas);
viii. O uso industrial de águas termais e minero-medicinais;
ix. O uso de águas subterrâneas captadas no decurso de operações mineiras;
x. Quaisquer outros fins permitidos por lei.

A lei estabelece a prioridade (preferência na concessão) dos fins de abastecimento


de água à população para consumo humano e satisfação de necessidades sanitárias (art.
33/2).

A lei distingue entre usos privativos que não alteram «significativamente a qualidade
e quantidade da água e o equilíbrio ambiental» (art. 41/1), sujeitos a regimes
simplificados de licenças, e outros usos privativos em que os direitos se constituem por
concessão.

Decorre, pois, da lei há dois tipos de direitos de uso privativo, distintos na lei
segundo os seus impactos ambiental e nas reservas dos recursos e os seus modos de
constituição (licença ou concessão, esta em sentido restrito trata-se em ambos os casos
de uma concessão porque atribuindo a particulares direitos sobre bens do domínio
público). Concessão vem definida no Anexo à lei como a
Transferência temporária por uma pessoa jurídica de direito público dos direitos
exclusivos de exploração de um serviço público, conferindo administrativamente a
outra o direito de explorar ou utilizar um bem público.

Daqui parece decorrer que a concessão de direitos de uso privativo de águas


compreende os usos privativos necessários para exploração de serviço público (isto é,
em regime de concessão de serviço público), em especial os serviços referidos nos arts
13/2/c («captação, tratamento e distribuição de água para consumo público através de
redes fixas») e 13/2/b da LDS («produção de energia», neste caso hidroeléctrica), que
integram a reserva relativa do Estado.

26
Direito dos Recursos Naturais

Podem ser titulares destes direitos «quaisquer pessoas singulares ou colectivas,


públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras» (art. 24/2), um regime, portanto, de
reserva relativa.

A LA estabelece regras comuns aos dois tipos de direitos e específicas para cada
tipo. Nos arts 33º a 40º são estabelecidas as normas comuns aos dois tipos de direitos.
Assim, quanto ao conteúdo positivo dos direitos de uso privativo, decorre dessas
disposições que se trata de direitos de uso e fruição das águas e de exercício das
actividades comerciais com elas relacionadas (arts 37º, regime geral, 44º, para usos sob
licença e art. 54º, para usos sob concessão) dentro dos fins a que a coisa se destina (LA,
arts, 5/3, 9º, 10º, 39/b in fine e, em especial, 40º, abuso de direito). Estes direitos
implicam a posse das águas superficiais ou subterrâneas numa dada delimitação (área) e
a disposição das águas captadas em certas condições estabelecidas na lei, licença ou
contrato de concessão.

Os titulares dos direitos de uso privativos têm as seguintes obrigações de dare, de


facere e de non facere, legais ou decorrentes do título de concessão (seja licença ou
contrato):

a) Cumprir as obrigações emergentes da licença ou do contrato (arts 39/a, regra


comum, 45/a, usos sob licença e 55/b, usos sob concessão);

b) O pagamento, no âmbito do princípio do utilizador pagador (art. 39/c), de renda


do recurso sob a forma de taxas e outros encargos devidos (arts 39/c e 61º-63º);

c) A utilização racional da água (LA, art. 39/b e LBA, art. 3/1) e a garantia de
impactos ambientais mínimos das suas actividades (LA, art. 39/f); o respeito por
regras de protecção ambiental (arts 66º-69º);

d) Sujeição ao regime do poluidor-pagador e ao princípio da complementariedade


do abastecimento de água com o saneamento residual líquido (arts 9/1/i e 69º);

e) A adopção de medidas adequadas para prevenir ou mitigar desastres naturais


(art. 29/1);

f) A prestação das informações solicitadas pelo concedente (arts 39/e);

27
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

g) A participação em «tarefas de interesse comum» de protecção dos recursos (art.


39/d);

h) A observância dos princípios previstos no art. 9/1 (art. 9/2), incluindo


participação de comunidades (art. 9/1/e) e de utilizadores (art. 17º, em especial
nº 2), se for caso disso;

i) A não suspensão de exercício das actividades a que se referem os direitos, salvo


no caso de autorização do Estado (arts 48º, para os usos sob licença e 58/1/c para
os usos sob concessão);

j) Sujeição a requisição no caso de força maior, em especial secas, cheias etc, para
afectação das águas a usos comuns (art. 30º);

k) Sujeição a fiscalização do Estado (arts 39/e, regra comum, 45/d, para os usos
sob licença, e 55/c e 70/2, para os usos sob concessão);

l) Sujeição a orientações relacionadas com a gestão integrada dos recursos naturais


(art. 14º) e a orientações de planeamento (art. 15º), por força dos princípios a
que deve subordinar o exercício dos seus direitos (9/1/d).

No caso de as zonas adjacentes às águas em que se exercem os direitos de uso


privativo serem declaradas áreas de protecção, os titulares dos direitos de uso estão
sujeitos ao regime que vier a ser estabelecido para essas áreas de protecção (art. 71/1).

Do conteúdo negativo do direito, constata-se que direito de uso e fruição de


águas é, em consequência, menos extenso que as faculdades de gozo do usufrutuário no
CC («gozo pleno»).

Os direitos de uso privativo têm ainda as seguintes características:

i. Temporalidade: os direitos são sempre concedidos por um prazo, que inclui eventuais
prorrogações, e extinguem-se verificado esse prazo. Nos usos sob licença o prazo
máximo é de 15 anos (LA, art. 43º) e nos usos sob concessão, de 50 anos (art. 51/1),
renováveis.

28
Direito dos Recursos Naturais

ii. Obrigação de restituição da coisa: findo o prazo da licença (art. 47º, com reversão
para o Estado dos bens implantados) ou da concessão (art. 52º, instalações só em caso
de rescisão do contrato, art. 60/3) ou verificadas outras causas de extinção do direito.

iii. Transmissibilidade dos direitos a terceiros: é possível a transmissão inter vivos e


mortis causa dos direitos de uso privativo (art. 38/2 e 38/3) e ainda a sua hipoteca (art.
13º). No caso de usos sob concessão, é necessária uma autorização prévia da entidade
concedente (arts 51/3 e 55/e). No caso de «águas concedidas para fins agrícolas,
pecuários ou industriais» os direitos de uso privativo transmitem-se com os direitos
relativos às terras utilizadas para esses fins (art. 38/1).

iv. Sujeição a registo: sendo as águas equiparadas a imóveis (art. 12/1), a concessão de
direitos de uso privativo está sujeita a registo (art. 12/3), só produzindo efeitos perante
terceiros a partir desse registo (art. 12/5).

São direitos acessórios comuns aos dois tipos de usos privativos a já referida
constituição de servidões de águas (art. 31º) e a construção das obras necessárias (art.
37/1). Nos usos sob concessão, a LA prevê ainda o direito de uso dos terrenos
necessários à execução de construções exigidas pelo efectivo exercício do direito,
«mediante o pagamento das taxas e indemnizações que forem devidas» (art. 51/2), o
direito de requerer expropriações e o direito de «utilizar bens do domínio público ou
privado do Estado, nos termos que vierem a ser acordados no respectivo contrato de
concessão» (art. 54/b).

Relativamente aos regimes específicos, os titulares de direitos de uso sob concessão


estão sujeitos a obrigações específicas como, por exemplo, «garantir de modo
permanente a qualidade da água, efectuando análises periódicas por laboratórios
especializados» (arts 55/g e 70º) e pagar as indemnizações devidas por expropriações e
constituição de servidões (art. 55/d).

No caso de usos sob licença, a LA prevê restrições quanto a águas subterrâneas,


relacionadas com a preservação e gestão integrada dos recursos hídricos (art. 65º).

29
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

10.3. Direitos mineiros

O acesso a minerais é regulado na legislação mineira e de petróleos sob formas


diversas, das quais se destaca a concessão de direitos mineiros, acto pelo qual o Estado,
como proprietário dos minerais, transmite direitos de que é titular a uma pessoa singular
ou colectiva que irá empreender actividades de procura de minerais e, no caso de
descoberta, irá explorá-los. Pode haver ainda situações em que estando já descobertos os
minerais e avaliadas as jazidas, terá lugar apenas a concessão dos direitos de os extrair,
transformar e comercializar.

Uma das matérias mais controversas no direito mineiro é a questão da constituição


de direitos sobre esses recursos, maxime a propriedade, pela concessão do direito de
exploração nos sistemas dominiais38 como o angolano. Por outras palavras, que direitos
do Estado (proprietário) sobre os minerais são transmitidos ao concessionário? Trata-se
de direitos de natureza real? Haverá que distinguir regimes diversos para os minerais in
situ e para os minerais extraídos?

Esta questão será aqui abordada em termos simples, tendo em conta o facto de haver
uma grande diversidade de soluções legislativas e ainda de se tratar da primeira
abordagem a esta problemática no direito angolano. Sumariando os problemas que se
levantam:

i. Os direitos mineiros integram direitos de natureza real? Os investidores (maxime


concessionárias) procuram determinadas garantias e uma delas é a de que os direitos
concedidos sejam efectivamente oponíveis a terceiros39 e possam ainda servir de
garantia para financiamentos. Por essa razão, e ainda tendo em conta a garantia dos
próprios direitos mineiros, pode discutir-se se têm natureza real.

38
. Incluindo no sistema chamado de ‘nacionalização’ por Ramos pois ainda que apenas empresas
públicas tivessem acesso às actividades petrolíferas e mineiras, levantar-se-ia sempre, dado tratar-se de
entidades autónomas dotadas de personalidade jurídica, o problema da natureza e conteúdo dos seus
direitos.
39
. Não constitui objecto deste trabalho discutir os problemas da teoria geral dos direitos reais. Contudo,
chama-se a atenção para a crítica da doutrina à noção de oponibilidade erga omnes dos direitos reais (ver,
por exemplo, Menezes Cordeiro, 1993: 301-316 e 236-240).

30
Direito dos Recursos Naturais

ii. O Estado mantém, após atribuir direitos sobre minerais, a propriedade dos minerais
in situ? Que direitos, se reais, são então transmitidos ao concessionário? Será o contrato
de concessão um contrato com eficácia real?

iii. Assumindo que os recursos minerais integram o domínio público, como decorre de
legislação e entende parte da doutrina de países com sistemas de raiz romano-
germânica, qual é, nessa medida, o regime da constituição dos direitos de
concessionários?

iv. Haverá, nos regimes de minerais, contratos que nos aparecem como de natureza
estritamente obrigacional, distinguindo-se eventualmente do quadro do contrato de
concessão, mas cuja substância integra regimes com consequências práticas similares,
ainda que formalmente diversos?

Não se pretende aqui resolver todos estes problemas, e por essa razão são apenas
enunciados alguns aspectos mais relevantes para a compreensão da natureza e conteúdo
dos direitos mineiros, em especial do direito de exploração.

As dificuldades resultam de soluções legislativas e contratuais motivadas nos PVDs


por razões de: i. política relativamente a empresas estrangeiras ou privadas realizando
actividades nestas indústrias extractivas, ii. dada a natureza internacional destas
actividades, viradas em muitos PVDs para a exportação e como operadores estrangeiros,
influência de categorias de outros ordenamentos jurídicos nos contratos relativos a
recursos minerais e na legislação a eles aplicável, e, iii. hesitações, e transformações,
nacionais dos regimes destes recursos numa dinâmica muito condicionada por
desenvolvimentos nas relações económicas internacionais.

Os direitos mineiros (direitos relativos a recursos minerais) são desagregados em


dois grandes grupos:

i. Direitos relativos ao exercício de actividades (mineiras) a que não há livre acesso e


que estão sujeitas ao quadro geral de regulamentação de actividade e de autorização
administrativa, ainda que parte das obrigações assumidas pelas partes resultem de
contrato e não de legislação, e

ii. Direitos patrimoniais das pessoas singulares ou colectivas envolvidas nestas


actividades que poderão ser divididos em normas sobre a propriedade estadual de
31
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

recursos, suas formas e requisitos de utilização e transmissão, e normas sobre os


correspondentes direitos patrimoniais de entidades públicas ou privadas às quais sejam
atribuídos direitos mineiros.

Embora alguns Estados tenham demonstrado, na sua prática legislativa, procurar


separar estes dois grupos de direitos, eles estão estreitamente interligados nos regimes
de minerais. Por exemplo, a concessão do direito de exploração implica em geral não só
a autorização para exercício de actividades de extracção, e actividades conexas, como
ainda a transmissão de direitos de natureza patrimonial à concessionária. Além disso, a
concessão dos direitos de prospecção e pesquisa (exercício de actividades) está
vinculada, em geral, à concessão do direito de exploração no caso de descoberta (de
minerais) economicamente viável.

Assim, quando o Estado, proprietário de recursos, concede direitos mineiros,


estamos perante direitos cuja construção, dada a sua especificidade, se afasta dos
parâmetros dos poderes que integram os direitos reais no CC.40

10.3.1. A propriedade das jazidas de minerais

Não obstante a LDS proibir a transmissão da propriedade dos recursos naturais do


Estado, no âmbito da LAGM e da antiga LAP foi levantado o problema da propriedade
das jazidas de minerais pois nenhuma dessas leis fazia directamente qualquer referência
a essa questão, não obstante a caracterização dos direitos mineiros da Sonangol como
direitos de uso, fruição e gestão de jazidas de hidrocarbonetos propriedade do Estado.41
Para além disso, os minerais não estavam qualificados em qualquer lei como bens do
domínio público e a LC estabelece a reserva relativa da AN quanto integração de bens
no domínio público do Estado (art. 90/m). Em consequência, discutiu-se, também a
inalienabilidade das jazidas, em especial se era possível constituírem garantia de
empréstimos do Estado ou das empresas públicas concessionárias.

40
. Ver CC, arts 1302º e segs., espec. arts 1304º (domínio do Estado) e 1305º (conteúdo do direito de
propriedade).
41
. Lei nº 13/78, art. 5/1.

32
Direito dos Recursos Naturais

A questão levantada por concessionárias era a seguinte: pela concessão do direito de


exploração transmite-se a propriedade das jazidas de minerais? E, numa outra óptica,
quem é o proprietário dos minerais enquanto não são extraídos?

Hoje, esse problema está resolvido pela Lei de Terras que prevê expressamente no
art. 29/1/c que os minerais integram o domínio público do Estado. Como se viu, o art.
29/2 estabelece que os bens do domínio público são «inalienáveis, imprescritíveis e
impenhoráveis». Também a LAP afirma expressamente no art. 4º que as jazidas de
petróleos integram o domínio público do Estado.

De qualquer modo, relativamente às concessões atribuídas antes da entrada em vigor


da Lei de Terras:

i. A concessão tem uma duração determinada (LAGM, art. 13/2). Apenas se se


admitisse a propriedade temporária se poderia justificar a entrega da coisa, findo o
contrato, ou mesmo o abandono de área em certas condições.

ii. A concessionária não tem poderes de disposição das jazidas mas apenas dos minerais
após extracção (como decorre dos arts 12/1e 18º da LAGM) e o Estado tem um direito
de preferência legal na aquisição de quotas ou acções das próprias concessionárias na
LAGM (art. 11/8).

iii. O gozo da coisa (jazida) é realizado em condições (o regime que decorre da lei) que
afastam a plenitude característica da propriedade.

iv. O Estado pode dar por finda a concessão em certas situações, como de «grave perigo
para a saúde e vida das populações» (LAGM, art. 17º) e a concessionária não pode
suspender as actividades sem prévia autorização do Estado (LAGM, art. 13/4).

v. Por fim, deve-se ter em conta o art. 13/4 da LDS, em que já se proibia a alienação da
propriedade, neste caso das jazidas de minerais.

Não há pois, no conteúdo do direito de exploração na LAGM, as componentes de


plenitude e exclusividade que caracterizam a propriedade no CC.

33
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

10.3.2. Os direitos mineiros como direitos de exercício de actividades

Como se viu, os direitos mineiros referem-se, em primeiro lugar, a poderes de


exercer determinadas actividades relacionadas com a procura de minerais e
quantificação dos minerais descobertos, em regime de exclusividade ou não. Antes de se
iniciar a fase de produção (extracção, tratamento, comercialização), há todo um
conjunto de actividades, e de investimentos, que têm de ser realizados: estudos prévios,
prospecção, pesquisa, reconhecimento, estudo de viabilidade, construção da mina e de
infra-estruturas necessárias às actividades mineiras.

Na legislação angolana, os direitos mineiros são definidos na LAGM como «direitos


conferidos pelo Estado e decorrentes da aplicação da presente Lei» (Cap. I/10). A LAP,
ao contrário da antiga lei de petróleos42 não estabelece qualquer conteúdo preciso para
os direitos mineiros, definindo-os no art. 2/8 como «o conjunto de poderes atribuídos à
Concessionária Nacional». Tautologicamente, esta é definida no art. 2/6 como «a
entidade à qual o Estado outorga direitos mineiros», sendo estabelecido no art. 4º que a
Sonangol é a Concessionária Nacional (CN). Para além disso, o art. 29º, sobre os
direitos da CN, está a referir-se, salvo na parte relativa à realização de actividades (art.
29/1/a, a direitos acessórios e não ao núcleo de direitos que integram os direitos
mineiros. Em consequência, quer a LAGM quer a LAP não são claras sobre o conteúdo
preciso dos direitos mineiros.

As actividades a que se referem os direitos mineiros da 1ª fase são definidas na


LAGM (Cap. I):43

i. Prospecção - «conjunto de operações a executar no mar, na superfície do terreno


acima desta, mediante utilização de métodos geológicos, geoquímicos ou geofísicos,
com vista à localização de recursos minerais» (nº 5). Trata-se pois da procura de
minerais.

42
. A antiga LAP (Lei nº 13/78) continha no seu art. 5º uma definição mais rigorosa de direitos mineiros:
«os direitos mineiros concedidos à Sonangol compreendem os poderes de uso, fruição e gestão da
propriedade estatal dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos» (art. 5/1). Incluiam ainda poderes de
transformação e alteração da configuração natural do solo e subsolo (art. 5/3) e são concedidos para «os
fins seguintes: a) Pesquisa de hidrocarbonetos; b) Produção de hidrocarbonetos; c) Outros fins conexos»
(art. 5/2).
43
. Sobre as «operações petrolíferas» na LAP, ver a secção 10.3.4.

34
Direito dos Recursos Naturais

ii. Pesquisa - «conjunto de operações constituídas pela execução de trabalhos de índole


mineira como sanjas, trincheiras, poços e perfurações que, complementados com
trabalhos geológicos, geoquímicos, geofísicos e laboratoriais, têm como objectivo a
determinação das características das jazidas minerais» (nº 6). Trata-se pois de
actividades que visam a determinação da quantidade e teor de minerais em cada jazida.

iii. Reconhecimento - «conjunto de operações constituídas pela execução de trabalhos


de índole mineira como poços e perfurações, galerias e travessas que, complementadas
pelos trabalhos geológicos, de prospecção e pesquisa, têm como objectivo o
dimensionamento das jazidas minerais e a avaliação das respectivas reservas»44 (nº 7).
São aqui direitos relativos a actividades visando a determinação concreta da dimensão e
quantidades de minerais.

Os direitos da 1ª fase são essencialmente de direitos de recolha e tratamento de


informação sobre a existência, dimensão e características de jazidas de minerais numa
dada área. Discute-se qual o objecto dos direito de prospecção e pesquisa. Será um
recurso mineral (o mineral concedido) ou uma actividade? Ramos afirma que
Como já defendia Alessi, no início da prospecção não havia certeza se um dado
recurso existia efectivamente nesse terreno, pelo que não faria sentido considerá-lo
objecto dessa prospecção. Mas o objecto da prospecção também não podia ser o
próprio subsolo, pois como lembra Salvia, o subsolo integra-se na propriedade do
solo, à excepção dos recursos geológicos que integram o domínio público, pelo que o
objecto da prospecção não correspondia, em qualquer caso, à totalidade do subsolo.
Porque, no momento da celebração do contrato, o recurso geológico podia ainda não
ser materialmente apropriável, Gilardoni e Pugliese defenderam que o objecto da
prospecção seria o jazigo mineral onde o recurso eventualmente se encontraria. Para
outros autores, como Guarino e Cerulli Irelli, o objecto consistiria na própria
actividade de prospecção e pesquisa que não implicaria necessariamente a existência
de um recurso geológico ou de um jazigo mineral. Concordamos com esta última
posição porque, dada a unificação entre prospecção e pesquisa consagrada na lei
(portuguesa), as correlativas faculdades podem ser exercidas sem que tenha havido a
descoberta do recurso geológico ou sequer a do jazigo mineral (1994: 63).

O contrato de concessão para os direitos de prospecção, pesquisa e reconhecimento


atribui pois, na opinião de Ramos, um direito subjectivo cujo conteúdo serão «os
poderes e as vinculações relativos à actividade de prospecção e pesquisa» de
determinados recursos minerais (1994: 64), numa dada área.

44
. Estas definidas como “quantidade de recursos minerais existentes em cada jazida mineral” (nº 2).

35
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

No caso da LAGM, para além do direito de realização das actividades, a


concessionária tem ainda direito de acesso à informação geológica relevante na posse do
Estado (art. 6/2/i), a apenas se relacionar com uma única entidade da Administração
Pública, o chamado “interlocutor único” (art. 6/2/m), e ao reembolso, apenas no caso de
descoberta comercial, das despesas incorridas nestas actividades no âmbito do risco
obrigatório (art. 14º, «apenas a partir dos lucros da exploração das jazidas que forem
descobertas ou valorizadas»).

Na LAGM, os direitos são concedidos a empresas mineiras 45 em regime de


exclusividade (art. 6/2/a) para uma dada área (art. 5/5) e para os “minerais contratuais”,
isto é, os minerais discriminados no contrato (art. 5/6).

A duração dos direitos mineiros da 1ª fase está limitada a cinco anos (art. 5/5), findo
os quais os direitos caducam. No caso de direitos concedidos por prazo inferior a cinco
anos, as eventuais prorrogações até ao limite de cinco anos implicam a libertação de
50% da área concedida (art. 6/2/c).

O titular dos direitos mineiros está sujeito a um conjunto de obrigações de dare,


facere e non facere que devem vir previstas no contrato, das quais se destacam o
cumprimento de um plano de trabalhos (art. 6/2/b), a realização de investimentos
mínimos cujo montante vem também previsto no contrato (cit. art.), a prestação das
informações resultantes das actividades mineiras ao Estado (art. 6/2/f), a assumpção do
risco (mineiro) obrigatório (arts 14º e 6/2/p), para além de preferências de trabalhadores
e empresas angolanas na prestação de trabalho e serviço e fornecimento de bens (art.
6/2/d-e) e da sujeição a fiscalização do Estado (art. 6/2/k).

Os direitos da 1ª fase na LAGM, não necessitam, no entanto, de ser objecto de


contrato envolvendo simultaneamente as três actividades acima referidas. Por outras
palavras, podem ser concedidos direitos apenas para uma ou duas dessas actividades,
como é, por exemplo, o caso dos direitos para o kimberlito Catoca (Resol. nº 8/93, CM),
onde se atribuem apenas os direitos de pesquisa, reconhecimento e exploração visto
estar já realizada a prospecção.

45
. Sobre os requisitos subjectivos de concessão de direitos mineiros, ver o texto sobre acesso, secção
3.4.1.

36
Direito dos Recursos Naturais

Os direitos mineiros da 1ª fase são «intransmissíveis ou negociáveis» salvo


autorização do CM (art. 6/3).

A LAP prevê o direito de exercício de actividades de prospecção 46 (art. 6º), numa


dada área (art. 11º), por um período máximo três anos (art. 12/2), prorrogáveis
excepcionalmente (art. 12/3-5). Este direito parece ser distinto do direito de pesquisa,47
que inclui a prospecção mas apenas é atribuível à Concessionária Nacional.

Ao contrário da LAGM, na LAP este direito não é exclusivo (art. 35/3). Não é
necessária a associação à CN (art. 13º) e o direito não é qualificado como mineiro. A
licenciatária não tem qualquer preferência na atribuição do estatuto de associada da CN
para poder exercer as actividades mineiras subsequentes (art. 35/4).

Podem ser titulares deste direito de prospecção as sociedades nacionais ou


estrangeiras que preencham os requisitos previstos no art. 34º (comprovada idoneidade
e capacidade técnica e financeira).

A propriedade da informação produzida no âmbito do exercício desta actividade de


prospecção é do Estado (art. 36º), mas a licenciatária pode usar essa informação, bem
como a CN (art. 36/1). A licenciatária pode ser autorizada a vender a informação que
produziu em resultado das actividades de prospecção (art. 36/2) mas deve partilhar o
produto da venda com a CN (art. 36/3).

A licenciatária tem os direitos previstos no art. 28/1, dos quais se destacam, para
além de «executar os fazer executar os trabalhos» previstos na licença (art. 28/1/a) e o
direito de «ocupar, com respeito da lei e os direitos existentes, áreas necessárias à
execução dos trabalhos, bem como ao alojamento» do pessoal de campo (art. 28/1/c).
Tem as obrigações estabelecidas nos arts 7º, 24º-25º, 27º e algumas das obrigações da
CN previstas no art. 30/1 (por remissão do art. 28/2), das quais se destacam o

46
. Definidas na lei como «o conjunto de operações a executar na terra ou no mar, mediante utilização de
métodos geológicos, geoquímicos ou geofísicos, com vista à localização de jazigos de petróleo, com
exclusão de perfuração de poços, processamento, análise e interpretação de dados adquiridos nos
respectivos levantamentos ou da informação disponível nos arquivos do Ministério de tutela ou da
Concessionária Nacional, assim como estudos e mapeamento regionais conducentes a uma avaliação e
melhor conhecimento do potencial petrolífero da área.» (art. 2/19).
47
. Com efeito, ao definir pesquisa a lei considera-a «as actividades de prospecção, perfuração e testes de
poços conducentes à descoberta de jazigo de petróleo» (art. 2/14).

37
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

cumprimento, por sua conta e risco, de um programa de trabalhos (art. 30/1/b), a


prestação de uma garantia bancária (art. 32/1) para o cumprimento das obrigações de
trabalhos assumidas (50% do valor dos trabalhos orçamentados, art. 32/3), sujeição a
fiscalização (art. 31/1/f), bem como as obrigações de prestação da informação referida
no art. 30/1/g-i.

Fora de situações de licenças de prospecção, a LAP prevê a realização das


actividades mineiras (operações petrolíferas) em duas fases: a fase de pesquisa, que
inclui as operações de pesquisa e avaliação, e a fase de produção, que compreende as
operações de desenvolvimento e produção (art. 10/1). Estabelece que a concessão dos
direitos mineiros à CN como regra compreende os direitos para as duas fases (art. 10/1)
mas pode também referir-se aos direitos de uma só fase (art. 10/2). É interessante notar
que a lei, quando se refere às operações petrolíferas compreendidas no âmbito dos
direitos mineiros, não trata a prospecção autonomamente, incluindo-a, para estes fim, na
definição de pesquisa (art. 2/14).

A LAP trata pois a 1ª e 2ª fases de modo unificado, adiante tratado. De referir agora
apenas que na LAP o risco obrigatório é afectado às associadas da CN, tendo a lei um
formação de risco mais clara que a LAGM ao estabelecer que as associadas não têm
«direito à recuperação dos capitais investidos no caso de não existir uma descoberta
economicamente viável» (art. 18º).

Como se viu, aos diferentes direitos mineiros correspondem, na legislação mineira


moderna, fases com regimes jurídicos diferenciados. Descobertos minerais em
quantidade e outras condições que tornem viável a sua exploração comercial, passa-se a
uma outra fase da actividade mineira: a fase de produção ou exploração.

Se os direitos de prospecção, pesquisa e reconhecimento se referem ao exercício,


com caracter exclusivo ou não, de certas actividades mineiras, o direito de exploração
levanta o problema da transmissão da propriedade dos recursos extraídos do Estado para
a concessionária e desta para terceiros.

10.3.3. Natureza do direito de exploração na LAGM

A LAGM não define de modo claro o estatuto do direito de exploração. Em


primeiro lugar, evita-se qualquer norma explícita sobre a transmissão da propriedade

38
Direito dos Recursos Naturais

dos minerais extraídos e, em geral, sobre os efeitos patrimoniais do próprio contrato de


concessão. Em segundo lugar, dado que não se transmite a propriedade das jazidas,
haverá que inquirir que direitos relativos a minerais são constituídos pelo contrato de
concessão do direito de exploração, na medida em que, por definição, este contrato
implica a transmissão de direitos patrimoniais relativos a esses recursos. Esta questão
tem importância por razões várias, entre as quais se destacam as relativas à execução
patrimonial contra a concessionária, recurso desta a meios de defesa de direitos reais e,
ainda, o recurso pelo Estado a meios de defesa desses mesmos direitos de que é titular.48

A LAGM estabelece no art. 12/1 o conteúdo do direito de exploração,49 que integra


os seguintes direitos:
i. de extracção dos minerais;
ii. de «execução das operações de tratamento» de minerais; 50
iii. de comercialização (ver também LAGM, art. 18º); e
iv. de «alteração da configuração natural do solo, do subsolo, da plataforma
continental e de outros domínios estabelecidos em convenções internacionais sobre os
quais seja exercida a soberania nacional».

Os direitos que no art. 12/1 da LAGM integram o direito de exploração referem-se,


transpostas para quadros do Direito Civil, ao uso e fruição das jazidas de minerais (do
qual decorrerá a disposição dos minerais extraídos). A fruição decorrerá essencialmente
da faculdade de 'comercialização' (alienação) dos minerais extraídos (arts 12/1 e 18º, em
especial 18/1). Poderá não ser pacífico que a 'comercialização' (ou seja, colocação no
mercado) envolva necessariamente a titularidade dos minerais extraídos pela
concessionária, porquanto no contrato poderão ser adoptados esquemas em que esta
eventualmente actue como mandatária do proprietário dos recursos, o Estado.

48
. Diga-se de passagem que a importância desta discussão resulta de razões históricas, a ligação do
ordenamento angolano ao ordenamento português e, em consequência, ao quadro do CC. Têm especial
interesse nesta matéria os comentários que são feitos por Cordeiro sobre a construção dos direitos reais
(1993: 13-69). Ver ainda Carvalho, 1995: 17-46.
49
. Exploração como actividade é definida como o «conjunto de operações que têm como finalidade o
desmonte e extracção dos recursos minerais» (Cap. I/8);
50
. Beneficiação ou tratamento é definido na lei como o «conjunto de operações que têm como objectivo
a beneficiação, ou seja a separação e a concentração de recursos minerais extraídos, incluindo a lapidação
e industrialização de rochas ornamentais» (Cap. I/9).

39
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

No entanto, parece não ser essa nem a racionalidade da LAGM, nem a prática dos
contratos de concessão ou a posição maioritária na doutrina. Assim, por exemplo, e
relativamente à legislação portuguesa, Ramos considera que a ‘comercialização’
abrange «o transporte e a transmissão a qualquer título, desses recursos, sem
dependência de qualquer autorização» (1994: 69).

O direito de exploração é pois um direito menor que onera a propriedade estadual


dos recursos minerais. Para Cordeiro, os
direitos de mineração (...) quando existam, são direitos reais de gozo, de minas, (...)
não sendo a 'aquisição' (dos minerais) mais do que o resultado de uma (...) faculdade
de fruição (1993: 775).

São adiante enunciados alguns dos problemas levantados pela natureza do direito de
exploração na LAGM.

A. Usufruto

Se pretendermos caracterizar este direito real menor que onera a propriedade


estadual das jazidas, a primeira comparação em direito mineiro seria com o usufruto.
Com efeito, há legislações que referem expressamente um «usufruto mineiro» com um
conteúdo especial.

Assim, a lei polaca de 1994,51 no capítulo sobre «propriedade e usufruto mineiro»


(Cap. II) estabelece um regime com as seguintes características:

i. As jazidas que não constituem componentes de imóveis objecto de propriedade


privada são propriedade do Estado, que pode usar esses depósitos bem como alienar
direitos a eles relativos mediante contrato (oneroso) de concessão de um «usufruto
mineiro» (arts 7º e 10/1).
ii. São aplicáveis à propriedade estadual de depósitos de minerais, mutatis mutandis, as
normas sobre propriedade estadual de terras (art. 8º).
iii. O usufrutuário mineiro tem os direitos exclusivos de prospecção, pesquisa e
exploração e pode alienar esse direito (art. 9º).
iv. O usufruto extingue-se com o decurso do prazo de concessão ou a revogação da
concessão (art. 10/3).

51
. Lei das Actividades Geológicas e Mineiras (Dziennik Ustaw nº 27, item 96).

40
Direito dos Recursos Naturais

v. Em tudo o que não vier regulado na lei de minas aplica-se ao usufruto mineiro o
regime do Código Civil, com as necessárias adaptações (art. 13º).

Ora se as características do usufruto no CC (arts 1439º ss.) forem contrastadas com


as do direito de exploração na LAGM e na LAP, constata-se que o direito de exploração
integra os elementos de direito de gozo (faculdade de gozar temporariamente as jazidas
de minerais, as minas, incluindo de fruição dos minerais extraídos), não exclusivo
(porque coexistindo com a propriedade estadual das jazidas), temporário e limitado.52
Contudo, a característica de limitação, que no CC se refere à alteração da «forma e
substância» da coisa, e que é considerada um elemento essencial do usufruto no CC,53
não é coincidente quer com o regime de recursos não renováveis quer com o próprio
regime de concessão.

Com efeito, decorre da LAGM que a concessionária pode «alterar a forma e


substância» da jazida (art. 12/1), dentro de determinados limites (a proibição de
exploração ambiciosa do art. 12/2/c, por exemplo), como é próprio da actividade
exigida pelo destino económico da coisa. Essa alteração da forma e substância da jazida
decorrente da exploração tem como consequência que nunca a coisa poderá, extinto o
usufruto, vir a ser utilizada pelo proprietário a níveis iguais aos anteriores à constituição
do usufruto.

Portanto, ao longo da duração da concessão, os recursos não renováveis são


extraídos e não poderão as jazidas ser entregues ao proprietário no seu estado anterior,
isto é, o seu estado no momento da constituição do usufruto. Eventualmente, se a
concessão durar até ao esgotamento do recurso (LAGM, art. 13/2), a entrega da coisa,
da jazida de minerais, tal como Baade referiu a propósito do chamado «arrendamento
mineiro» (mineral lease), será impossível porque estes estão esgotados, sendo apenas
entregue a porção de solo e subsolo ('área', ‘concessão’) mas sem a coisa afectada, a
‘jazida’, a ‘mina’, o ‘depósito de minerais’, tal «invólucro vazio».

52
. Sobre as características do usufruto no CC, ver Cordeiro, 1993: 648-50 e ainda 658.
53
. Ver Cordeiro, 1993: 654-55, onde argumenta que o art. 1439º não tem natureza imperativa e que o
usufrutuário tem o gozo da coisa desde que respeite o seu destino económico que contudo está limitado
pela possibilidade de regresso da coisa ao estado anterior, ou seja, aquele que a coisa tinha no momento
da constituição do usufruto.

41
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Assim, o direito de exploração não nos aparecerá como um direito de usufruto tal
como definido no CC porque decorre do seu conteúdo a alteração de forma e substância
que impossibilita a utilização da coisa no seu estado anterior pelo proprietário quando o
usufruto se extingue. Contudo, num aprofundamento desta problemática, poderá
argumentar-se que o regime prescrito na lei para a utilização de minerais, as regras
sobre a produção, constitui a «definição da forma e substância», e que a legislação
mineira admite, como componente dessa definição de forma e substância, a sua
alteração de acordo com o fim económico do bem. Neste caso, as objecções atrás
referidas à natureza do direito de exploração como um usufruto não procederiam.54

No que respeita ao usufruto de coisas consumíveis,55 há no art. 1451º do CC uma


excepção à regra de respeito pela substância da coisa: «o usufrutuário pode servir-se
delas ou aliená-las». Contudo, o regime a seguir estabelecido não coincide com o
regime do direito de exploração: no CC, findo o usufruto, o usufrutuário é obrigado ou a
restituir o valor da coisa ou a fazer a restituição em espécie, o que não acontece no
direito mineiro, a menos que se considere as rendas do recurso nas suas diferentes
formas, percebidas pelo Estado ao longo do período de exploração, como antecipação
do preço a pagar nos termos do art. 1451º do CC.

Pode ainda argumentar-se que o regime do direito de exploração se afasta daquele


do usufruto porquanto se trata, na LAGM, de um direito de conteúdo bastante mais
limitado que a faculdade de gozo pleno da coisa no CC. O direito de exploração exige
uma cooperação constante entre o proprietário e o concessionário durante a execução do
contrato de longo prazo, com restrições grandes que se afastam do «carácter absoluto do
direito do usufrutuário, de ‘direito pleno’ (...) que dá inclusivamente ao seu titular a
possibilidade de o alienar por acto entre vivos» (art. 1444º).56

Por fim, há que referir que o art. 1457/1 do CC prevê um usufruto de concessão
mineira: «o usufrutuário de concessão mineira deve conformar-se, na exploração de

54
. Agradeço ao Dr Jorge Silva a chamada de atenção para este aspecto.
55
. «As coisas consumíveis são, como se sabe, aquelas cujo uso regular importa a sua destruição (consumo
material) ou a sua alienação (consumo jurídico)» e o usufruto destas coisas tinha a designação clássica de
quase-usufruto (Pires de Lima e Varela, 1972, Vol. III: 415, comentário ao art. 1451º). Ver a definição de
coisas consumíveis no art. 208º do CC.
56
. Pires de Lima e Varela, 1972: 391, anotação ao art. 1439º.

42
Direito dos Recursos Naturais

minas com as praxes, seguidas pelo respectivo titular». Para Pires de Lima e Varela, o
art. 1457º «regula separadamente duas hipóteses»: i. «a de o usufruto ter por objecto
uma concessão mineira» (art. 1457/1) e, ii. «a de esse direito incidir sobre terrenos onde
existam explorações mineiras concedidas a terceiros» (art. 1457/2).
No primeiro caso, quanto à forma como a mina deve ser explorada, adoptou-se o
mesmo critério (subjectivo) que prevaleceu quanto aos cortes nas matas (art. 1455º) e
quanto ao arranque das plantas de viveiro (art. 1456º). A solução tem, entre outras, a
principal vantagem de evitar que a ânsia de lucro do usufrutuário o leve a cansar
excessivamente a mina, em detrimento dos legítimos interesses do proprietário (Pires
de Lima e Varela, 1972: 427, anotação ao art. 1457º).

Ora este usufruto de concessão não é o direito de exploração regulado na LAGM mas
poderá ser um usufruto do direito de exploração, tendo em conta o disposto no art.
1439º do CC. Ou seja, o direito previsto no CC não pode no ordenamento angolano
referir-se ao usufruto de jazidas mas do direito de exploração (usufruto de direitos).
Contudo, a LAGM sujeita a transmissão de direitos mineiros a autorização prévia (arts
6/3 e 11/8), havendo, no caso do direito de exploração, um direito de preferência do
Estado (art. 11/8).

Havendo essa autorização, e admitindo-se a existência de direitos reais sobre direitos,


poderá ser admissível a constituição de usufruto do direito de exploração, decorrendo do
art. 1457/1 do CC que o usufrutuário do direito de exploração teria que usar e fruir as
jazidas nos termos estabelecidos na lei e no contrato de concessão.

B. Direito do locatário

No direito mineiro encontramos em algumas legislações a expressão «arrendamento


mineiro» (mineral lease), o que poderá levar a abordar-se, dada a influência das
empresas de cultura anglo-americana nesta área do Direito de Recursos Naturais, o
direito de exploração como um direito do locatário.

Pelo contrato de locação o locador proporciona a outrem o gozo temporário de uma


coisa, mediante retribuição (CC, art. 1022º). No caso de a locação se referir a coisa
imóvel, teremos uma modalidade de locação, o arrendamento. Admite-se hoje que o
direito do locatário é um direito real de gozo de coisa alheia, caracterizado pela
temporalidade e pelas obrigações de pagamento de uma renda e de restituição da coisa.

43
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Se poderia ser discutível a questão do pagamento da renda, a obrigação de


restituição da coisa afasta ainda de modo mais claro que no usufruto que o direito de
exploração nos apareça como o direito do locatário.

No entanto, tal como com o «usufruto mineiro», encontramos em alguns


ordenamentos o muito discutido «arrendamento mineiro». Este não é «um arrendamento
em sentido estrito», mas um contrato pelo qual são atribuídos a «um operador mineiro
os direitos mineiros (entendidos como «direitos de extrair e dispor de minerais
existentes no solo ou no subsolo») para uma área determinada», mediante o pagamento
de uma renda, o royalty, soma convencionada para cada quantidade ou valor definidos
de mineral extraído.57 O mining lease é oriundo dos sistemas de acessão ou mistos e
expandiu-se em sistemas como o dominial. Tem sido discutida a sua natureza jurídica,
quando contrastado com categorias próprias dos ordenamentos receptores dessa figura.58

Por exemplo, ao analisar o mineral lease, Baade discute o regime de propriedade de


minerais e sua relação com outros direitos, incluindo a problemática da cisão entre
propriedade da superfície e do subsolo (no quadro generalizado de propriedade estadual
de recursos minerais). Enfatizando que o direito mineiro «se desenvolveu
principalmente a partir de (regimes de) terras conquistadas ou não povoadas»,59
considera, no entanto, o regime do direito de propriedade privada fundamental para a
sua análise. Sobre a natureza do direito de exploração, tal como expresso nos
“arrendamentos mineiros” (dos concessionários do direito de exploração), Baade
considera que não se trata nem de usufruto, nem de uma servidão, nem sequer de um
direito de crédito assimilável à compra e venda:
com ou sem numerus clausus, qualquer sistema moderno de propriedade da terra
consiste em geral de três componentes principais: i. propriedade, ii. arrendamento e,

57
. The Glossary of Property Terms, 1989: 121-22.
58
. Dando um exemplo a adopção deste “arrendamento”, a legislação petrolífera da Nigéria prevê a
atribuição de direitos de exploração de hidrocarbonetos através de leases, que conferem ao seu titular
«todos os direitos do titular de uma licença de prospecção, e ainda “o direito exclusivo de, dentro da área
arrendada, realizar operações de prospecção e pesquisa e apropriar, transformar, armazenar, transportar,
exportar ou de qualquer outro modo tratar o petróleo descoberto em ou sob a área arrendada”. Durante a
vigência de um arrendamento, terá de pagar uma renda anual (que é dedutível do royalty devido)»
(Etikerentse, 1988: 28).
59
. Baade continua: «Mesmo o sistema de 'apropriação em primeiro lugar' dos direitos relativos a águas no
Oeste dos EUA é essencialmente um produto do costume dos mineiros no domínio público federal - em
que, pelo menos do ponto de vista estrito da lei, os mineiros não tinham nem a propriedade da terra, nem
das águas nem mesmo dos minerais» (1992: 9).

44
Direito dos Recursos Naturais

iii. garantia (hipoteca). Os direitos mineiros podem ser acomodados neste esquema
de modo mais conveniente pelo reconhecimento do título mineiro como um direito
de propriedade separado e à parte da propriedade da superfície, mas isto adia em vez
de solucionar o problema prático de abordar o instrumento conhecido como
«arrendamento mineiro» (mineral lease), que requer substancialmente menos que a
propriedade plena perpétua de minerais. O desmembramento generacional da
propriedade entre usufruto e propriedade nua ou de raiz não só torna o
“arrendamento mineiro” muito mais complicado quando aplicado à totalidade do
imóvel, mas também fracassa como análogo do “arrendamento mineiro” pois
enquanto o usufrutuário (ou o arrendatário vitalício) tem de preservar a substância do
imóvel, o fim próprio de um “arrendamento mineiro” é esgotar o recurso mineral
“arrendado”. Por fim, pela mesma razão, um “arrendamento mineiro” não é um
arrendamento no sentido comum do termo, na medida em que se espera, em termos
óptimos, que o arrendatário devolva intacto o invólucro vazio do objecto arrendado.
Seria apressado, aqui, procurar uma solução na compra e venda,60 porquanto o
“comprador” de minerais que ainda têm de ser descobertos e extraídos visa um
direito de propriedade actual oponível não apenas ao “vendedor” mas também a
terceiros (e, por razões financeiras, potencialmente a favor de terceiros). (...) A
África do Sul (um país com um sistema de direito romano-germânico não codificado
e que incorpora a noção de direito romano de título unitário), resolveu o dilema do
operador mineiro considerando, por decisão judicial, o “arrendamento mineiro” uma
quase-servidão. Na Alemanha (um país com um sistema romano-germânico de
direito codificado incorporando um numerus clausus dos direitos reais), tiveram de
ser criados, por legislação local, direitos mineiros transmissíveis e com caracter
real,61 no e do “arrendamento mineiro” por proprietários da superfície com um título
relativamente aos minerais aí existentes, porquanto um regime meramente
obrigacional demonstrou não atrair empresas mineiras (e os seus credores). Assim,
parece razoavelmente claro que a questão legal central no direito mineiro moderno
não é da propriedade de minerais ainda não descobertos (minerais in situ) ou
extraídos mas a construção de regras que assegurem os elementos principais das
concessões mineiras desde os proprietários dos minerais até aos operadores. Neste
domínio, a propriedade estadual de minerais in situ é um ponto de partida muito
conveniente porque permite a criação de direitos reais transmissíveis uno actu (1992:
8-11).

Ora se tivermos por referência esta categoria, encontrávamos no ordenamento


angolano, relativamente a petróleos, o Dec. nº 41 356 que se referia a «arrendamento
das explorações» (art. 2/para. ún., transmissão ao arrendatário da obrigação do
pagamento do royalty sobre petróleos) e o Dec. nº 41 357 regulando aspectos fiscais
relacionados com «arrendamento da mesma (concessão do Estado)», (corpo do art. 2º,
sobre os contribuintes do imposto sobre rendimentos de petróleos). O «arrendamento de
exploração» ou «arrendamento de concessão» foram proibidos pelo art. 4º da antiga

60
. De coisas futuras, ver CC, art. 880º.
61
. Direito de propriedade é usado aqui no sentido anglo-americano de direito patrimonial ('property').

45
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

LAP (art. 5º da actual lei), no âmbito da intransmissibilidade dos direitos mineiros


relativos a petróleos («alienação total ou parcial dos direitos mineiros», LAP, art. 5º).

C. O direito de exploração como um direito real de tipo novo

Com base no regime do direito de exploração na LAGM, pode-se considerar este


direito um direito real de gozo de coisa alheia, que coexiste com (onera) a propriedade
estadual das jazidas de minerais, referido a uma área delimitada nos termos do art. 11/5
da LAGM.

O direito de exploração é na LAGM um novo direito real, diverso dos previstos no


CC, que tem as seguintes características:

i. Direitos de uso e fruição62 das jazidas de minerais, dentro dos fins a que a coisa se
destina, que implicam a posse das jazidas, mas não da superfície (art. 11/2), salvo
quanto aos terrenos referidos nos arts 11/5 e 12/2/f. Os direitos compreendem também a
posse, tratamento e disposição (“comercialização”) dos minerais extraídos. O uso e
fruição das jazidas são feitos em condições, estabelecidas na lei ou contrato, muito
restritivas do conteúdo dos direitos quando contrastadas com o regime do CC. Dessas
condições destacam-se:
- o cumprimento de um plano de exploração63 aprovado pelo Estado e nos prazos
convencionados (art. 12/2/a), incluindo a observância de taxas de extracção
estabelecidas no plano;
- o cumprimento de determinadas regras técnicas segundo a «melhor metodologia da
tecnologia mineira» (art. 12/2/a);
- a proibição de abandono de exploração de jazidas menos rentáveis (art. 12/2/c);
- a proibição da redução ou suspensão das operações de exploração sem autorização
prévia (arts 13/3 e 13/4);
- o cumprimento das normas de protecção ambiental (art. 12/2/e);
- a subordinação a fiscalização do Estado (art. 24º).

62
. Uso e fruição são entendidos como «aproveitamento das utilidades permanentes da coisa e a
apropriação do resultado das suas potencialidades produtivas, naturais ou jurídicas» (Cordeiro, 1993:
651).
63
. Plano de exploração é definido na LAGM como o «projecto de execução das operações de exploração
e de beneficiação, contendo a descrição dos métodos e das instalações, a programação fg das operações, o
cálculo dos custos e a previsão dos resultados económicos e financeiros (Cap. I/14).

46
Direito dos Recursos Naturais

Assim, este direito de uso e fruição é, em consequência, menos intenso que as


faculdades de gozo do usufrutuário no CC («gozo pleno»), implicando a intervenção do
Estado por actos unilaterais no exercício dos direitos mineiros.

ii. Temporalidade: os direitos são sempre concedidos por um prazo, que inclui eventuais
prorrogações, e extinguem-se verificado esse prazo (LAGM, arts 13/1, 13/2 e 17/b).

iii. Transmissibilidade dos direitos: embora a LAGM estabeleça no art. 6/3 a proibição
de «transmissão, alienação ou negociação» da «licença de prospecção», excepto no caso
de autorização expressa do CM, quanto ao direito de exploração a lei apenas prevê
indirectamente um direito de preferência do Estado na «aquisição do título de
concessão» (art. 11/8). No entanto, como se considera que a lei regulou exaustivamente
os direitos mineiros da 1ª fase, tratando na parte relativa ao direito de exploração apenas
no que lhe é específico, são aplicáveis ao direito de exploração as disposições
pertinentes sobre dos direitos de prospecção, pesquisa e reconhecimento, neste caso o
art. 6/3. Assim, entende-se ser possível a transmissão dos direitos mineiros desde que
autorizada pelo CM. O que é específico do direito de exploração é o direito de
preferência do Estado na cessão da posição no contrato de concessão. Esta interpretação
vem reflectida em alguns contratos de concessão que incluem cláusula prevendo a
possibilidade de cessão de posição contratual, sem prejuízo do direito de preferência do
Estado.64

iv. Obrigações de dare e de facere, legais ou contratuais, em especial o cumprimento de


um plano de exploração aprovado pelo Estado, a realização das actividades mineiras
segundo as regras da melhor metodologia da tecnologia mineira (art. 12/2/a), a
protecção do ambiente (arts 12/2/e e 21º), o pagamento de renda do recurso sob formas
várias, das quais se destaca um royalty65 (por exemplo, LAGM, arts 12/2/a e 15/2/a), o
recrutamento e formação de trabalhadores angolanos (art. 6/2/d) e o cumprimento das
regras de segurança e higiene no trabalhos (art. 12/2/d), obrigações cujo cumprimento
implica uma cooperação mais ou menos intensa entre proprietário e titular do direito de
exploração.

64
. Assim, por exemplo, o art. 24º do Contrato para o Projecto Luzamba (concessão de direitos mineiros
para diamantes em bruto à SDM), estabelece que «1. A Concessionária poderá ceder os direitos mineiros,
total ou parcialmente, salvo o disposto no nº 3 do artigo 6º e no nº 8 do artigo 8º da Lei nº 1/92».
65
. Refere-se aqui especificamente o royalty («imposto sobre o valor dos minerais extraídos».

47
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

v. Obrigação de restituição da coisa: («área», «mina», «jazida») findo o prazo da


concessão (ou verificadas outras causa de extinção do direito), no estado em que se deve
encontrar segundo duas categorias preestabelecidas de limitações:
- as regras sobre abandono de situ, ou seja, sobre o estado em que deve ser devolvida a
«área» de acordo com determinadas exigências ambientais (LAGM, art. 12/2/e), e,
- a obrigação de cumprimento do plano de exploração e de regras técnicas aplicáveis,
que implicará um dado estado físico da jazida e dos níveis de reservas no momento da
extinção do direito (LAGM, art. 12/2/a).

Para finalizar, e na óptica da tipicidade dos direitos reais, uma solução no sentido
aqui apontado dependerá de se averiguar se foi intenção do legislador na LAGM criar
um direito real. A ambiguidade da LAGM deixa em aberto esta discussão. Como
decorre do art. 1306/1 do CC, a tipicidade dos direitos reais implica «a impossibilidade
da constituição de direitos reais não previstos na lei», por contrato ou acto unilateral
privado, mas nada impede o legislador de criar outros direitos reais para além dos
previstos no CC.66

Há legislações que referem expressamente tratar-se de um direito real diverso dos


tipificados no direito civil. Assim, por exemplo, a legislação do Peru é bastante mais
clara que o habitual. Estabelece-se aí que os direitos mineiros («direitos de concessão»)
são direitos reais compostos de poderes diversos (arts 9º-14º, 17º conjugados ainda com
os arts 77º e 79º ss.).67 O art. 17º dessa lei estabelece:
A concessão mineira outorga ao seu titular um direito real que consiste na soma dos
atributos que esta Lei reconhece ao concessionário. As concessões mineiras são
irrevogáveis desde que o seu titular cumpra as obrigações previstas nesta Lei para a
sua vigência.

Relativamente ao direito de exploração, «o direito de explorar substâncias minerais


concedidas dentro da área da concessão», a lei peruana consagra expressamente como
integrando o seu conteúdo “a propriedade das substâncias minerais extraídas” (art. 10º).

66
. Ver por exemplo, Cordeiro, 1993: 333-38.
67
. Decreto Legislativo nº 106 (1981), Lei Geral das Actividades Mineiras.

48
Direito dos Recursos Naturais

10.3.4. Os direitos mineiros na LAP

Quanto à LAP, nem todos os direitos de exercício de actividades petrolíferas


(«operações petrolíferas»)68 nela previstos são direitos mineiros porquanto, como se viu,
a lei qualifica como mineiros direitos concedidos à CN e expressamente atribui a outras
entidades direitos (de realizar actividades petrolíferas), quer autonomamente como no
caso do titular da licença de prospecção, quer em resultado do que parece ser um
subcontrato (infra).

Assim, o art. 6º estabelece que as operações petrolíferas apenas podem ser exercidas
mediante licença para as actividades de prospecção (art. 28º), e concessão (exclusiva da
CN nos termos do art. 4º conjugado com o art. 44º). O art. 44º prevê que, pelo decreto e
concessão, sejam atribuídos à CN direitos de «executar as operações petrolíferas numa
determinada área». Trata-se aqui de direitos mineiros.

No entanto, o art. 13º sobre o princípio da obrigatoriedade associativa prevê que


qualquer
sociedade que pretenda exercer em território nacional operações petrolíferas fora do
âmbito da licença de prospecção apenas o poderá fazer conjuntamente com a
Concessionária Nacional nos termos do artigo seguinte.

As sociedades nacionais ou estrangeiras associam-se à CN segundo diversas


modalidades contratuais (art. 14º). Mediante a celebração desses contratos, essas
entidades adquirem o direito de realizar as operações (actividades), como decorre aliás
do art. 31/1 conjugado com o art. 29/1/a. Para tal, as associadas da CN gozam dos
direitos da CN previstos no art. 29º, que são, com excepção dos direitos constantes do
art. 29/1/a, direitos acessórios. Entre as empresas que realizam operações petrolíferas
destaca-se a operadora, definida na lei como «a entidade que executa, numa dada
concessão petrolífera, as operações petrolíferas» (arts 2/13 e 19º da LAP).

Na perspectiva da realização de actividades estamos perante uma reserva de


controlo do Estado (LDS, art. 12/1) pois estas actividades, salvo a prospecção no âmbito
de licença, só podem ser realizadas pela CN ou em associação com ela (art. 13º) e a

68
. Operações petrolíferas são definidas na LAP como «as actividades de prospecção, pesquisa, avaliação,
desenvolvimento e produção de petróleo realizadas ao abrigo desta lei» (art. 2/12). A pesquisa, como se
viu, abrange a prospecção. Sobre as definições destas actividades na LAP, ver o texto sobre «Os recursos
naturais», secção 1.2.4 (sobre minerais).

49
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

empresa pública deve ter participação maioritária de 50% no capital de cada projecto, a
menos que o CM autorize uma participação mais baixa (art. 15º). Independentemente do
valor da sua participação financeira, a CN participa sempre na direcção de operações
petrolíferas (art. 17º).

Ao contrário do que acontece com os regimes de exercício de outras actividades que


não sejam referidas a recursos propriedade do Estado, os direitos de realizar operações
petrolíferas previstos na LAP estão sujeitos a prazos de duração (arts 10º, 12º e 48/2/c).
Como regra (art. 10/2), os direitos mineiros da CN são concedidos para as duas fases,
havendo dois períodos, de pesquisa e de produção (art. 10/1). Os prazos de duração de
cada período são fixados no decreto de concessão (art. 12/1), podendo ser
excepcionalmente prorrogados pelo ministro de tutela, a pedido da CN (arts 12/3-4).

Os direitos mineiros referem-se sempre a uma área (arts 11º) que constará do
decreto de concessão (48/2/b). Dado os direitos serem em geral concedidos para as duas
fases, o art. 66º estabelece que findo o período de pesquisa será feita a demarcação
definitiva da área, considerando-se libertadas as áreas que não constem da demarcação
definitiva (art. 66º).

A CN pode requerer ao ministro de tutela a realização de trabalhos de prospecção


em área contígua à de uma concessão, quer esta esteja ou não sob concessão (art. 61º).
No caso de a área em causa estar sob concessão, os trabalhos de prospecção apenas
podem ser realizados desde que não prejudiquem as operações petrolíferas da área
contígua (cit.art.). A concessão de direitos mineiros para petróleos não confere
quaisquer direitos para extracção de outros minerais, salvo quando tal tenha sido
expressamente autorizado (art. 80º).

Assim, quando os direitos de exercer actividades petrolíferas são concedidos à CN,


são qualificados como direitos mineiros. Quando esses direitos são atribuídos por
licença ou por qualquer dos contratos previstos no art. 14º, não podem ser entendidos
como direitos mineiros mas apenas direitos de exercício de actividades relativas a bens
do domínio público, as jazidas de petróleos. Deixando de lado a questão do direito de
prospecção já vista e regulada de modo autónomo na LAP, o que diferencia então os
direitos da CN de realizar operações petrolíferas dos direitos das associadas de também

50
Direito dos Recursos Naturais

realizar essas operações? Apenas uma comparação do conteúdo positivo e negativo dos
diferentes direitos permitirá estabelecer a diferença entre uns e outros.

A. Direitos e obrigações da Concessionária Nacional

A CN tem os seguintes direitos:

i.O direito de realizar operações petrolíferas na área (arts 6º, 7/3, 44º e 29º), incluindo os
direitos de «livremente programar, projectar, executar ou mandar executar, os trabalhos
a que estejam obrigados ou autorizados, utilizando os meios humanos e técnicos
adequados (art. 7/3);

ii. O direito a uma quota do petróleo produzido (art. 81/2).

iii. O direito de participar na direcção das operações petrolíferas (art. 17º);

iv. O direito de preferência na cessão de posições contratuais nos contratos de


associação previstos na LAP (art. 16/5);

v. O direito de aquisição dos bens usados na concessão em caso de reversão (art. 57º);

vi. O direito de receber uma renda, dividindo o produto da venda de informação com
empresas titulares do direito de prospecção, no caso de licença de prospecção (art.
36/3);

vii. Direitos de consulta obrigatória pela Administração Pública como, por exemplo, os
previstos no arts 16/4, 36/2 e 44/4/b;

viii. Os direitos acessórios estabelecidos no art. 29º (infra).

Mas trata-se apenas de direitos de uso de bens do domínio público ou de uso e


fruição? Tal como acontece com a LAGM, será necessária ver o regime da propriedade
dos minerais extraídos. A LAP trata esta questão indirectamente, a propósito do
momento de transmissão da propriedade do petróleo extraído, ao estabelecer que «o
ponto de transferência da propriedade do petróleo produzido situa-se sempre fora ou
para além da boca do poço» (art. 82º). A lei enfatiza o facto de que enquanto se encontra
nas jazidas os petróleo é propriedade do Estado. Mas quanto à transmissão da
propriedade, ela pode efectuar-se por títulos muito diversificados.

51
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Mas, sob a epígrafe «disponibilidade do petróleo produzido», o art. 81º estabelece


que as associadas da CN «podem dispor livremente da sua quota-parte do petróleo
produzido nos termos da presente lei e demais legislação aplicável». Ora se estas podem
dispor do petróleo extraído, também a CN o pode fazer. Contudo, o art. 81/2 estabelece
que a «disponibilidade do petróleo produzido» pela CN está sujeita a normas especiais a
aprovar pelo Governo.

Esta disposição estabelece, portanto, que tanto a CN como as associadas têm direito
ao petróleo produzido nos termos dos contratos. Quando a lei se refere a quota, pode ter
em vista duas situações: i. ou o direito das associadas a uma quota da produção no
âmbito de CPPs69 ou de contratos de o consórcio;70 ii. ou ainda de contrato de sociedade
que inclua uma cláusula de partilha de produção.

A distinção entre os direitos da CN (direitos mineiros) da CN e os direitos das


associadas parece, na actual LAP, referir-se essencialmente à natureza real ou não dos
direitos de que são titulares. Como se viu, os direitos mineiros são considerados, em
muitos ordenamentos e por parte da doutrina, direitos reais de gozo de jazidas
propriedade do Estado.71 Por essa razão, a lei qualificaria os direitos da CN de direitos
mineiros e os direitos das associadas de direitos de executar operações. Assim, parece
ter sido intenção do legislador ao distinguir entre direitos mineiros da CN e direitos das
associadas sobre o petróleo extraído. Estas terão um direito de crédito sobre o petróleo
extraído e aquela será a titular do direito de uso e fruição das jazidas. A CN terá um
direito de uso e fruição de jazidas, o que lhe permite, mesmo antes da sua descoberta
comercial, transmitir por contrato a propriedade de parte dos minerais que venham a ser
encontrados como remuneração dos serviços prestados pelas associadas sendo os

69
. Relembrando, o CPP é um contrato de prestação de serviços por grosso em que a prestadora (s) de
serviços é remunerada com uma quota da produção que se divide, na indústria petrolífera, em petróleo de
custo e petróleo de lucro.
70
. O contrato de consórcio vem regulado na Lei nº 19/03, e é definido no art. 12º como o «contrato pelo
qual duas ou mais pessoas singulares ou colectivas, se obrigam entre si a, de forma concertada e
temporária, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição, com vista a, nomeadamente (...): d)
pesquisa e exploração de recursos naturais». Nos consórcios externos cujo objecto seja a exploração de
recursos naturais, «cada um dos membros do consórcio deve adquirir directamente a parte dos produtos
que lhe caiba» (art. 23/1) sem prejuízo de esta poder ser vendida por um dos membros do consórcio por
conta de outro membro (art. 23/3).

71
. Ver a subsecção 10.3.3.

52
Direito dos Recursos Naturais

direitos destas sobre o petróleo direitos de crédito resultantes dos contratos com eficácia
real previstos no art. 14/2.

A livre disposição do petróleo propriedade da CN e das associadas está sujeita a


restrições relacionadas com o abastecimento do mercado interno previstas nos arts 78º e
79º. O Governo pode ordenar à CN e associadas que vendam parte da sua quota de
petróleo para «satisfação das necessidades de consumo interno» do País (art. 78/1. Os
preços serão pagos no prazo de 30 dias após o fornecimento, em moeda convertível
internacionalmente e calculados segundo as regras estabelecidas no contrato para
avaliação de rendimentos fiscais (art. 78/4). No entanto,
a participação da CN e das associadas na satisfação do consumo nacional não pode
exceder a proporção entre a produção anual proveniente da área da concessão e a
produção anual global de petróleo na República de Angola, nem ser superior a 40%
da produção total da área da respectiva concessão (art. 78/3).

O Governo pode ainda, em caso de emergência nacional e por decreto executivo do


ministro de tutela (art. 79/2), requisitar a totalidade ou parte da produção de qualquer
concessão «líquida de consumos próprios», bem como as instalações de qualquer
concessão petrolífera (art. 79/1). Nestes caos, o Governo pode ainda ordenar à CN e às
associadas que aumentam a produção «até ao limite máximo viável» (cit. art.). O valor
da produção requisitada é calculado e pago seguindo os critérios das vendas
compulsivas para abastecimento do mercado interno (art. 79/3/b e 79/5). O Estado deve
«compensar inteiramente» a CN e associadas do «valor de todas as perdas e danos que
resultem directamente da requisição» (art. 79/3/a), salvo dos «resultantes de actos de
guerra perpetrados for forças inimigas» (art. 79/4).

Assume-se assim que os direitos mineiros da CN são de direitos de uso e fruição das
jazidas de petróleos do domínio público do Estado, que incluem os direitos acima
referidos, em especial a participação na direcção das operações ainda que com
participação minoritária no contrato (art. 17º). Estes direitos estão sujeitos a um
conjunto de restrições, para além das acima referidas quanto à disposição do petróleo.
Com efeito, são obrigações da concessionária:

i. Usar a área ou as jazidas de acordo com diversos planos e programas previamente


aprovados pelo Estado: planos de trabalhos (arts 58º), planos de desenvolvimento (arts
63º e 69/1) e planos de produção (arts 70º), planos de transporte e armazenagem (art.
72º), e ainda dos planos previsto no Dec. nº 39/00. Do plano de desenvolvimento deve
53
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

constar o aproveitamento do gás natural, salvo no caso de campos marginais e de


pequena dimensão (art. 73º).

ii. Realizar as operações de acordo com as regras da «boa técnica e prática da indústria
petrolífera» (art. 7/1), pesquisando e produzindo o petróleo «de modo racional segundo
as regras técnicas e científicas mais apropriadas em uso na indústria petrolífera e de
acordo com o interesse nacional» (arts 21/1 e 30/1/b)

iii. Assegurar que a operadora mantém no país um sistema de «serviços de apoio que
lhe permita gerir autonomamente e executar de forma eficiente as operações
petrolíferas» (art. 83º).

iv. Conduzir e executar as operações de forma prudente, com respeito pelas normas de
segurança de pessoas e instalações, em geral, e de segurança, higiene e saúde no
trabalho «em vigor na indústria petrolífera internacional» (arts 7/2 e 23/1).

v. Conduzir e executar as operações petrolíferas «tomando todas as precauções


necessárias para a protecção ambiental, com vista a garantir a sua preservação,
nomeadamente no que concerne à saúde, água, solo e subsolo, ar preservação da
biodiversidade, flora, fauna, ecossistemas, paisagem, atmosfera e valores culturais,
arqueológicos e estéticos (arts 7/2 e 24/1). A CN deve cumprir os planos exigidos pela
legislação em vigor, dos quais se destacam os planos previstos no Dec. nº 39/00, bem
como elaborar os estudos de impacto ambiental para os fins estabelecidos no Dec. nº
51/04 (art. 24/2). Ainda no domínio de obrigações relacionadas com a protecção do
ambiente, a LAP exige que a CN apresente ao ministério de tutela planos de
recuperação paisagística e os procedimentos permanentes de gestão e auditoria
ambientais (cit.art.) e, ainda, planos de abandono de instalações, que incluirão a
«recuperação paisagística» (art. 75/1 e 75/5).

vi. Proceder a estudos desde que verifique indícios da presença de petróleo (art. 30/1/c).

vii. Não iniciar a produção comercial sem prévia autorização do ministro de tutela (art.
69/2).

viii. Proceder à medição diária e registo de todo o petróleo extraído e recuperado


segundo métodos e usando instrumentos certificados nos termos da legislação em vigor

54
Direito dos Recursos Naturais

e da boa técnica e prática da indústria petrolífera, informando semanalmente o


ministério de tutela sobre a produção de cada área (art. 71º).

ix. Realizar concursos para execução dos programas de trabalhos aprovados, salvo no
caso de autorização do ministério de tutela (art. 30/1/j).

x. Recrutar e assegurar a formação de trabalhadores angolanos (art. 86º), «salvo quando


não houver no mercado de trabalho cidadãos angolanos coma qualificação e experiência
exigidas» (art. 86/1).

xi. Dar preferência a empresas angolanas no fornecimento de bens e na prestação de


serviços, preferência que abrange não só situações de igualdade de preços e condições
mas também os preços superiores até 10% aos de fornecedores e prestadores de serviços
estrangeiros (art. 27º).

xii. Cooperar com o Estado na promoção do desenvolvimento económico e social do


País (art. 26/2).

xiii. Contratar os seguros necessários (art. 30/2), em especial porque o regime geral de
responsabilidade civil da CN e das associadas é o do art. 493º do CC (LAP, art. 25/1),
ou seja inversão do ónus da prova de culpa para actividades consideradas perigosas.72

xiv. Submeter-se a fiscalização do Estado (art. 30/1/f) e prestar as informações referidas


no art. 30/1/e-i, bem como outras exigidas por lei ou regulamento, como, por exemplo
as relativas a descoberta comercial (art. 62/5).

Do que atrás ficou dito podemos concluir que os direitos mineiros da CN têm na
LAP as seguintes características:

i. Direito de uso e fruição das jazidas de petróleo sujeita a grandes limitações reflectidas
em especial na sujeição a autorizações prévias de um conjunto de decisões tomadas no
âmbito da realização das operações petrolíferas.

72
. O art. 25/3 contem uma disposição esclarecendo a questão da responsabilidade civil no caso de acto
autorizativo das autoridades competentes, prevendo que as «aprovações e autorizações não as eximem (a
CN e as associadas) de responsabilidade civil em que possam incorrer» relativamente aos actos aprovados
ou autorizados.

55
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

ii. Temporalidade: os direitos são sempre concedidos por um prazo estabelecido no


decreto de concessão (arts 12º e 48/2/c).

iii. Intransmissibilidade: os direitos mineiros não podem ser total ou parcialmente


alienados, sendo nulos e de nenhum efeito os negócios jurídicos que envolvam a sus
disposição (art. 5º).

iv. Obrigações de dare, facere e non facere legais ou contratuais (art. 30/1), algumas das
quais já foram atrás referidas. É interessante que a LAP nada diz sobre pagamentos a
serem efectuados ao Estado, salvo quanto ao regime dos bónus de produção.

v. Obrigação de restituição da coisa (o poço, a área) quando os direitos se extingam por


qualquer causa. A área deve ser devolvida no estado em que deva encontrar-se tendo em
consideração o cumprimento dos diversos planos previstos na legislação petrolífera (arts
74º e 75º).

B. Direitos e obrigações das associadas da CN

Como se viu, qualquer sociedade que pretenda exercer actividades petrolíferas deve
associar-se à CN (LAP, art. 13º). É importante salientar que a reserva de controlo
estabelecida na LAP se refere às actividades petrolíferas “a montante” (upstream), ou
seja as que se referem à realização de operações petrolíferas tal como definidas na lei. O
regime de exercício das actividades “a jusante” (downstream), tais como a refinação de
petróleo e a distribuição de combustíveis é regulado por legislação específica.

As associadas devem ter idoneidade e capacidade técnica e financeira (art. 14/1) e


celebrar com a CN contratos de sociedade, de partilha de produção (CPPs) e de
consórcio (art. 14/2),73 cuja aprovação deve constar do decreto de concessão (art.
49/1/c).

A LAP refere ainda uma categoria à parte, o contrato de serviços com risco, que é
um contrato de prestação de serviços por grosso, pelo qual a prestadora de serviços não
tem direito a quota da produção, sendo remunerada em dinheiro, muito embora, tal
como nos outros contratos, lhe caiba suportar o risco obrigatório (art. 14/2 e 18º).

73
. Ver o sumário sobre acesso a recursos naturais propriedade do Estado.

56
Direito dos Recursos Naturais

Como se viu, desde que se associem à CN para uma concessão as associadas


partilham muitos direitos e obrigações com a concessionária:

i. Direito de realizar as operações petrolíferas na área da concessão e pelo período de


duração dos direitos mineiros da CN (arts 13º e 29/1/a, por referência do art. 31/1).

ii. O direito a uma quota do petróleo produzido, nos termos do contrato (art. 81º) e com
as restrições previstas nos arts 78º e 79º.

iii. O direito de participar em decisões da CN que afectem os seus estatuto contratual,


como no caso de renúncia aos direitos mineiros (art. 54/4) ou de acordo entre a CN e o
Estado para extinção do direitos mineiros (art. 52/2).

iv. Os direitos acessórios previstos no art. 29º, por referência do art. 31/1.

As associadas podem transmitir a sua posição contratual, e portanto os


correspondentes direitos e obrigações após autorização prévia do Ministro (art. 16/1) e
da CN (art. 16/4), que tem direito de preferência nessa transmissão, como se viu.

Quanto às obrigações, para além das previstas nos contratos, as associadas têm as
obrigações legais da CN estabelecidas no art. 30/1 (por referência do art. 31/2) e as
constantes do art. 31/2. Têm ainda as seguintes obrigações, que partilham com a CN:

i. Realizar as operações de acordo com diversos planos e programas previamente


aprovados pelo Estado, atrás referidos a propósito das obrigações da CN.

ii. Realizar as operações de acordo com as regras da «boa técnica e prática da indústria
petrolífera» (art. 7/1), pesquisando e produzindo o petróleo «de modo racional segundo
as regras técnicas e científicas mais apropriadas em uso na indústria petrolífera e de
acordo com o interesse nacional» (arts 21/1 e 30/1/b).

iii. Executar as operações de forma prudente, com respeito pelas normas de segurança
de pessoas e instalações, em geral, e de segurança, higiene e saúde no trabalho «em
vigor na indústria petrolífera internacional» (arts 7/2 e 23/1).

iv. Executar as operações petrolíferas «tomando todas as precauções necessárias para a


protecção ambiental, com vista a garantir a sua preservação» (arts 7/2 e 24/1), bem
como apresentar e cumprir os planos referidos a propósito das obrigações da CN.

57
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

v. Realizar concursos para execução dos programas de trabalhos aprovados, salvo no


caso de autorização do ministério de tutela (art. 30/1/j).

vi. Recrutar e assegurar a formação de trabalhadores angolanos (art. 31/2/a e 86º).

vii. Dar preferência a empresas angolanas no fornecimento de bens e na prestação de


serviços, nas condições previstas no art. 27º.

viii. Cooperar com o Estado na promoção do desenvolvimento económico e social do


País (art. 26/2).

ix. Contratar os seguros necessários (art. 30/3).

x. Submeter-se a fiscalização do Estado (art. 30/1/f) e prestar as informações referidas


no art. 30/1/e-i, bem como outras exigidas por lei ou regulamento, assegurando a
confidencialidade dessas informações (art. 31/2/b).

No caso de incumprimento «de forma grave ou reiterada» das suas obrigações


decorrentes da LAP por associada da CN, o Estado pode unilateralmente extinguir a sua
posição contratual (art. 44/7).

As associadas angolanas gozam de um estatuto especial da de apoios (art. 31/3),


com remissão para a LFEPA.

10.3.5. Momento da transmissão de propriedade de minerais

Assumindo que o direito de exploração é um direito de uso e fruição de jazidas do


Estado e que a CN e as associadas têm direito a uma quota do petróleo produzido,
levanta-se a questão de saber em que momento deste processo se opera a transmissão da
propriedade dos minerais do extraídos. Esta discussão não se refere aqui aos chamados
sistemas contratuais com eventual direito a quota de produção mas apenas aos contratos
e às licenças de concessão.

Embora a LAGM não contenha nenhuma disposição clarificando este aspecto, pode
assumir-se ser essa transmissão efectuada à boca da mina, por referência para o art.
15/2/a, a menos que os contratos disponham diversamente. Com efeito, estabelece este
artigo que o imposto sobre o valor dos recursos minerais extraídos (royalty), se
reportará, quando não houver tratamento, ao valor que o mineral tiver nesse momento.

58
Direito dos Recursos Naturais

Dado que a lógica do royalty é constituir uma primeira remuneração do Estado pela
diminuição do valor do seu subsolo resultante da extracção e eventual transmissão de
propriedade dos minerais extraídos, este critério será uma pista para se fixar o momento
da transmissão de propriedade, que por vezes vem regulado em contratos. Assim sendo,
e na falta de disposição contratual, deverá entender-se que enquanto não forem
extraídos (e porque o direito de exploração se refere, entre outros, à extracção) os
minerais continuam a constituir propriedade do Estado.

Por fim, na determinação do momento da transmissão da propriedade de minerais


extraídos, e se se assumir ser o contrato de concessão um contrato com eficácia real,
ainda que de natureza administrativa, poderá aplicar-se supletivamente o critério do art.
408/2 do CC ( «no momento da ... separação»).74

A LAP inclui, como se viu, uma disposição sobre esta questão. Sob a epígrafe
«propriedade do petróleo produzido», o art. 82º estabelece que
O ponto de transferência da propriedade do petróleo produzido situa-se sempre fora
ou para além da boca do poço, devendo o ponto de contagem do petróleo produzido
preceder o ponto de transferência da propriedade.

10.3.6. Direitos instrumentais dos direitos mineiros

Dadas as características próprias das actividades mineiras, incluindo o facto de em


muitos projectos a produção se destinar à exportação, levanta-se o problema da
atribuição de direitos instrumentais sem os quais os direitos mineiros não poderão ser
exercidos. Por exemplo, nos países em que haja licenciamento de actividades e
operações de comércio externo, o investidor que importe equipamentos para o projecto
e cuja produção se destine a exportação necessitará das correspondentes licenças, se for
caso disso. Se elas forem recusadas, em termos práticos ele ficará impossibilitado de
exercer os seus direitos mineiros.

Esta questão foi levantada a nível internacional em diferentes áreas. Assim, por
exemplo, Higgins considera que, embora a maior parte das resoluções da ONU tenha
sido redigida em termos de nacionalizações e requisições, pode-se levantar o problema
dos direitos adquiridos relativamente a outras situações para além da simples revogação

74
. Esta determinação é importante para efeitos de determinação de afectações de risco dada a regra res
suo domino perit.

59
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

da concessão (1981: 52). Arbitragens e decisões do Tribunal Internacional de Justiça


referem-se a situações como: i. imposição de proibição de exportações de minerais
objecto de contrato de concessão,75 ii. criação de um monopólio de facto pelo Estado.76
Em termos gerais a questão analisada era de saber se ao titular de um direito (por força
de contrato, em especial de concessão) eram retirados os benefícios daí decorrentes,
independentemente da forma utilizada. Assim,
A regra relativa ao respeito por direitos adquiridos é mais vasta que uma medida
cautelar contra expropriação pura e simples e abrange qualquer forma de
interferência por um Estado com o exercício e gozo dos seus direitos. A ideia
subjacente é que o beneficiário do direito deveria ser autorizado a reter o benefício.
Aqui o princípio operativo inclui (...) a destituição de direitos de disposição de bens,
e a violação administrativa que torne impossível o exercício desses direitos.
(O'Connel, citado em Higgins, 1981: 54).77

Para além dos direitos mineiros em si, as concessionárias serão ainda titulares de
direitos instrumentais desses direitos mineiros. Para Ramos, estes direitos acessórios são
poderes funcionais que lhe permitem (ao concessionário) aproveitar adequadamente
os recursos. (... e) só poderão ser exercidos desde que se afigurem necessários para a
exploração do recurso objecto da concessão de exploração (1994: 69-70).

Em Angola, algumas actividades económicas estão sujeitas a autorizações prévias


várias. Pelo contrato ou decreto de concessão, a concessionária é autorizada a exercer
actividades mineiras. Por essa razão, o exercício de outras actividades, acessórias das
actividades mineiras, estaria sujeito a uma autorização prévia de diferentes autoridades,
podendo gerar-se situações de conflito do tipo das atrás referidas, caso a entidade
competente não desse a necessária autorização. A prática seguida tem sido garantir
essas autorizações nos instrumentos que atribuem direitos mineiros, em especial nos

75
. Acção Martini Co (1930), Venezuela, in Ralston, Law and Procedure of International Tribunals, 306:
«permitir a existência de tal poder da parte do Estado como parte no contrato seria atribuir a uma das
partes no contrato o direito de destruir todo o interesse da outra parte nesse contrato» (Higgins, 1981: 52).
76
. Acção Oscar Chinn (1934) PCIJ Series A/B. «O que interessa é se o titular do direito (estabelecido no
contrato, licença) é destituído do seu benefício, e não se a forma é outra que não uma abrogação ou
revogação - e apesar de não ter havido interferência com o título: 'A revogação ou extinção de direitos
adquiridos, transmitidos e definidos por um contrato, é um acto tão ilícito, dando lugar a direito a
indemnização, como a tomada ou destruição de propriedade» (Higgins, 1981: 53).
77
. Higgins continua: «Isto leva-nos inexoravelmente à relação entre regulamentação de actividades pelo
Estado e apropriação pelo Estado. O Estado tem certamente o direito pleno de emitir normas sobre o
regime jurídico do Mar do Norte relativamente ao qual concede licenças. O que não pode é exercer esses
poderes de um modo que seja discriminatório, de má fé, ou arbitrário - ou de um modo que destitua o
licenciado daquilo de que é titular nos termos da licença. (...) Nem pode legislar impunemente de modo a
privar as partes com as quais celebraram contratos dos seus direitos no âmbito desses contratos» (1981:
55-6)

60
Direito dos Recursos Naturais

decretos-lei e decretos aprovando concessões. Este problema põe-se não só quanto à


prática de certos actos necessários ao exercício dos direitos mineiros, como ainda de
acesso a recursos naturais como terrenos e águas essenciais a esse exercício

A LAP, vem no art. 29º listar esses direitos acessórios dos quais se destacam:

i. «ocupar, com respeito pela lei e pelos direitos existentes, as áreas necessárias à
execução das operações petrolíferas» (art. 29/1/c);

ii. executar trabalhos de infra-estruturas necessárias à realização das operações


petrolíferas (art. 29/1/b);

iii. importar os bens duradouros necessários às operações (art. 29/1/d) e exportar a sua
quota da produção (art. 29/1/e).

A LAGM não prevê estes direitos acessórios de modo sistemático e apenas se refere,
para além do uso de terrenos e águas necessários às actividades mineiras (arts 12/2/f e
12/2/g, respectivamente)78: i. à exportação, sujeitando-a a «parecer prévio» do MGM
(art. 18/4) e, ii. ao «uso, transporte e armazenamento de materiais explosivos»,
estabelecendo que a correspondente licença será concedida «mediante apresentação da
licença de prospecção ou título de exploração» (art. 22/1).

10.4. Direitos de pesca

Em Angola, país dotado de uma extensa ZEE, embora actualmente a Lei nº 6-A/04
regule de igual modo os recursos marinhos e os recursos biológicos de água doce (água
continentais),79 na verdade o regime dos direitos de pesca foi construído a partir do
Direito do Mar e seus desenvolvimentos.

Como se viu, o direito mar foi construído essencialmente a partir do princípio da


liberdade dos mares que proporcionava a liberdade de navegação e de pesca e regulava
as embarcações como meio de efectivar essas liberdades. O mar era res communis e não

78
. Ver o texto sobre concorrência de direitos.
79
. Ver a definição do art. 1/ 4 da LRBA.

61
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

havia restrições à pesca. A crescente escassez dos recursos biológicos marinhos e a crise
da sua renovabilidade, para além de desenvolvimentos do Direito do Ambiente, levaram
a uma diferente abordagem aos recursos e actividades com eles relacionadas e à
patrimonialização destes recursos, isto é, à sua afectação a determinados titulares de
direitos patrimoniais para evitar situações de tragédia dos bens comuns.

Aliás, como afirmam Dupuy e Vignes, a atribuição a cada estado costeiro de direitos
sobre os recursos biológicos de certas zonas do mar visou, inter alia, assegurar que
eram geridos por uma entidade com poderes para garantir o respeito pelas regras de
gestão sustentável dos recursos.80 Esse tipo de preocupações também motivaram
progressivas restrições da liberdade de pesca, em especial a sujeição destas actividades
a licenciamento de actividade. O grau mais elevado de restrições resultou da
progressivo desenvolvimento do conceito do Mar Territorial como uma zona do mar em
que o estado costeiro exerce direitos de soberania como no território nacional em terra,
com apenas algumas restrições de Direito Internacional, como as relativas ao direito de
passagem inofensiva.

Na ZEE, como se sabe,81 o estado costeiro exerce direitos de soberania sobre os


recursos naturais nela existentes, com restrições de Direito Internacional mais amplas
que no Mar Territorial. De qualquer modo, a soberania relativa do estado costeiro sobre
a ZEE não o impede de legislar sobre os regimes de acesso aos recursos biológicos nela
existentes (em especial o art. 62/4). A extensão dos direitos dos Estados à ZEE e a
adopção da CDM, que estabelece um paradigma de regime de gestão de recursos
biológicos marinhos,82 tiveram duas consequências principais: i. o reforço, em muitos
países, dos direitos patrimoniais dos Estados costeiros sobre os recursos biológicos da
Zona (CDM, arts 56/1/a, 61º e 62º), e, ii. a adopção de medidas visando o cumprimento
das disposições da Convenção, das quais se destacam a sujeição do exercício de pescas
a licenciamento (CDM, art. 62/4/a) e, em alguns Estados, a adopção de regimes de
capturas totais admissíveis (TACs) e de quotas de pesca (CDM, arts 61/1-2 e 62/4/b).

80
. Dupuy-Vignes, 1991: 1013-014.
81
. Em especial, como se sabe, nos arts 61º e 62º. Ver Coelho, 2000 e 2000a.
82
. Em especial, como se sabe, nos arts 61º e 62º.

62
Direito dos Recursos Naturais

Para além da CDM, já estudada, houve dois desenvolvimentos a nível internacional


que tiveram posteriormente grande impacto na viragem do enfoque da regulação
normativa da actividade (pesca) para os recursos. Um foi a CDB que se aplica também
aos recursos marinhos e outro foi o Código de Conduta da Pesca Responsável, código
voluntário adoptado em 1995 pela FAO. Estes instrumentos internacionais
influenciaram o conteúdo do Protocolo de Pescas da SADC, para além das directivas da
Agenda 21 e da própria CDB sobre a gestão integrada dos recursos naturais e do
ambiente. 83

Em direito comparado, quando se fala em direitos de pesca está-se a referir dois


tipos de direitos de conteúdo diferente, consoante o regime de propriedade desses
recursos no mar territorial e na ZEE.

Se os recursos biológicos marinhos forem res nullius, o que acontece em alguns


ordenamentos, os direitos de pesca serão meros direitos de exercício de actividade,
tornando-se o pescador proprietário do recurso por ocupação nos termos da legislação
civil sobre res nullius. Neste caso, pode falar-se proprio sensu em licenciamento (de
actividade), tal como o faz a CDM.

Ou seja, nesses ordenamentos não foi clarificada a questão da propriedade estadual


de recursos biológicos marinhos que, historicamente e no quadro do mar como res
communis, eram res nullius.84 Assim, em muitos ordenamentos os recursos biológicos
amrinhos mantêm o seu estatuto de res nullius e o estado costeiro realiza o controlo da
exploração destes recursos mediante regimes de licenciamento de direitos de pesca e de
estabelecimento de quotas de pesca, baseadas nas TACs previstas na CDM.

A quota de pesca não se confunde com os direitos de pesca, na medida em que


podem ser atribuídos direitos sem haver quotas (o chamado regime de «limites de
esforço de pesca») ou havendo quotas para apenas algumas das pescarias objecto dos
direitos de pesca. Mas no caso de estarem definidas quotas de pesca, elas referir-se-ão a
uma dada quantidade precisa de recursos sobre os quais incidem os direitos, quantidade
essa relativa a recursos escassos, sujeitos aos limites da TAC.

83
. Sobre a CDB, ver Coelho, 2002a.
84
. Sobre esta evolução ver, por exemplo, Proutière-Maulion, 1999: 523.

63
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

As quotas de pesca começaram por ser uma restrição administrativa ao direito de


ocupação de recursos marinhos sem proprietário definido (res nullius), porquanto no
regime de quotas se estabelece que o titular da licença de pesca tem direito a pescar não
todos os recursos que pode capturar mas apenas certas quantidades de certas espécies. 85
Assim, o titular dos direitos de pesca passou a ter um direito sobre uma dada quantidade
das reservas de recursos existentes no mar, ainda que estes sejam res nullius.

Embora a natureza jurídica das quotas fosse pouco clara, como adquiriram mais
tarde uma natureza claramente patrimonial ao serem objecto de transacções onerosas
(cessão de quota de pesca), parte da doutrina considera-as hoje, nos ordenamento em
que não existe proprietário definido dos recursos biológicos do mar, «um bem móvel de
natureza incorpórea ao qual está adstrito um direito de exploração, susceptível de ser
classificado na categoria dos direitos intelectuais», porque não se trata, segundo parte da
doutrina, de vender capturas potenciais mas de uma autorização de captura. 86 Assim,
alguns autores diferenciam “direitos de acesso” (resultantes da licença de exercício de
actividade) e “direitos de exploração” (resultantes da quota).87

Nos países em que os recursos biológicos marinhos são propriedade do estado,


como é o caso de Angola, os direitos de pesca são direitos de conteúdo diverso dos
direitos acima referidos, porquanto são direitos patrimoniais que oneram a propriedade
estadual desses recursos naturais. São direitos cujo estatuto não é pacífico, por razões
relacionadas com a evolução do direito do mar e a influência de instrumentos
internacionais na legislação nacional. Em termos simples, os direitos de pesca
compreendem dois direitos: o de o seu titular se tornar proprietário dos recursos
capturados e o direito de exercer actividades de pesca, actividades cujo exercício estaria
sempre, por imposição dos regimes da CDM, sujeito a autorização prévia do Estado
(LRBA, art. 35/a e 35/c).

De qualquer modo, os direitos de pesca têm sempre uma natureza de carácter


aleatório mais ou menos amplo, pois a transmissão da propriedade do estado para o

85
. Ver os arts 19º e 21/1 da LRBA.
86
. Proutière-Maulion, 1999: 522. Valor mobiliário com referência para coisas móveis discriminadas por
espécies e quantidades na quota.
87
. Proutière-Maulion, 1999: 519.

64
Direito dos Recursos Naturais

titulares do direito de pesca depende de estes capturarem os recursos sobre que incidem
os direitos.

Relativamente aos direitos de pesca nas águas continentais, a questão da sua


natureza é ainda mais ambígua, porquanto sobre essas águas, e seus recursos, podem
incidir direitos de titulares muito diversificados. Ou seja, os recursos biológicos das
águas continentais podem ser propriedade do Estado, podem ser res nullius, podem ser
propriedade privada ou comunitária, muitas vezes seguindo o regime da propriedade das
águas em que se encontram. Independentemente da titularidade da propriedade dos
recursos aquáticos, a pesca destes recursos naturais pode estar sujeita a regimes diversos
de restrições várias, incluindo o licenciamento de actividade.

Na LRBA, o acesso aos recursos biológicos aquáticos tem uma grande influência do
Direito do Mar e, por essa razão, não são referidos em detalhe os regimes comparados
dos direitos sobre recursos biológicos de águas continentais.

10.4.1. Os direitos de pesca na LRBA

A LRBA define direitos de pesca como «o direito de capturar e comercializar


recursos biológicos aquáticos, incluindo o direito de exercer actividades de pesca» (art.
1/22). A referência à faculdade de “comercialização”, que não nos dá directamente o
direito de se tornar proprietário dos recursos capturados, mas o art. 35/c clarifica essa
questão, ao contrário do que acontece com a legislação sobre outros recursos naturais.

A LRBA distingue os direitos de pesca segundo tipos de pesca enunciados no art. 5º.
A primeira grande distinção é entre pesca comercial, ou seja com fins lucrativos, e não
comercial (art. 5/2). A pesca comercial pode ser industrial, semi-industrial e artesanal
(art. 5/3). Estes tipos de pesca são definidos, respectivamente, nos arts 1/58, 1/60 e 1/55.

Quanto à pesca não comercial ela pode ser de subsistência (definida no art. 1/57),
recreativa (definida no art.1/59), desportiva, de prospecção e de investigação (esta
definida no art. 1/56).

Os direitos de pesca na LRBA incluem os seguintes direitos (art. 35º):


a) O direito de exercício das actividades de pesca, incluindo a captura
de espécies, sub-espécies ou grupos de espécies, nas quantidades,
épocas e zonas previstas no título de concessão;

65
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

b) O direito de atribuição de uma quota de pesca no caso de estarem,


ou vierem a ser definidas capturas totais admissíveis;

c) O direito de propriedade e o direito de comercialização dos recursos


capturados no âmbito da concessão, incluindo as capturas acessórias.

O direito à quota, no caso de estarem fixadas TACs para as espécies a que se


referem os direitos, será um direito que integra os direitos de pesca relativamente às
espécies a que se refere.

Os direitos de pesca são sempre referidos a espécies e sub-espécies ou grupos de


espécies (art. 35/a), discriminados no título de concessão (art. 61/1/c).

Os direitos acessórios incluem os direitos previstos no art. 36º, dos quais se


destacam o direito às capturas acessórias com as limitações previstas no art. 74º (art.
36/a), o direito de acesso a portos de pesca em Angola (art. 36/b), um dos quais será o
porto de base (art. 172º), determinado em função da zona em que se desenvolve a pesca
(art. 172/1), e o direito de livre navegação nas zonas de pesca previstas no título de
concessão (art. 36/c), salvo no caso de restrições relativas às zonas de segurança a que
se refere o art. 90º.

Os titulares de direitos de pesca comercial têm as obrigações previstas no art. 37º,


das quais se destacam:

i. o cumprimento das condições estabelecidas no título de concessão (art.


37/1/a);

ii. o pagamento das taxas de pesca (art. 37/1/b), do qual poderão ser isentos por
um período de cinco anos os titulares de direitos de pesca artesanal (art.
52/3);

iii. o cumprimento das normas aplicáveis às embarcações utilizadas na pesca


(arts 154º-167º), em especial as normas sobre a sua navegabilidade (arts 157º
e 161º) e de segurança na pesca (arts 158º e 167º);

iv. a prestação de informações necessárias à gestão sustentável dos recursos


(arts 37/d, 37/f, 68/3/e, 68/3/f, 145º , 147º-149º).

66
Direito dos Recursos Naturais

Os titulares de direitos de pesca têm ainda as obrigações específicas de protecção de


recursos previstas no art. 68/3, das quais se destacam as obrigações de colaborar com o
Estado na regeneração dos recursos biológicos e na recuperação de ecossistemas
aquáticos, costeiros e ribeirinhos degradados (art. 68/3/d), de colaborar na
monitorização do estado dos recursos (art. 68/3/f), de se informar sobre as exigências da
pesca responsável (art. 68/3/g) e de apresentar sugestões e propostas, em especial em
consultas públicas (art. 68/3/e).

Os titulares de direitos de pesca de subsistência têm as obrigações previstas nos arts


38º e 68/3 da lei. Os titulares de direitos de pesca de investigação e de prospecção têm,
para além das obrigações previstas no art. 68/3, as previstas no art. 132/5 e 137º.

Podem ser, em termos gerais, titulares de direitos de pesca pessoas singulares e


colectivas, nacionais ou estrangeiras (art. 31/1). No entanto, no caso de pesca para além
do Mar Territorial, ou seja na ZEE, as pessoas estrangeiras apenas podem ser titulares
de direitos de pesca desde que associadas a pessoas angolanas (art. 32/4). Também,
apenas podem ser titulares de direitos de pesca no Mar Territorial as pessoas angolanas
ou estrangeiras nacionais de estados membros da SADC, desde que haja reciprocidade
na concessão de direitos de pesca para esta área (art. 32/2). Nas águas continentais e rios
internacionais apenas podem ser titulares de direitos de pesca pessoas angolanas (art.
32/3).

Relativamente à pesca comercial, é ainda exigida a capacidade adequada


(idoneidade, capacidade técnica e financeira) para o tipo de pesca que as pessoas
interessadas se propõem realizar (art. 31/2).

Os titulares de direitos sobre instalações em terra têm um direito de preferência na


atribuição de direitos de pesca comercial (art. 34º).

Os direitos de pesca incidem sempre sobre uma zona de pesca (art. 61/1/d), que nos
termos do art. 89/1, são, no mar, as zonas norte, centro e sul, cabendo aos ministros das
Pescas e da Energia e Águas determinar por decreto executivo conjunto as zonas de
pesca continental (art. 89/2). Como se viu, podem ser estabelecidas restrições de pesca
nas zonas de segurança a que se refere o art. 60/4-7 da CDM, para protecção de
instalações e estruturas fixas como plataformas e ductos submarinos (art. 90º da LRBA).

67
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Para além destas divisões do Mar Territorial e da ZEE angolana em zonas de pesca,
a LRBA estabelece ainda zonas reservadas para certos tipos de pesca. Assim, o Mar
Territorial é reservado a pessoas angolanas ou estrangeiras nacionais da SADC
relativamente às quais haja reciprocidade (art. 32/2). Dadas as disparidades de posse de
meios necessários à pesca, com vista a assegura a igualdade de oportunidades, no Mar
Territorial, a zona das quatro milhas náuticas está reservada à pesca artesanal, de
subsistência, de investigação científica e recreativa (art. 33º).

Os direitos de pesca têm, na LRBA, uma duração limitada, variável segundo os tipos
de pesca. Assim, na pesca comercial os direitos têm a duração máxima de vinte anos
(art. 39/1), na pesca de investigação a duração máxima de cinco anos (art. 132/9) e na
pesca de prospecção a duração máxima de três meses, renováveis (art. 132/8).

Os direitos de pesca são direitos patrimoniais que oneram a propriedade estadual dos
recursos naturais no caso de pesca comercial e não comercial e, por essa razão, a lei fala
em concessões. Estes direitos incidem sobre reservas (mananciais) de recursos
biológicos aquáticos existentes numa dada zona, recursos esses que são móveis e de
captura aleatória.

No entanto, a LRBA prevê situações em que não existe um direito sobre o


património do Estado, como é o caso da licença de pesca no alto mar, que é res
communis, para embarcações de bandeira angolana, (arts 117º ss., tendo em especial por
referência o art. 94/2/b da CDM, quanto às embarcações com nacionalidade desse
estado parte). Na LRBA, a licença de pesca no alto mar atribui apenas direitos de
exercício de actividades de pesca. Trata-se de uma forma de cumprimento das
obrigações dos estados partes na CDM de adoptarem medidas de protecção dos recursos
do alto mar (arts 116º ss. da CDM) onde se verifica, como se viu, uma verdadeira
tragédia de bens comuns.

Quanto à pesca de prospecção, a LRBA mandar aplicar o regime da pesca de


investigação científica (art. 136º). No caso desta, o titular dos direitos de pesca não tem
o direito de comercializar os recursos capturados (art. 137/1), devendo entregar todos os
recursos que excedam as necessidades das actividades de investigação ao Ministério das
Pescas (art. 137/2). Ou, por outras palavras, os titulares destes direitos de pesca apenas

68
Direito dos Recursos Naturais

são proprietários dos recursos capturados necessários à execução do correspondente


projecto de investigação.

Os direitos de pesca são transmissíveis inter vivos e mortis causa (art. 44/1), mas, no
caso de transmissão inter vivos, é necessária autorização do Ministro das Pescas e a
transmissão apenas é possível nos casos previstos no art. 44/1.

Para a determinação dos recursos sobre os quais incidem os direitos de pesca,


existem dois sistemas de ordenamento de pescas, que a LRBA contempla.

No regime de quotas, já referido, a instituição responsável pelo ordenamento de


pescas, em Angola o Ministério das Pescas, com base na informação científica
disponível sobre os recursos existentes no Mar Territorial, na ZEE e nas águas
continentais, conforme os casos, e sobre as exigências da sua renovação (em especial, o
art. 13º) estabelece, como se viu, as capturas totais admissíveis para as diferentes
espécies (art. 19º).

Estas desagregam-se em «quotas atribuídas a titulares de direitos de pesca industrial


e semi-industrial» (art. 21/1). As quotas são fixadas para cada titular de direitos de pesca
em percentagens da TAC (art. 22/1), e, em consequência, a soma das quotas não pode
exceder o total da TAC (art. 22/2). Assim, as quantidades de uma dada espécie que cada
titular de direitos pode pescar variam em função da determinação anual da TAC (art.
19/1). Daí resulta que, não obstante o titular dos direitos de pesca para uma dada espécie
ter direito a uma quota (art. 35/c) a quantidade de exemplares dessa espécie que pode
pescar varia, em princípio anualmente. A LRBA prevê ainda a possibilidade de redução
de quotas de pescas em certas condições (art. 23º). Prevê também a possibilidade de
alteração de quotas no caso de a TAC não estar totalmente preenchida e de o titular ter
aumentado a sua capacidade de pesca (art. 24/1).

Como as quotas não podem exceder as TACs, este sistema tem como consequência
que, a partir de um dado número de titulares de direitos de pesca a operar não é
possível, sem pôr em perigo a sustentabilidade do recurso, permitir a entrada nas
actividades de pesca a empresas interessadas, pelo menos quanto às espécies cuja TAC
já está totalmente atribuída. Assim, o regime de TACs, considerado o mais adequado
para a gestão dos recursos aquáticos, tem consequência a criação das chamadas
«barreiras à entrada no mercado» e a existência, a partir de certo momento, de um dado
69
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

número de empresas. Por essa razão, o art. 22/3 da LRBA, sobre os critérios de fixação
de quotas de pesca, estabelece que a quota de cada titular nunca pode ter como
consequência uma quota de mercado em percentagem superior à que vier a ser definida
em regulamento.

As quotas são transmissíveis com os direitos de pesca (art. 44/2), mas o Ministro das
Pescas pode autorizar a transmissão parcial ou temporária da quota no caso de
diminuição da capacidade de pesca do titular dos direitos por venda de embarcações ou
por paralização por avaria (art. 44/3). A quota pode ainda servir como garantia de
créditos, mediante autorização do Ministro das Pescas (art. 44/4/b). Daí decorre a sua
natureza de valor patrimonial com um certo grau de separação em relação aos direitos
de pesca, mesmo onde os recursos biológico aquáticos não são res nullius.

No regime de «limites de esforço de pesca» (arts 25º ss.), o controlo da captura dos
recursos com vista a assegurar a sua sustentabilidade não é feito directamente pelo
controlo das quantidades e espécies a capturar num dado período, mas pelo controlo
indirecto da capacidade de pesca. Assim, são definidas:

i. espécies a capturar e suas dimensões mínimas (art. 26/1/a);

ii. zonas e sub-zonas de pesca (art. 26/1/b);

iii. número de embarcações autorizadas a pescar numa dada zona ou sub-zona


(art. 26/1/c);

iv. tempo de pesca autorizado, ou seja x horas dia ou y dias mês (art. 26/1/f); e

v. artes de pesca a utilizar, pois destas depende também o volume das capturas
(art. 26/1/e).

O regime de limites de esforço é supletivo na medida em que apenas é aplicável


quando não possam ser estabelecidas TACs (art. 25/1), devido a questões relacionadas
com a disponibilidade de informação científica necessária à determinação das TACs. O
art. 26/2 prevê, no entanto, que a cada titular de direitos de pesca sejam estabelecidos
limites em quantidades de cada espécie concedida que pode pescar, embora a fixação
destes limites não seja estabelecida segundo os critérios rigorosos da TAC.

70
Direito dos Recursos Naturais

11. Conflitos de direitos sobre recursos naturais88

Como se viu, os recursos naturais têm, em geral, usos múltiplos que poderão
eventualmente estar em conflito e suscitar questões de interesse público. Ora numa
mesma área podem encontrar-se os mais diversos recursos naturais susceptíveis de
aproveitamento económico. Sobre esses diversos recursos naturais podem recair direitos
de diferente natureza mas igualmente válidos de distintos titulares.

Por exemplo, pode tratar-se de área em que existem recursos naturais essenciais para
a sobrevivência de comunidades que aí vivem em economia de subsistência ou que, no
actual ordenamento angolano, são titulares do domínio útil consuetudinário, mas onde é
necessário, dada a sua importância para o desenvolvimento económico, realizar
actividades mineiras que poderão perturbar o exercício, pelos seus titulares, de direitos
sobre outros recursos naturais.

Concorrência de normas e concorrência de direitos89

As formas como o direito resolve estes conflitos têm vindo a evoluir no sentido de
cada vez maior atenção aos direitos de comunidades residentes nas áreas em que se
encontram recursos naturais, incluindo a consideração de interesses tutelados em termos
de direito costumeiro dessas comunidades.

Hoje, parte de potenciais conflitos de direitos sobre recursos naturais são prevenidos
através do ordenamento do território, que estabelece os fins a que deve obedecer a
utilização dos diferentes terrenos, prevendo a legislação específica de recursos naturais
obrigações de respeito dos planos pelos titulares de direitos sobre os diferentes recursos
naturais.

Também, muitas vezes as normas sobre concorrência de direitos referem-se não a


direitos já existentes e igualmente válidos que colidem entre si, mas a vinculações da
Administração na concessão de direitos a fim de prevenir conflitos futuros. A Lei de
Águas segue esta orientação, incluindo disposições que visam prevenir conflitos de
direitos e não solucionar conflitos já existentes (infra).

88
. Adaptado dos textos de Direito dos Recursos Naturais, Sumário nº 2/96 e Ficha 4.6/00.
89
. ver o Capítulo III.

71
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

No domínio dos minerais e petróleos, em muitos ordenamentos a lei estabelece,


dada a sua importância económica, a prioridade destes direitos sobre direitos relativos a
outros recursos naturais e mais antigos, sem prejuízo do direito às indemnizações que se
mostrarem devidas.

São adiante vistas algumas das soluções jurídicas encontradas, em especial, as


relações entre direitos mineiros e direitos sobre solos, águas, recursos florestais e, ainda,
entre diferentes direitos mineiros.

11.1. Quadro geral dos conflitos sobre recursos naturais

Ao analisarmos as relações entre os direitos sobre diferentes recursos naturais, dos


quais se destacam os direitos mineiros, os direitos sobre terras e os direitos sobre águas,
historicamente verificou-se a chamada a cisão entre propriedade do solo e propriedade
de recursos do subsolo. Dando um exemplo do Direito Mineiro, Baade afirma,
relativamente às diferentes soluções encontradas pelo Direito,
a propriedade da superfície não implica o direito ilimitado de explorar
substâncias que podem ser extraídas do subsolo, e qualquer regime de
direito mineiro deve necessariamente conciliar os direitos de uso da
superfície (do solo) com os de acesso a minerais. Embora esta
perspectiva seja correcta no essencial, ela não tem em consideração
outros títulos não mineiros a usos da superfície de terras alheias.
Deixando de lado direitos de crédito e servidões legais, encontram-se
direitos como de caça e de pastagem após as colheitas. Como decorre
deste exemplo, esses direitos serão melhor tratados em direito agrário
e a sua incidência está estreitamente ligada a noções de um feixe de
direitos e obrigações feudais sobre a propriedade da superfície. Como
se verá, essas noções tiveram um impacto significativo no
desenvolvimento do direito mineiro durante cerca de meio milénio
(Baade, 1992: 6).

Como se viu, relativamente aos recursos naturais propriedade do Estado em Angola,


a Lei de Terras prevê expressamente que os direitos sobre cada recurso do domínio
público do Estado não está sujeito ao regime geral de direitos fundiários (arts 10/4 e
30º).

Esta cisão dos direitos sobre terrenos e sobre os recursos naturais neles implantados
ou existentes no seu subsolo tem como consequência que possam surgir com frequência
conflitos entre direitos igualmente válidos de diferentes titulares sobre diferentes
recursos naturais. Assim, por exemplo, nada impede que sejam concedidos direitos
72
Direito dos Recursos Naturais

mineiros ou direitos sobre águas para áreas cuja superfície esteja a ser utilizada em
termos de direitos fundiários. A LAP reafirma este princípio ao estabelecer que
a atribuição de direitos relativos ao exercício das operações
petrolíferas não é, por regra, incompatível com a prévia ou posterior
atribuição de direitos para o exercício de actividades respeitantes a
outros recursos naturais ou usos para a mesma área (art. 9/1).

No entanto, no caso de o exercício de alguns desses direitos impedir o exercício de


outro direito, há que determinar qual o direito que será exercido em primeiro lugar.

Em termos gerais, põe-se um problema de colisão de direitos, cujo regime geral


é regulado pelo CC:

Coloca-se um problema de colisão de direitos quando o exercício


simultâneo de dois ou mais direitos, igualmente válidos, pertencentes
a sujeitos diversos, é incompatível entre si. O art. 335º do CC
estabelece que, «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma
espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que
todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para
qualquer das partes», prevalecendo o que deva considerar-se superior,
se eles forem desiguais ou de espécie diferente» (Prata, 1992: 122).

No que respeita a direitos reais, interessam aqui as situações em que os direitos


poderão estar em conflito de sobreposição hierárquico ou prevalente e ainda de
vizinhança. Os conflitos entre direitos reais sobre recursos naturais são resolvidos por
técnicas diversas, que vão desde a extinção de direitos à «constituição de relações
jurídicas reais ou restrições de outro tipo» (Cordeiro, 1993: 420).

A. Conflito hierárquico

Nas situações de conflito hierárquico, de direitos diferentes e que se excluem no seu


exercício, os direitos mais extensos sofrem uma «compressão» pela concorrência do(s)
direito(s) sobre outros recursos naturais.

O conflito de direitos reais sobre a mesma coisa diz-se hierárquico


quando, simultaneamente, se verifiquem dois factores: os direitos reais
concorrentes sejam diferentes; e os direitos reais em causa se excluam
73
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

no seu exercício. De facto, se os direitos reais concorrentes fossem


idênticos, o conflito não seria hierárquico, mas sim de comunhão. Se,
por outro lado, os dois direitos em causa se não excluíssem no seu
exercício, um deles levaria simplesmente a melhor: o conflito não
seria hierárquico mas prevalente. (...) Na hierarquia qual é o direito
restringido? A regra geral é a seguinte: é restringido o direito que, a
não existir o seu concorrente, aparentasse conteúdo mais amplo. (...)
Quando exista um conflito hierárquico, um dos direitos (que por
natureza são diferentes) terá de ser mais vasto, isto é, afectará uma
gama mais vasta de utilidades da coisa. Pelo contrário, o outro direito
é menos vasto: abrangerá menos qualidades da coisa. A solução do
conflito hierárquico é a seguinte: o direito menos extenso exerce-se
com prejuízo do mais amplo, que só pode ser actuado, enquanto durar
a restrição, nas zonas não afectadas pelo direito concorrente.90 (...)
Diz, por isso, Oliveira Ascensão que no conflito hierárquico, um dos
direitos é mais extenso e o outro é mais intenso: ambos os direitos se
exercem, só que um deles prejudica o outro, ou seja, restringe-o nas
zonas em que coexistam (Cordeiro, 1993: 448-49).

Cordeiro dá o exemplo de um direito de propriedade e uma servidão sobre a mesma


coisa. Neste caso, é restringido o direito de propriedade: «a não existir a servidão, o
proprietário teria faculdades mais amplas, ao passo que o titular da servidão, no caso
inverso, nunca teria mais que a simples servidão» (1993: 448-49). Um exemplo da
aplicação desta regra no direito angolano é o art. 31/1 da LA que estabelece o direito de
constituição de servidões (de águas e de passagem) no caso de usos comuns e usos
privativos de águas colidirem com o direito de propriedade.

Um outro exemplo, mais específico do Direito de Recursos Naturais, de conflito


hierárquico era, na antiga legislação de terras, a concorrência do direito ao uso e
aproveitamento de terras (DUAT) com os direitos mineiros de prospecção, pesquisa e
reconhecimento. Restringia-se aqui o DUAT por força da servidão legal constante do
art. 12/d do Regulamento da Lei de Terras.91

B. Conflito prevalente

90
. Cordeiro dá como exemplo: «coexistindo a propriedade com servidão de passagem, torna-se claro que
o primeiro direito é mais amplo. O direito de passagem exerce-se, então, integralmente em detrimento do
direito de propriedade, que só pode ser exercido na medida em que não impeça a passagem» (ob.cit.:
449).
91
. Dec. nº 32/95.

74
Direito dos Recursos Naturais

Nas situações de conflito prevalente, de direitos diferentes ou não, que não se


excluam no seu exercício, um dos direitos só poderá exercer-se na medida em que esse
exercício não prejudique o exercício do outro direito.

O conflito de direitos reais é prevalente quando os direitos


concorrentes, sendo ou não diferentes, não se excluam inteiramente no
seu exercício, nem surjam em pé de igualdade. Pelo contrário, um
deles só poderá exercer-se na medida em que esse exercício não
prejudique o do outro direito, o que é dizer: um dos direitos
prevalecerá inteiramente sobre o outro, sem o excluir. (...) A
prevalência é, assim, forma comum de resolução de conflitos entre
direitos reais de garantia, embora, como demonstrou Paulo Cunha, a
prevalência possa ser ditada não apenas pela antiguidade mas também
pela lei, como sucede em matéria de privilégios creditórios. Oliveira
Ascensão faz, contudo, notar que os conflitos de prevalência - e as
restrições deles advenientes - podem surgir no seio de direitos reais de
gozo92 (Cordeiro, 1993: 449-50).

Concorrendo dois direitos iguais, prevalecerá segundo a regra prior tempore potior
jure e salvo se a lei dispuser em contrário, o direito constituído em primeiro lugar.
Cordeiro dá o exemplo de várias hipotecas sobre a mesma coisa (CC, art. 713º):

Quando isto suceda, a hipoteca mais antiga prevalece sobre a segunda no


sentido de a coisa hipotecada ser chamada a satisfazer, pelo seu valor,
integralmente, o crédito primeiramente garantido e só pelo remanescente,
havendo-o, o segundo crédito (1993: 450).

Um exemplo de prevalência no direito angolano são as disposições da LA sobre a


prevalência («prioridade») de direitos de uso comum e direitos de uso privativo, caso do
exercício desses direitos igualmente válidos de diferentes titulares não possa ser
exercido de modo completo por ambos (infra).

C. Conflitos de vizinhança

Os conflitos entre titulares de direitos sobre recursos existentes em áreas contíguas é


tratado caso a caso no CC a propósito do direito de propriedade de imóveis. No direito
angolano de recursos naturais as únicas referências a conflitos de vizinhança que

92
. Cordeiro acrescenta: «Assim, nos termos do artigo 1484º, n.º 1, do Código Civil, o ´direito de uso
consiste na faculdade de se servir de coisa alheia e de haver os respectivos frutos, na medida das
necessidades, quer do titular, quer da sua família´. O que quer dizer: se, por exemplo, o direito de uso
recair sobre um pomar, o usuário fará seus os frutos de que necessite; caso sobrem alguns, então o
proprietário poderá aproveitá-los. A prevalência do uso, que no seu campo específico não exclui os
poderes do proprietário, como sucederia, por exemplo, se do usufruto se tratasse, é manifesta» (loc.cit.).

75
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

encontramos em legislação específica são o art. 12/1 in fine da LAGM, e os arts 61º e
64º da LAP, sobre a unificação de concessões.

D. Conclusão

Quando houver uma situação de conflito entre direitos de natureza privada sobre
alguns recursos naturais, ele será resolvido segundo os regimes de Direito Civil
relativos a conflitos de vizinhança ou de sobreposição de direitos (Cordeiro, 1993:
420).93

As soluções do Direito dos Recursos Naturais referem-se essencialmente à


problemática de concessão de direitos sobre recursos propriedade do Estado no caso de
se constatar que o interesse público, incluindo do desenvolvimento económico e social,
a nível nacional ou local, exige que o titular de um direito seja dele privado para
concessão de direitos de natureza diferente a outros titulares num momento posterior.
Assim, por exemplo, a concessão de direitos mineiros cuja área abranja um terreno rural
usado pelo seu proprietário para fins agrícolas.

No que respeita a conflitos de direitos sobre recursos propriedade do Estado, os


conflitos proprio sensu, ou seja, a situação em que simultaneamente relativamente à
mesma área, ou parte dela, há diferentes titulares de diferentes direitos igualmente
válidos, todos eles concedidos pelo mesmo proprietário (o Estado) releva muitas vezes
de deficiente coordenação entre as diversas entidades concedentes da Administração e
de um ordenamento do território ainda incipiente.

Como regra, em Angola a legislação sobre recursos naturais procura regular as


situações em que o exercício de um direito exclui, ou vai excluir, o exercício de outros
direitos sobre recursos propriedade do Estado. Na legislação mineira prevê-se ainda que
direitos irão prevalecer no caso de descoberta comercial de minerais que exija o uso da
superfície de terrenos públicos, privado e comunitários.

93
. Sobre este tema ver, por exemplo, Cordeiro, 1993: 417 ss.

76
Direito dos Recursos Naturais

11.2. Conflitos de direitos relativos a usos de terras

O princípio geral relativamente usos de terrenos sobre os quais recaem direitos


fundiários vem consagrado no art. 12º da Lei de Terras. Depois de estabelecer que
«ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade ou do
seu direito fundiário limitado» (art. 12/1), a lei prevê a expropriação de terrenos para
que estes sejam «utilizados em um fim de utilidade pública» (art. 12/2).

Nestes fins incluem-se o exercício de direitos de exploração mineira ou de produção


petrolífera pois, como se viu, o uso de terrenos necessários à exploração são direitos
acessórios dos direitos mineiros (LAGM, art. 11/5 e LAP, art. 29/1/c). Também é
direito acessório das concessionárias do direito de uso privativo de águas, «constituir
servidões e requerer a expropriação de bens imóveis ou direitos a eles adstritos,
necessários à realização dos fins previstos no contrato» (LA, art. 54/b).

A expropriação extingue os direitos fundiários existentes, havendo lugar ao


pagamento de uma «justa indemnização» ao titular dos direitos extintos (art. 12/3).

Relativamente aos terrenos que não são propriedade do Estado ou de autarquias, é


possível a sua expropriação ou a constituição de servidões administrativas para
utilização desses terrenos como reservas para os fins especiais referidos no art. 27º (LT
art. 27/9). Nestes casos, o critério de indemnização para expropriação por utilidade
pública ou devido a restrições ao exercício do direito inclui a faculdade de os titulares
do direito optarem por «subscrição do capital social das sociedades comerciais que
venham a constituir-se para exploração das actividades relacionadas com o terreno
reservado» (art. 27/10).

No mesmo sentido, a LOT prevê expropriações por utilidade pública no caso de os


planos territoriais preverem usos públicos, «espaços públicos» ou «implantação de
infra-estruturas» de terrenos que não sejam propriedade do Estado ou de autarquias (art.
20/1), havendo também lugar a «justa indemnização».

No caso de terrenos comunitários que não podem ser objecto de concessão (art.
37/3) é necessária, antes da sua concessão para fins de exploração de, por exemplo,
minerais, é necessária a sua desafectação pelo Estado (art. 37/4).

77
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Para além das servidões previstas no art. 27/9 e decorrentes da legislação específica
de certos recursos naturais, a LT prevê a constituição de servidões de passagem
relativamente a certos usos de terrenos por comunidades rurais como, por exemplo,
acesso a fontes de água ou a vias de comunicação (arts 56/h e 1/l). As servidões de
passagem para acesso à água vêm também previstas na LA (art. 31º), sendo titulares
deste direito todos os tipos de utilizadores de águas.

11.3. Conflitos entre direitos mineiros e direitos sobre outros recursos naturais

Relativamente aos direitos mineiros, a resolução de situações de concorrência de


direitos põe-se de modo diverso consoante se trate dos direitos de prospecção, pesquisa
e reconhecimento e do direito de exploração. Em geral, os primeiros terão um menor
impacto no exercício de direitos de outros titulares, pois trata-se de actividades
temporárias e que poderão ser realizadas sem prejudicar significativamente outros usos
dos terrenos. No direito de exploração, pelo menos em relação à área necessária para a
produção, instalações e infra-estruturas, há um uso exclusivo de parcelas da superfície,
pelo que será afectado o exercício de direitos para outros usos desses terrenos.

Para Baade, o problema de compatibilização entre direitos mineiros e direitos


concorrentes põe-se essencialmente a dois níveis: i. sob a óptica da separação entre
propriedade (eventualmente privada) da superfície e propriedade estadual dos recursos
minerais, em especial do subsolo, e, ii. relativamente ao direito de exploração em
sistemas de concessão. Ela será de menor importância no caso dos direitos de
prospecção, que se referem apenas ao exercício, com eventual caracter exclusivo, de
certas actividades de procura de minerais e garantia de atribuição do direito de
exploração no caso de descoberta comercial. (1992: 8).

Em termos simples, dada a importância económica da indústria mineira, as


legislações mineiras estabelecem frequentemente que os direitos mineiros prevalecem
sobre outros direitos. Prevêem formas de resolução destes conflitos através de
mecanismos negociais (por exemplo, pagamento de rendas a proprietários de solos), ou
da extinção coactiva de direitos (como a expropriação por utilidade pública ou a

78
Direito dos Recursos Naturais

“compra e venda forçada”94 de terrenos pelos titulares dos direitos mineiros), e, de um


modo geral, do pagamento de uma ‘compensação justa’ como contrapartida desta
prevalência dos direitos mineiros. Algumas legislações contemplam a constituição de
servidões em resultado da atribuição de direitos mineiros. Por fim, em ordenamentos de
alguns PVDs estabelecem-se garantias de comunidades titulares de direitos costumeiros
sobre terras.

11.3.1. Conflitos entre direitos mineiros e direitos sobre outros recursos


naturais

No que respeita aos solos, o problema de concorrência de direitos mineiros com


outros direitos põem-se com acuidade na fase de exploração ou produção pois os
terrenos necessários às operações mineiras e petrolíferas abrangidos pelos regimes de
compatibilização de direitos mineiros e direitos sobre a superfície dos solos
compreendem não só as áreas para as minas (ou poços) e instalações relacionadas
directamente com a extracção de minerais, mas também terrenos para infra-estruturas
como estradas, instalações de abastecimento de água e energia e, ainda, habitações para
os trabalhadores.

Já foi atrás dito que, em termos gerais, algumas legislações atribuem ao titular dos
direitos mineiros o direito de uso da superfície necessária às actividades mineiras, quer
de terrenos públicos quer privados, entendendo-se que os direitos mineiros prevalecem
sobre outros direitos, sem prejuízo de pagamentos que se mostrem devidos aos titulares
da propriedade ou de outros direitos sobre os terrenos em causa.95 Os regimes nestas
situações são muito variados.

O Código Mineiro do Níger de 199396 estabelece restrições aos direitos dos


proprietários privados, prevendo que o titular dos direitos mineiros será autorizado97 a
«ocupar os terrenos necessários às suas actividades (...) e às indústrias com elas

94
. Referindo-se à equiparação da expropriação por utilidade pública com a figura da ‘venda forçada’
Cordeiro discorda deste conceito porquanto «a compra e venda é um negócio jurídico de tipo contratual,
dominado pelos princípios gerais do direito civil e sob império da autonomia da vontade que se coloca
muito longe da expropriação por utilidade pública» (1993: 559).
95
. Ver, por exemplo, Ndulu, 1987: 171-73 e 175, sobre a legislação zambiana.
96
. Lei nº 93-16 , sobre a Lei de Minas.
97
. Por despacho conjunto do Ministro das Minas e do Ministro competente em matérias de terras.

79
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

relacionadas» tanto no interior como no exterior da área em causa (art. 113º). Caso não
obtenha autorização do proprietário, o titular dos direitos mineiros pode obter uma
autorização especial conjunta do Ministro do Património Imobiliário e das Minas e, em
último caso, a expropriação por utilidade pública. Todas as despesas decorrentes da
aplicação destas disposições são por conta do titular dos direitos mineiros (arts 115º e
116º), mas
quando a ocupação de terrenos prive o proprietário ou o titular de
direitos fundiários costumeiros do gozo do solo durante mais de um
ano ou quando depois da execução dos trabalhos (mineiros), os
terrenos ocupados deixem de ser adequados a culturas, os
proprietários ou os titulares de direitos fundiários costumeiros podem
exigir do titular da autorização (para exercício de actividades
mineiras) a aquisição do solo. As parcelas de terras muito danificadas
ou degradadas numa grande parte da superfície devem ser adquiridas
na sua totalidade se o proprietário ou o titular dos direitos fundiários
costumeiros assim o exigir. Qualquer terreno adquirido nestes termos
é sempre avaliado no dobro do valor que tinha antes da ocupação (art.
116º).

Para além desta “compra forçada”, o titular dos direitos mineiros tem de indemnizar
por todos os danos que as suas actividades causem ao titular da propriedade do solo,
mas a indemnização referir-se-á apenas ao valor do dano emergente (cit. lei, art. 117º).

A Lei de Actividades Mineiras da Namíbia98 considera os direitos de titulares de


direitos mineiros ao uso de outros recursos naturais como «uma limitação aos direitos
fundamentais consagrados no Artigo 16º, número 1 da Constituição». Por essa razão,
dispõe que essas limitações apenas podem ser estabelecidas nos termos do número 2 do
mesmo artigo (art. 107º). Cria nesses termos uma Comissão para os Direitos Acessórios
de Minerais99 com competências nestas matérias (art. 108º).

A lei trata a questão de sobreposição de direitos na óptica dos direitos instrumentais


dos direitos mineiros decorrentes de licenças de prospecção não exclusivas, de licenças
de minerais e de demarcações mineiras, em especial nestes casos os direitos de, entre
outros, «entrar nesses terrenos com o fim de aí realizar operações autorizadas no âmbito
da licença ou demarcação» (art. 109/1/a), «dispor de águas ou quaisquer outras
substâncias obtidas durante a realização das operações» (art. 109/1/d), montar

98
. Lei nº 33/1992.
99
. Minerals Ancillary Rights Commission.

80
Direito dos Recursos Naturais

equipamentos e edificar construções de apoio às operações (art. 109/1/b). Prevê-se a


resolução deste conflito por acordo entre os titulares dos diferentes direitos. Caso estes
não cheguem a acordo, a Comissão tem poderes, «se for razoavelmente necessário»,
para atribuir ao titular dos direitos mineiros os direitos instrumentais necessários, por
um prazo determinado (art. 110/4/a), após dar publicidade à concessão da licença em
causa, e notificar e ouvir os interessados (art. 109º). O titular de direitos sobre outros
recursos naturais terá neste caso direito a uma ‘indemnização’ que, no caso de não ser
acordada entre os interessados, será fixada unilateralmente pela Comissão, segundo o
critério de ‘indemnização justa’ (art. 112º). Qualquer pessoa que discorde de uma
deliberação da Comissão tem o direito de recorrer para o Supremo Tribunal (art. 113º).

No caso de outras licenças previstas na legislação namibiana que compreendem a


prospecção e exploração, as autoridades não concederão autorização para construção de
instalações acessórias se o candidato não tiver chegado a acordo com eventuais titulares
de direitos de natureza privada sobre terras quanto ao pagamento de indemnizações (art.
90/2/b por referência para o art. 52/1/a). Ou seja, prevê-se, tal como faz a LA, a prévia
resolução de alguns dos conflitos (de sobreposição de direitos sobre recursos naturais)
previsíveis antes da concessão do direito de exploração.

Na Lei de Minas do Peru «os titulares de direitos mineiros» podem requerer às


autoridades a constituição de «servidões em terrenos de terceiros que sejam necessárias
para a racional utilização do direito mineiro», mas o terceiro terá o direito a uma
«indemnização justa», se for caso disso (art. 79/3). Caso a constituição da servidão
(administrativa) «perturbe o direito de propriedade» do terreno, oficiosamente ou a
pedido do «proprietário afectado», a autoridade mineira poderá determinar a
expropriação (cit.art., in fine). Também o titular do direito mineiro pode solicitar ao
Estado a expropriação do terreno em causa, mediante pagamento de «indemnização
justa» (art. 79/7).100

O Código Mineiro da Mauritânia (1977) inclui um título dedicado às «relações entre


os titulares dos direitos mineiros e os proprietários de terras e entre eles» (Título IV).
Estabelece que não podem ser realizados trabalhos de prospecção, pesquisa e

100
. O processo a seguir na constituição de servidões e na expropriação vem regulado nos arts 246º-250º
da mesma lei.

81
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

exploração na superfície, num raio de 50 metros de «propriedades muradas, aldeias,


grupos de habitações, poços, sem autorização dos proprietários» (art. 35/1). No caso de
oposição desses proprietários de terrenos, caso o ministro das minas considere a
«ocupação do terreno técnica ou economicamente necessária para a execução dos
trabalhos de prospecção, pesquisa ou exploração mineira, bem como a implantação,
mesmo fora das áreas de concessão mineira, de construções necessárias ao
armazenamento, enriquecimento, tratamento ou transporte» dos minerais concedidos,
pode estabelecer por decreto, por um prazo determinado e mediante o pagamento de
uma indemnização, que o titular dos direitos mineiros ocupe terrenos e realize os
trabalhos necessários (art. 38º). O titular de direitos mineiros deve reparar quaisquer
danos que cause na superfície, mas a indemnização está limitada ao dano emergente
(art. 40º).

Em Angola, relembrando as questões relativas à área, embora não tenha regulado


extensivamente as relações entre os diferentes direitos, a LAGM refere-se a direitos
sobre terrenos e águas. Relembrando, no que respeita aos primeiros, estabelece no art.
11/2 que
a concessão dos direitos de exploração não implica a posse, pelo
concessionário da superfície do terreno onde se localizam as jazidas
minerais e as correspondentes instalações.

Além disso, o art. 12/2/f impõe como cláusula obrigatória do contrato de concessão
(do direito de exploração) uma cláusula que regule
as formas e meios de assegurar a utilização pelo concessionário dos
terrenos necessários às actividades mineiras e à implementação das
instalações, edifícios e equipamentos.

Decorre destas duas disposições que a concessão dos direitos de exploração não tem
como efeito a concessão de qualquer direito sobre a superfície do solo correspondente à
dimensão de jazidas e estruturas no subsolo, devendo os direitos relativos ao uso da
superfície serem regulados no contrato de concessão.

No entanto, o art. 11/2 parece ir demasiado longe ao estabelecer que a concessão do


direito de exploração não implica a «posse da superfície do terreno» em que se
encontram as instalações, porquanto a construção e uso das instalações na superfície é
essencial para a efectivação do direito de exploração, independentemente de direitos
igualmente válidos de outros titulares que incidam sobre esses terrenos. Aliás, a partir

82
Direito dos Recursos Naturais

do momento em que é celebrado o contrato de concessão e atribuído o direito de


exploração, a concessionárias tem um direito sobre parte da superfície, nos termos
definidos no contrato, para as instalações necessárias ao exercício do direito de
exploração, que, como se viu, é um direito instrumental do direito mineiro. Desse
direito de superfície decorrerá a posse desse terreno.101

A LAGM estabelece, aliás, o critério a que deve obedecer a regulação contratual da


área da superfície no art. 11/5: «a área julgada necessária para levar a efeito o plano de
exploração aprovado e para as instalações mineiras, de tratamento industriais e
auxiliares».

O art. 11/2 estabelece pois apenas o princípio geral de que a atribuição do direito de
exploração para jazidas no subsolo não implica como direito instrumental o direito de
superfície na totalidade do terreno correspondente à área abrangida no subsolo pelas
jazidas objecto do direito de exploração.

Quanto à LAP, já se viu que o direito de ocupação dos terrenos necessários à


realização das operações petrolíferas é um direito acessório dos direitos mineiros. Do
ponto de vista de concorrência de direitos relativos a outros usos de recursos naturais (e
não apenas de solos), a lei estabelece limitações à discricionaridade do Governo na
atribuição de direitos mineiros relativos a petróleos, ou de licenças de prospecção, que
possam vir a afectar certos interesses públicos a que correspondem direitos de diferentes
titulares, ao prever no art. 9/3 que os «direitos relativos a operações petrolíferas» apenas
sejam atribuídos
Com salvaguarda dos interesses nacionais em matéria de defesa,
segurança, ambiente, navegação, investigação, gestão e preservação
de recursos naturais, em particular dos biológicos aquáticos vivos e
não vivos.

No art. 9/1 a LAP estabelece a regra geral sobre conflitos de direitos mineiros
relativos a petróleos e outros direitos
A atribuição de direitos relativos ao exercício de operações
petrolíferas não é, por regra, incompatível coma prévia ou posterior
atribuição de direitos para o exercício de actividades respeitantes a
outros recursos naturais ou usos para a mesma área.

101
. Ver CC, art. 1251º.

83
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

Esta regra da LAP refere-se não só a direitos sobre solos, mas também a direitos
sobre recursos hídricos e florestais e, ainda, no caso de actividades realizadas no mar
(offshore), aos direitos de pesca.
Mas se houver «incompatibilidade» no exercício dos diferentes direitos que recaem
sobre os terrenos, cabe ao Governo decidir
sobre quais os direitos que devem prevalecer e em que condições, sem
prejuízo das compensações que se mostrarem devidas (art. 9/2).

As citadas disposições da LAP sobre concorrência de direitos são mais adequadas,


em especial para a fase de prospecção ou pesquisa, que as relativas ao direito de
ocupação precária previsto na LT para a realização de actividades mineiras de
prospecção (art. 40º). Com efeito, como este é equiparado ao arrendamento implica,
portanto, um uso exclusivo do terreno pelo arrendatário, o que impossibilitará alguns
usos potenciais desses terrenos durante essa fase. Para além disso, como se viu, na fase
de prospecção a área é bastante mais vasta que na fase de exploração ou produção, se
esta vier a ter lugar. Por outras palavras, atribuem-se, com carácter de exclusividade,
áreas muito grandes, ao titular dos direitos mineiros algumas das quais poderão ser
libertadas rapidamente, perturbando-se o exercício de direitos de outros titulares (por
exemplo, agricultores) e obrigando, eventualmente, à expropriação por utilidade pública
para exercício de direitos de duração muito limitada, como são os direitos mineiros da
1ª fase.

A previsão, no Dec. nº 32/95, de constituição de servidões mineiras para exercício


dos direitos mineiros da 1ª fase, ou seja, a sujeição dos titulares de direitos sobre solos à
realização das actividades da 1ª fase, com compensação dos danos que lhes fossem
causados no exercício destes direitos, era, portanto, mais simples e menos onerosa que o
regime da actual LT.

No que respeita a direitos sobre águas, a LA tem uma abordagem preventiva aos
conflitos entre direitos mineiros e direitos sobre recursos hídricos, ao exigir que antes da
concessão de direitos mineiros seja concedida uma licença de uso privativo de águas
(art. 25/6), disposição que se aplicará à fase da exploração ou produção (infra). De
referir que a LA impõe a compatibilização dos prazos e «demais requisitos» previstos
nos dois instrumentos de concessão de direitos sobre estes diferentes recursos naturais
propriedade do estado.

84
Direito dos Recursos Naturais

11.3.2. Conflitos entre direitos mineiros

Os direitos mineiros podem também estar em conflito. O princípio geral é o de que,


em caso de conflito, prevalece o direito mineiro mais antigo. Por outra palavras, se
forem concedidos direitos exclusivos para os mesmos minerais e para a mesma área, são
válidos os direitos concedidos em primeiro lugar se não tiverem sido extintos nos
termos da lei ou contrato. No entanto, poderão, em alguns casos, ser concedidos direitos
exclusivos para minerais diversos na mesma área ou em áreas parcialmente
coincidentes. Neste caso, não teremos, em princípio, um conflito de direitos mineiros
mas eventualmente de direitos instrumentais.

Algumas legislações mineiras e de petróleos estabelecem critérios gerais para


resolução deste tipo de conflitos. Por exemplo, o Código Mineiro do Níger consagra
expressamente o princípio de que «os títulos mineiros são concedidos sob reserva dos
direitos anteriores» (art. 53º).

A proposta de legislação sobre actividades mineiras de pequena escala das Filipinas


regulava a coexistência de direitos mineiros de diferentes espécies. Assim, no caso de
uma área definida como de produção de pequena escala já haver outro titular de direitos
mineiros, os mineiros de pequena escala e esse titular deveriam celebrar contratos
relativos à utilização dos minerais nessa área. No caso de não chegarem a acordo, o
primeiro titular de direitos mineiros ficaria isento do cumprimento de algumas das suas
obrigações para com o Estado das quais se destacam: i. cumprimento do plano de
trabalhos, ii. pagamento de rendas e impostos relacionados com terras, e outras rendas
devidas por uso de terras, bem como de pagamento do royalty (art. 14º).

Em Angola, a LAGM prevê que os direitos mineiros são concedidos relativamente a


«um ou mais tipos de mineralização ou jazida» (art. 5/6), como se viu. O art. 6/2/a
estabelece (como cláusula obrigatória do contrato de concessão) que os direitos
mineiros (neste caso de prospecção, pesquisa e reconhecimento) são concedidos em
regime de exclusividade na «área definida pela licença de prospecção».

Dado o disposto no art. 5/6, poderá levantar-se o problema de saber se a


exclusividade referida no art. 6/2/a se refere apenas aos minerais concedidos em
primeiro lugar, ou se abrangerá todos os minerais. No primeiro caso, poderiam ser

85
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

exercidos na mesma área direitos mineiros para diferentes minerais, devendo então
aplicar-se a doutrina do art. 335º do CC.

Relativamente ao direito de exploração, tal problema de solução de conflitos entre


direitos nesses termos não se porá com frequência pois aí a área da concessão é apenas a
necessária para a realização das operações mineiras (art. 11/5) e não tem a dimensão da
área concedida na fase de prospecção, tornando-se difícil pois serem exercidos
simultaneamente direitos mineiros relativos a diferentes minerais. Neste caso,
prevalecerá o direito concedido em primeiro lugar.

Não resulta claro da LD se os titulares de licença de exploração artesanal são


titulares de um direito mineiro proprio sensu ou sub-concessionários. Mas se se aceitar
que os seus direitos emergentes da licença são direitos mineiros, teríamos uma situação
de exercício de direitos mineiros, incluindo de exploração, de diferentes titulares na
mesma área.

No que respeita às soluções encontradas na LAP, já se viu que a regra geral é o


exercício simultâneo dos diferentes direitos relativos a usos de recursos naturais, nos
quais se incluem os minerais. O art. 80/2 prevê expressamente a possibilidade de ser
autorizado o exercício de direitos mineiros relativos a outros minerais nas áreas sob
licença de prospecção, desde que não sejam postas em perigo ou perturbadas as
actividades petrolíferas exercidas ao abrigo da licença (art. 80/3).

Quer a LAGM quer a LAP tratam de situações em que possam advir conflitos de
vizinhança. Com efeito, o exercício de direitos mineiros e instrumentais por um titular
pode afectar o exercício de direitos em áreas vizinhas. Haverá então conflitos de
vizinhança prevendo algumas legislações formas de os solucionar.

Por exemplo, a Lei de Minas do Peru regula diferentes situações decorrentes da


contiguidade de áreas afectadas a diferentes titulares de direitos mineiros, podendo um
titular de direitos mineiros: i. solicitar às autoridades a constituição a seu favor de
servidões sobre a superfície de áreas relativas a direitos mineiros de outros titulares
«sempre que por esse meio não se impeça ou dificulte a actividade mineira dos seus
titulares» (art. 79/4), ii. construir nas áreas afectadas a outros titulares os meios
«necessários ao acesso, ventilação e descargas das suas concessões, transporte de
minerais e segurança de trabalhadores», mediante indemnização se essas construções
86
Direito dos Recursos Naturais

causarem danos, podendo os titulares dos direitos afectados pelas servidões usar essas
construções mediante pagamento de uma «compensação fixada pelas autoridades
mineiras no caso de as partes não chegarem a acordo (sobre o seu montante)» (art.
79/5), e iii. «inspeccionar as instalações e infra-estruturas de (titulares de) direitos
mineiros contíguos ou em colisão» quando suspeite que o estado deficiente dessas
construções ou trabalhos que neles estejam a ser realizados possa perigar, por
inundações ou incêndios, a segurança de pessoas e instalações na área de que é titular
(art. 79/10).

A LAGM contempla a possibilidade de “unificação de concessões” ao prever que,


excepcionalmente, seja autorizada «a integração de áreas vizinhas numa única
concessão quando daí resulte um aproveitamento económico e racional dos respectivos
recursos» (art. 12/1, in fine), como forma de solução de eventuais conflitos por acordo
entre titulares de direitos relativos a áreas vizinhas contíguas.

A LAP estabelece que, se duas áreas contíguas estiverem em regime de concessão e


se a CN considerar que «por razões técnico-económicas» se deve fazer o
desenvolvimento de descobertas comerciais nessas duas áreas em conjunto (art. 64/1),
ou no caso de descoberta numa área de um jazigo que se estenda para um área contígua,
o Ministro da tutela pode autorizar a «unitização», ou seja, o desenvolvimento e
produção conjunto dessas jazidas (art. 64/2). Apesar de a concessionária de direitos
mineiros nas áreas contíguas ser apenas a CN, haverá nas duas concessões associadas
diferentes pelo que o art. 64/3 estabelece que todas as «entidades envolvidas» devem
chegar a acordo quanto ao plano de desenvolvimento e produção conjunto.

No caso de operações de prospecção, a LAP prevê a realização destas actividades


em áreas contíguas a uma dada concessão, estejam essas áreas contíguas ou não sob
concessão, por um prazo determinado e após autorização do ministro de tutela, desde
que não sejam prejudicadas as operações petrolíferas caso a área contígua estela sob
concessão (art. 61º).

A LAP prevê ainda a possibilidade de numa concessão petrolífera serem usadas as


instalações e outros meios de outra concessão petrolífera, mediante pagamento, desde
que daí resulte
uma gestão mais eficiente e económica dos recursos existentes e desde
que não implique a redução dos níveis de produção, nem perturbe o
87
Direitos sobre recursos naturais propriedade do estado

bom andamento das operações petrolíferas da concessão a que os


referidos meios estão afectos (art. 68/1)

Por fim, algumas entidades ou o público em geral, entre eles os titulares de diversos
direitos em áreas contíguas à da concessão podem ter, por força de lei ou acto
administrativo, direitos de uso de instalações e infra-estruturas situadas dentro da área
de uma concessão pelo titular de direitos mineiros nessa área.

Assim, por exemplo, a Lei de Minas da Mauritânia estabelece que as vias de


comunicação construídas pelos titulares de direitos mineiros dentro e fora da área da
concessão podem «ser abertas a uso público» «quando daí não resultar qualquer
obstáculo à exploração» (art. 39º).102

Nas Filipinas, segundo o respectivo projecto de lei, os produtores de pequena escala


terão o direito de beneficiar do uso de instalações e infra-estruturas como estradas,
portos, comunicações, mediante declaração das autoridades ao titular de direitos
mineiros, operador ou proprietário de terras interessado, e o pagamento de um preço
razoável a esses titulares de direitos (art. 12º).

11.4. Conflitos entre direitos sobre recursos hídricos e direitos sobre outros
recursos naturais

Como se viu, a LA procura assegurar a compatibilização ex ante entre direitos sobre


recursos hídricos e direitos sobre outros recursos naturais através da coordenação
institucional que assegure que não são concedidos direitos relativos a actividades que
usem águas sem a emissão prévia da licença de uso privativo de águas (art. 25/5-6).

Relativamente a potenciais conflitos entre direitos de uso de águas, o art. 37/2


afirma que o direito de uso privativo é «atribuído com ressalva dos usos comuns pre-
existentes», ou seja, uma restrição à discricionaridade da Administração na concessão
do direito e não uma regra de solução de conflitos entre direitos igualmente válidos.

102
. No mesmo sentido, «As vias de comunicação ou linhas eléctricas criadas pelo titular (de direitos
mineiros) podem, quando daí não resulte qualquer obstáculo para a instalação e mediante o pagamento de
uma indemnização justa, ser utilizadas para serviço dos estabelecimentos vizinhos se eles os solicitarem e
eventualmente podem ser abertos ao público» (art. 116º, fine, do Código Mineiro do Níger).

88
Direito dos Recursos Naturais

No caso de conflito de direitos de uso de recursos hídricos e outros direitos, a LA


prevê a constituição de servidões (art. 31º) e, no caso de concessões de uso privativo de
águas a possibilidade de expropriação por utilidade pública (art. 54b).

No que respeita a conflitos entre direitos de uso de águas, a LA estabelece, como se


viu, a prevalência dos usos comuns sobe os usos privativos (art.22/2). Isto significa que
poderão ser exercidos ambos os tipos de direitos caso não se excluam totalmente no seu
exercício, ou seja, no caso de haver água em quantidade suficiente para os dois tipos de
usos. Mas no caso de tal não ser possível, exercem os direitos de uso comum.

Poderiam levantar-se dúvidas, no âmbito da LA, quanto a saber se a esta prevalência


se aplica a regra da antiguidade. Mas parece decorrer dos arts 22/2 e 33/1 da lei que,
neste caso, se estabelece uma regra de prevalência legal em função das necessidades a
satisfazer (por referência para o art. 23/1, «necessidades domésticas, pessoais e
familiares do utilizador (...) incluindo rega de culturas de subsistência») que afasta a
regra prior tempore potior jure («o uso comum tem prioridade sobre o uso privativo»
«pelo que não podem ser concedidos nem mantidos usos privativos em detrimento
daqueles» usos comuns).

Aliás, em casos de força maior, a lei prevê a requisição de águas sujeitas a usos
privativos para fins de uso comum mas apenas enquanto permanecer a situação de força
maior (art. 30/1), havendo lugar à indemnização do titular de direitos de uso privativo
(art. 30/3).

Destas disposições parece decorrer que, no caso de concorrência de direitos sobre


águas, de uso comum e de uso privativo igualmente válidos, prevalece o direito mais
antigo.

Relativamente a conflitos entre direitos de uso de águas e direitos sobre terras, é


aplicada a regra da antiguidade quanto à prevalência dos direitos de uso comum sobre o
direito de uso de águas de titular de direitos fundiários para fins agrários, no caso das
águas referidas no art. 26/1 (art. 26/2).

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