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PSICOPATOLOGIA GERAL I

Profa. MS. Maria da Conceição Albano Ferreira

DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Porto Alegre, ArtMed, 2000.
BARLOW, David H. Psicopatologia: uma abordagem integrada. 4ª. Ed. Revisão técnica Francisco B. Assumpção Jr. São Paulo:
Congage Learning, 2011.

1. O CONCEITO DE NORMALIDADE EM PSICOPATOLOGIA

1.1 A CIÊNCIA DA PSICOPATOLOGIA

A psicopatologia é o estudo científico dos transtornos psicológicos. O que é transtorno psicológico ou comportamento
anormal? É uma disfunção psicológica que ocorre em um indivíduo e está associada com angústia e diminuição da capacidade
adaptativa e uma resposta que não é culturalmente esperada .
A disfunção psicológica refere-se a uma interrupção no funcionamento cognitivo, emocional ou comportamental. Por
exemplo, sair para um encontro pode ser divertido, mas se você experimenta um forte medo toda noite e só quer voltar para casa,
mesmo que não haja nada para temer, e se o medo ocorre a cada encontro, suas emoções não estão funcionando adequadamente.
Entretanto, se todos os seus amigos concordam que a pessoa que convidou você para sair é perigosa, não seria “disfuncional” ter
medo e evitar o encontro. No entanto, apenas ter uma disfunção não é o suficiente para definir os critérios de um transtorno
psicológico.
O fato de que o transtorno ou o comportamento deve estar associado com angústia adiciona um componente importante e
parece claro: o critério será satisfeito se o indivíduo for extremamente perturbado. Contudo, devemos lembrar que esse critério, por
si só, não define o comportamento anormal. É bastante comum ficar angustiado – por exemplo, se alguém próximo morre. Assim,
definir um transtorno psicológico apenas por angústia não funciona, embora o conceito de angústia contribua para uma boa
definição.
O conceito de prejuízo é útil, embora não inteiramente satisfatório. Por exemplo, muitas pessoas se consideram tímidas
ou preguiçosas. Isso não significa que elas sejam anormais. No entanto, se você é tão tímido que acha impossível namorar ou
mesmo interagir com outras pessoas, e se você tenta impedir as interações mesmo que goste de ter amigos, seu funcionamento
social está prejudicado.
Finalmente, o critério para o qual a resposta seja atípica ou não esperada segundo o aspecto cultural é importante, mas
também insuficiente para determinar a anormalidade. Às vezes, algo é considerado anormal porque não ocorre com frequência; ele
se desvia da média. Quanto maior o desvio, maior a anormalidade. É possível dizer que alguém é baixo ou alto de forma anormal,
significando que a altura da pessoa desvia-se substancialmente da média, mas isso não é uma definição de transtorno. Muitas
pessoas estão longe da média no que se refere a seus comportamentos, mas poucas seriam consideradas perturbadas.
Poderíamos chamá-las de talentosas ou excêntricas.
Concluindo, é difícil definir “normal” e “anormal”. A definição mais aceita no DSM-IV-TR descreve como anormais
disfunções comportamentais, emocionais e cognitivas que são inesperadas em seu contexto cultural e associadas com angústia e
substancial inadequação no funcionamento.

1.2 – CONCEITOS HISTÓRICOS DO COMPORTAMENTO ANORMAL

Por centenas de anos, os seres humanos têm tentado explicar e controlar o comportamento problemático. No entanto,
nossos esforços sempre advieram de teorias e modelos de comportamento populares em determinada época. A finalidade desses
modelos é explicar por que alguém está “agindo dessa maneira”. Três modelos principais nos fizeram voltar até os primórdios da
civilização.
Os seres humanos sempre supuseram que os agentes externos a nossos corpos e o ambiente influenciavam nosso
comportamento, pensamento e emoções. Esses agentes, como os campos magnéticos ou a lua e as estrelas, são as forças
dirigentes por trás do modelo sobrenatural. Além disso, desde a Grécia antiga, a mente tem sido denominada alma ou psique e
considerada uma parte separada do corpo. Embora muitas pessoas tenham pensado que a mente pudesse influenciar o corpo e
este, por sua vez, pudesse influenciar a mente, a maioria dos filósofos procurava por causas do comportamento anormal em um ou
outro. Essa separação fez que surgissem duas correntes de pensamento sobre o comportamento anormal, resumidas em modelo
biológico e modelo psicológico.
Esses três modelos – o sobrenatural, o biológico e o psicológico – são muito antigos, mas são utilizados até hoje.

 A TRADIÇÃO SOBRENATURAL
Em grande parte de nossa história, o comportamento desviante tem sido considerado um reflexo da batalha entre o bem e
o mal. Quando confrontadas com o inexplicável, com o comportamento irracional e com o sofrimento e a revolta, as pessoas
percebiam o mal.

DEMÔNIOS E FEITICEIRAS – Uma forte corrente de opinião colocou, de maneira forçada, as causas e o tratamento dos
transtornos psicológicos no domínio do sobrenatural. Durante o último quartel do século XIV, religiosos e autoridades laicas
apoiaram as superstições populares, e a sociedade passou a acreditar na realidade e no poder dos demônios e das feiticeiras. A
Igreja Católica se dividiu, e um segundo centro completo com um papa, surgiu no sul da França para competir com Roma.
As pessoas recorriam cada vez mais à mágica e à bruxaria para resolver seus problemas. Durante essa época turbulenta
o comportamento bizarro das pessoas atormentadas pelos transtornos psicológicos era visto como ação do diabo ou das bruxas.
Os tratamentos incluíam exorcismo, em que diversos rituais religiosos eram desenvolvidos para livrar a vítima dos maus espíritos. A
convicção de que as bruxas e a bruxaria eram as causas da loucura e de outros males continuou pelo século XV afora, mesmo
após a formação dos Estados Unidos, como ficou evidenciado pelos julgamentos das bruxas de Salém.

ESTRESSE E MELANCOLIA – Uma opinião igualmente forte, mesmo durante esse período, refletiu a visão esclarecida
de que a insanidade era um fenômeno natural, causado pelo estresse mental ou emocional, e que ela era curável. A depressão e a
ansiedade foram reconhecidas como doenças, embora os sintomas, como desespero e letargia, fossem frequentemente
identificados pela Igreja como o pecado da apatia ou preguiça. Tratamentos comuns eram o repouso, o sono e o ambiente alegre e
saudável. Outros tratamentos incluíam banhos, ungüentos e diversas poções. Durante o século XIV e XV, o insano, juntamente com
o deformado ou incapacitado, eram transferidos de casa em casa nos vilarejos medievais, de forma que os vizinhos alternavam-se
no cuidado deles.

TRATAMENTOS PARA A POSSESSÃO – Pela conexão entre as proezas do mal e o pecado de um lado, e os transtornos
psicológicos do outro, é lógico concluir que o sofredor é responsável pelo transtorno, que poderia bem ser uma punição por más
ações. Isso parece familiar? Nos anos 1990, a síndrome epidêmica da AIDS este associada a uma crença similar entre algumas
pessoas. Muitas pessoas acreditavam ser isso uma punição divina para os homossexuais praticantes, por considerarem esse
comportamento repugnante.
A possessão, entretanto, nem sempre é relacionada ao pecado, pode ser vista como involuntária, e o indivíduo possuído,
como um inocente. Na Idade Média, se o exorcismo falhasse, algumas autoridades pensavam em quais passos seriam necessários
para fazer o corpo inabitável para os espíritos maus, assim muitas pessoas eram submetidas ao confinamento, a açoitamento e a
outras formas de tortura.

A LUA E AS ESTRELAS – Paracelso, um médico suíço que viveu de 1943 a 1541, rejeitou as noções de possessão
demoníaca, sugerindo que, em vez disso, os movimentos da lua e das estrelas tinham profundos efeitos sobre o funcionamento
psicológico das pessoas. Essa teoria de influência inspirou a palavra lunático, derivada da palavra latina luna, lua. A crença de que
os corpos celestes ainda afetam o comportamento humano ainda existe, embora não haja nenhuma evidência científica que a
apóie.

 A TRADIÇÃO BIOLÓGICA
Buscam-se as causas físicas dos transtornos mentais desde os primórdios da história. Foi importante para a tradição
psicológica um homem, Hipócrates, uma doença, a sífilis, e as primeiras consequências da crença de que os transtornos
psicológicos eram causados pelo aspecto biológico.

HIPÓCRATES E GALENO – O médico grego Hipócrates (460-377 a.C) é considerado o pai da medicina moderna. Ele e
seus discípulos deixaram um compêndio de trabalhos chamado Corpus Hipocrático, escrito entre 450 e 350 a.C, em que sugerem
que os transtornos psicológicos poderiam ser tratados como qualquer doença. Hipócrates considerou o cérebro a sede da
sabedoria, da consciência, da inteligência e da emoção. Também reconheceu a importância das contribuições psicológicas e
interpessoais para a psicopatologia, como às vezes, os efeitos negativos do estresse familiar, em determinadas ocasiões, ele
removeu pacientes de suas famílias.
O físico Galeno (129-198 d.C) adotou posteriormente as idéias de Hipócrates e as desenvolveu ainda mais, criando uma
escola poderosa e influenciadora de pensamento dentro da tradição biológica que se estendeu até o século XIX. Um dos legados
mais interessantes e influentes da abordagem hipocrático-galênica é a teoria humoral dos transtornos. Hipócrates afirmava que o
funcionamento normal do cérebro estava relacionado aos quatro fluidos corporais ou humores: o sangue (vinha do coração), a bílis
negra (do baço), a bílis amarela ou cólera (do fígado) e a linfa (do cérebro) (ou fleuma).
Os quatro humores foram relacionados ao conceito grego das quatro qualidades básicas: calor, secura, umidade e frio. Os
termos derivados dos quatro humores ainda aplicados aos traços de personalidade. Por exemplo, o sanguíneo (vermelho, como
sangue) descreve alguém que é muito corado em sua compleição, sendo então, alegre e otimista, embora a insônia e o delírio
fossem pensados como causados por excessivo sangue no cérebro. O melancólico significa depressivo (pensou-se que a
depressão fosse causada pela bílis negra derramada no cérebro). Uma personalidade fleumática indica apatia e morosidade, mas
também pode significar calma em situações de estresse. Uma pessoa colérica é de temperamento quente.
Hipócrates também cunhou a palavra histeria para descrever um conceito que aprendeu com os egípcios, que tinham
identificado o que hoje chamamos transtornos somatoformes. Nestes transtornos, os sintomas físicos parecem ser resultado de
uma patologia orgânica para a qual nenhuma causa orgânica pode ser encontrada, como paralisia e alguns tipos de cegueira. Em
razão de esses transtornos terem ocorrido primeiro em mulheres, os egípcios (e Hipócrates) erroneamente afirmaram que eram
restritos ao sexo feminino. Eles também presumiram uma causa: o útero vazio perambulava por várias partes do corpo em busca de
concepção (a palavra grega para “útero” é hysteron).
O SÉCULO XIX – Sífilis – Os sintomas comportamentais e cognitivos do que hoje conhecemos como sífilis avançada,
doença sexualmente transmissível causada por um micro-organismo bacteriano que entra no cérebro inclui a crença de que alguém
está tramando contra você (delírio de perseguição) ou que você é Deus (delírio de grandeza), bem como outros comportamentos
bizarros. Embora esses sintomas sejam muito semelhantes aos da psicose, os pesquisadores reconheceram que, em um subgrupo
de pacientes aparentemente psicóticos com deterioração mental permanente, as pessoas se tornavam paralisadas e morriam a
partir de 5 anos, a contar do início. Este curso dos fatos contrastava com o dos pacientes mais psicóticos, que permaneciam
bastante estáveis.
John P. Grey – O campeão da tradição biológica nos EUA foi o psiquiatra americano mais influente da época. Grey
defendia que a insanidade sempre era consequência de causas físicas, por conseguinte, o paciente que sofria de doença mental
deveria ser tratado como um paciente que sofria de doença física. A ênfase era novamente no descanso, na dieta e em temperatura
ambiente e ventilação adequada, abordagens usadas há séculos pelos terapeutas anteriores na tradição biológica. Grey melhorou
muito as condições nos hospitais; assim, esses locais se tornaram instituições mais humanas e dignas de serem habitadas.
Entretanto, nos anos posteriores, essas instituições se tornaram tão grandes e impessoais que a atenção individual não foi mais
possível.
De fato, os psiquiatras, no final do século XIX, ficaram alarmados pelo tamanho e pela impessoalidade crescentes dos
hospitais mentais e recomendavam que eles fossem reduzidos. Quase cem anos antes, o movimento da comunidade de saúde
mental foi bem-sucedido em reduzir a população dos hospitais mentais com a política muito controversa de “desinstitucionalização”,
em que os pacientes eram reintegrados em suas comunidades. Infelizmente, essa prática tem tanto consequências negativas
quanto positivas, incluindo o grande aumento do número dos pacientes sem lar e incapacitados nas ruas de nossas cidades.

 A TRADIÇÃO PSICOLÓGICA
É grande o salto dos espíritos maus até a patologia do cérebro como causa pra os transtornos psicológicos. Platão
pensava que as duas causas do comportamento mal-adaptativo eram as influências sociais e culturais na vida de alguém e a
aprendizagem que ocorria naquele ambiente. Se algo estivesse errado no ambiente, como o fato de os pais serem abusivos, os
impulsos e as emoções de alguém dominariam a razão. O melhor tratamento era reeducar o indivíduo por meio da discussão
racional de maneira que o poder da razão predominasse. Isso foi, em grande parte, um precursor das modernas abordagens
psicossociais, que focalizam não apenas fatores psicológicos, mas também fatores sociais e culturais.

TERAPIA MORAL – Durante a primeira metade do século XVIII, uma forte abordagem psicossocial dos transtornos
mentais, chamada terapia moral, tornou-se influente. O termo moral, na realidade, significava “emocional” ou “psicológico”, em vez
de ser um código de conduta. Seus princípios básicos incluíam tratar o paciente da forma mais normal em um ambiente que
encorajasse e reforçasse interações sociais normais, de forma a lhes garantir muitas oportunidades de adequar seu contato social e
interpessoal. A terapia moral como sistema origina-se com o famoso psiquiatra francês Philippe Pinel (1745-1826).
Após William Tuke (1732-1822) ter seguido a liderança de Pinel na Inglaterra, Benjamin Rush (1745-1813), considerado o
fundador da psiquiatria norte-americana, introduziu a terapia moral em seus trabalhos iniciais no Hospital da Pensilvânia. Este se
tornou o tratamento de escolha nos principais hospitais. Os hospícios surgiram no século XVI e mais pareciam prisões que
hospitais. Foi o aumento da terapia moral na Europa e nos Estados Unidos que tornou os hospícios habitáveis e até mesmo
terapêuticos.

REFORMA MANICOMIAL E DECLÍNIO DA TERAPIA MORAL – Infelizmente, após meados do XIX, o tratamento humano
declinou em função de uma convergência de fatores. Em primeiro lugar, era amplamente reconhecido que a terapia moral
funcionava melhor quando o número de paciente em uma instituição era de 200 ou menos, permitindo maior atenção individual ao
paciente. Após a Guerra Civil, muitos imigrantes chegaram aos Estados Unidos e produziam suas próprias populações de doentes
mentais. Os números de pacientes em hospitais aumentaram para mil, dois mil ou mais. Embora os grupos de imigrantes não
fossem entendidos como merecedores dos mesmos privilégios que os norte-americanos “nativos”, a eles não eram dados os
tratamentos morais, mesmo quando havia quantidade suficiente de funcionários nos hospitais.
Um segundo motivo para o declínio na terapia moral teve uma fonte improvável. A expedicionária Dorothea Dix (1802-
1887) fez uma enorme campanha pela reforma no tratamento da insanidade. Tendo conhecimento, em primeira mão, das
deploráveis condições impostas aos insanos, adotou como trabalho de sua vida a responsabilidade de informar ao público norte-
americano e a seus líderes esses abusos. Seu trabalho ficou conhecido como movimento pela higiene mental.
A tradição psicológica permaneceu dormente por certo tempo, apenas para emergir de novo em diversas escolas de
pensamento muito diferentes no século XX. A primeira abordagem foi à psicanálise, baseada na teoria elaborada por Sigmund
Freud (1856-1939); a segunda foi o behaviorismo, associado a John B. Watson, Ivan Pavlov e B. F. Skinner.

TEORIA PSICANALÍTICA – Freud elaborou o modelo psicanalítico, a mais abrangente teoria já construída sobre o
desenvolvimento e estrutura de nossa personalidade. Ele também especulou em que aspecto esse desenvolvimento poderia estar
errado e produzir transtornos psicológicos. Ainda que muitas opiniões de Freud tenham mudado com o passar do tempo, os
princípios básicos do funcionamento mental que ele originalmente propôs permaneceram constantes por meio de seus escritos e
ainda são aplicados pelos psicanalistas em nossos dias. As três premissas mais importantes da teoria psicanalítica são: 1. a
estrutura da mente e as distintas funções da personalidade, que à vezes se chocam umas com as outras; 2. os mecanismos de
defesa com os quais a mente se defende desses choques ou conflitos; e 3. os estágios do desenvolvimento psicossexual primitivo
que oferece os grãos para o moinho de nossos conflitos internos.
Os conceitos e observações psicanalíticos têm sido muito valiosos, não apenas para o estudo da psicopatologia e de
psicoterapia dinâmica, mas também para a história das idéias na civilização ocidental. Estudos científicos de psicopatologia têm
apoiado a observação dos processos mentais inconscientes, a noção de que as respostas básicas emocionais são frequentemente
engatilhadas por dicas ocultas ou simbólicas e a compreensão de que as memórias dos acontecimentos em nossas vidas podem
ser reprimidas e, por outro lado, impedidas por uma variedade de maneiras engenhosas. O relacionamento com o paciente,
chamado de aliança terapêutica, é uma área importante de estudo na maioria das estratégias terapêuticas.
As idéias revolucionárias de Freud que emergem da ansiedade patológica em conexão com alguns de nossos mais
profundos e escuros instintos nos trouxeram de um longo caminho de processos de feitiçaria e de patologias incuráveis. Antes de
Freud, a fonte do bem e do mal e dos desejos e proibições foi concebida como externa e espiritual, geralmente a guisa de demônios
confrontando as forças do bem. A partir de Freud, nós próprios nos tornamos o campo de batalha para essas forças, e
inexoravelmente somos trazidos à luta, algumas vezes para o melhor, outras, para o pior.

TEORIA HUMANÍSTICA – Jung e Adler romperam com Freud. A discordância fundamental era em relação à verdadeira
natureza da humanidade. Freud desenhou a vida como um campo de batalha no qual estamos continuamente diante do perigo de
sermos subjugados por nossas mais tenebrosas forças. Jung e Adler, por outro lado, enfatizaram o lado otimista e positivo da
natureza humana. Jung, falava sobre o direcionamento de metas, olhando em direção ao amanhã e concebendo o futuro mais
pleno de alguém. Adler acreditava que a natureza humana atinge seu potencial mais pleno quando contribuímos para outros
indivíduos e para a sociedade. Suas filosofias gerais eram adotadas em meados do século por teóricos de personalidade e
tornaram-se conhecidas como psicologia humanística.
A autorrealização era o slogan desse movimento. Abraham Maslow (1908-1970) foi o mais sistemático ao descrever a
estrutura da personalidade. Ele postulou uma hierarquia de necessidades; criou a hipótese de que não podemos progredir na
hierarquia até que tenhamos satisfeito as necessidades dos níveis mais baixos.
Carl Rogers (1902-1987) originou a terapia centrada no cliente. Nessa abordagem, o terapeuta assume papel passivo,
fazendo o mínimo de interpretação possível. A questão é fornecer ao indivíduo a oportunidade de desenvolver-se durante o curso
da terapia, desembaraçado dos temores do eu.
No entanto, o modelo humanístico ofereceu poucas informações para o campo da psicopatologia. Um dos motivos para
isso é que seus proponentes teóricos, com algumas exceções, não tiveram muito interesse em fazer pesquisas que descobrissem
ou criassem novos conhecimentos.

O MODELO COMPORTAMENTAL – O modelo comportamental, conhecido como modelo cognitivo-comportamental ou


modelo de aprendizagem social, trouxe o desenvolvimento sistemático de uma abordagem mais científica para os aspectos
psicológicos da psicopatologia.
O fisiologista Ivan P. Pavlov (1849-1936) iniciou o estudo do condicionamento clássico, um tipo de aprendizagem em que
um estímulo é associado a uma resposta até que ele elicie a resposta. Por ser fisiologista, era natural que estudasse esses
processos em um laboratório e adotasse uma postura científica em relação a eles. Embora essa abordagem seja comum na
biologia, não era de todo comum na psicologia naquela época.
O psicólogo John B. Watson (1878-1958) é o fundador do behaviorismo. Bastante influenciado pelo trabalho de Pavlov,
Watson, em citação de um artigo em 1913, diz: “A psicologia, como um behaviorista a entende, é um ramo objetivo puramente
experimental da ciência natural. Sua meta teórica é a previsão e o controle do comportamento”. Como muitos revolucionários,
Watson levou sua causa a extremos, ele escreveu que “pensar”, para finalidades científicas, poderia ser comparado à conversa
subvocal e que alguém precisa somente de movimentos em torno da laringe para estudar esse processo de modo objetivo.
B. F. Skinner (1904-1990), em 1938 publicou O comportamento dos organismos, em que estabeleceu de maneira
abrangente, os princípios do comportamento operante, um tipo de aprendizagem em que o comportamento muda como uma função
do que persegue esse comportamento. Skinner cunhou o termo condicionamento operante porque o comportamento “opera” no
ambiente e o modifica de alguma forma.
O modelo comportamental contribuiu muito para a compreensão e o tratamento da psicopatologia. Por outro lado esse
modelo é incompleto e inadequado para relatar o que agora sabemos sobre psicopatologia. No passado, havia pouco ou nenhum
lugar para a biologia no behaviorismo, porque os transtornos eram considerados, em sua maior parte, reações comportamentais
determinadas. O modelo também falha em descrever o desenvolvimento da psicologia através do ciclo da vida. Avanços recentes
no conhecimento de como as informações são processadas, tanto consciente quanto inconscientemente, acrescentaram uma
camada de complexidade.

 O PRESENTE: O MÉTODO CIENTÍFICO E UMA ABORDAGEM INTEGRADORA


Nos anos 1990, dois avanços como nunca vistos, surgiram para iluminar a natureza da psicopatologia: (a) a crescente
sofisticação dos instrumentos científicos e da metodologia e (b) a constatação de que nenhuma influência – biológica,
comportamental, cognitiva, emocional ou social – ocorre de forma isolada. Literalmente, cada vez que pensamos, sentimos ou
fazemos alguma coisa, o cérebro e o restante do corpo estão trabalhando duro. Talvez não tão óbvio, entretanto, seja o fato de que
nossos pensamentos, sentimentos e ações inevitavelmente influenciam a função e até mesmo a estrutura do cérebro, às vezes de
modo permanente. Em outras palavras, nosso comportamento, tanto normal quanto anormal, é produto de uma interação contínua
de influências psicológicas, biológicas e sociais.
A visão de que a psicoterapia é multiplamente determinada tem seus partidários primeiros. Talvez o mais notável tenha
sido Adolf Meyer (1866-1950), decano da psiquiatria norte-americana. Considerando que a maioria dos profissionais, durante a
primeira metade do século, possuía visões limitadas da causa da psicopatologia, Meyer enfatizou contribuições iguais de
determinismo sociocultural, biológico e psicológico. Embora tenha tido alguns defensores, foi cem anos atrás que suas idéias
tornaram-se reconhecidas na área.
No ano 2000, ocorreu uma verdadeira explosão de conhecimento sobre a psicopatologia. Os jovens campos da ciência
cognitiva e da neurociência começaram a crescer exponencialmente, enquanto aprendíamos mais sobre o cérebro e sobre como
processamos, lembramos e usamos as informações. Ao mesmo tempo, começar novas descobertas na ciência comportamental
revelou a importância da experiência anterior na determinação do desenvolvimento posterior. Estava claro que um novo modelo era
necessário e que ele deveria considerar as influências biológicas, psicológicas e sociais sobre o comportamento. Essa abordagem
da psicopatologia combinaria as descobertas de todas as áreas com nossa rápida e crescente compreensão de como
experimentamos a vida em diferentes períodos, da infância à velhice.

2. AVALIANDO OS TRANSTORNOS PSICOLÓGICOS

O processo de avaliação clínica e diagnóstico é essencial para o estudo da psicopatologia e, em última análise, para o
tratamento dos transtornos psicológicos. A avaliação clínica é a avaliação e a medida sistemáticas dos fatores sociais, biológicos e
psicológicos em um indivíduo que apresenta um possível transtorno psicológico. O diagnóstico é o processo de determinar se um
problema, em particular, afeta o indivíduo e preenche todos os critérios para um transtorno psicológico, conforme publicado no
DSM-IV-TR (2000).

No ano de 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a primeira edição do “Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais” (DSM-I), e as edições seguintes, publicadas em 1968 (DSM-II), 1980 (DSM-III), 1987 (DSM-III-
R), 1994 (DSM-IV) e 2000 (DSM-IV-TR), foram revistas, modificadas e ampliadas.

O DSM-III (1980) foi o mais revolucionário de todos e tornou-se um marco na história da psiquiatria moderna. Novas
categorias diagnósticas foram descritas, como, por exemplo: a neurose de angústia foi subdividida em transtorno de pânico com e
sem agorafobia e transtorno de ansiedade generalizada; a fobia social tornou-se uma entidade nosológica própria; a psicose
maníaco-depressiva passou a ser denominada de transtorno do humor bipolar, com ou sem sintomas psicóticos. Muitas palavras
passaram a ser evitadas. O termo neurose, por exemplo, deixou de ser usada, para não suscitar questões etiológicas, a palavra
histeria desapareceu do texto, pelo mesmo motivo, a expressão doença mental foi substituída por transtorno mental, etc.

Além disto, uma característica importante do DSM-III foi à hierarquização dos diagnósticos. Um paciente diagnosticado
como esquizofrênico, por exemplo, não poderia receber o diagnóstico simultâneo de transtorno de pânico. A esquizofrenia,
patologia mais grave, era considerada hierarquicamente superior ao quadro do pânico. Desta forma, era atendida a velha máxima
da medicina, que preconiza a identificação de uma única patologia para explicar todos os sintomas que compõem o quadro clínico
de um paciente. Entretanto, em 1987, com a publicação do DSM-III-R, esta hierarquia foi abolida, e o manual passou a incentivar a
feitura simultânea de dois ou mais diagnósticos num mesmo paciente. Surgiu, assim, o conceito de comorbidade, em psiquiatria,
que foi confirmado pelo DSM-IV e amplamente difundido nos anos 90, sendo utilizado regularmente nos dias atuais.

O QUE É O DSM-IV?

O DSM-IV é, portanto, um manual diagnóstico e estatístico, que foi adotado pela APA e que se correlaciona com a Classificação de
Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10, da Organização Mundial da Saúde (OMS). Trata-se de um sistema
classificatório multiaxial – publicado nos anos 90, que são considerados “a década do cérebro” pela OMS – organizado de maneira
a agrupar 16 classes diagnósticas distintas, que recebem códigos numéricos específicos e se distribuem por cinco grandes eixos,
que são os seguintes:
Eixo I: Descreve os transtornos clínicos propriamente ditos. Por exemplo: transtorno de pânico sem agorafobia (300.01), transtorno
depressivo recorrente (296.3), transtorno delirante (297.1), dependência do álcool (303.90), etc.
Eixo II: Descreve o retardo mental. Por exemplo: retardo mental severo (318.1) e transtornos de personalidade, que foram reunidos
em três grandes agrupamentos (clusters). No grupo A, estão os indivíduos com traços estranhos ou bizarros – por exemplo,
transtorno de personalidade esquizóide (301.20); no grupo B, os indivíduos com traços dramáticos e instáveis – por exemplo,
transtorno de personalidade borderline (301.50); e, finalmente, os inseguros e ansiosos no grupo C – por exemplo, transtorno de
personalidade dependente (301.6).
Eixo III: Descreve as condições médicas gerais. Por exemplo: otite média recorrente (382.9).
Eixo IV: Trata dos problemas psicossociais e ambientais, associados com o transtorno mental em questão. Por exemplo: ameaça
de perda de emprego.
Eixo V: Constitui-se por uma escala de avaliação global de funcionamento (AGF), que recebe uma numeração. Por exemplo: AGF =
82.

As principais características do DSM-IV são:


1. Descrição dos transtornos mentais;
2. Definição de diretrizes diagnósticas precisas, através da listagem de sintomas que configuram os respectivos critérios
diagnósticos;
3. Modelo ateórico, sem qualquer preocupação com a etiologia dos transtornos;
4. Descrição das patologias, dos aspectos associados, dos padrões de distribuição familiar, da prevalência na população
geral, do seu curso, da evolução, do diagnóstico diferencial e das complicações psicossociais decorrentes;
5. Busca de uma linguagem comum, para uma comunicação adequada entre os profissionais da área de saúde mental;
6. Incentivo à pesquisa.

3. FORMA E CONTEÚDO DOS SINTOMAS

Em geral quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos costumam ser enfocados: a forma dos
sintomas, isto é, sua estrutura básica, relativamente semelhante nos diversos pacientes (alucinação, delírio, ideia obsessiva,
labilidade afetiva, etc.) e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a alteração estrutural (conteúdo de culpa, religioso, de
perseguição, etc.). Este último é geralmente mais pessoal, dependendo da história de vida do paciente, de seu universo cultural e
da personalidade prévia ao adoecimento.
De modo geral, os conteúdos dos sintomas, estão relacionados aos temas centrais da existência humana, tais como
sobrevivência e segurança, sexualidade, temores básicos (morte, doença, miséria, etc.), religiosidade, entre outros. Esses temas
representam uma espécie de substrato, que entra como ingrediente fundamental na constituição da experiência psicopatológica.

A ORDENAÇÃO DOS FENÔMENOS EM PSICOPATOLOGIA

O estudo da doença mental, como de qualquer outro objeto, inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações. A
observação articula-se dialeticamente com a ordenação dos fenômenos. Isso significa que, para produzir, definir, classificar,
interpretar e ordenar o observado em determinada perspectiva, seguindo certa lógica.
Assim, desde Aristóteles, o problema da classificação está intimamente ligado ao da definição e do conhecimento de
modo geral. Segundo ele, definir é indicar o gênero próximo e a diferença específica. Isso quer dizer que definir é, por um lado,
afirmar a que o fenômeno definido se assemelha, do que é aparentado, com o que deve ser agrupado e, por outro lado, identificar
do que ele se diferencia, a que é estranho ou oposto. Portanto, na linha aristotélica, o problema da classificação é a questão da
unidade e da variedade dos fatos e dos conhecimentos que sobre eles são produzidos.

Classicamente, distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a psicopatologia:

1. Fenômenos semelhantes em todas as pessoas. De modo geral, todo homem sente fome, sede ou sono. Aqui se inclui o
medo de um animal perigoso, a ansiedade perante uma prova difícil, o desejo por uma pessoa amada, etc. Embora haja uma
qualidade pessoal própria para cada ser humano, essas experiências são basicamente semelhantes para todos.

2. Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes. São fenômenos que o homem comum experimenta, mas
apenas em parte são semelhantes aos que o doente mental vivencia. Assim, todo homem comum pode sentir tristeza; mas a
alteração profunda, avassaladora, que um paciente com depressão psicótica experimenta é apenas parcialmente semelhante à
tristeza normal. A depressão grave, por exemplo, com idéias de ruína, lentificação psicomotora, apatia, etc., introduzem algo
qualitativamente novo na experiência humana.

3. Fenômenos qualitativamente novos, diferentes. São praticamente próprios apenas a certas doenças e estados mentais.
Aqui se incluem fenômenos psicóticos, como alucinações, delírios, turvação da consciência, alteração da cognição nas demências,
entre outros.

4. AVALIAÇÃO DO PACIENTE

A avaliação do paciente, em psicopatologia, é feita principalmente por meio da entrevista. Aqui a entrevista não pode, de
forma alguma, ser vista como algo banal, um simples perguntar ao paciente sobre alguns aspectos de sua vida. A entrevista,
juntamente com a observação cuidadosa do paciente, é, de fato, o principal instrumento de conhecimento da psicopatologia. Por
meio de uma entrevista realizada com arte e técnica, o profissional pode obter informações valiosas para o diagnóstico clínico, para
o conhecimento da dinâmica afetiva do paciente e, para a intervenção e o planejamento terapêutico mais adequado.
O Exame psiquiátrico completo abrange:
1. O Exame clínico, compreendendo a anamnese completa, a revisão dos sistemas orgânicos, o exame físico e os exames
complementares.
2. O Exame psíquico – avaliação das funções psíquicas.
A entrevista psicopatológica permite a realização dos dois principais aspectos da avaliação:
1. A anamnese [do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória significa relembrar todos os fatos significativos
relacionados com um assunto específico (uma dor, hábitos nutricionais, atividade física). Na prática é um roteiro de diferentes tipos
de perguntas que permitem a condução de uma entrevista, na qual um profissional normalmente da área da saúde (médico,
fisioterapeuta, professor de Educação Física, psicólogo) inicia um processo de diagnóstico de uma determinada situação e
posteriormente de planejamento de ações terapêuticas e corretivas], ou seja, o histórico dos sinais e dos sintomas que o paciente
apresenta ao longo de sua vida, seus antecedentes pessoais e familiares, assim como de sua família e meio social.
2. O exame psíquico (avaliação das funções psíquicas – cujo estudo é o objetivo desta disciplina), também chamado
exame do estado mental atual. Realizado com cuidado e minúcia pelo entrevistador desde o início da entrevista até a fase final,
quando são feitas outras perguntas.

Abaixo, segue um modelo – esquemático, porém bastante completo – de exame, com algumas sugestões e elementos
básicos de orientação. As questões relacionadas com as funções psíquicas devem ter como referência, os itens que serão
abordados durante as aulas.
O instrumento de observação é o próprio entrevistador; cada um deve aprender a usar a própria personalidade como se
fosse seu estetoscópio, deixando de lado teorias e classificações. Essa relação estabelecida e as vivências que ela produz na
existência do entrevistador constituem a base de observação clínica psicopatológica. O estudo detalhado das funções mentais tem
por objetivo organizar e complementar essa observação, mas não é a sua essência.
O exame é uma entrevista, não um simples bate-papo, nem muito menos um interrogatório policial. O seu
propósito é o conhecimento e a compreensão do paciente. A ordenação de itens destina-se apenas à apresentação do relatório
final. Portanto, a sequência das perguntas não precisa ser necessariamente esta. Como logo tornar-se-á evidente, muitas
observações do exame psíquico serão feitas antes mesmo de se coletar quaisquer dados da anamnese. A esquematização das
funções mentais tem por objetivo disciplinar o exame e não esquematizar o diagnóstico. A entrevista deve buscar a compreensão
das relações de sentido na vida do paciente e não o estabelecimento de vínculos de causa e efeito entre os eventos e
manifestações psicopatológicas. O diagnóstico não faz parte do exame não deve estar entre as preocupações fundamentais na
primeira entrevista.
O iniciante deve fazer certo esforço de conscientização para evitar que os eventos singulares, os fatos escabrosos, os
relatos impressionantes e as situações inusitadas se transformem em atrativos irresistíveis para a condução da entrevista.
5. A ENTREVISTA COM O PACIENTE

A entrevista inicial é considerada um momento crucial no diagnóstico e no tratamento em saúde mental. Esse primeiro
contato, sendo bem-conduzido, deve produzir no paciente uma sensação de confiança e de esperança em relação ao alívio do
sofrimento. Entrevistas iniciais desencontradas, desastrosas, nas quais o profissional é, involuntariamente ou não, negligente ou
hostil com o paciente, em geral são seguidas de abandono do tratamento.

1. Dados de Identificação: Nome, idade, estado civil, sexo e circunstâncias atuais de vida. As informações também
podem incluir o local ou situação onde a entrevista ocorreu, as fontes das informações e se este é o primeiro
episódio deste tipo, para o paciente.

2. Queixa Principal (QP): Nas palavras do próprio paciente, enuncia o motivo pelo qual veio em busca de auxílio. Caso o
paciente traga várias queixas, registra-se aquela que mais o incomoda e, preferencialmente, em não mais de
duas linhas. Deve-se colocá-la entre aspas e nas palavras do paciente.
Ex: “Tô sem saber o que faço da minha vida. Acho que é culpa do governo”.

3. História da Doença Atual (HDA): Aqui se trata apenas da doença psíquica do paciente. Registram-se os sintomas mais
significativos, a época em que começou o distúrbio; como vem se apresentando, sob que condições melhora
ou piora. Essa informação é provavelmente a parte mais útil da história em termos de se estabelecer o
diagnóstico psiquiátrico.

Indaga-se se houve instalação súbita ou progressiva, se algum fato desencadeou a doença ou episódios semelhantes que
pudessem ser correlacionados aos sintomas atuais.

Averigua-se se já esteve em tratamento, como foi realizado, e quais resultados obtidos, se houve internações e suas
causas, bem como o que sente atualmente. Pede-se ao paciente que explique, o mais claro e detalhado possível, o que
sente.

É importante lembrar que ao se fazer o relato escrito deve haver uma cronologia dos eventos mórbidos (do mais antigo
para o mais recente).

São anotados, se houver os medicamentos tomados pelo paciente (suas doses, duração e uso). Caso não tome
remédios, registra-se: “Não faz uso de medicamentos”.

Neste item busca-se, com relação à doença psíquica, “como” ela se manifesta, com que freqüência e intensidade e quais
os tratamentos tentados.

4. História Pessoal (HP): Coloca-se, de forma sucinta, separando-se cada tópico em parágrafos, dados sobre a infância,
educação, escolaridade, relacionamento com os pais, relacionamento social, aprendizado sobre sexo...,
enfim, tudo o que se refere à vida pessoal do paciente. Não se titulam esses tópicos, apenas relata-se a que
se refere cada um deles.

- De nascimento e desenvolvimento : gestação (quadros infecciosos, traumatismos emocionais ou físicos, prematuridade


ou nascimento a termo), parto (normal, uso de fórceps, cesariana), condições ao nascer. Se o paciente foi uma criança
precoce ou lenta, dentição, deambulação (ato de andar ou caminhar), como foi o desenvolvimento da linguagem e a
excreta (urina e fezes).
Ex: “Paciente declara ter nascido de gestação a termo, parto normal...”.

- Sintomas neuróticos da infância : medos, terror noturno, sonambulismo, sonilóquio (falar dormindo), tartamudez
(gagueira), enurese noturna, condutas impulsivas (agressão ou fuga), chupar o dedo ou chupeta (até que idade), ser uma
criança modelo, crises de nervosismo, tiques, roer unhas.
- Escolaridade: anotar começo e evolução, rendimento escolar, especiais aptidões e dificuldades de aprendizagem,
relações com professores e colegas, jogos mais comuns ou preferidos, divertimentos, formação de grupos, amizades,
popularidade, interesse por esportes, escolha da profissão.

- Puberdade: época de aparição dos primeiros sinais; nas mulheres, a história menstrual.

- História sexual: aqui se registram as primeiras informações que o paciente obteve e de quem; as primeiras experiências
masturbatórias; início da atividade sexual; jogos sexuais; atitude ante o sexo oposto; intimidades, namoros; experiências
sexuais extraconjugais; homossexualismo; separações e recasamentos; desvios sexuais.

- Trabalho: registrar quando o paciente começou a trabalhar. Diferentes empregos e funções desempenhadas (sempre em
ordem cronológica), regularidade nos empregos e motivos que levaram o paciente a sair de algum deles, satisfação no
trabalho, ambições e circunstâncias econômicas atuais, aposentadoria.

- Hábitos: uso do álcool, fumo ou quaisquer outras drogas. Caso não faça uso, assinalar: “Não faz uso de álcool, fumo ou
quaisquer outras drogas”.

5. História Familiar (HF): O item deve abrigar as relações familiares (começa- se pela filiação do paciente).
- Pais: idade; saúde; se mortos; causa e data do falecimento; ocupação; personalidade; recasamentos se houver de cada
um deles. Verificar se há caso de doença mental em um deles ou ambos.

- Irmãos: idade; condições maritais; ocupação; personalidade. Indagar se há caso de doença mental. Apenas referir-se
por iniciais.

- Cônjuge: idade, ocupação e personalidade; compatibilidade; vida sexual; frigidez ou impotência; medidas
anticoncepcionais.

- Filhos: número; idades; saúde; personalidade. Também referir-se apenas pelas iniciais.

- Lar: neste quesito, descrevem-se, em poucas palavras, a atmosfera familiar, os acontecimentos mais importantes
durante os primeiros anos e aqueles que, no momento, estão mobilizando toda a família; as relações dos parentes entre si
e destes com o paciente.
Nunca é demais lembrar que se evite o estilo romanceado e opiniões pessoais por parte de quem faz a anamnese. Frases
curtas e objetivas, contendo dados essenciais, facilitarão a apreensão do caso. A utilização das palavras do paciente será
produtiva na medida em que se queira explicitar, de maneira objetiva e clara, alguma situação ou característica relevante.

6. Exame Psíquico (EP): Até aqui, tivemos um relato feito pelo paciente e, em alguns casos, outros dados colhidos por
familiares ou pessoa que o acompanha à entrevista. Nosso trabalho foi o de registrar e organizar tais
informações.         Neste ponto da anamnese, cessa esse relato do paciente e passa-se a ter o registro da
observação do entrevistador ou terapeuta, no momento da(s) entrevista(s).

Os tópicos seguintes apontam para os diferentes aspectos da vida psíquica do indivíduo e devem ser investigados. A coleta desses
dados, bem como a de todos os outros, poderá ser feita na ordem em que melhor parecer ao entrevistador. Porém, no texto final,
será mantida uma ordem preestabelecida, com a finalidade de facilitar o acesso ao material.

No exame psíquico, não se usam termos técnicos; o que se espera que seja registrado aqui são aspectos objetivos que justifiquem
os termos técnicos que serão empregados posteriormente na súmula.
1. Apresentação: Refere-se à impressão geral que o paciente causa no entrevistador. Compreende:

a. Aparência: tipo constitucional, condições de higiene pessoal, adequação do vestuário, cuidados pessoais. Não confundir com a
classe social a que pertence o indivíduo.
b. Atividade psicomotora e comportamento: mímica – atitudes e movimentos expressivos da fisionomia (triste, alegre, ansioso,
temeroso, desconfiado, esquivo, dramático, medroso, etc.); gesticulação (ausência ou exagero); motilidade – toda a capacidade
motora (inquieto, imóvel, incapacidade de manter-se em um determinado local); deambulação – modo de caminhar (tenso, elástico,
largado, amaneirado, encurvado, etc.).
c. Atitude para com o entrevistador: cooperativo, submisso, arrogante, desconfiado, apático, superior, irritado, indiferente, hostil,
bem-humorado, etc.
d. Atividade verbal: normalmente responsivo às deixas do entrevistador, não-espontâneo (tipo pergunta e resposta), fala muito,
exaltado ou pouco e taciturno.

2. Funções Psíquicas

7. Hipótese Diagnóstica (HD): “Diagnóstico” é uma palavra de origem grega e significa “reconhecimento”. No ato médico,
refere-se ao reconhecimento de uma enfermidade por meio de seus sinais e sintomas. Trata-se aqui de
diagnóstico nosológico a ser seguido em conformidade com o CID-10.

De acordo com o que pode ser observado durante a entrevista, propõe-se uma hipótese de diagnóstico, que poderá ser esclarecida,
reforçada ou contestada por outro profissional ou exames complementares, se houver necessidade. Não é demais lembrar que
poderá haver um diagnóstico principal e outro(s) secundário(s), em comorbidade.

Ex: F 30.2 – Mania com sintomas psicóticos.

8. Hipótese Psicodinâmica (HP): A hipótese psicodinâmica e a atuação terapêutica deverão constar em outra folha à
parte. Um entendimento psicodinâmico do paciente auxilia o terapeuta em seu esforço para evitar erros
técnicos. Há que se ter uma escuta que vá além do que possa parecer à primeira vista. A compreensão da
vida intrapsíquica do paciente é de fundamental importância no recolhimento de dados sobre ele.

Uma avaliação psicodinâmica não prescinde da avaliação realizada na anamnese. Pode ser considerada, inclusive, como uma
extensão valiosa e significativa dela.
É na busca do funcionamento psicodinâmico do paciente que se tem um melhor entendimento do quanto ele está doente, de como
adoeceu e como a doença o serve.

Estabelecido um bom rapport entre entrevistador e paciente, é de fundamental importância que este último seja compreendido
como alguém que em muito contribui para o seu próprio entendimento, além de ajudar na precisão de um diagnóstico. O paciente
não é uma planta sendo observada por um botânico. É uma pessoa que, por não conseguir mais se gerenciar sozinho, busca
auxílio em outro ser humano. Sente medo, ansiedade, desconfiança, alegria e está diante de outra pessoa que ele julga poder
auxiliá-lo.

À medida que esse entendimento vai se estruturando, o entrevistador pode começar a formular hipóteses que liguem
relacionamentos passados e atuais do paciente, assim como a repetição de seus padrões de relação e comportamento. Deve
haver, portanto, uma interpretação global da problemática desse paciente a respeito do que pode estar causando suas dificuldades
atuais, motivo da busca de ajuda profissional.

Fica evidente que uma hipótese psicodinâmica vai além do que o paciente diz. Alcança, também, o estilo de relação que ele
estabelece com o terapeuta e que dá indícios de sua demanda latente. Também é preciso ressaltar que a hipótese psicodinâmica
está sempre baseada num referencial teórico seguido pelo terapeuta, que deverá circunscrever o funcionamento psicodinâmico do
paciente, formulando uma hipótese que resuma da melhor maneira possível a psicodinâmica básica do paciente.   

6. DEFINIÇÃO DE SINAIS E SINTOMAS

Os termos “sinais” e “sintomas” referem-se a eventos específicos: sinais são achados objetivos observados pelo médico
(por exemplo, taquicardia e hiperatividade motora); sintomas são queixas subjetivas apresentadas pelo paciente (por exemplo,
palpitações e ansiedade).
A síndrome e o transtorno andam juntos enquanto são constituídas pelo conjunto de sinais e sintomas que caracterizam
uma determinada patologia. Enquanto não se identifica a patologia continuamos a chamar esse conjunto de sinais e sintomas de
síndrome. No momento em que se define a patologia, o quadro passa a ser chamado de transtorno. Tanto a síndrome como o
transtorno pode ser orgânica ou funcional, sendo chamado de orgânico quando se caracteriza por representar um problema em um
determinado órgão em mal funcionamento detectável, ou seja, quando é causada diretamente por anomalias estruturais cerebrais,
neuroquímicas ou neurofisiológicas do paciente. Normalmente o que nos facilita a caracterização de determinado distúrbio de
orgânico é quando o paciente apresenta prejuízos cognitivos consideráveis, como a falta de memória, dificuldade muito grande de
orientação, cálculos freqüentemente errados, erros graves de julgamento, falta de compreensão da linguagem, etc.
O distúrbio orgânico é considerado uma síndrome quando o médico suspeita de uma causa orgânica, mas ainda não
possui dados clínicos suficientes para essa confirmação. A partir do momento que essa causa orgânica é identificada esse distúrbio
passa a ser considerado um transtorno mental orgânico. Quando se identifica o órgão, mas esse não apresenta qualquer
anormalidade detectável nos exames, chamamos esse distúrbio de funcional.
A ocorrência da Síndrome ou do Transtorno nos leva a deduzir pela presença, na pessoa, da estrutura psicótica
correspondente, exceto nos casos de transtornos orgânicos a partir de determinadas lesões, o que faz o paciente adquirir
comportamentos tal qual o psicótico, mesmo sem ter a estrutura correspondente nascida com ele, mas adquirida com a lesão.

   AS FUNÇÕES PSÍQUICAS ELEMENTARES E SUAS ALTERAÇÕES

1. A CONSCIÊNCIA E SUAS ALTERAÇÕES


O termo consciência origina-se da junção de dois vocábulos latinos: cum (com) e scio (conhecer), indicando o
conhecimento compartilhado com outro e, por extensão, o conhecimento “compartilhado consigo mesmo”, apropriado pelo
indivíduo.

A consciência pode se alterar tanto por processos fisiológicos, normais, como por processos patológicos.

Alterações normais da consciência


O sono normal  O sono é um estado especial da consciência, que ocorre de forma recorrente e cíclica nos organismos
superiores (Ayala-Guerrero, 1994). É também, ao mesmo tempo, um estado comportamental e uma fase fisiológica normal e
necessária do organismo. Dividem-se as fases do sono em duas, o sono sincronizado, sem movimentos oculares rápidos (sono
NREM), e o sono dessincronizado, com movimentos oculares rápidos – rapid eye movements (sono REM) (Aloé; Azevedo; Hasan,
2005).

Alterações patológicas quantitativas da consciência: rebaixamento do nível de consciência

1. Obnubilação ou turvação da consciência


Trata-se do rebaixamento da consciência em grau leve a moderado. À inspeção inicial, o paciente pode já estar
claramente sonolento ou parecer desperto, o que dificulta o diagnóstico. De qualquer forma, há sempre diminuição do grau de
clareza do sensório, com lentidão da compreensão e dificuldade de concentração. O paciente encontra-se um tanto perplexo, com a
compreensão dificultada, podendo o pensamento estar ligeiramente confuso.

2. Sopor
É um estado de marcante turvação da consciência, no qual o paciente pode ser despertado apenas por estímulo enérgico,
sobretudo de natureza dolorosa. Embora ainda possa apresentar reações de defesa, ele é incapaz de qualquer ação espontânea. A
psicomotricidade encontra-se mais inibida do que nos estados de obnubilação.

3. Coma
É o grau mais profundo de rebaixamento do nível de consciência. No estado de coma, não é possível qualquer atividade
voluntária consciente.

Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento do nível da consciência

1. Delirium
É o termo atual mais adequado para designar a maior parte das síndromes confusionais agudas. O delirium é uma das
síndromes mais frequentes na prática clínica diária, principalmente em pacientes com doenças somáticas e em idosos. Refere-se
aos vários quadros com rebaixamento do nível de consciência, acompanhados de desorientação temporoespacial, dificuldade de
concentração, perplexidade, ansiedade em graus variáveis, agitação ou lentificação psicomotora, discurso ilógico e confuso e
ilusões e/ou alucinações, quase sempre visuais. Trata-se de um quadro que oscila muito ao longo do dia.
Não se deve confundir delirium (quadro sindrômico causado por alterações do nível de consciência, em pacientes com
distúrbios cerebrais agudos) com o termo delírio (idéia delirante; alteração do juízo encontrada principalmente em psicóticos
esquizofrênicos).

2. Estado onírico
É o termo da psicopatologia clássica para designar uma alteração da consciência na qual, paralelamente à turvação da
consciência, o indivíduo entra em estado semelhante a um sonho muito vívido. Em geral, predomina a atividade alucinatória com
caráter cênico e fantástico. O indivíduo vê cenas complexas, ricas em detalhes, às vezes terríficas, com lutas, matanças, fogo,
assaltos, sangue, etc. Há carga emocional marcante na experiência onírica, com angústia, terror ou pavor. Há geralmente amnésia
consecutiva ao período em que o doente permaneceu neste estado onírico. Tal estado ocorre devido a psicoses tóxicas, síndromes
de abstinência a substâncias (com maior frequência no delirium tremens) e quadros febris tóxico-infecciosos.

3. Amência
Era utilizado na psiquiatria clássica para designar quadros mais ou menos intenso de confusão mental por rebaixamento
do nível de consciência, com excitação psicomotora, marcada incoerência do pensamento, perplexidade e sintomas alucinatórios
com aspecto de sonho (oniróide).

Alterações qualitativas da consciência


Estados alterados da consciência, nos quais se tem mudança parcial ou focal do campo da consciência. Uma parte do
campo da consciência está preservada, normal, e outra parte, alterada.

1. Estados crepusculares
É um estado patológico transitório no qual uma obnubilação da consciência (mais ou menos perceptível) é acompanhada
de relativa conservação da atividade motora coordenada. Há estreitamento transitório do campo da consciência, afunilamento da
consciência (que se restringe a um círculo de idéias, sentimentos ou representações de importância particular para o sujeito
acometido), com a conservação de uma atividade psicomotora global mais ou menos coordenada, permitindo a ocorrência dos
chamados atos automáticos. Caracteriza-se por surgir e desaparecer de forma abrupta e ter duração variável, de poucos minutos
ou horas e algumas semanas. São conferidas causas orgânicas (intoxicações, traumatismo craniano). Durante esse estado,
ocorrem, com certa frequência, atos explosivos violentos e episódios de descontrole emocional (podendo haver implicações legais
de interesse à psicologia e à psiquiatria forense).

2. Estado hipnótico
É um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa
(hipnotizador). Nesse estado, podem ser lembrados cenas e fatos esquecidos e podem ser induzidos fenômenos como anestesia,
paralisias, rigidez muscular, alterações vasomotoras.

3. Experiência de quase-morte
É verificado em situações críticas de ameaça grave à vida, como parada cardíaca, hipoxia grave, isquemias, acidente
automobilístico grave, entre outros, quando alguns sobreviventes afirmam ter vivenciado as chamadas experiências de quase-
morte. São experiências muito rápidas (de segundos a minutos) em que um estado de consciência particular é vivenciado e
registrado por essas pessoas.

2. A ATENÇÃO E SUAS ALTERAÇÕES


A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de concentração da atividade mental sobre
determinado objeto. A atenção se refere ao conjunto de processos psicológicos que torna o ser humano capaz de selecionar, filtrar
e organizar as informações em unidades controláveis e significativas. A determinação do nível de consciência é essencial para a
avaliação da atenção.

Anormalidades da atenção
1. Hipoprosexia
Verifica-se uma perda básica da capacidade de concentração, com fatigabilidade aumentada, o que dificulta a percepção
dos estímulos ambientais e a compreensão; as lembranças tornam-se mais difíceis e imprecisas, há dificuldade crescente em todas
as atividades psíquicas complexas, como o pensar, o raciocinar, a integração de informações, etc.

2. Aprosexia
Total abolição da capacidade de atenção, por mais fortes e variados que sejam os estímulos utilizados.

3. Hiperprosexia
É um estado da atenção exacerbada, no qual há uma tendência incoercível a obstinar-se, a deter-se indefinidamente
sobre certos objetos com surpreendente infatigabilidade.

4. Distração
É um sinal, não de déficit propriamente, mas de superconcentração ativa da atenção sobre determinados conteúdos ou
objetos, com a inibição de tudo o mais. É o caso do cientista que, pelo fato de seu interesse e de sua atenção estarem totalmente
voltados para um problema, comete erros do tipo, esquecer onde estacionou o carro ou colocar meias de cores diferentes.

5. Distraibilidade
É, ao contrário da distração, um estado patológico que se exprime por instabilidade marcante e mobilidade acentuada da
atenção voluntária, com dificuldade ou incapacidade para fixar-se ou deter-se em qualquer coisa que implique esforço produtivo.
3. A ORIENTAÇÃO E SUAS ALTERAÇÕES
A capacidade de situar-se quanto a si mesmo e quanto ao ambiente é elemento básico da atividade mental. A avaliação
da orientação é um instrumento valioso para a verificação das perturbações do nível de consciência. Além disso, as alterações da
orientação também podem ser decorrentes de déficits de memória (como nas demências) e de qualquer transtorno mental grave
que desorganize o funcionamento mental global.
A capacidade de orientar-se é classificada em:

1. Orientação autopsíquica: é a orientação do indivíduo em relação a si mesmo. Revela se o sujeito sabe quem é: nome, idade,
data de nascimento, profissão, estado civil, etc.

2. Orientação alopsíquica: diz respeito à capacidade de orientar-se em relação ao mundo, isto é, quanto ao espaço (orientação
espacial) e quanto ao tempo (orientação temporal).

Orientação espacial. É investigada perguntando-se ao paciente o lugar onde ele se encontra a instituição em que está e o
andar do prédio, o bairro, a cidade, o estado e o país. Também é investigada a capacidade do paciente de identificar a distância
entre o local da entrevista e sua residência (e quilômetros ou horas de viagem). Em relação à orientação espacial, é importante
verificar claramente se o paciente sabe o tipo de lugar em que está (por exemplo, se está em um hospital, uma unidade básica de
saúde, um consultório médico ou psicológico, CAPS, etc.), se pode dizer o nome do lugar (Hospital das Clínicas da Unicamp,
Consultório da Dra Raquel, Unidade Básica de Saúde, etc.) e onde se situa esse lugar (no distrito de Barão Geraldo, em Campinas,
na Vila Mariana, em São Paulo, etc.).

Orientação temporal. Trata-se de orientação mais sofisticada que a espacial e a autopsíquica. A orientação temporal
indica se o paciente sabe em que momento cronológico está vivendo, a hora do dia, se é manhã, tarde ou noite, o dia da semana, o
dia do mês, o mês do ano, a época do ano, bem como o ano corrente. Também é possível avaliar a noção que o paciente tem da
duração dos eventos e da continuidade temporal.

Alterações da Orientação (segundo a alteração de base)


Distinguem-se vários tipos de desorientações, de acordo com a alteração de base que a condiciona. È preciso lembrar
que geralmente a desorientação ocorre, em primeiro lugar, em relação ao tempo. Só após o agravamento do transtorno, o indivíduo
se desorienta quanto ao espaço e, finalmente, quanto a si mesmo.

1. Desorientação por redução do nível de consciência


Também denominada desorientação torporosa ou confusa, é aquela na qual o indivíduo está desorientado por turvação
da consciência. Tal turvação e o rebaixamento do nível de consciência produzem alteração da atenção, da concentração e,
consequentemente, da capacidade de percepção e retenção dos estímulos ambientais. Isso impede que o indivíduo apreenda a
realidade de forma clara e precisa e integre, assim, a cronologia dos fatos. Portanto, nesse caso, a alteração do nível de
consciência é a causa da desorientação. Essa é a forma mais comum de desorientação.

2. Desorientação por déficit de memória imediata


Também denominada desorientação amnéstica. Aqui, o indivíduo não consegue reter as informações ambientais básicas
em sua memória. Não conseguindo fixar as informações, perde a noção do fluir do tempo, do deslocamento no espaço, passando a
ficar desorientado temporoespacialmente. A desorientação amnéstica é típica da síndrome de Korsakoff. Já a desorientação
demencial é muito próxima à amnéstica. Ocorre não apenas por perda da memória de fixação, mas por déficit de reconhecimento
ambiental (agnosias) e por perda e desorganização global das funções cognitivas. Ocorre nos diversos quadros demenciais
(doença de Alzheimer, demências vasculares, etc.)

3. Desorientação apática ou abúlica


Ocorre por apatia ou desinteresse profundos. Aqui, o indivíduo torna-se desorientado devido a uma marcante alteração do
humor e da volição, comumente em quadro depressivo. Por falta de motivação e interesse, o indivíduo, geralmente muito deprimido,
não investe sua energia no mundo, não se atém aos estímulos ambientais e, portanto, torna-se desorientado.

4. Desorientação delirante
Ocorre em indivíduos que se encontram imersos em profundo estado delirante, vivenciando ideias delirantes muito
intensas, crendo com convicção plena que estão “habitando” o lugar (e/ou o tempo) de seus delírios. Nesses casos, é comum a
chamada dupla orientação, na qual a orientação falsa, delirante, coexiste com a orientação correta.

5. Desorientação por dissociação ou desorientação histérica.


Ocorre em geral em quadros histéricos graves, normalmente acompanhados de alterações da identidade pessoal
(fenômeno da possessão histérica ou desdobramento da personalidade) e de alterações da consciência secundários à dissociação
histérica (estado crepuscular histérico, quadros dissociativos psicogenéticos, etc.).

6. Desorientação por desagregação


Ocorre em pacientes psicóticos, geralmente esquizofrênicos em estado crônico e avançado da doença, quando o
indivíduo, por desagregação profunda do pensamento, apresenta toda a sua atividade mental gravemente desorganizada, o que o
impede de se orientar de forma adequada quanto ao ambiente e quanto a si mesmo.

4. A SENSOPERCEPÇÃO E SUAS ALTERAÇÕES


Define-se sensação como o fenômeno elementar gerado por estímulos físicos, químicos ou biológicos variados,
originados de fora ou dentro do organismo, que produzem alterações nos órgãos receptores, estimulando-os. Os estímulos
sensoriais fornecem a alimentação sensorial aos sistemas de informação do organismo. As diferentes formas de sensação são
geradas por estímulos específicos, como visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustativos, proprioceptivos e cinestésicos.
Por percepção, entende-se a tomada de consciência, pelo indivíduo, do estímulo sensorial. Arbitrariamente, então, se
atribui à sensação a dimensão neuronal, ainda não plenamente consciente, no processo de sensopercepção. Já a percepção diz
respeito à dimensão propriamente neuropsicológica e psicológica do processo, à transformação de estímulos puramente sensoriais
em fenômenos perceptivos conscientes.
A sensação é considerada, portanto, um fenômeno passivo; estímulos físicos (luz, som, pressão) ou químicos atuam
sobre sistemas de recepção do organismo. Já a percepção seria o fenômeno ativo; o sistema nervoso e a mente do sujeito
constroem um percepto por meio da síntese dos estímulos sensoriais, estímulos esses confrontados com experiências passadas
registradas na memória e com o contexto sociocultural em que vive o sujeito e que atribui significado às experiências.

As alterações patológicas da sensopercepção

Alterações quantitativas da sensopercepção

1. Hiperestesia
No sentido psicopatológico, é a condição na qual as percepções se encontram anormalmente aumentada em sua
intensidade ou duração. Os sons são ouvidos de forma muito amplificada; um ruído parece um estrondo; as imagens visuais e as
cores tornam-se mais vivas e intensas. Ocorre nas intoxicações por alucinógenos, como o LSD, em algumas formas de epilepsia,
na enxaqueca, no hipertireoidismo e em certos quadros maníacos.

2. Hipoestesia
No sentido psicopatológico, é observada em alguns pacientes depressivos, nos quais o mundo circundante é percebido
como mais escuro; as cores tornam-se mais pálidas e sem brilho; os alimentos não têm mais sabor; e os odores perdem sua
intensidade.

3. Anestesias táteis
Perda da sensação tátil em determinada área da pele. Usa-se, com frequência, o termo anestesia para indicar também
analgesias (perda das sensações dolorosas) de áreas da pele e partes do corpo. Tais alterações ocorrem em pacientes com
transtornos histéricos, em sujeitos com alto grau de sugestionabilidade e em alguns quadros depressivos e psicóticos graves.

Alterações qualitativas da sensopercepção

1. Ilusão
Caracteriza-se pela percepção deformada, alterada, de um objeto real e presente. Na ilusão, há sempre um objeto externo
real, gerador do processo de sensopercepção, mas tal percepção é deformada, adulterada, por fatores patológicos diversos.

2. Alucinação
Percepção de um objeto, sem que este esteja presente, sem o estímulo sensorial respectivo. Alucinação é a percepção
clara e definida de um objeto (voz, ruído, imagem) sem a presença do objeto estimulante real.
Podem ser auditivas, visuais, táteis, olfativas e gustativas.

3. Alucinose
É o fenômeno pelo qual o paciente percebe tal alucinação como estranha à sua pessoa. Na alucinose, embora o doente
veja a imagem ou ouça a voz ou o ruído, falta à crença que comumente o alucinado tem em sua alucinação. O indivíduo permanece
consciente de que aquilo é um fenômeno estranho, patológico, não tem nada a ver com a sua pessoa, estabelecendo
distanciamento entre si e o sintoma. Ocorre com maior freqüência em quadros psico-orgânicos; por isso, foram também
denominadas alucinações neurológicas.
5. A MEMÓRIA E SUAS ALTERAÇÕES
A memória é a capacidade de registrar, manter e evocar as experiências e os fatos já ocorridos. A capacidade de
memorizar relaciona-se intimamente com o nível de consciência, com a atenção e com o interesse afetivo. Tudo o que uma pessoa
aprende em sua vida depende intimamente da capacidade de memorização.

Alterações patológicas da memória – Alterações quantitativas

1. Hipermnésias
As representações (elementos mnêmicos) afluem rapidamente, em tropel, ganhando em número, perdendo, porém, em
clareza e precisão. A hipermnésia traduz mais a aceleração geral do ritmo psíquico que uma alteração propriamente da memória.

2. Amnésias (ou hipomnésias)


Perda da memória: seja a da capacidade de fixar ou a da capacidade de manter e evocar conteúdos mnêmicos.
Diferenciam-se os seguintes tipos de amnésias:

1. Amnésia psicogênica  há perda de elementos mnêmicos focais, os quais têm valor psicológico específico (simbólico,
afetivo). O indivíduo esquece, por exemplo, um evento de sua vida (com significado especial), mas consegue lembrar-se de tudo o
que ocorreu ao seu “redor”.

2. Amnésia orgânica  trata-se de amnésia menos seletiva que a psicogênica. Perde-se primeiramente a capacidade de
fixação (memórias imediatas e recentes); em estados avançados da doença, o indivíduo começa a perder conteúdos antigos.

3. Amnésia anterógrada
O indivíduo não consegue mais fixar elementos mnêmicos a partir do evento que causou o dano cerebral. Por exemplo, o
indivíduo não se lembra do que ocorreu nas semanas (ou meses) depois de um trauma cranioencefálico.

4. Amnésia retrógrada
O indivíduo perde a memória para fatos ocorridos antes do início da doença (ou trauma).

5. Amnésia retroanterógrada
Déficits de fixação para os fatos que ocorreram dias, semanas ou meses antes e depois do evento patógeno.

Alterações patológicas da memória – Alterações qualitativas (paramnésias)

1. Ilusões mnêmicas
Há o acréscimo de elementos falsos a um núcleo verdadeiro de memória. Ocorre na esquizofrenia, na paranóia, na
histeria grave, nos transtornos de personalidade ( borderline).

2. Fabulações
Elementos da imaginação do doente ou mesmo lembranças isoladas completam artificialmente as lacunas de memória,
produzidas, em geral, por déficit da memória de fixação. O doente não é capaz de reconhecer como falsas as imagens produzidas
pela fantasia. As fabulações são invenções, que preenchem um vazio da memória, e ocorrem frequentemente na síndrome de
Korsakoff, secundária ao alcoolismo crônico, associado ao déficit de tiamina (vitamina B1), traumatismo craniano, encefalite
herpética, intoxicação pelo monóxido de carbono, etc.

Alterações do reconhecimento
Diferentes formas de agnosias, de origem essencialmente cerebral.

Agnosias são definidas como déficits do reconhecimento de estímulos sensoriais, objetos e fenômenos, que não podem
ser explicados por um déficit sensorial, por distúrbios de linguagem ou por perdas cognitivas globais. Podem ser: agnosias visuais,
táteis e auditivas.
As principais agnosias são:

1. Agnosias táteis: apesar de o paciente identificar as formas elementares do objeto, há incapacidade de reconhecimento global de
tal objeto; o paciente descreve como o objeto é, mas não sabe exatamente que objeto é apresentado.

2. Agnosias visuais: são aquelas nas quais o paciente não consegue mais reconhecer, pela visão, determinados objetos; enxerga-
os, pode descrevê-los, mas não sabe o que realmente são.
3. Agnosia auditiva: é a incapacidade de reconhecer sons (sem haver déficit auditivo) não-linguísticos (agnosia auditiva seletiva) ou
linguísticos (agnosia verbal).

4. Agnosia verbal: o paciente pode falar, ler e escrever correta e fluentemente; entretanto, não entende qualquer palavra falada que
ouvem, apenas as reconhece como ruídos.

6. A AFETIVIDADE E SUAS ALTERAÇÕES


A afetividade é um termo genérico, que compreende várias modalidades de vivências afetivas, como o humor, as
emoções e os sentimentos. Segundo Mira y Lopes (1974), quanto mais os estímulos e os fatos ambientais afetam o indivíduo (até a
intimidade do ser), mais nele aumenta a alteração e diminui a objetividade. Quanto menor a distância (real ou virtual) entre quem
percebe e o que é percebido, mais o objeto da percepção se confunde com quem o percebe. Assim, vai desaparecendo a
possibilidade de configurar ou formar imagens delimitadas e uma nova modalidade de experiência íntima surge, experiência esta
que afeta a totalidade individual e que, por isso mesmo, recebe o qualificativo de afetiva. Segundo ele, “a fronteira entre a
percepção e a afeição, entre a sensação e o sentimento, entre o saber e o sentir é a mesma fronteira entre o Eu e o não-Eu”.
Distinguem-se cinco tipos básicos de vivências afetivas:

1. Humor ou estado de ânimo é definido como o tônus afetivo do indivíduo, o estado emocional basal e difuso em que se encontra a
pessoa em determinado momento. É a disposição afetiva de fundo que penetra toda a experiência psíquica, a lente afetiva que dá
às vivências do sujeito, a cada momento, uma cor particular, ampliando ou reduzindo o impacto das experiências reais e, muitas
vezes, modificando a natureza e o sentido das experiências vivenciadas.

2. Emoções podem ser definidas como reações afetivas agudas, momentâneas, desencadeadas por estímulos significativos. Assim,
a emoção é um estado afetivo intenso, de curta duração, originado geralmente como a reação do indivíduo a certas excitações
internas e externas conscientes ou inconscientes. Assim como o humor, as emoções são reações somáticas (neurovegetativas,
motoras, hormonais, viscerais e vasomotoras), mais ou menos específicas. O humor e as emoções são, ao mesmo tempo,
experiências psíquicas e somáticas, e revelam sempre a unidade psicossomática básica do ser humano.

3. Sentimentos são estados e configurações afetivas estáveis; em relação à emoções, são mais atenuados em sua intensidade e
menos reativos a estímulos passageiros. Os sentimentos estão comumente associados a conteúdos intelectuais, valores,
representações e, em geral, não implicam concomitantes somáticos. Constituem fenômeno muito mais mental que somático.

4. Afetos. Define-se afeto como a qualidade e o tônus emocional que acompanha uma ideia ou representação mental. Os afetos
acoplam-se a ideias, anexando a elas um colorido afetivo. Seria, assim, o componente emocional de uma ideia. Em acepção mais
ampla, usa-se também o termo afetivo para designar, de modo inespecífico, qualquer estado de humor, sentimento ou emoção.

5. Paixões. A paixão é um estado afetivo extremamente intenso, que denomina a atividade psíquica como um todo, captando e
dirigindo a atenção e o interesse do indivíduo em uma só direção, inibindo os demais interesses.

Alterações patológicas da afetividade

Alterações do humor
1. Distimia
É o termo que designa a alteração básica do humor, tanto no sentido da inibição como no sentido da exaltação. Não se
deve confundir o sintoma distimia com o transtorno distimia que é um transtorno depressivo leve e crônico.

2. Disforia
É a distimia acompanhada de uma tonalidade afetiva desagradável, mal-humorada.

3. Puerilidade
É uma alteração do humor que se caracteriza pelo aspecto infantil, simplório, regredido. O indivíduo ri ou chora por
motivos banais; sua vida afetiva é superficial, sem afetos profundos, consistentes e duradouros. É característico na esquizofrenia
hebefrênica, em indivíduos com déficit intelectuais, em alguns quadros histéricos e em personalidades imaturas de modo geral.

4. Irritabilidade patológica
Hiper-reatividade desagradável, hostil e, eventualmente, agressiva a estímulos (mesmo leves) do meio exterior. Qualquer
estímulo é sentido como perturbador, e o indivíduo reage prontamente de forma disfórica.

5. Ansiedade
É definida como estado de humor desconfortável, apreensão negativa em relação ao futuro, inquietação interna
desagradável. Inclui manifestações somáticas e fisiológicas (dispnéia, taquicardia, vaso constrição ou dilatação, tensão muscular,
tremores, sudoreses, tontura, etc.) e manifestações psíquicas (inquietação interna, apreensão, desconforto mental, etc.)
6. Angústia
Relaciona-se diretamente à sensação de aperto no peito e na garganta, de compressão, sufocamento. Assemelha-se
muito à ansiedade, mas tem conotação mais corporal e mais relacionada ao passado.

7. Medo
Caracterizado por referir-se a um objeto mais ou menos preciso, diferencia-se da ansiedade e da angústia, que não se
referem a objetos precisos (o medo é, quase sempre, medo de algo).

Alterações das emoções e dos sentimentos


1. Apatia
É a diminuição da excitabilidade emotiva e afetiva. Os pacientes queixam-se de não poderem sentir nem alegria, nem
tristeza, nem raiva, nem nada... Na apatia, o indivíduo, apesar de saber da importância afetiva que determinada experiência deveria
ter para ele, não consegue sentir nada.

2. Hipomodulação do afeto
Incapacidade do paciente de modular a resposta afetiva de acordo com a situação existencial, indicando rigidez na sua
relação com o mundo.

3. Inadequação do afeto ou paratimia


Reação completamente incongruente a situações existenciais ou a determinados conteúdos ideativos, revelando
desarmonia profunda da vida psíquica, contradição profunda entre a esfera ideativa e a afetiva.

4. Pobreza de sentimentos e distanciamento afetivo


Perda progressiva e patológica das vivências afetivas. Há, aqui, o empobrecimento relativo à possibilidade de vivenciar
alternâncias e variações sutis na esfera afetiva.

5. Embotamento afetivo e devastação afetiva


Perda profunda de todo tipo de vivência afetiva. Ao contrário da apatia, que é basicamente subjetiva, o embotamento
afetivo é observável, constatável por meio da mímica, da postura e da atitude do paciente.
6. Anedonia
É a incapacidade total ou parcial de obter e sentir prazer com determinadas atividades e experiências da vida. O paciente
relata que, diferentemente do que ocorria antes de adoecer, agora não consegue mais sentir prazer sexual, não consegue desfrutar
de um bom papo com amigos, de um almoço com a família, de um bom filme, etc. A anedonia é um sintoma central das síndromes
depressivas, podendo ocorrer também nos quadros esquizofrênicos crônicos, em transtornos da personalidade e em formas graves
de neuroses.

7. A VONTADE E SUAS ALTERAÇÕES


A vontade é uma dimensão complexa da vida mental, relacionada intimamente com as esferas instintiva, afetiva e
intelectiva (que envolve avaliar, julgar, analisar, decidir), bem como o conjunto de valores, princípios, hábitos e normas
socioculturais do indivíduo. Para Nobre de Melo (1979), o ato volitivo (ou o ato de vontade) é traduzido pelas expressões típicas do
“eu quero” ou “eu não quero”, que caracterizariam a vontade humana sensu strictu. Distinguem-se também os motivos, ou razões
intelectuais que influem sobre o ato volitivo, dos móveis, ou influências afetivas atrativas ou repulsivas que pressionam a decisão
volitiva para um lado ou para outro.

Alterações patológicas da vontade


1. Hipobulia/abulia (Debilidade da vontade)
Diminuição ou até abolição da atividade volitiva. O indivíduo refere que não tem vontade para nada, sente-se muito
desanimado, sem forças sem “pique”. Geralmente a hipobulia/abulia encontra-se associada à apatia (indiferença afetiva), à fadiga
fácil, à dificuldade de decisão, tão típicas dos depressivos graves. O tipo mais característico de debilidade da vontade é encontrado
na melancolia, na qual a vontade está inibida em todo o período de duração do acesso. Nas toxicomanias, no alcoolismo e nos
traumatismos cranianos, observa-se certo grau de enfraquecimento da vontade.

2. Negativismo
É uma tendência permanente e instintiva a reagir contra toda solicitação do mundo exterior, qualquer que seja sua
natureza. Essa tendência a resistir às influências externas, chamada pelos antigos autores de loucura de oposição, manifesta-se
não só em relação às ordens transmitidas ao paciente como ainda aos movimentos que se procura imprimir aos seus membros. Se
o médico manda o paciente levantar-se, deitar-se, vestir-se ou andar, ele não obedece ou faz exatamente o contrário daquilo que se
lhe ordena.
3. Sugestibilidade volitiva
Tendência geral, permanente e instintiva, a adotar qualquer solicitação vinda do exterior, seja qual for a sua natureza.
Verificam-se nestes pacientes as seguintes formas de repetição automática: ecopraxia  realização de um ato por imitação;
ecocinesia  reprodução automática dos movimentos executados diante do paciente.

4. Atos impulsivos
São ações isoladas, súbitas, involuntárias e desprovidas de finalidade. Algumas vezes, os atos impulsivos representam
verdadeiras explosões emocionais, acompanhadas de acessos de riso e de lágrimas.

5. Atos automáticos
Consistem em atos praticados pelo indivíduo sem a interferência da vontade e sem que ele saiba o que está realizando.
Em algumas patologias, o paciente assiste à execução do ato como um espectador.

6. Estupor
Períodos em que as manifestações da atividade estão reduzidas ao grau mínimo ou mesmo abolidas. Nos estados
estuporosos, o paciente não reage aos estímulos do meio exterior, verificando-se habitualmente que ele não faz o menor
movimento no sentido de atender às solicitações do médico. O paciente se mantém rígido, nas posições mais incômodas, como por
exemplo, com a cabeça afastada do travesseiro. Manifesta resistência à mudança de posição em consequência da rigidez corporal.
É frequente a retenção de saliva na cavidade bucal, como também retenção de fezes e de urina.

7. Tiques
São movimentos reflexos, movimentos de defesa ou movimentos de expressam que acabaram por degenerar em atos
automáticos. São semiconscientes e só em determinado grau dependem da vontade. Os tiques têm um caráter mórbido, porque se
repetem sem razão: a vontade não consegue dominá-los. Aparecem geralmente em neuróticos e em personalidades psicopáticas.

8. O PENSAMENTO E SUAS ALTERAÇÕES


Devem-se inicialmente distinguir os elementos constitutivos do pensamento, que segundo a tradição aristotélica, são o
conceito, o juízo e o raciocínio, das diferentes dimensões do processo de pensar, delimitadas como curso, forma e conteúdo do
pensamento.

A. Forma do pensamento

Alterações dos Conceitos


É o elemento estrutural do pensamento, por onde aprendemos o significado das coisas. É formado através de um
sistema de relações. No conceito se exprimem apenas os caracteres mais gerais dos objetos e fenômenos da natureza.
Pode ser investigado através do teste das analogias, onde são oferecidos 3 termos para que o paciente chegue ao quarto, por
relação conceptual.

PÁSSARO  GAIOLA
HOMEM  _______ (CASA)
Expressam a realidade objetiva exterior, não de forma individual, mas através de relações entre as diferentes feições da realidade.
Apresentam-se alteradas em quase todos os transtornos mentais, mas em estado de lucidez da consciência somente na
Esquizofrenia.

1. Desintegração e condensação dos conceitos


Desintegração  a palavra se desprende de seu significado e simultaneamente outro significado lhe é atribuído.
Exemplo: ATEU  A/TEU (ao comando de Deus) A palavra “ateu” deixa de significar “descrente de Deus” para significar
justamente o seu oposto, pois subverte o seu sentido interpretando que ateu significa “a teu comando”, ou seja, “a comando de
Deus”. Pode ocorrer nas Esquizofrenias e nas síndromes demenciais.
Condensação  Duas ou mais palavras (idéias) são condensadas ou se fundem em um pensamento. Manifesta-se na
forma de neologismos (novas palavras). Palavras inteiramente novas ou palavras conhecidas recebendo significados novos.

Alteração do Raciocínio
É a operação mental que nos permite aproveitar os conhecimentos adquiridos através da prática social, combiná-las
logicamente, para alcançar uma forma superior de pensamento.

1. Inibição do pensamento
Diminuição do número de representações evocáveis da unidade de tempo e pela lentidão do curso do pensamento

2. Fuga de idéias
Verbalizações rápidas e contínuas, ou jogo de palavras que produzem uma constante mudança de uma idéia pela outra
(não há conclusão do raciocínio).

3. Interceptação do pensamento
Interrupção abrupta no curso do pensamento, antes que um pensamento ou idéia seja terminado; às vezes voltam a
completá-lo, outras inicia um ciclo completamente diverso.

4. Perseveração
Persistência na resposta a um estímulo anterior depois que novos estímulos foram apresentados.

B. Perturbações específicas no conteúdo do pensamento

Pensamento
Fluxo de idéias, símbolos e associações, dirigido a um objetivo, iniciado por um problema constituído de tarefas, e levado
a uma conclusão orientada segundo a realidade; quando ocorre uma sequência lógica o pensamento é normal.

Alterações do Juízo
1. Pobreza de conteúdo
Pensamento que oferece poucas informações, por seu caráter vago, repetições vazias.

2. DELÍRIO
Falsa crença, baseada em inferência incorreta sobre a realidade externa, inconsistente com a inteligência e antecedentes
culturais do paciente, que não pode ser corrigida pela argumentação.

Modalidades de delírio:
1. Percepção delirante: quando se atribui a uma percepção normal um significado anormal, sem que para isso existam motivos
compreensíveis (nem da razão, nem dos sentimentos). Característica: incompreensibilidade; transtorno da função do juízo que
possibilita emprestar significado anormal a uma percepção real.

2. Ocorrência delirante: resulta de uma crença puramente subjetiva; é dotada de “significação peculiar” para o doente. Conteúdo:
convicções religiosas, de projeção política, de perseguição, de ciúme, de ser amado.
3. Reação deliróide: existe um motivo que se baseia precisamente em determinado estado de ânimo, a partir do qual se tornam
compreensíveis a significação e as referências anormais. São ocasionados por vivências patológicas: perturbação da consciência,
alucinações, alterações da memória.

Tipos de delírios:
1. Delírio de perseguição: falsa crença de que a pessoa está sendo molestada, enganada ou perseguida;
frequentemente encontrado em pacientes litigantes.
2. Delírio de relação: falsa crença de que o comportamento dos outros tem relação a si mesmo (acredita que as outras
pessoas estão falando dela), percepção modificada pela vivência delirante.
3. Delírio de influência: falsa crença de que são controlados por aparelhos eletrônicos, à distância.
4. Delírio de ciúme: falsa crença, derivada do ciúme patológico, de que o parceiro romântico está sendo infiel.
5. Delírio de grandeza: concepção exagerada da própria importância, poder ou identidade.

9. A LINGUAGEM E SUAS ALTERAÇÕES

A linguagem, particularmente na sua forma verbal, é uma atividade especificamente humana, talvez a mais característica
de nossas atividades mentais. É o principal instrumento de comunicação dos seres humanos. Além disso, é fundamental na
elaboração e na expressão do pensamento. Alterações da linguagem, embora de definição e delimitação difíceis, sempre foram de
grande interesse para a psicopatologia.
O trabalho de Ferdinand de Saussure em 1916 distinguiu duas dimensões básicas da linguagem: a langue, ou seja, a
língua, o sistema linguístico que inclui todas as regularidades e os padrões que subjazem aos enunciados de uma língua, e a parole
(em português, palavra, seja ela falada, lida ou escrita), ou seja, os comportamentos linguísticos empreendidos pelo sujeito, os seus
enunciados reais.
Especificamente em relação à língua, é preciso diferenciar ainda três elementos essenciais de qualquer língua ou idioma:
o fonético, que se refere aos sons, aos elementos materiais da fala; o semântico, relacionado à significação dos vocábulos
utilizados em determinada língua, e o sintático, que diz respeito à relação e à articulação lógica das diversas palavras.
Além disso, é possível descrever as seguintes funções da linguagem:

1. A função comunicativa, que garante a socialização do indivíduo.


2. A linguagem como suporte do pensamento, particularmente de sua forma evoluída, como pensamento lógico e
abstrato.
3. A linguagem como instrumento de expressão dos estados emocionais, das vivências internas, subjetivas.
4. A linguagem como afirmação do eu e de instituição das oposições eu/mundo, eu/tu, eu/outros.
5. A linguagem na sua dimensão artística e/ou lúdica, como elaboração e expressão do belo, do dramático, do sublime ou
do terrível, isto é, a linguagem como poesia, como literatura.

A linguagem é ainda um sistema de signos arbitrários, o signo linguístico, as palavras. Esses signos ganham seus
significados específicos por meio de um sistema de convenções historicamente dado. A linguagem é, portanto, uma criação social
de cada um e de todos os grupos humanos.

ALTERAÇÕES DA LINGUAGEM

Alterações da linguagem secundárias a lesão neuronal identificável


Tais alterações ocorrem geralmente associadas a acidentes vasculares cerebrais, tumores cerebrais, malformações
arteriovenosas, etc. Há, portanto, alterações neuronais identificáveis, evidentes, que produzem esses sintomas. Na maioria dos
casos, as lesões ocorrem no hemisfério esquerdo, nas regiões ditas áreas cerebrais da linguagem (frontal póstero-inferior, temporal
póstero-superior, etc.). É comum, portanto, os déficits orgânicos da linguagem venham acompanhados de hemiparesias do dimidio
direito do corpo.

AFASIA
É a perda da linguagem, falada e escrita, por incapacidade de compreender e utilizar os símbolos verbais. A afasia é
sempre a perda da habilidade lingüística que foi previamente adquirida no desenvolvimento cognitivo do indivíduo; tal perda se
deve, em regra, a lesão neuronal do SNC. Assim, a afasia é, por definição, um distúrbio orgânico da linguagem, na ausência de
incapacidade motora (do órgão fonador) para produzi-la. Também é importante para o diagnóstico de afasia é que não haja perda
global e grave da cognição como um todo. Os principais tipos de afasia são:

1. AFASIA DE EXPRESSÃO ou de BROCA


Trata-se da afasia não-fluente, na qual o indivíduo, apesar de órgão fonador preservado, não consegue falar ou fala com
dificuldades, de forma monótona, pois seus pronunciamentos são curtos, com latência aumentada nas respostas e sem contorno
melódico. Assim, o paciente tem grande dificuldade (ou impossibilidade) de produzir a linguagem, de expressá-la de modo fluente.
Entretanto, a compreensão da linguagem está relativamente preservada. A afasia de Broca ocorre por lesões (na maior parte das
vezes, vasculares) dos giros frontais póstero-inferiores esquerdos (área de Broca). Acompanha-se geralmente de hemiparesia
direita, mais acentuada no braço. Nas formas mais leves, observa-se o agramatismo (o indivíduo fala sem observar as preposições,
os tempos verbais, etc., produzindo enunciados como: “Eu querer isso”; “Gostar água”; etc.).

2. AFASIA DE COMPREENSÃO ou de WERNICKE


Consiste na afasia fluente, em que o indivíduo continua podendo falar, mas sua fala é muito defeituosa, às vezes
incompreensível. O paciente não consegue compreender a linguagem (falada e escrita) e tem dificuldades para a repetição. Fala
sem hesitação, mas produz muitos erros na escolha de palavras para expressar uma idéia. Geralmente não há hemiparesias
associadas. Ocorre por lesões das áreas temporais esquerdas póstero-superiores.

3. AFASIA GLOBAL
Geralmente é uma afasia grave, não-fluente, acompanhada por hemiparesia direita, mais acentuada no braço. Deve-se a
lesões amplas da região perisilviana esquerda.

PARAFASIAS
São formas mais discretas de déficit de linguagem, nas quais o indivíduo deforma determinadas palavras, como designar
de “cameila” a cadeira, de “ibro” o livro, e assim por diante. Ocorrem muitas vezes no início das síndromes demenciais.
AGRAFIA
É a perda, por lesão orgânica, da linguagem escrita, sem que haja déficit motor ou perda cognitiva global. Ocorre em
forma pura ou em forma associada às afasias.

ALEXIA
É a perda, de origem neurológica, da capacidade previamente adquirida para a leitura. Dá-se associada às afasias e às
agrafias. Pode ocorrer forma pura e isolada. A dislexia é uma disfunção leve de leitura, encontrada principalmente em crianças que
apresentam dificuldades diversas no aprendizado da linguagem escrita.

DISARTRIA
É a incapacidade de articular corretamente as palavras devido a alterações neuronais referentes ao aparelho fonador,
alterações estas que produzem paresias, paralisias ou ataxias da musculatura da fonação. A fala é pastosa, aparentemente
“embriagada”. Ocorrem em inúmeras patologias neuropsiquiátricas e neurológicas, particularmente na paralisia geral progressiva
associada à neurossífilis, no complexo cognitivo motor da AIDS e nas paralisias bulbares e pseudobulbares.

DISFONIA e DISFEMIA
Estes são termos importantes na clínica, geralmente utilizados de forma imprecisa em psicopatologia. Disfonia é a
alteração da fala produzida pela mudança de sonoridade das palavras. Já a Afonia é uma forma acentuada de disfonia, na qual o
indivíduo não consegue emitir qualquer som ou palavra. Tal alteração de sonoridade é causada por uma disfunção do aparelho
fonador ou um defeito da respiração durante a fala.
A Disfemia é a alteração da linguagem falada sem qualquer lesão ou disfunção orgânica, determinada por conflitos e
fatores psicogênicos. Está comumente associada a estados emocionais intensos, a quadros histéricos e a conflitos inconscientes
intensos.
A Gagueira é um tipo de disfemia. Trata-se de dificuldade ou da impossibilidade de pronunciar certas sílabas, no começo
ou ao longo de uma frase, com repetição ou intercalação de fonemas ou somente trepidação na elocução, conseguindo o paciente,
ao final, terminar a frase normalmente. Pode ocorrer tanto devido a defeitos mecânicos da fonação como devido a fatores
emocionais, com ansiedade e timidez.

DISLALIA
É a alteração da linguagem falada que resulta da deformação da omissão ou da substituição dos fonemas, não havendo
alterações identificáveis nos movimentos dos músculos que participam da articulação e da emissão das palavras. As dislalias
orgânicas resultam de defeitos da língua, dos lábios, da abóbada palatina ou de qualquer outro componente do aparelho fonador.
Nas dislalias funcionais, não se observam alterações orgânicas do aparelho fonador, sendo sua origem geralmente psicogênica, por
conflitos interpessoais ou por imitação.

Alterações da linguagem associadas a transtornos psiquiátricos primários

LOGORRÉIA e LOQUACIDADE

Na Logorréia, existe a produção aumentada e acelerada (taquifasia) da linguagem verbal, um fluxo incessante de palavras
e frases, podendo haver perda da lógica do discurso.
Loquacidade é o aumento da fluência verbal sem qualquer prejuízo da lógica do discurso.

BRADIFASIA
Esta é uma alteração da linguagem oposta à taquifasia. Aqui o paciente fala muito vagarosamente, as palavras seguem-
se umas às outras de forma lenta e difícil. Em geral, está associada a quadros depressivos graves, estados demenciais e
esquizofrenia crônica ou com sintomas negativos.

MUTISMO
De modo muito genérico, o mutismo pode ser definido como a ausência de resposta verbal oral por parte do doente. O
paciente fica no leito sem responder ao entrevistador, sem qualquer resposta verbal. Os fatores causais associados ao mutismo são
muito variáveis, podendo ser de natureza neurobiológica, psicótica ou psicogênica. O mutismo nas síndromes psiquiátricas é, na
maior parte das vezes, uma forma de negativismo verbal, de tendência automática a se opor às solicitações do ambiente no que
concerne à resposta e à produção verbal. Em crianças, observa-se, com certa frequência, o mutismo eletivo ou seletivo, forma
psicogênica de mutismo ocasionada por conflitos interpessoais, principalmente na escola, dificuldades de relacionamento familiar,
frustrações, medos, ansiedade social, intensa timidez ou hostilidade não-elaborada por meio de uma comunicação mais clara.

ECOLALIA
É a repetição da última ou das últimas palavras que o entrevistador (ou alguém no ambiente) falou ou dirigiu ao paciente.
É um fenômeno quase que automático, involuntário, realizado sem planejamento ou controle. Ao ser questionado “Qual o seu
nome?”, o paciente fala: “Nome, nome, nome”, “Qual a sua idade?”, ele diz: “Idade, idade, idade”. A ecolalia é encontrada
principalmente na esquizofrenia catatônica e nos quadros psico-orgânicos.
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