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I

O deus filho e amante

Filhos... Gerei muitos, mas as minhas tetas não estão secas.


RUDYARD KlPUNG

O sacerdo te egípcio disse ao rei da Pérsia: "Foi a poderos a mãe Neith que
deu à luz Rá; ela foi a primeir a a dar à luz tudo, e assim fez quando nada mais
havia nascido ainda, nem ela própria ".
Ou, segund o os bruxos da Toscana: "Diana foi a primeir a a ser criada, antes
da criação; nela estavam todas as coisas; ela, que foi a primeir a escuridã o, divi-
diu-se em duas: escurid ão e luz. A luz era Lúcifer, seu irmão e filho, ela própria
e a outra metade . E quando Diana viu como a luz era linda, desejou -a intensa-
mente" (Aradin: the gospel of witches -Arndi a: o evangelho dos bruxos -, de Le-
la-nd, p. 18).
A respeito de Sofia, a Sabedo ria Antiga, disse uma escola gnóstica : "Ela é
uma velha porque foi a primeir a, e o mundo foi feito por ela." Ela deu à luz o
univers o num grande orgasm o auto-in duzido, pois queria "gerar por si mes-
ma, sem um esposo" .

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. · , · "A terra (... ) estava informe e vazia '
d o G enese (1 ,2) , no p1·111c1p10
Pe1o 11vro A
. b
·
e as trevas cobriam o Abismo, E 1'rito de Deus pairava por so re as
mas o sp ,, ,
águas".* Aqui, a palavra usada para 'abismo' é te/1011! ~ a usad~ para a~uas,
tolw formas hebraicas de Tiamat, deusa que persomficava as ahgubas pnmofr-
diais' que originaram
· ·
tudo. (Diga-se d e pa ssagem
' que a palavra
. e raica re
_ e-
f
rente a 'espínto' tambem pertence ao genero emmu , ,
• , A · · 10· e em vista das traduçoes a
q ue a Bíblia foi submetida nos séculos de patriarcado, é interessa_nte notar que a
palavra grega correspondente é neutra, enquanto a l~ t_ma . e' ma sculma)· ,
E do outro lado do mundo, Yhi, o Grande Esp1nto, deusa do Sol dos a~on-
gines australianos, existiu antesp.e toda e qualquer manifestaçã_o; ela cn?u o
consorte Baia me, Pai de Todos; juntos, os dois geraram todas as ena turas vi_vas.
Este padrão de mãe primordial, que não foi criada e gerou todas as c01sas,
até o seu próprio complemento masculino, está na base fundamental de todas
as mitologias e religiões. _
Na era paleolítica, era normal uma garota na puberdade ter relaço_es se-
xuais e gerar uma criança, por isso o fato de uma ser a causa da outra nao era
óbvio. A história registra muitas tribos 'primitivas' que acreditavam que a gra-
videz era provocada pelo luar ou pelo espírito dos ancestrais e até as pessoas
que sabiam que isso não era verdade sustentavam que tudo se passava desse
modo.
Já que o papel de fecundador do homem não era percebido, ou percebido
só em parte, a Mulher personificava naturalmente o Criador arquetípico. E
quando a humanidade, pela sua própria natureza, começou a conceber divin-
dades transcendentais e a adorá-las, o símbolo óbvio (e praticamente o único
possível) desse conceito teria de ser a Mãe-Terra ou, em certos ambientes, a
Mãe-Água Primordial.
Parece estranho usar uma explicação como esta para começar um livro que
fala do Deus. No entanto, para explicar o Deus, precisamos começar com o seu
nascimento. E, na compreensão humana, a Mãe precedeu o nascimento do
Deus. Todas as mitologias anteriores ao patriarcado apontam nessa direção, e
quanto mais antigas e não distorcidas as nossas fontes, mais isso se confirma.
Nas eras anteriores à agricultura, quando a humanidade vivia da caça e da
pesca, a mulher era o alicerce do lar, rn~srno no caso dos lares nômades. Ela se
encarregava das cria1;ças e, sem dúvida, de preparar a comida que os homens
levavam para casa. E quase certo que tenha sido ela a inventar a agricultura
pelo fato de procurar, proteger e acabar multiplicando o suplemento vegetal da
carne levada pelos caçadores.
No entanto, à medida que a agricultura se expandiu até não ser mais um
suplemento mas a base ~conômica da sociedade humana, esta modificou-se. O
homen:i também passou a ser o alicerce, e a divisão do trabalho ficou mais com-
*As citações bíblicas contidas neste livro seguem a versão da Bíblia Mmsngem de Deus Ed ições
Loyola, 1989 (N. da T.) '

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