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O deusSol
Nem apagado nem vermelho, como a cabesa do proprio Deus,
Sol florioso ascendeu. F
ST. CovERDcE
No capitulo anterior falamos do aparecimento do deus-Sol, no capitulo
XXVII trataremos de um dos mais importantes deuses do Sol, 0 Ra egipcio. No
entanto, hd alguns pontos que precisam ser examinados separadamente.
A parte os aspectos de fecundador e medidor do tempo, € facil ver por que
o Sol sempre foi obrigatoriamente um simbolo divino. Ele rege 0 céu nas nossas
horas de atividade, a ponto de estabelecermos limites como o nascer e 0 por-
do-sol, porque precisamos da luz solar para ver aquilo em que estamos traba-
lhando. Com algum esfor¢o, podemos deixar de lado o luar da intuigao (por
nossa conta e risco, convém lembrar), mas nao podemos desconsiderar a luz
solar do ego ou percepgao consciente.
Na Apresentacao dissemos que 0 aspecto masculino é analitico e o femini-
no, sintético. A funcdo analitica desmembra os objetos para ver do que sao fei-
tos; a funcSo sintética remonta-os para ver como se relacionam entre si. A luzsolar é implacdvel e discriminadora; salienta inflexivelmente as diferengas que
existem entre as coisas. A luz da Lua é suave e harmonizante; parece mesclar to-
das as coisas em um todo. ,
OSol também é visto como um regente imparcial das atividades dos diver-
sos fenémenos, em geral mutuamente hostis, que surgem porque ele existe.
Ré egipcio, por exemplo, mantinha ressecado 0 deserto arido do terrivel bisne-
to Set, mas também mantinha sempre fértil o rico vale do Nilo, pertencente a
Osiris, seu outro bisneto.
Assim como o nascer e 0 p6r-do-sol governam as nossas atividades didrias,
oritmo solar anual governa a nossa atividade a longo prazoea fertilidade da
terra da qual dependemos.
De fato, o sol é um simbolo divino muito vivido. E podemos notar que per-
maneceu para a cristandade que surgia, Os Evangelhos nao mencionam a data
do nascimento de Jesus, mas quando a Igreja primitiva 0 elevou 4 condigao de
deus, o instinto humano de comemorar o renascimento anual do Sol, instinto
que estava profundamente arraigado, exigiu que 0 Cristo-deus também tivesse
nascido no solsticio de inverno. E assim, no ano 273 isso foi decretado e dali em
diante aceito, de forma oficial e popular.
A énfase na masculinidade do Sol e na divindade solar é mais marcada nas
regides tropicais e subtropicais. Ao redor do Mediterraneo (e convém lembrar
que o cristianismo, nos seus anos de formagao, era uma religiao mediterranea),
tanto o Sol como o deus-Sol s4o quase universalmente masculinos. (Naquela
regiao, as tinicas deusas solares que conseguimos encontrar tinham relativa-
mente pouca importancia; entre elas estao as deusas fenicias Nahar e Samas,
mencionadas nas antigas escrituras de Ugarit, a sumeriana Shapash ea hitita
Wurusumu.) O Ré egipcio, 0 Hélios grego e 0 Sol romano sao palavras que sig-
nificam ‘sol’, mas também sao nomes de deuses, todos masculinos. Isso é com-
preensivel porque naquelas regides é impossivel passarem despercebidos os
aspectos masculinos da luz clarissima e do calor forte.
No entanto, mais ao norte, o Sol é mais brando — e sua luz também; com
um calor menos previsivel, quase sempre ocorre o inverso. As palavras Sonne
(em alemao) ou os ian (em gaélico), que também significam ‘sol’, sio femininas.
Os celtas gaélicos, em particular— ou ao menos a aristocracia de guerreiros
gaélicos que deu origem a mitologia celta que chegou até nés —, eram criado-
res de gado, e nao agricultores; por isso, o aspecto fertilizante do Sol, que tanta
importancia tinha para as comunidades agricolas (e, na Irlanda, para es Ov
neolfticos que existiram antes delas), seria relativamente irrelevante Le “
modo de pensar daqueles grupos. £ interessante notar que tanto os es ia vo
como os aborigines australianos faziam parte da minoria que eines ne
do Sol, e esses dois povos jamais tiveram uma atividade agricola secundé, eee
Qualquer que seja a luz ou 0 calor do Sol, mais ao norte ele fica mais fae
no céu, e portanto apresenta um movimento lateral muito mais nitido, nee
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=~ _idéia de que um movimento descrito em sentido horario, deosil (ou deiseal, em
gaélico), era propicio, particularmente no ritual, ao passo que um movimento
feito no sentido contrario, widdershins (ou widersinnes, em alto-alemao médio),
trazia md sorte, ter sido mantida firmemente nas regides do norte e sobrevivido
no folclore e na tradicao dos rituais de ocultismo e dos rituais wicca.
Na regido mediterranea e pouco mais ao sul, onde o que impressiona é 0
movimento vertical do Sol, e nao o lateral, aparentemente nao existe essa con-
vengio do deosil. Olhando as dangas tradicionais gregas, muitas das quais tea-
tralizam temas mitolégicos, verificamos que os movimentos tanto podem ser
widdershins como deosil e, pelo que pudemos observar, a diregao nao tem signi-
ficado simbélico.
No movimento neopagao de hoje, que inclui 0 wicca, nao sé0 muitos os
adeptos que se dedicam a agricultura ou a criagao de gado, mas todos estao se
esforgando por conseguir uma sintonia mais viva com a natureza; por isso, nao
6 de surpreender que haja uma tendéncia a ver 0 Sol como forma de deus, espe-
cialmente nos rituais sazonais. Para isso, compreender melhor o que ele signifi-
cava para os nossos ancestrais nos ajuda a visualizar mais claramente os nossos
prdoprios conceitos.