Você está na página 1de 10

CARDIOPATIAS PEDIÁTRICAS

L. JEROME KROVETZ, M.D., Ph.D.


IRA H. GESSNER, M.D.
GEROLD L. SCHIEBLER, M.D.

EXAME FÍSICO Cabeça


É sempre muito útil inspecionar o tórax do Na hidrocefalia com uma válvula colocada
paciente antes de aplicar o estetoscópio sobre mediante cirurgia cujo extremo inferior esteja
seu peito. Às vezes, uma examinada permitirá situado na veia cava superior, as embolias
situar a pessoa estudada em uma síndrome pulmonares recorrentes a partir do extremo do
específica, e fará pensar imediatamente numa cateter determinarão hipertensão pulmonar
cardiopatia especial. Por exemplo, quando se séria em mais de 10% dos casos. É freqüente
faz o diagnóstico de mongolismo, a anomalia que exista um curto-circuito de direita a
cardíaca mais provável é um curto-circuito de esquerda a nível auricular e ainda insuficiência
esquerda a direita, especialmente um defeito cardíaca congestiva.
dos coxins endocárdicos.
A criança que tenha padecido de cianose
Padrões de crescimento desde o nascimento tem muitas vezes uma
cabeça que parece grande com relação ao
Quando a má formação cardíaca tem escasso
resto do corpo. Existe uma proeminência
significado do ponto de vista hemodinâmico,
frontal definida e a fontanela anterior pode
como ocorre se existe uma comunicação
permanecer aberta até os 36 meses de idade.
interventricular pequena ou uma leve estenose
das válvulas semilunares, o desenvolvimento A associação de cabeça pequena e
será normal quanto ao peso e à estatura. cardiopatia, sugere uma síndrome pós-
rubéola. É fácil de reconhecer o extremo
Nas anomalias obstrutivas, tais como a
evidente do espectro. A criança apresenta
coarctação da aorta, estenose aórtica ou
insuficiência cardíaca congestiva com
estenose pulmonar, os padrões de
microcefalia, anomalias oculares em especial
crescimento são normais e a criança pode ter
cataratas e glaucoma, com freqüência está
um esplêndido desenvolvimento físico e uma
ictérica e tem trombocitopenia. As anomalias
excelente tolerância ao exercício. Se diz que
cardíacas mais comuns são a persistência do
um melhor desenvolvimento do tronco em
canal arterial (PCA), a comunicação
relação à parte inferior do corpo e das
interventricular (CIV), a estenose valvular
extremidades sugere coarctação da aorta.
pulmonar e as coartações múltiplas da artéria
Nos grandes curtos-circuitos de esquerda a pulmonar, quer sejam isoladas, ou
direita existe uma acentuada alteração do combinadas.
crescimento, do peso mais que da estatura.
Às vezes é mais difícil reconhecer a síndrome
Em uma criança acianótica com cardiopatia
pós-rubéola. Com freqüência se considera que
congênita e marcado atraso do crescimento, o
a criança tem transtornos na aprendizagem e
diagnóstico mais provável é um grande curto-
seu coeficiente intelectual é normal, de tipo
circuito de esquerda a direita.
baixo, ou francamente inferior ao normal. No
Anomalias extracardíacas exame físico se observa que a circunferência
cefálica é menor que o normal, existem graus
As anomalias extracardíacas podem constituir
diversos de surdez unilateral ou bilateral e se
um indício importante para orientar-se quanto
auscultam sopros sistólicos com sua máxima
ao tipo de defeito cardíaco. Uma anomalia
intensidade na axila ou nos bordos laterais.
extracardíaca descarta na prática a
Estes sopros são secundários a múltiplas
transposição dos grandes vasos, enquanto
coartações da artéria pulmonar.
que é corrente achar múltiplas anomalias
congênitas na tetralogia de Fallot. As crianças Face
com múltiplas má-formações congênitas têm
A fácies da estenose aórtica supravalvular é
com freqüência algum tipo de cardiopatia
típica. O aumento da distância interocular
associada.
(hipertelorismo1), o queixo pequeno, a cara
Quando existe uma hemiatrofia do corpo, o redonda, a frente larga e a boca “fazendo
arco aórtico está sempre do lado normal.
1
Aumento da distância entre dois órgãos ou partes do
corpo.

Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 1


beicinhos” são característicos. O insuficiência cardíaca congestiva e ampla
hipertelorismo "por si só", com uma cara cheia pressão diferencial em uma criança, faz
e redonda, tem sido associado à estenose suspeitar com firmeza a existência de canal
pulmonar valvular isolada. arterial permeável. Esta combinação também
se apresenta com freqüências cardíacas
O edema de pálpebras, mais acentuado ao
baixas e grande volume ventricular, exercício
despertar, é indício valioso da insuficiência
ou excitação. O sopro de estenose aórtica e
cardíaca congestiva. Junto com hipertensão
pressão diferencial ampla, sugerem estenose
sistêmica e edema pulmonar recidivo,
subaórtica hipertrófica. Em todas as outras
sugerem enfermidade renal, em particular
formas de estenose aórtica, a amplitude do
glomerulonefrite aguda.
pulso é normal ou está diminuída.
As telangiectasias pequenas e múltiplas da
O pulso de pequena amplitude se observa
língua e das membranas mucosas, em
também quando o volume minuto é baixo, por
indivíduo cianótico, farão pensar em
exemplo no choque ou na insuficiência
telangiectasia hereditária (síndrome de Weber-
cardíaca congestiva grave. No início da vida, o
Osler-Rendu2) e fístulas artério-venosas
pulso débil é característico das lesões
pulmonares múltiplas.
hipoplásticas do coração esquerdo, tal como a
Pescoço atresia da aorta.
O exame do pescoço pode revelar a presença A diferença existente entre os pulsos das
de uma tiróide aumentada que permite extremidades superiores e das inferiores na
suspeitar que a taquicardia, a cardiomegalia e coarctação da aorta, é uma observação que
os sopros de ejeção sejam secundários ao data de décadas, porém surpreende a
hipertiroidismo. freqüência com que a esquecem. Em um
lactente, a palpação do pulso tibial posterior
Os frêmitos no pescoço, sobre os grandes
ou do pé molesta menos (e portanto é mais
vasos ou no oco supra-esternal, sugerem uma
útil) que pressionar a região inguinal em busca
destas cinco cardiopatias congênitas, sós ou
dos pulsos femorais. É pouco provável de
combinadas: persistência do canal arterial,
ocorrer a coarctação quando se pode palpar
coarctação da aorta, estenose pulmonar,
os mencionados pulsos.
estenose aórtica ou tronco arterial.
A ausência isolada de pulsações arteriais é
É difícil valorizar o pulso das veias do pescoço
secundária a anomalia vascular, ao sacrifício
e da jugular em um lactente. Por isso, nos
de um vaso na cirurgia paliativa (tal como a
limitamos em geral a observar a ingurgitação
anastomose da artéria subclávia com a artéria
venosa. Nas crianças maiores e nos
pulmonar), a dissecção arterial na
adolescentes é possível fazer uma análise
cateterização cardíaca, ou a trombose ou
mais precisa das ondas venosas. O
embolia nas cardiopatias cianóticas.
ingurgitamento das veias do pescoço sugere
insuficiência cardíaca direita, primitiva ou Dedos
secundária a insuficiência cardíaca esquerda.
Um número anormal de dedos costuma
Os batimentos proeminentes das artérias do
associar-se às comunicações interauriculares.
pescoço fazem pensar em uma lesão que
A síndrome de Ellis-van Creveld 3 apresenta
permite o escape do sangue a partir da aorta,
polidactilia, e é freqüente que tenha como
quer seja para o ventrículo esquerdo (como na
contrapartida cardíaca uma aurícula única.
insuficiência valvular) ou para a artéria
Quando faltam um ou mais dedos, associado
pulmonar (como na persistência de um grande
a outras anormalidades ósseas da mão ou do
canal arterial).
braço, deve suspeitar-se de uma comunicação
Pulsos periféricos interauricular. Esta combinação se apresenta
muitas vezes com caráter familiar, e se
O pulso em saltão devido a uma ampla
conhece com o nome de síndrome de Holt-
pressão diferencial, pode apresentar-se em
Oram.
qualquer lesão que permita o escape de
sangue a partir da aorta. A associação de

2
Doença telangiectásica hemorrágica familiar, de 3
Síndrome hereditária autossômica recessiva,
transmissão gênica dominante, com presença das caracterizada por polidactilia das mãos e, raramente, dos
angiectasias na pele, mucosas, intestino, fígado, cérebro, pés, com malformação das unhas. Nanismo e,
adrenal e pulmão. Malformação dos grandes vasos e eventualmente, cardiopatias congênitas podem associar-se.
aneurismas, com fístulas artério-venosas, podem ser O lábio superior é geralmente curto e frênulo múltiplo, com
observados. erupção prematura dos dentes.
Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 2
Insaturação e cianose ferropriva. O nível de hemoglobina pode ser
tão baixo que torna-se insuficiente para
É difícil descobrir graus leves de insaturação
produzir cianose visível. Estas crianças têm
arterial. A valorização das membranas
muitas vezes uma cor azul cinzenta pálida.
mucosas e do leito unguial não é fácil porque
existe uma ampla margem de variações O médico deve saber que a criança cianótica
normais. Às vezes, o enrubescimento dos tem problemas especiais. A policitemia pode
lábios e bochechas e das extremidades dos produzir trombocitopenia o suficiente grave ao
dedos sugerem insaturação quando não existe ponto de causar uma hemorragia maciça. Esta
uma cianose manifesta. Um nível de situação pode ser uma das poucas em que a
hemoglobina maior que o normal (policitemia) flebotomia5 seja de utilidade para estes
ajuda a confirmar a impressão clínica de pacientes, em especial antes de qualquer tipo
cianose. Quando a cianose é evidente, a de cirurgia, já que restabelece o número
saturação arterial está em geral abaixo de normal de plaquetas. Também é comum achar
85%. Cianose de certa duração precede o febrículas recorrentes. Isto pode estar
hipocratismo digital4. Este é mais considerável relacionado com a policitemia e com a descida
no polegar e no primeiro dedo do pé. As concomitante da reserva líquida no
unhas, especialmente suas bases, são mais compartimento intravascular. Pelo mesmo
brandas e curvas que o normal. A cor do leito motivo, deve aumentar-se a administração de
unguial não é uniforme, porque a porção líquidos às crianças cianóticas em períodos de
proximal é mais azul que a distal. Uma linha perda excessiva de água, por exemplo durante
bem clara separa estas zonas de cor. as épocas de calor ou quando apresentam
diarréia ou febre, para afastar o risco de
Se tem escrito muito acerca da cianose
trombose vascular.
diferencial na persistência do canal arterial
com “inversão” do curto-circuito. Neste caso, a A mãe pode relatar ao médico que a criança
alta resistência pulmonar força a passagem do se queixa de cefaléias recorrentes ou de
sangue pulmonar insaturado através do canal cãibras musculares difusas inespecíficas.
arterial para a aorta descendente. A parte Estas desaparecem com a cirurgia corretora
inferior do corpo está insaturada com relação ou paliativa. Porém, depois de uma
à superior. Este é um sinal muito anastomose entre a veia cava superior e a
supervalorizado na infância e na meninice. Às artéria pulmonar direita, a cefaléia pode
vezes se pode por em evidência a diferença, aumentar em intensidade e freqüência,
submergindo a criança num banho quente provavelmente por uma pressão venosa
para provocar a dilatação capilar. elevada na parte superior do corpo.
CARACTERÍSTICAS E PROBLEMAS A constipação é um problema recorrente e
ESPECÍFICOS NA CRIANÇA CIANÓTICA molesto nas crianças cianóticas, e devem
instituir-se medidas tendentes a aliviá-la antes
As crianças maiores cianóticas apresentam
que se transforme numa luta entre os pais e a
um quadro bastante característico. Além da
criança.
cianose das membranas mucosas e do
hipocratismo digital, a criança apresenta As crianças cianóticas, especialmente aquelas
muitas vezes uma cabeça proeminente, com fluxo pulmonar diminuído, costumam
grandes veias sobre o crânio e sobre a ponta adotar as posições genupectoral ou de
do nariz, hemangiomas capilares múltiplos cócoras. Esta última é clássica para as
sobre todo o corpo, especialmente sobre as crianças maiores com tetralogia de Fallot,
bochechas, sufusões nas conjuntivas, cáries porém podem adotar outras posições. Ao
dentárias, cor cinza ardósia azulada da pele, obstruir o retorno venoso a partir das pernas,
enrubescimento das extremidades dos dedos, aumenta a saturação arterial de uma menor
marcada hipoplasia dos músculos dos braços quantidade de sangue que retorna ao coração,
e pernas com parada do crescimento, permitindo deste modo maior oxigenação do
numerosos hematomas e personalidade sangue que irriga o cérebro. Outra hipótese é
irritável. que o coração se aproxima dos pés, reduzindo
o trabalho necessário para vencer a
Estas crianças preferem líquidos e alimentos
gravidade.
brandos. Em resumo, sua dieta pode consistir
principalmente de leite e derivados lácteos, o As crianças cianóticas com fluxo pulmonar
que determina o aparecimento de uma anemia diminuído podem ter crises de hiperpnéia
paroxística que levam à perda da consciência
4
Hipocratismo digital: Dedos em “baqueta de tambor” e
unhas em “vidro de relógio”. 5
Sangria vermelha.
Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 3
e produzem convulsões sérias. Se tratam com inocente murmúrio venoso. Quando há uma
oxigênio, colocando-as com os joelhos diante cardiopatia congênita, o provável é que se
do peito e dando-lhes pequenas doses de trate de persistência do canal arterial. Em uma
morfina. Estas crianças têm muitas vezes, criança com cardiopatia congênita cianótica, o
marcada alcalose respiratória, já que o fluxo sopro contínuo é quase sempre secundário à
pulmonar é baixo. Pode ser útil a circulação brônquica colateral aumentada.
administração endovenosa de bicarbonato de
Todo o pré-córdio pode mostrar-se
sódio ou Tris. É interessante destacar que não
hipercinético, sobretudo quando existe
há relação entre o aparecimento da hiperpnéia
excesso de trabalho cardíaco por aumento de
paroxística e a saturação arterial em repouso.
volume, como ocorre nos grandes curtos-
Durante os ataques, o nível arterial de
circuitos de esquerda a direita, ou na
oxigênio sempre cai, às vezes até cifras tão
insuficiência valvular. A diminuição dos
baixas como 20%.
batimentos precordiais se apresenta no
O médico que trata de uma criança cianótica derrame pericárdico, na insuficiência cardíaca
no início da vida, deve ter o cuidado em congestiva, nas enfermidades
diferenciar os casos secundários a um curto- endomiocárdicas, na anomalia de Ebstein da
circuito de direita a esquerda com cardiopatia válvula tricúspide e na síndrome de Hurler6.
congênita, daqueles que não têm uma causa
As deformidades torácicas, em particular o
cardíaca de cianose. Este último inclui a
abobadado esquerdo do tórax, podem
doença pulmonar primitiva, a acentuação da
apresentar-se quando há aumento cardíaco.
acrocianose normal, a síndrome da transfusão
Se existe afundamento bilateral da parte
materno-fetal intra-uterina, que produz um
inferior do tórax (sulco de Harrison), está
hematócrito alto (acima de 75%), cianose e
geralmente associado com grande curto-
ainda insuficiência cardíaca, a lesão cerebral
circuito de esquerda a direita de longa data. O
com depressão respiratória, anomalias
diâmetro ântero-posterior do tórax está
intrínsecas ou extrínsecas da via aérea e as
aumentado devido à perda de elasticidade dos
hemoglobinopatias congênitas e adquiridas.
pulmões, e ao aumento crônico do trabalho
Tórax e respirações respiratório determinado pela tração exercida
pelo diafragma sobre uma caixa torácica
Deve analisar-se com cuidado o tipo de
maleável.
respiração. A taquipnéia é muitas vezes uma
manifestação inicial da insuficiência cardíaca A cifoescoliose séria pode ocasionar cor
congestiva em lactentes. Alguns pacientes pulmonale. Um paciente com tal defeito e
cianóticos, tais como os que apresentam cardiopatia, deve fazer pensar na síndrome de
transposição dos grandes vasos, têm Marfan ou ataxia de Friedreich 7. As
taquipnéia constante já que o nível de comunicações interauriculares nos
insaturação arterial permanece quase igual. adolescentes também podem causar alta
Em troca, na tetralogia de Fallot, a saturação incidência de anomalias vertebrais e da caixa
arterial varia muito segundo a atividade e a torácica.
demanda periférica de oxigênio. Deste modo,
Quando a coluna vertebral é muito reta
enquanto dormem, a respiração pode ser até
("síndrome da espádua reta"), a posição do
certo ponto normal, já que o fluxo pulmonar
coração pode estar alterada. A artéria
bastará para as necessidades metabólicas em
pulmonar é muito proeminente na radiografia
repouso. Quando despertam, o fluxo
de tórax, e os sopros são mais intensos que a
sangüíneo sistêmico e a cianose aumentam.
variedade inocente habitual.
Como o fluxo pulmonar não aumenta, fica
insuficiente para cobrir a demanda gerando De modo semelhante, o pectus excavatum
taquipnéia. causa alterações da posição cardíaca,
empurrando o coração para o hemitórax
O exame dos pulmões para descobrir
patologia pulmonar, especialmente pneumonia 6
Também chamada de gargolismo. Os pacientes exibem
ou insuficiência cardíaca congestiva, faz parte excreção urinária de resíduos de muco-polissacarídeos
de toda investigação. Nos lactentes, a não-degradados chamados de glicosaminoglicanos. Essa
síndrome é evidenciada por lipocondrodistrofia, com
radiografia de tórax é tão superior ao exame disostoses ósseas múltiplas e alterações esqueléticas.
físico que fazemos pouco empenho neste 7
Doença espinocerebelar degenerativa e hereditária, que
último. começa na infância, e caracterizada por ataxia, diminuição
ou abolição dos reflexos profundos, sinal de Babinski
Se auscultamos numa criança um sopro positivo, distúrbios da fala, nistagmo, e escoliose. Há
contínuo no tórax, a causa mais comum é um degeneração das colunas lateral e posterior da medula
espinal e, em certo grau, no cerebelo e na medula.
Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 4
esquerdo. Nestas circunstâncias, o principalmente com um ventrículo único com
eletrocardiograma mostra muitas vezes um obstrução da câmara de saída pulmonar, com
padrão rSr’ nas derivações precordiais anomalias sistêmicas múltiplas e/ou das veias
direitas. Quando não se auscultam sopros pulmonares, com defeitos dos coxins
patológicos, estas crianças não têm endocárdicos e anomalias de rotação do
cardiopatia, ainda quando a radiografia de coração e transposição dos grandes vasos.
tórax e o eletrocardiograma sugiram essa Além disso, a radiografia mostrará o coração e
possibilidade. a câmara de ar do estômago em lados
opostos. São comuns as anomalias de rotação
Dextrocardia
das vísceras abdominais. Por isso, quando há
Quando o choque da ponta está à direita, o dor abdominal e vômitos, é provável que
médico deve determinar se isso se deve a 1) exista uma obstrução causada por um volvo
dextrocardia em espelho (situs inversus); 2) ou por invaginação.
dextroversão (anomalia de rotação); ou 3)
A ascite por insuficiência cardíaca congestiva
dextroposição (deslocamento cardíaco
é rara em lactentes e crianças maiores.
secundário a patologia da caixa torácica ou do
Quando se apresenta em uma criança quase
pulmão). A dextrocardia em espelho leva
assintomática, há que pensar na pericardite
consigo uma incidência de cardiopatias
constritiva. Por outra parte, a ascite só se
congênitas bastante baixa (3 a 5%). Contudo,
acha na insuficiência cardíaca séria e
quando somente o coração e seu ápice estão
prolongada.
rodados para o lado direito (situs solitus com
dextroversão) existe sempre cardiopatia
congênita associada. Em geral, a
Pernas
dextroposição não leva cardiopatia congênita
associada, a menos que forme parte da Em um lactente, o edema secundário à
"síndrome da cimitarra"8 (síndrome veia cava- insuficiência cardíaca congestiva se acha
broncovascular). A onda P do ECG em D 1 geralmente na região sacra ou na face, antes
diferencia quase sempre a primeira categoria que nas pernas. Depois que a criança começa
das outras duas. Na dextrocardia em espelho, a caminhar, o edema se apresenta nas
as aurículas estão invertidas. Portanto, a onda extremidades inferiores. É mais definido em
P é oposta ao normal, por exemplo, negativa pacientes com fibroelastose endocárdica10 ou
em D1 Na dextroversão e na dextroposição, as nas nefropatias. Os lactentes com síndrome
aurículas estão em posição normal e a onda P de Turner têm muitas vezes linfedema, em
na derivação D1 é positiva. especial nos pés.
Abdome Palpação
A palpação do fígado e do baço tem suma A palpação da área precordial localiza a
importância na avaliação da criança e do posição e a atividade do coração e o choque
lactente. Especialmente a hepatomegalia é o da ponta. Nos lactentes com prováveis má-
principal indício de insuficiência cardíaca formações complexas, é difícil discernir
congestiva. Além disso, o controle contínuo do atividade "ventricular esquerda" de atividade
grau de hepatomegalia é um modo excelente ventricular direita, principalmente quando não
de valorizar a resposta ao tratamento com há segurança de que existam ventrículos
digital. separados.
A palpação de uma massa hepática similar em Nas crianças maiores, especialmente as que
ambos os lados do abdome, sugeriria uma têm uma lesão isolada, a análise da atividade
síndrome de anormalidade esplênica ventricular é mais viável. Um impulso sistólico
(síndrome de Ivemark 9, asplenia). Nesta paraesternal esquerdo pronunciado, é
condição, a víscera tem estrutura semelhante secundário a hiperatividade ventricular direita,
em ambos os lados, como se tivessem unido enquanto que um choque da ponta intenso
dois lobos direitos. Como um lado é a imagem sugere hiperatividade ventricular esquerda.
em espelho do outro, se aplica o termo Ambos ventrículos podem apresentar
isomerismo do órgão. Esta entidade se pulsações pronunciadas, como ocorre na
associa com cardiopatia congênita, comunicação interventricular ampla.

8
Cimitarra: s. f. Espada turca, de lâmina muito larga e curva. 10
Endocárdio espessado, fibroso ou fibroelástico, de causa
9
Agenesia do baço, o que faculta freqüentes infecções nos incerta, mas que pode ser congênito, hereditário ou
portadores. Há presença, no sangue periférico, de corpos secundário a outra doença sistêmica ou cardíaca,
de Howell-Jolly e Heinz geralmente associada a insuficiência e dilatação cardíacas.
Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 5
Nosso grupo considera que a determinação da aumenta o volume minuto, e pode dar
área cardíaca por percussão tem pouco ou origem a um sopro funcional. Quase
nenhum valor. sempre se trata de sopros sistólicos, de
máxima intensidade no foco pulmonar e
Auscultação
com menor freqüência na ponta. É
Se tem estimado que as três quarta partes das importante submeter o menino a um novo
crianças normais têm sopros cardíacos (ver controle, depois que tenha desaparecido a
tabela 1 para graduar a classificação dos febre, antes de tomar uma decisão final
sopros). Os médicos que cuidam de crianças sobre o significado do sopro. Sopros
são freqüentemente consultados para semelhantes, secundários a um aumento
determinar se o sopro é significativo ou não, do volume minuto, se devem a anemia,
ou se merece estudo. Não existe modo seguro tirotoxicose, a uma grande fístula artério-
de diferenciar em todos os casos um sopro venosa periférica ao exercício ou à
inocente de um orgânico (patológico) mediante excitação.
apenas a ausculta. Não é raro que ainda os
4. Se uma criança que teve antes um forte
cardiologistas experimentados tenham
sopro forte e frêmito associados com
dificuldades para tomar a decisão quando se
atraso de peso e estatura, apresenta de
baseiam unicamente nos dados por ela
repente um broto de crescimento, tem
proporcionados. A seguir, damos algumas
menos infecções respiratórias e o sopro
normas para colaborar com o médico na
diminui de intensidade, podem estar
decisão:
desenvolvendo-se sérias modificações do
1. A auscultação, e sua interpretação na leito vascular pulmonar. Também se
primeira semana de vida, está cheia de observam diminuição do tamanho do
riscos. Não comprometer-se tão rápido coração na radiografia e maior intensidade
com um diagnóstico em um recém nascido do componente pulmonar da segunda
acianótico que está bem. Muitos sopros bulha. O aumento da resistência vascular
dos primeiros dias de vida desaparecem pulmonar determina uma diminuição
por completo. Para descobrir uma consecutiva do curto-circuito de esquerda
cardiopatia é muito mais importante o a direita. Finalmente, sobrevem um curto-
controle feito nas seis semanas ou nos circuito de direita a esquerda e o caso se
três meses. torna inoperável. O quadro clínico antes
descrito deve alertar ao médico no sentido
2. Um sopro forte, que não se tenha
de que os estudos diagnósticos estão
encontrado na primeira semana, porém
indicados neste momento.
que se ausculta no exame realizado nas
seis semanas ou nos três primeiros 5. Um indivíduo assintomático com um sopro
meses, se deve provavelmente a um sistólico suave (grau I a II) poucas vezes
curto-circuito de esquerda a direita, às tem uma cardiopatia significativa. Em
vezes uma comunicação interventricular e, indivíduos normais se acham ligeiras
com menos freqüência, a uma variações na radiologia e no
persistência do canal arterial. eletrocardiograma. Quando existem
dúvidas, o exame físico, especialmente a
3. Freqüentemente se auscultam sopros
auscultação, é muitas vezes o melhor
quando as crianças têm febre. Esta
guia.

TABELA 1. – CLASSIFICAÇÃO DOS SOPROS SEGUNDO SUA INTENSIDADE

1. Sopro muito suave que é audível quando se ausculta o coração com muito cuidado; em
geral não o ouvimos durante os primeiros segundos.
2. Sopro algo mais intenso que pode ouvir-se imediatamente.
3. Sopro moderadamente forte que não se acompanha de frêmito.
4. Sopro forte com frêmito.
5. Sopro muito forte que não podemos ouvir se afastarmos todo o estetoscópio do tórax
porém, é audível se deixamos a borda do aparelho em contato com a superfície torácica.
6. Sopro de máxima intensidade, raro. É o que podemos ouvir quando se afasta o

Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 6


estetoscópio 1 cm ou mais do tórax.

Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 7


A auscultação das anomalias em particular, aumenta a intensidade do sopro. É muito
não será descrita e comentada neste capítulo. comum nos jovens adolescentes. Às vezes
Para o principiante é de importância aprender soa como se alguém estivesse rangendo
a avaliar os diversos sons cardíacos. A análise papel próximo do ouvido, e portanto é
da segunda bulha e de seus componentes é chamado de “rangido da artéria pulmonar”.
uma das fases mais animadoras da
auscultação cardíaca. Incluirá a valorização da Murmúrio venoso. Se trata de um murmúrio
intensidade de ambos componentes, sua contínuo, de tonalidade baixa a média, que em
modificação com a respiração e se ambos forma habitual se ouve melhor no pescoço e
podem ser ouvidos. Uma segunda bulha (B 2) na região paraesternal a nível do segundo
simples pode significar: 1º) que as válvulas espaço intercostal direito, poucas vezes
aórtica e pulmonar se fecham associado com frêmito. Ao contrário do que
simultaneamente, 2º) que falta uma válvula ou ocorre com o sopro de canal arterial
que é atrésica ou 3º) que uma válvula se fecha permeável, alcança sua intensidade máxima
de forma inaudível. Quando o segundo durante a diástole. Pode aumentar pela febre,
componente (pulmonar) da segunda bulha a anemia, o exercício e em posição sentada. A
está acentuado, existe hipertensão pulmonar fase diastólica pode ser suprimida
e/ou aumento do fluxo pulmonar. comprimindo as veias do pescoço ou fazendo
rodar a cabeça. A fase sistólica muitas vezes
A terceira bulha (B3) é muito marcada nas se reduz com as mesmas manobras porém é
crianças maiores e nos adolescentes, e pode raro que possa ser eliminada.
chegar a ser a mais forte.
Sopro proto-sistólico e meso-sistólico. É mais
A quarta bulha (B4) é mais difícil de ouvir, e comum nos dois primeiros anos de vida. Sua
precede imediatamente a primeira bulha (B1). intensidade máxima se acha ao longo da parte
Quando B3 e B4 são mais intensas que B 1 e B2, inferior da borda esternal esquerda, e se
há que suspeitar sempre de enfermidade assemelha ao da comunicação
miocárdica. Este pode ser o único indício. interventricular. Não se tem determinado se
seu desaparecimento se deve a evolução
natural do sopro inocente, ou se representa o
TIPOS COMUNS DE SOPROS fechamento anatômico ou funcional
INOCENTES espontâneo de uma pequena comunicação
interventricular.
Sopro vibratório (sopro de “corda em
vibração”). Este é um sopro proto-sistólico ou ALGUNS SOPROS FUNCIONAIS MAIS
meso-sistólico, de baixa a média intensidade RAROS
(grau 3 ou menor) com característica de
Sopros cardiorrespiratórios. São sopros em
“gemido”. Se ausculta melhor no mesocárdio
geral meso-sistólicos, claramente localizados,
porém se transmite bem ao segundo espaço
que variam de forma acentuada com a
intercostal esquerdo, à borda esternal
respiração. Podem ser muito fortes. O mais
esquerda ou à ponta. A intensidade deste
impressionante é o “uivo sistólico”, variedade
sopro aumenta com o exercício e varia com a
de sopro cardiorrespiratório que altera por
respiração. Na infância se assemelha ao da
completo com a postura e a respiração. Os
estenose pulmonar leve. Com o aumento da
sopros que começam na metade da sístole,
idade, a intensidade máxima do sopro se
variam com a respiração e alcançam o
desloca do segundo espaço intercostal
máximo no segundo espaço intercostal
esquerdo ao mesocárdio.
esquerdo, são provavelmente benignos. Se
Sopro de ejeção pulmonar. Este sopro, proto- tem demonstrado que aqueles que têm
sistólico ou meso-sistólico, de intensidade intensidade máxima na ponta e se iniciam
grau 3 ou menor, se ausculta com máxima muitas vezes com o estalido meso-sistólico, se
intensidade na região paraesternal a nível do devem a insuficiência mitral congênita.
2º e 3º espaços intercostais esquerdos, com
Ruídos carotídeos. Se pensa que estes sopros
certa irradiação à ponta e à borda esternal
se originam na artéria carótida direita em seu
esquerda, em sua parte inferior. Se origina na
local de origem no tronco braquiocefálico. Este
artéria pulmonar, e está gerado pela rápida
sopro tem lugar no momento da rápida ejeção
ejeção de sangue dentro deste vaso. Qualquer
do sangue no vaso. Por tanto, se trata de um
situação que aumente o volume minuto,
Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 8
sopro breve proto-sistólico ou meso-sistólico. estenose pulmonar valvular, à
Alcança sua intensidade máxima sobre o lado insuficiência pulmonar ou à grandes
direito do pescoço, e é menos audível no curtos-circuitos de esquerda a direita.
segundo espaço intercostal direito, o que o Pelo contrário, os “estalidos” de ejeção
diferencia do sopro da estenose aórtica. aórticos, em geral patológicos, se
ESTALIDOS DE EJEÇÃO apresentam com maior freqüência em
condições que resultam de uma grande
Os ruídos de ejeção se apresentam aorta ascendente, por exemplo a
quase sempre na última parte do estenose aórtica valvular e a insuficiência
complexo da primeira bulha. Como têm aórtica.
um ruído semelhante ao de muitas
pancadas de um par de moedas, PERICARDITE
recebem o nome de “estalidos” de ejeção. O diagnóstico de pericardite se faz pela
São atribuídos à abertura das válvulas ausculta de um roçar pericárdico, um
semilunares (aórtica e pulmonar) ou a áspero ruído superficial e extracardíaco
ruídos gerados nos grandes vasos de alta freqüência e de intensidade
quando se expulsa bruscamente o variável. Em sua forma clássica, este
sangue ao seu interior. roçar consta de três componentes
Os ruídos de ejeção se originam na distintos. Quando os ventrículos se
artéria pulmonar ou na válvula pulmonar, contraem, as superfícies pericárdicas
alcançam sua máxima intensidade no despolidas se deslizam uma sobre a outra
segundo espaço intercostal esquerdo, e produzindo o componente sistólico do
não se transmitem à ponta. Como é roçar. Quando se relaxam, as superfícies
habitual nos ruídos que emanam da pericárdicas danificadas se deslizam
artéria pulmonar, sua intensidade é novamente uma contra a outra, e este
máxima na expiração e diminuem muito ruído constitui o componente diastólico.
ou faltam durante a inspiração. Ao final da diástole, com as contrações
atriais, se origina o componente atrial do
Quando a origem do ruído de ejeção é roçar.
aórtico, alcançam sua máxima
intensidade na ponta ou no segundo Qualquer destes três componentes pode
espaço intercostal direito. Os “estalidos” apresentar-se isoladamente, ou coexistir
aórticos de ejeção variam pouco com a em combinações diversas. O diagnóstico
respiração e se transmitem mais é mais concludente quando se percebem
amplamente. os três.

Os “estalidos” de ejeção pulmonar se A causa mais comum de pericardite, em


apresentam em muitos indivíduos crianças e lactentes, é a pericardite
normais, associados muitas vezes com aderente em conseqüência de uma
um aumento transitório do fluxo cirurgia cardíaca. As colagenoses são as
sangüíneo. Encontramos também nas que seguem em freqüência, em especial
grandes artérias pulmonares, devido à a febre reumática e a artrite reumatóide.

Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 9


Classificação dos pacientes cardíacos

Capacidade Funcional

Classe I
Sem limitação da atividade física
Assintomáticos com a atividade física
ordinária

Classe II
Ligeira limitação da atividade física
Sintomáticos com a atividade física ordinária

Classe III
Marcada limitação da atividade física,
acomodado em repouso
Sintomáticos com uma atividade menor que
a ordinária

Classe IV
Sintomáticos com qualquer atividade física e
ainda em repouso
Sintomas que aumentam de intensidade
com qualquer atividade física

Cardiopatia Pediátrica – Exame Físico Cardiológico 10

Você também pode gostar