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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE

PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

NÚMERO 28
Maio/Ago 2009

Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/aspheQuadrimestral


História da Educação Pelotas v. 13 n. 28 p. 1-292 Maio/Ago 2009
2

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
ASPHE
Presidente: Maria Stephanou
Vice-Presidente: Beatriz Daudt Fischer
Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional Conselho Editorial Internacional


Dra. Carlota Reis Boto (USP) Dr. Alain Choppin
Dra. Denice Cattani (USP) (INRP, França)
Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) Dr. Antonio Castillo Gómez
Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) (Univer. de Alcalá – Espanha)
Dra. Flávia Obino Werle (Unisinos) Dr. Luís Miguel Carvalho
Dr. Jorge Carvalho do Nascimento (UFS) (Univer. Técnica de Lisboa)
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) Dr. Rogério Fernandes
Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) (Univer. de Lisboa)
Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) Dr. Antonio Viñao Frago
Dr. Lúcio Kreutz (UCS) (Univer. de Murcia – Espanha)
Dr. Marcus Levy Albino Bencosta (UFPr)
Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS)
Dra. Maria Juraci Maia Cavalcanti (UFC)
Dra. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC)
Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)
Editores Editoração eletrônica e capa
Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Flávia Guidotti
Profa. Dra. Maria Helena Câmara Bastos flaviaguidotti@hotmail.com
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Giana Lange do Amaral (UFPel) Benedettine in Ciociaria. 3. ed.
Claudemir de Quadros (Unifra) Itália: Edizioni Torchio de' Ricci,
Berenice Corsetti (Unisinos) 1999. p. 37. La biblioteca.

História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).
História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense
de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 28
(Maio/Ago 2009) - Pelotas: ASPHE - Quadrimestral.
ISSN 1414-3518
v. 1 n. 1 Abril, 1997
1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel
CDD: 370-5

Indexação:
CLASE (Citas Latinoamericas em Ciências Sociales y Humanidades)
Bibliografia brasileira de Educação – BBE.CIBEC/INEP/MEC
EDUBASE (FE/UNICAMP)
3

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .................................................................................... 5

A HISTORIOGRAFIA FRANCESA DA EDUCAÇÃO


EM UM CONTEXTO MEMORIALÍSTICO: REFLEXÕES
SOBRE ALGUMAS PROBLEMÁTICAS EVOLUÇÕES
HE FRENCH EDUCATION HISTORIOGRAPHY IN A
MEMORIALISTIC CONTEXT: REFLECTIONS ABOUT
SOME PROBLEMATIC EVOLUTIONS
Pierre Caspard; Tradução: Maria Helena C. Bastos ........................................ 9

APONTAMENTOS EM RELAÇÃO ÀS FORMAS DE TRATAMENTO


DOS NEGROS PELA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
REPORTS RELATING TO THE FORMS OF BLACK PEOPLE’S
TREATMENT THROUGH THE HISTORY OF EDUCATION
Marcus Vinícius Fonseca............................................................................ 29

EL SENTIDO Y EL PAPEL QUE DESEMPEÑA


EL “ALAFABETO” EN COMENIO
THE MEANING AND THE ROLE OF LITERACY IN COMENIO
Alessandra Avanzini ................................................................................... 61

DISCURSOS DO PODER, POLÍTICA EDUCACIONAL


E OS LIVROS DIDÁTICOS DE LEITURA
NO RIO GRANDE DO SUL (1930/1945)
DISCOURSES OF POWER, INTERNATIONAL POLITICS,
AND READING EDUCATIONAL BOOKS
IN RIO GRANDE DO SUL (1930 – 1945)
Berenice Corsetti; Elisabete Magda Klaus; Márcia Cristina Furtado Ecoten... 79

A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO:


ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO NA PROVÍNCIA
DE MINAS GERAIS (1850-1889)
THE EDUCATION IN BRAZIL’ S MONARCHY:
ANALYSIS OF THE INSTRUCTION ORGANIZATION
IN THE PROVINCE OF MINAS GERAIS (1850-1889)
Renata Fernandes; Maia de Andrade; Carlos Henrique de Carvalho............. 105
4

TRABALHO DO PROFESSOR: DO DIZER DAS TRADIÇÕES


A EMERGÊNCIA DE SENTIDOS CONTEMPORÂNEOS
THE WORK OF THE TEACHER: ASKING FOR NEW MEAMINGS
ABOUT TRADITIONS
Rosa Maria Filippozzi Martini; Paulo Roberto Corrêa Glasorester ...............135

O MUNICÍPIO E A EDUCAÇÃO EM MINAS GERAIS:


A IMPLEMENTAÇÃO DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
NO INÍCIO DO PERÍODO REPUBLICANO
MUNICIPALITY AND EDUCATION IN MINAS GERAIS:
THE IMPLEMENTATION OF PUBLIC INSTRUCTION
IN THE BEGINNING OF THE REPUBLICAN PERIOD
Wenceslau Gonçalves Neto........................................................................159

DESDE EL “PARAISO” SOVIETICO. CULTURA ESCRITA,


EDUCACION Y PROPAGANDA EN LAS REDACCIONES
ESCOLARES DE LOS NIÑOS ESPAÑOLES EVACUADOS
A RUSIA DURANTE LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA
FROM THE SOVIETIC “PARADISE”. WRITTEN CULTURE,
EDUCATION AND ADVERTISEMENT IN THE SCHOOL WRITINGS
OF SPANISH CHILDREN EGRESSED FROM RUSSIA DURING
THE SPANISH CIVIL WAR
María del Mar del Pozo Andrés; Verónica Sierra Blas .................................187

Resenha
FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org.). Pensadores Sociais
e História da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 311p.
Gisele Francisca da Silva Carvalho.............................................................241

Documento
Reforma João Luiz Alves (conhecida por Lei Rocha Vaz)
Decreto Nº 16.782 A – de 13 de Janeiro de 1925 ......................................253

ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES ........................................291


APRESENTAÇÃO

Temos a satistação de oferecer para nosso público leitor


mais um número de nossa revista. Temos a certeza que neste mais
uma vez contribuimos para a produção e divulgação de
conhecimento em nossa área de atuação a história da educação e
a qual este periódico tem como missão e razão de existir.
Abrimos este número de nossa revista com o trabalho do
professor francês Pierre Caspard: A historiografia francesa da
educação em um contexto memorialistico: Reflexões sobre algumas
problematicas evoluções. Neste trabalho este renomado pesquisador
propõe algumas explicações para a discrepância, que diz respeito às
mudanças recentes no sistema educativo, nas condições em que
operam os historiadores da educação, e da evanescência de dois
quadros de análise há muito tempo paradigmáticos: as classes
sociais e a nação.
É com satisfação que publicamos o trabalho do professor
Marcus Vinicius Fonseca: Apontamentos em relação às formas de
tratamento dos negros pela história da educação. Neste artigo o
autor procura demonstrar a necessidade de uma mudança de
postura dos historiadores no sentido de integrar de forma plena os
negros à história da educação.
A seguir publicamos um texto sobre um dos clássicos da
história da educação mundial – Comenius. A professora
Alessandra Avanzini em seu texto: O sentido e o papel que
desempenha o “alfabeto” em Comenius destaca que a maneira que
Comenius concebeu a idéia de educação para todos deriva de uma
visão particularmente sugestiva de alfabetização universal.
No artigo Discursos do poder, política educacional e os
livros didáticos de leitura no Rio Grande do Sul (1930/1945) as
professoras Berenice Corsetti, Elisabete Magda Klaus, Márcia
Cristina Furtado Ecoten tratam da relação percebida entre os
discursos pronunciados pelos dirigentes maiores da educação

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 5-7, Maio/Ago 2009.


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brasileira, no período de 1930 a 1945, os quais explicitaram os


pressupostos da política educacional então vigente, e os manuais
didáticos de leitura utilizados nas escolas primárias do Rio Grande
do Sul.
Com o texto A educação no Brasil Império: análise da
organização da instrução na Província de Minas Gerais (1850-
1889) os investigadores Renata Fernandes Maia de Andrade e
Carlos Henrique de Carvalho propõem-se a discutir as concepções
de educação do governo mineiro na segunda metade do século
XIX. Há um destaque na compreensão de importantes facetas das
políticas provinciais para a instrução, tais como a profissão
docente e as escolas normais; a organização administrativa; a
instrução pública e particular dentre outras apontadas e discutidas
ao longo trabalho.
No artigo seguinte Trabalho do professor: do dizer das
tradições a emergencia de sentidos contemporaneos os investigadores
Rosa Maria Filippozzi Martini e Paulo Roberto Corrêa
Glasorester analisam as diferentes tradições que deram sentido ao
trabalho docente. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada
em textos de história da educação e de filosofia com caráter
interdisciplinar.. Foi possível constatar a emergência de antigos
significados que assumiram novas dimensões na atualidade.
O professor Wenceslau Gonçalves Neto no trabalho O
município e a educação em minas gerais: a implementação da
instrução pública no início do período republicano. O resultado de
pesquisa realizada com financiamento do CNPq, evidencia como o
poder local participa do esforço pela instrução pública, a
aproximação/distanciamento com a proposta oficial do estado, as
dimensões político-ideológicas, o grau de complexidade das
iniciativas, as perspectivas que se abrem, o funcionamento e a
eficácia do sistema, etc. Ou seja, estender aos municípios a análise
da formação dos sistemas públicos de ensino no início do período
republicano.
Fechando a seção de artigos, deste número, as
professoras espanholas María del Mar del Pozo Andrés e Verónica
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 5-7, Maio/Ago 2009.
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Sierra Blas no texto Do "paraíso" soviético. Cultura escrita,


educação e propaganda nas redaçoes escolares das crianças
espanholas enviadas à Rússia durante a guerra civil espanhola
analisam um singular acontecimento da Guerra Civil espanhola
onde se propõem analisar a importância da redação como prática
pedagógica nas escolas e estudar a influência da propaganda e a
ideologia nas mentes infantis.
Em nossa tradicional seção «Documentos» apresentamos
a primeira parte da Reforma João Luiz Alves de 1925 que
estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primario,
organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino
secundário e o superior e dá outras providências.
Contamos que nossos leitores e colaboradores continuem
a nos prestigiar como têm feito até o momento. De modo que a
revista se constitua em mais um difusor da produção científica na
área de História da Educação.

Boa Leitura

Os editores

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 5-7, Maio/Ago 2009.


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.
A HISTORIOGRAFIA FRANCESA DA
EDUCAÇÃO EM UM CONTEXTO
MEMORIALÍSTICO: REFLEXÕES SOBRE
ALGUMAS PROBLEMÁTICAS EVOLUÇÕES1
Pierre Caspard
Tradução: Maria Helena C. Bastos

Resumo
Há um fosso crescente entre as análises as mais sutis que os
historiadores propõem para compreender o passado da educação
francesa, e os parâmetros de referência que oferece a produção
memorial para situar a escola atual em relação ao passado. O artigo
propõe algumas explicações para essa discrepância, que dizem respeito
às mudanças recentes no sistema educativo, nas condições em que
operam os historiadores da educação, e da evanescência de dois
quadros de análise há muito tempo paradigmáticos: as classes sociais
e a nação.
Palavras-chave: Historiografia da educação; Educação na França;
Cultura profissional dos professores.

HE FRENCH EDUCATION HISTORIOGRAPHY IN A


MEMORIALISTIC CONTEXT: REFLECTIONS ABOUT
SOME PROBLEMATIC EVOLUTIONS
Abstract
We can observe a growing discrepancy between the increasingly subtle
analyses of education historians offer in order to explain the past and
the over-simplicity of reference points used by memorial vulgate to
situate contemporary education in relationship to this very same past.
This article offers some explanations of this discrepancy. They relate
to the recent upheavals within the educational system, the conditions
under which education historians operate, and the evanescence of two
longstanding paradigmatic analytical frameworks – social classes and
the nation.
Keywords: Historiography of education; French Education;
Teacher’s professional Culture

1
Artigo especialmente escrito para publicação na revista História da Educação.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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LA HISTORIOGRAFÍA FRANCESA DE LA EDUCACIÓN
EN UN CONTEXTO MEMORIALÍSTICO:
REFLEXIONES SOBRE ALGUNAS PROBLEMÁTICAS
EVOLUCIONES
Resumen
Hay un surco creciente entre las análisis las más sutiles que los
historiadores proponen para comprender el pasado de la educación
francesa, y los parámetros de referencia que ofrece la producción
memorial para situar la escuela actual en relación al pasado. El
artículo propone algunas explicaciones para esa discrepancia, que
dicen respecto a las mudanzas recientes en el sistema educativo, en
las condiciones en que operan los historiadores de la educación, y de
la evanescencia de dos cuadros de análisis ha mucho tiempo
paradigmáticos: las clases sociales y la nación.
Palabras clave: Historiografía de la educación; Educación en
Francia; Cultura profesional de los profesores.

L’HISTORIOGRAPHIE FRANÇAISE DE L’ÉDUCATION


DANS UN CONTEXTE MÉMORIEL: RÉFLEXION SUR
QUELQUES ÉVOLUTIONS PROBLÉMATIQUES
Résumé
On observe un décalage croissant entre les analyses de plus en plus
subtiles que les historiens proposent pour comprendre le passé de
l’éducation française, et le schématisme des repères qu’offre la vulgate
mémorielle pour situer l’école actuelle par rapport à ce même passé.
L’article propose quelques explications à ce décalage, qui tiennent aux
bouleversements récents du système éducatif, aux conditions où
opèrent les historiens de l’éducation, et à l’évanescence de deux cadres
d’analyse longtemps paradigmatiques: les classes sociales et la nation.
Mots-clés: Historiographie de l’éducation; Education en France;
Culture professionnelle des enseignants.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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La mémoire est aussi menteuse que l’imagination, et bien


plus dangereuse, avec ses petits airs studieux.
Françoise Sagan2

Como em outros países, as questões de «memória» têm


hoje invadido a cena intelectual francesa, pela maneira que
remetem ou pretendem remeter a relação da França com seu
passado. Os debates, ver as «guerras»3 que suscitam mesmo que
marginalmente na história da educação, se desenrolam em um
contexto maior de confrontação entre «história» e «memória» que
afeta igualmente esse campo de pesquisa. O que está mais
particularmente em jogo aqui é a capacidade da história de analisar
as raízes ou a origem das questões educativas atuais, e de
contribuir assim a cultura dos diferentes atores envolvidos.
Clarificar os ganhos dessa confrontação entre história e
memória supõe definir precisamente o sentido desse último termo,
fortemente polissêmico, ao contrário do de história. Embora a
história signifique invariavelmente, desde Heródoto, um inquérito,
ou seja, um trabalho intelectual de estudar o passado; a memória
refere-se tanto aos vestígios inertes desse passado, como a uma
função cerebral com as lembranças que ela contém, ou às
(re)construções individuais ou coletivas do passado, o caráter
coletivo da memória, tomado nesse último sentido, é por si só
altamente problemático4. Os debates atuais devem ser
compreendidos no limite da lembrança de que tem sido a evolução

2
“A memória é tão mentirosa como a imaginação, e bem mais perigosa, com seu
pouco ar de estudiosa”. Françoise Sagan.
3
Pascal Blanchard, Isabelle Veyrat-Masson (Dir.): Les guerres de mémoires. La
France et son histoire. Enjeux politiques, controverses historiques, stratégies
médiatiques. Paris, La Découverte, 2008. Pascal Blanchard, Marc Ferro, Isabelle
Veyrat-Masson (Dir.): “Les guerres de mémoire dans le monde”. Número
especial da revista Hermès, 2008.
4
Maurice Halbwachs: La mémoire collective. Paris, PUF, 1950 et Les Cadres
sociaux de la mémoire. Paris, PUF, 1952.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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das relações entre história e memória em curso nas últimas


décadas.

1 A memória ao serviço da história

A história tem mantido com a memória, nos anos


1970-1980, relações de uma cumplicidade particular. Durante
esses anos, tem sido uma das conquistas da «Nova história», tal
que é definida em um livro-manifesto, que apareceu em 19785.
Jacques Le Goff não hesitou em dizer que ela suscitou uma
« conversão do olhar histórico»6. Os historiadores então
interrogaram a memória de populações essencialmente definidas
pelas suas características sociais – camponeses, operários, notáveis,
nobres… –, mas também por uma experiência comum –
Camisards de Philippe Joutard7, Antigos combatentes de Antoine
Prost8 – ou por um meio de vida e de trabalho – Plozevet na
Bretanha, Minot na Borgonha, estudados por equipes
pluridisciplinares9. Interessam-se também pela memória da

5
Roger Chartier, Jacques Le Goff, Jacques Revel (Dir.): La nouvelle histoire.
Paris, Retz, 1978.
6
Jacques Le Goff: Histoire et mémoire. Paris; Gallimard, 1988 (1ère éd. Italienne:
1977-1982).
7
Os Camisards são os protestantes de Languedoc, no sul da França, perseguidos
por Luís XIV e que mantiveram uma guerrilha contra ele no fim de seu reinado.
P. Joutard estudou a maneira que as lembranças desses perseguidos se
transmitiram até os nossos dias. P. Joutard: La légende des Camisards: une
sensibilité au passé. Paris, Gallimard, 1977
8
Antoine Prost: Les anciens combattants et la société française, 1914-1939.
Paris, Presses de la FNSP, 1977, 3 vol.
9
André Burguière: Bretons de Plozevet. Paris, Flammarion, 1975. Cf. O balanço
retrospectivo apresentado durante o colóquio “Les grandes enquêtes
pluridisciplinaires des années 1960-1970 en France: bilans et perspectives”,
ocorrido na Universidade de Brest, nos dias 16 e 17 de maio de 2008, cujos
anais estão em preparação.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.
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identidade nacional. Pierre Nora lança o conceito e publica, em


1984, o primeiro volume do Lieux de mémoire (Lugares de
Memória)10; Fernand Braudel publica, em 1986, L’identité de la
France (A identidade da França)11. Depois de Maurice Crubellier
ou Marc Ferro, numerosos estudos são consagrados à forma que
os manuais de história forjaram essa memória nacional12; de
Ernest Lavisse, que P. Nora erige como «lugar de memória»13.
A educação e o ensino não ficaram longe desse idílio
entre história e memória, mas tiveram um lugar privilegiado,
especialmente os objetos de memória e os atores de uma
transmissão de memória. Jacques Ozouf publica, em 1967, um
livro pioneiro - Nous, les maîtres d’école, que trata sobre o
testemunho de quatro mil professores e professoras primárias que
ensinaram antes da guerra de 191414. O interesse pela memória
dos professores também se traduz na moda das lembranças que
iniciam nos anos de 1970: estas de Pierre Jakez Hélias, que se
auto proclama “Quêteur de mémoire” (Mendigo da memória), ou
de Émilie Carles que conheceu um retumbante sucesso de livraria15.

10
Pierre Nora: Les lieux de mémoire. Paris, Gallimard, 1984-1992, 7 vol.
11
Fernand Braudel: L’identité de la France. Les hommes et les choses. Paris,
Flammarion, 1986, 2 vol.
12
Maurice Crubellier: Histoire culturelle de la France. XIXe-XXe siècles. Paris,
Colin, 1974. Marc Ferro: Comment on raconte l’histoire aux enfants à travers le
monde. Paris, Payot, 1986. Os estudos consagrados depois desse tema inúmeros.
Cf. A Bibliografia da história da educação francesa no endereço eletrônico
www.inrp.fr/she/bhef.
13
Pierre Nora, op. cit, t. II.
14
Jacques Ozouf: Nous, les maîtres d’école. Autobiographies d’instituteurs de la
Belle Epoque. Paris, Gallimard, 1967.
15
Pierre Jakez Hélias: Le cheval d’orgueil. Mémoires d’un Breton du pays bigouden.
Paris, Plon, 1975. Id: Le quêteur de mémoire. Paris, Plon, 1990. Emilie Carles:
Une soupe aux herbes sauvages. Paris, Robert Laffont, 1977. E. Carles é
professora primária, P.J. Hélias professor da escola normal; sobre esse último, ver
Jean-Luc Le Cam: “Le parcours de Pierre-Jakez Hélias vu par l’historien de
l’éducation ou La mythologie de l’école républicaine” in: J.-L. Le Cam (Dir.):
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.
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14

O interesse se dirige também sobre as autobiografias e as lembranças


mais antigas; Philippe Lejeune dirigiu uma enquete sobre as
autobiografias dos professores primários16, Mona Ozouf publica, em
1979, sobre a dinastias de professores primários de Sandre17. Por
fim, a história oral aperfeiçoa seu arsenal de métodos visando recolher
e analisar os testemunhos18, enquanto que o Service d’histoire de
l’éducation (INRP-CNRS) lança em 1989 um vasto programa de
constituição de arquivos orais de testemunhas e atores da
educação, desde o início da IVe República francesa (1945-1958)19.
Durante esses anos, a memória foi também investida
pelos historiadores como se depreende de sua produção. As
comemorações que florescem implicam de maneira muito direta a
comunidade dos historiadores, que têm seguidamente a iniciativa e
o controle. Duas comemorações foram particularmente marcantes,
a ponto de suscitar não somente inúmeros colóquios e publicações,
mas também obras consagradas… ao fenômeno comemorativo ele
mesmo: os mil anos da dinastia dos Capetos (1987) e o
bicentenário da Revolução francesa (1989). Este último
comportou vários eventos consagrados ao ensino, notadamente às
grandes criações revolucionárias (Escola normal, Escola
politécnica, Conservatório nacional de Artes e Ofícios…), cujas
comemorações se escalonaram até 1995 com colóquios e publicações

Hélias et les siens. Helias hag e dud. Brest, Université de Bretagne occidentale,
2001, pp. 87-113.
16
Philippe Lejeune: “Les instituteurs du XIXe siècle racontent leur vie”, suivi
d’un “Répertoire des autobiographies écrites en France au XIXe siècle: vies
d’instituteurs”, Histoire de l’éducation, janvier 1985, pp. 53-104.
17
Mona Ozouf: La classe ininterrompue. Cahiers de la famille Sandre, enseignants,
1780-1960. Paris, Hachette, 1979.
18
O nascimento da história oral é recordado em Florence Descamps: L’historien,
l’archiviste et le magnétophone. De la constitution de la source orale à son exploitation.
Paris, Comité pour l’histoire économique et financière de la France, 2001.
19
Marie-Thérèse Frank: “Pour une histoire orale de l’éducation en France
depuis 1945”, Histoire de l’éducation, janvier 1992, pp. 13-40.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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15

assinadas por alguns dos melhores especialistas, como Dominique


Julia, Jean-François Sirinelli, André Grelon ou Bruno Belhoste20. O
ensino foi também objeto de comemorações específicas, como o
centenário das leis de Jules Ferry (1981) ou do ensino técnico
(1987), este último de uma pertinência histórica duvidosa, o ensino
técnico francês é evidentemente muito mais antigo, porém
significativo, por isso mesmo, a febre comemorativa da época.
Dois grandes paradigmas estruturam então as relações entre
história e memória. O primeiro é o da nação. A construção da
Europa, antes mesmo da aceleração e o aumento dos fluxos
migratórios que induziram a mundialização, já coloca em discussão o
etnocentrismo mais ou menos agressivo que a idéia de nação pudesse
implicar anteriormente. Mas se o estigma cada vez mais da escola
como «uma máquina de moldar as almas à semelhança da França»21,
o uso que P. Nora ou F. Braudel fizeram dos conceitos de nação e de
identidade nacional é de fato puro, isento de exaltação como de
deploração do passado: trata-se de compreender como dimensões
essenciais de uma história coletiva.
O segundo paradigma é aquele da classe social. Esse é um
objeto e uma ferramenta de análise para a pesquisa histórica, como
tem sido o caso desde dois ou três séculos, com ou sem os
pressupostos teóricos e os objetivos políticos que lhe deram o
marxismo. Interrogar a «memória do operário» como a «memória do
professor» se inscreve diretamente no prolongamento da história
social clássica, em que são respeitados os esquemas de
contextualização, quer sejam econômicos – a revolução industrial, a
ascensão das classes médias, o fim dos camponeses…–, políticos ou
socioculturais – lutas sindicais, engajamentos, solidariedades,

20
A revista Histoire de l’éducation consagrou, entre 1990 e 1992, vários boletins
críticos às publicações sobre essas comemorações que ocorreram. Encontra-se
uma série de reflexões sobre o fenômeno comemorativo em Maurice Agulhon et
alii: 1789. La commémoration. Paris, Gallimard, 1999.
21
Segundo a expressão citada por Maurice Crubellier, La mémoire des Français.
Recherches d’histoire culturelle. Paris, Veyrier, 1991.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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16

sociabilidades… No espírito desde de 1968, seu próprio


engajamento conduz os historiadores a se interessar mais
particularmente à na memória daqueles que acusam a história
universitária de ter «reduzido ao silêncio» ou «excluído da palavra»: o
povo, as mulheres, os marginais; mas suas pesquisas respeitam em
geral as exigências do método histórico e, especialmente, a
necessidade de cruzar os dados da memória, escritas ou orais, com as
fontes valorizadas pelos historiadores tradicionais, as quais deram um
enriquecimento real.
A história da educação está ligada naturalmente nesse
quadro. A memória dos professores primários é analisada como
aquela dos mediadores culturais entre os meios populares e as classes
médias, aquela dos militantes sindicais ou associativos como um
componente do movimento social. Investigamos a memória dos filhos
de camponeses, de operários ou de burgueses para compreender a
maneira que a escola e a educação familiar lhes inculcou os habitus de
classe, ou os signos de resistência a essa inculcação. A memória das
mulheres, as quais começamos a se interessar especificamente para
por fim o « silêncio » em que elas foram reduzidas, é interrogada sob
o duplo aspecto de gênero e de meio social onde elas foram educadas,
a burguesia mais seguidamente, por razões de fontes22. Isso não
impedede que a tese da ocultação da memória dos débeis e das vítimas
pela história anuncie o fim do idílio, e o retorno que vem em seguida.

2 História versus memória

As relações entre história e memória são ainda hoje


conflitantes, ao ponto que não dá conta mais dos apelos dos

22
Desde o fim dos anos de 1970, os diários femininos foram naturalmente
objeto de edições acadêmicas, como o de Caroline Brame, do Segundo Império,
editado por Michelle Perrot e Georges Ribeill (Paris, Montalba, 1985). Quanto à
memória oral de mulheres, ela é de hoje em diante julgada «indispensável a toda
pesquisa da história viva do nosso século». Cf. a brochura Histoire orale et histoire
des femmes. Table ronde, 16 octobre 1981, Paris, IHTP-CNRS, 1982.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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17

historiadores ao «dever da história» contra o «dever da memória»


que atraiu na época. Um grupo de eminentes historiadores de
todas as especialidadess assinou, em 12 de dezembro de 2005,
uma petição intitulada «liberdade para a história» lembrando
solenemente, entre outras, que «a história não é memória»…23.
Em seus recentes escritos, os historiadores da educação evocam
também «a memória bricolage», «a memória contra a história», «a
tensão entre memória e história»24.
Esses apelos traduzem a irritação, a consternação, a
franca inquietude que hoje experimentam os historiadores. A
inquietude é, sobretudo, dos especialistas em história política e
social. Esses últimos são particularmente visados pelos lobistas da
memória que, desde alguns anos, levam diretamente sua visão do
passado para o parlamento, sem passar pelo setor da história.
Escritora e membro do Conselho de Estado, Françoise
Chandernagor recentemente assinalou que, apesar das leis
memoriais votadas pelo parlamento francês sobre a escravatura
(2001), a colonização (2005) ou o genocídio armeniano (2001 e
2006) «violarem deliberadamente» a Constituição (nos seus artigos
34 e 37), uma dezena de outros projetos da mesma natureza estão
depositados na secretaria da Assembléia Nacional25. Essas disputas
são de outra natureza, a história da educação está longe de ser
ameaçada da mesma maneira pela usurpação da memória, nas suas
injunções éticas ou legais. Mas a questão da relação entre história
e memória se impõe igualmente aos historiadores especializados

23
Em 5 janeiro de 2009, essa expressão aparece 2070 vezes, em uma pesquisa
feita na internet no Google…
24
Cf., por exemplo, Marie-Madeleine Compère, Philippe Savoie: “L’histoire de l’école
et de ce qu’on y apprend”, Revue française de pédagogie, juillet 2005, pp. 107-146.
25
Françoise Chandernagor: “Historiens, changez de métier!” L’histoire, février
2007, pp. 54-61. desde então, e sob a pressão dos historiadores, um relatório
parlamentar intitulado “Rassembler la nation autour d’une mémoire partagée”,
diferido em 18 novembro de 2008, recomendou por fim a votação das leis
memorialísticas no parlamento.

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neste campo, preocupados com a distância existente entre as


representações mais ou menos coletivas do passado da educação e
os resultados das pesquisas que dirigem por tentarem aumentar o
conhecimento que a sociedade pode ter.
Desde a metade do século XIX, antes mesmo da Terceira
República, a história da educação se constrói sobre a idéia de
progresso. Assim foi vista pelos governantes do Estado, pelos
pedagogos, pelos professores sempre melhor formados, permitindo
que as crianças, cada vez em maior número, realizem seus estudos,
cada vez mais obrigados. Naturalmente, essa exaltação tem sido
objeto de controvérsias, de questionamentos, de reinterpretações
que têm estimulado e progredido a pesquisa; especialmente para os
anos de 1870-1900, quando as intensas lutas entre os ideólogos
clericais e republicanos suscitaram uma primeira idade do ouro da
história da educação. Mas justamente nos anos de 1980, essa
discussão abalou o alicerce de uma memória largamente
compartilhada, ao menos pelos atores do serviço público de ensino
e identificados aos grandes episódios fundadores (a Revolução de
1789, os momentos Guizot (1833), Duruy (1863), Ferry (1879)
ou Zay (1936)…), seus protagonistas, individuais ou coletivos
(grandes pedagogos, os «hussards noirs de la République»26,
militantes da Educação nova…) e aqueles que foram,
inegavalmente, os beneficários: burgueses, classes médias,
operários e camponeses.
Depois de quase vinte anos, o fio dessa grande idéia do
progresso se rompeu. A primeira razão deriva do sistema educativo
ele mesmo. Nele encontram-se problemas especialmente inéditos
que, não tendo equivalente no passado, procuram encontrar na
memória referências que ela tem a função de oferecer: violências
endêmicas em certas escolas, entre alunos ou contra professores,
vandalismo, perda de crença no valor dos diplomas fornecidos e,

26
Segundo a expressão de Charles Péguy designando os jovens estudantes
dasescolas normais de professores primários (L’Argent, 1913), e que é desde
então ritualmente citado.

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mais importante, a falta de sentido do trabalho escolar e dos


estudos, ao menos para uma fração significativa da população
escolarizada.
Uma mesma descontinuidade se observa no uso das
fontes de análise da educação. Já evocamos as questões ligadas à
memória da nação. Em educação, mais precisamente, se opera
uma fragmentação e um alargamento simultâneos dos quadros
espaciais e institucionais nos quais funcionam ou se observam o
sistema educativo27; que induzem uma ampla ruptura com a
dimensão essencialmente nacional na qual é estudado o passado da
educação e construída sua memória.
Um outro conceito chave de análise histórica se dilui: é
o de classe social. Camponeses, operários, artesãos, classes médias,
pequenos ou grandes proprietários, estão definidos, não somente
pelos nível de renda e de relações sociais de produção, mas por um
conjunto de traços que caracterizam propriamente uma cultura:
constitutivo dessa cultura, a concepção de família e das relações
entre os sexos, a ética religiosa ou a moral profissional, que podem
ser colocados antes para explicar as relações dessas classes com a
instrução28. O conceito sociológico de habitus de classe, que foi

27
Paralelamente à esses níveis de decisão tradicionais (Ministério, academias ou
departamento, estabelecimentos), o sistema educativo francês compreende
também as «zonas», as «redes» ou os «polos» de extensão e de natureza diversa; ao
contrário, as instâncias ou organizações internacionais (Comunidade Européia,
OCDE, universidade de Shanghai…) introduzem nesse sistema de
recomendações ou de princípios de avaliação, classificação, que dissipam
amplamente a iniciativa dos responsáveis pela educação nacional.
28
Sobre as aspirações da classe operária, ver por exemplo Georges Duveau: La
pensée ouvrière sur l’éducation pendant la Seconde République et le Second Empire.
Paris, Domat-Montchrétien, 1947; Maurice Dommanget: Les Grands socialistes
et l’éducation. Paris, Colin, 1970; Jean Jaurès: De l’éducation. Anthologie. Introd.
de Gilles Candar. Paris, Syllepse, 2005. Do mesmo modo ou inversamente, os
historiadores são seguidamente apegados a mostrar – de uma maneira mais ou
menos convincente segundo nós, mas pouco importa: ao menos a discussão é
possível – a resistência especificamente opõe para camponeses à escolarização de
seus filhos, até o século XIX inclusive. Quanto à sobredeterminação religiosa das
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20

posto para o mercado por Pierre Bourdieu29, pode ainda reenviar a


uma história, familiar ou coletiva: a dos processos educativos que
visam à incorporação individual de disposições permanentes. A
oposição dicotômica entre «meios desfavorecidos» e «favorecidos»,
onipresente hoje nos discursos para caracterizar aquilo que é
convencionalmente chamado os «públicos» da escola, é privada de
tudo isso. Os «meios desfavorecidos» não se definem que pelas
ausências e lacunas. Os termos de «meio» e de «favorecido», que
pertencem respectivamente a registros geográficos e religiosos
particularmente apagados, são desprovidos de toda densidade
histórica, qual seja individual ou coletiva: é, portanto, inútil
procurar no passado próximo ou longínquo o que permite
compreender as relações que hoje mantêm esses «meios» com a
escola e a instrução.
O abandono dos antigos paradigmas de análise é
logicamente acompanhado de uma revolução linguística. É um
verdadeiro dilúvio de neologismos que se abatem sobre a educação
nestes vinte anos, ocorrido mais nas ciências sociais que nos
administradores do sistema. Sabemos o lugar que a compreensão
justa do léxico e da língua tem no método histórico e os riscos do
anacronismo ou da falsa familiaridade que o desconhecimento do
vocabulário, historicamente contextualizado, pode induzir na
memória coletiva, a da educação em particular30. Esse perigo é um
fato clássico e, podemos dizer, constitutivo das tensões entre
memória e história. A ilusão da polissemia que caracteriza

relações sociais na escola e na instrução, ela é de fato, na linha de Max Weber,


objeto de uma abundante literatura histórica interessada nas especificidades das
populações católicas, protestantes ou judaicas nesse domínio. É especialmente
uma das problemáticas de François Furet, Jacques Ozouf (Dir.): Lire et écrire.
L’alphabétisation des Français de Calvin à Jules Ferry. Paris, Editions de Minuit,
1977, 2 vol.
29
Pierre Bourdieu: Le sens pratique. Paris, Editions de Minuit, 1980.
30
A importância dessa questão fou assinalada por Charles-Victor Langlois,
Charles Seignobos: Introduction aux études historiques, Paris, Hachette, 1897.

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historicamente as palavras de colégio, de bacharelado, de


universidade ou as de redação, de classe, de curso magistral, todas
em uso muito claro hoje, mas que são historicamente de falsos
amigos. Ou, inversamente, a terminologia que designa as
instituições ou as práticas educativas hoje desaparecidas (preleção,
sala de asilo, lições de coisas…) em que a compreensão exige um
grande esforço de reconstrução do saber.
O recurso massivo ao neologismo e à renomear,
observado nos últimos vinte anos, complica singularmente as
relações entre história e memória. Exite ruptura ou continuidade
entre os que antigamente denominavam gazetear a aula ou o
absenteísmo, e os que nomeiam doravante como abandono e
desfiliação? Entre as atitudes, o gosto do trabalho e da relação com
o saber? Entre a cabula e as vítimas do fracasso escolar? Entre as
aprendizagens elementares, a socialização e o alicerce comum de
conhecimentos, de competências e de atitudes? Entre a indisciplina,
as algazarras, as revoltas estudantis e as recentes incivilidades
cometidas pelas crianças frágeis nos estabelecimentos sensíveis dos
bairros difíceis, degradados ou relegados? Não é seguro que o
historiador da educação consciente fazer servir a história à
compreensão do presente, nem o educador ou o professor procurar
no passado um esclarecimento aos seus problemas, disponha de
uma tabela de equivalência ou de um glossário bilíngue necessários
para responder suas questões. O que seja deliberadamente visado
ou acidentalmente esperado, o resultado dessas denominações ou
renomeações é, nesse caso, de aumentar a distância entre memória
e história da educação que constatamos hoje.

3 Pesquisa histórica e preservação da memória

Os historiadores da educação trabalham hoje segundo


duas grandes orientações. Uma é a da história geral, política,
social, religiosa ou cultural, em que respeitam as grades de
questionamento e os grandes paradigmas de pesquisa. A outra
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22

parte, mais dos problemas atuais do sistema educativo, em que os


pesquisadores procuram analisar a origem e as evoluções, antigas
ou recentes. As duas orientações não são contraditórias.
Pelos temas e objetos que abarca, a segunda orientação é
portanto mais próxima das preocupações dos atores da educação,
em primeiro lugar os formadores e os professores. Isso explica, por
exemplo, o dinamismo muito particular que tem conhecido, depois
de duas ou três décadas, a história das disciplinas de ensino, a qual
tem fortemente contribuído, ao lado das histórias de formação, os
representantes da cada uma das disciplinas concernentes, sejam
literárias ou científicas.
Mas mesmo as questões que tocam mais diretamente o
exercício de seu metier, a integração do resultado das pesquisas
históricas na cultura profissional dos professores coloca problemas.
Os «hussards noirs», que J. Ozouf interrogou a memória, tiveram
uma visão do seu ofício fortemente apoiada sobre uma história,
mesmo eufemística. Quem são os mestres atuais? Por ocasião de
uma enquete realizada em 2002 em um Instituto universitário de
formação de professores (IUFM) de uma província, interrogamos
os estagiárioa em formação sobre a representação que eles tinham
dos mestres de escolas do passado31. A maioria tem demonstrado
conhecimentos factuais não negligenciáveis sobre essa questão.
Mas, para grande surpresa do entrevistador, o discurso tradicional
estruturado pela passagem do modesto regente de escola, sob o
controle do padre, ao missionário da República e da Civilização,
em seguida, ao professor ou militante defensor do serviço público
de educação, foi despedaçada. Essas figuras sucessivas do passado
se confundem em uma imagem única, aquela do pobre mestre,
respeitado, culto, mas incapaz de ensinar eficazmente por não ser
capaz de formar e «colocar a criança no centro da aprendizagem»
no lugar de ser «transmissor» e de ensinar «frontalmente».

31
Pierre Caspard: “A profissão docente – entre historia e memória. Uma
pesquisa em um Instituto Francês de formação de professores”. Historia da
educação, setembro 2002, pp. 5-16.

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23

Recorrente nas respostas são esses pobres estereótipos verbais que


estruturam as memórias dos estagiários do IUFM e não lhes
permite distinguir um «antes» e um «após» a lei de orientação que,
em 1989, reformou o ensino e celebrou, para eles, a figura do ano
1 de sua «profissionalização».
Esta estruturação da memória da educação entre um
«outrora» e um «doravante» passa amplamente do grupo
profissional dos professores. Sob uma maneira explícita ou
simplesmente subliminar, ela é recorrente nos discursos mais
políticos que midiáticos e frequentemente presente nas invocações
da história feitas pelas outras ciências sociais que se interessam
pela educação. Daremos tão somente um exemplo que, sobre uma
questão de importância maior, é particularmente representativo da
maneira como é forjada sob nossos olhos uma memória da
educação tirada do saber histórico constituído: refere-se à
evocação, reiterada e ritual depois de uma quinzena de anos, da
«pane do elevador social»32. Que a mobilidade social seja hoje mais
ou menos forte que durante as décadas precedentes é uma questão
complexa sobre a qual a história da educação não pode se
pronunciar, apesar de tentar. Não tem a mesma correlação
explicitamente estabelecida por toda nova vulgata memorialística
com os problemas da escola atual: a perda de sentido que sofre, o
«tempo morto no desejo do saber» (J.F. Lyotard) que conhece, é
uma das maiores causas da ruptura do «pacto» que a República
teve outrora com cada pequeno Francês e da «promessa» que fez:
freqüentar a escola será «garantia» de subir na ascensão social,
hoje em pane.
O que nos diz em realidade a história, isto é, sobre essa
questão? Lembraremos algumas balizas. 1. A ascensão social
começa na França em torno do século XI; é um lugar comum
historiográfico depois ao menos de Guizot e Tocqueville, um dos

32
Encontramos uma amostra de que isso é um verdadeiro memorial vulgar
percorrendo algumas… 80 000 citações da expressão «pane da ascensão social» as
quais se encontra na pesquisa realizada no Google no início de 2009.

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24

mecanismos de ascensão mais eficazes foi a Igreja, em razão dos


numerosos rendimentos, prebendas e benefícios que pode ofertar
aqueles que possuíam um mínimo de instrução. 2. Uma brusca
aceleração da ascensão é produzida no século XVIII, sob a
monarquia absoluta. A escolarização, a alfabetização e a
modernização da agricultura, do comércio e da indústria progridem
nesse momento igualmente, a ponto que, desde o início do século,
Montesquieu admira «as revoluções que elevam o pobre, com asas
rápidas, acumular riquezas»33. Durante esse tempo, muitos dos mais
eminentes representantes das Luzes (Voltaire, Rousseau…)
demandam que é muito razoável instruir o povo… 3. A IIIe
République (1870-1940) não prometeu jamais uma promoção
social massiva aos escolares, que acolheu gratuita, laica e
obrigatoriamente. É suficiente ler os capítulos consagrados à
instrução e à escola nos mauais de instrução cívica da época para ver
que, ao contrário, recomendam prudência contra as ilusões
perigosas e as ambições descabidas. 4. A aceleração mais sensível da
ascensão social durante os «Trinta gloriosos» (1945-1973) resultou
de uma recuperação parcial dos Trinta desastrosos que o
precederam; esses últimos não deram lugar a nenhuma perda de
sentido da escola para os alunos e as famílias, pelo contrário,
absorveram nas regiões industriais a forte população imigrada do
Norte ou da Lorraine, por exemplo. 5. As crianças do Baby boom
não tiveram mais consciência de se engajar nos Trinta gloriosos do
que os cavaleiros da Idade Média não tiveram de partir para a guerra
dos Cem anos, segundo o duplo anacronismo que ilude os
historiadores sempre; as perspectivas de mobilidade social não são
suficientes para explicar suas motivações escolares nos anos
imediatos do após guerra. Mesmo sumariamente esboçado, a
história da escola como ascensão social contradiz significativamente
a memória refletida que ativa só o diagnóstico da «pane» desse

33
Montesquieu: Lettres persanes, 1721. Um estudo de caso concernente a esse
período em Pierre Caspard: “L’école, les ouvriers et les ouvrières. Quel ascenseur
social au Siècle des Lumières?” (a publicar, início de 2009).

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25

mecanismo de ascensão e seus efeitos sobre o sentido do trabalho


escolar.
Os exemplos podem ser multiplicados em seus
descompassos ou contradições entre memória e história da
educação. Nos anos de 1980, Mona Ozouf já havia qualificado a
memória de «mercado das pulgas» em que cada um pode criticar
uma idéia, uma tese, uma desculpa. Depois, a situação é mais
agravada, por razões que estão ligadas, como vimos, à evolução
recente da escola e dos paradigmas de sua análise, outras à
pesquisa histórica e às condições nas quais ele se exerce.
Desde os anos 1960, a história da educação tem
consideravelmente desenvolvido a inteligência coletiva do domínio
que estuda, mas ao preço de uma divisão de trabalho que induz a
um esmigalhamento e à uma multiplicação incessante de seus
objetos de pesquisa. À história política e institucional que
constitui, com aquela das idéias pedagógicas, o essencial da
pesquisa, depois do século XIX, se junta à história social do ensino
e de seus conteúdos, que sublinhamos o particular dinamismo.
Mesmos os historiadores da educação têm dificuldade hoje de
abraçar o conjunto da produção de seu domínio, mesmo para um
dado período; a fortiori levar em conta as longas evoluções é muito
árduo, é particularmente problemático para os contemporâneos,
frequentemente condenados a ignorar ou esquematizar as
revoluções anteriores à Revolução. Assim, não é surpreendente que
os não-historiadores têm ainda dificuldade de encontrar no que
escrevem os historiadores as idéias fortes e justas para poderem
expor suas análises ou esclarecer seus problemas com a
profundidade de campo necessárias. Da mesma forma, a tendência
natural dos historiadores os leva a complexificar as coisas que a
simplificar. Marc Bloch assinala o já dito por Charles Seignobos:
«É muito útil por questões, mas... muito perigoso respondê-las!»34.
A brincadeira com razão evoca um certo ethos historiador. O
problema é que os atores da educação esperam o quase o oposto…

34
Citado por Antoine Prost: Douze leçons sur l’histoire. Paris, Seuil, 1996.
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Fazer servir a história da educação à cultura dos seus


atores é, da mesma maneira, muito árduo, ao contrário da
situação que ocorre em muitos países, ela é, na França, pouco
ensinada na universidade ou nos locais de formação de professores.
Isso não promove a redação de manuais ou de obras de síntese
suscetíveis de resgatar as linhas fortes da pesquisa para um público
não especializado, e especialmente aos futuros professores; é
significativo que as grandes obras de síntese, ainda as mais
utilizadas em 2009, foram publicados nos anos 197035. Por
outras vias colocam-se igualmente problemas. Os lindos livros
ilustrados sobre a escola, a infância são suscetíveis de vulgarizar
agradavelmente o estado do conhecimento, trazendo traços
materiais do passado. Eles são editados em quantidade e
conhecem, perto do Natal especialmente, uma difusão apreciável
que visa e toca um público bem mais amplo que aquele dos livros
de história36. Isso não é excepcional37, essas obras têm somente a

35
É o caso daqueles que permanecem em 2009, os très manuais de base, isto é,
Antoine Prost: L’enseignement en France, 1800-1967. Paris, Colin, 1968; Roger
Chartier, Marie-Madeleine Compère, Dominique Julia: L’éducation en France du
XVIe au XVIIIe siècle. Paris, SEDES-CDU, 1976; Louis-Henri Parias (Dir.):
Histoire générale de l’enseignement et de l’éducation en France. Paris, Nouvelle
Librairie de France, 1981, 4 vol; o fato desses quatro últimos volumes ainda
serem editados no formato de livro de bolso, sem mudança de seu conteúdo,
expressam a dificuldade de redigir novas sínteses integrando as aquisições da
pesquisa depois de um quarto de século.
36
Testemunho de uma observação feita em 31 de dezembro de 2008 em uma das
mais importantes livrarias de Paris, la FNAC-Italie. A estante « pedagogia »
apresenta pelo menos doze obras « memoriais », alternando luxuosamente, para a
maioria, fotos, documentos e ilustrações de época em papel couché colorida e com
capa encadernada; os títulos são evocadores: Le temps de l’encre, Sur les murs de la
classe, Les écoliers d’hier et leurs instituteurs, Carnets de dictées, Carnets de leçons de
choses, Cahiers de l’école rurale, Cahiers de récitations, Cahiers de mathématiques, Nos
années baccalauréat, Paroles d’enfance, Mémoire de maîtres, paroles d’élèves, Manuel de
l’instituteur primaire. 1831. A maioria remete aos anos de 1880 à 1950. Esses
álbuns estão próximos a outras quinze obras de reflexão sobre a escola, os quais
afirmam – para resumir o título ou o espírito – que ela está abandonada, em
questão, sob influência, louca, acabada, desprovida de sentido, cretinismo, ineficaz,
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27

ambição de suscitar um sentimento de nostalgia confortanto os


esteriótipos memoriais os mais rudimentares.
Da mesma forma, podemos ir aos museus de educação
ou da escola, que imaginamos serem por excelência lugares de
memória. Como todos os grandes países, a França conta com
dezenas, mas sua função patrimonial e memorial vai raramente
além da celebração infinita da escola da IIIe República, suas mesas
em madeira, seus manuais antigos, os cadernos bem guardados,
para contrastar com a miséria e a ineficácia da escola anterior,
como com os problemas da escola atual. Todo o período de pós-
guerra, com a preparação da crise da escolarização de massa, é
amplamente ausente do que propõem para ser olhado. Por outro
lado, a educação, processo eminentemente espiritual, pode ser
realmente dado a ver? Os tesouros das catedrais, com seus
ostensórios e seus excessos de sobrepeliz, nos dizem alguma coisa
sobre a Igreja, mas nada sobre fé, e menos ainda sobre a salvação.

*
* *
As condições nas quais se escreve hoje a história da
educação são problemáticas. De um lado, não param de
multiplicar seus temas ou objetos de pesquisa e de afinar seus
métodos de análise, procurando por sua vez uma legitimidade
inédita no interior do campo de pesquisa histórica como aos olhos
das ciências sociais vizinhas. Por outro lado, há um afastamento

desprovida, impotente, demissionária, anarquista, impossível, à agonia ou à queda.


É a escola atual que julgam essas obras, mais por confrontação, não explícita, nem
subliminar, com um passado mítico e magnífico, os quais ilustram os luxuosos
álbuns memoriais citados acima. Observando, a mesma livraria apresenta em tudo e
por tudo um só livro de história da educação, consagrado às pedagogas mulheres. A
relação de forças numérica entre esses três tipos de obras ilustra muito bem o
contexto memorial no qual trabalham hoje os historiadores da educação.
37
Jean-Noël Luc, Gilbert Nicolas: Le temps de l’école. De la maternelle au lycée,
1880-1960. Paris, Ed. du Chêne, 2006.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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considerável entre as análises que se faz do passado e os


estereótipos memoriais os mais conhecidos, inclusive pelos atores
do mundo educativo. A diferença reside em um fato facilmente
compreensível. Para fornecer as referências que demandam, para
evocar ou invocar o passado basta a memória; não garante o
conhecimento das evoluções e da compreensão da mudança, que
são objetos próprios da história. Isso pode ter alguma relação com
a capacidade dos sistemas educativos para reformar-se, e levantar a
questão do lugar da história na cultura profissional de seu atores.

Pierre Caspard é diretor de pesquisas em História. Desde 1977,


dirige o Service d’histoire de l’éducation do Institut national de
recherche pédagogique (SHE/INRP), e é um dos editores da
revista Histoire de l’éducation. Suas pesquisas tratam especialmente
da história social do ensino na época moderna, na Suíça e na
França. E-mail: pierre.caspard@inrp.fr.
Maria Helena Camara Bastos é professora Titular em História
da Educação. Atualmente é professora da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora CNPq. Atua na
área História da Educação, com pesquisasnos seguintes temas:
ensino laico e liberdade do ensino no século XIX; história de
impressos de educação e de ensino; livros, leitura e leitores na
escola brasileira. E-mail: mhbastos@pucrs.br

Data de recebimento: 15/01/2009


Data de aceite: 20/02/2009

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 9-28, Maio/Ago 2009.


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APONTAMENTOS EM RELAÇÃO ÀS FORMAS
DE TRATAMENTO DOS NEGROS PELA
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Marcus Vinícius Fonseca

Resumo
Este artigo tem como objetivo reunir parte da bibliografia sobre os
negros na historiografia educacional tentando destacar as principais
características da produção que ocorre nesta área. Confere destaque a
um posicionamento que mais recentemente começa a reivindicar a
constituição de uma dimensão particular da historiografia e que
deveria se constituir como uma história da educação dos negros. O
artigo procura demonstrar os riscos inerentes a este tipo de operação
no âmbito da historiografia educacional brasileira e defende a
necessidade de uma mudança de postura dos historiadores no sentido
de integrar de forma plena os negros à história da educação.
Palavras-chave: história da educação; negros; bibliografia;
historiografia

REPORTS RELATING TO THE FORMS OF BLACK


PEOPLE’S TREATMENT THROUGH THE HISTORY OF
EDUCATION
Abstract
This article has as its aim to assemble a part of the bibliography on
black people in the educational historiography attempting to
highlight the main features of production that occurs in this field.
Attention is given on the position that recently has claimed for a
constitution of a particular dimension of historiography and it should
be built as a history of black people education. This paper is also
looking for to demonstrate the inner risks related to this sort of
operation in the field of Brazilian Educational Historiography and it
advocates a need for change in the posture of historians in the sense
of integrating the black people to the educational history effectively.
Keywords: history of education; black people; bibliography;
historiography.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009.


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30
APUNTES EN RELACIÓN A LAS FORMAS DE
TRATAMIENTO DE LOS NEGROS POR LA HISTÓRIA
DE LA EDUCACIÓN
Resumen
Este artículo tiene como objetivo reunir parte de la bibliografia sobre
los negros en la historiografia educacional tratando de destacar las
principales características de la producción que ocurre en esta área.
Confiere destaque a un posicionamiento que más recientemente
comienza a reivindicar la constitución de una dimensión particular de
la historiografia y que debería ser constituída como una história de la
educación de los negros. El artículo procura demostrar los riesgos
inherentes a este tipo de operación en el ámbito de la historiografia
educacional brasilera y defiende la necesidad de una mudanza de
postura de los historiadores en el sentido de integrar de forma plena a
los negros a la historia de la educación.
Palabras clave: historia de la educación; negros; bibliografia;
historiografia

NOTES SUR LES FORMES DE TRAITEMENT DES


NOIRS PAR L’HISTOIRE DE L’ÉDUCATION
Résumé
Cet article a pour but de réunir une partie de la bibliographie sur les
noirs dans l’historiographie de l’éducation afin de mettre en relief les
caractéristiques principales de la production dans ce domaine. On
observe une position qui commence plus récemment à révendiquer la
constitution d’une dimension particulière de l’historiographie c’est à
dire une histoire de l’éducation des noirs. L’on cherche à montrer les
risques concernant ce type d’opération dans le contexte de
l’historiographie de l’éducation brésilienne et on défend la nécessité
d’un changement de position des historiens de façon à intégrer
pleinement les noirs à l’histoire de l’éducation.
Mots-Clés: histoire de l’éducation; noirs; bibliographie;
historiographie

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009.


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Introdução

Este artigo reúne parte da bibliografia mais recente sobre


os negros na história da educação tentando detectar os caminhos
percorridos por esta produção e alguns aspectos relativos às
dificuldades de incorporação deste tema no espectro mais geral da
historiografia educacional. Em relação a esta última questão,
confere destaque ao posicionamento de alguns pesquisadores que
reivindicam a necessidade do surgimento de uma dimensão
específica da historiografia que é denominada de história da
educação dos negros.
Estabelecemos algumas considerações em relação às
motivações que são apresentadas para que a produção sobre o
assunto seja reunida nesta dimensão específica da história e em
seguida tentamos demonstrar os riscos inerentes a este ato. Por
outro lado, procuramos destacar a necessidade de uma circulação
maior dos trabalhos relativos à população negra em meio aos
pesquisadores da área e a necessidade de uma incorporação plena
dos negros às narrativas construídas com objetivo de interpretar o
desenvolvimento histórico dos processos educacionais.
Portanto, este artigo não tem a pretensão de ser uma
revisão bibliográfica sobre o tema e nem tampouco um balanço
geral sobre a produção que vem ocorrendo nas últimas décadas.
Trata-se de uma tentativa de apontar alguns problemas que são
decorrentes das dificuldades apresentadas pela historiografia
educacional para incorporar a população negra em suas
interpretações relativas à sociedade brasileira.

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O processo de tematização dos negros


na história da educação

As questões relativas à população negra ganharam


destaque nos debates educacionais que passaram a ocorrer a partir
dos anos de 1980. Neste debate ela era freqüentemente
caracterizada por uma ênfase em análises sociológicas que
procuravam demonstrar os padrões de desigualdade que
acompanhavam a experiência de negros e brancos na educação
brasileira. A compreensão quanto a esta diferença foi um elemento
importante para conscientização acerca da reprodução das
desigualdades raciais e também para a construção de um
movimento que objetivava levar os pesquisadores educacionais a
reconhecer a importância da categoria raça para compreensão de
aspectos relativos à sociedade brasileira.
Este debate durou cerca de duas décadas e obteve
avanços em meio aos pesquisadores, que em parte passaram a
admitir a pertinência da categoria raça como instrumento de
análise. Este reconhecimento possibilitou mudanças em relação às
práticas educativas e fomentou o surgimento de pesquisas que
ampliaram o nível de entendimento sobre o assunto chegando
mesmo a revelar que a questão racial é um elemento estruturante
da realidade social brasileira e por isso participaria com intensidade
do processo educacional.
A história da educação não acompanhou de perto este
movimento e ainda não há clareza quanto à importância da
categoria raça – e dentro dela a população negra - como elemento
a ser utilizados pelos pesquisadores desta área. Nos anos de 1990,
surgiram as primeiras críticas sobre a indiferença dos
pesquisadores da área em relação a esta temática que ainda
continua a ter um lugar periférico na produção da maioria dos
historiadores que investigam a questão educacional.
Em Raça e Educação: uma relação incipiente, artigo
publicado em 1992 por Regina Pahim Pinto, encontramos um
balanço geral das pesquisas educacionais que levavam em conta a
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questão racial e uma denúncia quanto ao fato da categoria raça


não ser utilizada pela maioria dos pesquisadores que atuavam na
área da educação. Em meio a esta crítica dirigida aos
pesquisadores da educação como um todo, a autora estabeleceu
algumas considerações específicas sobre a história da educação:

A História da Educação, por sua vez, também vem


ignorando sistematicamente as iniciativas de grupos
negros no campo da educação, tais como a criação de
escolas, centros culturais, seu engajamento em
campanhas de alfabetização visando a população negra,
ou mesmo suas propostas de uma pedagogia que leve em
conta a pluralidade étnica do alunado” (PINTO, 1992,
p. 47).

Mais de uma década depois desta denúncia quanto à


indiferença dos historiadores em relação à temática relativa aos
negros, Mariléia dos Santos Cruz (2005) elaborou uma análise em
que permanece o mesmo sentido crítico apresentado por Regina
Pahim Pinto (1992). Para ela, o final anos de 1990 se
caracterizariam por ser um período em que teria se iniciado uma
abordagem sobre os negros na história da educação, mas esta
produção ainda estaria muito aquém das necessidades colocadas
para a educação brasileira. O número de pesquisas é muito
reduzido e há um sentido específico nesta produção, que, segundo
ela, vem sendo encaminhada sobretudo por pesquisadores afro-
brasileiros. Este fato seria uma demonstração do papel da
subjetividade na produção do conhecimento em história da
educação e também representaria um certo padrão de invisibilidade
no tratamento conferido a este tema:

Apesar de a história da educação brasileira ter funcionado


como um dos veículos de continuísmo da reprodução do
tratamento desigual relegado aos negros na sociedade
brasileira, não se pode negar que existe uma história da
educação e da escolarização das camadas afro-brasileiras.
Essa história tem sido resgatada por pesquisadores,
grande parte afro-descendentes, que têm procurado
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evidenciar informações que retratam as relações


educativas do negro com as escolas oficiais e com o
próprio movimento negro brasileiro. Esses trabalhos têm
sido em sua grande maioria voltados para abordagens de
períodos mais atuais da história. Diante do quadro de
informações sobre a história da educação dos afro-
brasileiros em épocas mais remotas, e principalmente
devido à sua omissão nos conteúdos oficiais da disciplina
História da Educação, torna-se necessário e urgente o
incentivo a pesquisa nesta área (CRUZ, 2005, p. 30).

Entre o ato de ignorar denunciado por Regina Pahim


Pinto, em 1992, e a invisibilidade constatada por Mariléia S.
Cruz, em 2005, temos mais do que uma simples variação
semântica na qualificação da postura dos historiadores da educação
em relação ao tratamento conferido à população negra. Os dois
artigos são separados por mais de uma década e, na verdade,
descrevem um processo que coloca em questão as interpretações
históricas construídas com objetivo de analisar os processos
educacionais.
No início dos anos de 1990, havia por parte dos
historiadores uma atitude sistemática de ignorar a temática racial,
pois, pressupunha-se que a inserção dos negros nos espaços
escolares havia se dado tardiamente. Na história da educação esta
concepção se manifesta através de uma idéia que é reafirmada com
certa freqüência, a de que, no período anterior ao século XX, os
negros não freqüentaram escolas. De um modo geral, acreditava-se
que a população negra havia penetrado nos espaços escolares
apenas após a expansão das escolas públicas, na segunda metade do
século XX. Estas idéias começaram a encontrar uma contestação
nos trabalhos que foram realizados sobre o tema que, como
veremos mais adiante, passaram a demonstrar a presença dos
negros nos mais variados momentos do processo de constituição
da educação e a registrá-los nas mais diversas condições que se
referem ao processo educacional.

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Esta produção não foi plenamente absorvida pelos


pesquisadores da área que passaram a não ignorar totalmente o
tema, mas demonstram uma certa resistência quanto à
operacionalização das análises a partir de uma perspectiva que
incorpore de forma plena a categoria raça. Esta atitude mantém
vivo os marcos tradicionalmente construídos sobre a história da
educação brasileira e promove uma invisibilidade dos negros, pois
alimenta a crença de que, no Brasil, a educação se desenvolveu
sem a construção de um padrão de relações com a questão racial.

Características da produção sobre os negros


na história da educação

A presença dos negros em espaços escolares é um aspecto


central da produção que vem sendo realizada sobre esta temática.
O predomínio deste tema pode ser entendido como uma resposta
ao padrão de invisibilidade que durante muito tempo imperou na
historiografia. Desta forma, a produção que vem sendo realizada
sobre esse assunto aponta para a necessidade de uma revisão da
maneira como a população negra foi tradicionalmente tratada pela
história da educação. O conjunto dos trabalhos produzidos sobre o
tema caminha no sentido de superar uma tradição de
entendimento que promoveu a invisibilidade dos negros apontando
para o fato de que raça não é uma categoria periférica na
construção da sociedade brasileira, mas sim, um elemento
estrutural que se manifesta em todas as sua dimensões, inclusive
na educação.
Este tipo de abordagem pode ser encontrado em
Professoras negras na Primeira República, de Maria Lúcia Muller
(1999). A autora toma como ponto de partida o lugar da raça nas
discussões sobre a constituição da identidade nacional brasileira e
a importância que neste período se atribuía à educação. Em meio
aos discursos sobre a educação, detecta uma importância particular
nas questões relativas ao perfil do magistério, que passou a ser
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dotado de características bem específicas. Entre estas, destaca a


consolidação das mulheres como principais agentes educativos e
uma forte conotação moral que passou a acompanhar a presença
feminina nos espaços escolares.
A partir destas características, Muller (1999) procura
avaliar a presença de mulheres negras na função de professoras e
até que ponto elas se aproximavam do perfil de educadora que foi
construído na época. Constatou que havia professoras negras nas
escolas do Rio de Janeiro, mas, em função da ausência do registro
do pertencimento racial na documentação, não foi possível
detectar com que regularidade elas ocuparam cargos no magistério.
No entanto, as professoras negras que foram detectadas na
pesquisa de Muller (1999) permitiram a análise de uma série de
conflitos de natureza racial, que são reveladores do distanciamento
das mulheres negras do perfil de professora idealizado na época,
cujo modelo era a mulher branca tida como ideal por suas
qualidades físicas e morais.
Como conseqüência desta preferência pelas mulheres
brancas, constatou que, nos anos de 1920, houve uma série de
procedimentos que foram colocados em curso nas reformas
educacionais do Rio de Janeiro que dificultaram o acesso das
mulheres negras ao magistério. Segundo Muller (1999), este
processo de homogenização do magistério só começaria a ser
revertido a partir da década de 1950, quando houve a expansão
das escolas públicas, que ampliou as possibilidades de escolarização
da população negra em vários níveis.
O período que corresponde à expansão da escola pública
foi tema de uma pesquisa que também se refere à presença de
professoras negras no magistério. Trata-se do trabalho Mulher
negra e magistério primário: a construção da identidade racial pela
representação do outro, de Gláucia Romualdo dos Santos (2000),
que aborda a questão entre os anos de 1963 e 1979, a partir da
escola normal do Instituto de Educação de Minas Gerais (IEMG).
Este trabalho tem como ponto de partida questões
semelhantes às que foram apontadas por Muller (1999), pois,
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procura avaliar a presença de alunas negras na escola normal e sua


relação com uma idéia tradicionalmente construída sobre o perfil
do magistério que foi construído a partir de uma apropriação da
imagem das mulheres brancas.
Segundo Santos (2000), a análise dos dados relativos ao
Instituto de Educação de Minas Gerais confirma a idéia de que
nos anos de 1960 e 1970 havia um número maior de mulheres
negras nas escolas para a formação de professoras. Até os anos de
1960, o Instituto de Educação de Minas Gerais era tido como
uma instituição elitista e, após este período, sua imagem foi
modificada coincidindo com o aumento de mulheres negras em
meio ao seu alunado.
A mudança no perfil das alunas foi acompanhada por
um discurso de desqualificação da instituição. Este discurso não
era explicitamente fundamentado por questões raciais, mas sim,
pelo baixo capital cultural das alunas, sobretudo do ensino
noturno que era freqüentado principalmente por trabalhadoras do
comércio e empregadas domésticas. No entanto, para Santos
(2000) a condição racial das alunas foi um elemento importante
na re-elaboração da imagem da instituição e mesmo nas
transformações mais recentes em torno da imagem das
profissionais do magistério.
Adriana Maria P. da Silva (2000) também tratou da
presença de professores negros em espaços escolares, mas
construiu sua análise a partir da experiência de um mestre de
primeiras letras da Corte do Rio de Janeiro, nos anos de 1850. No
livro Aprender com perfeição e sem coação: uma escola para meninos
pretos e pardos na Corte, Silva (2000) procurou recuperar a
experiência da escola particular de primeiras letras do professor
Pretextato dos Passos e Silva, que se destacou pelo fato de ser
dirigida por um homem negro e por ser freqüentada por alunos
que eram da mesma condição.
Durante o processo de regularização do funcionamento
das escolas da Corte, o referido professor enviou uma série de
documentos ao Inspetor Geral de Instrução Primária e Secundária
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alegando que as crianças de cor eram discriminadas nas aulas dos


professores brancos. Isto justificava a manutenção da sua escola,
pois nela as crianças não eram submetidas a este tipo de
constrangimento por ser ele um professor negro. Para garantir a
continuidade do funcionamento de sua escola, Pretextato
apresentou listas de pais que apoiavam sua iniciativa de manter
uma escola para meninos pretos e pardos, e testemunhos que
avalizavam seu comportamento pessoal e profissional. Há indícios
de que o professor foi bem sucedido em sua iniciativa, pois a escola
comandada por ele funcionou por pelo menos vinte anos, ou seja,
entre os anos de 1850 e 1870.
Neste sentido, a experiência da escola particular
comandada por Pretextato dos Passos e Silva indica a presença de
professores e alunos negros nas escolas de primeiras letras do
século XIX, e também os conflitos que se davam na convivência de
diferentes grupos raciais nos espaços escolares. Revela ainda a
diversidade de experiências educacionais no século XIX e a
anterioridade dos conflitos pedagógicos em torno da questão racial.
A presença de alunos negros nas escolas do século XIX é
um dos temas que vem mobilizando as pesquisas em história da
educação e foi objeto de análise de Cynthia Greive Veiga (2004),
em Crianças negras e mestiças no processo de institucionalização da
instrução elementar, Minas Gerais, século XIX. Este artigo tenta
detectar a presença de crianças não brancas nas escolas mineiras
do século XIX e para isso utiliza um conjunto de documentos que
permitiram à pesquisadora concluir que não havia discriminação
de cor para a matrícula nas aulas de instrução elementar em
Minas, pois não era incomum encontrar crianças negras e
mestiças em meio ao público que gravitava em torno das aulas de
primeiras letras. Apontou também a necessidade de uma
reelaboração teórica da história da educação afirmando a
necessidade das pesquisas colocarem em destaque a diversidade de
sujeitos no interior das escolas. Esta questão é apresentada quando
trata do problema da precariedade das escolas do século XIX:

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Talvez seja possível pensar esses problemas relacionados a


sua clientela, ou seja, alunos pobres, negros e mestiços e
as expectativas e o imaginário produzido pelas elites em
relação às condições de educação desses grupos sociais.
De qualquer forma tem-se como conclusão fundamental
que a história da educação e a história da escola não se
faz sem uma problematização de seus sujeitos, alunos e
professores. (VEIGA, 2004)

A presença de crianças negras nas escolas do século XIX


também foi tema da pesquisa de Surya Aaronovich Pombo de
Barros (2005). Em Negrinhos que por ahi andão: a escolarização da
população negra em São Paulo (1870-1920), Barros (2005) se
propõe a investigar a presença de alunos negros nas escolas
públicas da cidade de São Paulo e as experiências vivenciadas por
este grupo no processo de escolarização. A análise é dirigida em
direção a dois aspectos específicos: o discurso das elites intelectuais
que defendiam a necessidade de escolarização do povo e o interesse
da população negra em ter acesso à cultura letrada.
Em relação ao primeiro aspecto, Barros (2005)
demonstra que o processo de transformação social que se
encontrava em curso na segunda metade do século XIX - que,
entre outras coisas, estava relacionado ao fim da escravidão - deu
origem a um discurso enfático de defesa da educação como
instrumento capaz de disciplinar a sociedade. Uma das dimensões
deste discurso voltava-se especificamente para a população negra,
que era tida como um grupo que necessitava ser submetido à
educação como forma de preparação para sua inserção na
sociedade organizada a partir do trabalho livre. Tal fato tornou
possível um conjunto de políticas que favoreceram a presença de
crianças negras nas escolas de São Paulo.
No entanto, este movimento em favor da escolarização
da população negra não ocorreu sem conflitos, pois esta presença
incomodava alguns professores. Barros (2005) chega mesmo a
citar propostas semelhantes à experiência narrada por Silva
(2000), através da figura do professor Pretextato. Em São Paulo,

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havia casos de professores que se sentiam incomodados com o fato


dos “filhos de africanos” serem educados junto com alunos
brancos. Isto os levou a reivindicar escolas que mantivessem estas
crianças separadas.
Como contraponto desta análise que revela o papel que
as elites atribuíam à educação, Barros (2005) analisa também
uma série de experiências que são reveladoras do interesse da
comunidade negra em se inserir na cultura letrada. Deste modo, a
presença negra nas escolas não se justificaria somente em termos
dos interesses da elite, mas também a partir da percepção e
atuação dos negros que reconheciam a importância da educação
para seu processo de afirmação no espaço social.
Esta questão recebe uma abordagem específica no artigo
A escolarização da população negra na cidade de São Paulo nas
primeiras décadas do século XX, de Zeila de Brito Fabri Demartini
(1989). Ela toma como principal fonte de pesquisa o depoimento
do intelectual negro José Correia Leite, que foi um importante
personagem na organização da imprensa negra que atuou em São
Paulo, na primeira metade do século XX. Através deste
depoimento avalia o comportamento dos negros na concorrência
com outros grupos (principalmente imigrantes) e o papel conferido
à escolarização em meio a este processo.
A análise revela que a educação foi um instrumento
importante na construção das ações desenvolvidas pela
comunidade negra e um elemento de aglutinação das bandeiras de
luta construídas pelas organizações negras paulistas:

Os negros percebiam sua condição de segmento


discriminado na sociedade paulistana, e a situação de
disputa em que se achavam inseridos ao lado de grupos
imigrantes em situação econômica semelhante. Alguns
deles, que passaram a organizar-se em entidades negras,
achavam que o caminho para a ascensão social era a
escola, mas sua própria vivência como elementos
discriminados os levava a cogitar que eles próprios tinham
que batalhar por esta causa. De um lado, porque a
República criava muitas escolas, e muitos negros
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freqüentavam escolas públicas, mas havia entraves


colocados por estas escolas ao processo de escolarização
dos negros pertencentes a famílias mais pobres, ou sem
família; de outro lado, porque verificavam que havia uma
acomodação de parcela desta população às condições
impostas pela escravidão, uma quase aceitação do fato de
não ter seus direitos (como o da escolaridade obrigatória e
gratuita) efetivados. (DEMARTINI, 1989, p.60)

Os mesmos elementos destacados por Barros (2005) e


Demartini (1989) podem ser encontrados na pesquisa de José
Antônio dos Santos (2002) sobre os negros da cidade de Pelotas,
no Rio Grande do Sul, na passagem do século XIX para o século
XX. Em Etnicidade nação e cultura: intelectuais negros – educação e
militância, Santos (2002) utiliza os jornais produzidos pela
imprensa negra pelotense para recuperar a atuação de intelectuais
e o papel que a escolarização desempenhou nas ações em defesa
dos interesses da comunidade negra.
Os jornais exibiam uma série de biografias de
personalidades negras e Santos (2002) as utiliza para demonstrar
como as histórias de vida de negros escolarizados eram
apresentadas com intuito de demarcar a importância da educação
no processo de afirmação na sociedade. As biografias também
foram utilizadas para analisar a dinâmica dos jornais e dos
indivíduos que os construíram, pois estes os fizeram a partir da
apropriação dos códigos utilizados pela elite pelotense, entre os
quais se destacava a valorização da educação como elemento
fundamental no processo de afirmação social. Numa perspectiva
mais ampla, os jornais revelam a importância da educação na luta
dos negros pelotenses que vivenciaram a transição do escravismo
para a sociedade livre.
A relação entre escolarização, intelectuais e entidades
negras é também tematizada no trabalho de Jeruse Romão (2005)
sobre o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro
dos anos de 1940. Em Educação, instrução e alfabetização no teatro
experimental do negro, Romão (2005) resgata a tentativa do TEN

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de interferir na produção cultural através da formação de atores


negros e da promoção de manifestações artísticas que expressassem
a visão de mundo destes indivíduos. As iniciativas do TEN não
estavam restritas às artes e eram articuladas a partir de uma noção
ampla de cultura, o que fazia desse grupo uma organização que
funcionava como uma frente de lutas em torno da questão racial.
Entre as iniciativas levadas a cabo por este grupo, destacavam-se
aquelas que foram construídas com objetivos educacionais. Elas
foram amplas, pois congregaram iniciativas em diversas
dimensões, como criação de escolas, desenvolvimento de uma
pedagogia específica, campanhas contra o racismo das escolas
oficiais, artigos sobre a importância da educação no jornal do
grupo e críticas em relação ao preconceito racial nos livros
didáticos.
As pesquisas em história da educação vêm demonstrando
de forma a presença dos negros nos diferentes momentos de
constituição do processo educacional e têm destacado a sua
presença nas mais variadas funções, ou seja, na condição de
alunos, professores e intelectuais que se ligavam de diferentes
formas à educação.
Além destes trabalhos que resgatam a relação entre os
negros e a educação, há outros que também se preocupam com
este tema, associando-o a aspectos teóricos em relação à história
da educação. Esta questão foi abordada por Eliane Peres (2002)
através de uma problematização sobre as fontes de pesquisa. No
artigo Sob(re) o silêncio das fontes... A trajetória de uma pesquisa em
história da educação no tratamento das questões étnico-raciais ela
analisa a presença de alunos negros em uma escola criada junto a
Biblioteca Pública de Pelotas, no Rio Grande do Sul, no final do
século XIX. Na documentação da escola não havia registro da
condição racial dos alunos e Peres (2002) só conseguiu constatar
a presença dos negros quando cruzou os registros escolares com
outras fontes, como os jornais de entidades negras. O cruzamento
revelou que alguns alunos que passaram pela escola da Biblioteca

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Pública tornaram-se importantes figuras das entidades negras da


cidade de Pelotas.
Segundo Peres (2002), as fontes nem sempre registram
o pertencimento racial dos educandos e isto deve ser tomado como
um desafio pelos pesquisadores, que devem se manter atentos para
superar os limites estabelecidos pelos registros documentais e se
preocupar com a problematização acerca dos sujeitos para os quais
determinadas propostas educacionais eram dirigidas.
A reflexão sobre fontes documentais também é
apresentada no artigo A população negra nos conteúdos ministrados
no curso normal e nas escolas públicas primárias de Pernambuco, de
1919 a 1934, de Lídia Nunes Cunha (2005). A autora elabora
uma análise dos programas de ensino que foram utilizados em
Pernambuco e afirma, a partir da maneira como a questão racial é
tratada neste material, a importância de se levar em consideração o
contexto no qual se inscrevem as práticas educativas, pois, segundo
ela, sempre há referências que permitem compreender aspectos que
se dirigem aos negros.
As questões teóricas também se tornaram objeto de
problematização e foram examinadas a partir de uma crítica ao
tratamento que os negros recebem na historiografia educacional
brasileira. No artigo A arte de construir invisível: o negro na
historiografia educacional brasileira, Marcus V. Fonseca (2007)
elaborou uma análise que procura elucidar as formas de
tratamento dos negros na história da educação. Para isso, utiliza
como referência as diferentes configurações que a disciplina
recebeu ao longo do seu processo de estabelecimento destacando
que desde de seu surgimento, nos anos de 1940, a história da
educação tem se caracterizado por uma ausência de
reconhecimento dos negros como sujeitos, tendendo a tratá-los
apenas na condição de escravos e, em conseqüência disso, sem
relações com os processos de educação formal. O artigo procura
demonstrar como esta percepção é problemática e aponta para a
necessidade de um amplo processo de revisão da historiografia
educacional e suas formar de tratamento da população negra..
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Esta questão reaparece em um outro trabalho deste


mesmo autor, onde recebe um tratamento mais aprofundado. Em
Pretos, pardos, crioulos e cabras nas escolas mineiras do século XIX,
Fonseca (2007b) demonstra a partir de uma documentação
censitária que os negros eram a maioria dos alunos das escolas de
primeiras letras da província de Minas Gerais, nos anos de 1830,
e isso estava em absoluta correspondência com a sua superioridade
em meio à população mineira, onde eram maioria inclusive entre
os indivíduos livre. A partir da semelhança entre o perfil da
população e o perfil racial das escolas mineiras o trabalho destaca a
importância de se confrontar dados demográficos e escolares e
contesta algumas idéias que estão consolidadas na história da
educação, entre elas a de que a escravidão impedia os negros de
freqüentarem escolas. A escravidão é interpretada como uma
instituição relativamente eficaz para manter os negros escravizados
distantes dos processos de escolarização, mas, por outro lado, é
apresentada como algo que estimulava os negros livres a se
inserirem nas escolas como forma de reafirmar sua condição de
pessoas livres. Desta forma, a supremacia numérica dos negros nas
escolas mineiras é explicada a partir de dois aspectos: seu
predomínio na estrutura demográfica e sua importância como
instrumento de afirmação social dos negros de condição livre.
Em outro trabalho deste mesmo autor a questão é
analisada a partir de uma perspectiva centrada na figura dos negros
escravizados. Em Educação e escravidão: um desafio para a análise
historiográfica, Fonseca (2002b) estabelece considerações teóricas
que procuram demonstrar a importância de se incorporar a
educação nas abordagens em relação à escravidão. A aproximação
entre escravidão e educação foi construída a partir de uma
percepção que considera que uma das questões fundamentais do
processo de re-elaboração da historiografia da escravidão é a
recuperação da subjetividade dos indivíduos escravizados. Neste
sentido, o artigo procura demonstrar a importância da educação
em abordagens sobre a escravidão, pois, mesmo na condição de
cativo, os indivíduos eram formados por práticas que podem ser
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interpretadas como educacionais e que demonstram uma


intencionalidade por parte dos senhores e também da comunidade
de escravos a que os novos cativos estavam ligados.
Neste sentido, o artigo defende uma aproximação entre a
história da educação e a história da escravidão e uma elaboração de
ordem conceitual que permita a construção de uma noção de
educação que seja capaz de dar sentido ao processo de formação
dos trabalhadores escravizados. O conceito de educação é
apresentado como algo que permite a ampliação das possibilidades
de compreensão dos escravos como sujeitos e também as diferentes
formas de dominação e subalternização que foram mobilizadas
para o funcionamento do escravismo.
Os escravos também vêm sendo abordados a partir das
suas relações com as práticas de escrita e leitura. Em geral, estes
trabalhos se caracterizam por uma abordagem típica da história da
escravidão1, mas são importantes na compreensão dos aspectos
históricos que se referem à educação demonstrando a existência de
escravos ligados às práticas de leitura e escrita e o uso destas
habilidades como um elemento capaz de ampliar a margem de
liberdade destes indivíduos no mundo escravista. Este tipo de
análise pode ser visto nos trabalhos de Wissenbach (2002), Paiva
(2000) e Moysés (1994).
Os escravos também são abordados na condição de
sujeitos que gravitavam em torno de um universo que conferia
poder aos códigos de leitura e escrita com os quais os cativos,
apesar de não terem domínio, aprendiam a estabelecer relações.
Estas abordagens são construídas a partir das diferentes formas de
apropriação que os indivíduos escravizados desenvolviam para

1
A história da escravidão passa por um processo de mudança em relação às
perspectivas teóricas que o orientam os pesquisadores que atuam neste campo.
Dentre elas, destaca-se a tentativa de recuperar a dimensão subjetiva dos
trabalhadores escravizados. Neste sentido, a inserção dos escravos na cultura
letrada é utilizada como uma forma de caracterização das apropriações realizadas
pelos indivíduos que se encontravam ligados à escravidão.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 29-59, Maio/Ago 2009.


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garantir uma mobilidade nos centros urbanos, como demonstra


Hébrard (2003) em relação à Bahia, no século XIX, e Morais
(2007) em relação aos negros livres e aos libertos de Minas Gerais,
no século XVIII. Esta questão também aparece em Souza (2001),
que a trata a partir da trajetória de Luiz Gama que foi um
indivíduo que saiu da condição de escravo para se tornar um
importante intelectual no contexto do movimento abolicionista.
Segundo Souza (2001, p. 103):

Assim, sendo de alto custo e de rara possibilidade o


aprender a ler e a escrever individualmente, os escravos
não deixaram de perceber coletivamente a natureza da
escrita e as possibilidades que abre. Assim recorriam a
escribas, negros, brancos libertos ou cativos, para realizar
os gestos inéditos proporcionados pela escrita – gerência
de ganhos, confecção de listas, documentos, e a
comunicação com ausentes.

Outra dimensão importante da produção sobre os negros


na história da educação encontra-se nas considerações em relação
às diferentes configurações que a questão recebeu no processo de
transformação da sociedade brasileira. Em A educação dos negros:
uma nova face do processo de abolição do trabalho escravo no Brasil,
Fonseca (2002a) analisou o processo de desmantelamento do
trabalho escravo como um período que demarcou o surgimento de
uma nova concepção de educação em relação aos negros.
No processo de abolição da escravidão a educação deixou
de ser considerada a partir do mundo privado e passou a adquirir
um sentido estratégico na transição para a sociedade livre.
Políticos, intelectuais e senhores de escravos passaram a
reivindicar e a propor a educação como um importante mecanismo
para garantir que os ex-escravos e seus descendentes continuassem
a exercer funções no mundo do trabalho e assim minimizar o
impacto político que estes sujeitos poderiam desempenhar no
processo de transformação social que ocorria na segunda metade
do século XIX. Estas propostas tiveram uma evolução muito

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pequena do ponto de vista da prática, mas, como discurso


relativamente consensual entre as elites, representaram o papel
disciplinar assumido pela educação, que passou a ser concebida
como um importante instrumento na continuidade da hierarquia
racial e social construída ao longo do escravismo.
Na mesma perspectiva segue o trabalho Igualdade y
libertad, pluralismo y cidadania: el aceso a la educación de los negros
y mestizos en Bahia, tese de doutorado apresentada à Universidad
Católica de Córdoba, na Argentina, por Jacy Maria Ferraz de
Menezes (1997). Este trabalho procura compreender as
desigualdades educacionais na Bahia, e para isso realiza uma
análise sobre as condições de acesso de negros e brancos à
educação, entre os séculos XIX e XX.
Menezes (1997) constata através da análise de censos
demográficos e escolares que desde o século XIX houve um acesso
crescente dos indivíduos às escolas, mas em nenhum momento
isto significou uma configuração democrática da educação, que
tanto no escravismo como na sociedade livre sempre esteve
marcada por um padrão de desigualdade quando se considera a
população branca e a negra. Este fato se verifica tanto na
sociedade baiana como na brasileira, pois, a pesquisa leva em conta
dados relativos à Bahia e os analisa a partir de uma comparação
com outros Estados brasileiros. Neste sentido, a análise de
Menezes (1997) revela que apesar das diferentes configurações
assumidas pela educação, há uma continuidade no padrão de
desigualdade de acesso em relação aos dois principais grupos raciais
que compõem a sociedade brasileira.
No artigo Quantos passos foram dados... A questão da
raça nas leis educacionais – da LDB de 1961 à Lei 10.639 de
2003, Lucimar Rosa Dias (2005) procura compreender as tensões
raciais a partir de sua manifestação no processo de legislação e
normatização do campo educacional. Constata que já na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de 1961 havia um tratamento da
questão racial, mas este tratamento foi mantido no limite dos
recursos argumentativos que buscavam estabelecer a escola como
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princípio básico de um ideal igualitário que não poderia admitir


distinções de classe e raça no acesso à educação.
Nos debates do período relativo à LDB/1961, a questão
racial desempenhou um papel secundário e não foi objeto de
qualquer análise cujo foco fosse a preocupação específica com as
desigualdades raciais e as demandas educacionais da população
negra. Foi apenas mais um dos argumentos utilizados na defesa da
idéia de ensino público que mobilizava os intelectuais daquela
época.
Este conjunto de trabalhos que apresentamos e que
representa uma parte da produção sobre os negros na história da
educação mais recente, indica as diversas formas de relação entre a
educação e a população negra. Eles apontam para a existência de
indícios claros de que há uma tradição de tratamento da questão
racial no desenvolvimento histórico da educação e que a própria
educação se fez a partir de um certo nível de entendimento e
tratamento dos problemas relativos às condições raciais da
sociedade brasileira2.
No entanto, esta tradição que vem sendo resgatada pela
produção mais recente não tem merecido a atenção da maioria dos
historiadores da educação, que em geral mantêm esta questão fora
de suas análises. Esta produção ainda não foi capaz de sobrepor o
padrão de tratamento dos negros na historiografia educacional,
que se manifesta através de abordagens que tratam os indivíduos
deste grupo apenas na condição de escravos e por isso afirma de
forma recorrente que nos séculos XVIII e XIX os negros não
freqüentaram escolas.
O processo de interpretação da história que reduz os
negros à condição de escravos é parte de um movimento que

2
É preciso chamar a atenção para o fato de que estes trabalhos se referem aos
séculos XIX e XX e que não encontramos pesquisas em relação aos períodos
anteriores. Isto indica a necessidade de se empreender um esforço maior para que
os períodos anteriores se tornem objeto das análises que consideram as relações
entre os negros e a educação.

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possui um nível de consolidação que está além da historiografia


educacional. Na verdade, trata-se de um elemento através do qual
foi construída a concepção que nega a dimensão subjetiva aos
negros e isso é uma característica da própria historiografia
brasileira:

O negro foi freqüentemente, associado na historiografia


brasileira, à condição social do escravo. A menção ao
primeiro remete-se quase automaticamente à imagem do
segundo. Negro e escravo foram vocábulos que
assumiram conotações intercambiáveis, pois o primeiro
equivalia a indivíduos sem autonomia e liberdade e o
segundo correspondia – especialmente a partir do século
XVIII – a indivíduo de cor. Para a historiografia
tradicional, este binômio (negro-escravo) significa um ser
economicamente ativo, mas submetido ao sistema
escravista, no qual as possibilidades de tornar-se sujeito
histórico, tanto no sentido coletivo como particular do
termo, foram quase nulas (CORREA, 2000, p. 87).

Neste sentido, a idéia de que o negro não foi à escola


seria a versão da historiografia educacional para aquilo que
Chalhoub (1990) chamou de teoria-do-escravo-coisa, que representa
a desconsideração de qualquer dimensão subjetiva em relação aos
negros escravizados. Desta forma, a história da educação se
apropriou desta imagem dos escravos e a estendeu aos negros livres
que passaram a ser interpretados a partir da legislação que era
dirigida aos cativos, ou seja, não podiam freqüentar escolas. Este
tipo de interpretação representa uma negação veemente da
legislação do Império, que, como vem sendo indicado pelas
pesquisas, em nenhum momento estabeleceu restrições para que os
negros freqüentassem escolas, pois o que havia era um
impedimento de que os escravos fossem admitidos em escolas
públicas (VEIGA, 2007)3.

3
Uma das exceções encontra-se no Rio Grande do Sul, onde, segundo
MOACYR (1940, p. 431), foi estabelecido em 1837 que “são proibidos de
freqüentar as escolas públicas: 1o. as pessoas que padecerem de moléstias
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Nas últimas décadas, a história da educação vem


modificando seus procedimentos de construção das análises e vem
se tornando cada vez mais criteriosa quanto ao processo de
produção do conhecimento, mas, este movimento de
transformação não foi capaz de modificar a atitude da disciplina
para com as formas de abordagem sobre a população negra. No
período mais recente, a historiografia da educação reformulou
vários aspectos relativos às formas de interpretação dos processos
que envolveram a educação, mas, no que diz respeito à temática
racial, há uma linha de continuidade que demonstra que a
renovação da disciplina incorporou o padrão de tratamento que
praticamente exclui a população negra do movimento histórico
que dá forma aos processos educacionais4.

A história da educação dos negros


ou os negros na história da educação?

Os trabalhos sobre a história da educação que tratam da


relação dos negros com os espaços educacionais apresentados
anteriormente estão relacionados com o movimento de

contagiosas; 2o. Os escravos e pretos ainda que sejam livres ou libertos”


(MOACYR, 1940, p. 431). Mas, a situação do Rio Grande do Sul merece uma
investigação específica, pois pode ser que o termo preto signifique africano. No
século XIX, era absolutamente comum a utilização desta terminologia em relação
aos africanos. Este uso particular da terminologia preto desapareceu da linguagem
nos períodos posteriores e freqüentemente não é problematizada pela
historiografia. Por outro lado, deve-se considerar que impedir negros livres de
freqüentarem escolas era inconstitucional e as discussões sobre a improcedência
deste tipo de restrição não era incomum no século XIX. Portanto, pode ser que
esta determinação se referia exclusivamente aos africanos que – embora com
implicações raciais – teriam sido deslocados para a condição de estrangeiros.
4
Para uma análise dos processos de transformação da historiografia educacional
brasileira ver: Carvalho (1998), Lopes e Galvão (2001), Vidal e Faria Filho
(2005). No que se refere ao processo de incorporação dos negros aos processos de
mudança da história da educação ver: Fonseca (2007a).

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transformação pelo qual passa a história da educação nas últimas


décadas. No entanto, eles representam uma dinâmica específica
deste processo, pois contestam a tradição de invisibilidade que
caracteriza os negros na historiografia e tentam estabelecer um
padrão de entendimento que procura recuperar, em diferentes
momentos, as tensões raciais que se manifestaram no campo
educacional. Embora tenham obtido resultados satisfatórios no
que se refere à demonstração quanto à recorrência de aspectos
raciais em diferentes momentos da educação brasileira, esta
produção é muito dispersa e não conseguiu modificar os padrões
de análise da historiografia, que na maioria das vezes constrói suas
interpretações sem levar em conta aspectos ligados a raça, e sem
levar em consideração a população negra como um dos sujeitos
ligados ao processo de constituição da sociedade brasileira.
Em conseqüência disso, os trabalhos relativos à
população negra ocupam um lugar periférico na historiografia
educacional, o que, por sua vez, tem determinado o surgimento de
um movimento de reivindicação para que esta produção seja
aglutinada em torno de uma dimensão específica da historiografia.
Esta dimensão que vem sendo proposta por alguns pesquisadores é
denominada de história da educação dos negros.
As características deste tipo de abordagem historiográfica
aparece da seguinte forma em um livro organizado por Jeruse
Romão (2005, p. 12) que se intitula A história da educação do
negro e outras histórias:

A história da educação do negro é a história de um


conjunto de fenômenos. Parte da concepção do veto ao
negro; percorre os caminhos da articulação de
consciências dos seus direitos; ressignifica a função social
da escola; recupera os movimentos, no sentido de
organizar suas experiências educativas e escrever uma
história social da educação do negro; e revela imagens que
não conhecemos, embora os indicadores sociais e
educacionais nos dêem muitas pistas acerca da moldura
do quadro.

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Os processos de exclusão social revelados pelas


estatísticas educacionais e a invisibilidade da população negra na
historiografia devem ser tomados como elementos básicos para a
construção desta reação que motiva a construção de uma história
da educação dos negros. Mas, trata-se de uma questão que é
discutível, pois está implícito neste procedimento o fato de que as
questões relativas aos negros deveriam ser abordadas no âmbito
desta dimensão da história, enquanto que as análises voltadas para
outros temas estariam praticamente isentas de fazer referências à
questão racial. Este tipo de procedimento estabelece uma operação
que tornaria a questão racial isolável e minimizaria o impacto do
tema na educação.
Por outro lado, sugere que o tema deveria ficar entregue
a um conjunto de pesquisadores que se especializariam no
tratamento do assunto, enquanto que os demais prosseguiriam
tratando da forma convencional os seus objetos e temas de análise.
É o que sugere Mariléia dos S. Cruz (2005), que também se
posiciona em relação à questão afirmando a história da educação
do negro como parte do processo de construção da identidade dos
membros deste grupo racial:

Nesta perspectiva, não nos parece arbitrário que afro-


brasileiros desenvolvam estudos que contemplem sua
própria história, tanto porque os estudos nas Ciências
Sociais possuem uma objetividade marcada por elementos
de subjetividade, quanto porque há atualmente uma
imensa necessidade de estudos voltados para a realidade
afro-descendente brasileira. A partir de estudos nessa
perspectiva, poderemos construir uma nova história da
educação no Brasil, que deve ser uma história em que se
possa ver a narrativa de acontecimentos por vários
observadores, sendo conhecido o lugar que cada um ocupa
como historiador e como participante do contexto
estudado. Assim, teremos um fenômeno histórico visto
por vários ângulos, a partir de várias lentes. Uma história
nessa perspectiva merece ser denominada história
brasileira. (CRUZ, 2005 p. 25)

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Estes posicionamentos não podem ser compreendidos


sem se levar em conta o lugar secundário que a população negra
ocupa nas interpretações da história e da história da educação.
Neste sentido, cumprem um papel fundamental em relação a um
processo de caracterização da produção elaborada no interior da
área e em relação à necessidade de uma discussão sobre o lugar do
negro na historiografia brasileira.
No entanto, não se pode deixar de considerar que é
inerente a esta reivindicação o risco da história da educação do
negro ser tomada como um adendo da história da educação.
Assim, não caberia aos historiadores uma atenção com o papel
desempenhado pela questão racial no processo de constituição da
sociedade brasileira e suas manifestações na educação, mas sim,
apoiar o surgimento de uma dimensão específica da história que
em nada comprometeria a forma convencional de se construir as
abordagens em história da educação5.
Uma análise detida da produção mais recente em relação
à população negra indica que é necessária a incorporação plena dos
negros à história da educação e o conjunto dos pesquisadores que
atuam nesta área precisa levar em conta esta questão,
independente dos objetos que tomam para análise. A questão racial
e dentro dela a população negra, é elemento central na
constituição da sociedade brasileira, por isso trata-se de algo que
está relacionado com as mais diferentes dimensões do
desenvolvimento dos processos educativos. Portanto, entre os

5
Este procedimento em torno da reivindicação de uma dimensão particular da
historiografia assemelha-se àquele que tem sido acionado para legitimar as
políticas de ação afirmativa, cujo objetivo é o estabelecimento de regras dirigidas a
um grupo específico com objetivo de combater o padrão de desigualdade racial
que marca a sociedade brasileira. Mas, deve-se considerar que o que vale para o
mundo da política não necessariamente tem validade no campo da epistemologia.
A dimensão política e a epistemológica estão relacionadas, mas, a rigor, são de
natureza distinta, pois, enquanto a primeira esta relacionada com as questões que
se referem à construção da igualdade, a segunda está relacionada com as questões
que se referem ao problema da verdade.

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vários sentidos que podem ser dados à história da educação,


podemos dizer que ela é a história dos processos de incorporação
dos negros à sociedade brasileira, assim como a história da
população negra pode ser entendida como a história dos diferentes
papéis desempenhados pelas práticas educativas no processo de
construção do Brasil como nação. Lidar com esta dupla dimensão
do movimento histórico é um desafio para aqueles que tratam da
questão educacional, pois abordagens deste tipo são fundamentais
para que as narrativas históricas possam descrever a singularidade
dos processos educacionais desenvolvidos no interior da sociedade
brasileira.

Considerações finais

Na segunda metade dos anos de 1990 surgiu uma


produção que trata da população negra na história da educação.
Esta produção foi uma resposta a maneira convencional de
tratamento do tema no interior desta disciplina e teve como
motivação básica a tentativa de demonstrar que os negros
estiveram ligados aos processos de educação formal. Além desta
tentativa de demonstrar a ligação da população negra com a
educação, esta produção também se desdobra em uma análise
crítica que aborda aspectos que se referem a temas como fontes de
pesquisas e aspectos teóricos que orientam produção
historiográfica.
Esta produção ainda não teve o impacto necessário para
que a população negra seja de fato incorporada como sujeito nas
análises realizadas no âmbito mais geral da história da educação e
nem tampouco para que a temática racial seja um dos aspectos
considerado pelos historiadores que investigam os processos
educacionais. Como conseqüência disso, vem surgindo a
reivindicação de que é necessário o estabelecimento de uma
modalidade específica da historiografia educacional para o
tratamento deste tema. Esta reivindicação expõe o campo
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representado pela história da educação a uma interpelação política


legítima e indica os pressupostos ideológicos que guiaram – e
guiam - a suas interpretações acerca da sociedade brasileira. Mas,
esta reivindicação carece de uma fundamentação epistemológica,
pois a questão racial deve ser operacionalizada a partir de uma
percepção que reconheça seu nível de participação na sociedade
brasileira. Desta forma, não se trata apenas de criar mecanismos
que contemplem a população negra, mas o reconhecimento da
raça como um elemento primordial no desenvolvimento histórico
do Brasil. Isto, por sua vez, determinaria uma interpretação da
educação a partir de suas relações com os diferentes grupos raciais
que participaram do processo de construção da sociedade brasileira.

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Marcus Vinícius Fonseca é Mestre em Educação pela UFMG,


Doutor em Educação pela USP e Pós-doutorando em Educação
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Data de recebimento: 12/11/2009


Data de aceite: 20/02/2009

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.
EL SENTIDO Y EL PAPEL QUE DESEMPEÑA
EL “ALAFABETO” EN COMENIO
Alessandra Avanzini

Resumen
Comenius es un testigo impotente de las guerras de religión que
alterar su tiempo; por esta razón trató de solucionar esta terrible
situación de una manera intelectual, la forma de la cultura y de la
ciencia, que tenía la intención de realizar en un «simple» la siguiente
manera: la enseñanza de todo a todo el mundo, es decir, dar a todos
la posibilidad de la alfabetización. Hombres y mujeres, ricos y pobres,
cada pueblo debe tener la oportunidad de instrucción. La forma en
que concibió la idea de la educación para todos derivados de una
sugestiva visión de la alfabetización universal. Él tenía grandes
expectativas: a) las expectativas técnicas (que quería enseñar todo a
todos de una forma simple, rápida y segura), b) las expectativas
cognitivas (la alfabetización es la única manera de descifrar la
naturaleza racional y el mundo en general), c) ética expectativas (este
proceso tiene como objetivo transformar al hombre en un verdadero
hombre, es decir, un hombre sabio, con el objetivo final de poner fin
a todas las guerras). La alfabetización es el principio base de la
educación universal, por lo que es lo que puede distinguir al hombre
del animal: el hombre gracias a la alfabetización puede hacer su deber
de perfeccionar su mente racional, que comparte con Dios. A partir
de esta ideas Comenius también quería lograr su sueño de la paz
universal: el hombre en materia de alfabetización no sólo descubrir su
naturaleza divina, sino que también podría darse cuenta de ello
vinculado a cada hombre. Para desarrollar este proceso, el principio
fue la atención que debe darse a la educación, que es la única garantía
de la alfabetización universal. Desde este punto de vista, la
alfabetización no sólo significa enseñar el alfabeto, sino dar a todos la
posibilidad de compartir un ideal alfabético mundo, una especie de
«utopía», que todos puedan alcanzar solamente a través de la palabra:
si todo el mundo-gracias a la razón - puede compartir este mundo
ideal, intelectual, pacífica y debate en todo el mundo y, finalmente,
sustituir definitivamente a la utilización de las guerras.
Palabras clave: Comenio, pansofia, alfabetización, cultura

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O SENTIDO E O PAPEL QUE DESEMPENHA
O “ALFABETO” EM COMENIUS
Resumo
Comenius foi testemunha impotente das guerras de religião que
perturbaram o seu tempo, por esta razão tentou resolver esta terrível
situação de uma forma intelectual, o caminho da cultura e da ciência,
que pretendia realizar de uma maneira 'simples': ensinando tudo para
todos, isto é, dando a todos a possibilidade de alfabetização. Homens
e mulheres, os ricos e os pobres, cada povo deve ter a chance de
instrução. A maneira em que concebeu a idéia de educação para
todos deriva de uma visão particularmente sugestiva de alfabetização
universal. Tinha grandes expectativas: a) técnicas (queria ensinar
tudo a todos de forma simples, rápida e de maneira segura), b)
cognitivas (alfabetização é a única maneira racional de decodificar
natureza e do mundo em geral), c) ética (este processo visa
transformar o homem em um homem real, isto é, um homem sábio,
com o objetivo final de pôr fim a todas as guerras). A alfabetização é
o princípio base da educação universal, por isso é que podemos
distinguir o homem do animal: graças à alfabetização, o homem pode
fazer o seu dever de aperfeiçoar a sua mente racional, que partilha
com Deus. A partir destas idéias, Comenius também queria alcançar
seu sonho de paz universal: o homem na alfabetização, não só para
descobrir a sua natureza divina, mas também para perceber isso, ele
vinculado a qualquer outro homem. Para desenvolver este processo, a
princípio era para ser dada atenção à educação, que era a única
garantia de alfabetização universal. Deste ponto de vista, a
alfabetização não significa apenas ensinar o alfabeto, mas sim dar a
todos a possibilidade de partilhar um mundo ideal letrado, uma
espécie de "utopia", que todos possam alcançar apenas através de
palavras: se toda a gente, graças à razão, pode compartilhar esse
mundo ideal, intelectual, através de uma pacífica e mundial
discussão, para, finalmente, substituir definitivamente qualquer
utilização de guerras.
Palavras-chave: Comenius, pansofia, letramento, cultura

THE MEANING AND THE ROLE OF LITERACY IN


COMENIO
Abstract
Comenius was an impotent witness of religion wars that upset his
time; for this reason he tried to solve this terrible situation in an
intellectual way, the way of culture and of science, that he intended
to realize in a ‘simple’ way: teaching everything to everyone, i.e.
giving to everyone the possibility of literacy. Men and women, the
rich and the poor, every people should have the chance of instruction.

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The way in which he conceived the idea of education for all derived
from a particularly suggestive vision of universal literacy. He had
great expectations: a) technical expectations (he wanted to teach
everything to everyone in a simple, fast and safe way); b) cognitive
expectations (literacy is the only way of rationally decode nature and
world in general); c) ethic expectations (this process aims at
transforming man into a real man, i.e. a wise man, with the final
goal to put an end to every war). Literacy is the principle foundation
of universal education, so it is what can distinguish man from
animal: thanks to literacy man can do his duty of refining his
rational mind, that he shares with God. Starting from this ideas
Comenius also wanted to achieve his dream of universal peace: in
literacy man not only find out his divine nature, but could also
realize that reason bound him to every other man. To develop this
process the principle attention was to be given to education, that was
the only guarantee of universal literacy. From this point of view,
literacy not only means teaching the alphabet, but rather giving to
everyone the possibility of sharing an ideal alphabetical world, a sort
of ‘utopia’, that everyone can reach only through word: if everyone –
thanks to reason- can share this ideal world, intellectual, peaceful and
worldwide discussion will finally and definitely substitute any use of
wars.
Keywords: Comenio, pansofia, literacy, culture.

LE SENS DE L’ «ALPHABET» ET SON RÔLE


CHEZ COMENIUS
Résumé
Comenius a été un témoin important des guerres de religion qui ont
troublé son temps, c’est pourquoi il a essayé de résoudre cette
situation terrible d’une façon intellectuelle, par le chemin de la
culture et de la science, qu’il prétendait réaliser d’une manière
« simple »: en apprenant tout à tous c’est-à-dire en offrant à tous la
possibilité de l’alphabétisation. Des hommes et des femmes, des
riches et des pauvres, chaque peuple doit recevoir de l’instruction. La
façon dont il a conçu l’idée de l’éducation pour tous dérive d’une
vision particulièrement suggestive d’alphabétisation universelle. Il
avait de grandes expectatives: a) techniques (il voulait enseigner tout
à tous de manière simple, rapide et sûre), b) cognitives
(l’alphabétisation est la seule manière rationnelle de décoder la nature
et le monde en général), c) éthiques (l’objectif de ce processus est de
tranformer l’homme en un homme réel c’est-à-dire en un homme
sage, dans le but final de mettre fin à toutes les guerres).
L’alphabétisation est le principe de base de l’éducation universelle,
c’est pourquoi nous pouvons distinguer l’homme de l’animal: grâce à

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l’alphabétisation l’homme peut remplir son devoir de perfectionner
son esprit rationnel, qu’il partage avec Dieu. À partir de ces idées,
Comenius voulait atteindre aussi son rêve de paix universelle:
l’homme alphabétisé peut et découvrir sa nature divine et aussi la
percevoir chez n’importe quel autre homme. Pour mettre en marche
ce processus il fallait au début faire attention à l’éducation, seul
garant de l’alphabétisation universelle. De ce point de vue
l’alphabétisation ne signifie pas seulement l’enseignement de
l’alphabet mais aussi la possibilité générale de partager un monde
idéal lettré, une espèce d’ «utopie» que les gens ne puissent atteindre
qu’à travers les mots: que tout le monde puisse, grâce à la raison,
partager ce monde idéal, intellectuel, à travers une discussion
mondiale et pacifique, pour, finalement, remplacer définitivement
toute guerre.
Mots-Clés: Comenius, pansophie, alphabétisation, culture

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1 El “alfabeto” entre convención y naturalidad

“Cuando el estallido de la guerra [...] amenazaba con


arruinar la cristiandad, el mejor alivio que se encontraba eran las
antiguas promesas divinas acerca de la definitiva victoria de la Luz
sobre las Tinieblas. Y si se quisiese buscar alguna forma posible de
colaboración humana, pensaba yo que lo que habría que hacer
sería formar mejor a la juventud en todos los aspectos (sobre todo
en aspectos fundamentales), juventud a la que habría que sustraer
a los laberintos del mundo”1: con estas palabras Comenio (1592-
1670) se dirige a los miembros de la Royal Society (creada en
Londres desde hacía pocos años) en la carta que sirve de
dedicatoria a su obra (publicada en 1668) El camino de la luz- lo
que ya ha sido investigado y lo que queda por investigar; es decir un
estudio racional sobre como la Sabiduría, Luz intelectual de los
animos se pueda final y exitosamente difundir en este atardecer del
mundo, en la mente de todos los hombres y de todas las naciones.
Testigo impotente de las guerras religiosas que perturban
su época, Comenio organiza una salida a este desorden irracional a
través de un camino indirecto, quizas ineficaz en el momento,
pero de gran clarividencia intelectual: el camino de la cultura y de
la ciencia, posible, con la condición de que haya una educación
para todos, sin que nadie sea excluido, una educación para todos,
desde los políticos más ilustres hasta los campesinos más
humildes, desde los hombres de la Iglesia hasta las mujeres.
El modo en el que Comenio concibe esta educación para
todos, se estructura a través de una sugestiva visión de
alfabetización universal, una alfabetización en la cual convergen
contemporaneamente expectativas de tipo técnico (enseñar todo a
todos de manera rápida y segura), cognitivo (el “alfabeto” es la

1
Comenio, La via della luce [El camino de la luz], Tirrenia-Pisa, Del Cerro,
1992, pp. 3-4.

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unica via para reconstruir racionalmente el mundo) y valorativo


(este proceso debe convertir al hombre en un ser señor de sí mismo
y no víctima de un odio irracional hacia los demas seres humanos).
Ademas de todas estas expectativas, hay que destacar en
Comenio una valencia estructural religiosa: el alfabeto es lo que
distingue al hombre del animal, al ser éste el instrumento
“princeps” del proceso de culturalizacion/concienciacion gracias al
cual el ser humano se da cuenta de que participa de la naturaleza
divina, con la cual comparte el orden estructural intelectual. Es de
esta suposición de la que parte el ideal IRÉNICO: el hombre con
este proceso de culturalización/concienciación descubre no sólo su
naturaleza divina sino tambien que ésta le une al resto de la
humanidad. Para el desarrollo de este proceso es fundamental el
momento educativo y, a su vez, la alfabetización es sostén de este
momento educativo convirtiéndose, bajo esta óptica, en el eje de
toda la reflexión comeniana.
A una criatura con raciocinio- escribe Comenio- hay que
guiarla no con gritos, cárcel o palos, sino con la razón. Quien se
comporte de otro modo, ofende a Dios que lo ha creado a su
imagen y semejanza y la vida del hombre estará llena, como de
hecho está, de violencia y de malestar [...] para todos aquellos
nacidos como seres humanos la educación es absolutamente
necesaria para que estos sean hombres y no bestias feroces2 (2).
El “alfabeto” se presenta como un instrumento
fundamental y divino, dado que, ofrece al hombre no sólo el poder
de utilizar el mundo para sus propios fines, sino que une este
poder a un objetivo preciso, el de compartir y comprender la
humanidad/divinidad de los demás: es decir que el “alfabeto” es
una via para reconstruir el mundo, basándolo en un ideal racional
e irénico. La alfabetización emerge como eje fundamental del
concepto comeniano de educación universal, es el centro de un

2
Comenio, La Grande Didattica [La Gran Didactica], Firenze, La Nuova Italia,
1993, p. 99.

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proyecto utópico que tiende hacia una rebelión total contra la


situación caótica del mundo que rodea a Comenio, para fundar
una humanidad capaz de realizar la propia esencia profunda. “ Que
nadie piense que pueda ser un hombre de verdad – escribe en la
Didáctica Magna (1657)- si no ha aprendido a comportarse como tal,
es decir, educado en los valores que hacen al hombre”3 (3). Lo que
se afirma es la necesidad de la educación- y por lo tanto de la
instrucción- como condición imprescindible de la humanidad.
Desde el punto de vista educativo, lo relevante es que los
valores no se transmiten acríticamente como preceptos sino que
coinciden con la estructura del proceso de alfabetización. No es un
contenido específico lo que hace que el hombre sea tal, sino el
hecho estructural de tener que “forzar” la propia naturaleza hacia
un proceso de culturalización. La técnica y el valor constituyen un
UNICUM que se estructura a través del proceso de alfabetización
y que, por lo que ya se ha dicho, coincide con el proceso educativo.
Por lo tanto, en el proyecto de Comenio, la alfabetización
estructura la idea de
Educación: de hecho, este es el paso fundamental para
que se pueda hablar de educación universal. Todos, por así decir,
tienen que tener la posibilidad de que se les alfabetice, a todos se
les debe ofrecer “el mundo”, no tal y como es, sino un mundo que
el género humano pueda comprender y comunicar, lo que
cartesianamente se puede definir como “el doble” del mundo. La
alfabetización, bajo esta óptica es un derecho y un deber, posición
en la que convergen tanto las exigencias de valor del IRENISMO
de Comenio (la paz es posible sólo si hay igualdad en el valor)
como las exigencias técnicas (el conocimiento es posible solo si hay
igualdad en la técnica). Convertir estas igualdades en realidad es la
función de la educación. Es por esto que a través de la
alfabetización el proceso educativo se presenta con un objetivo
autofundado: la educación no es un objeto manipulado y

3
Ibidem, p. 91.

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expropiado para uso y consumo por parte de la política, de la


religión o de cualquier otra cosa: la educación es objeto de
reflexión autónoma y se estructura como un proceso de liberación
del hombre: se trate de ofrecer a todos los hombres – dado que
participan todos al mismo nivel de la racional esencia divina- los
mismos instrumentos para poder tener un acceso consciente a un
mundo compartido que significa un mundo alfabetizado.
La sabiduría de este modo se convierte en algo público,
convencional y etico convirtiendose en el eje que le permite al
hombre pasar a formar parte del mundo de manera feliz. Para
sostener esta visión aparece en el discurso de Comenio un aspecto
estructural, que es la condicion sobre la que se funda la misma
alfabetización: la estructura utópica sustancial y por lo tanto la
intrinseca convencionalidad, de la idea de educación. Esta
dimensión es esencial para poder comprender la función
adjudicada al alfabeto. Alfabetizar, en este contexto, no significa
sólo literalmente aprender el alfabeto sino “darle un nombre a las
cosas”, significa orientarse en el mundo, tener un dominio de las
cosas que consienta poder funcionar en el mundo. No es algo
casual que el hombre pueda hacer todo esto, puesto que (como
explica Comenio en su obra Grande Didáctica) es Dios quien lo
legitima directamente; Dios que es principio y fin, fin al que no se
puede llegar –una verdadera tensión ilimitada y que tiende a
mejorar - de este proceso educativo/cognitivo.
La complejidad de esta prospectiva educativa del
pensamiento de Comenio emerge liberada de cualquier atadura de
eventuales necesidades – a veces incluso “distorsionadas”- de la
realidad, en su última obra de fuerte tono educativo: el Via Lucis.
Desde este punto de vista, a las obras de mayor éxito
inmediato ((l’Orbis sensualium pictus –Mundo visible en dibujos,
1658- e la Janua linguarum reserata –La puerta abierta de las
lenguas, 1631-) les cuesta salir adelante. Parte de culpa se puede
dar incluso al entusiasmo con el que fueron acogidas, el propio
valor innovador. Esto, sobre todo porque se leían como
instrumentos operativos. Por otra parte, estas obras son
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verdaderos manuale, instrumentos educativos, pero se corre el


peligro de oscurecer la estructura educativa de base si los
contenidos de éstos se interpretan de forma absolutista.
No es, de hecho, una casualidad que la obra Orbis se
haya traducido y editado en numerosas ocasiones en casi todo el
mundo occidental (hubo incluso una edicion americana en 1670 y
una rusa-japonesa en 1736-39). Esto choca con el olvido general
durante dos siglos de una de las grandes obras educativas de
Comenio: La Didáctica General. Tampoco carece de significado
que la obra Orbis en un determinado momento empezase a
circular sin el nombre del autor4 (4).
En este dualismo tiene un cierto peso la idea de ciencia
que poco a poco va echando raíces en el mundo occidental. La
técnica sale como vencedora en un plano netamente escindido de
la teoría. Esto es posible por el afirmarse de un comportamiento
movido por una ilusión de absoluto del que no se revelan ni la
dinámica ni la finalidad convencional. Estudiar a Comenio de
modo específico significa destacar la distorsión que padecen el
sentido y el resultado del concepto de educación en su obra:
dejando de ser una idea estructural/cognitiva para convertirse en
una imposición/transmisión de contenidos, metodos, preceptos.
Con esta óptica se produce un desbarajuste total del pensamiento
del autor: la idea de educación que de este modo emerge no es la
de una educación para todos que sirva para construir un mundo
donde reine la paz sino un método usado de modo absolutista para
obtener resultados específicos basados en una visión acrítica,
tradicionalista y netamente transmisiva; significativo es que en
esta visión ya no sea indispensable la implicación de todos.
En el camino de la absolutidad existe un riesgo insito en
el pensamiento de Comenio. El autor concibe el método natural
como el único posible y lo hace con una tal convicción que –en la

4
Cfr. Comenio, Il mondo sensibile [Mundo visible en dibujos], Napoli, Tecnodid,
1994.

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parte final de La Gran Didáctica- le lleva a afirmar la unicidad de


sus ideas, tan evidente que segun el autor no podrá más que ser
comprendida por todos, dada su incontrastabilidad: “ que no entre
la envidia en vuestros corazones, oh siervos de Dios, conducid a
vuestros semejantes hacia una caridad que no conoce rivalidad, que
no es ambiciosa y que no busca ventajas para sí misma [...] no
seais envidiosos de quien realiza algo que a vosotros no se os había
ocurrido antes”5 (5). Una afirmación en la que aparece expresada
la idea que a partir de este periodo animará los descubrimientos
científicos.
En resumidas cuentas, dice Comenio, no seais
envidiosos si esta idea se me ha ocurrido a mí y no a vosotros.
Ahora que la idea existe y es totalmente cierta, es necesario
comprender la importancia y realizarla. La idea- el método
natural- es objetiva y por lo tanto no se puede y no se debe
someter a discusión dado que tiene un fundamento científico y sus
raíces se encuentran en la misma naturaleza.
De este modo, Comenio, manifiesta la contradictoriedad
de una época que gracias a un esfuerzo utópico modifica
estructuralmente la visión del mundo y al mismo tiempo se
deslumbra con el mito de la objetividad, con los datos
comprobados que se autosostienen con la evidencia de la verdad
absoluta que emerge del libro de la naturaleza. Posición precursora
de grandes distorsiones, dado que expulsa al hombre de su propia
construcción cognitiva, reduciendo de hecho la ciencia a técnica y
en lo que atañe a la educación se corre el riesgo de construir un
sistema que no tiende a construir estructuras de pensamiento sino
a la transmisión de una estructura estatica, predefinida e
indiscutible del mundo.
Subrayar estos riesgos, y su enraizamiento en la
reflexión de Comenio no significa desvalorizar o disminuir el
interés y el caracter innovador del tema del convencionalismo que

5
Comenio, La Grande Didattica, cit., pp. 527-529.

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tiene tanto peso en su pensamiento. En este sentido el concepto


de alfabetización representa el punto de máximo interés. La
estructuración alfabética del mundo lleva a que emerja en el
pensamiento educativo un concepto fundamental para la didáctica
de hoy. La aspiración a un “mundo en común”6 (6) del
conocimiento entendido como una objetividad relacional,
convencional. Objetividad en la que todos y cada uno de los
hombres tiene el derecho y el deber de participar si quiere ser un
ser humano y si quiere formar parte de la construcción de un
mundo feliz donde reine la paz.

2 El mundo alfabético

Si se quiere ahondar en este aspecto es útil concentrarse,


como ya hemos dicho antes, en la obra “Via Lucis”.
De hecho, en esta obra, Comenio lleva a cabo lo que en
“La Gran Didáctica” era solamente un auspicio, sin una
argumentación adecuada y que en “Janua” y en “Orbis” quedaba
relegado por una necesidad de experimentación empírica y con
todos los riesgos que se han mencionado previamente.
En la obra “Via Lucis”, Comenio teoriza y argumenta de
manera difusa la idea de alfabetizar a todos, aclarando y
puntualizando su pensamiento con la intencion explicita de abrir
un camino hacia la comprensión universal: “ Para que podamos
ser juiciosos y con nosotros el mundo entero, enseñemos a los
hombres [...] a aprender, no por el mero hecho de aprender, sino
para conocer; a conocer, no por el mero hecho de conocer, sino
para ejercitarse en el obrar y finalmente a obrar, no sólo para estar

6
Para poder profundizar la idea educativa de mundo en comun come eje de la
relacion educativa y como objeto especifico de la didactica cual elemento
estructural de la ciencia de la educación, remito a A. Avanzini, Didactica. Teoria e
prassi [Didactica. Teoria y praxis], Tirrenia-Pisa, Edizioni Del Cerro, 2006 e A.
Avanzini, L’educazione attraverso lo Specchio [La educación atraves del Espejo],
Milano, Franco Angeli, 2008.

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entretenidos con algo sino para que se pueda alcanzar el objetivo


de todas las acciones, esto es, la paz y la felicidad”7 (7).
El impulso que le había mantenido ocupado durante
toda su vida y cuya mira era que la adquisicion del alfabeto, el
conocimiento de la propia lengua y de la lengua latina fuese
accesible a todos, se amplía ahora de modo pragmático y renueva
su sentido profundo: en estas pagina, se traza una verdadera
utopía, un impulso hacia un mundo mejor que se identifica
totalmente con una cultura basada en cierto sentido en la
educación, algo que Comenio define como “pansofia”8 (8).
La luz es el conocimiento que se opone y que vencerá a
las tinieblas de la ignorancia: es cercano el tiempo, nos dice
Comenio, que estructurará – y aparece como algo más que una
vaga esperanza- el camino para liberarse de las tinieblas. Vencer a
la ignorancia es posible solamente si se difunde universalmente el
ideal “pansófico”, pero su difusión es posible solo si la
alfabetización es capilar. El objetivo que se obtiene de este modo
es que todos participen en un mundo cultural común y que se
pueda a través del diálogo resolver cualquier tipo de conflicto
realizando plenamente la propia humanidad – y por consiguiente
la propia felicidad- en una panarmonia universal.
En este contexto emerge con fuerza el papel estructural
de la alfabetización. El mundo alfabético esta convencional
reconstrucción del mundo es el ambiente indispensable para los
ideales tanto “pansófico” como “irénico”.
Ahora bien, ¿cuál es la naturaleza de este mundo
alfabético?
La característica principal tanto de estructura como de
contenido es la de constituir el libro universal de la ‘pansofia”:

7
Comenio, La via della luce, cit., p. 113.
8
Con relacion al tema de la pansofia remito a A. Avanzini, La Pansofia.
Comenio, en L. Bellatalla, G. Genovesi (a cargo de), Storia della pedagogia.
Questioni di metodo e momenti paradigmatici [Historia de la Pedagogia. Cuestion
de metodo y momentos paradigmaticos], Firenze, Le Monnier, 2006.

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“este libro no será más que la copia compendiada de forma


ordenada de los libros de Dios, es decir, de la naturaleza, de la
Escritura y de las ideas innatas del hombre, de modo que sea quien
sea que lo lea y lo comprenda, lea y comprenda al mismo tiempo a
sí mismo, a la naturaleza y a Dios. Será, por lo tanto el Libro
general al máximo y universal [...] Libro regular al máximo [...]
Libro ordenado al máximo”9 (9). Existe por lo tanto para
Comenio un concepto sustancial de naturalidad, formado por la
naturaleza, por Dios y por la mente del hombre pero esta
naturalidad es accesible sólo como una tensión límite que se
estructura en la construcción de una copia convencional-cultural,
gestionada y dominada por la mente del hombre: es el hombre el
que ordena, que universaliza a través de la razón y que da un
sentido a esta copia doble de la realidad. Como ya se ha destacado,
existe en Comenio el riesgo de que esta copia adquiera el valor de
una nueva naturalidad, pero tambien es cierto que en el
pensamiento de Comenio, siguiendo esta linea, la dinámica de la
convencionalidad adquiere una función estructural.
Este mundo cultural, reconstruido por el hombre, tiene
que ser estructurado de tal modo que pueda ser difundido en las
escuelas universales, las escuelas de todos: la ‘pansofia”, en este
punto, toma la forma de un repensamiento de todo el saber en
clave educativa, que sirva para ser una estructura gracias a la cual
el hombre se forma y se convierte en un sujeto consciente. La
“pansofia” -posible gracias a la alfabetización-tiene de este modo la
semblanza de una copia del mundo intrínsecamente imbuida de
orden y de sentido educativo.
Es en este momento cuando se plantea un problema
fundamental: ¿a quién se puede entregar esta complicada misión
de construir este mundo convencional?, ¿dónde y con qué
modalidad se puede llevar a cabo este objetivo?

9
Comenio, La via della luce, cit., pp. 124-125.

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Ya en la “Gran Didáctica” Comenio anticipaba que “sería


necesario fundar en todos los paises del mundo una escuela de
escuelas, es decir, un colegio didáctico; o [...] por lo menos cultivar
una sociedad entre personas instruidas, dedicadas a promover de
este modo la gloria de Dios dejando de lado distancias y
diferencias”10 (10).
En “El camino de la luz” este proyecto está delineado de
un modo más detallado y definido y el Colegio de la Luz se define
como “un colegio universal del cual [...] forman parte sabios de
todo el mundo”11 (11), hombres “dotados de ingenio, diligentes,
justos, fervientes amantes del bien universal12 (12) [...] imitadores
del celo de los Apóstoles que se comprometen” a formar a todos
los hombres en todos los saberes”13 (13). A estos hombres doctos
se les define como ‘profetas de la ciencia universal’ y tambien
como ‘mediadores de la felicidad universal’: como se puede ver
alfabetización/conocimiento y educación son dos caras indivisibles
dado que el conocimiento tiene su principio y su fin en el hombre,
en la calidad de su existencia en este mundo.
Este Colegio de la Luz – que es el motor de todo el
proceso de alfabetización universal- lo presenta Comenio como un
lugar al mismo tiempo real e ideal, un lugar animado por una
profunda tensión utópica: tendría que ser una sociedad con sede
en Inglaterra donde los sabios puedan verse y alimentar el debate y
la comparacion ampliando el espacio de la meditacion y resolver de
este modo fricciones y divergencias en un plano de imparable
investigacion cultural.
El Colegio de la Luz, estructurado como un dialogo
permanente cuya finalidad es mantener el saber anclado en las
manos del hombre, se perfila como una especie de volante hacia

10
Ibidem, p. 503.
11
Comenio, La via della luce, cit., p. 119.
12
Ibidem, p. 143.
13
Ibidem, p. 142.

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una verdadera y propia teoría de la escuela: ademas de las


reflexiones y estructuraciones del saber en clave educativa, los
profetas de la luz tambien tienen la mision de llevar a cabo un
monitorizaje constante de las escuelas universales en las que se
difunde este tipo de saber. Seran ellos los encargados de la mision
de estructurar y monitorizar el sistema de la escuela: “se dedicaran
además a edificar escuelas en todas las naciones, ciudades, barrios
y presentaran esta necesidad a los Magistrados y a demas personal
con cargos publicos. Otro de los objetivos es tambien el de
controlar que estas escuelas funcionen bien”14 (14).
Para que este mecanismo – que prevé una continua
circularidad del saber entre sabios y hombres comunes a través de
la pansofia- pueda funcionar de modo perfecto es indispensable
una condicion fundamental: el mundo alfabético. He aquí que
vuelve a aparecer el problema clave del alfabeto, aparece con su
rostro más ambiguo que es el de mediador cultural. Los hombres,
de hecho, no atribuyen necesariamente a las palabras el mismo
significado, creando así incomprensiones y hostilidad. ¿Cómo se
puede superar la diversidad de la subjetividad que inevitablemente
altera la requerida objetividad universal del alfabeto con el riesgo
de modificarlo y convertirlo en un instrumento de confusion en
vez que en un instrumento de comprensión? La subjetividad, con
toda su alteridad, es en este momento para Comenio un problema:
Si tambien en el mundo cultural esta doblez alfabética
está acometida por la diversidad, por las mezquindades de las
individualidades singulares, la posibilidad de diálogo cae y la
ilusión de un mecanismo perfecto sufre una implosión.
El camino propuesto por Comenio para resolver este
dilema explica emblemáticamente la paradójica contradictoriedad
entre convencionalidad y naturalidad ya mencionada. Comenio
propone la creacion, ex novo, de una lengua universal, una lengua
perfecta, animada por los principios de la pansofia y por lo tanto

14
Ibidem, p. 142-143.

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racional, armónica, ordenada: “es necesario que la lengua universal


sea la más rica y la más copiosa de todas, tiene que ser totalmente
capaz de expresar todas las cosas y de manifestar fácilmente todos
los pensamiento del ánimo”. Además, ésta tiene que ser remedio
universal para la confusión del alma. Esto puede obtenerse
solamente si el ritmo de la lengua es paralelo al ritmo de las cosas,
si esta contiene un numero de palabras que no sea ni mayor ni
menor que el numero de las cosas, solo si une las palabras con el
mismo, exacto orden con el que están unidas las cosas entre sí. De
este modo, la lengua, imita con las palabras las cosas reales y se las
presenta a la mente¨15 (15).
A cada palabra, por lo tanto, tal y como Comenio había
mantenido siempre en todos sus manuales, corresponde una única
y sola cosa, no puede haber ningún margen para la ambigüedad:
Habrá que reproducir el libro de la naturaleza en su perfección
original incluso en la doblez cultural que se forma en la mente del
hombre.¨ Por lo tanto proyectamos una lengua que sea totalmente
1) ¨Racional¨, que no tenga nada [...] que no este henchido de
significado 2) “Analógica”, que no contenga ningún tipo de
irregularidad 3)“ Armoniosa”, que no cree discordancia entre las
cosas y el concepto de las cosas, y que defina, por lo tanto, con la
misma palabra las cualidades esenciales de las cosas y las
características diferenciales¨16 (16).
La lengua universal, racional, analógica, armoniosa se le
presenta a Comenio como la posibilidad de dar una forma
concreta a lo que en la obra ¨Orbis¨ era un complejo reto, dado
que la lengua estaba condicionada por el inevitable uso
consolidado de las palabras, por el exceso interpretativo, por toda
la subjetividad que cada lengua lleva en sí misma dado el uso
cotidiano de ésta por parte del niño en el seno de la familia desde
el momento del nacimiento. La lengua universal nos hace a todos

15
Ibidem, p. 149.
16
Ibidem, p. 150.

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iguales y construye un perfecto y alfabetizado doble del mundo


natural inalcanzable para el hombre sino a través de la palabra.
La lengua, por lo tanto es un mundo que ha sido
ordenado por una mente pensante: llevar esta lengua a todos
significa llevar a la mente de todos un mundo armonioso, racional,
unitario, un mundo sin guerras ni conflictos dado que en su
interior no hay lugar para la ambigüedad subjetiva. Todo esto lo
escribiran primero aquellos sabios que conseguirán dar una nueva
vida al mundo a través de una nueva lengua.
La confianza puesta en la potencia infinita de la mente
humana le permite hipotetizar la posibilidad de eliminar cualquier
tipo de ambigüedad abrazando la lógica de un mundo tan artificial
y perfecto que se convierta de forma paradójica en el único posible.
De este modo se abre a la naturalización de la naturaleza.
De todas formas, es importante no subestimar como en
la estructuración de esta nueva lengua, Comenio hace emerger una
indicación educativa fundamental: el vínculo de unión indisoluble
entre la alfabetización y la construcción a nivel de valores del
mundo. El hombre es el mundo que consiga construir
culturalmente. No es posible ser hombres de verdad si no se
consigue llevar a cabo este pasaje cognitivo: el saber que la cultura
da sustancia a nuestra identidad y que por lo tanto es posible una
existencia pacífica entre los hombres. Sin subestimar como - con
la condición de que se mantenga una fuerte connotación
convencional de fondo- la exigencia de eliminarle la ambigüedad al
lenguaje constituya un paso fundamental en la construcción de
mundos realmente percibidos como algo en común.
En este sentido Comenio es un hombre de su tiempo,
por una parte se da cuenta de la necesidad de dar forma a un
conocimiento convencional que convierte al hombre en sujeto y
actor del conocimiento/transformación del mundo; por otra parte,
siente la necesidad de eliminar esta subjetividad, causa de estorbo
infinito para la posibilidad de conocer un mundo unitario y
seguro. De este modo, al final, mueve el baricentro hacia otro
mundo – un doble alfabético/cultural del mundo- del que se
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eliminará cualquier tipo de residuo de imperfección y desorden a


favor de reglas racionales, armónicas, que den identidad y que se
reflejen a sí mismas y que den vida a una ciudad ideal que no
tiende hacia la perfección sino que es ya absoluta y definitivamente
perfecta.

Alessandra Avanzini, Phd, é professora de Historia da pedagogia


na Universidade de Milano-Bicocca e de Didática na Universidade
de Ferrara. Suas publicações: Apologia della pedagogia (Milano,
2003); Didactica. Teoria e prassi (Pisa-Tirrenia, 2006);
L’educazione attraverso lo specchio (Milano, 2008); (con Luciana
Bellatalla) Peter Pan. Il racconto, il mito il senso educativo
(Milano, 2009).

Data de recebimento: 15/12/2008


Data de aceite:20/02/2009

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DISCURSOS DO PODER, POLÍTICA
EDUCACIONAL E OS LIVROS DIDÁTICOS DE
LEITURA NO RIO GRANDE DO SUL (1930/1945)
Berenice Corsetti
Elisabete Magda Klaus
Márcia Cristina Furtado Ecoten

Resumo
Este trabalho trata da relação percebida entre os discursos
pronunciados pelos dirigentes maiores da educação brasileira, no
período de 1930 a 1945, os quais explicitaram os pressupostos da
política educacional então vigente, e os manuais didáticos de leitura
utilizados nas escolas primárias do Rio Grande do Sul. Buscou-se
perceber o papel por eles desenvolvidos na construção do ideário
legitimador do modelo sócio-econômico e político, à época, bem
como do imaginário coletivo que respaldou a consolidação desse
modelo. Através de categorias teóricas que sistematizaram as
informações, percebemos o universo de valores transmitidos às
crianças das escolas primárias, preparando-as para a sua inserção
ordeira e disciplinada na sociedade de então.
Palavras-chave: Livros de leitura; Rio Grande do Sul; Política
educacional.

DISCOURSES OF POWER, INTERNATIONAL


POLITICS, AND READING EDUCATIONAL BOOKS
IN RIO GRANDE DO SUL (1930 – 1945)
Abstract
This paper is about the connection that has been noticed relating the
discourses pronounced by the most important leaders of the Brazilian
education from 1930 to 1945, that clearly stated the presuppositions
of the educational politics which were current on that time, and the
reading educational manuals that were used at the primary schools in
Rio Grande do Sul. We have tried to notice the role played by them
on building up the legitimizing ideas of the political and
socioeconomic model of that time and also the collective ideas which
supported the consolidation of this model. Having as our base the
theoretical categories that systematized the information, we noticed
the universe of values that was transmitted to the children who
studied in the primary schools, preparing them to become an orderly
and disciplined part of the society of that time.

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Keywords: Reading books; Rio Grande do Sul; Educational politics.

DISCURSOS DE PODER, POLÍTICA EDUCATIVA


Y LOS LIBROS DIDÁCTICOS DE LECTURA
EN RÍO GRANDE DO SUL (1930/1945)
Resumen
Este trabajo trata de la relación que se percibe entre los discursos
pronunciados por los dirigentes más importantes de la educación
brasileña, en el período de 1930 a 1945, que dejaron explícitos los
objetivos de la política educativa vigente de ese momento, y los
manuales didácticos de lectura utilizados en las escuelas primarias de
Río Grande do Sul. Se procuró entender el rol que estos manuales
desarrollaron en la construcción del ideario legitimador del modelo
socioeconómico y político de la época, así como el imaginario
colectivo que respaldó la consolidación de ese modelo. A través de
categorías teóricas que sistematizaron las informaciones, hemos
notado el universo de valores transmitidos a los niños de las escuelas
primarias, preparándolos para su inserción organizada y disciplinada
en la sociedad de entonces.
Palabras clave: Libros de lectura; Río Grande do Sul; Política
educativa.

DISCOURS DU POUVOIR, POLITIQUE


ÉDUCATIONNELLE ET LES LIVRES DIDACTIQUES
DE LECTURE AU RIO GRANDE DO SUL (1930/1945)
Résumé
Ce travail se penche sur la relation entre les discours prononcés par
les dirigeants de l’éducation brésilienne entre 1930 et 1945, qui ont
exprimé les présuposés de la politique éducationnelle d’alors et les
manuels didactiques de lecture utilisés dans les écoles primaires du
Rio Grande do Sul. L’on a cherché à comprendre le rôle qu’ils ont
joué dans la construction de l’idéal qui légitimait le modèle socio-
économique et politique à cette époque-là et de l’imaginaire collectif
qui a soutenu la consolidation de ce modèle. Au moyen de catégories
théoriques qui ont systématisé les informations, on perçoit l’univers
de valeurs transmises aux enfants des écoles primaires, qui les
préparent pour leur insertion disciplinée dans la société de l’époque.
Mots-Clés: livres de lecture; Rio Grande do Sul; politique
éducationnelle.

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Introdução

Este trabalho apresenta resultados parciais alcançados


através de investigação que vem sendo realizada em manuais
didáticos do período de 1930/1945, bem como sobre sua relação
com a política educacional adotada no Rio Grande do Sul, no
período. Aqui tratamos especificamente da utilização dos livros de
leitura, que foram analisados com vistas à percepção do papel por
eles desenvolvidos na construção do ideário legitimador do modelo
sócio-econômico e político, à época, bem como do imaginário
coletivo que respaldou a consolidação desse modelo. O
procedimento metodológico utilizado foi o de selecionar o
conteúdo identificado nos livros, agrupando-o através de categorias
teóricas escolhidas para organizar as informações. As categorias
definidas foram: trabalho, propriedade, hierarquia, família, ordem,
civismo, heróis, higienização e educação, que foram aproximadas e
analisadas dialeticamente. Esses elementos foram cruzados com os
discursos dos dirigentes maiores da política educacional brasileira,
permitindo perceber a articulação que se estabeleceu entre os
pressupostos políticos e educacionais divulgados nacionalmente e o
papel dos livros de leitura na sua divulgação e disseminação junto
às crianças das escolas primárias do Rio Grande do Sul.

1 O contexto histórico e a política educacional

Entre 1930 e 1945, a história brasileira iniciou um


expressivo esforço de construção de um projeto nacional baseado
na industrialização, fundamentado numa política de substituição
de importações. O modelo de desenvolvimento nacional
constituído a partir de então se relacionou com a consolidação do
poder central, que se esboçou em 1930 e se confirmou em 1937.
O país foi dotado de um centro de decisões com considerável

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autonomia, no contraponto aos grupos econômicos e políticos


tradicionais. Diversas ações políticas foram desenvolvidas,
caracterizando políticas públicas peculiares da época, tanto no
campo econômico como social.
O Rio Grande do Sul, entre 1930 e 1945, de forma
distinta do processo que se desenvolvia a nível nacional, manteve
sua economia baseada na agropecuária. É um período em que as
atividades econômicas permitiam a seus dirigentes – homens de
Estado, empresários e muitos outros – alimentarem-se de muito
otimismo, frente à convicção de que uma industrialização
diferenciada surgiria organicamente das forças econômicas sulinas.
Na década de 1950, essa certeza deu lugar a dúvidas e ao
pessimismo, o que reorientará a ação do Estado no campo
econômico. Para os fins deste trabalho, iremos nos restringir á
caracterização do período que é alvo de nosso interesse.
Durante os anos situados entre 1930 e 1945, a
economia política gaúcha caracterizou-se por atingir o apogeu de
seu modelo histórico de desenvolvimento, construído ao longo de
um século. O referido modelo implicou num processo de
acumulação de riquezas, de capital e de dominação política bastante
próprio, com características econômicas, políticas e ideológicas. O
modelo histórico gaúcho foi composto por uma economia regional
capitalista com linhas próprias, cujo eixo central esteve
fundamentado nas atividades agropecuárias conectadas às atividades
fabris e exportadoras. A ideologia de “democracia agrária”,
“desenvolvimento harmônico das forças produtivas” e a perspectiva
do Estado depender sempre de suas próprias forças para avançar no
seu desenvolvimento, completou esse modelo.
Evidenciou-se, assim, uma dinâmica econômica
caracterizada por sua dependência das remessas para outras regiões
brasileiras e da expansão dos mercados urbanos, bem como por
encontrar, na organização agrária, um mercado pouco expressivo
para seu crescimento. O papel do Rio Grande do Sul, no cenário
nacional, restringiu-se, nesse período, o de ser uma área de

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abastecimento, sobretudo de matérias-primas para o exterior e de


gêneros alimentícios para o mercado interno nacional.
Em termos políticos, o período em questão foi marcado
pelos governos de Flores da Cunha (interventor de 1930/1914 e
governador de 1914 a 1937), bem como pela administração dos
interventores indicados durante o Estado Novo: o coronel Daltro
Filho (1937/1938), o coronel Osvaldo Cordeiro de Farias
(1938/1943) e o coronel Ernesto Dornelles (1943/1945).
Durante o período ditatorial, consolidou-se a intervenção estatal
na economia, na política e na sociedade. O Rio Grande do Sul
passou a aplicar uma série de medidas determinadas pelo governo
federal. Foram extintos os partidos políticos, queimadas as
bandeiras estaduais e eliminados os símbolos regionais.
A campanha de nacionalização teve forte extensão no
Estado, sobretudo nas regiões coloniais de origem italiana e alemã.
As pesquisas que realizamos demonstraram o impacto das medidas
nacionalizadoras implementadas no período, integrando a política
educacional adotada à época, cujo conjunto de ingredientes
estamos ainda investigando.
É nesse contexto, que merece ser considerado como
pano de fundo histórico do período que estamos analisando, que a
política educacional vai ter importância significativa, tendo sido
sintonizada, a nível nacional, com a modernização industrial e o
projeto de desenvolvimento posto em curso no país, à época.

2 Discursos do poder e política educacional

Visando perceber a relação existente entre o conteúdo


dos discursos proferidos pelos formuladores das políticas
educacionais no Brasil e os pressupostos dessas políticas existentes
nos livros didáticos de leitura, no período estudado, no Rio
Grande do Sul, utilizamos quatro textos que registram os
discursos pronunciados, no período de 1933 a 1938, pelo
Presidente Getúlio Vargas, em momentos específicos, ou seja: os
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discursos pronunciados por Vargas, na Bahia, em 18 de agosto de


1933, sobre a instrução profissional e a educação moral, cívica e
agrícola: em 10 de maio de 1936, em resposta à manifestação
popular recebida, na capital federal, por ocasião do regresso de
Petrópolis, sobre a necessidade e dever de repressão ao
comunismo; na cerimônia comemorativa do primeiro centenário
da Fundação do Colégio Pedro II, no Teatro Municipal, no Rio
de Janeiro, em 2 de dezembro de 1937, sobre os problemas da
educação nacional. O quarto texto retratou parte do discurso de
Vargas, nesta última solenidade, bem como o pronunciamento do
Ministro Gustavo Capanema, nessa ocasião.
O papel da política educacional aparece com muita
relevância, nas falas oficiais, como podemos perceber nas palavras
de Getúlio Vargas1:

[...] precisamos, com maior urgência, dar sentido claro,


diretrizes construtoras e regras uniformes à política
educacional, o mais poderoso instrumento a utilizar no
fortalecimento da nossa estrutura moral e econômica.
Dentro dessa orientação se vem processando,
precisamente, desde 1930, a atividade governamental.
Cuidou-se de ampliar as possibilidades do Estado em
todos as graus da instrução e ramos do ensino.
Houve sempre [...] convicção de que educar não é apenas
transmitir conhecimento ou conferir diplomas de
capacidade intelectual.”(1937: 09) [...] O preparo
profissional constitui outro aspecto urgente do problema
e foi igualmente considerado nas responsabilidades do
novo regime. Cabe aos elementos do trabalho e da
produção, agrupados corporativamente, colaborar com o
Governo para formar os técnicos de que tanto
carecemos. (1937, p. 9-10)”.

1
Esclarecemos que, em todas as citações que estamos apresentando nesse
trabalho, os grifos são nossos e estão sendo utilizados para ressaltar não apenas
elementos relevantes dos conteúdos escolhidos, mas, também, para permitir a
percepção da articulação entre as diferentes categorias teóricas que escolhemos
para organizar as informações coletadas.
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Em relação à política educacional, outros ingredientes


podem ser percebidos, nos discursos do Presidente, onde a forte
vinculação com a nacionalização e com os valores cívicos e morais
é claramente perceptível:

A iniciativa federal, para maior difusão do ensino


primário, em obediência aos preceitos da nova
Constituição, se processará de forma intensiva e rápida,
estendendo-se a todo o território do país. Não se cogitará
apenas de alfabetizar o maior número possível, mas,
também, de difundir princípios uniformes de
disciplina cívica e moral, de sorte a transformar a
escola primária em fator eficiente na formação do caráter
das novas gerações, imprimindo-lhes rumos de
nacionalismo sadio [...] A educação é, entretanto, um
problema nacional por excelência. Torna-se preciso e
urgente, por isso, fazer emanar no poder federal tudo o
que se refere à sua definição e disciplina. O Código de
Educação Nacional, quase terminado, se destina a sanar
tão considerável falha, e possivelmente será decretado
ainda em 1938. (1938, p.183)

Essa perspectiva é respaldada por Gustavo Capanema, que


discute a expansão do ensino relacionada com a questão nacional:

Não bastará difundir escolas. É preciso que cada uma


delas, desde a mais singela até a mais complexa, seja
organizada de tal modo que funcione [...] como centro
de preparação integral de cada indivíduo, para o
serviço da Nação [...] o programa educativo que por ela
deve ser desenvolvido [...] constituem, pois, essencial
tarefa a que se deve propor o Governo Federal. Ele
pretende realizá-la por meio do Instituto Nacional de
Pedagogia [...] montado como um centro de estudos,
inquéritos e pesquisas educacionais, e constituirá um
órgão de orientação pedagógica, destinado a influir
decisivamente na organização e no funcionamento das
escolas. (1937, p. 25-26)

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A importância da educação é salientada de forma


expressiva, tanto nos discursos de Vargas como de Capanema,
numa relação muito forte com o projeto nacional. Selecionamos
algumas das falas desses dirigentes, que possibilitam identificar o
projeto educacional do governo, no período em estudo.

O processo mais adequado às nossas condições sociais é o


que consiste na preparação equilibrada do espírito e do
corpo, transformando cada brasileiro em fator consciente
e entusiasta do engrandecimento pátrio. [...] A
Constituição em vigor estabelece a obrigatoriedade e
gratuidade do ensino primário. O volume dos iletrados
constitui obstáculo ponderável, tanto ao aparelhamento
institucional, como para o desenvolvimento das atividades
produtivas. (VARGAS: 1937, p. 10) A partir dos [...]
pioneiros da escola nova [...] A educação passou, então a
ser considerada como uma função social de excepcional
relevo, e a sua finalidade já não era simplesmente
ministrar noções e conhecimentos assentados, mas
essencialmente preparar a criança e o adolescente para
viver em sociedade [...] Educar seria rigorosamente
socializar o ser humano. Despertar no indivíduo o
máximo de eficiência, e atirá-lo no largo fórum das
competições humanas, eis aí a finalidade visada pela nova
pedagogia. (CAPANEMA: 1937, p. 17-18)

Uma longa exposição de Gustavo Capanema merece


destaque, pelo conjunto de pressupostos que apresenta, no que
tange à política educacional:

A educação, no Brasil, tem que colocar-se agora


decisivamente ao serviço da Nação. Sabemos que o
Estado tem por função fazer com que a Nação viva,
progrida, aumente as suas energias e dilate os limites de
seu poder e de sua glória. É esta a decisão com que, no
Brasil, o Estado agora se estrutura e mobiliza os seus
instrumentos. Ora, sendo a educação um dos
instrumentos do Estado, seu papel será ficar ao serviço da
nação. [...] A nação tem um conteúdo específico. É uma
realidade moral, política e econômica. Assim, quando

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dizemos que a educação ficará ao serviço da nação,


queremos significar que ela, longe de ser neutra, deve
tomar partido, ou melhor, deve adotar uma filosofia e
seguir uma tábua de valores, deve reger-se pelo sistema
das diretrizes morais, políticas e econômicas, que
formam a base ideológica da Nação, e que, por isso,
estão sob a guarda, o controle ou a defesa do
Estado. A educação atuará, pois, não no sentido de
preparar o homem para a ação qualquer na sociedade,
mas precisamente no sentido de prepará-lo para uma ação
necessária e definida de modo que ele entre a constituir
uma unidade moral, política e econômica, que integre
e engrandeça a Nação. O indivíduo assim preparado [...]
Virá para construir a Nação, nos seus elementos materiais
e espirituais, conforme as linhas de uma ideologia precisa e
assentada, e ainda para tomar a posição de defesa contra as
agressões de qualquer gênero que tentem corromper essa
ideologia ou abalar os fundamentos da estrutura e da vida
nacional. (1937, p. 19-22)

Vargas destaca, no desenvolvimento da educação


nacional, o papel do professor:

A palavra do professor não transmite apenas


conhecimentos e noções do mundo exterior. Atua
agilmente pelas sugestões emotivas, inspiradas nos mais
elevados sentimentos do coração humano. Desperta nas
almas jovens o impulso heróico e a chama dos
entusiasmos criadores. Concito-vos, por isso, a utilizá-la
no puro e exemplar sentido do apostolado cívico –
infundindo o amor à terra, o respeito às tradições e a
crença inabalável nos grandes destinos do Brasil.” (1937,
p.12) [...] Trabalhadores intelectuais de todo o país,
especialmente aqueles que se consagram ao grave ofício de
educar, devem ter, neste momento, os olhos e o coração
voltados para o Brasil, procurando compreender as
exigências duras do presente e correndo a oferecer a
vocação, o esforço e o sacrifício à maior das empresas, de
que a salvação nacional depende, e que é a educação
completa da infância e da juventude. Em matéria de
educação, cabe, sem dúvida, ao Governo federal o papel
precípuo e decisivo. (1937, p.16)

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A formação dos professores é preocupação expressa pelo


Ministro Capanema:
[...] a primeira medida a ser tomada para a organização de
um grande programa de realizações educacionais, é
instituir os cursos e montar os estabelecimentos
necessários à formação moral e técnica dos
professores. [...] preparação de professores primários, já
se fundaram [...] Esta necessidade é sobretudo imperiosa,
no que diz respeito à formação de professores para o
ensino secundário, para o ensino profissional de todos os
ramos e graus e para o ensino rural. O Governo Federal,
nesta matéria, atuará [...] fundando e mantendo
estabelecimentos especiais de preparação do magistério.
(1937, p. 41)

A utilização da escola, sobretudo a primária, para a


formação do cidadão que interessava ao projeto de desenvolvimento
capitalista patrocinado pelo Estado, na Era Vargas, aparece com
destaque, nas falas pronunciadas pelo Ministro da Educação, em
1937:
[...] se a educação visa preparar o homem completo,
isto é, como pessoa, como cidadão e como trabalhador,
afim de que êle realize integralmente, no plano moral,
político e econômico, a sua vida, para servir a Nação, se a
educação tem esta grave finalidade, claro está que o
Estado deve assumir a sua suprema direção [...]
Cumpre fixar, em um corpo de lei, os preceitos diretores da
educação nacional, de modo que todas as atividades
educacionais do país, de caráter federal, estadual, municipal
ou privado, se rejam pela mesma disciplina. Serão aí
estabelecidas as diretrizes ideológicas, sob cuja influência
toda a educação será realizada [...] Tal corpo de lei
constituirá o Código da Educação nacional. (p. 23) [...] O
ensino primário tem que ser considerado, sobretudo, como
o verdadeiro instrumento de modelação do ser humano [...]
despertar e acentuar na criança as qualidades e aptidões de
ordem física, intelectual e moral, que a tornem rica de
personalidade e ao mesmo tempo dotada de disciplina e
eficiência, estes dois atributos essenciais do cidadão e
do trabalhador. (p. 27)
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O ensino profissional, criado no período do Estado


Novo, é uma das marcas constitutivas da política educacional à
época. Vargas e Capanema reforçam essa iniciativa, conforme suas
palavras apresentadas abaixo deixam perceber:

[...] a Constituição declara que, em matéria de educação,


difundir o ensino profissional é o primeiro dever do
Estado. [...] o Brasil precisa urgentemente de adaptar-se
às condições contemporâneas, formando numerosas
equipes de profissionais, aptos a servir-se das forças
mecânicas, que dominam tôdas as formas da atividade do
homem moderno [...] O ensino profissional está sendo
considerado em seus vários ramos: industrial, agrícola,
comercial e doméstico [...] O Ministério da Educação e
Saúde está procedendo à montagem de um sistema de
liceus, em todo o território do país, nas zonas urbanas e
rurais, afim de levar a educação profissional de todos os
ramos e graus aonde que as necessidades técnicas da
população não possas cabalmente ser atendidas pelas
iniciativas locais. [...] Prosseguirá o Governo Federal,
com esforço cada vez maior, na construção e no
aparelhamento dessa rede de liceus, destinados a dar a
todo o país, conforme as peculiaridades de cada região, o
ensino profissional capaz de transformar a juventude
brasileira que aí vem, num exército de trabalhadores
competentes, úteis a si mesmos e à Nação.
(CAPANEMA: 1937, p. 28-31)

Como é possível depreender dos trechos selecionados, a


visão hierárquica da sociedade marca, também a educação
brasileira, ou seja, para os pobres, o ensino primário e profissional,
para a elite, o ensino secundário e superior. Essa compreensão
pode ser complementada com a passagem exposta a seguir:

[...] acentuar o caráter cultural do ensino secundário, de


modo que êle se torne verdadeiramente o ensino
preparador da elite intelectual do país. Para isto,
força é excluir toda a preocupação de enciclopedismo, que
é de natureza estéril, para que tomem o primeiro lugar,

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no programa secundário, sólidos estudos das clássicas


humanidades. (CAPANEMA: 1937, p. 31-32)

A defesa da ordem, envolvendo a hierarquia social e o


trabalho, tem forte presença nos discursos oficiais:

A nova Constituição, colocando a realidade acima dos


formalismos jurídicos, guarda fidelidade às nossas tradições
e mantém a coesão nacional, com a paz necessária ao
desenvolvimento orgânico de todas as energias do país. Os
imperativos de ordem e segurança predominam.
Garante o trabalho e o capital, a família e o Estado,
as atividades produtivas e o funcionamento regular
do poder público. [...] Nenhum governo, nos dias
presentes, pode desempenhar a sua função sem satisfazer as
justas aspirações das massas trabalhadoras. Podeis
interrogar, talvez: quais são as aspirações das massas
obreiras, quais os seus interesses? E eu vos responderei: a
ordem e o trabalho! Em primeiro lugar, a ordem, porque
na desordem nada se constrói; porque, num país como o
nosso, onde há tanto trabalho a realizar, onde há tantas
iniciativas a adotar, onde há tantas possibilidades a
desenvolver, só a ordem assegura a confiança e a
estabilidade. [...] O trabalho só se pode desenvolver em
ambiente de ordem. [...] O trabalho é o maior fator da
elevação da dignidade humana! Ninguém pode viver
sem trabalhar; e o operário não pode viver ganhando,
apenas, o indispensável para não morrer de fome! O
trabalho justamente remunerado eleva-o na dignidade
social. (VARGAS: 1938, p.114/115 e 203-204)

A defesa da hierarquia social e da família também


merece destaque, através da abordagem que é feita da educação da
mulher. O trecho a seguir traduz exemplarmente essa situação.

Os poderes públicos, tendo em mira que a finalidade da


educação é preparar o indivíduo para a vida moral, política
e econômica da Nação, devem na organização dos
estabelecimentos de ensino, considerar diversamente o
homem e a mulher. [...] no mundo moderno, um e outro
são chamados à mesma quantidade de esforços pela obra

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comum. Pois a mulher se mostrou capaz de tarefas as mais


difíceis e penosas, outrora retiradas de sua participação. A
educação a ser dada aos dois há de, porém, diferir, na
medida em que diferem os destinos, que a Providência lhes
deu. Assim, se o homem deve ser preparado, com têmpera
militar, para os negócios e as lutas, a educação feminina
terá outra finalidade, que é o preparo para a vida do lar. A
família, constituída pelo casamento indissolúvel, é a base
de nossa organização social e está, por isso, colocada sob
proteção especial do Estado. Ora, é a mulher que funda e
conserva a família, como é também por suas mãos que a
família se destrói. Ao Estado, pois, compete, pela educação
que lhe ministra, prepará-la convenientemente para a sua
grave missão. E é assim que a educação feminina, pela
importância de que se reveste, passa a exigir dos poderes
públicos cuidados e medidas especiais. (CAPANEMA,
1937, p. 40)

O conteúdo moral do processo educativo é ressaltado em


inúmeras passagens dos discursos oficiais dos dirigentes brasileiros,
das quais selecionamos a seguinte:

Qualquer escola, seja qual for o grau ou ramo do seu


ensino, mas sobretudo a escola primária, deve incluir, no
programa de seus trabalhos, a educação moral. [...] O
Governo Federal tem em alta conta este aspecto do
problema educacional. No Código da Educação
Nacional, a educação moral, de que o ensino
religioso é a base das mais sólidas, terá definição
plena. [...] À propósito da educação moral [...] um dos
elementos educativos de mais alto valor, o canto
orfeônico, que deverá ser organizado e praticado em todas
as escolas do país. (CAPANEMA: 1937, p. 39)

A relação entre educação, trabalho, saúde e higiene, é


expressa de forma significativa nas falas oficiais, constituindo-se,
igualmente, em forte conteúdo da política educacional do período.
As palavras de Vargas e Capanema, nesse sentido, são expressivas:

A par da instrução, a educação: dar ao sertanejo [...] a


consciência dos seus direitos e deveres; fortalecer-lhe a
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alma, convencendo-o de que existe solidariedade humana;


enrijar-lhe o físico pela higiene e pelo trabalho, para
premiá-lo, enfim, com a alegria de viver, proveniente do
conforto conquistado pelas próprias mãos. [...] instruir
[...] dotando cada cidadão de um ofício que o habilite a
ganhar independência, a vida ou transformando-o em um
produtor inteligente de riqueza, com hábitos de
higiene e de trabalho, consciente do seu valor moral
(VARGAS: 1933: p. 119, 121- 122) A educação
física, pelo papel que representa na formação integral da
personalidade, deve ser ministrada em todas as escolas. As
crianças e os adolescentes, sejam quais forem os estudos a
que estejam consagrados, precisam receber, com método,
segundo processos racionais, esta espécie de educação,
que lhes será propícia à saúde, que lhe dará ao corpo
equilíbrio e agilidade, que o dotará de coragem, alegria e
fervor, que concorrerá, afinal, para lhes robustecer o
caráter e a inteligência. (CAPANEMA: 1937, p. 38)

O combate ao comunismo é largamente pregado pelo


Presidente Vargas, em sua manifestação na capital federal, em
1936:
A ação devastadora do comunismo russo é vária e
multiforme [...] engendrou uma técnica especializada do
crime contra a ordem social [...] atividade anti-social dos
audazes agitadores adestrados e mantidos pela
INTERNACIONAL COMUNISTA instalada em
Moscou. [...] aos comunistas [...] aos que nos afrontam e
atacam dentro de nossa própria casa devemos dispensar
tratamento bem diverso. Contra os inimigos de portas a
dentro [...] a luta deve ser dura., decidida e constante.
Para combatê-los, é indispensável a união dos
brasileiros de todas as camadas sociais e de todos os
matizes políticos, antepondo uma muralha
intransponível à onda dissolvente que pretende destruir os
nossos lares e aniquilar, com o patrimônio material e
espiritual dos nossos maiores, o próprio futuro dos nossos
filhos. (p. 151-154)

Os elementos acima apresentados, e que refletem


importantes aspectos da política educacional nacional do período,
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serão relacionados com o conteúdo que encontramos nos livros de


leitura, adotados no Rio Grande do Sul à época.

3 Os livros de leitura
como instrumento da política educacional

Na busca de elementos empíricos que nos possibilitassem


compreender a política educacional implementada no Rio Grande
do Sul, no período de 1930 a 1945, os livros didáticos nos
permitiram perceber aspectos significativos do processo estudado.
Do conjunto de exemplares localizados, a opção inicial foi a análise
dos livros de leitura, pelo conjunto de elementos que afloraram, em
termos do conteúdo dos mesmos, em que foi possível identificar
forte relação com a política educacional então implementada.
O procedimento metodológico utilizado foi o de
selecionar o conteúdo identificado nos livros, agrupando-o através
de categorias teóricas escolhidas para organizar as informações.
Essas categorias, uma vez aproximadas, permitiram perceber os
ingredientes ideológicos que integraram o processo de consolidação
do modelo político, econômico e social implementado no Rio
Grande do Sul, à época.
As categorias escolhidas foram: trabalho, propriedade,
hierarquia, família, ordem, civismo, heróis, higienização e
educação. Esclarecemos que algumas dessas categorias encontram-
se articuladas, em diversos momentos, na construção dos
conteúdos dos livros de leitura, que eram utilizados pelas crianças
das escolas primárias do Rio Grande do Sul.
Chama a atenção a afirmativa que encontramos, na
introdução da obra de Erasmo Braga, sobre o papel que foi
destinado ao livro de leitura que o autor apresentava e que é um
indicativo do papel a ele conferido, como podemos apreciar através
das palavras do autor:

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Este livro de leitura tem por fim principal fornecer ao


professor material para o ensino da leitura, ao passo que
proporciona ao alumno assuntos vários que visam a sua
educação intelectual, cívica e moral sem perder de vista os
elementos estheticos [...] O presente volume constitui
uma galeria de quadros da vida comum, singela e sadia de
indivíduos a quem a economia e um inteligente governo
doméstico fazem otimistas e felizes. (BRAGA, S/D. III.)

Para fins deste trabalho, iremos trazer as reflexões que


desenvolvemos a partir das categorias indicadas, ressaltando que se
trata de uma primeira sistematização de um universo de
informações bem mais amplas do que poderemos retratar aqui.
A consolidação do ideário nacionalizador e legitimador
do Estado-Nação que se afirmava, à época, destacam-se elementos
que merecem ser explicitados. O civismo é permanentemente
salientado, como podemos observar através dos trechos escolhidos
e que expomos a seguir.
É no trabalho honesto, que enriquece a nação. É com a
instrução militar para a defesa da Pátria, na hora do
perigo. É servindo bem a Pátria, na paz e na guerra.
(BRAGA, 1944, p.41) Ninguém é humilde demais para
cumprir o seu dever com heroísmo e dedicação.
(BRAGA, 1944, p.137) [...] os meninos podem prestar
grandes serviços á sua pátria e á humanidade, com muita
inteligência e coragem. (BRAGA, S/D. p.112)

A pátria, como conceito chave, aparece com destaque em


todas as publicações analisadas, como é possível perceber nos
trechos que selecionamos, entre outros tantos que poderíamos
apresentar, mas que, pelas dimensões deste texto, não puderam ser
incluídos.
O patriotismo exclue effectivamente o cosmopolitismo
[...] Há [...] quem pregue e sustente o cosmopolitismo
[...] Brazil, para nós o seu território é mais sagrado do
que qualquer outro, o seu pavilhão mais digno da nossa
veneração que todas as bandeiras do mundo. (RIBEIRO,
S/D. p. 89) Conhecer a historia da patria é conhecer as
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suas lutas e os seus revezes; os seus triumphos e os seus


dias gloriosos; os homens que a tem illustrado em todos
os tempos [...] heróicos antepassados que morreram
combatendo os primeiros inimigos, exppelindo os
primeiros invasores, edificando com sangue e lagrimas os
primeiros templos e as primeiras cidades. (RIBEIRO,
S/D. p. 120-121) [...] a pátria precisará do vosso
concurso, das vossas faculdades, do vosso amor, do vosso
patriotismo [...] é necessario que vos mostreis dignos de
tamanha gloria servindo-a com todas as dedicações.
(RIBEIRO, S/D. p.121) [Para servir a pátria] [...] basta
que eu seja instruído, honesto e trabalhador. [...] homem
vadio ou [...] criminoso [...] se pensasse na pátria não
praticaria actos indignos della! [...] O que ama o seu paiz
deve honral-o, engrandecel-o. (RIBEIRO, S/D. p. 120)

Os efeitos da campanha de nacionalização tão


fortemente implementada no período de nosso estudo, também
podem ser percebidos, sobretudo no que tange às regiões coloniais:
“[...] sou de origem italiana, o Brasil é minha pátria. Sou
brasileiro de nascimento e de coração. Pelo Brasil farei tudo.”
(S/A. 1930, p. 93)
Não faltam exemplos edificantes do mais exacerbado
patriotismo, como destaca a apologia feita a figuras representativas
da história brasileira: “General Osório, um grande general gaúcho
[...] soldado da pátria e da liberdade [...] um semi-deus [...]
Avante! Viva o Brasil! avante! avante!” (S/A. 1930, p. 54)
A idéia de ordem é ressaltada tanto no plano social como
familiar, configurando mais um dos ingredientes que integraram o
imaginário coletivo reforçado pelo conteúdo dos livros de leitura:

Começa-se por casa, meu filho. É aqui, aprendendo a


cumprir o dever, a falar a verdade, a obedecer e a servir, a
trabalhar e tornar-nos úteis, a estimar aqueles que Deus
nos deu. (BRAGA, 1944, p. 40-41) Um lugar para cada
coisa e cada coisa em seu lugar – esta é a norma que a
mamai dá aos domesticos para trazer a casa em ordem.
(BRAGA, S/D. p.07) [...] juiz [...] garantia da paz e da
ordem pública [...] (BRAGA, S/D. p. 119)

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Nesse contexto, o valor do núcleo familiar é ressaltado


com destaque, nas publicações analisadas, complementando o
universo de valores destacados: “A primeira de todas as escolas é a
familia, porque os primeiros educadores são o pae e [...] a mãe
sobretudo.” (RIBEIRO, S/D. p.97)
Salta aos olhos do leitor atento a valorização e
naturalização dos valores relacionados ao modelo capitalista, já
dominante no cenário gaúcho, mas cujo reforço destaca-se em
vários aspectos. A defesa da propriedade privada é um dos mais
expressivos.

Nunca se deve entrar na propriedade alheia sem a


licença do dono, especialmente quando se pretende
utilizar de qualquer coisa, seja do terreno, da mata ou da
água. (BRAGA, 1944, p. 111) Reparem como é bonita a
nossa casa. Não é rica, não tem luxo. Mas é a nossa casa.
Foi papai quem comprou o terreno, trabalhou muito.
Economizou muito. (BRAGA, 1944, p. 5-6) [...] as leis
do nosso paiz e estas garantem a cada um o direito de
propriedade.” (BRAGA, S/D. p.117) Tirar de outrem o
que lhe pertence é uma violencia. (RIBEIRO, S/D. p.
66) Até aqui, meus amigos, tenho falado dos deveres que
consiste em não atacar a vida, a liberdade e os bens dos
nossos semelhantes. (RIBEIRO, S/D. p 68) A economia
é a base da prosperidade. (S/A. 1930, p.36)

Aliado ao valor da propriedade, encontramos a defesa


ideológica do trabalho, como valor social e produtivo. São muitas
as representações de ingrediente fundamental para a configuração
do ideário social do período, como podemos perceber através das
citações que escolhemos, entre tantas outras que poderiam ser
ainda incluídas, pois realmente é surpreendente como os livros de
leitura acentuam este elemento constitutivo do ideário da época.

Eu e o José começamos a trabalhar pela Pátria. O filho


do vizinho, o Tonico, não sabe ler. Pedimos ao papai que
comprasse uma cartilha, um caderno e um lápis. E
começamos a dar-lhe as nossas lições. (BRAGA, 1944,

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p. 42) Quem não sabe empregar bem seu tempo, e


desperdiça as horas vagas, perde muito. Há no trabalho,
tanta alegria que é uma pena, se não a soubermos
aproveitar. (BRAGA, 1944, p. 157) Madruga e verás,
trabalha e terás. (BRAGA, S/D. p.5) Reserve-se o dia
para o trabalho, a noite para o descanço, e o domingo
para as relações sociais e a vida ao ar livre. O domingo é
o descanço instituído por Deus em favor do operário.
(S/A. 1930, p. 152)

O objetivo do formar cidadãos saudáveis, através da


escola, aparece muito nítido, em numerosos trechos dos livros de
leitura. Os cuidados com o corpo, os hábitos de higiene e a
atenção com a saúde são aspectos recorrentes e que revelam um
dos elementos da política educacional do período, como podemos
perceber pelas citações apresentadas abaixo.

[...] O asseio deve existir em todos os aposentos, porque


ele é um auxílio para a nossa saúde e nos faz bem, na
medida do esforço que empregamos para guardá-lo.
(HEUSER, 1943, p.84) Mamãe ralhou com ele por ter
rasgado a jaqueta e sujado a calça de tinta. Ela quer que
sejamos asseados: faz-nos todas as manhãs tomar banho,
escovar os dentes e pentear os cabelos; antes das refeições
também nos penteamos e lavamos as mãos; quando as
unhas estão crescidas, manda-nos cortá-las e recomenda-
nos que devemos trazê-las sempre limpas. [...] Devemos
cuspir na escarradeira e não no chão; mas o melhor é
evitar o mau hábito de cuspir. (HEUSER, 1943, p.108)

A hierarquia social também é consagrada através dos


livros didáticos, conferindo uma naturalidade à ordem social e às
desigualdades sociais nitidamente perceptíveis, nas obras didáticas
que analisamos:
Todos os empregados seguem uma regra, que mamãe
repete, para que a casa esteja sempre em ordem. Essa
regra é: um lugar para cada coisa e cada coisa em seu lugar.
Siga também esta regra. (BRAGA, 1944, p.11) As
desigualdades que existem são inevitáveis, e consideram-
se desigualdades necessarias: - dependem da intelligencia,
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da saude e da fortuna. (RIBEIRO, S/D. p. 91) Qualquer


que seja a idade ou condição de um filho, deve elle sempre
reconhecer, tanto em seus paes como em seus legitimos
superiores, uma autoridade necessaria e incontestavel.
(RIBEIRO, S/D. p. 101) Os criados são os domésticos.
Elles recebem pagamento pelo serviço que prestam. São
pessoas de confiança. [...] Todos em casa trabalham para
si e para o bem de todos. Os domesticos têm dia de folga
e hora de repouso. Elles, porem, servem de boa vontade
em todas as ocasiões que a família precisa de seus
serviços. (BRAGA, S/D. p.6)

Aliado a esse conjunto de valores que apresentamos, e


que vão configurando o universo ideológico legitimador da ordem
social, econômica e política implementada à época, no Rio Grande
do Sul, os valores morais aparecem, com clareza, cimentando o
imaginário coletivo que predominou à época.

O tempo proprio para educar a vontade é a juventude.


(RIBEIRO, S/D. p. 24) A ociosidade é um perigo
constante, pois está cercada de todos os vicios, associada
de antemão a todos os crimes. (RIBEIRO, S/D. p. 30)
O homem ocioso [...] é um depravado e o seu contato
deve ser evitado como se fosse um leproso. (RIBEIRO,
S/D. p. 30)

Nesse contexto, a importância da educação é da maior


relevância, já que é através da atividade educativa que o conjunto
de valores até aqui apresentados foi sendo legitimado, reforçado e
consolidado. O valor do trabalho, por exemplo, é amplamente
difundido pela escola:

A instrução é a riqueza do pobre. Devemos aplicar toda


a nossa intelligencia ao estudo, pois a ignorância é um
grande mal. O trabalho afugenta o aborrecimento. (S/A.
1930, p. 6) [...] os nossos alunos não recebem isso de
favor – êles obtêm sua merenda pelo seu trabalho. Vamos
ver as oficinas e a horta. (BRAGA, 1944, p. 124)

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A importância da leitura, na apropriação das idéias é


defendida pelos próprios manuais didáticos: “A leitura é
instrumento de ideação e expressão. É o meio e não o fim. Por ela
granjeiam-se idéias e aprende-se a exprimi-las.” (MORAIS, 1930,
p. 307)
Na construção do imaginário social da época, o papel da
educação é sistematicamente reafirmado: “A maior riqueza de um
povo é a instrução – saber ler e escrever.” (BRAGA, S/D. p. 40).
A escola para filhos dos operários não é proposta como um direito
de todos e dever do Estado, fato que, ao longo do período passa a
sofrer transformações, com o estabelecimento da educação
primária pública e gratuita. Os livros de leitura analisados ainda
reforçam o caráter privado da educação:

Não é gratuita – todos pagam um pouquinho [...] Em


nossa terra ha a idea que o governo tem a obrigação de
fazer tudo o que o povo precisa. Mas [...] homens
inteligentes já comprehendem que os cidadãos devem
cuidar do povo, sem pedir auxilio ao governo. (BRAGA,
S/D. p. 126-127)

Um dos ingredientes expressivos da política educacional


do período é a implementação da educação profissional, defendida
tanto a nível nacional como regional. E os livros de leitura não
deixaram escapar esse aspecto, ao propor a implementação de
escolas profissionalizantes:

Tanto aos governos como á sociedade incumbe o dever de


fundar ESCOLAS PROFISSIONAIS, CURSOS
MODELOS [...] (RIBEIRO, S/D. p. 32) [Cursos
profissionais; instrução e trabalho] [...] combate do
trabalho contra a miséria [...] onde não ha canhões, nem
trincheiras [...] mas o suor que fecunda, as fábricas, as
oficinas, as escolas, os cursos profissionais, os certames
da industria, as academias, e por fim o vapor e a
eletricidade vinculando e unificando os povos!
(RIBEIRO, S/D. p. 3)

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A modernização almejada pela nação brasileira passava


pela educação, o que é salientado insistentemente nas páginas dos
livros de leitura que analisamos:

[...] eis a divisa do século [...] a sciencia [...] hoje ela é


acessivel a todas as classes sociais [...] (RIBEIRO, S/D. p.
4) Para gozar da mais ampla liberdade é mister que a
intelligencia se haja desenvolvido pelo estudo. (RIBEIRO,
S/D. p. 13) [...] a instrução dá-nos a sciencia, mas a
educação dá-nos a sabedoria. (RIBEIRO, S/D. p. 51)

Papel de destaque é atribuído, nas obras investigadas ao


professor primário, cuja função social é largamente alardeada. No
entanto, percebe-se a visão idealizada desse mestre, muito mais
um missionário a serviço da nação do que um profissional da
educação. Essa configuração ideológica do professor encontra sua
explicação na política educacional da época e no ideário que a
legitimou. Também seu caráter de substituto dos pais é
emblemático:
[...] devido também ás profissões que exercem e lhes
roubam o tempo, não podem cuidar, tanto quanto
desejam do preparo do coração de seus filhos. Eis ahi o
professor primario substituindo esses paes e essas mães
que, depositam nelle o mais sagrado dos penhores [...]
(RIBEIRO, S/D. p. 111) [...] para que os meninos
possam bem compenetra-se de tão gratos deveres, preciso
é que formem uma justa ideia da missão e da autoridade
dos mestres [...] O professor é um segundo pae [...]
(RIBEIRO, S/D. p. 110) [...] sua missão não se limita
pois em derramar [...] os conhecimentos indispensaveis
na vida; elle exerce a um tempo dois nobilíssimos
sacerdócios – ensina e educa [...] basendo todo o seu
ministerio no amor, no desinteresse, na abnegação, na
virtude. (RIBEIRO, S/D. p. 111).

Em diversas passagens das obras analisadas, percebemos


que as categorias que escolhemos para análise do seu conteúdo
encontram-se articuladas, reforçando o ideário que vimos

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destacando. É o que podemos perceber no caso do trabalho,


civismo, ordem e valores morais.

É no trabalho honesto, que enriquece a nação. É com a


instrução militar para a defesa da Pátria, na hora do
perigo. É servindo bem a Pátria, na paz e na guerra.
(BRAGA, 1944, p.41) Mas é preciso, meus filhos,
acrescentou com ternura, que todos cultivem sempre o
amor ao trabalho, qualquer que êle seja. E que trabalhem
honestamente e com entusiasmo na profissão que
adotarem, qualquer que ela seja. Toda espécie de
trabalho dignifica o homem. (BRAGA, 1944, p. 47)
[...] todas as maneiras de animar e premiar os que
trabalham pela nossa riqueza devem ser postos em prática
para o engrandecimento de nosso país. (BRAGA,
1944, p. 131)

Outros tantos exemplos poderiam ser oferecidos sobre a


forma como a narrativa exposta nos livros de leitura articularam os
valores que interessavam aos setores dominantes da época, no
sentido de estabelecer um ideário legitimador da sociedade então
estabelecida. Na impossibilidade de trazermos todas as
possibilidades percebidas, apresentamos alguns dos trechos que
articulam família, pátria, ordem, trabalho, disciplina e hierarquia:

A família é a Pátria em ponto pequeno. (BRAGA, S/D.


p.4) A ordem é o melhor auxiliar do trabalho.
(BRAGA, S/D. p.7) [Brasil] [...] maior paiz da América
do Sul. Porém é preciso que se construa um grande pais
através do trabalho, caráter e capacidade dos brasileiros;
[...] cumprir o dever, a falar a verdade, a obedecer e a
servir, a trabalhar e tornar-nos uteis, a estimar aqueles
que Deus nos deu. É na escola, aprendendo as coisas
simples [...] mas que nos ensinam a pensar por nos
mesmos [...] É com a instrução militar para a defesa da
pátria [...] (BRAGA, S/D. p. 39-40) O homem dotado
de um espirito cultivado comprehende melhor os seus
deveres e direitos e contempla com mais interesse a
familia, a sociedade e a patria. (RIBEIRO, S/D. p. 50)
[...] devemos amar a humanidade, mas devemos preferir a

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patria, como devemos colocar a familia acima de tudo.


(RIBEIRO, S/D. p. 89) [...] é preciso pensar na familia e
na pátria em todos os actos da vida. Onde não há
virtudes privadas não há também virtudes cívicas [...]
Lembrae-vos de [...] vossa honra [...] a honra de vossos
paes e a honra de vossos concidadãos que forman a
grande familia de que a pátria é a mãe commum.
(RIBEIRO, S/D. p. 120)

Na conclusão da obra de Hilário Ribeiro, encontramos a


mensagem com a qual pretendemos encerrar essa primeira
exposição dos resultados das investigações que realizamos nos
livros de leitura que foram utilizados nas escolas primárias do Rio
Grande do Sul, no período de nosso estudo. Parecem-nos palavras
significativas para compreender o quanto essas obras merecem ser
entendidas no conjunto mais amplo das ações políticas que
marcaram a educação rio-grandense, à época.

Meus amigos [...] Esforcei-me quanto pude para


encaminhar-vos na senda que devem trilhar os homens
de bem. Mais alguns dias e entrareis na vida pratica, na
luta pela existencia: cada um de vós escolherá uma
carreira, irá exercer uma profissão. Novas obrigações,
portanto: é a esphera do dever que se dilata, é a moral
seguindo o homem em todas as circunstancias [...] em
todas as relações que o unem á familia á patria e a
humanidade [...] (RIBEIRO, S/D. p. 143)

Considerações finais

As considerações aqui apresentadas tiveram a finalidade


de tornar público o resultado das pesquisas que estamos
desenvolvendo sobre a política educacional rio-grandense, mais
especificamente, nesse momento, sobre o papel desempenhado
pelos livros de leitura como instrumentos dessa política. Os
resultados ainda são parciais, por se tratar de uma pesquisa em
andamento e por estamos socializando a análise realizada em

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algumas das obras que selecionamos para o estudo e que não


foram plenamente esgotadas.
Mesmo constituindo-se numa primeira aproximação a
este tipo de estudo, entendemos que os elementos que
apresentamos nos permitiram perceber o quanto os livros didáticos
de leitura foram veículos portadores e transmissores do ideário
legitimador do sistema sócio-econômico e político estabelecido no
Rio Grande do Sul, no período que investigamos. Por outro lado,
a relação que realizamos com os discursos dos dirigentes nacionais
responsáveis pela política educacional brasileira permitiram
perceber que os livros de leitura retrataram, de forma expressiva, os
pressupostos da política educacional implementada no país.
Através das categorias teóricas escolhidas para
sistematizar as informações selecionadas nas obras estudadas, foi
possível perceber a constituição de um universo de valores que
foram sendo transmitidos às crianças das escolas primárias do
nosso Estado, preparando-as para a sua inserção ordeira e
disciplinada na sociedade de então. A preparação de cidadãos
educados, produtivos e disciplinados, conhecedores de seus deveres
para com a pátria, foi tarefa da escola primária e, nesse processo,
os livros de leitura tiveram um papel significativo, como parte da
política educacional do período.

Referências

BRAGA, Erasmo. Leitura II. São Paulo, Melhoramentos, ed.


157, 1944.
________. Leitura I. São Paulo: Melhoramentos, ed. 86, S/D.
BRASIL. Ministério da Educação e Saúde. Realizações 1.
Panorama da Educação Nacional. Discursos do Presidente
Getúlio Vargas e do Ministro Gustavo Capanema. Ministério
da Educação e Saúde: Rio Janeiro, 1937.

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HEUSER, Bruno (org). Terceiro Livro de Leitura. Ed. 22.


Petrópolis: Editora Vozes, 1943.
RIBEIRO, Hilário. Quarto Livro de Leitura. Rio de Janeiro:
H. Garnier, Libreiro-Editor, S/D.
S./A. O Meu Segundo Livro. Porto Alegre: Livraria Selbach &
Fagundes, 1930.
VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil II. O ano de
1932. A Revolução e o Norte. Rio de Janeiro: José Olympio
Editora, 1933.
VARGAS, Getúlio. A nova política do Brasil IV. Retôrno à
terra natal. Confraternização sul-americana. A revolução
comunista. Novembro de 1934 a Julho de 1937. Rio de
Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1937.
VARGAS, Getúlio. A Nova Política do Brasil V - O Estado
Novo – 10 de novembro de 1937 a 25 de julho de1938. Rio
de Janeiro: José Olympio Editora, 1938.

Berenice Corsetti - Professora do Programa de Pós-Graduação


em Educação da UNISINOS. E-mail: bcorsetti@unisinos.br.
Elisabete Magda Klaus – Graduada em História pela Unisinos.
Graduanda em Pedagogia na Unisinos, Bolsista de Iniciação
Científica. E-mail: elisabete_klaus@yahoo.com.br.
Márcia Cristina Furtado Ecoten - Graduanda em História na
Unisinos. Bolsista de Iniciação Científica. E-mail:
marcia.ecoten@hotmail.com.

Data de recebimento: 20/11/2008


Data de Aceite: 20/02/2009

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A EDUCAÇÃO NO BRASIL IMPÉRIO:
ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO DA INSTRUÇÃO
NA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1850-1889)
Renata Fernandes Maia de Andrade
Carlos Henrique de Carvalho

Resumo
Este texto se propõe a discutir as políticas para a instrução na
Província de Minas Gerais, entre 1850 a 1889. Para isso utilizamos
como principal fonte de pesquisa a legislação educacional produzida
no período recortado. É através deste manancial que identificamos as
concepções de educação do governo mineiro na segunda metade do
século XIX. Tais documentos foram fundamentais para a
compreensão de importantes facetas das políticas provinciais para a
instrução, tais como à profissão docente e às escolas normais; a
organização administrativa; a instrução pública e particular dentre
outras apontadas e discutidas ao longo trabalho.
Palavras-chave: Instrução; Século XIX; Minas Gerais, Legislação.

THE EDUCATION IN BRAZIL’ S MONARCHY:


ANALYSIS OF THE INSTRUCTION ORGANIZATION
IN THE PROVINCE OF MINAS GERAIS (1850-1889)
Abstract
This text intends to analyze the politics of public instruction in the
Province of Minas Gerais among 1850 to 1889. For that we used as
main research source the educational legislation produced in the cut
out period. It is through this spring that we identified the education
conceptions and the mining government's civilization in the second
half of the century XIX.
Such documents form fundamental for the understanding of
important facets of the provincial politics for the instruction, such as
to the educational profession and the normal schools; the
administrative organization; the public and private instruction
among another pointed and discussed to the long work.
Keywords: Instruction; Century XIX; Minas Gerais; Legislation.

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LA EDUCACIÓN EN BRASIL IMPÉRIO: ANÁLISIS
DE LA ORGANIZACIÓN DE LA INSTRUCCIÓN
EN LA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS (1850-1889).
Resumen
Este texto se propone discutir las políticas para la instrucción en La
Província de Minas Gerais, entre 1850 y 1889. Para eso utilizamos
como principal fuente de pesquisa la legislación educacional
produzida en el período recortado. Es através de este manancial que
identificamos las concepciones de educación del gobierno minero en
la segunda mitad del siglo XIX. Tales documentos fueron
fundamentales para la comprensión de importantes faces de las
políticas provinciales para la instrucción, tales como la profesión
docente y las escuelas normales; la organización administrativa; la
instrucción pública y particular entre otras apuntadas y discutidas a
lo largo del trabajo.
Palabras-clave: Instrucción; Siglo XIX; Minas Gerais, Legislación.

L’ÉDUCATION AU BRÉSIL EMPIRE: ANALYSE


DE L’ORGANISATION DE L’INSTRUCTION
DANS LA PROVINCE DE MINAS GERAIS (1850-1889)
Résumé
Ce texte discute les politiques pour l’instruction dans la province de
Minas Gerais entre 1850 et 1889. Pour ce faire on utilise como
source première de recherche l’ensemble des lois concernant
l’éducation produites dans cette période. On y identifie les
conceptions d’éducation du gouvernement de Minas Gerais dans la
seconde moitié du XIXème siècle. Ces documents ont été
fondamentaux pous la compréhension d’aspects importants des
politiques provinciales pour l’instruction, tels que le métier de
professeur, les écoles normales, l’organisation administrative,
l’instruction publique et privée entre autres.
Mots-Clés: Instruction; XIXème siècle; Minas Gerais; Législation.

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Introdução

Este texto se propõe analisar alguns aspectos da política


educacional mineira na segunda metade do século XIX. Ao
recorrermos ao tema da história das políticas públicas ligadas à
educação, o fazemos tendo em vista a centralidade da ação política
no campo da instrução naquele momento na então Província de
Minas Gerais. Esta centralidade, dada à educação, pode ser
aquilatada pelo volume do marco legal produzido para, pelo menos
em termos legais, expandir o processo de escolarização na
Província mineira.
Nessa perspectiva, o objetivo da nossa abordagem incide
sobre o processo de escolarização na Província de Minas Gerais, a
partir das ações do Governo mineiro. O desenvolvimento
educacional da região constitui-se no objeto privilegiado deste
estudo. Portanto, somente as iniciativas do Governo de Minas
Gerais serão trazidas à cena nesse artigo.
É, pois, nossa intenção apresentar a situação da
educação em Minas Gerais, entre 1850 a 1889, buscando
compreender as propostas que nortearam a organização escolar na
Província mineira e quais eram os recursos financeiros utilizados
para a manutenção das escolas, bem como que tipo de indivíduo se
pretendia por meio da educação.
Vale ressaltar que não podemos analisar adequadamente
a política educacional se partirmos apenas das intenções expressas
pela legislação ou declaradas pelas autoridades nos documentos
oficiais, principalmente nos relatórios dos Presidentes de
Província. Geralmente, essas declarações deixam transparecer
certa autonomia do setor educacional, o que não corresponde à
realidade. Assim, é importante identificar as lacunas existentes
entre o que estava estabelecido pelo marco com a real situação
educacional mineira, isto é, as contradições relativas aos objetivos

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proclamados e as reais intenções dos responsáveis pela condução


política da Província.
O Brasil a partir de 1822 se constituía em um país
recém independente que buscava e necessitava estruturar-se. A
Proclamação da Independência significou o rompimento com o
antigo regime e a instauração de uma nova ordem administrativa,
jurídica e institucional.
Dentre os vários meios que possibilitaram essa
estruturação estava a instrução pública, considerada uma peça
nodal na construção do Estado nacional e de um povo civilizado.

Nesse sentido [...] é necessário compreender a


escolarização como um momento/uma forma de
produção do próprio Estado moderno e não apenas como
uma forma de atuação deste mesmo Estado.1

O período Imperial se constitui como um momento de


intensos debates sobre a necessidade de escolarização da população
livre. O Brasil do século XIX é marcado pela busca do
ordenamento legal e pelos investimentos financeiros no campo
educativo, mobilizando dirigentes provinciais e da capital do
Império.

1 Legislação

A partir do Ato Adicional de 1834, as Províncias


tiveram a permissão de legislar sobre a instrução. Neste sentido a
partir de 1835 iniciou-se as primeiras medidas legislativas sobre a
instrução nas Províncias.

1
FARIA FILHO, L. M. de. O Processo de Escolarização em Minas Gerais:
Questões Teórico-metodológicas e Perspectivas de Análise. In.: História e
Historiografia da Educação no Brasil. VEIGA, C., FONSECA, T. N. de L. e.
(orgs.). Belo Horizonte: Autêntica, 2003b. p. 80.

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[...] a partir de 1835 e ao longo de todo o Império, as


Assembléias Provinciais e os presidentes das províncias
fizeram publicar um numero significativo de textos legais,
levando-nos a acreditar que a normatização legal
constitui-se numa das principais formas de intervenção
do Estado no serviço da instrução.2

A partir de então, Minas Gerais, inicia, via legislação, o


desenvolvimento da instrução pública na Província. Assim como o
movimento ocorrido no restante das Províncias que compunham o
império, os governantes mineiros interessados na escolarização da
população livre foram produzindo o lugar da escola na sociedade
através dos discursos e ações legislativas. A escola assumiu o
encargo de ensinar a ler, escrever, contar, regras de civilidade,
moralidade e religião. Os princípios políticos e morais eram
ensinados durante as lições de leitura e escrita, sendo os escritos
religiosos e a Constituição Política do Brasil os textos privilegiados
na escola.
Dotar a Província de novas leis de instrução não
significou apenas o estabelecimento de uma política educacional
em Minas Gerais, significou, sobretudo, constituir um arcabouço
técnico e burocrático para administrar este setor do serviço
público. Os órgãos estatais criados se transformaram em
estruturas de poder e a principal referência sobre os saberes a
respeito da instrução.
No período estudado, encontramos diversas
reestruturações do sistema escolar através das leis, regulamentos e
portarias para a instrução. A legislação era o mecanismo que dava
organicidade aos diversos níveis de ensino, mas era, sobretudo,
capaz de regulamentar e normatizar questões ligadas a conteúdos,
métodos e material didático, chegando até mesmo a regulamentar
o cotidiano escolar, os horários e a divisão do tempo. Essa

2
FARIA FILHO, L. M. de. Instrução Elementar no século XIX. In: LOPES,
E. M. T., FARIA FILHO, L. M. de, VEIGA, C. G. (orgs.). 500 Anos de
Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003a. p. 137.

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legislação também foi responsável por implantar uma rede de


fiscalização que buscava garantir o controle e avaliação das escolas.
Privilegiaremos a lei como fonte documental, ao enfocá-
la em suas múltiplas dimensões, concebendo-a não apenas como a
expressão e imposição dos setores dominantes, mas também como
um espaço privilegiado para pensá-la como ordenadora de novas
práticas sociais. Essa perspectiva abre a possibilidade de relacionar,
no campo educativo e via legislação, o fazer pedagógico que vai
desde a criação de órgãos específicos para a fiscalização escolar até
as práticas escolares desenvolvidas. É de suma importância
confrontar e relacionar as leis no contexto em que foram
produzidas, pois mantém permanente diálogo com as múltiplas
dimensões do cenário mineiro. Tal entendimento possibilita situar
historicamente o papel da legislação, bem como os sujeitos nela
envolvidos.
Os estudos sobre a História da Educação Brasileira do
século XIX demonstram que no período Imperial, várias províncias
debatiam a respeito da necessidade de escolarizar a população. As
atividades legislativas das Assembléias Provinciais foram intensas
na busca do ordenamento legal da instrução. As leis e decretos
provinciais que, por exemplo, tornavam obrigatória a freqüência
das crianças as escolas e dos professores as escolas normais,
evidenciam uma relativa preocupação dos dirigentes mineiros com
a escolarização da Província. De igual modo, é preciso destacar os
limites enfrentados por aqueles que procuravam levar a educação à
maioria da população livre. Os limites estão relacionados a
sociedade escravista daquele contexto e as dificuldades financeiras
para investimento de recursos na instrução pública.
No levantamento da legislação, em Minas Gerais,
observamos tipos específicos de leis. Identificamos os
regulamentos, as portarias, e a lei propriamente dita entre outros
atos legislativos. Os primeiros, de acordo com Bueno3 não são leis,

3
BUENO, J. A. P. Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império.
Brasília: Senado Federal, 1978.

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mas atos administrativos do poder executivo que estabelecem


detalhes e meios convenientes para que as leis tenham efetiva
execução. As portarias, por sua vez, são instruções acerca da
aplicação de leis ou regulamentos, são recomendações de caráter
geral. E, por fim, as leis que eram discutidas e aprovadas pela
Assembléia Provincial a partir de um projeto do poder executivo, e
quando aprovadas, sancionadas e publicadas pelo Presidente da
Província.
Em todo o período o caráter político de intervenção legal
baseava-se em um aspecto fundamental: a de que a lei seria
necessária para que as instituições governamentais interviessem
sobre a população com o objetivo de civilizá-la, preparando-a para
contribuir com o progresso da nação. Outra característica da
legislação, nesse período, é a conotação pedagógica da lei. Essa
não era produzida para garantir direitos, mas sim moldar o
caráter, ordenar as relações sociais e civilizar o povo.
Nesse contexto, produzir uma legislação escolar era um
dos meios de se construir e estruturar o Estado, bem como o meio
de ação do governo nesse ramo do serviço público. Segundo
Luciano Mendes de Faria Filho4, a lei, ao mesmo tempo,
construía e desconstruía significados sociais, ou seja, transformava
e resignificava concepções como escola e professor.
Concomitantemente, a legislação estabelecia e delimitava novas
identidades profissionais, órgãos e cargos específicos, expressando
o que deveria ser um profissional da educação.
Na segunda metade do século XIX Minas Gerais é
marcada por uma intensa preocupação de reformular a legislação.
Diversos regulamentos, leis, portarias e resoluções buscavam criar
um marco jurídico para o processo de escolarização na Província.

4
FARIA FILHO, L. M. de. A Legislação Escolar como Fonte para a História
da Educação: Uma tentativa de Interpretação. In: VIDAL, D. G. GONDRA, J.
G., FARIA FILHO, L. M. de, DUARTE, R. H. Educação, Modernidade e
Civilização: Fontes e Perspectivas de Análise. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.

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Segundo Faria Filho5 entre 1835 a 1889 foram produzidos quase


500 textos legais. Ainda segundo o mesmo autor:

Produzir a legislação e defender as reformas do serviço da


instrução foram, e são, fundamentalmente, as maneiras
de produzir o fenômeno educativo escolar como
componente das políticas do Estado. São formas,
também, de buscar prever e controlar a escolarização a
partir dos saberes dominados pelos gestores dos bens
‘públicos’.6

A legislação escolar funcionava como meio de se trazer


progressos futuros, isto é, solucionaria os problemas do presente
para que assim, se alcançasse um futuro civilizado. Esse momento
sócio-político da história brasileira e, em particular a mineira, é
marcada pela idéia de que através da lei e da instrução se
solucionaria os vários empecilhos que dificultavam o progresso e o
desenvolvimento do país. Na análise das fontes, percebe-se que a
política educacional mineira não pretendia apenas dotar a
Província de novas leis de instrução objetivava, sobretudo,
estruturar todo um aparato técnico e burocrático para lidar com
este setor do serviço público.
Através da legislação, percebemos que a política
educacional refletia as mudanças ocorridas no cargo da presidência
da província. Quase todos os presidentes provinciais ao assumirem
o cargo publicavam novas leis para a instrução.
Pelo quadro a abaixo é possível perceber, em um
primeiro momento, um vasto número de leis, regulamentos e
portarias publicadas no período estudado. De igual modo, notamos
que a rotatividade no cargo presidencial era intensa, pois de acordo

5
FARIA FILHO, Luciano Mendes de. O Processo de Escolarização em Minas
Gerais: Questões Teórico-metodológicas e Perspectivas de Análise. In: VEIGA,
C. G., FONSECA, T. N. de L. (orgs.). Historia e Historiografia da Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
6
Idem. Ibidem. p. 82.

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com o ano da publicação da legislação percebemos que a média de


permanência no cargo era de 1 ano. Com esses dados ainda é
possível inferir que outros presidentes ocuparam os cargos no
intervalo dos anos. Dos 15 presidentes identificados nas fontes,
13 publicaram Regulamentos sobre a instrução. Da mesma forma,
quase todos publicaram Leis para a educação. À medida que novos
presidentes assumiam o cargo, novas Leis e Regulamentos foram
aprovados. Essa incessante legislação favorecia a heterogeneidade a
instrução na Província, bem como dificultava a sua
implementação. A seguir demonstraremos essa legislação.

Quadro 1 - Leis e Regulamentos para a instrução aprovados pelos


Presidentes de Província entre 1850-1889
Leis, Regulamentos e
Presidentes Ano
Portarias
José Ricardo de Sá Rego Lei n.º 516 10 de setembro de 1851
José Lopes da Silva Viana
Lei n.º 624 08 de maio de 1853
(vice-prsidente)
Regulamento n.º 27 04 de janeiro de 1854
Regulamento n.º 28 10 de janeiro de 1854
Regulamento n.º 33 15 de janeiro de 1855
Portaria 18 de janeiro de 1854
Portaria 21 de janeiro de 1854
Francisco Diogo Pereira Portarias 27 de janeiro de 1854
de Vasconcelos Portaria 21 de fevereiro de 1854
Portaria 31 de março de 1854
Portaria 21 de julho de 1854
Portaria 10 de agosto de 1854
Portaria 09 de fevereiro de 1855
Portaria 05 de maio de 1855
Portaria n.º 40, 41,
Herculano Ferreira Pena 27 de julho de 1857
42, 43 e 44
Portaria n.º 47 11 de agosto de 1857
Portaria n.º 48 17 de agosto de 1857
Portaria n.º 51, 52, 53
12 de setembro 1857
e 54
Portaria n.º 55 14 de setembro de 1857
Portaria n.º 59 28 de setembro de 1857
Portaria nº 63 e 64 09 de outubro de 1857

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Leis, Regulamentos e
Presidentes Ano
Portarias
Portaria n.º 65 24 de outubro de 1857
Portaria n.º 67 06 de novembro de 1857
Portaria n.º 68 20 de novembro de 1857
Portaria n.º 70 21 de novembro de 1857
Portaria n.º 71 14 de dezembro de 1857
Regulamento n.º 41 16 de maio de 1857
Portaria n.º 37 21 de junho de 1858
Portaria n.º 64 17 de setembro de 1858
Carlos Carneiro Campos Portaria n.º 74 27 de outubro de 1858
Portaria n.º 89 e 92 17 de dezembro de 1858
Regulamento n.º 44 03 de abril de 1859
Lei n.º 1.064 04 de outubro de 1860
Vicente Pires da Mota
Regulamento n.º 49 04 de outubro de 1860
José da Costa Machado e
Regulamento n.º 56 10 de maio de 1867
Sousa
José Maria Corrêa de Sá e
Lei n.º 1.618 02 de novembro de 1869
Benevides
Antonio Luiz Affonso de Lei n.º 1.769 04 de abril de 1871
Carvalho Regulamento n.º 60 26 de abril de 1871
Joaquim Pires Machado
Regulamento n.º 62 11 de abril de 1872
Portela
Joaquim Floriano de Regulamento n.º 65 14 de agosto de 1872
Godói Lei n.º 1892 17 de julho de 1872
Pedro Vicente de Azevedo Lei n.º 2.166 20 de novembro de 1875
Lei n.º 2.228 14 de junho de 1876
Barão Vila da Barra Regulamento n.º 75 16 de setembro de 1876
Regulamento n.º 77 03 de novembro de 1876
Manoel José Gomes Regulamento n.º 84 21 de março de 1879
Rebello Horta Lei n.º 2.543 06 de dezembro de 1879
Lei n.º 2.634 07 de janeiro de 1880
Joaquim José de
Regulamento n.º 88 13 de janeiro de 1880
Sant’Anna
Regulamento n.º 90 18 de novembro de 1880
João Florentino Meira de Regulamento n.º 96 07 de dezembro de 1881
Vasconcelos Regulamento n.º 93 29 de julho de 1881
Regulamento n.º 98 20 de abril de 1883
Antonio Gonçalves
Lei n.º 3.118 18 de outubro de 1883
Chaves
Regulamento n.º 100 19 de junho de 1883
Fonte: Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis,
Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
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Estrutura Administrativa

O movimento de configuração da instrução em Minas


Gerais, entre os anos cinqüenta e oitenta, esteve atrelado a uma
discussão que ocorria em todo o Império, isto é, tornar o Brasil
um país moderno e civilizado. Nos discursos, a educação foi
considerada um dos meios mais importantes para que tal objetivo
fosse alcançado.
Ao se propugnar em favor de uma outra organização
para a instrução, observa-se também, a necessidade de estruturar
administrativamente o governo para que assim, o mesmo pudesse
atuar mais de perto sobre essa esfera do serviço público. Fazemos
esta afirmativa, pois no trabalho com as fontes percebemos que a
estrutura administrativa é por vezes reestruturada. A legislação
descreve todo o aparato que daria suporte a administração e
fiscalização da instrução.
Durante o período estudado, identificamos que a
legislação descreve de forma minuciosa todo o aparato burocrático
e fiscal ao qual a instrução e seus agentes estavam subordinados.
Órgãos, secretarias, repartições e hierarquias foram criadas para
atuar junto a educação. A seguir, demonstraremos essa estrutura.

Quadro 2 - Leis e Regulamentos


que estruturam administrativamente a instrução
Leis e/ou Estrutura Presidente em
Regulamentos administrativa exercício
Regulamento n.º 28 de Diretoria Geral da Francisco Diogo Pereira
10 de janeiro de 1854 Instrução Pública de Vasconcelos
Regulamento n.º 44 de Agência Geral da
Carlos Carneiro Campos
03 de abril de 1859 Instrução Pública
Regulamento n.º 56 de Diretoria Geral da José da Costa Machado e
10 de maio de 1867 Instrução Pública Sousa
Regulamento n.º 60 de Inspetoria Geral da Antonio Luiz Affonso
26 de abril de 1871 Instrução Pública de Carvalho
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis,
Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.

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Devido à limitação do espaço não podemos demonstrar


toda a estrutura hierárquica criada a partir da estruturação do
órgão específico para a instrução, pois essa perpassava desde o
Presidente da Província até os responsáveis por fiscalizar
mensalmente as escolas. Mas, é importante destacar que todos os
funcionários que estavam subordinados a essa estrutura também
eram alterados. Assim, todas as vezes que se alterava essa estrutura
administrativa, toda a hierarquia fiscal e burocrática também se
alterava ora aumentava-se o número de funcionários e ora os
diminuindo. Por outro lado, se analisarmos os períodos de
funcionamento desses órgãos, perceberemos que foram longos,
portanto, o Presidente era alterado, mas os agentes da
administração permaneciam e davam continuidade aos trabalhos.
Comparando os Quadros I e II percebemos que não
foram todas as Leis e Regulamentos publicados que enfatizavam a
estrutura administrativa. Ela é por vezes mantida por presidentes
de Província tal como Antônio Gonçalves Chaves que no
Regulamento n.º 100 de 19 de junho de 1883 determina que a
Inspetoria Geral da Instrução Pública continue a ser o órgão
responsável pela administração e fiscalização do ensino público e
particular. Mas, o que notamos com essas alterações é um
movimento de centralização e descentralização administrativa, pois
em Regulamentos como o de n.º 44 de 1859 a estrutura criada
descentraliza as funções da Agência Geral da Instrução Pública
criando diversas ramificações para a estrutura burocrática e fiscal.
Por outro lado, o Regulamento n.º 56 de 10 de maio de 1867
cria apenas um responsável por fiscalizar as escolas: os Delegados.7

7
Aos Delegados competia visitar as escolas públicas pelo menos uma vez ao mês,
impedir o funcionamento de escolas particulares ilegais, fazer executar através dos
professores as leis e regulamentos da Província, entre outras atribuições.

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2 Recursos Financeiros

O recurso financeiro para a manutenção das escolas


públicas é, por vezes, pouco debatido. Interessante observar que na
literatura há, por vezes, um desconhecimento quando se trata do
investimento na educação no século XIX. Comumente
encontramos afirmações que não havia financiamentos por parte
do Governo na instrução. Na legislação específica para a
instrução, essa questão quase não é abordada. Mas, se recorrermos
as leis que determinavam as receitas e despesas da Província, bem
como aos poucos trabalhos como o de Diva Couto Gontijo Muniz
publicado em 2002 nos Anais do I Congresso de Pesquisa e
Ensino de História da Educação poderemos realizar algumas
contribuições sobre esse aspecto.

Quadro 3 - Despesa com a instrução entre 1850-1889


Despesa com a Despesa total da
Ano %
instrução Pública Província
1850 94:200$000 474:908$000 19.84
1855 153:271$000 795:285$000 19.27
1860 201:000$000 1.200:000$000 16.75
1865 245:800$000 1.133:363$000 21.69
1870 518:000$000 1.685:303$000 30.74
1875 648:0000$000 2.573:000$000 25.18
1880 700:000$000 2.800:000$000 25.00
1885 1.026:523$000 3.302:240$000 31.9
1888 1.032:000$000 3.474:000$000 29.71
Fonte: Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis,
Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols
e MUNIZ, D. do C. G. Construindo diferenças: a escolarização de meninos e
meninas nas minas oitocentistas (1834-1889). In.: LOPES, A. A. B.,
GONÇALVES, I. A., FARIA FILHO, L. M. de, XAVIER, M. do C. (orgs.).
História da Educação e Minas Gerais. Belo Horizonte: FHCL/FUMEC, 2002.
p. 304.

Observam-se no quadro que as leis orçamentárias entre


1850 a 1889 despendem significativos valores para a manutenção
das escolas. Demonstra esse aspecto o ano de 1885 onde a despesa
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com a instrução consome 31.9% das despesas provinciais, seus


valores são inferiores apenas aos montantes destinados a segurança
e obras públicas. No entanto, mesmo abarcando grande
porcentagem da receita provincial, esses valores ainda continuavam
aquém das necessidades da Província em termos de atendimento à
demanda escolar.
O primeiro texto legal a mencionar os recursos
financeiros para a instrução no período de nossa pesquisa, refere-se
ao Regulamento n.º 41 de 16 de maio de 1857. Em seus artigos
aborda o que até então não havia sido mencionado: o aluguel das
casas em que se davam as aulas. O artigo 22 determina que os
professores recebam dos cofres provinciais quotas pré-definidas a
título de aluguel de casas, quando não houvesse em suas
localidades prédios públicos que abrigassem as aulas. Vejamos o
que diz o artigo:

Ao professores de Instrucção primária perceberão do


Cofre Provincial a Titulo de aluguel de casas para as
aulas nos lugares, onde não houver edifícios públicos, em
que possão ser estabelecidas, a quantia que for fixada pelo
Director Geral com approvação do Presidente,
rescindindo-se os contractos de locação que tem sido
feitos por conta da Fazenda [...].8

Nos locais onde já existiam contratos de aluguéis


firmados, mas que os valores fossem maiores do que os
determinados pelo Diretor Geral9 e aprovados pelo Presidente,
seriam rescindidos. O valor dos aluguéis era entregue aos

8
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e
Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
Regulamento n.º 41 de 16 de maio de 1857.
9
O cargo d Diretor Geral da Instrução Pública foi criado pelo Regulamento n.º
28 de 10 de janeiro de 1854. Era subordinado apenas ao Presidente da Província
e se correspondia entre o Presidente, os Diretores dos Círculos e Diretores de
estabelecimentos de instrução primária e secundária.

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professores no momento do recebimento dos salários. A lei


permitia ainda que os mestres habitassem a mesma casa que
serviria de escola, no entanto, deveriam reservar os cômodos
necessários para as aulas, perante aprovação dos Visitadores10 e do
Diretor do Círculo Literário11. Com o quadro descrito acima e
levando-se em consideração que as casas utilizadas para as aulas
somente poderiam ser escolhidas a partir de um determinado valor,
o local não seria escolhido por ser adequado a abrigar as crianças,
o material didático, os utensílios e os móveis, mas sim a partir do
valor do aluguel. Portarias que foram baixadas entre 1854 e 1855
trazem tabelas com os salários dos diretores dos liceus, professores
e empregados da instrução pública. No entanto, não foi possível
identificar de onde viriam esses recursos.
Os pagamentos dos salários dos professores eram
realizados trimestralmente e baseado nos mapas de freqüência dos
alunos que deveriam ser preenchidos e entregues como
condicionante para o recebimento dos ordenados. Caso os
professores não preenchessem os mapas de acordo com as
determinações legais, ficariam sem receber. Para que isso não
ocorresse, segundo Luciano Mendes de Faria Filho, muitos
professores lançavam nos mapas apenas o número mínimo exigido
de alunos, mesmo estes não fossem freqüentes às aulas, pois

[...] tanto os inspetores e outras autoridades queriam


impor a legalidade nos atos dos professores, quanto estes

10
E cada paróquia havia um Visitador nomeado pelo Presidente da Província e
sob proposta do Diretor Geral. A ele incumbia visitar as aulas de sua paróquia
semanalmente, autorizar o pagamentos dos ordenados dos professores, averiguar
os procedimentos dos professores, alugar casas para as aulas, inventariar os
utensílios e objetos das escolas de sua paróquia e conferir o julgamento dos
professores.
11
Cargo criado pelo Regulamento n.º 28 de 10 de janeiro de 1854. Haveria em
cada Círculo Literário em Diretor de Círculo, nomeados pelo Presidente da
Província, sendo eles o centro de toda a correspondência entre os Professores, os
Visitadores do seu Círculo e o Diretor Geral.

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utilizavam dos artifícios da lei para obter benefícios.


Aqui, a burla e o cumprimento da lei não se distinguem.
Exemplo claro disso são os relatórios de freqüência
produzidos pelos professores. Produzidos em
cumprimento às determinações legais, aos mapas ou
livros de freqüência estão vinculados, por sua vez, aos
pagamentos dos professores. Ao longo do século XIX, o
recebimento do salário estava condicionado à
apresentação de um determinado número de alunos
freqüentes. A conseqüência disso é que nenhum professor
confessava, através de seus mapas, uma freqüência menor
do que aquela exigida por lei.12

A compra de utensílios e objetos necessários ao ensino,


como mesas e cadeiras variava de acordo com cada legislação. No
Regulamento n.º44 de 1859, por exemplo, seriam comprados
pelos professores, Visitadores, pais de família e demais membros
residentes no local da escola. Isso pode explicar, de certa forma, a
carência de materiais básicos ao ensino dos alunos, uma vez que os
próprios moradores e professores deveriam mobiliar a escola com
os materiais necessários. O artigo 126 define:

Estes utensis serão obtidos por meio de subscripção


promovida pelos mesmos Professores e Visitadores entre
os Paes-de-familia e outros interessados residentes dentro
ou junto das sobreditas povoações.13

Diante das dificuldades financeiras o Regulamento n.º


84 de 21 de março de 1879 cria as caixas escolares. Seu objetivo

12
FARIA FILHO, L. M. de. A Legislação Escolar como Fonte para a História
da Educação: Uma Tentativa de Interpretação. In.: VIDAL, D. G., GONDRA,
J. G., FARIA FILHO, L. M. de, DUARTE, R. H. Educação, Modernidade e
Civilização: Fontes e Perspectivas de Análise. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
p. 117.
13
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e
Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
Regulamento n.º 44 de 03 de abril 1859. Microfilme. Caixa n.º 2 (1852-1860)
flash 8.

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era o depósito de valores vindos das multas, donativos e as quotas


dos orçamentos provincial e municipal para a aquisição de
materiais e utensílios necessários ao ensino de meninos pobres. Os
conselhos paroquiais14 administrariam o dinheiro recolhido. Nas
escolas haveria uma caixa econômica onde se guardaria a quantia
recebida pelos alunos de seus pais ou responsáveis.

3 Instrução Primária e Secundária

A instrução primária e secundária é abordada por quase


todos as Leis e Regulamentos do Governo mineiro. Neles buscava-
se regulamentar as disciplinas, seus conteúdos, chegando até
mesmo a regulamentar o cotidiano escolar, os horários e a divisão
do tempo.
As primeiras medidas legais da década de 1850 não
mencionam a instrução primária. Apenas em uma portaria de 31
de março de 1854 que as disciplinas a serem lecionadas aparecem.
Seriam elas:

1º gráo - Leitura, escripta, aritmética, comprehedendo


somente as autro operações sobre os números inteiros,
cathecismo romano e regras de civilidade.15

Um aspecto interessante presente no programa é a


disciplina Regras de Civilidade. Esse seria o momento destinado a
incutir nos alunos os padrões de comportamento considerados

14
Os Conselhos Paroquiais foram criados pelo Regulamento n.º 62 de 11 de
abril de 1872 Eram compostos pelos Inspetores Paroquiais, o Pároco, 1º Juiz de
Paz e dois pais de família. Se reuniriam uma vez em cada trimestre e seriam
responsáveis por auxiliar na fiscalização das escolas.
15
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e
Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols. Portaria de
31 de Março de 1854. Microfilme. Caixa n.º 2 ((1852-1860), flash 3.

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necessários e convenientes. Porém, não explicita com clareza qual


o conteúdo a ser transmitido.
A obrigatoriedade do ensino primário é determinada
desde a primeira lei para a instrução de Minas Gerais publicada em
1835. No período do nosso estudo essa obrigatoriedade é mantida,
bem como as punições para os pais ou responsáveis que não
enviassem seus filhos para a escola.
Fato instigante, no que tange a legislação, se refere às
poucas alterações realizadas na instrução primária e secundária. As
disciplinas que compunham os currículos do ensino primário, por
exemplo, são praticamente as mesmas desde 1835, isto é, aprender
a ler, escrever, contar, aritmética e instrução moral e religiosa. Em
alguns regulamentos foram incluídos preceitos de civilidade e
higiene, sistema métrico, desenho linear e música.
A instrução primária sofre poucas alterações nos
Regulamentos aprovados no período estudado. As disciplinas que o
compunham quase não se alteram e o ensino deixa de existir em
dois graus para apenas um. O Regulamento de n.º 56 de 10 de
maio de 1867, por exemplo, reestrutura a divisão da instrução
pública na Província em: primária, primária superior e secundária.
Outro exemplo é a lei n.º 1769 de 04 de abril de 1871 que divide
a escola primária em três classes. Para cada uma o vencimento dos
professores seria diferenciado, bem como as exigências para galgar
as classes superiores. Na lei não são especificadas as disciplinas
nem como e porque ficariam assim divididas.
Nas décadas de 1870 e 1880 surgem, na legislação, as
escolas primárias para adultos e escolas em cadeias. Nas primeiras,
jovens acima de 15 anos poderiam freqüentá-las, desde que
tivessem que trabalhar junto com seus pais. Segundo os Relatórios
de Província as aulas eram pouco freqüentadas e mantidas por
associações locais.
Na segunda metade do século XIX a instrução
secundária é estruturada pelo Regulamento n.º 27 de 04 de
janeiro de 1854. Nele cria-se um Liceu na capital provincial
(Liceu Mineiro) onde se reuniriam as aulas secundárias avulsas.
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A instrução secundária segue a mesma linha da


instrução primária. Poucas alterações foram realizadas, no que
tange ao currículo. A maior ênfase dada pela legislação estava na
criação e supressão dos liceus e externatos. Assim, os
Regulamentos e Leis dedicam maior atenção à reunião das aulas
avulsas nos estabelecimentos então criados. As alterações vistas na
legislação dizem respeito ao tempo do curso e na inclusão de
disciplinas como o italiano e o alemão. Mas, um aspecto
interessante entre os Regulamentos diz respeito à formação dos
indivíduos pelo ensino secundário. O curso ensinava disciplinas
mais teóricas do que técnicas, não os preparando
profissionalmente. Assim, segundo José Murilo de Carvalho16, o
serviço público se tornou fonte de empregos, uma vez que os
indivíduos formados dentro desses parâmetros teriam
oportunidades de trabalho somente no serviço público.

4 Métodos de Ensino

Os métodos de ensino são abordados por poucas Leis e


Regulamentos em Minas Gerais. A partir de 1850 identificamos
essa abordagem nas na Lei n.º 1.064 de 1860, Regulamento n.º
56 de 1867 e Regulamento n.º 62 de 1872. Em cada um desses
momentos determina-se um método a ser adotado. A Lei afirmava
que deveria ser utilizada a mescla dos métodos simultâneo, misto e
individual·. Nota-se que não se explicita uma metodologia a ser
adotada, abrindo a possibilidade para que o professor utilizasse o
que melhor lhe conviesse. O Regulamento n.º 56 de 1857
determina a adoção somente do método simultâneo, mas
possibilita sua alteração quando as realidades locais necessitassem.
Por fim, o Regulamento n.º 62 de 1872 determina a adoção do

16
CARVALHO, J. M. de. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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método misto também permitindo a adoção de outros quando


necessário.
De acordo com Marcilaine Soares Inácio [et al.]17 Os
discursos pedagógicos, deste contexto, se detinham principalmente
pela questão do método de ensino, pois este conferia ao processo
de ensino e aprendizagem mais eficácia e eficiência. No entanto,
na segunda metade do século XIX a adoção de uma metodologia
de ensino não é unânime e nem preocupava sobremaneira os
legisladores e os Presidentes de Província haja vista que em apenas
três momentos esse aspecto é abordado. A partir disso,
entendemos que os métodos de ensino apresentavam-se como
propostas de organização escolar e que diante da imposição de
organizarem suas aulas por esses métodos, os professores
possivelmente remanejaram esses saberes pedagógicos, buscando
adaptá-los as condições que possuíam.

5 Escolas Particulares

As escolas particulares eram para o governo mineiro uma


incógnita. Os Relatórios dos Presidentes de Província enfatizam o
grande número de escolas particulares existentes em Minas Gerais.
No entanto, as de maior vulto sempre recebiam quantias razoáveis
de financiamento em troca de receberem determinado número de
alunos pobres. No ano financeiro de 1857-1858, por exemplo, foi
gasto 1:740$000 com auxílio de diversas escolas particulares da
Província. Diante dessas questões, a legislação buscou
regulamentar o exercício dessas escolas, bem como as formas de
controlá-las. Assim, o primeiro Regulamento da década de 1850
determinava que:

17
INÁCIO, M. S., ROSA, W. M., SALES, Z. E. S. de, FARIA FILHO, L.
M. de. Escola, Política e Cultura: A Instrução Elementar nos Anos Iniciais do
Império Brasileiro. Belo Horizonte: Argvmentvem, 2006.

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Art. 27º Nenhum Collegio particular de Instrucção


primaria, secundaria, ou superior será estabelecido, sem
licença do Presidente da Província, precedendo
informação do Director Geral.18

As escolas particulares somente poderiam ser abertas


após receberem licença do governo. Já os Colégios que recebiam
verbas do governo receberiam alunos pobres escolhidos pelo
Presidente da Província. Essa medida era de certa forma, um meio
de tentar controlar o as escolas particulares, pois através das
licenças poderia-se controlar o número de escolas, bem como seu
funcionamento, o número de matrícula e freqüência.
No que tange ao ensino privado, um aspecto interessante
chamou-nos a atenção. O Regulamento n.º 44 de 1859 permitia
abrir escolas em colônias estrangeiras, todavia, era necessário uma
autorização do Presidente da Província.

Não obstante, no centro d’uma população colonial


estrangeira, homogenea e compacta, poderá o Presidente
da Província permittir que um ou mais individuos não
catholicos, mas nas devidas condições, estabeleção e
dirijão cadeiras ou collegios que hajão de ser frequentados
somente por educandos pertencentes à familias, cuja
crença religiosa distinta da Catholica e entretanto
poderão ser ahi admittidos como educandos externos,
individuos catholicos que já tiveram maioridade legal,
contanto que não se proponhão frequentar aulas, cuja
materia tiver mais ou menos proxima connexão com as
questões religiosas. Os collegios que acharem-se nestas
condições não poderão ser de modo algum
subvencionados.19

18
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e
Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
Regulamento n.º 28 de 10 de janeiro de 1854. Microfilme. Caixa n.º 2 (1852-
1860), flash 3.
19
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis, Resoluções e
Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009.
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No entanto, no decorrer do período estudado teremos


momento em que as medidas de controle foram ampliadas e em
outros foram flexibilizadas. A lei n.º 1.618 de 02 de novembro de
1869, por exemplo, possibilita a abertura de escolas privadas sem
prévia licença. Por sua vez, outros Regulamentos descrevem
diversas exigências para se criar uma escola particular. Esse é
outro momento que se demonstra um processo de centralização e
descentralização do governo, pois em alguns momentos buscou-se
controlar a ampliação da instrução particular na Província e em
outros, determinava-se a livre abertura de escolas privadas.

6 Magistério

As fontes de pesquisa nos ajudaram a compreender a


produção do discurso sobre a necessidade de formar professores
para atuar na instrução. O modelo de professor forjado pela lei
deveria dominar os conhecimentos exigidos pela lei, ter uma moral
exemplar, mas, sobretudo, freqüentar a escola normal. No
momento em que se exige a freqüência a essa instituição, ela passa
a ser considerada o espaço legítimo da produção e transmissão de
um saber mais racionalizado e científico, que direcionava as
práticas educativas. No interior das escolas normais se difundiriam
os conhecimentos especificados nas Leis e nos Regulamentos, bem
como dos métodos de ensino capazes de ordenar o espaço escolar.
Segundo Walquíria Miranda Rosa na segunda metade do
século XIX, a escola normal passa a ser considerada o local de
transmissão de um saber pedagógico que buscava racionalizar e
legitimar as práticas educativas.

Esta instituição teve uma grande importância para a


instrução elementar no século XIX, sendo considerada

Regulamento n.º 44 de 03 de abril 1859. Microfilme. Caixa n.º 2 (1852-1860)


flash 8.

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como o local de transmissão de um saber pedagógico que


foi sendo construído na confluência de diversos discursos.
Foi o espaço legitimado de produção e circulação de um
saber pedagógico que tentava racionalizar as práticas
educativas, tendo como papel principal a formação dos
sujeitos que seriam autorizados a formarem as novas
gerações, através de transmissão de métodos de ensino.
Esse espaço produziu aquilo que estamos chamando de
modelo de professor e, ao mesmo tempo, desqualificou os
mestres de primeiras letras.20

Pela legislação foram criadas em Minas Gerais várias


escolas normais. Abaixo elaboramos um quadro que demonstra
esse processo.

Quadro 4 - Escolas Normais criadas por Leis e Regulamentos em Minas


Gerais entre 1850-1889
Lei e/ou Regulamento Escola Normal
Nas localidades onde houvesse mais de uma
Regulamento n.º 44 de 1859 escola primária do 2º grau uma delas seria
considerada escola normal.
Cria uma escola normal em Ouro Preto e
Regulamento n.º 62 de 1872
mais duas em localidades a serem definidas.
Cria uma escola normal na cidade de Montes
Claros e Paracatu, bem como define a
Regulamento nº 84 de 1879 localidade das escolas criadas pelo
Regulamento n.º 62 de 1872: Campanha e
Diamantina.
Lei n.º 2783 de 1881 Cria a escola normal de Uberaba
Lei n.º 2794 de 1881 Cria a escola normal de Sabará
Regulamento n.º 100 de 1883 Cria a escola normal de Juiz de Fora
Lei n.º 3116 de 1883 Cria a escola de São João Del Rei
Fonte: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis,
Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-1889). 55 vols.

20
ROSA, W. M. Representações da Profissão Docente em Minas Gerais (1825-
1852). In: GOUVÊA, M. C. S. de, VAGO, T. M. Histórias da Educação:
Histórias de Escolarização. Belo Horizonte, 2004. p. 21.

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Por lei foram criadas ao todo 9 escolas normais. É bem


verdade que muitas delas não conseguiram manter-se em
funcionamento, mas representam um esforço em favor da
melhoria qualitativa do ensino. De igual modo, as ampliações
dessas instituições, progressivamente, legitimam o papel das
escolas normais na formação dos professores e significará no
decorrer desse período a descentralização no projeto de qualificação
docente.
A legislação não focaliza somente a formação
profissional dos professores, mas também havia a preocupação em
exigir e regulamentar o comportamento e as formas de conduta
dos professores. As exigências para se tornar professor sofre
pequenas alterações durante o período estudado, tal como a idade
mínima para se exercer o magistério. Porém, algumas questões são
sempre reforçadas: ser católico, conduta moral exemplar, ser livre e
não ter cometido crimes.
Outro aspecto identificado na legislação refere-se a
inserção da mulher no magistério. No entanto, além das
exigências descritas acima, a conduta moral das mulheres é
reforçada. No caso das professoras, essa questão é enfatizada, já
que elas lecionariam para as meninas e seria uma das referências
para a boa conduta das garotas.

7 Escolas Profissionalizantes

Uma questão que nos chamou a atenção na legislação


mineira nas décadas de 1870 e 1880 se refere à instrução
profissional. A partir de 1875 inicia-se a aprovação de Leis e
Regulamentos que buscam estruturar a educação profissional em
Minas Gerais. Por lei, foram criadas quatro Escolas Agrícolas, três
Institutos de Menores Artífices e um Liceu de Artes e Ofícios. Ao
total 8 instituições eram destinadas a ensinar habilidades como
marceneiro, ferreiro e agricultura. Durante o período estudado,

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vários Regulamentos foram publicados visando regulamentar o


funcionamento dessas instituições.
De acordo com João Antonio de Paula e Fernando
Saraiva Minas Gerais era a Província que mais concentrava
21

cativos no Brasil, e ao mesmo tempo, esta população escrava era


sempre inferior ao conjunto da população livre. Isso, de certa
forma, pode explicar a intenção de se criar escolas que pudessem
preparar os livres e pobres e ex-escravos para o mercado de
trabalho livre após o fim da escravidão.
Nesse sentido, para inserir tanto o livre pobre quanto os
ex-escravos, era necessário educá-los. Reivindicações por ensino
profissionalizante e escolas agrícolas podem ser compreendidas
dentro dessa perspectiva. Educar e treinar o trabalhador nacional e
o liberto poderia tornar possível a incorporação dos mesmos ao
mercado de trabalho livre.
Outro aspecto, também de responsabilidade das escolas
“profissionalizantes”, seria a transformação da percepção dos ex-
escravos e do elemento nacional, acerca do trabalho, já que estes
até então, foram mantidos á margem das atividades realizadas na
Província e grande parte dos trabalhos era realizada pelos cativos.
Dessa forma, tornou-se necessário fazê-los abandonar a
agricultura de subsistência e ingressar no trabalho disciplinado e
organizado das grandes plantações, bem como nos serviços
necessários à Província.
A instrução poderia incutir nos futuros trabalhadores o
apreço ao trabalho. Com essa perspectiva André Simão corrobora:
“Os ingênuos e demais homens livres deveriam ser ‘recuperados’ para

21
PAULA, J. A. de. Raízes da Modernidade em Minas Gerais. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000. SARAIVA, L. F. Estrutura de Terras e Transição do
Trabalho em um Grande Centro Cafeeiro, Juiz de Fora 1870-1900. Anais do X
Seminário sobre a Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG,
2002.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009.


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130

uma vida digna, uma vida de trabalho, por meio da educação”.22 A


instrução era um dos instrumentos transformadores da população
pobre em relação ao trabalho e, para que isso acontecesse, as
crianças e os homens deveriam ser educados dentro desses
pressupostos: homens educados para o trabalho. No caso das
escolas agrícolas, a instrução tinha por objetivo tornar regular o
fornecimento de mão-de-obra para o trabalho exigido na lavoura.
Já os Institutos de Menores Artífices e o Liceu de Artes e Ofícios
formariam trabalhadores que produziriam as mercadorias
necessárias ao consumo local, tal como o pedreiro na construção
civil e o ferreiro na produção de utensílios usados na lavoura. Em
suma, o objetivo da instrução “profissionalizante” era tornar os
homens livres pobres e ex-escravos em homens úteis à Província.

Considerações Finais

Ao longo da segunda metade do século XIX configurou-


se na educação mineira um período caracterizado pela tentativa de
organizar e ampliar a instrução à população branca e livre. Pela
legislação buscou-se organizar uma estrutura educacional na
Província.
Ao se propugnar em favor de uma outra organização
para a instrução, observa-se também, a necessidade de estruturar
administrativamente o governo para que assim, o mesmo pudesse
atuar mais de perto sobre essa esfera do serviço público. No
período recortado para a pesquisa identificamos que a legislação
descreve, de forma minuciosa, todo o aparato burocrático e fiscal
ao qual a educação e seus agentes estavam subordinados. Órgãos,
secretarias e funcionários são criados e “reinventados” para atuar
junto à instrução.

22
SIMÃO, A. L. Minas Gerais e o Congresso Agrícola de 1878: Demandas,
Temores e Percepções dos Produtores Rurais Mineiros. Anais do XI Seminário
sobre Economia Mineira. Belo Horizonte: CEDEPLAR/UFMG, 2004. p. 20.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009.


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131

Fato instigante, no que tange a legislação, se refere às


poucas alterações realizadas na instrução primária e secundária.
Em alguns regulamentos foram incluídos preceitos de civilidade e
higiene, sistema métrico, desenho linear e música. No período de
estudo identificamos que as alterações realizadas pela legislação se
referiam à divisão da instrução primária em 1º e 2º graus.
As fontes de pesquisa nos ajudaram a compreender a
produção do discurso sobre a necessidade de formar professores
para atuar na instrução pública. A partir da nova organização, os
professores que pretendessem exercer o magistério público e
particular, deveriam adquirir os conhecimentos estabelecidos pela
lei e dominar os métodos de ensino adotados na Província. Mas
deveriam, sobretudo, freqüentar a escola normal. Na segunda
metade do século XIX, a escola normal passa a considerada o local
de transmissão de um saber pedagógico que buscava racionalizar e
legitimar as práticas educativas.
Fato interessante identificado na legislação mineira nas
décadas de 1870 e 1880 se refere à instrução profissional. A partir
de 1875 inicia-se a aprovação de leis e regulamentos que buscam
estruturar a educação profissional em Minas Gerais. Nas décadas
finais do Império, a maior ênfase é dada às escolas
“profissionalizantes”, tendo em vista a transição do trabalho
escravo para o trabalho livre. Mas, acreditamos que a preocupação
maior não era com a população em si, mas sim com os rumos que
a economia mineira iria seguir com essas transformações, bem
como um meio de se conseguir uma força de trabalho
“qualificada”, permanente e assídua.

Fontes

ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (APM). Coleções de Leis,


Resoluções e Regulamentos da Província de Minas Gerais (1835-
1889). 55 vols.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 105-133, Maio/Ago 2009.


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Mendes de, XAVIER, Maria do Carmo. (orgs.). História da
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1878: Demandas, Temores e Percepções dos Produtores Rurais
Mineiros. Anais do XI Seminário sobre Economia Mineira. Belo
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Renata Fernandes Maia de Andrade. Mestre em Educação pelo


Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Uberlândia.
Carlos Henrique de Carvalho. Doutor em História pela
Universidade de São Paulo (USP) e Professor da Faculdade de
Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Data de recebimento: 10/10/2008


Data de aceite:20/02/2009

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.
TRABALHO DO PROFESSOR:
DO DIZER DAS TRADIÇÕES A EMERGÊNCIA
DE SENTIDOS CONTEMPORÂNEOS
Rosa Maria Filippozzi Martini
Paulo Roberto Corrêa Glasorester

Resumo
A presente investigação tem por objetivo reconstruir as diferentes
tradições que deram sentido ao trabalho docente. Trata-se de uma
pesquisa qualitativa, realizada em textos de história da educação e de
filosofia com caráter interdisciplinar. O método de investigação é a
hermenêutica de Gadamer. O método se desenvolve pela
interpretação e compreensão dos textos, buscando realizar a fusão de
horizontes entre as diversas tradições e a atualidade. Elaborou-se uma
descrição compreensiva do trabalho do professor desde a antigüidade
até os dias atuais. Foi possível constatar a emergência de antigos
significados que assumiram novas dimensões na atualidade.
Palavras-chave: Tradições; Trabalho do professor; Crise do trabalho
docente; Mundo da vida e sistema.

THE WORK OF THE TEACHER: ASKING FOR


NEW MEAMINGS ABOUT TRADITIONS
Abstract
This research presents a reconstruction of different traditions that
offered a meaning to the teacher work. It is a qualitative research
that was developed into texts of history and philosophy of education
in an interdisciplinary way. The research method was the
hermeneutics of Gadamer. It was developed by interpretation and
comprehension of texts in order to operate the fusion of horizons
proposed by Gadamer. It was a comprehensive description of the
teacher work since antiquity until actuality. It was possible to verify
ancient meanings assuming new dimensions nowadays.
Keywords: Traditions; Teacher work; Crisis of teacher work;
Lifeword and sistem.

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TRABAJO DEL MAESTRO: EL RESGATE
DE LOS SENTIDOS ACTUALES EN EL DECIR
DE LAS TRADICIONES
Resumen
La investigación se propone a una reconstrucción de las diferentes
tradiciones que atribuyeran sentidos al trabajo del maestro. Se trata
de una pesquisa cualitativa, de carácter interdisciplinario que se ha
realizado en textos de Historia y Filosofía de la Educación. El
método de la investigación esta basada en la hermenéutica de
Gadamer. El método trabaja con la interpretación y la comprensión
de los textos en la búsqueda de una fusión de los horizontes entre las
variadas tradiciones y la actualidad, según lo propuesto de Gadamer.
La investigación ha posibilitado una descripción comprehensiva del
trabajo del maestro desde la antigüedad hasta el momento actual.
Fue posible constatar la emergencia de antiguos significados que en
los días de hoy asumieron nuevas dimensiones.
Palabras clave: Tradiciones; Trabajo del maestro; Crisis del trabajo
docente; Mundo de la vida y sistema.

LE TRAVAIL DU PROFESSEUR; DU DIRE DES


TRADITIONS À L’ÉMERGENCE DE SENS
CONTEMPORAINS
Résumé
La présente recherche a pour but de reconstruire les différentes
traditions qui ont donné sens au travail du professeur. Il s’agit d’une
recherche qualitative, à caractère interdisciplinaire, réalisée sur des
textes d’histoire de l’éducation et de philosophie. La méthode
d’enquête c’est l’herméneutique de Gadamer. La méthode se
développe par l’interprétation et la compréhension des textes, et
cherche à réaliser la fusion d’horizons entre les diverses traditions et
l’actualité. L’on a élaboré une description comprenant le travail du
professeur depuis l’antiquité jusqu’à présent. Il a été possible de
constater l’émergence de significations anciennes qui ont assumé de
nouvelles dimensions au moment actuel.
Mots-Clés: traditions; travail du professeur; crise du travail du
professeur;

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1 Introdução

O projeto de Mestrado em Educação da Universidade de


Santa Cruz do Sul tem como uma de suas linhas de pesquisa
"Educação, trabalho e emancipação". A esta linha de pesquisa se
vincula o Projeto de Pesquisa: "Do trabalho ao tempo livre:
educação, trabalho e humanização". Este projeto se subdivide em
três sub-projetos sendo um deles "Sobre a reconstrução do
trabalho docente na era das redes informacionais - É possível
reencantar a ação docente?" Este, por sua vez, é desenvolvido em
três etapas que ocorrem ao longo dos anos de 2007-2008:
reconstruir as diferentes tradições e teorias pedagógicas que deram
sentido ao trabalho docente; analisar as transformações do
trabalho docente e de sua formação na era das redes
informacionais e compreender e interpretar o discurso dos
docentes, de diversos graus de ensino sobre seu processo de
trabalho, nas dimensões cognitiva, normativa, prático-política e
estético-expressiva. O presente trabalho, intitulado "Trabalho do
professor: do dizer das tradições a emergência de sentidos
contemporâneos", tem por finalidade apresentar os resultados
parciais da primeira etapa1.
O presente trabalho resulta de uma investigação de
cunho qualitativo, realizada em textos de história da educação,
textos filosóficos e sociológicos com o objetivo de resgatar o que
dizem as tradições sobre o trabalho do professor. Porém, ao buscar
este resgate, quer pela dificuldade das fontes, quer pelo exame das
questões de investigação, realizou-se tanto um trabalho
epistemológico de questionamento das formas de fazer história,
como constatou-se a exigência de um enfoque interdisciplinar no
tratamento do tema, em função das complexas dimensões tanto

1
Esta pesquisa contou com a apoio do Fundo de Amparo a Pesquisa da
Universidade de Santa Cruz do Sul.

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filosófico-epistemológicas, como sociológicas e antropológicas que


envolvem o problema da produção histórica do trabalho do
professor. Portanto, ao buscar pistas historiográficas sobre a
questão do trabalho do professor pretende-se um resgate do
significado desse trabalho, empreendendo paralelamente uma
tomada de consciência metodológica, implicada na complexa
tarefa de fazer história.
Zequera (2002) ao caracterizar o trabalho teórico-
metodológico da pesquisa em História da Educação refere-se às
dificuldades, tanto no que se refere a própria crise da História
enquanto ciência, após a dissolução das grandes escolas
responsáveis pela orientação do trabalho historiográfico, como ao
próprio debate teórico-metodológico em História da Educação que
apresenta características semelhantes. A presente investigação
constatou os mesmos problemas na medida em que foram
encontradas nos autores clássicos de História da Educação, mais
referências à teorias pedagógicas e história das idéias pedagógicas
do que referências ao próprio trabalho do professor. Somente em
Manacorda (1989), cuja perspectiva teórica é hegeliano-marxista,
foram encontradas referências mais concretas sobre o trabalho do
professor. Por outro lado, ao tematizar a questão do dizer das
tradições sobre o trabalho do professor se encontrou em Habermas
(1988) a sugestão metodológica de se utilizar dialética e
hermenêutica, no sentido de não reduzir o trabalho de
investigação das tradições a uma perspectiva exclusivamente
critico-ideológica, mas também tentando compreender as
diferentes tradições a partir das suas diferenças e peculiaridades,
praticando o que Gadamer (1984) propõe como fusão de
horizontes. Por conseguinte, o esforço desta pesquisa se
concentrou na busca de pistas dos modos de historicizar-se do
trabalho docente, em diferentes tempos históricos, não
enfatizando apenas uma processualidade, mas suas formas de
manifestação, tendo em vista extrair configurações indicadoras do
desvelamento de sentidos relativos ao trabalho docente que
emergem do fazer-se mundo das diferentes tradições e que se
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sedimentam e se manifestam de outras formas, na


contemporaneidade.

2 Discussão metodológica

O estudo se desenvolveu a partir do paradigma “mundo


da vida e sistema” de Habermas (1987), no sentido de uma
tentativa de reconstrução das diferentes tradições, a partir das
quais podem emergir sentidos no cotidiano do professor. Segundo
Habermas (1987) o “mundo da vida”, enquanto horizonte da
compreensão do homem no mundo, se configura em termos de
cultura, sociedade e personalidade, implicando por isso mesmo em
tempos e espaços que adquirem diferentes sentidos e estruturam
diferentes tradições. O que se tentou nesta investigação foi um
exercício de imaginação histórico- sociológica que implicou na
tentativa de um trabalho hermenêutico de comunhão de
horizontes, conforme o que preconiza Gadamer em Verdade e
Método (1984), afirmando a necessidade de uma universalidade da
compreensão, na medida em que somos na linguagem e nos
compreendemos, enquanto humanos, no dizer das tradições.
Entretanto, seguindo a sugestão metodológica de Habermas se
operou, concomitantemente, com a crítica da ideologia, na medida
em que se considerou a história das sociedades humanas em
processo, não enfatizando necessariamente um continuum, mas
tentando a partir de uma cronologia real e dos contextos sociais e
institucionais da educação, apresentados por historiadores da
educação, conjeturar sobre como se produziu o grupo social e
profissional que hoje chamamos de professor. Para tanto, não
poderíamos nos ater apenas à compreensão das tradições, visto que
nos interessa verificar como se produziu esse grupo profissional.
Para tanto foi importante questionar quais ideologias vigentes nas
diversas sociedades, culturas e tradições que tornaram possível o
acontecer do trabalho educativo, dele emergindo o trabalho do
professor como grupo profissional. Desta forma, na presente
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009.
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investigação se procurou adotar a metodologia sugerida por


Habermas em sua teoria da ação comunicativa, a qual implicando
numa teoria da sociedade e sua evolução, trabalha com a
hermenêutica e a dialética, combinando operações compreensivas e
críticas. Habermas trabalha em sua teoria da ação comunicativa
com o paradigma “mundo da vida e sistema”. O mundo da vida se
coloca como o horizonte a partir do qual acontecem as
experiências, implicando em sociedade, cultura e personalidade,
enquanto que o sistema implica em processos de racionalização
social, tais como o poder, o dinheiro, a burocratização e o direito
positivo. Habermas (1987) buscou elaborar uma teoria da
sociedade e da evolução social, verificando em que medida as
ameaças de racionalização sistêmica de uma sociedade, cada vez
mais complexa, tornam intransparentes os sentidos de diferentes
aspectos do mundo da vida e de suas tradições, exigindo não
apenas a tematização das tradições, mas seu questionamento, na
medida em que a própria tradição, não problematizada, não pode
mais ela mesma resultar em esclarecimento. Portanto, nesta
primeira etapa, procurou-se conjecturar a partir de indícios,
encontrados nos relatos históricos dos textos de história da
educação, imaginando como teria sido o mundo da vida dos
indivíduos que exerciam a atividade de professor, seu cotidiano de
trabalho e os influxos do sistema de poder exercido sobre tais
indivíduos que exerciam práticas educativas até o momento em
que sua profissão passa a ser regida por ordenamento estatal.
Também nos foi de grande valia os estudos de Hobsbawm (1998)
em Sobre História, na medida em que aponta a importância da
metodologia marxista, e ressalta a falta de estudos sobre grupos
profissionais, foco de nosso estudo, em termos da profissão de
professor2.

2
BASTOS traduziu um artigo de CASPARD intitulado A profissão docente –
entre história e memória – Uma pesquisa em um instituto francês de formação
de professores. Revista de História da Educação. Pelotas, v. 6, n. 12, set. 2002,
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 135-157, Maio/Ago 2009.
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141

Ricoeur (1986) ao referir-se ao imaginário social o


coloca ao nível das condições de possibilidade da experiência
histórica em geral. No campo histórico, está implicada a
imaginação, na medida de sua constituição analógica. Ricoeur
(1986) cita Husserl, especialmente na quinta Meditação
Cartesiana, e Schutz (1973) em suas afirmações a respeito da
atitude natural de relação com o mundo pela qual é possível dar-se
conta da historicidade do mundo social e cultural. Assim, há um
campo histórico da experiência porque meu campo temporal está
religado a um outro campo temporal por algo que é chamado de
uma experiência de fazer parte de um grupo. Segundo essa relação
de pertença a um grupo, um fluxo temporal pode acompanhar
outro fluxo, implicando não apenas os contemporâneos, mas
também os predecessores e os sucessores. Essa analogia implicada
no sentir-se participante de um grupo não é apenas um
argumento, mas uma condição transcendental, segundo a qual um
outro eu semelhante a mim, meus contemporâneos, meus
predecessores e meus sucessores podem dizer “eu”. Segundo
Ricoeur, é desta maneira que este princípio de analogia entre
múltiplos campos temporais funciona com relação à questão da
transmissão das tradições como o “eu penso” kantiano na ordem
causal da experiência. Para Ricoeur (1986) não é por acaso que,
na quinta Meditação, Husserl apóia sua noção de apercepção
analógica na idéia de transferência em imaginação. A transferência
em imaginação de meu “aqui” em nosso “lá” é a raiz do que
chamamos intropatia (Einfühlung). Esta imaginação é o
esquematismo próprio a constituição da intersubjetividade na
apercepção analógica. Ainda, segundo Ricoeur, esta forma de
esquematismo opera como imaginação produtiva e tem por tarefa
manter vivas as mediações de toda a sorte que constituem o liame
histórico e as instituições que objetivam o liame social. Portanto, a

p. 5-16. Nesse artigo o autor destaca a dificuldade de acesso a documentos sobre


história da educação e análise da profissão docente.

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possibilidade de uma experiência histórica reside em nossa


capacidade de nos expormos aos efeitos da história para retomar a
categoria da história dos efeitos, segundo Gadamer, formulando a
cada momento histórico as perguntas que ligam nosso horizonte
contemporâneo ao de nossos predecessores. Esse exercício de
questionamento nos permite imaginar como nos remeter a um
futuro da situação desse grupo profissional ao qual pertencemos e
que analogicamente podemos compreender e refletir criticamente.
A pesquisa se desenvolve pela interpretação e
compreensão dos textos, buscando realizar a “fusão de horizontes”
entre as diversas tradições e a atualidade. Espera-se conseguir
elaborar uma descrição compreensiva do trabalho do professor
desde a antiguidade até os dias atuais. Nesta tentativa inicial de
produzir uma história da profissão foram formuladas perguntas
hipotéticas para as quais vão emergindo sentidos a partir de cada
tradição, a qual é submetida, ao mesmo tempo, ao crivo da crítica
da ideologia, subjacente às tradições. As perguntas são: Quem
desempenha a tarefa de professor? Quais são as suas condições de
trabalho e sobrevivência? Qual o significado social do seu
trabalho? A partir desses questionamentos o que se obteve foram
algumas pistas, encontradas no pouco material disponível.

3 Encontrando pistas para interpretar


o dizer das tradições sobre o trabalho docente

Buscou-se surpreender a questão do trabalho docente, no


contexto das civilizações que dispõem de tradição escrita, presente
inicialmente nos livros sagrados. Desta forma, nas antigas
civilizações orientais o trabalho do professor não se distingue das
funções sacerdotais e das do escriba, na medida em que se faz
necessário o registro tanto de uma sabedoria sagrada, como de
conhecimentos científicos e questões prático-políticas e
administrativas. Nessas sociedades de poder altamente
hierarquizado a função de escriba é instrumental para o exercício
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do poder. Apesar dessa posição apenas instrumental, por outro


lado aquele que se torna escriba busca livrar-se do peso do trabalho
braçal e dos riscos da guerra. Além disso, tem sua subsistência
garantida pela classe dominante sacerdotal pelo fato de seu ofício
ser necessário quer para o exercício do poder hierárquico, como
para a manutenção dessas funções por meio do ensino dos novos
escribas. Portanto, é agregada às tarefas do escriba a tarefa de
ensinar, ou seja é preciso ensinar para preservar a tradição e a
própria cultura. O escriba judeu ainda está, além disso, ligado a
uma história sagrada, sendo um guardião do sentido da palavra de
um Deus criador que interfere na história de um povo. Esse povo
permanece unido em torno dessa palavra divina a qual lhe dá um
sentido político e existencial. Dessa forma, o escriba judeu se torna
também mestre investido de uma autoridade sagrada conferida por
um Deus poderoso que fala e interfere direto em sua criação e na
história de um povo que se percebe como eleito. Essa autoridade
adquirida por uma investidura teológica, com legitimidade sagrada,
será um sentido muito presente na concepção do trabalho do
professor3. Tal legitimação da autoridade e da palavra foi utilizada
durante séculos pelas alianças do poder religioso com o do Estado,
ficando a função do professor com uma aura sagrada e vocacional
que ao mesmo tempo que legitimava o exercício de sua profissão
como sacerdócio e vocação, o impedia de se perceber como um
trabalhador comum4. Isso serviu durante séculos de diferentes

3
Segundo Gilles (1987, p. 45): “a classe dos escribas aumenta em número, até
se tornar o setor mais importante e erudito da sociedade judaica. Trata-se de uma
ordem de leigos aberta a homens de várias profissões literárias, classe que assumiu
a incumbência de instruir os jovens e prepara-los para os deveres escribais.”
4
Sobre a concepção sagrada da atividade do professor cristalizada na Idade Média
Manacorda (1996, p. 142) faz a seguinte descrição: “Quanto às escolas do clero
secular, originariamente o mestre era o bispo (ou, nas paróquias, o pároco), mas
logo esta tarefa foi por eles transferida para um scholasticus ou magischola. Este
foi um cargo cuja dignidade cresceu com o tempo, tanto que o magischola acabou
assumindo na Igreja funções mais elevadas, transmitindo, através de uma espécie
de investidura, a função de ensinar a um seu substituto, o proscholus.”

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formas para manter o trabalho do professor com essa investidura,


servindo o próprio trabalho do professor como um instrumento de
dominação e alienação de si mesmo, como classe trabalhadora,
identificando-se com uma classe dominante, sem pertencer a ela,
como um reprodutor dessa dominação na interação com os alunos.
Essa auto-percepção de ser mediador de um conhecimento, tido
inicialmente como sagrado, só vai se dissolver com o processo de
laicização da cultura e difusão do conhecimento que começa com a
imprensa, no início da modernidade, e culmina
contemporaneamente com as redes de informação. Porém, a
necessária operação de descentramento de uma interação
totalmente assimétrica, como é proposta na tradicional relação
professor-aluno, para relações simétricas de aprendizagens sociais,
interativo-discursivas, desestabilizadoras e problematizadoras que
podem ocorrer também via redes informacionais tem se tornado
uma das principais fontes de mal estar docente, bem como tem se
constituído em um desafio para a formação do professor. Ainda se
corre o risco da ameaça de se tornar um escriba virtual ou
tecnólogo da rede, sem conseguir atingir uma verdadeira
apropriação pedagógica do trabalho educativo, via redes de
comunicação5.
A paidéia grega apresenta uma primeira racionalização
da discussão acerca do trabalho docente, questionando suas
funções formadoras e moralizadoras, bem como as de instrutor e
de transmissor de conhecimentos. Ao longo da aventura grega de
constituição do conhecimento, tanto como teoria anunciadora da
contemplação do real, como via de realização prática da vida
política, como o saber argumentar em torno dos fins mais
racionais para a realização do bem viver na Polis, o trabalho do
professor se manifesta em diferentes figuras. Nos tempos
homéricos aparece na figura do therapon, um misto de médico e

5
Ver a esse respeito “Ciberprofessor: novas tecnologias, ensino e trabalho
docente” de Eucídio Arruda, 2004, p. 113 a 127, texto resultante de dissertação
de mestrado em que o autor chega à conclusões semelhantes.

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especialista em armas e na palavra, que apóia e valoriza a coragem


do herói e a morte heróica. Assim, nos tempos homéricos o
trabalho do professor estava ligado a morte, pois o therapon era
alguém que tinha se envolvido com homicídio e apoiava com
serviço e palavra aquele que deveria morrer heroicamente6. No
período helênico, vemos o professor muitas vezes na condição de
escravo culto que caiu nesta condição por desgraça financeira ou
por ser estrangeiro e que era apreciado por suas virtudes
formadoras mais do que por sua tarefa de instrução. Por outro
lado, vê-se na Grécia o trabalho do professor fragmentado em
diversas atividades que vão desde o cuidado do corpo (ginástica) ao
cultivo da alma (música) e do intelecto (instrução7). Os professores
das primeiras letras não eram valorizados e geralmente ocorre a
instrução em meio à violência, tanto por parte do aluno como do
professor8. O ponto alto de discussão sobre o trabalho do professor

6
Sobre o educador nos tempos homéricos, ver Manacorda (1996, p. 41-46).
7
Há uma enorme gama de educadores na Grécia Antiga (MARROU, 1975): a)
nos estudos “primários”: mestre escola, educação física e artes (diversas
modalidades: lira, canto, desenho etc); b) nos estudos secundários: gramático e de
matemáticas (diversos: para geometria, aritmética, astronomia etc); c) ensino
superior: retóricos (sofistas), filósofos, professores de medicina etc. Além destes
profissionais há a figura do pedagogo que é um escravo culto que é responsável
pela educação moral da criança.
Ainda, segundo Marrou (1975, p. 232) na antigüidade, o mestre de primeiras
letras é alguém muito apagado para que a família pense em confiar-lhe, como o
faz tão freqüentemente hoje, a responsabilidade da educação. Se alguém, que não
os pais, recebe esta missão, é decerto o pedagogo: um simples escravo, sem
dúvida, mas que pelo menos pertence à casa e que, através do contato quotidiano,
pelo exemplo se possível, em todo caso através dos preceitos e de uma vigilância
atenta, contribui para a educação, e sobretudo para a educação moral,
incomparavelmente superior às aulas puramente técnicas do "gramatista".
8
Segundo Marrou (1975), “o ofício de mestre-escola permanece, durante tôda a
Antigüidade, um ofício humilde, bastante desprezado, que serve para desacreditar
aquêles como Ésquilo ou Epicuro, cujo pai foi constrangido a praticá-lo. (p. 229)
(...) Ofício pago, e, o que é pior, mal pago: os documentos mais precisos a êsse
respeito são as cartas epigráficas de Miletoe de Teos: a primeira fixa o salário dos
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se encontra no Protágoras de Platão9, no qual são discutidos se a


essência do trabalho do professor é a instrução para o exercício do
poder na Polis, por meio da arte da retórica, ou a formação
cognitiva e moral como auto-cultivo e auto-aperfeiçoamento, ideal
da paidéia grega. Tal discussão implica também no
questionamento se o trabalho do professor se aproxima do trabalho
de um profissional liberal que vende seu serviço, (personificado
pelo sofista10) ou com a ação do filósofo (Sócrates11), que

mestres de primeiras letras em quarenta dracmas mensais, a segunda em


quinhentas dracmas por ano, no ano normal é proporcionalmente aumentado nos
anos em que se anexa um mês intercalado: nos dois casos, êste salário é um
pouco mais elevado que o de um obreiro qualificado, cujo sôldo, sabe-se, era
normalmente de uma dracma por dia, mas não é bastante para representar uma
elevação real do nível de vida. (p. 230)
9
Ver a esse respeito no Protagoras de Platão 328c-329d a discussão entre
Protágoras e Sócrates a respeito da ensinabilidade da virtude.
10
É, pois, interessante conhecer, com alguma precisão, a maneira pela qual êles
exerceram seu ofício. Não abriram escolas, no sentido institucional dessa palavra;
seu método, ainda bastante próximo daquele das origens, pode-se definir como
um preceptor coletivo. Agrupam êles, em torno de si, os jovens que lhe são
confiados e de cuja formação completa se incumbem; esta requer, ao que se
impõem, três ou quatro anos. Tal serviço é prestado contra remuneração:
Protágoras pedia a considerável quantia de dez mil dracmas (a dracma, [...]
representa o salário diário de operário qualificado). Seu exemplo servirá por
muito tempo de modêlo, mas os preços abaixarão rapidamente: no século
seguinte (entre 393 e 338). Isócrates não pedirá mais de mil dracmas e
lamentará que concorrentes desleais aceitem receber a bagatela de quatrocentas
ou mesmo trezentas dracmas. (MARROU, 1975, p. 86)
11
Sobre o ideal de educação defendido pelos filósofos, Marrou (1975, p. 112)
nos ilustra ao comentar os Diálogos de Platão:
Tudo o que os Diálogos nos permitem entrever mostra-nos Platão como um
partidário dos métodos ativos: seu método dialético é bem o contrário de uma
doutrinação passiva. Longe de inculcar em seus discípulos o resultado, já
elaborado, de seu próprio esforço, ao Sócrates pintado por Platão apraz, ao
contrário, fazê-los trabalhar, fazê-los descobrir por si mesmos, de início,
dificilmente, e depois, à custa de aprofundamento progressivo, o meio de superá-
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questiona essa atividade em sua raiz, perguntando pela essência do


educar, no sentido da questão sobre se a virtude é ensinável. Mais
ainda, o que caracteriza a formação proposta pela Paidéia grega, é
a discussão das próprias possibilidades formadoras, ou seja, um
equilíbrio entre instrução pelo domínio de diversos saberes com a
virtude do saber conviver na polis pelo aprender a deliberar sobre o
que é bom para o cidadão. Esse equilíbrio resulta numa proposta
de prudência ética e política (phronesis) com uma certa estética da
existência, própria da visão de mundo grega, na qual (scholé)
significa o ócio dos filhos de uma classe dominante que tinha a
possibilidade de gozar do tempo livre, privilégio dos que não
precisavam cuidar de sua subsistência e que se preparavam para o
exercício do poder, exercitando o pensar e o deliberar, o governar e
o guerrear. O que se pode observar nos relatos apresentados pelos
textos de história da educação é que o ideal da paideia grega foi
uma discussão filosófica, mas que na realidade pouco se
concretizou na própria Grécia, pois era uma educação para
poucos, ficando excluída da tradição da paideia grega os
trabalhadores e as mulheres. Entretanto, a paideia grega, enquanto
ideal educativo permanece um ponto de reiterada discussão. Até
hoje o ideal da paideia continua sendo o centro das preocupações
do trabalho do professor, constituindo-se num núcleo paradoxal,
pois ao mesmo tempo que o trabalho do professor se constitui em
seu meio de sobrevivência, este é solicitado para a realização de um
trabalho formador para o qual ele mesmo precisa estar
continuamente buscando sua própria formação. Portanto, há
sempre uma dicotomia entre o exercício profissional e a tarefa
formadora. Tal tarefa formadora exige uma forma de cuidado de
si, que se torna quase sempre incompatível com o exercício do
trabalho docente na medida em que este sempre esteve a serviço de
processos de dominação. Assim tanto na antiguidade como, nas

la. A Academia era, pois, ao mesmo tempo, uma Escola de Altos Estudos e um
instituto de educação.

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épocas subsequentes, até tornar-se um funcionário do Estado ou


de instituições particulares o trabalho do professor não consegue se
exercer em termos do cultivo de si, do mundo e do outro conforme
descreve Foucault (2004) na Hermenêutica do Sujeito, quando
comenta as práticas do “cuidado de si”, implicadas na cultura
grega desde a fala do oráculo de Delfos que aconselha “o conhece-
te a ti mesmo”. A condição para realização da paideia grega como
um processo auto-formador no qual o mestre, personificado na
figura de Sócrates, é o indutor deste processo, parece nunca ter se
realizado totalmente ou se realizou de forma muito precária e para
as classes mais favorecidas. Estará o professor contemporâneo,
especialmente os dos países em desenvolvimento tendo acesso a
um mínimo desse sentido de formação?
A civilização romana, com seu senso prático-intrumental
nos legou a criação do Direito para legitimar sua expansão
territorial e o poder de seu Império e assimilou a cultura grega
como refinamento das classes dominantes. Entretanto, não há
muita modificação com relação ao trabalho do professor. Este
passa do trabalho do professor na situação de escravo da família ao
mestre de crianças de várias famílias, visto que se fazia negócio
com os cultos escravos gregos, que quando libertos ensinam em
sua própria escola, escolas que o imperador, como evergéta, dava
seu apoio pois era preciso educar a população para poder entender
as leis emanadas do império e poder manter uma hierarquia de
acordo com os objetivos do poder12. Não há grande mudança,
tanto com relação ao estilo de educação, como com relação às
práticas agressivas que permeiam o cotidiano do trabalho do

12
Do mesmo modo, se o imperador dota cadeiras professorais, é ainda como
evérgeta, em sua boa cidade de Roma, nesta Atenas que é, para todo letrado, uma
segunda pátria. Suetônio relaciona a fundação das primeiras cadeiras estatais ao
conjunto das iniciativas que mostram em Vespasiano um mecenas, um
esclarecido protetor das letras e das artes. Do mesmo modo, Adriano aparece-nos
menos como um soberano preocupado com a reforma do ensino que como um
mecenas, outorgando pensões a retóricos célebres, favores e facilidades legais à
confraria epicuréia de Atenas. (MARROU, 1975, p. 465)

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professor. Verifica-se uma intervenção mais forte do Estado com


relação à valorização do trabalho do professor, e as intervenções
dos imperadores no trabalho dos professores prefiguram a
universidade medieval como comunidade de mestres e alunos, mais
aberta ao saber e acolhendo a todos que desejassem frequentá-la13.
Vemos, portanto o professor numa situação de meia escravidão,
vivendo à sombra da proteção do imperador. Com a decadência de
Roma, desgastada com sua expansão colonialista, e aumento de
miseráveis que aderiram a fé cristã, o Imperador Constantino
decide adotar o cristianismo como segunda religião do Império
Romano. Começa então uma secular aliança da Igreja e do Estado
que só vai ser abalada no século XVIII com a revolução francesa,
permanecendo o trabalho do professor sob essa dupla dominação.
Na alta Idade Media convivem o ensino tradicional nos
mosteiros e o ensino prático da aprendizagem regular de ofícios
em que o mestre artesão é mais valorizado e goza de maior
prestígio. De uma maneira geral, a Igreja domina a educação
passando para ela o controle político das próprias escolas. A
reforma protestante inicia um processo de crítica à essa aliança
entre Igreja e Estado14.

13
Muito cedo, ao lado desta preceptoria particular, no seio das grandes famílias,
apareceu um ensino público do grego, ministrado em verdadeiras escolas:
Andrônico já ensina, simultâneamente domi forisque, como preceptor e como
mestre-escola. Ao lado de alforriados estabelecidos por conta própria, havia
escravos cujos proprietários lhes exploravam os talentos pedagógicos: um escravo
capaz de ensinar era uma boa renda (Catão bem o sabia) e sobressaía no mercado.
Nem todos os professôres de grego eram de origem servil: Ênio, por exemplo,
nascido num município aliado de Messápia. A existência de uma clientela ansiosa
por aprender logo atraiu à capital inúmeros gregos em busca de fortuna: por volta
de 167, PoIíbio assinala a presença, em Roma de grande número de mestres
qualificados. (MARROU, 1975, p. 381-382):
14
Manacorda (1996):
Mas, à parte o apoio do poder político aos estudantes, a Igreja manteve uma
espécie de supervisão sobre as universidades através da concessão, com exame
prévio dos títulos de estudo, da autorização para ensinar, a licentia docendi. (A
conventatio era a cerimônia pública que sucedia à da concessão da licentia, interna
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Na reforma protestante o professor e seu trabalho são


identificados com a tarefa de democratização da cultura, por meio
da alfabetização do povo com vistas à leitura da Bíblia, não mais
em latim, mas na sua própria língua. Entretanto, há também um
controle religioso sobre o trabalho do professor ficando, tanto
católicos como protestantes, restritos à hierarquia religiosa.
Podemos observar, paralelamente ao desenvolvimento mercantil
das cidades e à sua organização em comunas o surgimento de
mestre livres que munidos de licença para ensinar, atuavam fora
dos muros da cidade, satisfazendo exigências culturais das novas
classes sociais. As universidades tiveram origem dessas associações
de mestres livres e alunos, mas quase sempre com a tutela da
Igreja, visto que eram inicialmente regulamentadas pelo poder
Papal e Imperial. As universidades se espalham por toda a Europa
e adotam uma metodologia tradicional em que o mestre expõe suas
teses de acordo com a sabedoria medieval que adota a versão
teológico-metafísica dos antigos filósofos gregos, principalmente
Platão e Aristóteles, divulgados pelos grandes doutores da Igreja
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. O método segue a
lógica e a retórica aristotélica. Entretanto a universidade em sua
origem, enquanto associação de mestres livres e alunos, antes de
sofrer a intervenção da Igreja e do poder imperial, é um espaço de
livre discussão de idéias.
O humanismo surge como polêmica declarada contra a
cultura das universidades e sua tradicional classificação das

da universidade.) Portanto, feita exceção à importante iniciativa dos mestres


livres, nota-se uma continuidade ininterrupta, pelo menos na direção política,
entre escolas episcopais e universidades. (p. 150)
Neles, numerosas são as normas que regulam não somente as relações externas
da arte ou corporação com o poder público e com o mercado [...], mas também as
relações internas entre trabalhadores, que podem ser mestres, sócios, aprendizes e
também diaristas assalariados. (p. 161-162)
A aceitação previa um verdadeiro contrato formal, assinado por dois probiviri da
arte, como testemunhas. (p. 163)

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ciências em conflito com as artes, mas o que parecia um início de


libertação, volta-se também contra esses mestres em função da
aristocratização da cultura que embora tenha dado mais atenção
aos problemas do homem e sua educação por seu renovado contato
com os clássicos, gera uma aversão a cultura medieval e a própria
escola, numa espécie de privatização que dá ênfase ao preceptorado
nas casas senhoriais. Entretanto, encontra-se uma variedade desses
mestres associados e autônomos, pagos por corporações e pelas
comunas, numa diversidade de relações jurídicas, vê-se surgir um
novo tipo de escola, originada de uma sociedade mercantil, quase
que totalmente livre da ingerência da Igreja e do Império e que
vende a sua ciência, renovando-a e revolucionando métodos de
ensino. Observa-se como conseqüência da crítica à escola medieval
um movimento humanista de aristocratização e por outro lado
pelo trabalho dos mestres livres um movimento de democratização.
De certa forma o trabalho do professor continua sendo exercido a
partir ou de uma concepção sofística liberal, segundo a qual o
professor vende seu saber ou a concepção da paideia, traduzida de
forma religiosa em que o trabalho do professor se identifica com o
modelo do mestre, presente nas escrituras.
Somente as Revoluções burguesas, tanto a Inglesa, como
a Americana e a Francesa vão instaurar a laicidade da cultura15.

15
Ver Manacorda (1996, p. 279):
Esta disputa atinge todos os níveis da instrução, das escolas infantis, que
exatamente nesse período começam a difundir-se, às escolas elementares, para as
quais se discute o novo método do ensino mútuo, às escolas secundárias, que já
vêm se articulando em humanísticas e científico-técnicas, às universidades, com
suas novas faculdades correspondentes às transformações das forças produtivas.
Esta disputa talvez tenha na questão do "método" a ser usado nos primeiros níveis
de instrução a sua expressão mais característica: podemos afirmar que, após a
primeira grande idade da didática, aberta pela invenção da imprensa e pelas
iniciativas dos reformados, com a grande figura de Comenius, esta nova idade da
difusão da instrução às classes populares, do nascimento da escola infantil, da
difusão dos livros de texto, das novas escolas para a formação dos professores,
assinala um macroscópico retomo à pesquisa didática.

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Com a revolução industrial entram em jogo novos saberes


científicos e técnicos, e a educação se populariza pela necessidade
de formar mão de obra qualificada, a educação se torna negócio de
Estado e o professor um funcionário do Estado. Se por um lado,
se oferece mais e melhor educação, promovendo uma maior
universalização da instrução e novos experimentos pedagógicos
com forte acento científico e prático, por outro lado, essa
preocupação em incluir se coloca como necessidade do sistema
capitalista para formar mão-de-obra qualificada. O professor se
percebe como um especialista e agente do sistema já que as
reformas universitárias, especialmente a de Humboldt consiste no
fim do caráter abstrato e universalista da universidade medieval e
na adoção de um conjunto diferenciado de especializações. À
medida que a educação se generaliza na Europa aparecem duas
tendências, uma mais científica e positivista com relação ao
trabalho do professor e outra, de tendência mais histórica,
humanista e formativa, no estilo da Bildung alemã acentuando
um movimento de formação total que implica em cognição, ética e
estética. Nessa época, fim do século XIX, o trabalho do professor
se reveste, consequentemente, das características de especialização
científica ou de vocação formadora, no estilo da Bildung, ou seja
uma auto-formação pela inserção total e criativa na cultura.
No século XX ocorrem reformas educacionais e revisões
do trabalho do professor. A profissão é regulamentada e
sindicalizada. Surgem novos experimentos na área da educação
com o desenvolvimento da Psicologia e das ciências médicas, das
ciências da cognição e da informação, além de outras ciências
sociais, contribuindo para uma melhor compreensão do
desenvolvimento infantil e transformação no sentido de uma
pedagogia social, técnica e política16. Resta saber se na esteira

16
Ver Manacorda (1996) p. 330-331:
As discussões sobre a relação entre instrução e trabalho, a oposição entre
individualismo e socialidade ou entre maturação autônoma e determinação
educativa, e a relação entre adultos e adolescentes repropõem em termos e
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desses experimentos se verificou realmente uma mudança nas


condições de trabalho do professor que tenha implicado em reais
transformações. Com a entrada da mulher burguesa no campo de
trabalho da educação instala-se um processo dual em que a mulher
professora tem menor remuneração, ficando o ensino superior a
cargo do sexo masculino, com melhores remunerações.
Contemporaneamente, com o avanço das novas tecnologias a
profissão está em processo de total questionamento na medida em
que o professor é retirado da cena pedagógica, ficando sua
atividade exigida por uma específica atualização tecnológica que
requer uma grande transformação pedagógica para que não fique
reduzida a uma racionalidade instrumental e a um certo estilo de
gestão tecnológica. Por outro lado, Habermas (1987) chama
atenção para o fato de que o trabalho do professor na sociedade
contemporânea encontra-se racionalizado pelo sistema burocrático
e legal oportunizando pouco espaço para comunicação e discussão
entre pares com consequente reflexão sobre o mundo da vida das
práticas pedagógicas. A esse tipo de influência racionalizadora e
sistêmica no trabalho do professor que é uma característica da
educação mundial com suas leis orgânicas que positivam toda a
atividade educacional e exigências das agências de fomento,
atreladas às estatísticas do Banco Mundial, acrescenta-se, nos
paises em desenvolvimento uma brutal proletarização do professor,
ocasionada pelos baixos investimentos em educação, e a falta de
apoio e formação em serviço do magistério. Como pode o
professor praticar o “cuidado de si”, que implica no cuidado do
mundo e do outro, se ele se encontra brutalizado por uma
cotidianidade e um senso comum que não lhe permitem nem
valorizar sua própria experiência, nem tematizá-la e problematizá-
la. Todos esses fatores são fontes do mal estar docente, desafiando

palavras novos os problemas antigos da relação entre o "dizer" e o "fazer'" entre


"governantes" e "governados". A práxis política as traduz em termos
organizacionais e reais, mas dando às vezes lugar a uma espécie de comédia ou de
tragédia dos equívocos.

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o sistema de educação e principalmente os próprios docentes a


encontrar novas oportunidades de exercer novas compreensões e
busca de sentido do trabalho docente promovendo, também, uma
emancipação que não é apenas do professor, mas do todo da
sociedade, visto que se volta para a matéria prima da ação
educativa, na medida em que o trabalho do professor se insere no
contexto da comunicação humana e da busca de sentido do
humano.

4 Conclusões

A compreensão das tradições, abriu algumas brechas


para tentar desvelar algumas questões do trabalho do professor,
elucidando aspectos significativos da profissão docente,
desmascarando sua aura vocacional a partir de diferentes
contextos. Os resultados da interpretação do dizer das tradições
revelaram sentidos diversos, tais como a do mestre livre ou liberal
que vende seu serviço, ou do especialista que forma outro
especialista, contra a discussão que emana da Paidéia grega ou da
Bildung alemã que aspira uma formação mais completa que
articula o cognitivo, o prático-moral, o estético e o político, aliado
a um saber especializado, o que contemporaneamente se vê
questionado pela informação que circula nas redes. Esta pesquisa
permitiu o acesso a possibilidades de uma visão reconstrutiva do
trabalho do professor, desconstruindo alguns preconceitos. O
trabalho do professor no mundo atual se encontra tensionado
entre ser funcionário do Estado ou de uma empresa particular,
atendendo às necessidades do sistema, e seguir os imperativos de
um trabalho referido ao desenvolvimento do ser humano, ligado a
valores e dimensões morais, éticas e políticas, no sentido do direito
à expansão de possibilidades que todo o ser humano precisa
experimentar. Portanto, não é possível reduzir o trabalho do
professor a uma única dimensão, havendo grandes exigências com
relação a sua atuação e pouco investimento em sua formação,
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condições de trabalho e valorização salarial. Conclui-se que o


trabalho docente, especialmente o do professor público do sistema
da educação brasileira se exerce em meio a violência, tanto como a
dos tempos mais primitivos. Entretanto a violência atual é mais
complexa, na medida em que produzida por um sem número de
fatores, desde o tráfico até a indiferença das classes dominantes,
preconceitos de todo estilo, a própria naturalização e virtualização
da violência, caracterizada como “bulling” nas escolas e nas redes
de comunicação. Alem da violência generalizada, o trabalho do
professor se problematiza e desqualifica por permanecer imerso nos
clássicos dilemas entre formar ou instruir, perpassados no presente
pela mudança tecnológica, trazida pelos novos meios de
comunicação, que requerem imensos esforços de atualização e
arregimentação de forças construtivas e criativas que a mera
manipulação de tecnologias não pode suprir. A falta de
investimento em formação e educação continuada, bem como a
desvalorização do tempo de trabalho relegam o professor a
processos de alienação em seu trabalho, na medida em que não
conseguem uma organização que permita uma apropriação
reflexiva e criativa do próprio processo em que estão envolvidos.

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Rosa Maria Filippozzi Martini – Doutora em Educação /


UFRGS. Professora Adjunta do Departamento de Educação e do
PPGEDU/UNISC, Professora Titular aposentada da área de
Filosofia da Educação da FACED/UFRGS. Atua como
professora colaboradora no PPGEDU/UFRGS. E-mail:
rosamfm@terra.com.br.
Paulo Roberto Glasorester – Acadêmico de Pedagogia e bolsista
do Programa UNISC de Iniciação Científica. Professor da rede
pública municipal de Vera Cruz/RS. E-mail:
pauloglosorester@bol.com.br.

Data de recebimento: 15/11/2008


Data de aceite: 20/02/2009

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.
O MUNICÍPIO E A EDUCAÇÃO
EM MINAS GERAIS: A IMPLEMENTAÇÃO
DA INSTRUÇÃO PÚBLICA
NO INÍCIO DO PERÍODO REPUBLICANO
Wenceslau Gonçalves Neto

Resumo
O texto é resultado de pesquisa realizada com financiamento do
CNPq, envolvendo o processo de organização e implementação da
instrução pública no estado de Minas Gerais, tomando como
referência o município de Uberabinha (Uberlândia a partir de 1929),
analisando a ação da Câmara Municipal em seu esforço pelo
progresso e pela dinamização da educação nos primeiros anos da
República. Os municípios, detentores de pouco poder no período
imperial, com a Constituição republicana, e especialmente a
Constituição mineira, passam a gozar de maior autonomia, o que
lhes ampliará a participação política, mas também a responsabilidade
na condução dos negócios locais. O objetivo é compreender como o
poder local participa desse esforço pela instrução pública, a
aproximação/distanciamento com a proposta oficial do estado, as
dimensões político-ideológicas, o grau de complexidade das
iniciativas, as perspectivas que se abrem, o funcionamento e a eficácia
do sistema, etc. Ou seja, estender aos municípios a análise da
formação dos sistemas públicos de ensino no início do período
republicano.
Palavras-chave: Instrução pública; Primeira República; Ação
municipal.

MUNICIPALITY AND EDUCATION IN MINAS GERAIS:


THE IMPLEMENTATION OF PUBLIC INSTRUCTION
IN THE BEGINNING OF THE REPUBLICAN PERIOD
Abstract
This text is the result of a research carried out with the financial aid
of CNPq, involving the organization and implementation of the
public instruction in the State of Minas Gerais, taking as reference
the municipality of Uberabinha (Uberlândia from 1929 onwards),
analyzing the action of City Council in its endeavor for progress and
for the stimulation of education in the first years of Republic. The
municipalities which held some power in the imperial period, with the
republican constitution and especially with the constitution of the

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State of Minas Gerais, could experience some kind of autonomy.
This enlarged their political participation, as well as their
responsibility in the fulfillment of public duties. The objective is to
understand how the local power took part in this effort for the public
instruction, the approximation/distancing from the official proposal
of the State, political-ideological dimensions, the level of complexity
of the initiatives, the perspectives which were open, the functioning
of the system and so on. In other words, to carry over to the
municipalities the analysis of the formation the public system of
instruction in the beginning of the republican period.
Keywords: public instruction, the first Republic, municipalaction.

L MUNICÍPIO Y LA EDUCACIÓN EN MINAS GERAIS:


LA IMPLEMENTACIÓN DE LA INSTRUCCIÓN
PÚBLICA EN EL INÍCIO DEL PERÍODO
REPUBLICANO
Resumen
El texto es resultado de pesquisa realizada con financiamento del
CNPq, envolviendo el proceso de organización e implementación de
la instrucción pública en el estado de Minas Gerais, tomando como
referencia el município de Uberabinha (Uberlandia a partir de 1929),
analisando la acción de la Cámara Municipal en su esfuerzo por el
progreso y por la dinamización de la educación en los primeros años
de la República. Los municípios, detentores de poco poder en el
período imperial, con la Constitución republicana, y especialmente la
Constitución minera, pasan a gozar de mayor autonomia, lo que les
ampliará la participación política, pero también la responsabilidad en
la conducción de los negócios locales. El objetivo es comprender
como el poder local participa de ese esfuerzo por la instrucción
pública, la aproximación/distanciamiento con la propuesta oficial del
estado, las dimensiones político-ideológicas, el grado de complejidad
de las iniciativas, las perspectivas que se abren, el funcionamiento y la
eficácia del sistema, etc. O sea, estender a los municípios el análisis
de la formación de los sistemas públicos de enseñanza en el início del
período republicano.
Palabras-clave: Instrucción pública; Primera República; Acción
municipal.

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LA COMMUNE ET L’ÉDUCATION DANS LA PROVINCE
DE MINAS GERAIS: LA MISE EN OEUVRE DE
L’INSTRUCTION PUBLIQUE AU DÉBUT DE LA
PÉRIODE RÉPUBLICAINE
Résumé
Ce texte est le résultat d’une recherche, réalisée avec le financement
du CNPq, qui concerne le processus d’organisation et de mise en
eouvre de l’instruction publique dans la province de Minas Gerais, à
la ville d’Uberabinha (Uberlândia, à partir de 1929) et qui analyse
l’action du Conseil Municipal en vue du progrès et de la
dynamisation de l’éducation aux premières années de la République.
Les communes, qui avaient peu de pouvoir dans la période impériale,
ont acquis une plus grande autonomie avec la Constitution
républicaine et surtout avec la Constitution de Minas Gerais, ce qui a
agrandi leur participation politique mais aussi leur responsabilité dans
la conduite des affaires locales. L’objectif de ce travail est de
comprendre comment le pouvoir local participe à cet effort pour
l’instruction publique, le rapprochement/éloignement de la
proposition officielle de l’état, les dimensions politiques et
idéologiques, le degré de complexité des initiatives, les perspectives
qui s’ouvrent, le fonctionnement et l’efficacité du système, etc., c’est-
à-dire il s’agit de porter jusqu’aux communes l’analyse de la
formation des systèmes publics d’enseignement au début de la période
républicaine.
Mots-Clés: Instruction publique, Première République, Action

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Grande parte dos estudos que se debruçam sobre a


história da educação brasileira na Primeira República dão ênfase
ao caráter estadual das iniciativas voltadas para a organização da
instrução pública. Essa observação, aliás correta, baseia-se na
omissão do Estado brasileiro com relação à educação, o que fica
claro nas poucas referências que a ela são feitas na Constituição de
1891. Aos estados, dentro do espírito federativo que imperava no
início da República, é repassada a incumbência de organizar a
instrução popular nos limites de suas fronteiras. Essa
responsabilidade foi assumida das mais diferentes formas, sendo os
resultados também os mais variados e, na maioria dos casos, pouco
significativos para a alteração da situação de analfabetismo e
ignorância vigorantes à época.
Por conta dessa autonomia concedida aos estados,
normalmente fala-se na história da educação brasileira das primeiras
décadas republicanas sobre o processo de formação de sistemas
estaduais de ensino, já que nunca ocorrera uma iniciativa unificadora,
que gestasse uma proposta nacional, centralizada, de organização e
oferta da instrução pública. Nesse universo de iniciativas, destaca-se a
empreendida pelo estado de São Paulo na década de 1890, que
acabou por definir o modelo geral de instrução primária que seria
ofertado nos demais estados, que vão assumindo a abertura de grupos
escolares com menor ou maior distância com relação à reforma
pioneira paulista.
Em Minas Gerais apenas em 1906 haverá a formulação
de um proposta que unifica a instrução pública, o que será feito
pela assunção, por parte do estado, do processo de agrupamentos
escolares ou pela criação, daí para a frente, de grupos escolares
propriamente ditos. Até este ano a educação mineira foi regida por
leis e regulamentos que, iniciados em 1892 e 1893, sofreram
diversas alterações ao longo do tempo. Durante esse período, que
vai da proclamação da República, ou mais precisamente da
Constituição mineira de 1891 e da lei de instrução pública de
1892, até 1906, o estado de Minas Gerais estará na busca de um

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“modelo” que lhe permita dar conta, da melhor forma possível, do


encargo da educação popular.
E, à falta desse “modelo” unificador nesses anos que
antecedem a reforma de 1906, temos defendido nos últimos anos
que essa situação permitia aos municípios uma certa autonomia
organizacional em termos de instrução, remetendo ao espaço das
câmaras parte da responsabilidade herdada da omissão do governo
federal. Esta autonomia foi analisada, tomando-se o município de
Uberabinha como referência, como possibilidade de se pensar e
organizar, independente ou complementarmente da ação estadual,
um “sistema” municipal de ensino, marcado por lei de instrução,
regulamentos, implementação de concursos de professores, criação
de escolas, destinação de verbas para gastos com custeio, etc. A
essa ação educativa do poder local temos denominado de
município pedagógico1, chamando a atenção para o caráter de
centralidade que as elites locais dão à questão da educação e aos
dividendos políticos, e também econômicos, que podem advir de
iniciativas voltadas para a aproximação entre o povo e as letras.
No entanto, algumas dúvidas têm sido colocadas por
diversos debatedores acadêmicos, sobre a existência de uma real
autonomia municipal na Primeira República, dado o domínio
explícito que os presidentes dos estados exerciam política e
economicamente em seus territórios e também à limitação
orçamentária, às vezes penúria, vivida pelos municípios. Nesse
sentido, propomo-nos aqui fazer uma incursão pelos caminhos da
legislação e da análise bibliográfica, para tentar compreender
melhor essa questão da evidência ou não da autonomia municipal
no período que estudamos e, conseqüentemente, a possibilidade de
viabilização de iniciativas locais voltadas para a instrução,

1
Cf., por exemplo, GONÇALVES NETO, Wenceslau. “Repensando a história
da educação brasileira na Primeira República: o município pedagógico como
categoria de análise”. In: LOMBARDI, José Claudinei. Navegando na História
da Educação Brasileira. Campinas: Faculdade de Educação-UNICAMP, 2006
(CD-ROM).

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suplementarmente à ação insuficiente ou pouco significativa do


estado.
Avançando um pouco mais, observamos que na
discussão sobre o município no Brasil este quase sempre aparece
marcado pelo controle externo. Victor Nunes Leal, por exemplo,
alerta que ao “estudarmos a autonomia municipal no Brasil,
verificamos, desde logo, que o problema verdadeiro não é o de
autonomia, mas o de falta de autonomia, tão constante tem sido,
em nossa história, salvo breves reações de caráter municipalista, o
amesquinhamento das instituições municipais”2. A menção, no
entanto, a “breves reações de caráter municipalista”, nos permite
supor efetivamente que em determinados momentos e espaços o
municipalismo se fez presente, acompanhado ou fruto de práticas
autonomistas. Uma discussão, portanto, sobre a trajetória do
município no Brasil, com especial destaque aos primeiros anos da
República, pode ser interessante e contribuirá para o alargamento
da compreensão sobre o que seria o município pedagógico em
nossa proposição.
Como nossa investigação concentra-se na realidade
mineira, será sobre esse estado que mais concentraremos a análise,
não descurando, contudo, de remeter às necessárias correlações com
um universo maior, quando essas se tornarem importantes.

O município no período imperial

Ainda que nosso enfoque se inicie no século XIX, para


uma melhor compreensão do fenômeno será interessante que
dediquemos algumas poucas linhas para os séculos de dominação
portuguesa no Brasil, já que o período áureo de autonomia dos
municípios do Brasil concentra-se nos tempos coloniais. Esta
modalidade administrativa, embora trazida pelos portugueses, tem

2
Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São
Paulo: Editora Alfa-Omega, 1975, p. 50.

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suas origens nos tempos romanos3. Essa forma de administração


local era vigente em Portugal e a Coroa decide aproveitá-la no
Brasil. Dadas as insuficientes condições de fiscalização das ações
nas vilas que se iam formando – a estrutura e capacidade
administrativas da Coroa eram precárias – e também pelo interesse
nos resultados e não na forma como os negócios transcorriam – os
objetivos da Coroa e dos proprietários rurais coincidiam –, o poder
real abria mão de um domínio mais efetivo sobre as câmaras
coloniais. Nesse contexto, apesar das leis determinarem o controle
real sobre a colônia, a impossibilidade de impô-lo permitia que as
câmaras não apenas interpretassem a seu modo as leis como, por
vezes, contra elas se colocassem. Neste sentido, Caio Prado Júnior
anota: “Se dentro do sistema político vigente na colônia só
descobrimos a soberania, o poder político da Coroa, vamos
encontrá-lo, de fato, investido nos proprietários rurais, que o
exercem através das administrações municipais”4.
Esta realidade começa a se alterar a partir de meados do
século XVII, após o fim da unificação ibérica e das guerras
holandesas e a percepção pelo poder real da necessidade de se
estabelecer um controle mais efetivo sobre a colônia,
principalmente pelo crescimento da importância econômica da
mesma por conta da descoberta das minas de ouro e diamantes e,
conseqüentemente, pela maior complexidade que vai tomando a
sociedade colonial. Novamente na observação de Caio Prado
Júnior, somos alertados para o declínio da autoridade local:

As figuras dos governadores e demais funcionários reais


começam a emergir do segundo plano a que até então

3
Giovani da Silva Corralo, Município: autonomia na federação brasileira.
Curitiba: Juruá, 2006, p. 47-52. Para uma análise pormenorizada do município
nos primeiros séculos da colonização, cf. Edmundo Zenha, O município no Brasil
(1532-1700). São Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.
4
Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense, 1957, p. 29
(grifos no original).

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tinham sido relegadas. Em sentido inverso e


correspondendo a esta consolidação crescente da
autoridade real, cerceiam-se as atribuições das Câmaras
Municipais, até então soberanas. O poder delas vai dando
lugar ao da metrópole5.

O poder real se tornará, inclusive, fisicamente presente


com a chegada da família real em 1808, o que permitirá à Coroa o
cuidado mais próximo e o controle dos seus interesses na colônia.
No entanto, com o Regente nesta terra “várias medidas
aumentaram as liberdades municipais, e as Câmaras recuperaram
parte do antigo prestígio”6, já que a vizinhança da coroa facilitava
o contato, aumentado o cacife de negociação das Câmaras.
Apesar da observação de João Camillo de Oliveira
Tôrres, de que “o Império foi pouco municipalista”7, no seu início,
após a independência, esta discriminação não se colocava
claramente. Uma certa autonomia será assegurada na
Constituição de 1824, que diz no seu artigo 167: “Em todas as
cidades e vilas ora existentes, e nas mais que para o futuro se
criarem, haverá câmaras, às quais compete o governo econômico e
municipal das cidades e vilas”. No entanto, o artigo 169 ressalva
que todas as atribuições das câmaras “serão decretadas por uma lei
regulamentar”.
Essa regulamentação será concretizada por meio da
primeira lei orgânica dos municípios, de 1° de outubro de 1828.
Nesta normatização a submissão das câmaras a outros poderes
será explicitada, colocando-as num plano secundário em termos de
poder político e econômico. Em termos de autonomia, as câmaras
como “poder menor” ficam sujeitas ao princípio da “tutela”, sendo
subordinadas ao poder imperial e às províncias. O artigo 24 dessa

5
Idem, p. 39.
6
Og Dória, Município: o poder local. São Paulo: Página Aberta, 1992, p. 28.
7
A democracia coroada: Teoria política do Império do Brasil. Petrópolis: Vozes,
1964, p. 364.

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lei estabelecia que “as Câmaras são corporações meramente


administrativas, e não exercerão jurisdição alguma contenciosa”.
Apesar dessas limitações de poder e outras tantas de
caráter econômico, as Câmaras ainda contavam com uma série
importante de atribuições, entre as quais as questões da instrução,
conforme se depreende de seu artigo 70:

Terão [as Câmaras] inspeção sobre as escolas de primeiras


letras, educação e destino dos órfãos pobres, em cujo
número entrarão os expostos, e quando estes
estabelecimentos, e os de caridade, de que trata o artigo
69, se achem por lei, ou de fato, encarregados em alguma
cidade ou vila, a outras autoridades individuais ou
coletivas, as câmara auxiliarão sempre quanto estiver da
sua parte para a prosperidade e aumento dos sobreditos
estabelecimentos.

Golpe maior sofrerá a autoridade municipal com a


edição do Ato Adicional de 1834. Além de transferir a “tutela”
para as Assembléias Legislativas Provinciais, reforçando o poder
provincial, algumas atribuições municipais acabam por ser
subtraídas, entre elas o governo da educação, já que o parágrafo
segundo do artigo 10 remetia às ditas assembléias legislar “Sobre
instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não
compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos,
academias atualmente existentes, e outros quaisquer
estabelecimento de instrução que para o futuro forem criados por
lei geral”.
Dessa forma, podemos perceber que até à proclamação
da República a autonomia municipal no Brasil ostenta uma
trajetória declinante, passando de autoridade quase sem
contestação no início do período colonial para uma submissão
acentuada no período imperial. Nestas circunstâncias, as câmaras
pouco podiam fazer em termos de discussão ou implementação de
algum projeto educacional (ou de outra natureza), ficando essas
atribuições mais restritas ao governo provincial que, por sua vez,

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também pouco fez para o seu desenvolvimento. Primitivo Moacyr,


utilizando-se do relatório do Presidente da Província de Sergipe,
Oliveira Bello, em 1881, sintetiza a situação geral da instrução
pública durante o período imperial:

o defeito de organisação do ensino primario do país


começa na base: o professor, o magisterio, em regra, não
está na altura da sua missão; (...) O plano dos
estabelecimentos que possuimos desse genero é deficiente
a ponto de ser frustaneo; (...) A escola comum em nosso
país, é já uma aberração do século8.

O município no período republicano

Essa situação de “aberração” que a República recebe do


Império, e suas correlações de analfabetismo, ignorância e atraso
econômico, acaba por motivar uma crença generalizada na
capacidade de superação, por meio da instrução, não apenas do
analfabetismo, mas também das condições do atraso e, além disso,
na possibilidade de formação de um novo homem brasileiro, o
cidadão republicano.
Segundo Jorge Nagle, a “República recebe uma herança
caracterizada pelo fervor ideológico, pela sistemática tentativa de
evangelização: democracia, federação e educação constituíam
categorias inseparáveis apontando a redenção do país”9. E isto nos
remete mais uma vez aos domínios da autonomia municipal, já
que a questão do federalismo supõe a descentralização do poder,
que poderia não se limitar apenas até o nível estadual. Abria-se,

8
A instrução e as provincias (subsídios para a Historia da Educação no Brasil):
1835-1889. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, p. 59-60 (2°
volume).
9
“A educação na Primeira República”. In: FAUSTO, Boris (dir.). História Geral
da Civilização Brasileira: O Brasil republicano – sociedade e instituições (1889-
1930), Tomo III, 2° volume. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977, p. 261.

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assim, novo espaço para a recolocação da questão do poder local e


das atribuições e direitos a ele asseguráveis.
No entanto, apesar desse entusiasmo, a Constituição de
1891 pouco espaço concede aos negócios do município, tratados
em um único artigo, de número 68: “Os Estados organizar-se-ão
de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em
tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”. Apesar de se fazer
referência explícita à autonomia municipal, o que se percebe é o
encaminhamento da decisão sobre a efetivação ou não dessa
prerrogativa ao âmbito dos estados, que poderão livremente sobre
ela decidir nas discussões das constituições estaduais. Além disso,
ao não se esclarecer o que seria o “peculiar interesse”, deixa este
ponto perigosamente em aberto, podendo comportar diversas
justificativas cerceadoras. A simples menção desta expressão
denota a aceitação por parte Congresso Constituinte do direito dos
estados de estabelecerem restrições à autonomia municipal, pois se
isto não fosse verdade seria dispensável a sua inclusão.
Mesmo com essa quase omissão constitucional, que
colocava os destinos da autonomia municipal nas mãos dos estados,
os primeiros desdobramentos não foram totalmente desfavoráveis ao
poder local. Carlos Porto Carrero faz a seguinte observação:

Nota-se, compulsando a maior parte das Constituições


estaduais, que todas elas foram, de começo, pródigas de
disposições liberais, reconhecendo e outorgando aos
municípios ampla autonomia. Pouco depois entrou a
retrair-se o espírito liberal dos legisladores de alguns
Estados. As reformas surgiram cerceando os direitos dos
municípios, ora determinando taxativamente as condições
segundo as quais podiam gerir os seus negócios, ora
tirando-lhes a faculdade de eleger o chefe do seu poder
executivo10.

10
Citado por Victor Nunes Leal, op. cit., p. 81.

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Percebe-se uma disputa nacional em torno da questão


federativa, que envolve não apenas o poder de decisão nos níveis
estaduais, mas também a sua extensão às unidades menores, no
caso municipais. No entanto, os partidários do municipalismo não
conseguem manter a bandeira desfraldada, sendo novamente
recolhida, abrindo caminho para o retorno do velho centralismo
estadual conhecido desde o período imperial, quando estes ainda
eram chamados de províncias.
Apesar do municipalismo ter sido encampado como um dos
princípios republicanos, a sua real implementação acaba por não
ocorrer na República, caminhando-se para um processo de
centralização que resulta num poder quase absoluto em suas
fronteiras, que será a base da “política dos governadores”. Segundo
Og Dória, a “centralização ocorrida sob a República Velha refletiu a
necessidade e os limites da subordinação das elites locais, ‘os
coronéis’, à dinâmica mais geral da sociedade brasileira”11. Giovani da
Silva Corralo é mais incisivo: “Inequivocamente, houve uma traição
aos princípios republicanos, que buscavam a dignidade das
municipalidades...”12. Também cáustico, mas por motivos diferentes,
já que se trata de um monarquista preocupado em fazer a crítica do
regime republicano uma década após a sua implantação, portanto um
contemporâneo das discussões da época, é Frederico Martins:

Se o regime imposto ao Brasil em 15 de novembro de


1889, há dez anos, fosse a democracia pura do rótulo que
lhe deram, se não fosse o que tem sido, a exploração da
fortuna por empresas de audazes, a instituição municipal
no Brasil teria o mais importante papel na representação
dos direitos e dos interesses da coletividade nacional de
que seriam os municípios valiosas parcelas13.

11
Op. cit., p. 35.
12
Op. cit., p. 77.
13
“Municipalidade”. In: OLIVEIRA, Cândido de et alii. Década Republicana.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 310 (volume II).

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Por essas observações podemos adiantar alguns


elementos para a reflexão que nos interessa, sobre a significância
de nossa hipótese que advoga um poder local com capacidade de
tomar iniciativas políticas, discutir e editar leis, em complemento
ou para além das atribuições concedidas pelos estados.
Concentramo-nos, mais especificamente, na possibilidade de ser
externado um conjunto de representações que se materialize em
propostas que conduzam à formulação de um “sistema” municipal
de ensino, devido principalmente à omissão ou insuficiência dos
esforços estaduais.
Pela análise da legislação e pelos comentários dos
autores até este momento utilizados, percebemos que a autonomia
municipal no Brasil do século XIX seria mínima, não permitindo
supor uma capacidade local para gerar um projeto de grande
envergadura e com ramificações nos mais diversos setores, como
seria uma proposta sistêmica de instrução popular. A emergência
da República se, inicialmente, anunciara uma época de libertação
municipal, acabara por se ajustar ao modelo advindo do período
anterior, sujeitando as câmara à mão firme dos presidentes dos
estados.
No entanto, alguns elementos permitem vislumbrar uma
realidade diferente. Antes de mais nada, a simples presença desse
tema nas discussões das Assembléias Constituintes de 1823
(dissolvida pelo Imperador, que outorga a Constituição de 1824) e
de 1891 demonstra a força e a permanência dessa reivindicação,
bem como a existência de paladinos fortes para a causa, capazes de
não deixá-la cair totalmente no ostracismo apesar das seguidas
derrotas.
Para além dessa observação, talvez o aspecto mais
importante para a nossa pesquisa refira-se ao reconhecimento feito
por vários pesquisadores de que a autonomia municipal foi
garantida nas constituições de vários estados brasileiros no início
da República. Isto significa que em alguns estados essa discussão
estava mais avançada e suficientemente esclarecida para exprimir
nas tintas constitucionais as garantias da autonomia municipal.
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Finalmente, cabe ressaltar que o momento indicado para


a emergência e sustentação desse princípio de autonomia nas
constituições estaduais é aquele que se sucede logo após a
República, mais especificamente após a promulgação da
Constituição Federal. Ora, é exatamente este o período de que nos
ocupamos em nossa investigação sobre o município pedagógico. É
nesse momento que julgamos poder demonstrar a emergência de
um poder local com a capacidade de definir princípios, elaborar leis
e tentar implementar um “sistema” municipal de ensino,
respaldado na legislação que frutifica da ampla discussão dos
colégios representativos e que permite ao município pedagógico o
espaço para sua manifestação.
Contudo, antes de continuar, será interessante que nos
debrucemos sobre a questão da autonomia municipal
especificamente no estado de Minais Gerais, para ver se a
proposição que tem sido por nós defendida neste estado pode ser
considerada significativa.

O município em Minas Gerais

Em 7 de abril de 1891, menos de dois meses após a


promulgação da Constituição republicana (24 de fevereiro), instala-
se o Congresso Constituinte mineiro, composto por 48 deputados e
24 senadores, escolhidos nas eleições de 25 de janeiro daquele
mesmo ano. Entre os temas mais debatidos, destacam-se três:
senado estadual, organização municipal e mudança da capital.
Destes, interessa-nos mais diretamente o segundo, procurando
captar o sentido das discussões e o resultado representado pela
Constituição mineira, que foi promulgada em 15 de junho de
1891.
A Constituição estadual concede ampla autonomia às
Câmaras Municipais, descentralizando o poder ao ponto de prever
mais uma entidade administrativa no interior dos municípios: o
distrito. Sinalizando a importância do tema na Lei Maior do
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estado, 7 artigos são destinados à questão do município, iniciando-


se pelo 74, que reza: “O território do Estado, para sua
administração, será dividido em municípios e distritos, sem
prejuízo de outras divisões que as conveniências públicas
aconselharem”. O artigo 75 remete para uma lei especial a
regulamentação da organização municipal, mas estabelece em seus
16 incisos uma série de princípios que não permitem à essa futura
lei cercear os fundamentos da autonomia municipal. Entre estes,
destacamos para os nossos propósitos:

II. A administração municipal, inteiramente livre e


independente, em tudo quanto respeita ao seu peculiar
interesse, será exercida em cada município por um
conselho eleito pelo povo, com a denominação de Câmara
Municipal. (...) IV. O orçamento municipal, que será
anuo e votado em época prefixada, a policia local, a
divisão distrital, a criação de empregos municipais, a
instrução primária e profissional, a desapropriação por
necessidade ou utilidade do município e a alienação de
seus bens, nos casos e pela forma determinada em lei, são
objeto de livre deliberação das câmaras municipais, sem
dependência de aprovação de qualquer outro poder,
guardadas as restrições feitas nesta Constituição. (...) VI.
O governo do Estado não poderá intervir em negócios
peculiares do município, senão no caso de perturbação da
ordem publica.

Como pode ser observado, a Constituição de Minas


Gerais foi bastante liberal em termos de delimitação dos direitos
municipais, além de estabelecer parâmetros para a legislação
posterior, impedindo o cerceamento do princípio que se
encontrava explícito (e ao mesmo tempo genérico) na Constituição
federal. Ainda que essa Constituição concedesse aos estados o
direito de definir os contornos municipais na assembléia
constituinte estadual.
Estes preceitos autonomistas e sua fixação na carta
constitucional são fruto do debate ocorrido no interior do colégio
constituinte que, por sua vez, representava a presença dos ideais
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federativos entre as principais lideranças estaduais. Analisando o


processo de formatação da Constituição mineira, Silveira Neto
nos traz, por exemplo, a convicção de Silviano Brandão, senador e
futuro presidente do estado, em torno desse tema:

Incontestavelmente, um dos maiores males do regime


anterior foi a centralização administrativa, que do Estado
pesava sobre a província, e desta sobre o município; sua
ação perniciosa e atrofiadora se fazia sentir em toda a
parte, anulando as municipalidades, matando a vida local,
destruindo a iniciativa individual, aniquilando todo o
estímulo14.

É claro que essa não era uma posição consensual entre


os constituintes, embora acabe vitoriosa ao final dos debates. No
entanto, deve se chamar a atenção para o caráter polêmico das
discussões, que aglutinavam tanto princípios políticos, como
interesses pessoais e regionais além, é claro, das divergência
partidárias. Apesar dos esforços de conciliação na política mineira,
entabulados por lideranças republicanas locais logo após a
proclamação da República, as disputas serão uma constante,
levando a mudanças seguidas no governo do estado no curto
espaço de 2 anos15. E essas querelas continuam, pois no dizer de
Maria Efigênia Lage de Resende, “Disputas de grupos regionais
e/ou políticos marcam o processo político mineiro a partir,
principalmente, das leis de organização. Entre 1892-1897, as
alianças políticas e o recuo na legislação mostram o

14
“A Constituição mineira de 1891”. In: Instituições republicanas mineiras. Belo
Horizonte: Editora Lemi; FDUFMG, 1978, p. 17. Este autor ainda apresenta
depoimentos municipalistas de outros constituintes como o deputado Olinto de
Magalhães e o senador Carlos Ferreira Alves.
15
Cf., por exemplo, Francisco de Assis Barbosa, “Minas e a Constituinte de
1890”. In: V Seminário de Estudos Mineiros: a República Velha em Minas. Belo
Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 91-113.

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encaminhamento do processo político para a formação de um


grupo de poder central pela aliança de influências regionais”16.
Dando seqüência aos fatos, a discussão e estruturação da
autonomia municipal em Minas Gerais será completada com a Lei
n°. 2, de 28 de outubro de 1891, prevista na Constituição
estadual, que estabelecia “a transferência do Estado para as
municipalidades da competência de arrecadação e aplicação do
imposto de transmissão da propriedade móvel inter-vivos, com
vigência a partir de 1° de janeiro de 1893”17. Além dessa
importante demarcação em termos econômicos, essa lei avançará
na delimitação da organização administrativa do estado, ao
estabelecer logo em início o seguinte: “Art. 1°. – O distrito é a
base da organização administrativa do Estado de Minas Gerais.
(...) Art. 2°. – O município é a reunião de distritos, formando
outra circunscrição administrativa, com direitos, interesses e
obrigações distintas; pode, porém, constar de um só distrito”.
Desta forma, percebemos que os legisladores mineiros
tomavam em alta conta não apenas o princípio da autonomia
municipal, mas também, e talvez com maior ênfase, o da
descentralização do poder. Não se limita a jurisdição
administrativa apenas aos municípios, num processo de
reconhecimento de sua importância histórica, mas a mesma é
estendida aos distritos, que passam a ser a “base da organização
administrativa”. Desta forma, o município passa a ter um formato
em alguns aspectos semelhante ao dos estados, aparecendo como
uma espécie de “federação” de distritos. O que leva o já citado
Oliveira Neto a dizer que o “Estado de Minas Gerais foi,
realmente, o que teve uma organização municipal mais

16
Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o novo PRM (1889-
1906). Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 93.
17
Idem, p. 86.

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descentralizada e autônoma”18 e João Camilo de Oliveira Tôrres a


dizer que a lei ° 2 “era fabulosamente reformadora”19.
E essa definição da autonomia chega ao debate público
por meio dos jornais, onde se esclarece a população sobre a
dimensão do poder que se reservava ao município e aos vereadores
nos primeiros anos da República. Jornal de Juiz de Fora,
claramente favorável a essa nova realidade, informa sobre as
mudanças, estabelece comparações com o período imperial e indica
responsabilidades à edilidade:

A autonomia dos municipios traz aos respectivos


conselhos administrativos um accumulo incomparavel de
attribuições e deveres, latitude de acção e onus de
responsabilidades moraes, em nada semelhantes aos das
antigas vereanças, meras assembléas representativas e de
poderes por demais limitados e sujeitos á interferencia de
auctoridade superior, para que pudessem seus membros
sentir todo o peso da investidura governamental, ao
empossarem-se dos cargos para que eram designados pelo
suffragio de seus concidadãos. A’s resumidas funcções de
confeccionadores da lei do imposto e policia de suas
circumscripções e applicação, quase exclusiva, das rendas
fiscaes (isso ainda com risivel dependencia, ás vezes, de
sancção e discussão) aos serviços de viação viccinal e
aformoseamento das praças e ruas nas cidades e villas de
suas sédes, succedem as amplas immunidades de
legisladores verdadeiros e autonomos, com a liberdade de
acção e plenitude de vistas que fazem dos actuaes
vereadores legitimos depositarios electivos da soberania do
povo, com todos os seus onus e prerrogativas inalienaveis,
no regimen democratico que nos rege20.

18
Op. cit., p. 27.
19
História de Minas Gerais. Belo Horizonte: Lemi, 1980, p. 1233, vol. 3.
20
“A Actualidade”. A Actualidade, Juiz de Fora, anno 1, n. 2, 25 de setembro de
1892, p. 1.

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A reação centralizadora, contudo, não tarda. Maria


Efigênia Lage de Resende refere-se à “completa anarquia que se
instala no Estado, a partir de 1892, com base nos dispositivos
legais elaborados em 1891”21. Os conflitos se multiplicavam,
desde as brigas entre os mandatários locais em torno do poder
político até às relações com o estado, que se sentia “invadido” em
parte dos seus direitos pela liberdade concedida aos municípios,
passando pela difícil convivência que se estabelecera entre os
municípios e os distritos, com os últimos sofrendo cerceamento
em seus direitos por parte dos primeiros. Todas essas pendengas
desembocavam no Poder Legislativo estadual, que tinha de anular
diversas decisões das câmaras municipais.
Segundo a mesma autora, os problemas se colocavam no
nível das relações distrito-município e município-estado. No
primeiro caso, dois seriam os pontos básicos para a celeuma: as
funções eleitorais atribuídas às câmaras, que interferiam na eleição
dos representantes distritais, e a discriminação das rendas, com a
câmara não se conformando em destinar aos distritos a metade dos
tributos arrecadados em seu território. Esses conflitos no nível
micro tornam difícil ou inviabilizam a unificação do poder
estadual, que buscava o apoio das elites locais e regionais. No dizer
de Maria Efigênia, “verifica-se que a organização distrital perturba
e esfacela as forças políticas locais. É nesse sentido que nos parece
válido afirmar que a organização distrital representava um
obstáculo à composição de interesses políticos, estruturada com
base em apoio unânime dos municípios”22.
No âmbito das relações estado-município, a preocupação
centrava-se nos conflitos internos à municipalidade e na
insubordinação das câmaras, que acabavam por legislar e tributar
sem que se lhes pudesse aplicar qualquer tipo de corretivo, já que,
como vimos, a Constituição mineira em seu inciso VI do artigo

21
Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais, op. cit., p. 115.
22
Idem, p. 121.

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75, limitava o poder de intervenção do estado aos casos de


“perturbação da ordem pública”. Era essa grande soma de poderes,
tão defendida pelos constituintes mineiros, agora considerada um
dos motivos principais da desorganização política no estado23.
Em 1894 toma forma a reação centralizadora, com o
legislativo votando leis (n° 100 de 23 de julho e 110, de 24 de
julho) que visam diminuir o poder das câmaras municipais,
principalmente no que se refere à questão eleitoral. Em 1896 a lei
204, de 18 de setembro, aprofunda a centralização com mais
controle sobre o processo eleitoral. E a Lei n° 224, de 16 de
novembro de 1897, suprimiu os conselhos distritais das sedes
municipais. A questão fundamental era a criação de limites ao poder
dos chefes locais, dos “coronéis”, que estabeleciam seu bastião de
defesa nas câmaras municipais, dificultando a unificação do poder
nas mãos do estado. De acordo com Maria Efigênia, seríamos
“levados a admitir que a situação anárquica das municipalidades,
gerada pelas leis de organização do Estado, dificultou e retardou o
controle do Centro e a conseqüente oligarquização do sistema”24.
Dificultou mas não impediu, contudo, esta é uma discussão que não
podemos dar seqüência neste estudo.
Segundo Silveira Neto, também se debruçando sobre os
problemas práticos advindos da autonomização municipal, após
“alguns anos de experiência, os legisladores mineiros viram terem
incorrido num idealismo incompatível com a realidade brasileira. O
senador Mello Franco tivera razão, em 1891, em afirmar que o
povo ainda estava imaturo para uma abertura tão grande do
federalismo”25. A pá de cal sobre os direitos municipais virá pela Lei
n° 5, de 14 de agosto de 1903, que coloca o município numa
posição subordinada, retirando-lhe parte da influência sobre os

23
Idem, p. 121-125.
24
Idem, p. 132.
25
“O Conselho Distrital”. In: Instituições republicanas mineiras, op. cit., p. 193.

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distritos e estabelecendo novos parâmetros para a intervenção do


estado nos seus domínios:

Art. 8°. – Compete exclusivamente ao Congresso


Legislativo do Estado a criação de distritos
administrativos e de paz, bem como a fixação de seus
limites, ficando revogada a competência respectiva das
municipalidades. Art. 9°. – Das leis, decisões e atos das
câmaras municipais, contrárias à Constituição e às leis,
haverá recurso para o poder legislativo e para o poder
judiciário.

O mesmo Silveira Neto sintetiza com clareza o ocaso


desta iniciativa autonomista municipal em Minas Gerais:

Encerrava-se, assim, uma experiência meteórica da


Primeira República, em Minas. Com a supressão dos
conselhos distritais, com as restrições ao regime
municipal, esperavam os legisladores resolver os
problemas da politicagem local. A supressão dos
conselhos distritais não resolveu totalmente os problemas;
de certo modo, atenuou-os e os transportou para a área
do Legislativo Estadual, que se transformou numa
espécie de Tribunal para resolver os litígios que vinham
do âmbitos dos municípios. Seja como for, o certo é que
a supressão da autonomia distrital foi o fim melancólico
de uma experiência de idealistas, empolgados com o
federalismo norte-americano26.

O município e a educação em Minas Gerais

No que concerne à educação, que é a questão que mais


nos interessa em termos da autonomia municipal discutida, a
Constituição mineira previa, em seu artigo 117 a confecção de
uma “lei de organização de instrução pública”. Este instrumento
jurídico se tornará realidade por meio da Lei n. 41, de 3 de agosto

26
Idem, p. 195.

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de 1892, que “Dá nova organização à instrução pública do Estado


de Minas”. Nesta lei, apesar de não tratar especificamente de
autonomia municipal, encontramos algumas prescrições que
reforçam a liberdade do poder local com relação aos negócios da
instrução.
Em seu artigo 331 encontramos a proposta
orçamentária do estado para investimento nas escolas: “Durante
dez anos, a contar de 1893, fica o Governo autorizado a fazer, em
cada exercício financeiro, operações de crédito até a soma de
330:000$000 anuais, destinados à construção de prédios para as
escolas primárias do Estado e aquisição de mobília para as
mesmas, tudo pelo modo adiante determinado”. Dados a carência
de edifícios escolares e o estado geral de ignorância da maior parte
da população, a construção de escolas em volume suficiente para
responder a todas as demandas exigiria um grande esforço e um
aporte de recursos que o estado não dispunha ou não se propunha
despender.
Não nos esqueçamos, para melhor apreender a
magnitude desse investimento, que o parágrafo sexto do artigo
terceiro da Constituição mineira determinava que o ensino
primário seria gratuito e que o parágrafo primeiro do artigo 117
dessa mesma constituição colocava a “obrigatoriedade do
aprendizado, em condições convenientes”, itens que serão
regulamentados na Lei de instrução pública em seu artigo 53: “O
ensino primário é gratuito e obrigatório para os meninos de ambos
os sexos, de 7 a 13 anos de idade”. Desta forma, os custos para se
manter um sistema eficaz de ensino em Minas Gerais – o mais
populoso estado da federação até a década de 1920 – caso
realmente viesse a existir, seria altíssimo e o parágrafo segundo do
artigo 331 da lei n. 41, que remetia às Câmaras Municipais parte
dessa responsabilidade, pode ser considerado uma alternativa
providencial:

À designação das cidades, vilas e distritos onde tenham de


se realizar essas construções precederá acordo com a

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respectiva câmara municipal, que deverá contribuir com a


metade da despesa a fazer-se com esse serviço e aquisição
da mobília necessária a cada escola, tudo de conformidade
com as planta e designação local, orçamentos e instrução
da secretaria das obras publicas do Estado, podendo as
municipalidades, quando queiram, ser encarregadas da
execução das obras, uma vez que se obriguem a efetuá-las
nas condições determinadas e no prazo estipulado, que
não deverá exceder de um ano.

As limitações orçamentárias do governo estadual e sua


disposição em compartilhar – ou de transferir a outrem – os
encargos da educação, observadas no artigo citado, podem também
ser inferidas a partir do que se propõe com relação à liberdade do
ensino privado no estado. Assegurado na Constituição estadual
que este tipo de ensino pode ser exercido livremente, o princípio
será reforçado na Lei n° 41, que esclarece em seu artigo 334: “É
completamente livre aos particulares ou associações o ensino
primário, secundário, superior e técnico”. O objetivo do estado
fica claro: oferecer escolas à população, independentemente de sua
origem pública ou privada, estadual ou municipal, leiga ou
religiosa.
Percebemos que essas disposições em nada limitam,
antes ampliam, a liberdade de ação da municipalidade no referente
à educação pública. Portanto, a uma garantia legal de autonomia
nos campos político, administrativo e até econômico, ainda que
com as limitações diversas vezes lembrada pelos analistas do tema,
acrescenta-se a conclamação estadual pela participação municipal
(e particular) na criação, manutenção e gestão das escolas.
No entanto, também na área da educação a ação
centralizadora, no sentido de unificar uma proposta para o estado,
vai se ampliando sem, no entanto, dispensar-se ou coibir a
iniciativa complementar das câmaras e dos privados. Em 1897 a
Lei n° 221, de 14 de setembro de 1897, suprime os conselhos
distritais e municipais de acompanhamento da instrução, previstos
na Lei n° 41, de 1892. Era um passo significativo para “a

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diminuição da demasiada descentralização do ensino da Reforma


Afonso Pena”27. O controle sobre os destinos da educação por
parte do estado avança com medidas às vezes radicais, como as
tomadas pelo presidente Silviano Brandão em 1900, por meio do
Decreto n° 1353, de 17 de janeiro (que regulamentava a Lei n°
282, de 16 de setembro de 1899), determinando, em função de
problemas financeiros, o número de escolas do estado de Minas
Gerais, o que significou na prática o fechamento de escolas, já que
se exigia um número mínimo de alunos para funcionamento
superior ao que vigorava anteriormente, além de se estabelecer
número máximo de escolas por distrito e município.
As mudanças continuam, mas a iniciativa mais
importante, que permitirá finalmente a fixação de um “modelo”
educacional do estado, será implementada a partir da reforma
promovida na instrução pública por João Pinheiro em 1906 (Lei
n° 439, de 28 de setembro de 1906). E este é também o limite
temporal que nos impomos para as investigações que temos
realizado.

Considerações finais

Após essas breves considerações e levantamento legal-


bibliográfico, consideramos que as iniciativas tomadas pela
Câmara Municipal de Uberabinha no início da sua gestão em
1892, estavam perfeitamente de acordo com as garantias legais e
com os princípios professados pela elite mineira do período. O
ideal republicano federalista avançou para a descentralização do
poder e a concessão de direitos ampliados para os municípios,
garantidos tanto pela Constituição federal como pela Constituição
estadual e pela lei que normatizou a organização dos municípios e

27
Paulo Krüger Corrêa Mourão. O ensino em Minas Gerais no tempo da
República. Belo Horizonte: Centro Regional de Pesquisas Educacionais de Minas
Gerais, 1962, p. 47.

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dos distritos. Também as convicções em torno do poder


regenerador e formativo da educação, como mecanismo de
superação do atraso herdado do império e de formação de um novo
cidadão, capazes de consolidar a nova ordem republicana, estavam
de acordo com o que se discutia no Brasil e em Minas Gerais no
início da década de 1890. Finalmente, a criação e manutenção de
escolas por parte do poder municipal não só encontrava respaldo
na legislação como atendia aos objetivos do estado, ansioso por
encontrar parceiros com quem dividir as pesadas responsabilidades
para com a instrução pública.
Essa autonomia municipal persiste durante mais de dez
anos, sendo gradativamente restringida, até que no início do
século XX as municipalidades acabam por retornar para o controle
centralizado dos presidentes do estado ou colocadas nas mãos de
oligarquias regionais. Percebe-se, inclusive, que a centralização
sobre os negócios da educação apresenta uma certa
contemporaneidade com a subordinação municipal. A lei de 1903
sinaliza o fim da autonomia das câmaras e a de 1906 a
inauguração de um novo tempo na educação mineira, com o
estado assumindo um “modelo” que passará a sinalizar os rumos
da educação em seus limites, diminuindo o campo de atuação da
elite interiorana no sentido de criar “modelos” alternativos de
instrução com base na realidade local.
Nossa proposta de estudo, portanto, concentra-se
exatamente nesse meio tempo, marcado pela autonomia do
município em Minas Gerais, pois tomamos como horizonte da
pesquisa a reforma promovida por João Pinheiro em 1906, o que
nos permite trabalhar mais decididamente com a hipótese de que
nestes anos o poder local esteve em condições institucionais de
assumir uma atitude que caracterizamos como município
pedagógico, sendo até estimulado pelo poder estadual, que não
conseguia se desincumbir positivamente de sua responsabilidade
educacional para com o povo mineiro.

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Brasil republicano – sociedade e instituições (1889-1930), Tomo


III, 2° volume. Rio de Janeiro: DIFEL, 1977.
PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros
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RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Formação da estrutura de
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ZENHA, Edmundo. O município no Brasil (1532-1700). São
Paulo: Instituto Progresso Editorial, 1948.

Wenceslau Gonçalves Neto é doutor em História pela


Universidade de São Paulo. Professor do Instituto de História e
dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em História da
Universidade Federal de Uberlândia. Email: wenceslau@ufu.br.

Data de recebimento: 20/11/2008


Data de aceite: 20/02/2009

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DESDE EL “PARAISO” SOVIETICO. CULTURA
ESCRITA, EDUCACION Y PROPAGANDA EN
LAS REDACCIONES ESCOLARES DE LOS
NIÑOS ESPAÑOLES EVACUADOS A RUSIA
DURANTE LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA1
María del Mar del Pozo Andrés
Verónica Sierra Blas

Resumen
La República, con el fin de alejar a la infancia de los horrores de la
Guerra Civil que se libraba en España, organizó diferentes campañas
de evacuación al extranjero, siendo la Unión Soviética uno de los
países de acogida más importantes. Para garantizar el cuidado y
atención a los niños y niñas evacuados a otros países, el Gobierno
republicano designó una serie de inspectores para supervisar el estado
y educación de la infancia española. El 13 de enero de 1938 un
grupo de niños y niñas españoles refugiados en Moscú recibió en su
escuela la visita del inspector Antonio Ballesteros, a quien entregaron
algunas redacciones como regalo que éste se llevó consigo de vuelta a
España. Estas redacciones de su vida cotidiana son hoy uno de los
pocos materiales que se conservan producidos por aquellas manos
infantiles. A través de las mismas, conservadas hoy en el Archivo
General de la Guerra Civil española, queremos aproximarnos al
mundo de la cultura escrita del exilio infantil en este momento
histórico, así como analizar la importancia de la redacción como
práctica pedagógica en las escuelas y estudiar la influencia de la
propaganda y la ideología en las mentes infantiles.
Palabras clave: Siglo XX; España; Rusia; Guerra Civil española;
República española; Exilio infantil; Historia de la Cultura Escrita;
Historia de la Educación; Escrituras escolares; Redacciones.

1
El presente trabajo fue presentado como ponencia en el Congreso Internacional
Quaderni di Scuola. Una fonte complessa per la Storia delle cultura scolastiche e dei
costumi educativi tra Ottocento e Novecento, organizado por la Agenzia Nazionale
per lo Sviluppo dell´Autonomia Scolastica (INDIRE) y celebrado en la
Universitá degli Studi di Macerata (Italia) del 26 al 29 de septiembre de 2007.
Será publicado a lo largo del año 2009 por la editorial florentina Nerbini en el
libro de Actas dirigido por Roberto Sani, Juri Meda y Davide Montino.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009.


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188
DO "PARAÍSO" SOVIÉTICO. CULTURA ESCRITA,
EDUCAÇÃO E PROPAGANDA NAS REDAÇOES
ESCOLARES DAS CRIANÇAS ESPANHOLAS
ENVIADAS À RÚSSIA DURANTE
A GUERRA CIVIL ESPANHOLA
Resumo
A República, com o fim de afastar as crianças dos horrores da Guerra
Civil que ocorria na Espanha, organizou diferentes campanhas de
evacuação ao estrangeiro, sendo a União Soviética um dos países de
acolhida mais importantes. Para garantir o cuidado e a atenção aos
meninos e às meninas enviados a outros países, o Governo
republicano designou uma série de inspetores para supervisionar o
estado e a educação da criança espanhola. Em 13 de Janeiro de 1938
um grupo de crianças espanholas refugiadas em Moscou recebeu em
sua escola a visita do inspetor Antonio Ballesteros, a quem
entregaram algumas redações como lembrança, que este levou
consigo em sua volta à Espanha. Estas redações sobre sua vida
cotidiana são hoje um dos poucos materiais que se conservam
produzidos por aquelas mãos infantis. Através das mesmas,
conservadas hoje no Arquivo Geral da Guerra Civil espanhola,
queremos aproximar o mundo da cultura escrita do exílio infantil
neste momento histórico, assim como analisar a importância da
redação como prática pedagógica nas escolas e estudar a influência da
propaganda e a ideologia nas mentes infantis.
Palavras-chave: Século XX; Espanha; Rúsia; Guerra Civil
espanhola; República espanhola; Exilio infantil; História da Cultura
Escrita; História da Educação; Escritas escolares; Redações.

FROM THE SOVIETIC “PARADISE”. WRITTEN


CULTURE, EDUCATION AND ADVERTISEMENT IN
THE SCHOOL WRITINGS OF SPANISH CHILDREN
EGRESSED FROM RUSSIA DURING
THE SPANISH CIVIL WAR
Abstract
The Spanish Republic, to move away the Spanish children of the
horrors of the Civil War, organized different evacuation campaigns to
different foreign countries. The Soviet Union was one of the more
important countries that helped the Spanish children. In order to
guarantee the care and attention to the children evacuated to other
countries, the Republican Government designated a series of
inspectors to supervise the health and education of the Spanish
evacuated children. On 13 January 1938 a group of Spanish
evacuated children refugees in Moscow received the visit of the
inspector Antonio Ballesteros Usano. They gave him, like a present,

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some compositions that he brought with him when he returned to
Spain. These compositions of their daily life are today one of the few
materials that we conserved produced by those infantile hands.
Through these documents we want to come near to the world of the
written culture of the evacuated children at this historical moment,
as well as to analyze the importance of the composition like a
pedagogical practical in the schools and study the influence of the
propaganda and the ideology in the infantile minds.
Keywords: XXth Century; Spain; Russia; Spanish Civil War;
Spanish Republic; Evacuated Children; History of Written Culture;
History of Education; School Writings; Compositions.

DU “PARADIS” SOVIÉTIQUE. CULTURE ÉCRITE,


ÉDUCATION ET PROPAGANDE LES RÉDACTIONS
SCOLAIRES DES ENFANTS ESPAGNOLS ÉVACUÉS
EN RUSSIE PENDANT
LA GUERRE CIVILE ESPAGNOLE
Résumé
La République, dans le but d’éloigner les enfants des horreurs de la
Guerre Civile qui avait lieu en Espagne, a organisé de différentes
campagnes d’évacuation vers l’étranger. Un des pays qui accueillait
ces enfants était l’Union Soviétique. Pour garantir que ces enfants
envoyés à d’autres pays reçoivent des soins et de l’attention, le
Gouvernement républicain a désigné des inspecteurs qui devaient
superviser l’état et l’éducation de l’enfant espagnol. Le 13 janvier
1938, un groupe d’enfants espagnols réfugiés à Moscou a reçu à
l’école la visite de l’inspecteur Antonio Ballesteros, à qui ils ont
rendu quelques rédactions en tant que souvenir, que celui-ci a
emporté en Espagne. Ces rédactions sur leur vie quotidienne sont
aujourd’hui l’un des rares documents conservés produits par ces
mains enfantines. Au moyen de ces textes, conservés actuellement
dans l’Archive Général de la Guerre Civile Espagnole, nous voulons
comprendre le monde de la culture écrite de l’exil enfantin à ce
moment historique et analyser l’importance de la rédaction en tant
que pratique pédagogique dans les écoles, tout en étudiant l’influence
de la propagande et de l’idéologie dans la mentalité des enfants.
Mots-Clés: XXème siècle; Espagne; Russie; guerre civile espagnole;
République Espagnole; exil enfantin; histoire de la culture écrite;
histoire de l’éducation; écrits scolaires; rédactions

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1 El “paraíso” soviético

“Acabo de regresar hace pocos días de la URSS después


de permanecer durante dos meses en aquel pueblo
magnífico […]. Para satisfacción de las familias de los
niños privadas de una información frecuente y completa
de su vida en aquel maravilloso país tan alejado del
nuestro y para información de todos los que se interesan
por las condiciones en que se desenvuelve la existencia de
esos millares de niños lanzados fuera de España por las
crueldades de la guerra, vamos a dedicar estos minutos de
charla a este tema […]”.2

Se estrenaba el mes de febrero del año 1938 y corría ya


el tercer año de guerra en España. El inspector Antonio
Ballesteros Usano acababa de llegar de la Unión Soviética y todos
los medios de comunicación le acosaban para obtener información
de su viaje y del “paraíso” soviético, tan idealizado en aquel
entonces por unos, tan demonizado por otros.3 El país de Stalin
era concebido por muchos republicanos como el modelo de
perfección e igualdad social que había que admirar e imitar, el
ideal hacia el cual la España que miles de milicianos estaban
defendiendo con su vida en los campos de batalla contra el
fascismo debía dirigirse una vez que el conflicto terminara. Había
pasado los últimos días de enero dando vueltas y más vueltas al
borrador de su primera charla radiofónica, anotando aquí,

2
Borrador de la charla radiofónica de Antonio Ballesteros Usano “Los niños
españoles en la URSS”, programada para ser emitida el 1 de febrero de 1938.
Archivo General de la Guerra Civil Española, Salamanca (AGCS), Sección
Político Social (P. S.), Barcelona, caja 87, expediente 15.
3
Sobre Antonio Ballesteros Usano remitimos a las referencias que sobre el
mismo y su trayectoria profesional aparecen en Teresa Marín Eced, Innovadores
de la Educación en España (Becarios para la Junta de Ampliación de Estudios),
Cuenca, Servicio de Publicaciones de la Universidad de Castilla-La Mancha,
1991, pp. 53-56, 108, 110, 187, 193, 364, 397, 404.

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puntualizando allá, eliminando algunos comentarios, subrayando


ciertas apreciaciones, consciente de la audiencia que el
acontecimiento iba a tener en el país y de la expectación que su
intervención despertaba en muchos hogares. Nada que envidiar a
una arenga del general Miaja o a una lectura de poemas de Alberti.
Sabía que de sus palabras dependían la tranquilidad y la felicidad
de muchas personas a quienes la guerra había privado de lo que
más querían, de lo más sagrado que poseían.
Porque Antonio Ballesteros había ido a la URSS a
cumplir una misión muy delicada y muy especial. El Ministerio de
Instrucción Pública le había encomendado la visita y supervisión
de las distintas colonias, internados y hogares infantiles esparcidos
por varios países de Europa en los que miles de niños y niñas
españoles se encontraban refugiados a la espera del cese de las
hostilidades entre las dos Españas en liza. Con el fin de librarles de
los horrores y penalidades de la guerra y, sobre todo, con el
propósito de evitar que sufrieran daños a causa de los constantes
bombardeos que asolaban por igual campos y cuarteles que pueblos
y ciudades, sus padres (o en su defecto quienes a su cargo estaban)
decidieron apuntarles a las distintas expediciones infantiles que el
gobierno de la República y otros organismos oficiales y
asistenciales organizaron a lo largo de la contienda para, como
rezaban muchos de los carteles y folletos del momento que
animaban y aconsejaban la evacuación, “salvar a la infancia
española”.4

4
Acerca del exilio infantil español durante la Guerra Civil pueden consultarse las
obras (todas ellas de referencia obligada) de Yvonne Cloud, The basque children in
England. An account of their life at North Stoneham Camp, Londres, Victor
Gollancz Ltd 1937; Gregorio Arrien, La generación del exilio. Génesis de las
escuelas vascas y las Colonias Escolares (1932-1940), Bilbao, Colectivo
Pedagógico ONURA 1983 y Niños vascos evacuados en 1937. Álbum histórico,
Bilbao, Asociación de Niños Evacuados el 37 1988; Dorothy Legarreta, The
Guernica Generation. Basque Refugee Children of the Spanish Civil War, Reno
(Nevada), University of Nevada Press 1984; Dolores Pla Brugat, Los niños de
Morelia, México D. F., Instituto Nacional de Antropología e Historia (INAH)
1985; L´ Hebergement des enfants de la guerre d´Espagne en Belgique, Bruselas,
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Si la charla del inspector iba a ser tan importante era,


precisamente, porque la información que a través de ella éste iba a
difundir por los micrófonos de Radio Nacional estaba relacionada
con la suerte de esos pequeños evacuados. La irregularidad del
correo causada por las circunstancias bélicas había traído como
consecuencia que muchos padres no hubieran tenido noticias de
sus hijos e hijas, con excepción de las líneas que la prensa
republicana solía dedicar al recibimiento de los distintos
contingentes infantiles a los puertos cuyos nombres ya no se
borrarían de la memoria de muchos: Southampton, La Pallice,
Burdeos, Veracruz, Leningrado. Era, por tanto, la primera vez que
alguien podía contarles de primera mano cómo se encontraban los
niños y niñas, dónde vivían, qué hacían, cómo se portaban,
quiénes les cuidaban, si se acordaban de ellos y hacían o no caso de
sus consejos, etc. Las palabras del inspector estaban, pues,
cargadas de un valor incalculable. No tenían precio, porque en
ellas residía la esperanza de miles de familias angustiadas a las que
sólo el saber que los suyos estaban felices y lejos de todo peligro
podía salvar, porque seguían teniendo un motivo por el que luchar
y vivir en medio de una guerra que cada vez se hacía más dura y
más larga.

Federación de Asociaciones de Enseñanza y Centros españoles en Bélgica 1992;


Pierre Marques, Les enfants espagnoles réfugiés en France (1936-1939), París,
edición del autor 1993; Emilia Labajos Pérez y Fernando Vitoria-García, Los
niños españoles refugiados en Bélgica, 1936-1939, [1994] Valencia, Asociación
de los niños de la guerra de Namur 1997; Jesús J. Alonso Carballés, 1937. Los
niños vascos evacuados a Francia y a Bélgica. Historia y memoria de un éxodo
infantil, 1936-1940, Bilbao, Asociación de Niños Evacuados el 37 1998; Xavier
García Argüello, El mar de la libertad. Breve crónica de las evacuaciones de niños
vascos durante la Guerra del 36, Bilbao, Asociación de Jubilados Evacuados de la
Guerra Civil y Ayuntamiento de Bilbao 2002; El exilio de los niños. Catálogo de la
exposición, dirigido por Alicia Alted, Roger González y María José Millán,
Madrid, Fundación Pablo Iglesias y Fundación Largo Caballero 2003; Eduardo
Pons Prades, Los niños republicanos. El exilio, Madrid, Oberon 2005; y Los niños
de la Guerra. Diciembre de 1937. La Guerra Civil española mes a mes, Madrid:
Unión Editorial, 2005 [Biblioteca El Mundo, 20].

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De los 30.000 niños y niñas que se exiliaron durante la


Guerra Civil fueron alrededor de 2.895 los que fueron a parar a
tierras soviéticas.5 Aunque en un principio Stalin permaneció fiel
al tratado de no intervención (firmó, de hecho, el pacto el 23 de
agosto de 1936), su decisión de no participar en la guerra de
España dio un giro de 80 grados en apenas un mes. Fue a
mediados de septiembre cuando llegó al puerto de Barcelona el
primer navío soviético, el buque mercante Zirianin, cargado de
ropa, víveres, medicamentos y material sanitario. Rusia envió
después más ayuda material, incluido armamento, y también
humana: aviadores, soldados y asesores políticos y militares
soviéticos formaron parte del Ejército de la República y de las
Brigadas Internacionales. Además, se ofreció a recibir a pilotos

5
En lo que se refiere al caso concreto del exilio infantil a la URSS durante la
Guerra Civil española nos hemos basado en los trabajos de Enrique Zafra,
Rosalía Crego y Carmen Heredia, Los niños españoles evacuados a la URSS
(1937), Madrid, Ediciones de la Torre 1989; Alicia Alted, Encarna Nicolás
Marín y Roger González Martell, Los niños de la guerra de España en la Unión
Soviética. De la evacuación al retorno (1937-1999), Madrid, Fundación Francisco
Largo Caballero 1999; Susana Castillo Rodríguez, Memoria, educación e historia:
el caso de los niños españoles evacuados a la Unión Soviética durante la guerra civil
española, Madrid, Universidad Complutense de Madrid 1999 (edición digital); y
Marie Jose Devillard, Álvaro Pazos, Susana Castillo y Nuria Medina, Los niños
españoles en la URSS (1937-1997): narración y memoria, Barcelona, Ariel 2001.
Algunos testimonios de los protagonistas de estas expediciones infantiles a Rusia
pueden encontrarse en las memorias de Tatiana Pérez (pseudónimo de Josefina
Pérez Sacristán): Memorias de Lara, Madrid, Editorial Magisterio Español 1977;
Milagros Latorre Piquer, De niña española a mujer en la URSS, en Nuevas raíces.
Testimonios de mujeres españolas en el exilio, México D. F., Joaquín Mortiz 1993,
pp. 61-113; Nosotros lo hemos vivido. Homenaje de los «Niños de la Guerra
Española al Pueblo Ruso», Madrid, El Retorno, Imprenta Garso y Ministerio de
Asuntos Sociales 1995; José Fernández Sánchez, Memorias de un niño de Moscú.
Cuando salí de Ablaña, Barcelona, Planeta 1999; Virgilio de los Llanos Más, ¿Te
acuerdas tovarisch…? (Del archivo de un «niño de la guerra»), Valencia, Institució
Alfons el Magnánim y Diputaciò de València, 2002; y Bernardo Clemente del
Río Salceda, 20.000 días en la URSS. Recuerdos, descubrimientos y reflexiones de
un niño de la guerra, Madrid, Fundación Largo Caballero y Entrelíneas Editores
2004.

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republicanos en sus academias, para formarles en un tiempo


récord, y a acoger a varias expediciones infantiles (un total de 4, si
contamos las que fueron organizadas de forma oficial; alguna más
si sumamos las nacidas de iniciativas particulares).6 Los únicos
requisitos que los niños y niñas debían reunir para formar parte de
esas y otras expediciones eran el de tener una edad comprendida
entre los 4 y los 12 años (si bien los hubo que viajaron con más y
con menos) y el de presentar debidamente cumplimentada la
autorización de los padres o tutores para ser evacuados al
extranjero. Tuvieron preferencia, eso sí, aquellos y aquellas que se
encontraran en situación de riesgo, bien por residir en zonas
peligrosas y cercanas a los frentes, por ser huérfanos de guerra o
por la imposibilidad de su familia de hacerse cargo de ellos.
Los casi 3.000 niños y niñas españoles que fueron
evacuados a la URSS abandonaron España entre marzo de 1937
y octubre de 1938, si bien hubo algunos más que, acompañados
por lo general de sus familias, acabaron en Rusia tras la derrota
republicana en 1939. Para todos ellos el Narkompros

6
Acerca de los aviadores españoles que fueron a formarse a Rusia véase Juan
Blasco Cobo, Un piloto español en la URSS, Madrid, Antorcha 1960. Sobre la
intervención de Rusia en la Guerra Civil española y la política de Stalin en estos
años, entre otras obras y manuales que tratan la internacionalización del
conflicto, véanse David C. Cattell, Soviet Diplomacy and the Spanish Civil War,
Berkeley, University of California Press 1957; Ángel Viñas, El oro de Moscú.
Alfa y omega de un mito franquista, Barcelona, Grijalbo 1979; John Patrick
Whiteley, The intervelations of Soviet foreign policy and the Spanish Civil War, Ann
Arbor, Michigan University Press 1985; Antonio Elorza y Marta Bizcarrondo,
Queridos Camaradas. La Internacional comunista y España, 1919-1939,
Barcelona, Planeta 1999 (especialmente la tercera parte: “La Comintern y la
guerra de España”); Enrique Moradiellos, El reñidero de Europa. Las dimensiones
internacionales de la Guerra Civil española, Barcelona, Península 2001; Pablo
Martín Aceña, El oro de Moscú y el oro de Berlín, Madrid, Taurus 2001; Ronald
Radosh, Mary R. Habeck y Grigory Sevostianov, España traicionada. Stalin y la
guerra civil, Madrid, Planeta 2002; Stanley G. Payne: Unión Soviética:
comunismo y revolución en España, Barcelona, Plaza & Janés 2003; y Daniel
Kowalsky, La Unión Soviética y la Guerra Civil española. Una revisión crítica,
[2003] Barcelona, Crítica 2004.

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(Comisariado del Pueblo para la Enseñanza) creó las llamadas


Casas de Niños españoles, un total de 16 colonias escolares
repartidas por la Federación Rusa y Ucrania en las que los niños y
niñas evacuados vivieron en paz hasta el estallido de la II Guerra
Mundial acompañados de los maestros y maestras españoles y el
personal auxiliar, tanto ruso como español, que también formó
parte de las distintas expediciones. En total fueron 1.555 las
personas que se ocuparon de los pequeños evacuados durante sus
primeros años en la URSS, de lo cuales alrededor de 111 eran
españoles.7
Emplazadas cerca de bosques, ríos o playas, y rodeadas
de inmensos jardines, las Casas de Niños eran grandes mansiones
que antes de la revolución habían sido propiedad de grandes
terratenientes o había albergado museos u otras instalaciones
similares y de cierto renombre. Estaban dirigidas por un director
ruso de probadas dotes pedagógicas y tenían como vice-director a
un miembro del Komsomol (Juventud Comunista), encargado de la
formación política de los pequeños inquilinos. En su mayoría
estaban compuestas por varios edificios, siendo el principal el que
se destinaba a los dormitorios. El resto se reservaba a los
comedores, el ambulatorio, el gimnasio, las viviendas del personal
docente y auxiliar y la escuela, si bien algunas de las Casas, las
ubicadas en las grandes ciudades, carecieron de ella y los niños y
niñas acudieron a las escuelas rusas más cercanas, donde se
reservaron aulas exclusivas para estos alumnos y alumnas tan
excepcionales. Así describía, por ejemplo, uno de los niños,
Bernardo Clemente del Río, su Casa de la calle Pirogóvskaia en
Moscú, más conocida como “La pequeña España”:

Nuestra casa de niños de Moscú estaba en la esquina de


las calles Bolshaya Piragovskaya y Alsufelskaya. Era un

7
Susana Castillo Rodríguez: Educación, memoria e historia…, op. cit., p. 280; y
Julio Martín Casas y Pedro Carvajal Urquijo, El exilio español, [2002] Barcelona,
RBA Editores 2005, p. 27.

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antiguo edificio que reformaron y acondicionaron antes


de llegar nosotros, de bonita arquitectura, grande, de dos
plantas, con los suelos de parqué, ubicado en un extenso
territorio-jardín en el que había otro edificio de un piso.
Toda esta quinta estaba rodeada por una tapia de rejas.
Seguramente en sus tiempos habría sido la mansión de
algún grande de Rusia […]. En el piso bajo estaba la
entrada y los guardarropas para los abrigos, gorros de
invierno y chanclos; había un pequeño estanque de
mármol con peces de colores, un pequeño despacho de la
contabilidad, tres grandes salas de dormitorios para los
niños, los aseos, las duchas, un local dedicado al almacén
de la ropa blanca de las camas y de la ropa de poner, la
gran sala del comedor y la cocina.
Al piso de arriba se subía por una escalera ancha de
mármol blanco. En ese piso estaba el despacho de la
directora y el del zampolit (director adjunto con funciones
de educación política), dos grandes dormitorios de las
niñas y sus aseos, una gran sala de actos con escena,
telón de terciopelo carmín, con un piano de cola. En esa
sala hacíamos gimnasia por las mañanas, celebrábamos
las fiestas, las reuniones, etc. También en el piso superior
estaban las habitaciones para hacer los deberes escolares,
una para cada clase, pues ya estábamos divididos por
diferentes grados escolares […]. Íbamos a una escuela
pública de niños rusos que estaba a unos quince minutos
de nuestra casa. Era una escuela bastante grande, de
cinco plantas, en la que nosotros ocupábamos el piso bajo
entero.8

En el país del comunismo los niños y niñas españoles


pudieron recibir una educación a la que difícilmente habrían
podido acceder de haberse quedado en España, dada la procedencia
humilde de muchos de ellos. Un gran número cursaron en la
URSS carreras universitarias y llegaron a desempeñar puestos de
responsabilidad en importantes empresas e instituciones rusas. En

8
Bernardo Clemente del Río Salceda, 20.000 días en la URSS…, op. cit., pp.
46-47.

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la segunda década del siglo XX las corrientes pedagógicas soviéticas


concentraron todos sus esfuerzos en definir y poner en práctica el
“concepto socialista de la educación”. La escuela debía ser una
plataforma para el cambio social, imprescindible para construir el
nuevo régimen surgido de la Revolución de octubre. Para
conseguirlo se impulsaron conjuntamente dos modelos educativos,
que se convirtieron en los pilares de la educación soviética: la
“educación social” (el individuo vive y trabaja en y para la
colectividad) y la “educación integral” (la escuela tiene la
obligación de formar al ciudadano en todos los sentidos: político,
social, moral, artístico, etc.). La plataforma en la que ambos
modelos se pusieron en práctica fue la escuela activa, defendida
por uno de los grandes pedagogos del momento, Antón
Makarenko, e institucionalizada por Anatoli V. Lunatcharski,
director del Narkompros desde su fundación, el 28 de marzo de
1919. Las Casas de Niños también formaron parte de este
contexto educativo y en ellas se puso en práctica no sólo el
proyecto pedagógico soviético, sino también el estilo de vida
comunista en todas sus dimensiones.9

9
Para más información acerca de la educación soviética en el primer tercio del
siglo XX remito a George Z. F. Bereday, Política de la educación soviética,
Barcelona, Lumen 1965; Octavio Fullat, La educación soviética, Barcelona,
Nova Terra 1972; Larry E. Holmes, The Kremlin and the Schoolhouse. Reforming
Education in Soviet Rusia, 1917-1931, Bloomingtom e Indianápolis, Indiana
University Press 1991; E. Thomas Ewing, The Teachers of Stalinism: Policy,
Practice and Power in Soviet Schools of the 1930´s, Nueva York, Peter Lang
2002; y Jochen Hellbeck, Fashioning the Stalinist Soul: The Diary of Stepan
Podlubnyj (1931-1939), en “Jahrbücher für Geschichte Osteuropas”, vol. 44, nº
3, 1996, pp. 344-373; y Dorena Caroli: Russian and Soviet Schooling:
Educational Legacies, Institutional Reforms and National Identities en “History of
Education and Children´s Literature”, III/1, 2008, pp. 283-304. Sobre Anton
Makarenko, véase Anton Makarenko. Su vida y labor pedagógica, dirigido por
Alexandra Kudryashova, Moscú, El Progreso, 1975. Algunas de sus obras
fundamentales son Anton Makarenko, Banderas en las torres, Barcelona, Planeta
1977; La educación infantil, Madrid, Nuestra Cultura 1978; Colectividad y
educación, Moscú, Nuestra Cultura 1979; y Poema pedagógico, Madrid, Akal
1980. La primera y la última de estas obras citadas son historias noveladas de la
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El plan educativo soviético constaba de 10 cursos: los


niños y niñas entraban a la escuela a los siete años y la
abandonaban a los 17. La escuela se dividía en dos tramos: de 1º a
7º curso y de 8º a 10º. Cuando el alumno o alumna terminaba 7º
podía pasar a varios centros de enseñanza relacionados con la
adquisición de conocimientos profesionales. Si se decidía por la
enseñanza profesional y superaba todo los cursos, podía acceder
más tarde a centros superiores y obtener una formación
equivalente a la universitaria. En el caso de culminar en la escuela
el 10º curso se podía optar a la Universidad o al Tecnikum
(ingeniería técnica).10
La educación general básica en Rusia se identificaba
completamente con la educación política. No existían ni se
concebían la una sin la otra. Formar ciudadanos capaces, que
levantasen el país y enriqueciesen sus arcas, y crear militantes
convencidos, defensores y creyentes de la patria, del comunismo y
de sus dirigentes, fueron objetivos que caminaron de la mano,
sobre todo a partir de la reforma del movimiento pionero
emprendida a mediados de los años 20 por Nadežda K. Krupskaja,
la mujer de Lenin, y el psicopedagogo Arón Borissovich Zalkind.
Los pioneros tuvieron funciones nada desdeñables en lo que se
refiere a la construcción, difusión y consolidación del Nuevo
Estado soviético, pues en ellos residió, después de la Revolución, la
responsabilidad de controlar socialmente y adoctrinar desde el
punto de vista ideológico a las nuevas generaciones. En 1922 el
movimiento juvenil pionero contaba con 4.000 miembros, cifra
que ascendió a los 11 millones en 1939. Muchos lo han

vida en las colonias fundadas por él en Rusia. De Nadežda Konstantinovna


Krupskaja puede consultarse La educación comunista. Lenin y la juventud, Madrid,
Nuestra Cultura y Mano y Cerebro 1978.
10
María Encarna Nicolás Marín, “Los niños españoles en la Unión Soviética”,
en El exilio de los niños…, op. cit., p. 151.

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considerado, de hecho, como la mayor organización juvenil del


siglo XX.11
Las asignaturas que tuvieron que cursar los niños y
niñas en las escuelas soviéticas fueron similares a las que hubiesen
recibido en España, a excepción de la lengua rusa, la Historia de
Rusia y la Constitución de la URSS (la de Stalin de 1936). En
un principio recibieron las clases en español y de la mano de
aquellos maestros y maestras que les habían acompañado desde su
salida de España. Cuando los niños y niñas fueron
familiarizándose con el nuevo idioma las clases fueron impartidas
por maestros y maestras rusos y desaparecieron los traductores o
intérpretes (Perevodchisha o Perevodchil), quienes les habían
acompañado a todas partes desde su llegada a la URSS para que
comprendieran todo lo que veían y les explicaban, así como para
ayudar a los responsables rusos a entenderles a ellos. En todo
momento, eso sí, se puso especial cuidado en que los pequeños
evacuados no perdieran sus orígenes, se les inculcó el respeto y
amor a España y se trató de crear en las Casas y escuelas un
microclima a la española que les ayudase a conservar su identidad.
Para ello fue esencial la organización de actividades extraescolares
y círculos de interés centrados en las costumbres del país que les
vio nacer, tales como conferencias sobre la historia y la política
españolas, clubes de lectura de los clásicos o grupos de teatro, baile
y canto tradicionales.
La puesta en marcha de todo este nuevo mundo a
medida que el Narkompros y los responsables españoles
construyeron para los niños y niñas evacuados de la guerra a la
Unión Soviética no estuvo exenta de dificultades. El coste que
suponía mantener las Casas y todo el personal que trabajaba en
ellas fue inmenso y la escasez de algunos materiales escolares puso
en apuros a los docentes, sobre todo al principio, cuando ni

11
Dorena Caroli, Ideali, ideologie e modelli formativi. Il movimento dei Pioneri in
Urss (1922-1939), Milán, Unicopli 2006, pp. 12-13.

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siquiera contaban, por ejemplo, con libros de texto en castellano


para comenzar a impartir las clases. Si bien este fue un problema
común a muchas de las colonias y refugios infantiles ubicados en
el extranjero, la ayuda de la Delegación Nacional de la Infancia
Evacuada (organismo encargado de gestionar y controlar dichas
instituciones), que envió lotes de libros de Literatura, Historia y
cultura españolas a los docentes destinados en las mismas, no se
dejó notar por igual en todos los casos.12
Los pocos libros y manuales escolares que los maestros y
maestras destinados a la URSS habían llevado consigo y los que
los niños y niñas de estas expediciones habían metido en sus
pequeñas maletas como compañeros de viaje, aparte de los que
pudieran recibirse una vez allí instalados, no eran suficientes para
los 3.000 alumnos y alumnas que debían comenzaban en Rusia el
curso escolar 1937-38. Por eso, las autoridades soviéticas
tomaron la decisión de traducir los libros de texto rusos al español,
aspecto que quiso destacar especialmente el inspector Ballesteros
en su charla radiofónica:

Por la precipitación de la salida de los maestros y


educadores españoles no pudieron llevarse libros escolares
para la enseñanza de nuestros niños, y como las
dificultades de transporte impiden a nuestro gobierno
enviarlos en el número que son precisos, el Comisariado
de la Educación en la URSS ha dispuesto, y cuando
salimos nosotros de la URSS ya estaban los originales en
la imprenta, la traducción al castellano de todos los libros
escolares que en la URSS existen, a fin de que los niños
españoles no carezcan de este medio indispensable de
instrucción y de trabajo escolar. Serán muchos millones
de libros ya que son varios miles de cada materia, y para
cada grado los que editará, libros que no han de poder
utilizar más que los niños nuestros y cuya edición
importará muchos miles de rublos. Hasta este grado de
preocupación y de inteligente cuidado llega el gobierno

12
Cfr. Dorothy Legarreta, The Guernica Generation…, op. cit., p. 82.

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soviético en la defensa de la cultura de los futuros


trabajadores españoles.13

La mayor parte de los niños y niñas recuerda su estancia


en las Casas, entre junio de 1937 y junio de 1941, como la época
más feliz de su vida. Estos años vivieron realmente como en un
“paraíso”. Tuvieron sólo a su disposición cientos de personas, no
les faltó de nada, se les vistió y alimentó mejor incluso que a los
niños y niñas rusos, se les proporcionó una educación y se les
dedicó tanta atención y tanto cariño que todavía hoy recuerdan
con emoción su infancia en Rusia, a pesar de la distancia, a pesar
de la pérdida, a pesar de la desgracia. Pero la guerra, de nuevo,
vino a truncar aquellos años felices. El 21 de junio de 1941 dio
comienzo la ofensiva alemana contra la Unión Soviética. La
mayoría de los menores españoles tenía en ese momento entre 10
y 15 años. Todas las Casas de Niños estaban ubicadas en el eje de
penetración del ejército de Hitler, por lo que pronto se dispuso la
evacuación de sus ocupantes hacia otras zonas del país más
seguras: la república autónoma de los alemanes del Volga, Saratov
y Stalingrado; los Montes Urales (Baskiria); lugares tan alejados
de Siberia como Altai, en la frontera con China y Mongolia; u
otras repúblicas, como Uzbekistán (Samarcanda, Tashkent) o
Georgia.
La participación de los jóvenes españoles en la II Guerra
Mundial tuvo muy distintos grados, desde aquellos que trabajaron
en fábricas para cubrir las necesidades materiales de la guerra o
colaboraron en las tareas de retaguardia, pasando por los que
ayudaron en las siegas y recolectas de distintos koljoses esparcidos
por la geografía soviética para que no se perdieran las cosechas,
hasta los que se alistaron, como enfermeras, combatientes o
voluntarios, en las filas del Ejército Rojo, de la Guerrilla o de las
Milicias Populares. Más de 200 soldados españoles perdieron la
vida en la “Gran Guerra Patria”, de los cuales entre 66 y 50 eran

13
Borrador de la charla radiofónica de Antonio Ballesteros Usano…, doc. cit.

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niños y niñas de la guerra; un alto porcentaje si tenemos en


cuenta que se alistaron un total de 130. A estos habría que sumar
otros 280 menores y jóvenes que fueron víctimas de la escasez de
alimentos, de la falta de medicamentos o de los bombardeos.14
Regresar algún día a España fue una ilusión que
acompañó a muchos de estos Niños de Rusia a lo largo de su vida.
Al finalizar la Guerra Civil, Rusia (al igual que México) no
reconoció la dictadura de Franco y se negó a facilitar su vuelta a
España.15 No ocurrió así en otros países, donde las autoridades
facilitaron enseguida el retorno de la infancia española a sus
hogares, una vez los padres reclamaron a sus hijos e hijas en el
extranjero, ayudando así, aun sin pretenderlo, al éxito
propagandístico de la política de repatriación franquista. Ésta
quedó bajo la tutela de la Delegación Extraordinaria de
Repatriación de Menores (DERM), creada por el primer gobierno
de Burgos el 1 de julio de 1938, dependiente del Ministerio de
Asuntos Exteriores, que con posterioridad (por orden de 24 de
junio de 1941) pasó a depender de la Delegación Nacional del
Servicio Exterior de la Falange Española Tradicionalista y de las

14
Sobre la participación de los españoles en la “Gran Guerra Patria” véanse Juan
Negro Castro, Españoles en la URSS, Madrid, Escelier 1959; Antonio Vilanova,
Los olvidados. Los exiliados españoles en la Segunda Guerra Mundial, París, Ruedo
Ibérico 1969 (especialmente en el capítulo titulado “Los combatientes”, pp. 479-
500); Eusebio Cimorra, Isidro R. Mendieta y Enrique Zafra: El sol sale de noche.
La presencia española en la Gran Guerra Patria del pueblo soviético contra el nazi-
fascismo, Moscú, Progreso 1970; Roque Serna, Heroísmo español en Rusia,
1941-1945, Madrid, edición del autor, 1981; En memoria de los combatientes y
niños españoles muertos junto al pueblo ruso con motivo de la Segunda Guerra
Mundial, 1941-1950, Madrid, Fundación Nostalgia 2000; y Daniel Arasa, Los
españoles de Stalin, Barcelona, Belaqvua 2005. Algunos testimonios de
combatientes españoles del Ejército Rojo y la guerrilla soviética son José Antonio
Rico, Bajo los dominios del Kremlin, México, Atlántico 1950; Vicente Monclus
Guallar, 18 años en la URSS, Buenos Aires, Claridad 1959; y Josep Gros,
Relatos de un guerrillero comunista español, París, Librairie du Globe 1971.
15
Luis Suárez Fernández, Franco y la URSS, Madrid, Rialp 1987, pp. 115-
132.

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Juntas de Ofensiva Nacional Sindicalista (FET y de las JONS).16


Bajo el epígrafe de la “Obra del Caudillo”, la devolución de los
niños y niñas “secuestrados” por la República durante la contienda
a sus padres y a su país suponía un triunfo social del régimen, que
intentaba también con ello granjearse el reconocimiento
internacional.17
Desde 1947 y hasta la muerte de Stalin, el 6 de marzo
de 1953, fueron muy pocos los que pudieron salir del país. No fue
hasta mediados de la década de los años 50, en 1956 y 1957, 20
años después de su salida de España, cuando las autoridades rusas
y españolas brindaron a estos niños y niñas ya adultos la
posibilidad de regresar a su país natal. Menos de la mitad lo
hicieron. En su mayoría regresaron a la URSS al poco tiempo de
su salida debido a las dificultades que para vivir en paz
encontraron en la España franquista. Toda su vida arrastraron

16
Alicia Alted Vigil, “Le retour en Espagne des enfants évacués pendant la
guerra civile espagnole: la Délégation extraordinaire au repatriement des mineurs
(1938-1954)”, en Enfants de la guerre civile espagnole. Vécus et répresentations de
la gèneratios née entre 1925 et 1940, París, L´Harmattan, Fondation Nationale
des Sciences Politiques y Centre d´Historire de l´Europe du Vingtième Siécle
(CHEVS) 1999, pp. 47-59. Para más información véase Ricard Vinyes, Montse
Armengol y Ricard Belis, Los niños perdidos del franquismo, Barcelona, Plaza &
Janés y Televisió de Catalunya 2002.
17
Jesús J. Alonso Carballés y Miguel Mayoral Guíu, La repatriación de “los niños
del exilio”: un intento de afirmación del régimen franquista, 1937-1939, en El
régimen de Franco. Política y relaciones exteriores (Congreso Internacional, Madrid,
mayo 1993), dirigido por Javier Tusell, Susana Sueiro, José María Marín y
Marina Casanova, Madrid, UNED 1993, tomo I, pp. 341-349; Jesús J. Alonso
Carballés, El retorno de los niños vascos: desde la infancia a la edad tardía, en
Retornos (De exilios y migraciones), dirigido por Josefina Cuesta Bustillo, Madrid,
Fundación Largo Caballero 1999, pp. 289-318; Alicia Alted, Le retour en
Espagne des enfants évacués pendant la guerra civile espagnole…, op. cit.; y
Carmen González Martínez, En los pliegues de la memoria y la historia.
Repatriaciones y retornos de los niños de la guerra, en El exilio de los niños…, op.
cit., pp. 178-195.

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consigo el estigma de ser hijos e hijas de los vencidos y el de haber


pasado su infancia en el “paraíso” soviético.

2 Un secuestro documental

La charla radiofónica que el inspector Ballesteros


preparó tras su regreso a España después de haber pasado tres
meses en la URSS, desde noviembre de 1937 hasta enero de
1938, se conserva en la caja número 87 de la Sección Político-
Social de Barcelona en el Archivo General de la Guerra Civil
ubicado en la histórica ciudad de Salamanca. Está archivada como
el expediente número 15. Pero no es el único documento que en
esta caja reposa que tenga que ver con Rusia y con los niños y
niñas españoles evacuados a este país durante la Guerra Civil. La
acompañan, por ejemplo, un pasaporte especial, en el que se le
concede libertad absoluta de movimientos en el extranjero, emitido
el 15 de noviembre de 1937, y el informe que Ballesteros escribió
acerca de las condiciones de vida y la educación que los pequeños
exiliados recibían en el país del proletariado, fechado en Barcelona
el 14 de febrero de 1938. También hay documentos personales
(todo ello en el mismo expediente 15). Un puñado de biografías de
algunos miembros del personal docente y auxiliar español que se
encontraba en Rusia con los menores (expediente 21) y una
docena de redacciones escolares (expediente 17).
Las biografías fueron escritas previa petición de las
autoridades soviéticas y españolas cuyo objetivo no era otro que
conocer (y controlar) el número de personas empleadas en las
Casas de Niños, la actividad que desempeñaban, los motivos que
les habían llevado a elegir este destino y, principalmente, su
militancia política. Así, junto a los datos personales y sus
antecedentes docentes o laborales, en las biografías, todas ellas
manuscritas, los responsables de los niños y niñas evacuados
anotaron su filiación política y dejaron constancia de su fe en la
República y su causa, especialmente si antes de embarcar camino
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de la URSS habían formado parte de las filas del Ejército


republicano, como fue el caso del maestro José Manuel Arregui
Calle (Figura 1):

José Manuel Arregui Calle, natural de Pola de Siero,


provincia de Oviedo, de 27 años de edad, maestro
nacional por oposición libre convocadas en 1928;
obteniendo el número 43 de la primera lista supletoria.
Tomé posesión de la Escuela Nacional de niños de
Feleches, partido judicial de Siero, provincia de Oviedo,
el día 14 de Febrero de 1931, y estuve prestando
servicios en esta escuela hasta el día 26 de Marzo de
1937 en que me incorporé al Ejército Popular. Caí
herido, quedando inválido para la guerra [perdió la mitad
de su brazo izquierdo el 3 de abril en el sector de San
Lázaro, frente de Oviedo], incorporándome nuevamente
a la enseñanza el día 3 de Septiembre de 1937 con
motivo de la marcha a la URSS con un grupo de niños
asturianos, donde en la actualidad me encuentro
ejerciendo mi cargo de maestro.
Profesionalmente pertenecía a la ATEA [Asociación de
Trabajadores de la Enseñanza de Asturias, dependiente de
la Federación Española de Trabajadores de la Enseñanza
(FETE)], grupo local de Siero.18

Además, muchos aprovecharon que estos documentos


fueran a parar a manos de personas con cierta competencia y
escribieron también algunas peticiones, en su mayoría relacionadas
con la búsqueda de familiares. Desde su llegada a Rusia, los
cuidadores de los pequeños evacuados, como les ocurrió también a
estos mismos, no sabían nada de los suyos y vivían sumidos en la
intranquilidad y el desasosiego provocados por la ausencia de
noticias. La salida precipitada y obligada de la población que vivía
en las zonas que se habían convertido en el norte de España en
líneas de la ofensiva franquista (Bilbao, Santander, Gijón) hizo

18
Nota biográfica redactada por el maestro José Manuel Arregui Calle. [Pravda],
sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 11.

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que muchos se convirtieran en refugiados sin hogar y, por tanto,


sin dirección postal a la que poder escribirles. No es que estuvieran
perdidos (algunos sí) o que hubieran muerto (que también), si no
que fundamentalmente habían pasado a formar parte de una masa
humana sin nombres ni apellidos y encontrarles resultaba tarea
harto complicada.

Soledad Reguero Álvarez, natural de Sama de Langreo,


provincia de Oviedo, salí de Asturias el 23 de septiembre
de 1937 como auxiliar de la Colonia de niños que fueron
evacuados a la URSS.
Estuve prestando servicios en el Orfanato Miliciano
Alfredo Coto desde diciembre de 1936 hasta el momento
de la evacuación.
Desde que salí de Asturias no he vuelto a saber de mi
familia: Mi hermano, Ramón Reguero que estaba como
enlace al servicio de un teniente en el Bllon [Batallón]
Asturias nº 253 cía [Compañía] 3ª en el frente de
Oviedo sector de S. Lázaro.
Mi hermana Aurora Reguero como enfermera en el
hospital de Sangre de Proaza.
Ángeles Amil, secretaria de las JSU [Juventudes
Socialistas Unificadas] de Ciaño (Langreo) donde yo
estaba afiliada. Desde mi traslado a Gijón pertenecía al
Partido Comunista.
Actualmente permanezco trabajando con los niños
españoles con quienes salí de Asturias, muy contenta de
seguir con ellos hasta que podamos regresar a España.19

Las notas biográficas que se conservan en España


(suman 41) son tan sólo una parte (mínima) del total de biografías
que todos los empleados en las Casas de Niños, bien en labores
docentes o en otras, tuvieron que escribir. El resto están

19
Nota biográfica redactada por la auxiliar Soledad Reguero Álvarez. [Pravda],
sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 13.

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custodiadas en el Archivo Estatal de la Federación Rusa de


Moscú.20 Las que constituyen el fondo de Salamanca
corresponden a los españoles que trabajaban en las Casas de
Leningrado, Pushkin y Pravda. En su mayoría habían formado
parte de la tercera expedición infantil, conformada por unos 1.100
niños y niñas y organizada por el Consejo Provincial de Asturias y
León, presidido por Belarmino Tomás. La expedición salió, bajo la
dirección del maestro Pablo Miaja (hermano del general Miaja,
artífice de la defensa de Madrid), del puerto de El Musel (Gijón),
en la madrugada del 24 de septiembre de 1937 y llegó a
Leningrado el 4 de octubre. Las fechas de redacción de estos
currícula improvisados se sitúan entre el 3 de diciembre de 1938
(las pertenecientes al personal contratado en las Casas de
Leningrado), el día 5 del mismo mes y año (para las salidas de la
Casa de Pushkin) y el 6 de enero de 1938 (las de los trabajadores
de Pravda). Coincidiendo, por tanto, con la visita del inspector
español. Dada la distancia que mediaba entre algunas de las Casas
(por ejemplo, las que estaban en las regiones de Moscú o
Leningrado y las ubicadas en Crimea y Ucrania) y el tiempo
limitado del que disponía, a Ballesteros le resultó imposible visitar
todas, por lo que su labor se redujo a la inspección de las citadas y
las ubicadas cerca de éstas.
Las redacciones suman un total de 12. Todas ellas están
fechadas el mismo día, el 13 de enero de 1938, y fueron escritas
en hojas pautadas, tanto cuadriculadas como rayadas, que fueron
redactadas en los pupitres que los niños y niñas españoles
ocupaban en una de las escuelas de Moscú previa petición del
inspector Ballesteros, quien debió visitar ese día la clase en la que

20
Las autobiografías del personal docente y auxiliar español que trabajó en las
Casas de Niños y que no se han conservado en España se encuentran en el
Archivo Estatal de la Federación Rusa (AEFR) de Moscú, fondo A-307,
catálogo 2, expediente 398. Cfr. Alicia Alted Vigil, Encarna Nicolás Marín y
Roger González Martell, Los niños de la guerra de España en la Unión
Soviética…, op. cit., p. 108.

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sus autores y autoras se encontraban. Éstos cursaban el 5º y el 6º


grado; tenían, por tanto, aproximadamente entre 9 y 12 años.
Desconocemos si en estos niveles de escolarización el número total
de alumnos y alumnas españoles era éste (12), por lo que no
podemos apuntar si el conjunto es representativo o no. Pudieron
ser redacciones seleccionadas de entre otras muchas en función de
criterios fácilmente imaginables (las mejor escritas, las de óptima
presentación, las más impactantes, las de mayor contenido
ideológico, etc.) o, por el contrario, constituyen el total de las
redacciones que ese día salieron de este aula moscovita de niños y
niñas españoles. En todo caso, las mismas constituyen el eje sobre
el que se construye este trabajo y las analizaremos detenidamente
en el cuarto apartado del mismo.
Estas escrituras infantiles viajaron a España junto a las
notas biográficas anteriormente citadas, y constituyeron las
pruebas esenciales de que la misión de Ballesteros había sido
realizada según lo previsto. El inspector llevó consigo a Barcelona
las redacciones y los currícula, si bien lo hizo con fines muy
distintos. Los currícula le servirían para dar cuenta de las labores
del personal contratado; pero también le permitirían ayudar a los
maestros y auxiliares en la búsqueda de familiares, tal y como le
habían solicitado. Las redacciones, sin embargo, eran la
demostración del buen estado de los niños y niñas, de sus avances
escolares y de su felicidad en un país del cual les gustaba todo o
casi todo y en el que les trataban a cuerpo de rey. Seguramente el
inspector pensó que entregar estas letras a los padres sería para
ellos como traerles a su lado a sus hijos e hijas aunque sólo fuera
por unos instantes. Claro que, además, estos escritos había que
darlos a conocer de alguna manera al resto del mundo. ¿Dónde
mejor podía verse la labor de asistencia y cuidado a la infancia por
parte de la República? ¿Qué testimonio podía demostrar con más

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fuerza que estas palabras de admiración y veneración de los


menores españoles que Rusia era el país ideal por excelencia?21
Sin embargo, ni los currícula, ni las redacciones que
trajo consigo Ballesteros, ni siquiera muchas de las cartas
redactadas por los niños y niñas españoles desde Rusia y dirigidas a
sus familiares en distintos momentos de su exilio,22 llegaron a sus
destinos ni a sus destinatarios. Fueron secuestradas, como
también lo fueron los millones de documentos personales que
actualmente reposan en el archivo de Salamanca. Con la caída de
Barcelona (el día 26 de enero de 1939), toda la documentación
que se había acumulado desde el inicio de la contienda en los
distintos organismos republicanos que tuvieron allí su sede
(pensemos en el Ministerio de Instrucción Pública o en la
Delegación de Asistencia Social, donde fueron a parar los
documentos de Ballesteros y la correspondencia de los niños y

21
Fueron muchos los periódicos que publicaron en sus páginas escritos infantiles
durante la contienda con fines propagandísticos, cosa que hicieron también
algunas revistas pedagógicas del momento. Igualmente, fue habitual encontrar
impresas en distintos folletos letras infantiles, especialmente si éstos estaban
destinados al sostenimiento de colonias escolares o a conseguir apoyo para
distintos organismos asistenciales tanto españoles como extranjeros que se
ocuparon de la infancia en plena guerra. Sobre este particular remitimos a
Verónica Sierra Blas, Con el corazón en la mano. Cultura escrita, vida cotidiana y
exilio en las cartas de los padres de los Niños de Morelia, en Antonio Castillo
Gómez (dir.) y Verónica Sierra Blas (ed.), Mis primeros pasos. Alfabetización,
escuela y usos cotidianos de la escritura (siglos XIX y XX), Gijón, Trea 2008, pp.
411-454; así como a la Tesis Doctoral de la misma autora, Letras huérfanas.
Cultura escrita y exilio infantil en la Guerra Civil española, dirigida por el profesor
Antonio Castillo Gómez y defendida en la Universidad de Alcalá en el mes de
mayo de 2008. Ha sido publicada parcialmente en Verónica Sierra Blas,
Palabras huérfanas. Los niños y la Guerra Civil española, Madrid, Taurus 2009.
22
Para un análisis en profundidad de dichas cartas desde la perspectiva de la
Historia de la Cultura Escrita véase, igualmente, Verónica Sierra Blas, Letras
huérfanas…, op. cit. Las misivas en cuestión se conservan también en el AGCS
en las secciones Político-Sociales de Bilbao (cajas 5 y 206) y Santander (serie O,
caja 51) y suman un total de 260.

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niñas, respectivamente), pasó a manos de Franco. Ya por orden de


20 de abril de 1937, éste había creado la llamada Oficina de
Información y Propaganda Anticomunista (OIPA), que junto a la
Delegación de Asuntos Especiales (DEA), dedicada a la
propaganda anti-masónica desde el 29 de mayo de ese mismo año,
dependía del Ministerio del Interior. Ambos organismos se
fusionaron, una vez nombrado el primer gobierno de Franco, por
orden de 26 de abril de 1938 en la llamada “Delegación para
recuperar, clasificar y custodiar la documentación procedente de
personas y entidades del bando republicano” (DERD), dirigida por
Marcelino de Ulibarri.23
Para conseguir sus propósitos, y a medida que las tropas
franquistas iban conquistando territorios, el Servicio de
Recuperación de Documentos (SRD), médula espinal del
organismo anteriormente citado, se encargó de incautar todo papel
que los republicanos en retirada hubieran olvidado destruir o no
pudieran haberse llevado consigo.24 Concretamente, en el caso de
Barcelona, el SRD practicó entre el 28 de enero y el 3 de julio de
1939 un total de 1.399 registros en instituciones, partidos,
sindicatos, asociaciones, periódicos y domicilios particulares. El
botín fue sorprendente: en julio de 1939 un tren de 12 vagones
trasladó de Barcelona a Salamanca 130 toneladas de
documentos.25 Una gran parte de los documentos incautados tras

23
Stéphane Michonneau, Les papiers de la guerre, la guerre des papiers. L´affaire
des archives de Salamaque, en Lieux d´archive. Une nouvelle cartographie: de la
maison au musée, dirigido por Philippe Artières y Annick Arnaud, dossier
monográfico de la revista ”Sociétés et Représentations”, nº 19, 2005, p. 251.
24
Josep M. Figueres, La guerra del paper, en Joaquim Ferrer, Josep M. Figueres y
Josep M. Sans i Travé, Els papers de Salamanca. Història d´un botí de guerra,
Barcelona, Llibres de l´Índex 1996, p. 88.
25
Joan B. Culla y Borja de Riquer, Sobre l´Arxiu de Salamanca: algunes
precisions i reflexions, en Guerres d´arxius. Història, Memòria i Política, dossier
monográfico de la revista “L´Espill. Revista fundada per Joan Fuster”, segona
època, nº 13, 2003, p. 73.

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la toma de los distintos territorios que habían estado en manos de


los republicanos durante la Guerra Civil fue a parar al Convento
de San Ambrosio, en la ciudad de Salamanca, donde pasó a
disposición del Tribunal Especial para la Masonería y el
Comunismo.26
El convento de San Ambrosio fue así el germen de lo
que hoy constituye el Archivo de la Guerra Civil de Salamanca,
integrado desde finales de 1979 en el Archivo Histórico Nacional
de Madrid como una delegación independiente. A este depósito
documental, por tanto, fueron a parar, junto a miles de
documentos incautados, las redacciones y cartas de los niños y
niñas españoles evacuados a Rusia, las notas biográficas redactadas
por el personal auxiliar y docente que les acompañó y el informe y
la charla radiofónica del inspector Ballesteros. Todos ellos eran
susceptibles de aportar información acerca de personas que por un
motivo u otro y en muy distintos grados se habían significado por
su conducta y actuación durante la contienda sirviendo al bando
republicano y a las ideas que éste defendió en los campos de batalla
durante los tres años de guerra. Formaron así parte del aparato
represivo franquista, siendo empleados como pruebas con las que
inculpar a los sospechosos.

26
Joaquim Ferrer, La lluita parlamentària per la devolució, en Joaquim Ferrer,
Josep M. Figueres y Josep M. Sans i Travé, Els papers de Salamanca…, op. cit.,
p. 13. Para más información acerca de los orígenes del Archivo General de la
Guerra Civil de Salamanca remitimos a Angels Bernals, Miquel Casademont y
Antoni Mayans, La Documentaciò catalana a Salamanca: un estat de la questio,
1936-2006, Barcelona, Associaciò d´Arxivers de Catalunya 2003; y Josep
Cruanyes, Els papers de Salamanca. L´espolicaciò del patrimoni documental de
Catalunya (1938-1939), Barcelona, Ediciòns 62 2003.

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3 Formas y usos de la composición


en la España del primer tercio del Siglo XX

Los ejercicios de redacción o composición se


introdujeron muy lentamente en la escuela primaria española
durante el primer tercio del siglo XX, siendo rechazados
sistemáticamente por algunos maestros y maestras o, mucho más
frecuentemente, malinterpretados por los propios docentes, que
presentaban como redacciones lo que no eran sino copias del
manual escolar o de textos escritos previamente en las pizarras.
Tras estas perversiones habituales se escondían los miedos y
resquemores de los profesores a dejar a los alumnos expresar
libremente sus ideas, a dar rienda suelta a su fantasía y creatividad
y a manifestar pensamientos y opiniones que podían entenderse
como críticas subyacentes y soterradas de la actuación magisterial
o de su vida en la escuela. Estas prevenciones de los maestros,
junto con su escasa preparación personal para expresar por escrito
sus propias ideas y, por lo tanto, transmitir las técnicas adecuadas
a sus discípulos, son algunas de las razones que encontramos para
explicar la escasa atención que se le concedió a las prácticas de
composición hasta los años 30.
Las primeras reflexiones que los docentes se plantearon
sobre los ejercicios de redacción o composición -pues la mayoría
identificaban ambos conceptos hasta bien entrado el siglo XX- son
un ejemplo de las cautelas con las que abordaban esta actividad los
escasos maestros que la utilizaban en sus aulas, los cuales, desde
luego, formaban parte de la avanzadilla de la vanguardia
pedagógica del momento. Así, en las postrimerías de la centuria
decimonónica, un profesor de una escuela pública madrileña,
Vicente Castro y Legua, apuntaba tímidamente que los “trabajos
de redacción” formaban parte de los procedimientos por él
utilizados para la enseñanza de la escritura, aunque su sistema
encorsetaba bastante la imaginación infantil y dejaba al maestro el
control absoluto de las producciones escritas. El docente proponía
el tema de la composición, que los niños escribían en sus pizarritas
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individuales, lo que nos da una idea de la limitada extensión de


estos textos, además de su carácter perecedero, pues el maestro
obligaba a borrar errores e incorrecciones y sólo cuando quedaba
“aprobado el trabajo” en su totalidad se permitía a los niños
copiarlo en papel, fecharlo y firmarlo. Sólo las más excepcionales
se conservaban en la escuela.27
Éste debió ser un ejercicio habitual en las aulas
españolas, pues en 1934 fue presentado por varios docentes
extremeños como una actividad innovadora para los alumnos del
grado superior.28 Ángel Llorca, un maestro que llegaría a ser de los
más afamados en España por las innovaciones pedagógicas que
introdujo en su centro madrileño, apuntaba desde su primer
destino profesional en Elche (Alicante), ya en 1900, la necesidad
de realizar numerosos ejercicios de redacción en las clases, para
que los alumnos aprendieran a expresar por escrito sus ideas y
sentimientos. Aunque muchas de las actividades propuestas eran
resúmenes de lecciones y tareas instructivas, también insistía en la
necesidad de que se permitiera a los niños y niñas plasmar en el
papel sus opiniones sobre “cuestiones de palpitante interés local y
general” y sobre “problemas de moral práctica”, con lo que
aparecía una nueva finalidad de estas composiciones, la de
desarrollar los juicios éticos y críticos en la infancia.29 Otros
pedagogos, como el catalán Pau Vila, sugerían otra utilidad
añadida de estas composiciones, que entraba en el terreno de lo
psicológico e implicaba el desarrollo de las capacidades infantiles
de observación y percepción, así como de sus habilidades para
interaccionar con los entornos cotidianos. Los temas de redacción

27
Vicente Castro y Legua, Procedimiento de escritura en “La Escuela Moderna”,
II, núm. 13, abril de 1892, p. 258.
Semana Pedagógica de Don Benito. Del 10 al 16 de junio de 1934, Imprenta La
28

Minerva Extremeña, Badajoz 1934, p. 49.


Ángel Llorca y García, La enseñanza de la Lectura y Escritura en “La Escuela
29

Moderna”, X, núm. 113, agosto de 1900, p. 132.

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propuestos por este autor implicaban descripciones de los espacios


en los que se desenvolvía la vida del niño o niña y de sus
actividades diarias y las de su familia.30
No cabe duda que el interés por este ejercicio de
escritura aumentó en los años veinte. Profesores de escuelas
primarias, centros de formación del magisterio e inspectores
viajaron a Europa pensionados por la Junta para Ampliación de
Estudios e Investigaciones Científicas y estudiaron las
producciones escritas que exhibían las escuelas de Francia,
Bélgica, Suiza o Italia, haciéndose eco de la riqueza de los
cuadernos escolares y de las numerosas actividades que en ellos se
reflejaban, siendo las composiciones una de las que más llamaron
la atención. Posiblemente esta experiencia motivó que muchos
docentes incluyeran las redacciones entre sus tareas habituales, y
también que en las Escuelas Normales se generalizase la
preocupación por enseñar a los futuros maestros y maestras
técnicas de expresión escrita que luego pudieran transmitir a sus
alumnos y alumnas. Desde luego, en estos años es fácilmente
perceptible un aumento de la producción bibliográfica sobre el
tema, especialmente desde el campo de la normatividad
pedagógica. Inspectores, profesores normalistas y algún docente
afamado publicaron artículos sobre técnicas y estrategias para
enseñar a redactar y, muy especialmente, para incluir este
aprendizaje en el currículum escolar de una forma graduada,
progresiva y acorde con las investigaciones más recientes sobre el
desarrollo psicológico infantil, entre las cuales destacaban ya con
luz propia los hallazgos del ginebrino Instituto Jean Jacques
Rousseau y de su jovencísimo profesor Jean Piaget.
Unos autores, siguiendo la brecha abierta por Pau Vila,
se fijaban especialmente en aquellas corrientes psicopedagógicas de
carácter decrolyano que ubicaban la observación como uno de los

30
Su labor pedagógica, Fundación Horaciana de Enseñanza, Barcelona 1910, p.
4.

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primeros niveles de la actividad mental infantil. Para ellos, la


composición era el ejercicio ideal para desarrollar esta capacidad,
por lo que debía realizarse en torno a temas, casi siempre sugeridos
por el maestro, y que implicasen la descripción de objetos y hechos
reales y visibles, la explicación de grabados e imágenes y la
narración de historias y sucesos. En definitiva, se trataba de ir de
lo más cercano a lo más lejano, de lo conocido a lo desconocido,
de lo concreto a lo abstracto: “ante todo, pues, realidad; después,
imagen; por último, recuerdo y fantasía”.31 Algunos autores
hicieron estudios iniciales de composiciones infantiles y criticaron
especialmente su escasa originalidad -“las palabras que copié de los
niños resultan uniformes, cortadas por un mismo patrón, porque
los niños, evitando hacer un esfuerzo de atención, no llegaron al
punto de vista personal, y se quedaron en la superficie de las cosas
vistas”32-, lo simplista y falto de razonamiento de sus
afirmaciones, precisamente por la dificultad de mantener una
atención sostenida que les permitiera recopilar los datos necesarios
para justificar sus asertos y, especialmente, la insinceridad de que
hacían gala los alumnos y alumnas y su renuencia a dejar por
escrito sus verdaderos pensamientos: “Cuando el tema es de índole
sentimental o moral hay tendencia a la hipocresía; el niño se
acuerda que está en la escuela y dice, no lo que siente, sino lo que
debiera sentir”.33
En algunas escuelas se orillaron hábilmente estos
problemas al desarrollar un concepto de la composición que era
más un ejercicio de preciosismo literario que un instrumento para
la expresión escrita de las propias ideas y sentimientos. Los

31
José María Azpeurrutia, La redacción en la escuela primaria, Junta para
Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas, Madrid 1924, p. 274.
32
Francisco Díaz Lorda, Lo que debe ser el ejercicio de redacción literaria en la
escuela primaria, Cádiz 1922, p. 8; Archivo de la Junta para Ampliación de
Estudios e Investigaciones Científicas (JAE), D-33.
33
Ibidem, pp. 12-13.

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maestros y maestras interpretaron que el objetivo de esta práctica


era desarrollar los valores artísticos y estéticos del niño y, en
último término, facilitarle la plasmación escrita de sus propias
sensaciones y emociones con un ropaje de belleza que primaba
sobre cualquier fondo personal, por lo que entendieron la
composición como una cuestión de forma literaria y, orgullosos,
enseñaron al mundo las producciones de sus alumnos y alumnas,
que respondían a un estilo como el ofrecido en este texto de un
niño de 12 años asistente al grupo escolar de Ólvega (Soria) en
1933:

“Ejercicio de Composición. La primavera.


¡Oh, bella estación del hermoso abril, de extensos
campos, cubiertos de hermosísimas flores y de verde y
dorado musgo! Pareces una inmensa alfombra de
esmeralda, en la cual coloca sus pies el pacífico rocío que
refresca a la flor nacarada y al esbelto clavel.
En esa alfombra tan deliciosa y bella, también hay
hermosos árboles por los cuales se enrosca la enredadera,
y en una rama tenemos al sencillo ruiseñor, rey del canto,
que parece que reza cuando toda la pradera duerme [...].
Brilla el sol abrasador, y sus rayos de oro y grana
descargan su furor sobre esas sencillas y débiles flores;
parece el león hambriento que desesperado ruge, o las
bárbaras olas del negruzco mar, que sobre la dura roca se
estampan”.34

Otros maestros y maestras se inclinaban por el realismo


y veían en los ejercicios de composición una estrategia muy eficaz
de preparar a los niños y niñas para la vida futura y para su
inserción en el mercado laboral. Este grupo se reconoce por su
insistencia en recomendar como asuntos centrales de tales
actividades la redacción de cartas, recibos, oficios, contratos,

34
Pedro A. Gómez Lozano, Mi escuela activa, Compañía General de Artes
Gráficas, Madrid 1933, pp. 245-246.

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pagarés35 y, desde una perspectiva eminentemente escolar, el


resumen de contenidos instructivos. Una variante innovadora y
muy utilizada en los años 20 y 30 fue la realización de reseñas de
excursiones36 y de diarios de clase, en los que las tareas lectivas
adquirían la forma de relato o narración.
El grado de libertad que debían tener los niños y niñas a
la hora de realizar estas composiciones fue uno de los elementos
que centró gran parte de las discusiones y debates entre maestros y
pedagogos. El propio Antonio Ballesteros aceptaba que el alumno
escribiera “sobre asuntos elegidos por el maestro o libremente
elegidos” por él mismo, introduciendo así el concepto de las
composiciones “con tema señalado” y “con tema libre”.37 María
Goiri de Menéndez Pidal, profesora en la Sección Preparatoria del
Instituto-Escuela, defendía que los ejercicios de composición,
tradicionalmente relegados a los grados superiores, se iniciaran con
niños y niñas de siete y ocho años, recomendando que los temas
fueran elegidos por el docente y abarcaran algún tipo de suceso del
que el alumno o alumna fuera protagonista, o incluso reflexiones
sobre su propia labor. Relatos sobre su vida cotidiana, el empleo
del tiempo el domingo o sus recuerdos del curso escolar eran
asuntos propuestos para niños de ocho años; los de nueve, además
de escribir sobre sus vacaciones, realizaban resúmenes de cuentos
narrados; los de diez tenían que inventar uno inspirado en la

35
Restituto Vallejo González, Plan de enseñanza de la Escuela Nacional de Niños
de Treceño, Ayuntamiento de Valdaliga, provincia de Santander, Treceño
(Santander) 1926, p. 29; Archivo JAE, V-7.
36
David Bayón, La escuela Baixeras, de Barcelona en “Escuelas de España”, núm.
2, abril de 1929, pp. 27-73.
37
Antonio Ballesteros y Usano, Para el perfeccionamiento del magisterio. La
organización del trabajo en la escuela unitaria en “Revista de Pedagogía”, núm. 88,
abril de 1929, pp. 162-169 y Antonio Ballesteros y Usano, La preparación del
trabajo en la escuela, Publicaciones de la Revista de Pedagogía, Madrid 1935, p.
84.

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Nochebuena, en el que “pueden poner algo de fantasía, si con ello


el cuento resulta mejor”.38
Sin embargo, la mayoría de autores se inclinaban, no
por estimular la imaginación infantil, sino por acostumbrar al
niño a que se convirtiera en notario imparcial de su propia vida y
de sus circunstancias, al más puro estilo orteguiano. Por eso, y
como un paso previo a la redacción de diarios íntimos, algunos
maestros sugerían que en el margen de los cuadernos los discentes
anotasen frases cortas sobre lo pensado y ejecutado cada día o
sobre los acontecimientos nacionales e internacionales, frases que
iban creciendo en extensión y dificultad lingüística a medida que el
alumno o alumna progresaba en edad y logros académicos.39 Un
procedimiento curioso es el desarrollado en su escuela por un
maestro catalán, que enviaba cada sábado a un grupo de niños a
buscar fuera del aula el tema de la composición, realizar el escrito
y leerlo ante sus compañeros. Si los primeros motivos escogidos
eran hechos más o menos tremebundos observados en la calle,
posteriormente los relatos se iban haciendo más íntimos, porque el
alumno iba personalizando el entorno y dotando a sus creaciones
de un toque propio, de manera que “cada composición es un
documento psicológico que se nos ofrece; con él va algo de la
espiritualidad de su creador, pero no es muy fácil llegar al análisis
completo del mismo y por él interpretar al niño”.40 Ya en los años
30 abundan este tipo de composiciones, que dejan una cierta
libertad en la elección del tema y en las que el sujeto se convierte

38
María de Maeztu y María Goyri, Del Instituto-Escuela de Segunda Enseñanza
de Madrid. Enseñanza y Métodos en “La Escuela Moderna”, XXXVI, núm. 417,
p. 423.
39
Lorenzo Jou y Olió, El trabajo escolar. El pequeño diario de unos niños en “La
vida en la escuela”. Sup. a la “Revista de Pedagogía”, 1, núm. 2 y núm. 3,
febrero y marzo de 1924, pp. 11-12 y 19-21 y Pedro Arnal, Los cuadernos
escolares en “Revista de Pedagogía”, V, núm. 54, 1926, pp. 250-252.
40
Tomás Cozcolluela Segura (maestro de El Monjes, Barcelona), El lenguaje en
nuestra escuela en “Revista de Pedagogía”, núm. 150, junio de 1934, p. 258.

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en el centro del relato, como en el texto que reproducimos a


continuación:

Ejercicio de composición: De entre lo que se haya leído


(cuentos o hechos reales) o de lo más interesante que nos
haya sucedido, escribir una narración.
Yendo de paseo con un amigo mío fuímos al campo de
futbol donde no dijeron si queriamos jugar a pelota,
contestamos que si y fuímos (uno a cada) los dos al
mismo fabor [tachada la b], después de jugar fuimos al río
para ber [tachada la b] los que se bañaban [tachada la b,
pero corregida de nuevo como b], jugamos en la arena y por
último nos bañamos los piés y volvimos juntos a casa. J.
Galera [rubricado].41

Durante la Guerra Civil se pontificó en ambos bandos


sobre la teoría de la composición. Si las normas publicadas por la
Generalitat de Cataluña eran ciertamente novedosas, al prohibir
explícitamente a los docentes que propusieran temas para las
redacciones infantiles, al introducir, como criterio de evaluación,
la originalidad y la capacidad de expresión personal de
pensamientos y acciones infantiles, y al potenciar, para los
alumnos mayores, la formulación de opiniones críticas que
servirían al docente para llegar a un conocimiento íntimo y
profundo de sus discentes;42 los pedagogos del nuevo régimen
utilizaron la Revista de Educación Hispánica para definir la
composición como “inventiva, creación personal y su fin
psicológico principal es la imaginación. En los ejercicios de
redacción de varios niños sobre determinado trabajo, hay analogía
de contenido y pensamiento; en los de composición hay variedad,

41
J. P. C. Cuaderno de Trabajos de Vacaciones. Grado Medio, Dalmáu Carles Pla,
Gerona 1933, p. 31. Las transcripciones de las redacciones las hemos realizado
respetando el texto original.
42
Normes Generals de Treball Escolar en “Butlletí dels Mestres”, X, núm. 171,
1938, pp. 148-151.

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personalidad”43. Aparentemente encontramos una rara


unanimidad sobre el tema. Sin embargo, una aproximación a la
práctica de la composición en escuelas de ambas zonas nos permite
advertir grandes diferencias en la aplicación e interpretación de
estos conceptos.
En la zona franquista se les daba, no sólo un conjunto
de palabras que debían intercalarse en la composición, sino
también un guión de la misma, con los puntos principales a tratar.
El docente vigilaba estrechamente su ejecución y corregía el
resultado final, que sólo podía ser copiado en limpio cuando él
había dado su consentimiento. Los niños y niñas elegían en masa,
y, según se decía, “libremente” la realización de composiciones
patrióticas, de las cuales adjuntamos un ejemplo correspondiente a
un niño de 12 años:

Composición Decorativa
Los héroes llenos de patriotismo y deseosos de propagar la
paz, el trabajo y la cultura, que forman esta gran
Cruzada, en el amanecer de nuestra Era, luchan por
arrasar la barbarie que invadía nuestra España y en una
palabra, para hacer de ella una gran civilización.44

En la zona republicana muchos maestros participaron en


las experiencias de colonias escolares. Una de ellas, la ubicada en
El Perelló y denominada Comunidades Familiares de Educación,
estuvo a cargo de Ángel Llorca, ese maestro que desde 1900
llevaba innovando en las metodologías de aprendizaje del lenguaje
y de la escritura. Una de las composiciones que aparece en los
cuadernos escolares conservados de esa experiencia es la siguiente:

El Perelló 24 de agosto de 1937.

43
A. Vera, Realidades Escolares en “Revista de Educación Hispánica”, núm. 3,
1937, p. 59.
44
Ibidem, pp. 60-61.

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La temperatura es la propia de la estación y del pueblo


(donde) [corregido “en que” debajo del paréntesis] vivimos.
El termómetro señala 25’5º centigrados. Son las 10
menos cuarto. Es de suponer que el termómetro siga
subiendo hasta la noche. ¿Cuál será la máxima de hoy?
Ayer recibimos dos visitas de un mismo grupo llegado de
los Estados-Unidos que según dicen tratan de hacer
propaganda en favor de la España gubernamental. La
primera visita comió en la casa nº 1. Como teniamos
garbanzos que es una comida que no suele hacerse en el
extranjero, hubo de obsequiarselas con un huevo frito. A
nosotros, por ahora, a causa de la guerra, hay muchas
cosas, antes corrientes, que nos estan prohibidas.45

El análisis de la teoría y la práctica de la composición


escolar en España nos lleva a apuntar tres conclusiones
provisionales. En primer lugar, el abismo existente entre los
planteamientos expuestos en la literatura pedagógica y la realidad
cotidiana de esta práctica en las escuelas. En segundo término, la
existencia de unos planteamientos ideológicos, que no por muy
soterrados están menos presentes en las aulas, y que se incardinan
en las concepciones antropológicas y pedagógicas sobre libertad y
espontaneidad infantil y sobre la relación educativa. Y, finalmente,
en el reducto más oculto de los discursos sobre el tema, podemos
atisbar incluso concepciones diferentes y contradictorias sobre la
propia identidad de la infancia y sus posibilidades de construir un
pensamiento personal y no inducido por los adultos.

45
Cuaderno escolar del niño José Martín Matute, de las Comunidades Familiares
de Educación, El Perelló (Valencia), 4 a 27 de agosto de 1937. En “Viejos
papeles de Don Ángel Llorca”, PDF editado por la Fundación Ángel Llorca y el
Ministerio de Educación y Ciencia, 2007. Sobre Ángel Llorca véase Ángel
Llorca, Comunidades familiares de Educación. Un modelo de renovación pedagógica
en la Guerra Civil, estudio introductorio de María del Mar del Pozo Andrés,
Barcelona, Ministerio de Educación, Política y Deporte, Ediciones Octaedro
2008; y Ángel Llorca, Desde la escuela y para la escuela. Escritos pedagógicos y
diarios escolares, edición de María del Mar del Pozo Andrés, Madrid, Biblioteca
Nueva, Ministerio de Educación, Política y Deporte 2008.

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4 “Za Stalin, Za Ródinn”.


Un análisis de las redacciones de los niños de Rusia

El 13 de enero de 1938 los niños y niñas españoles que


residían en la Casa de Niños nº 7, ubicada en la calle Pirogóvskaia
de la capital rusa, salieron como cada mañana camino de la
escuela donde desde hacía unos meses asistían a clase. Los
alumnos y alumnas de 5º y 6º grado, sin embargo, iban a tener
una jornada algo distinta, pues sus clases iban a recibir la visita de
Antonio Ballesteros. Éste, junto a los docentes españoles
encargados de cada grupo que supervisaron la actividad, les mandó
esa mañana escribir una redacción que después se llevaría consigo
a España, para enseñársela a sus padres y para que todo el mundo
supiera, incluidos los altos dignatarios de la República, lo mucho
que estaban aprendiendo en la URSS y lo bien atendidos y felices
que se sentían por Stalin y su pueblo. Los niños y niñas se
pusieron manos a la obra. En sus blocs y cuadernos escolares
(cuyas hojas luego arrancaron) o bien en cuartillas sueltas
escribieron sus redacciones, siguiendo las instrucciones que les
habían indicado sus profesores y profesoras. Primero debían
contar cuál fue su impresión al llegar a Rusia; después qué cosas
de las que habían hecho o visto al ser trasladados a Moscú, tras el
descanso de los meses de verano en los campamentos del Mar
Negro, habían llamado su atención y de entre ellas cuál o cuáles
les habían gustado más.
Los niños y niñas españoles fueron conscientes de que
este ejercicio escolar no era simplemente eso, un mero ejercicio
escolar, sino que estaba revestido de una importancia que
cualquier otra actividad diaria en la escuela no tenía. Al fin y al
cabo, sus redacciones iban a viajar a España, iban a contarles a sus
padres y a los españoles lo que ellos estaban viviendo. Esa
consciencia determinó profundamente su escritura, la hizo menos
espontánea y más disciplinada. Era, al fin y al cabo, el resultado de
una petición y no de la imaginación y naturalidad infantil. El
saber que aquellos papeles iban a ser vistos por sus padres y otras
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personas hizo que los niños y niñas se esmerasen en su letra,


evitaran tachones y borrones, pusieran especial cuidado en las
faltas de ortografía. Así, la pulcritud y corrección de los escritos
conservados evidencia no sólo que seguramente las redacciones
fueron pasadas a limpio una vez fueron terminadas, sino
igualmente cómo los pequeños evacuados, y tras ellos, en la
sombra, sus responsables, quisieron plasmar la mejor
representación de sí mismos, construir una imagen inmejorable de
su estancia en la URSS, de sus avances escolares y de la
generosidad del pueblo ruso para con ellos.
Esta magnífica presentación de los escritos es perceptible
en la perfecta compaginación que se observa en los documentos.
Los niños y niñas respetaron los márgenes de la hoja y los espacios
en blanco que separan las distintas partes en que se divide el
escrito; todos dispusieron la escritura de forma vertical y ordenada,
correspondiendo a cada asunto tratado un párrafo distinto;
muchos encabezaron la redacción con sus datos (nombre, apellidos
y clase), el lugar de redacción y la fecha (aunque en ocasiones éstos
elementos aparecen al final) y el título, lo que muestra cómo
fueron capaces de organizar la página, empleando incluso
tipografías distintas, subrayados y tamaños de letra diferentes para
resaltar las jerarquías textuales existentes (Figura 2).
Estas escrituras resultan ejemplares, además, por el
grado de perfección del trazado de las distintas letras. Los niños y
niñas mantuvieron en todo momento la línea base y un mismo
interlineado, aunque sin duda ayudados por la guía que el papel
pautado les ofreció (tanto si éste fue cuadriculado como rayado).
Emplearon, igualmente, el mismo módulo o tamaño a lo largo de
todo el escrito, otorgando así a la escritura proporción y equilibrio.
La escritura caligráfica y la inclinación sostenida concedieron a los
escritos cierta elegancia y contribuyeron a crear la sensación de
orden y limpieza, a construir esa presentación ideal tan
característica de los escritos escolares que se sabe serán en algún
momento expuestos o evaluados (Figura 3).

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Desde el punto de vista ortográfico es evidente que los


niños y niñas pusieron especial cuidado en no cometer faltas, a
pesar de que algunas se les escaparon, e incluso hay muchos que
acentuaron y puntuaron los textos. A pesar de ser una de las
características de la escritura infantil, incluso en aquellos niños y
niñas que ya poseen un cierto dominio y están familiarizados con
el escribir, no aparecen en las redacciones errores en la
segmentación de las palabras.46 Todo ello nos hace pensar en la
mirada vigilante de los maestros y maestras, tan preocupados como
los niños y niñas por la buena presentación de las redacciones. De
hecho, en algunas de ellas se pueden apreciar ciertas correcciones
que si bien pueden ser atribuidas a los propios autores y autoras en
el proceso de revisión textual, también pudieron deberse a la
intervención de los adultos que supervisaron la escritura:

46
Acerca de las características de la escritura infantil desde el punto de vista
lingüístico y psicológico remitimos, a modo de ejemplo, a los estudios de Julián
de Ajuriaguerra y otros, La escritura del niño. La evolución de la escritura y sus
dificultades, [1964] Barcelona, Laia 1980, 2 vols.; La costruzione del testo scritto
nei bambini, dirigido por Margherita Orsolini y Clotilde Pontecorvo, Florencia,
La Nuova Italia 1991; Ana Teberosky, Aprendiendo a escribir, Barcelona, ICE
Universitat de Barcelona y Editorial Horsori 1992; A concepção da escrita pela
criança, dirigido por Mary A. Kato, Campinas (Brasil), Pontes 1992; Maria
Bernadete Marques Abaurre, Raquel Salek Fiad y Maria Laura Trindade
Mayrink-Sabinson, Cenas de adquisição da escrita. O sujeito e o trabalho com o
texto, Campinas (Brasil), Mercado de Letras y Associação de Leitura do Brasil
(ALB) 1997; José Escoriza Nieto y Carmen Boj Barberán, Psicopedagogía de la
escritura, Barcelona, Ediciones de la Librería Universitaria 1997; Pilar Vieiro
Iglesias, Manuel Peralbo Uzquiano y Juan Antonio García Madruga, Procesos de
adquisición y producción de la lectoescritura, Madrid, Visor 1997; Emilia Ferreiro,
Clotilde Pontecorvo, Nadja Ribeiro Moreira e Isabel García Hidalgo, Caperucita
Roja aprende a escribir. Estudios psicolinguísticos comparativos en tres lenguas,
Barcelona, Gedisa 1998; Emilia Ferreiro y Ana Teberosky, Los sistemas de
escritura en el desarrollo del niño, [1979] Buenos Aires y México, Siglo XXI 2003;
Psicopedagogía de la lengua oral y de la lengua escrita, dirigido por María José del
Río Pérez y Ana Teberosky Coronado, Barcelona, Universitat Oberta de
Catalunya 2003 (ejemplar mimeografiado); y Reflexões sobre práticas escolares de
produção de texto. O sujeito-autor, dirigido por Gladys Rocha y Maria da Graça
Costa Val, Belo Horizonte (Brasil), Autêntica, CEALE, FaE y UFMG 2005.

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225

Durante mi estancia en la URUU [sustituidas las UU


finales por SS] una de las cosas que mas me ha
impresionado y me ha [añadida la h] emocionado mas
[tachada la repetición de mas] ha sido el XX aniversaria
[sustituida la a por una o] de la revolución rusa. Esta cosa
que tanto me impresionó fue el ver al camada
[originalmente había escrito caramada] Stalin, Borochilof,
Kalinin, Molotof, etc. delante del potentísimo ejército
rojo, hijos del pueblo soviético que defienden sus
fronteras para que ningun sabotedor a la clase obrera
pueda penetras [sustituida s por r] en la URU [cambiada
la U por SS].47
La primera impresión buena que en la URSS he tenido a
sido el cariñoso recibimiento que nos han hecho al llegar
a nuestra Segunda patria: ano [tachado ano al ser errónea
la segmentación] a nosotros desde el primer momerto
[corregida r por n] hasta la fecha nos han tratado cada vez
con más cariñoso [tachadas la s y la o sobrantes].48
Llegó el momento que teniamos que estudiar y vinimos
hacia Moscu y estuvimos unos cuantos dias sin ir a la
escuela, e hibamos [tachada la h] al parkue [corregida la k
por una q] Cultura en esos días que estuvimos sin escuela
[…].49

Dicha intervención de quienes al cargo de los niños y


niñas estaban puede también intuirse en el uso de ciertas fórmulas
y consignas ideológicas, así como en determinadas referencias a la
guerra de España y a los dirigentes comunistas. La presencia de la
propaganda inundó el mundo infantil e hizo que los niños y niñas
participaran activa o pasivamente en la contienda. La
participación pasiva se materializó en el empleo que se hizo de la

47
Redacción de José Arrarás. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S.
Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 5.
48
Redacción de Charito Bruno (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS,
P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 6.
49
Redacción de Carmela Primo. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S.
Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 11.

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226

imagen de la infancia con fines ideológicos. Carteles con niños y


niñas muertos, heridos, abandonados, tristes o hambrientos
llenaron las paredes, las páginas de la prensa y de los folletos,
fueron portada de revistas, protagonizaron tarjetas postales y sellos
benéficos. Las cámaras recogieron la desgracia de la infancia
española y los cines proyectaron en todo el mundo cómo el
enemigo (para cada cual el que fuera) maltrataba y se aprovechaba
de la infancia española. De entre las formas de la participación
activa la escritura infantil fue, sin duda, la más practicada. Los
escritos y dibujos de los niños y niñas españoles fueron utilizados
por parte de los dos bandos en liza para granjearse apoyos,
conseguir ayudas económicas o denunciar al contrario.50
Nosotros los niños Españoles fuimos evadidos de España
por causa del fascismo; nos trajeron al pais del
Socialismo en el cual nos acogieron con gran entusiasmo
[...].51

“La alegria que me a impresionado a sido el desfile de la


Plaza Roja ha sido en ver todas esas fuerzas que pasaron

50
El uso propagandístico de la infancia en la guerra ha sido estudiado, entre
otros, por Stéphane Audoin-Rouzeau, La guerre des enfants, 1914-1918, [1993]
París, Armand Colin 2004; y Antonio Gibelli, Il popolo bambino. Infanza e
nazione dalla Grande Guerra a Salò, Turín, Einaudi 2005. Para el caso español
pueden verse los trabajos de Juan Manuel Fernández Soria, Educación y cultura
en la Guerra Civil (1936-39), Valencia, Nau Llibres 1984; y Alejandro
Mayordomo y Juan Manuel Fernández Soria, Vencer y convencer. Educación y
política. España, 1936-1945, Valencia, Universidad de Valencia 1993. Con
respecto a la utilización de la cultura escrita infantil como arma propagandística
en la Guerra Civil española y al uso de la imagen de la infancia en la cartelística
bélica remitimos, a modo de ejemplo, a Tomás Pérez Delgado, La infancia en la
cartelística republicana de guerra, “Historia de la Educación. Revista
interuniversitaria”, nº 6, 1987, pp. 375-377; y A pesar de todo dibujan. La
Guerra Civil vista por los niños. Catálogo de la Exposición (Madrid, 20 de noviembre
de 2006 al 18 de enero de 2007), Madrid, Biblioteca Nacional de España y
Fundación Winterthur 2006.
51
Redacción de Carmela Primo, doc. cit.

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por delante de nosotros la emoción y la impresión que


nos a dado y nosotros nos estabamos diciendo.
¿Si esto estaria en España qué alegria nos iba a
causarnos?
La guerra ya estaria ganada por nuestros heroicos
combatientes”.52
Contando mi llegada a la Unión Soviética, tengo que
agregar nuestra acogida y recibimiento por los pioneros
que descansaban en Artek. Al entrar nuestro coche, todos
los pioneros que colocados a los lados de la caretera se
encontraban hasta los pabellones donde nos residieron,
nos acogian con gran entusiasmo y alegria tirandonos al
coche flores y gritando unas consignas que aunque no las
comprendiamos veiamos que nos lo decian con gran
satisfacción por ver que eramos los hijos del pueblo
español el que se libraba del fascismo para poder ser tan
felices como lo son ellos.53

La extensión de las redacciones oscila entre una (las más


breves) y tres páginas, aunque la media es de dos. Como hemos
advertido líneas arriba todas las redacciones fueron compuestas en
torno a dos temas que conformaron el esquema que guió las
mentes y manos infantiles: las impresiones al llegar a tierras
soviéticas y lo que más les gustó a los pequeños evacuados de su
nuevo país. Así, respetando dicho esquema de composición,
aunque no su orden, los alumnos y alumnas dividieron en dos
partes sus redacciones; división que muchos señalaron con
determinadas fórmulas de inicio y también gráficamente, al
emplear títulos distintos para cada una de las partes en cuestión o
simplemente al cambiar de página.
Descendiendo al contenido, las partes de las redacciones
en que se narraron la llegada y el recibimiento del pueblo ruso nos

52
Redacción de María Pardo. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S.
Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 7.
53
Redacción de Pilar Álvarez (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS,
P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 2.

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informan de la procedencia de sus autores y autoras. Aunque todos


asistían a la misma escuela y vivían en la misma Casa, no todos
llegaron en el mismo momento a Rusia. Algunos, como Amelia B.
de Quirós, formaron parte de la primera expedición oficial
organizada por el Ministerio de Instrucción Pública y compuesta
por un total de entre 72 y 88 niños y niñas, que salió de Valencia
a bordo del buque mercante Cabo de Palos el 21 de marzo de
1937 y llegó a Yalta (Ucrania) el día 28. Después de pasar el
verano en un balneario de un pueblo cercano, Artek (Crimea), a
orillas del Mar Negro, fueron trasladados a Moscú, donde
inauguraron la que sería la primera Casa de Niños Españoles en la
Unión Soviética. Otros, sin embargo, como Vicente Delgado,
pertenecieron a la segunda expedición, dirigida por el gobierno
vasco de Aguirre. Un total de 4.500 niños embarcaron en la
madrugada del 13 de junio de 1937 (pocos días antes de la caída
de Bilbao) en el puerto de Santurce rumbo al puerto de Pauillac
(Burdeos) en el famoso trasatlántico Habana, símbolo por
excelencia del exilio español,54 de los que alrededor de 3.000 se
quedaron en suelo francés o continuaron viaje a Inglaterra, en
función del destino correspondiente. Los 1.495 restantes, en su
mayoría vascos, llegaron a Leningrado a bordo del buque Sontay el
22 de junio de 1937.

Qué gran alegría esperimenté cuando pisamos por


primera vez tierra rusa el dia 30 de Marzo en el pueblo de
Yalta (Crimea) a nuestra yegada a Rusia. El dia era muy
hermoso tenia yo una gran satisfacción, la yegada nuestra
fue acogida con gran cariño de todos los camaradas rusos
fuimos recibido con la internacional que juntos la
cantamos rusos y españoles.

54
Según Emilio Calle y Ada Simón, el Habana, de entre todos los barcos del
exilio, fue el que mayor relación tuvo con las evacuaciones infantiles. Sobre el
mismo véase el capítulo que le dedican en su libro Los barcos del exilio, Madrid,
Oberón 2005, titulado “El primer llanto universal”, pp. 19-27.

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Una vez que bajamos del barco “Cabo Palos” yo


esperimenté un poco de tristeza por dejar el barco pues
era el único pedazo que puedo decir de tierra española que
teniamos.
Después de unas horas de viaje en auto yegamos al
campamento de Artek donde fuimos espléndidamente
recibidos por los pioneros rusos que ya nos esperaban
[…].55

Hemos dejado nuestra querida Patria, nuestro barco nos


va alejando de las tragedias de la guerra, y enfila su proa
hacia el país del proletariado.
Después de un viaje bastante penoso llegamos al puerto
de Leningrado, barcos, vaporcitos, y toda clase de
embarcaciones salieron a recibirnos, el pueblo soviético
nos aclama con gran entusiasmo, parece ser que esto es
una continuidad de nuestra España.
Es de noche cuando nuestro barco amarra al muelle,
grandes reflectores nos alumbran; todos los niños
estamos en la cubierta del buque, cantamos la
“Internacional”, todos los pioneros rusos nos acompañan
en este canto de todos los proletarios.
¡Qué emoción, ¡que alegría al pisar por primera vez tierra
soviética, vamos en línea por el muelle, a ambos lados la
muchedumbre nos aclama con entusiasmo, qué
satisfacción sentíamos al oir dar vivas a nuestra querida
España […].
Al finalizar la estación veraniega hemos dejado las
hermosas orillas del Mar Negro donde habíamos estado
descansando, y nos hemos trasladado a la capital
moscovita.56

Si bien, como hemos explicado, en la primera parte de


las redacciones los niños y niñas se centraron en recordar cómo

Redacción de Amelia B. de Quirós (5º grado). Moscú, 13 de enero de 1938.


55

AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 1.


56
Redacción de Vicente Delgado (6º grado). Moscú, 13 de enero de 1938.
AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 3.

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fue el recibimiento del que fueron objeto a su llegada a tierras


soviéticas, como reflejan los dos testimonios que acabamos de
citar; en la segunda contaron las visitas a distintos edificios de
Moscú y la asistencia a diferentes actos oficiales que disfrutaron
una vez que se encontraban ya en la capital, instalados en su
destino definitivo y a punto de comenzar el nuevo curso escolar.
Todos coincidieron en la enumeración de las actividades
realizadas, tales como el verano pasado en el campamento de
Artek o las visitas al Mausoleo de Lenin, al metro de Moscú, a un
aeródromo militar, al Gran Teatro, al Kremlin o al Museo de la
Revolución rusa, si bien unos destacaron unas y otros resaltaron
más otras, en función de sus gustos y sensibilidades personales.

[...] lo que más me gustó de sus posesiones es el hermoso


campamento de Artek situado a las orillas del mar negro
donde es completa la felicidad de los niños por sus fiestas
de hogeras, por el clima de verano y por el mar donde
hemos pasado ratos muy divertidos.57
[…] lo que mas me a yamado la atención entre todos los
monumentos de Moscu a sido la gran obra del Metro, el
metro es una cosa como yo nunca le he visto en mi vida,
sobre todo la estación Kiefskaya, hecha por las jubentudes
comunistas en un año y que es la mejor.58
La impresión que más me causó fue la visita a un campo
de aviación donde había aviones cuatrimotores capaces de
sembrar el terror solamente con verlos. Los monumentos
que más me gustaron fueron: una estatua de Lenin,
situada en ese mismo campo, señalando al cielo el gran
poder de la URSS.59
Otra gran impresión me causó la visita que hicimos al
Mausoleo de Lenin, cosa nunca vista por nosotros, en la

57
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
58
Redacción de Amelia B. de Quirós, doc. cit.
59
Redacción de José Fernández Sánchez (5º grado). Moscú, 13 de enero de
1938. AGCS, P. S, Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 9.

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cual vimos al camarada Lenin, tumbado dentro de una


caja de cristal, a cada lado del cadáver se encontraba un
soldado del Ejército Rojo con un fusil, al cuidado de el.60

Del mismo modo, los niños y niñas españoles recogieron


en las redacciones su participación en distintos actos, de entre los
cuales destacaron las fiestas en los palacios de los pioneros y,
fundamentalmente, la asistencia al gran desfile que cada 7 de
noviembre se celebraba en la Plaza Roja de Moscú para
conmemorar la Revolución rusa. El año en que se encontraban allí
los menores españoles fue especialmente festejado, puesto que se
celebraba el XX Aniversario: “hemos visto grandes fiestas en la
plaza roja -escribía Pilar Álvarez- pero la que más nos a gustado es
la del 7 de Noviembre fecha en que cumple los veinte años en que
este pais está gobernado por los obreros y campesinos”.61 Los
niños y niñas españoles quedaron impresionados ante la cantidad
de armamento, la disciplina de las tropas y la presencia de los
grandes líderes del país, como el propio Stalin o los camaradas
Vorochilov, Molotov o Kalinin.

Tambien me dio una gran impresión el XX aniversario de


la gran Revolución Rusa estuvimos en la Plaza Roja,
tanques, aviación, este gran desfile, del Ejército, estuvo
dirigido bajo el comando del mariscal del Ejército Rojo, el
camarada Borochilob, Buyonif y en la Presidencia se
encontraba el camarada Stalin, junto con los camaradas
Kalinin, Molotob y diferentes miembros del Gobierno
Soviético.62
En esta demostración vimos tanques aviación y el heroico
ejercito rojo que pose la Union Sovietica y al mando de
ellos los queridos camaradas Vorosibov y Bullodni

60
Redacción de Luis Aranaga. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S.
Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 4.
61
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
62
Redacción de Luis Aranaga, doc. cit.

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dandoles un emocionante saludo en su XX aniversario.


En la tribuna se encontraba el camarada Stalin y otros
miembros del gobierno.63

Las redacciones, además de su ejemplar presentación y


su esquema compositivo, tienen en común el empleo de un
lenguaje laudatorio con respecto al país que les acogió y a las
autoridades soviéticas que les libraron del peligro y los horrores de
la guerra. Los niños y niñas españoles hicieron referencia en sus
escritos a las comodidades y privilegios de que fueron objeto, así
como al cariño constante que recibieron: “nos cuidaron muy bien
-escribió Miguel Pascual acerca de los meses pasados en Artek-
como si fueramos sus mismos hijos teniamos todas clases de
diversiones y juegos y todo lo que nos hacia falta […], aqui en
Moscu nos han dado una casa que nos gusta mucho y es una de
las mejores de Moscu”.64 Ese trato tan cercano y la satisfacción de
saberse queridos y protegidos les ayudó a recuperarse de los
momentos difíciles vividos en España y les hizo sentirse como en
casa: “En fin -concluye su escrito Charito Bruno- a mi me parece
que tan rodeada estoy de cariño que me siento como en una
segunda patria”.65 Las descripciones de la llegada y el recibimiento,
al igual que las referidas a los monumentos y celebraciones más
emblemáticas de Rusia, aparecen así acompañadas de epítetos que
indican generosidad, grandiosidad, majestuosidad, felicidad y
abundancia. Todo ello posibilitó apartar la tristeza que desde la
salida y el abandono de sus hogares y sus familias teñía la vida
infantil y hacer olvidar, aunque nunca del todo, la guerra por la
que lo habían perdido todo:

63
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
64
Redacción de Miguel Pascual. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P. S.
Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 10.
65
Redacción de Charito Bruno, doc. cit.

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Esta es la primera y mejor impresión que nos produjo


este gran pueblo del proletariado Mundial -escribió Pilar
Álvarez al contar el recibimiento en Yalta- que fue la
preferida porque en aquellos momentos eramos
sumamente felices.66
Todas las demostraciones de cariño con que nos acogió el
pueblo soviético nos hizo olvidar, por el momento, todos
los sufrimientos que habíamos padecido en España.67
Nuestra llegada a Leningrado me impresionó tanto
porque después de venir agotados de España por la
metralla fascista fuimos recibidos con los brazos abiertos
y cariñosos saludos, buenas duchas, sanatorios de reposo
y buenas escuelas para estudiar.68

Las redacciones que los niños y niñas españoles


evacuados a la Unión Soviética escribieron aquella mañana del 13
de enero de 1938 para el inspector Ballesteros no debemos
concebirlas como producciones aisladas, pues forman parte de la
elaboración consciente de un discurso concreto. Aunque escritas
por los menores españoles, las opiniones, sensaciones e ideas de los
adultos están presentes, pues fueron ellos quienes mediatizaron
todo mensaje escrito. No había lugar para la neutralidad
ideológica, ni tan siquiera para la infancia. Dicho discurso, del que
los niños y niñas participaron sin remedio, tuvo su propia retórica
y sus propios intereses; respondió a unos fines específicos, que
fueron los de defender la legalidad republicana, acusar al fascismo
de sus crímenes (incluido el de provocar que la infancia española
tuviera que abandonar su país) y sacralizar al “país del proletariado
y del socialismo”, cuyo modelo había que imitar y venerar.
El lenguaje de la deuda estuvo siempre presente en esta
infancia exiliada que con el tiempo escribió sus recuerdos y contó

66
Redacción de Pilar Álvarez, doc. cit.
67
Redacción de Vicente Delgado, doc. cit.
68
Redacción de José Arrarás, doc. cit.

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sus experiencias. Las redacciones representan ese primer estadio de


génesis de dicho lenguaje, que con los años se fue perfilando y
consolidando. En ellas se recogieron esas primeras impresiones de
unos niños y niñas que vieron materializadas sus expectativas (o
las de sus mayores, lo que éstos les habían contado, les habían
prometido) en un país en el que fueron protagonistas y recibieron
todos los homenajes habidos y por haber. En tierras rusas se
cumplieron muchos de sus sueños e ilusiones; pero también se
hizo palpable la más cruda realidad: que ese cariño y esa bondad
del pueblo ruso que cambió su vida para siempre y que tantas cosas
les había dado cuando no tenían nada nunca les devolvería ni a sus
padres, ni a su España, ni a su infancia.

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Figura 1. Nota biográfica redactada por el maestro José Manuel Arregui Calle. [Pravda],
sin fecha. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 21, documento nº 11.

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Figura 2. Redacción de Amelia B. de Quirós (5º grado). Moscú, 13 de enero de


1938. AGCS, P. S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 1.

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Figura 3. Redacción de Luis Aranaga. Moscú, 13 de enero de 1938. AGCS, P.


S. Barcelona, caja 87, expediente 17, documento nº 4.

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María del Mar del Pozo Andrés es Profesora Titular de Teoría e


Historia de la Educación y Directora del Departamento de
Psicopedagogía y Educación Física de la Universidad de Alcalá.
Actualmente es Secretaria de la Sociedad Española de Historia de
la Educación (SEDHE) y miembro del Comité Ejecutivo de la
International Standing Conference for the History of Education
(ISCHE). Entre sus publicaciones más recientes pueden citarse los
libros Currículum e identidad nacional. Regeneracionismos,
nacionalismos y escuela pública (1890-1939) (2000), Teorías e
Instituciones Contemporáneas de Educación (2004, en colaboración)
y la introducción crítica y edición de las obras de Ángel Llorca,
Desde la escuela y para la escuela. Escritos pedagógicos y diarios
escolares (2008) y Comunidades Familiares de Educación. Un modelo
de renovación pedagógica en la Guerra Civil (2008). Dirección:
Universidad de Alcalá; Facultad de Documentación; Departamento
de Psicopedagogía y Educación Física; C/ San Cirilo, s/n; 28801,
Alcalá de Henares (Madrid); España. E-mail: sjaakmar@adv.es.
Verónica Sierra Blas es Doctora en Historia (2008) y trabaja
como profesora en la Facultad de Filosofía de la Facultad de
Filosofía y Letras de la Universidad de Alcalá. Es la coordinadora
de la revista internacional Cultura escrita & Sociedad, del Seminario
Interdisciplinar de Estudios sobre Cultura Escrita (SIECE) y de la
Red de Archivos e Investigadores de la Escritura Popular (RedAIEP).
Es autora, entre otros trabajos, de los libros Aprender a escribir
cartas. Los manuales epistolares en la España contemporánea (2003)
y Palabras huérfanas. Los niños y la Guerra Civil (2009). Dirección:
Universidad de Alcalá; Facultad de Filosofía y Letras;
Departamento de Historia I y Filosofía; Seminario Interdisciplinar
de Estudios sobre Cultura Escrita (SIECE); C/ Colegios, 2;
28801, Alcalá de Henares (Madrid); España. E-maila:
veronica.sierra@uah.es.

Data de recebimento: 22/01/2009


Data de aceite: 20/02/2009
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 187-238, Maio/Ago 2009.
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Resenha
.
FARIA FILHO, Luciano Mendes de (org.). Pensadores Sociais e
História da Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 311p.

Gisele Francisca da Silva Carvalho

Lançado em 2005 pela editora Autêntica, o livro


Pensadores Sociais e História da Educação foi organizado por
Luciano Mendes de Faria Filho, doutor em Educação e professor
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais. Através da ampliação de fontes, diversificação e novos
olhares sobre o objeto, o livro é apresentado como uma proposta
de se empreender modos renovados de apropriação dos clássicos
para a Historiografia Educacional Brasileira. Sua capa já traz as
primeiras imagens sobre os clássicos, apresentando as fotografias
num padrão envelhecido de oito dos quinze pensadores abordados
no livro, todos já falecidos. Conforme comenta Faria Filho na
apresentação do livro, nas últimas décadas não houve uma
renovação de autores de referência no que se refere às abordagens
teórico-metodológicas, e sim uma necessidade da historiografia em
fazer releituras das fontes primárias, possibilitando a elaboração de
novas abordagens de obras que embora possuam interpretações
consolidadas, não podem ser consideradas as únicas possíveis. A
obra de 311 páginas reúne 15 artigos escritos por autores
diferentes, cada um com a incumbência de escrever sobre a
contribuição de “seu clássico” à pesquisa em História da
Educação. Não foram incluídos, e nem explicados os motivos
dessa exclusão, os autores clássicos M. Weber, P, Ariès e P.
Bourdieu, embora a importância dos mesmos tenha sido destacada
por Faria Filho.
Por se tratar de um livro com 15 artigos sobre autores
diferentes optei em dividi-los em duas categorias que identifiquei
após a leitura. Mesmo que os autores estivessem movidos pelo
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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mesmo objetivo, o de trazer as contribuições dos clássicos para a


História da Educação, as abordagens dos textos foram
diferenciadas, sendo que alguns deles trouxeram um novo olhar
sobre aquele clássico, possuindo um diferencial bem destacado e
outros se ativeram em apresentar os principais conceitos de seu
clássico, pontuando as possibilidades de operacionalização dos
mesmos para a pesquisa em História da Educação. Nesse sentido,
esta resenha se inicia com os autores presentes na primeira
categoria: Marx, Freud, Durkheim, Bakhtin, Elias, Freyre e
Holanda, mais detalhadamente, e segue com os demais autores
pertencentes à segunda categoria: Gramsci, Benjamin, Vygotsky,
Arendt, Fernandes, Thompsom, De Certeau e Foucault. Embora
um tanto precária, essa categorização – passível de recolocações – é
fruto de uma tentativa minha de trazer para o leitor uma visão
global do livro e ao mesmo tempo oferecer algumas interpretações
mais específicos.
O primeiro artigo, Karl Marx: contribuições para a
investigação em História da Educação no século XXI, escrito por
Elomar Tambara, inicia a proposta apresentada por Faria Filho de
maneira categórica, no que diz respeito às novas interpretações dos
clássicos. Nele, as contribuições de Marx são apontadas como
inesgotáveis e passíveis de redescobertas. Tambara argumenta que
o pensamento marxista está presente nos paradigmas
epistemológicos pós Marx, mesmo que no final do século XX, em
alguns casos, tenha havido um decréscimo no uso de referenciais
teórico metodológicos marxistas e a própria marginalização desses
trabalhos. A partir dessas considerações o autor tece argumentos
defendendo que mesmo diante do quadro descrito atualmente
“percebe-se também, um ressurgimento desse paradigma em
diversos ambientes de pesquisa, mesmo que com outras matizes”
(Tambara, 2005, p. 11). Segundo Tambara a extrema
simplificação e reducionismo das categorias analíticas
desenvolvidas por Marx limitam o seu potencial explicativo,
problematiza as interpretações feitas sobre o papel da
infraestrutura e superestrutura em Marx. Além disso, afirma que a
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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questão do século XXI para o paradigma marxista é investigar


minuciosamente a potencialidade desse modelo de compreender o
papel dos indivíduos e da subjetividade na conformação dos
mesmos, sendo esse o ponto de endurecimento nas interpretações
marxistas. Nessa perspectiva, cita passagens escritas por Marx que
possibilitam uma nova interpretação sobre o papel do indivíduo no
pensamento do autor. O artigo é um convite à releitura de Marx
com um ponto de vista diferenciado, em busca de redescobrir o
conceito de subjetividade e indivíduo desenvolvido pelo autor
clássico.
O artigo Freud e a História da Educação: possíveis
aproximações, de Maria Madalena Silva de Assunção, é iniciado
por uma discussão sobre o porquê da presença da História da
Educação no currículo de Pedagogia e vai se direcionando para a
discussão sobre os novos olhares da História (a partir da Nova
História Cultural) em relação à Educação. Apesar de não haver na
obra de Freud não um tratado sobre a educação e nem prescrições
pedagógicas, a autora defende a idéia de que a Pedagogia- ciência
dos fins e dos meios da educação – pode extrair contribuições da
Psicanálise. De acordo com Assunção o posicionamento que
encontramos em Freud quanto à idéia de incompletude encontra-
se diretamente relacionado ao pensamento historiográfico, sendo
possível, em certa medida, que a nova perspectiva metodológica da
historiografia atual tenha recebido contribuições a partir das novas
formas de investigação apontadas por Freud. Além disso, assim
como a Psicanálise, a História se apropria do discurso do outro
para compreender questões sugeridas no presente, sendo a
memória uma categoria básica nesse processo. Enfim, a autora
aborda diversas questões no decorrer do texto, como o uso dos
conceitos psicanalíticos como utensílios decorativos, a mudança do
conceito de infância pós Freud e as repercussões no campo da
educação, propondo um novo olhar sobre as possíveis
contribuições da obra freudiana à educação.
O artigo sobre Durkheim, escrito por Bruno Bontempi
Jr., intitulado A presença visível e invisível de Durkheim na
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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historiografia da educação brasileira tem como eixo central a tese de


que existem dois tipos de presença da sociologia durkheimiana em
posição de transdiscursividade com os escritos contemporâneos,
mesmo naqueles autores que não a assumem: uma presença visível
e outra invisível. Na primeira Bontempi cita Fernando de
Azevedo, assumidamente durkheimiano e na segunda analisa obras
de autores com Bourdieu, Althusser, Establet, que apresentam em
suas obras vestígios do método de Durkheim, embora não
explicitem nos escritos tal influência. O artigo mostra claramente
que as rupturas de paradigmas não significam a eliminação dos
mesmos, havendo sim resquícios teóricos-metodológicos nos
escritos posteriores.
Mikhail Bakhtin: itinerário de formação, linguagem e
política escrito por Maria Rita de Almeida Toledo conta muito da
vida para falar da obra de Bakhtin, trazendo à tona dificuldades
vividas por ele, como a censura, problemas de saúde e o difícil
reconhecimento de seu trabalho. Para a autora as vicissitudes da
trajetória de vida e carreira de Bakhtin são importantes no
entendimento de como seus escritos circularam e foram
apropriados de forma peculiar. Toledo aborda quatro conceitos
bakhtinianos: linguagem, interação verbal, polifonia e dialogismo
(que consideram a língua como um produto da relação social e
portanto ideológica) sempre buscando citações do próprio autor
para explicitá-los. Permeado pela idéia de que a diversidade da obra
de Bakhtin está diretamente ligada às adversidades de sua vida,
este artigo nos mostra uma outra possibilidade de análise dos
clássicos que não desconsidera o elo entre vida e obra do autor.
No artigo Pensando com Elias as relações entre Sociologia
e História da Educação, de Cynthia Greive Veiga, a autora conta
um pouco sobre a vida de Elias, a dispersão de sua obra e
problemas de tradução. Expõe seus principais conceitos como
figuração, interdependência, equilíbrio de tensões, usados para
conferir inteligibilidade às dinâmicas da sociais dentro de um
princípio básico de inseparabilidade entre sociedade e indivíduo.
Em um ponto bastante interessante do artigo Greive aborda a
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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problemática sociológica apresentada por Elias à História no livro


A sociedade de Corte (2001): “como foi-se constituindo a
figuração de pessoas interdependentes que tornou possível se
deixarem governar em uma longa duração histórica por famílias
únicas” (Greive, 2005, p. 142-143), trazendo o conceito
fundamental de interdependência entre os indivíduos que estão em
constante relação com a sociedade, repleta de tensões e
contradições. Bem como sugere o título, o artigo propõe o diálogo
entre a História e a Sociologia utilizando uma base empírica
consistente com vistas a superar conceitos ainda fortes na
literatura, mas que segundo a autora pouco contribuem ao
entendimento do processo civilizatório, ponto central da obra de
Elias.
Fazer História da Educação com Gilberto Freyre: achegas
para pensar o aluno com os repertórios da Antropologia é uma
proposta de Marcos César de Freitas de vislumbramento da obra
de Freyre como um relicário de citações e imagens para se escrever
a História da Educação, principalmente quanto à análise de
pressupostos inaceitáveis, “que ainda estão na rua”. Entendendo a
antropologia de Freyre como fonte de pistas para se compreender
o aluno onde o anedótico e o mínimo detalhe podem revelar
indícios preciosos, o autor trabalha boa parte do artigo com o
conceito freyriano de rua e sua relação com o aluno e a escola,
exemplifica os modos de vida da infância e argumenta que o tempo
sempre sobrevive no âmago do outro tempo que chega através de
gestos, posturas, técnicas e sabores. Nessa perspectiva, a proposta
de Freitas é a de apresentar Gilbeto Freyre como uma espécie de
fonte primária para a História da Educação.
Em seu artigo, Thaís Nívia de Lima e Fonseca ao
escrever “Trilhando caminhos, buscando fronteiras: Sérgio Buarque
de Holanda e a História da Educação no Brasil” levanta algumas
sugestões de estudo em História da Educação retiradas das obras
de Holanda, como capacidade de adaptação dos portugueses ao
chegarem no Brasil, o preconceito contra o trabalho manual,
riqueza das situações criadas pelo intercruzamentos culturais na
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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América Portuguesa. Fonseca afirma suas considerações a partir


do pioneirismo da obra do autor que recusou-se a utilizar de forma
abstrata conceitos e categorias sem o cuidado de observar as
condições históricas concretas (práticas concentradas na teoria
marxista), tematizando os sujeitos anônimos da história,
semelhante à proposta dos Annales desenvolvida um bom tempo
depois. Além disso, coloca em debate o porquê da pouca relevância
dada a Holanda no campo da História da Educação e nos convida
a promover relações entre o pensamento do autor e a História da
Educação atual.
O primeiro artigo identificado na segunda categoria de
análise desta resenha foi escrito por Carlos Eduardo Vieira e é
intitulado Conhecimento Histórico e arte política no pensamento de
Antonio Gramsci. Vieira busca relações entre as idéias gramscianas
e a pesquisa histórica, investigando qual é o projeto intelectual
sugerido pelos textos do autor. Nessa perspectiva enfatiza o rigor
filológico na preocupação em restituir o sentido da palavra no seu
contexto histórico específico e a operação de ressignificação, sendo
a História para ele o lugar para se estudar o homem e sua cultura.
Conceitos como hegemonia, bloco histórico, intelectuais orgânicos
são apontados por Vieira como forte referência nos debates no
campo da historiografia.
No artigo Walter Benjamin: os limites da razão, Clarice
Nunes tem como objetivo investigar a motivação do autor na
busca de um novo conceito de razão. Aberto à Teologia, Benjamin
encontra movimentos de síntese entre dois mundos antagônicos:
razão e espiritualismo. Seu conceito de infância e de História são
diretamente ligados, uma vez que o pensamento benjaminiamo
recomenda que para assumirmos nossas responsabilidades
enquanto adultos devemos rememorar nossa infância, recuperando
tesouros e feras. Nunes, dando continuidade e novos rumos às
discussões, pergunta então se “seria possível uma educação que
ensinasse a reconhecer e a lutar contra a opressão? (...) Que
acolhesse generosamente os sonhos?” (Nunes, 2005, p. 94). A
autora finaliza caracterizando os educadores que se inspiram em
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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Benjamin como aqueles que “trabalham a partir da abundância de


ser e do limite de estar encarnado. Trabalham com nuanças.
Trabalham com o provisório” (p.97).
Vygotsky e a teoria sociohistórica, dos autores Maria
Cristina Soares Gouvêa e Carlos Henrique Gerken é um artigo
que trata a teoria sociohistórica como referência para a
conformação da psicologia contemporânea, sendo Vygotsky o
primeiro autor a explicar a formação histórica da mente. Os
autores buscam também analisar em que medida tal teoria pode
contribuir nas teorizações sobre os processos históricos na
produção de conhecimento. Para tanto tratam principalmente do
conceito vygotskyano de História em um diálogo com a
perspectiva marxista. Finalizam o artigo com algumas colocações
sobre as possibilidades de interlocução entre a teoria vygotskyana e
a História da Educação, detendo-se à História da Cultura Escolar.
Falando um pouco de amor, passado e presente, Viver a
vida e contá-la: Hannah Arendt, escrito por Eliana Marta Teixeira
Lopes, assume o postulado de Arendt de que para conhecermos o
homem temos que conhecer sua biografia contando um pouco da
vida pessoal de Arendt e trazendo conceitos como o de história e
vida, nascimento – numa perspectiva de que a educação começa
com o novo, ou seja, as crianças –, a relação entre ação e discurso
e a coragem como uma virtude política. É um artigo com
passagens quase poéticas, que tratam das subjetividades, tema
realmente carente de abordagens.
No artigo Florestan Fernandes, arquiteto da razão, de
Marcus Vinícius da Cunha, são confrontados autores que
analisaram a obra de F. Fernandes. Características e
acontecimentos como a base teórica durkheimiana, discussões
calorosas causadas pela obra, o estudo dos desafios da época,
desorganização de uma visão elitista e senhoril da sociedade estão
presentes em Fernandes. Em seu conceito de educação como
“libertadora da ignorância” há o questionamento ao fato de o
direito à educação ser transformado em privilégio e a atribuição de
sua organização destinada aos cientistas, conhecedores das
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.
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necessidades do país. É um artigo sobre um autor que dá margem


a muitas ponderações e ao mesmo tempo, suscita novas idéias.
Fazer História da Educação com E.P. Thompson:
trajetórias de um aprendizado pode ser realmente uma idéia
fecunda, no escrito de Luciano Mendes de Faria Filho. Thompson
é logo caracterizado no artigo como um autor pouco utilizado na
historiografia brasileira em uma perspectiva teórico metodológica.
O objetivo do artigo é trazer as dimensões em que as pesquisas do
próprio Luciano Mendes têm sido enriquecidas pelo aporte teórico
de Thompson, tratando das noções de experiência, identidade
coletiva e individual tomando a educação como algo construído
nas relações sociais, extrapolando os limites da escola: “segundo
Thompson, é na experiência que os sujeitos se constituem, sejam
estes sujeitos indivíduos ou classes sociais” p. (Faria Filho, 2005,
p.244). O conceito de lei também é tratado como ponto central
em Thompson uma vez que contribui para a formação das
identidades e para a formação do discurso sobre a educação. É de
fato uma abordagem abrangente no entendimento das práticas
educativas.
O artigo Michel De Certeau e a difícil arte de fazer história
das práticas, de Diana Gonçalves Vidal possui caráter exploratório
e conta com detalhes algumas passagens sobre e a vida e obra de
De Certeau, sendo esta última caracterizada como “o fazer das
práticas”. Na trajetória de De Certeau, as viagens serviram de base
de experiência e questionamentos das grandes teorias e do
funcionamento institucional da igreja, lembrado o fato de o autor
ter sido ordenado sacerdote em 1956. No final do artigo, Vidal
traça um esboço detalhado da repercussão e tradução das obras do
autor além das apropriações da mesma, tendo como fontes os
Anais Eletrônicos do I, II e III Congresso Brasileiro de História
da Educação.
O último artigo do livro e da segunda categoria proposta
nessa resenha, Paul-Michel Foucault – uma caixa de ferramentas
para a História da Educação, José Gonçalves Gondra define as
palavras de Foucault como fortes, inquietantes e difíceis,
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procurando refletir acerca da presença desse clássico na História da


Educação brasileira. Em sua primeira parte, o artigo aborda alguns
conceitos foucaultianos como arqueologia, poder, sua crítica à
modernidade e o próprio conceito de História, mãe das Ciências
Humanas, no qual recusa explicitamente noções clássicas como
origem, totalidade, causalidade, continuidade, causando polêmica
entre a comunidade intelectual francesa. Partindo para uma
análise da presença da obra de Foucault na História da Educação
brasileira Gondra empreende uma pesquisa usando como fonte
periódicos brasileiros – Revista Brasileira de História da Educação
e a Revista de História da Educação problematizando, na
conclusão do artigo, como tais apropriações estão sendo feitas.
Assim como o artigo que fala sobre De Certeau, é uma abordagem
bastante preocupada com as freqüências e formas de apropriação
dos clássicos.
Enfim, mais que conteúdo histórico, o livro Pensadores
Sociais e História da Educação traz importantes orientações
teóricas e metodológicas, como a necessidade da leitura de fontes
primárias de modo a empreendermos novas interpretações; de que
a negação dos clássicos não necessariamente traz benefícios à
literatura contemporânea e que nunca os paradigmas deixam de se
representarem uns nos outros pois se constroem na alteridade.
Quero retomar o último artigo do livro, que providencialmente
finaliza o livro com dois problemas metodológicos importantes já
que abrangem a pesquisa em História da Educação em geral: como
os clássicos estão sendo consumidos e “ a necessidade de se pensar
os critérios e motivos que terminam por promover a eleição de um
determinado autor na pesquisa em História da Educação”
(Gondra, 2005, p. 305) causando-nos a sensação de necessidade
de refletir sobre o rigor metodológico exigido em tal
empreendimento. Enumeradas algumas das contribuições trazidas
por este livro, fica a espera pela versão sobre os autores clássicos
ainda vivos.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.


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Gisele Francisca da Silva Carvalho é Mestranda do PPGE-


Mestrado em Educação da Universidade Federal de São João del-
Rei. E-mail: gi_francis@yahoo.com.br.

Data de recebimento: 22/01/2009


Data de aceite: 20/02/2009

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 241-250, Maio/Ago 2009.


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Documento
.
Reforma João Luiz Alves
(conhecida por Lei Rocha Vaz)
Decreto Nº 16.782 A – de 13 de Janeiro de 1925

Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário,


organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino
secundário e o superior e dá outras providências.

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil,


usando da autorização constante no art.4º da Lei nº 4.911 de 12
de janeiro de 1925 e da atribuição, que lhe confere o art. 48, nº I,
da Constituição Federal, decreta:

CAPÍTULO I
Do Departamento Nacional do Ensino
Art. 1º – Fica criado o Departamento Nacional do Ensino,
diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores.
Art. 2º – O Departamento terá a seu cargo os assuntos, que
se refiram ao ensino nos termos dêste regulamento, assim como o
estudo e a aplicação dos meios tendentes à difusão e ao progresso
das ciências, letras e artes no país.
Art. 3º – O Departamento terá um Diretor Geral, que será
também Presidente do Conselho Nacional do Ensino e poderá
exercer as funções de Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, se
fôr professor catedrático de curso de ensino superior e fôr
designado pelo Govêrno para tal fim.
§ 1º – O Diretor Geral será de livre escolha do Presidente
da República, entre pessoas de notável competência no ensino.
§ 2º – Ao Diretor Geral serão subordinados,
imediatamente, todos os diretores de institutos de ensino e reitores
de Universidades.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.


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§ 3º – O Diretor Geral será substituído nos seus


impedimentos pelo diretor de um dos institutos universitários,
designado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores.
§ 4º – O cargo de Diretor Geral é incompatível com o
exercício de qualquer função pública, federal, estadual ou
municipal.
Art. 4º – Os serviços a cargo do Departamento são
distribuídos por duas seções:
1ª) – a do expediente e contabilidade;
2ª) – a do ensino.
Art. 5º – O pessoal da Diretoria do Departamento é o
seguinte:
2 dactilógrafos 1 porteiro
1 cartógrafo 1 ajudante de porteiro
5 3ºs oficiais 1 contínuo
3 2ºs oficiais 1 correio
2 1ºs oficiais 3 servente
2 diretores de seção
§ 1º – A nomeação dos funcionários será feita na forma do
regulamento da Secretaria do Estado da Justiça e Negócios
Interiores, que será também aplicado quanto a demissões,
promoções, aposentadorias, penalidades e vantagens dos
funcionários.
§ 2º – Para êste efeito serão consolidados no regime interno
do Departamento os preceitos daquele regulamento, que forem
aplicáveis.
Art. 6º – Ao Diretor Geral do Departamento Nacional do
Ensino compete:
a) – dirigir todos os serviços do Departamento, despachando
os papéis de sua alçada e encaminhando ao Ministro da Justiça e
Negócios Interiores, devidamente autuados e informados, os
demais processos;
b) – presidir as sessões do Conselho Nacional do Ensino e
as das suas três seções;

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.


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c) – convocar extraordinariamente o Conselho Nacional do


Ensino e as suas seções;
d) – dar conhecimento ao Govêrno das resoluções do
Conselho e das suas seções;
e) – prover interinamente os cargos vagos de vice-diretor dos
institutos de ensino, bem como, nas mesmos condições, os do
magistério e da administração nos institutos de ensino secundário,
quando êstes estiverem sob direção interina;
f) – suspender, até noventa dias, os funcionários de
nomeação superior e propor ao Ministro da Justiça e Negócios
Interiores pena maior ou exoneração dos mesmos; e suspender ou
demitir os de sua nomeação;
g) – conceder licença, até trinta dias, aos funcionários do
Departamento;
h) – autorizar a lavratura de contratos para os
fornecimentos gerais ás repartições dependentes do Departamento,
e bem assim os que se referirem a fornecimentos especiais, obras
concêrtos e encomendas, observadas as disposições do
Regulamento Geral de Contabilidade;
i) – superintender os serviços administrativos de tôdas as
repartições dependentes;
j) – inspecionar o serviço a cargo do Departamento e dos
institutos ou repartições ao mesmo subordinados e determinar as
providências, que julgar necessárias;
l) – submeter ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores
os casos omissos neste decreto, providenciando na conformidade
das instruções a que se refere ao art. 280;
m) – propor e remover os inspetores, de acordo com as
conveniências do ensino;
n) – exercer as demais atribuições, que lhe são conferidas
neste regulamento e no regimento interno.
Art. 7º – A Seção do Expediente, que terá seu cargo o
arquivo e o serviço de portaria, além de receber e encaminhar
todos os papéis e de os submeter, depois de informados, ao
despacho do Diretor Geral, cabe:
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I – Organizar a correspondência oficial do Diretor Geral do


Departamento, lavrando os ofícios e outros atos relativos à
comunicação das deliberações tomadas pelas autoridades
superiores;
II – Preparar todo o expediente relativo a nomeações,
promoções, comissões, licenças, transferências, jubilações,
aposentadorias, suspensão e exoneração de funcionários;
III – Lavrar os têrmos de posse do pessoal do Departamento
e do que dêle dependa diretamente;
IV – Organizar o assentamento dos funcionários do
Departamento e dos institutos dêle dependentes, o Almanaque
respectivo e o Anuário do Departamento, contendo todos os seus
atos e decisões, bem como as do Govêrno, sôbre ensino e as do
Conselho Nacional do Ensino;
V – Escriturar em devida ordem o protocolo geral dos
papéis, que entrarem no Departamento;
VI – Preparar as exposições e relatórios, que tenham de ser
apresentados ao Govêrno e ao Conselho Nacional do Ensino;
VII – Preparar editais, declarações e outras publicações
oficiais do Departamento;
VIII – Prover à organização sistemática e direção do
Arquivo;
IX – Fiscalizar o serviço a cargo da portaria e o livro de
ponto da repartição;
X – Organizar, para ser apresentado ao Ministro da Justiça
e Negócios Interiores pelo Diretor Geral, o projeto de orçamento
das despesas anuais do Departamento, coma as respectivas tabelas
explicativas, a fim de ser incorporado à proposta de orçamento do
Ministério;
XI – Fazer a classificação de tôdas as despesas efetuadas e
autorizadas, segundo sua natureza, e escriturá-las
convenientemente;
XII – Fazer o exame e processo de tôdas as contas e fôlhas
de pagamento da repartição;

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.


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XIII – Arrecadar e escriturar as rendas do Departamento


depositando-as em um banco, de acôrdo com as instruções do
Diretor Geral, e levantando, mensalmente, um balancête
demonstrativo;
Parágrafo único – A Tesouraria do Colégio Pedro II,
anexada à seção de Expediente e Contabilidade do Departamento,
fica imediatamente subordinada a esta, por cujo intermédio do
Diretor Geral transmitirá suas ordens e instruções sôbre o serviço
a seu cargo.
Art. 8º – À Seção do Ensino cabe o estudo de todos os
assuntos peculiares aos estabelecimentos federais de ensino
superior e secundário e aos a êstes equiparados, às escolas e
estabelecimentos de ensino científico, literário, artístico e
profissional, subordinados ao Ministério da Justiça e Negócios
Interiores, subvencionados, mantidos, ou fiscalizados pela União e
aos institutos de ensino primário por esta subvencionados, assim
como a fiscalização dos estabelecimentos de ensino particular,
como fôr regulada.
Art. 9º – A Seção de Ensino terá a seu cargo a Biblioteca
do Departamento e o serviço de permutas internacionais de
publicações.
Art. 10º – A renda especial do Departamento continuará a
ser a renda atual do Conselho Superior do Ensino, constituída:
a) – pelo total das taxas estabelecidas para certidões de
exames prestados perante as juntas examinadoras, nomeadas para
os colégios e ginásios que as obtiverem;
b) – pelo produto das taxas estabelecidas para assinatura dos
diplomas conferidos pelos estabelecimentos, de ensino federais ou
equiparados;
c) – pelo produto das taxas estabelecidas para quaisquer
certidões passadas pelo Departamento;
d) – pela quota de 10% deduzida da contribuição anual dos
institutos de ensino equiparados;
e) – pela taxa estabelecida pela inscrição no registro de
professôres;
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f) – pelos donativos feitos ao Departamento e quaisquer


outras importâncias a êle destinadas e que terão a aplicação
estabelecida pelos doadores.
Art. 11º – A Seção do Ensino organizará a estatística do
ensino, compreendendo o ensino primário subvencionado, o
profissional, o artístico, o secundário e o superior, subordinados ao
Ministério da Justiça e Negócios Interiores, assim como os
estabelecimentos particulares de ensino primário, secundário e
superior.
CAPÍTULO II
Do Conselho Nacional do Ensino
Art. 12 – Fica suprimido o atual Conselho Superior do
Ensino e criado o Conselho Nacional do Ensino, ao qual
competirá discutir, propor e emitir opinião sôbre as questões que
forem submetidas à sua consideração sôbre ensino público, pelo
Gôverno, pelo Presidente do Conselho ou por qualquer dos seus
membros.
Parágrafo único – Servirá de secretário do Conselho o
diretor da Seção do Expediente do Departamento, que será
substituído, nos seus impedimentos, pelo Diretor da Seção do
Ensino.
Os funcionários do Departamento auxiliarão o secretário,
de acordo com as ordens do Diretor Geral.
Art. 13 – O Conselho Nacional do Ensino compõe-se de
três seções;
1º – Conselho do Ensino Secundário e do Superior;
2º – Conselho do Ensino Artístico;
3º – Conselho do Ensino Primário e do Profissional;
Art. 14 – O Conselho do Ensino Secundário e do Superior
compor-se-á:
a) – dos diretores das Faculdades da Universidade do Rio de
Janeiro, dos diretores das Faculdades de Medicina, e Farmácia e
de Odontologia da Bahia, de Direito de São Paulo e do Recife, da
Escola Nacional de Balas Artes, do Colégio Pedro II, das escolas
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.
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oficializadas desde que se subordinem ao regime criado por êste


regulamento, e de outros estabelecimentos de ensino secundário e
superior, que venham a ser subordinados ao Departamento
Nacional do Ensino;
b) – de um professor catedrático ou de um professor
privativo, de cada um dos referidos institutos, eleitos anualmente
pelas respectivas congregações;
c) – de um docente livre de cada um dos referidos institutos,
designado, anualmente, pelo Ministro da Justiça e Negócios
Interiores.
Art. 15 – O Conselho do Ensino Artístico compor-se-á:
a) – dos diretores do Instituto Nacional de Música, e de
outros estabelecimentos congêneres, que venham a ser
subordinados ao Departamento Nacional de Ensino;
b) – de dois professores efetivos de cada um dêsses
institutos, eleitos pelas respectivas congregações, anualmente;
c) – de um docente livre de cada um dos mesmos institutos,
designado anualmente pelo Ministro da Justiça e Negócios
Interiores.
Na falta de docentes livres serão designadas, pela mesma
forma, pessoas de reconhecida competência nas matérias sujeitas
ao exame do Conselho.
Art. 16 – O conselho do Ensino Primário e do Profissional
compor-se-á:
a) – dos diretores do Instituto Benjamin Constant e do
Instituto Nacional de Surdos-Mudos;
b) – de um professor efetivo de cada um dêsses institutos,
designado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, por um
ano;
c) – do diretor da Escola 15 de Novembro e de um
professor designado pela mesma forma;
d) – de um delegado de cada Estado, onde exista ensino
primário subvencionado pela União, designado pelo respectivo
Govêrno, por um ano.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.


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Parágrafo único – Mediante acôrdo com o Prefeito do


Distrito Federal, poderão fazer parte dêsse Conselho o Diretor da
Instrução Pública Municipal, um professor da Escola Normal do
Distrito Federal, um inspector escolar e um professor de instrução
primária, designados anualmente pelo Prefeito.
Art. 17 – Os estabelecimentos de ensino equiparados poder-
se-ão fazer representar por um delegado, em cada uma das seções
do Conselho Nacional do Ensino.
Parágrafo único – Êsse delegado será escolhido pelo
respectivo grupo de estabelecimentos de ensino equiparados,
mediante acôrdo entre êles.
Art. 18 – Poderão tomar parte como membros consultivos,
sem voto, nos trabalhos de cada uma das seções do Conselho
Nacional do Ensino, os diretores de estabelecimentos particulares
de ensino, que sejam para isso convidados, ou que requeiram, com
anuência da mesma seção do Conselho.
Art. 19 – O Conselho Nacional do Ensino organizará o seu
regimento interno, celebrará sessões plenárias, quando se tratar de
assuntos relativos ao ensino em geral ou quando para isso seja
convocado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores, ou pelo
diretor do Departamento Nacional do Ensino, por si ou a
requerimento de cinco membros do mesmo Conselho, deferido
pelo mesmo Diretor.
Art. 20 – Os Conselhos do Ensino Secundário e do Ensino
Superior reunir-se-ão em duas sessões ordinárias anuais, nas
épocas, que forem fixadas no seu regimento interno. Poderá ser
convocado extraordinariamente, quando o exija o interêsse do
ensino, pelo Diretor Geral, espontâneamente ou a requerimento
de três membros.
Art. 21 – Os Conselhos do Ensino Artístico e o Ensino
Primário e do Profissional reunir-se-ão ordinariamente uma vez
por ano, em época que fôr fixada nos respectivos regimentos
internos, e poderão ser convocados extraordinariamente, na forma
do artigo anterior.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.


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Art. 22 – Ao Conselho do Ensino Secundário e do


Superior compete:
a) – dar parecer, sôbre a equiparação de institutos de ensino
particulares ou dos Estados, aos oficiais;
b) – examinar os relatórios dos inspetores de ensino
secundário ou superior, exigir-lhes esclarecimentos e dar parecer
sôbre os mesmos relatórios;
c) – dar parecer sôbre os recursos, que sejam interpostos das
resoluções dos diretores e das congregações dos estabelecimentos
de ensino superior e secundário oficiais ou equiparados, quando
lhe sejam remetidos pelo Ministro da Justiça e Negócios
Interiores;
d) – propor a suspensão de um ou mais cursos, desde que o
exijam a ordem e disciplina do ensino secundário ou do superior;
e) – propor o fechamento temporário de um instituto de
ensino secundário ou superior, oficial ou equiparado, por motivo
de indisciplina ou calamidade pública;
f) – propor a suspensão ou cassação das regalias de
equiparação aos institutos de ensino secundário ou superior,
quando isso seja exigido pelos interêsses do ensino ou pela violação
dos regulamentos dêste;
g) – informar sôbre a conveniência da criação, supressão ou
transformação de cadeiras e modificação da seriação de matérias
dos cursos superior ou secundário;
h) – examinar o regimento interno de cada instituto e
propor as modificações convenientes aos interêsses do ensino e a
modificação dos pontos, que estejam em desacôrdo com os
preceitos legais vigentes;
i) – propor reformas e melhoramentos necessários ao ensino
e dar parecer sôbre dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação
das leis ao mesmo relativas;
j) – organizar o seu regimento interno.
Parágrafo único – O Conselho não poderá tomar
conhecimento de assunto algum estranho a suas atribuições, sob
qualquer forma.
História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 253-290, Maio/Ago 2009.
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Art. 23 – Ao Conselho do Ensino Artístico e ao do Ensino


Primário e do Profissional competem, no que fôr aplicável, as
atribuições constantes do artigo antecedente.

CAPÍTULO III
Do ensino primário
Art. 24 – O Govêrno da União, com o intuito de animar e
promovera difusão de ensino primário nos Estados, entrará em
acôrdo com êstes para o estabelecimento e manutenção de escolas
do referido ensino nos respectivos territórios.
Parágrafo único – Êstes acôrdos serão celebrados nos
limites das dotações consignadas pelo Congresso Nacional no
orçamento das despesas do Ministério da Justiça e Negócios
Interiores.
Art. 25 – Os acôrdos obedecerão às seguintes bases:
a) – a União obriga-se a pagar diretamente os vencimentos
dos professores primários, até o máximo de 2:400$ anuais, e os
Estados a fornecer-lhes casa para residência e escola, assim como o
necessário material escolar;
b) – as escolas subvencionadas serão de natureza rural;
c) – os Estados obrigar-se-ão a não reduzir o número de
escolas existentes no seu território ao tempo da celebração do
acôrdo, a aplicar 10%, no mínimo, de sua receita na instrução
primária e normal, a permitir que a União fiscalize o efetivo
funcionamento das escolas por ela subvencionadas, e a adotar
nessas escolas o programa organizado pela União;
d) – a forma das nomeações e as garantias e deveres dos
professôres serão previstos nos têrmos do acôrdo, tendo em vista a
legislação local e os princípios dêste regulamento em relação ao
professorado;
e) – os professôres serão tirados de entre os diplomados por
escolas normais reconhecidas oficialmente pelo Ministro da Justiça
e Negócios Interiores e, só na falta de diplomados que aceitem a

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nomeação, poderão ser nomeados não diplomados, mediante


exames de habilitação, que será regulado no acôrdo;
f) – a inspiração superior das escolas subvencionadas será
feita em cada Estado por um inspetor geral, nomeado pelo
Ministro da Justiça mediante proposta do Diretor Geral do
Departamento e remunerado pela União, com vencimentos nunca
superiores a 18:000$ anuais, considerado o cargo com simples
comissão;
g) – para cada município em que houver escola
subvencionada, o Diretor Geral do Departamento nomeará, sob
proposta do inspetor estadual, pessoa idônea para exercer o cargo
de inspetor municipal cujas funções serão gratuitas e consideradas
como de relevante serviço público;
h) – ao inspetor municipal incumbirá informar ao estadual
êste ao Conselho do Ensino Primário e do Profissional, por
intermédio do Departamento Nacional do Ensino, sôbre tôdas as
ocorrências, que interessem à regularidade do ensino nas escolas
subvencionadas; dar aos professôres o atestado mensal de
exercício, para o recebimento de vencimentos, e propor ao inspetor
estadual aplicação das penalidades previstas na legislação, ou no
têrmo de acôrdo.
Art. 26 – A criação e a situação de escolas subvencionadas
obedecerão às mais urgentes necessidades da população, tendo em
vista a estatística dos menores em idade escolar (8 A 11 anos de
idade).
Art. 27 – Poderão ser criadas escolas noturnas, do mesmo
caráter, para adultos, obedecendo às mesmas condições do art. 25.
CAPÍTULO IV
Do ensino profissional
Art. 28 – O ensino profissional, a cargo do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores, será ministrado:
I – No Instituto Benjamin Constant, para cegos; II – No
Instituto Nacional de Surdos-Mudos; III – Na Escola 15 de
Novembro, para menores abandonados do sexo masculino; IV –
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Nos estabelecimentos, que para o mesmo fim, forem criados ou


mandados subordinar ao Departamento Nacional do Ensino.
Art. 29 – Os estabelecimentos mencionados no artigo
antecedente continuarão regidos pelo regulamentos em vigor na
data da publicação dêste decreto, enquanto não forem aprovados
os regimentos definitivos.

CAPÍTULO V
Do ensino secundário
Art. 30 – O ensino secundário, oficialmente mantido nas
duas seções do Colégio Pedro II (internato e externato) será
ministrado na forma dêste regulamento.

CAPÍTULO VI
Do ensino artístico
Art. 31 – O ensino artístico superior será oficialmente
ministrado, na parte em que está a cargo do Ministério da Justiça
e Negócios Interiores:
I – Pela Escola Nacional de Belas Artes; II – Pelo Instituto
Nacional de Música; III – Pelos estabelecimentos congêneres, que
forem criados ou subordinados ao Departamento Nacional do
Ensino.
Art. 32 – Os institutos mencionados no artigo anterior
continuarão regidos pelos respectivos regulamentos, observando-se
o disposto no art. 29.
CAPÍTULO VII
Do ensino superior
Art. 33 – O ensino superior, a cargo do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores, compreende os cursos de direito, de
engenharia, de medicina, de farmácia e de odontologia.
Art. 34 – O ensino de direito será ministrado nas
Faculdades de Direito no Recife, de São Paulo e da Universidade
do Rio de Janeiro.

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Art. 35 – O ensino de Engenharia será oficialmente


ministrado na Escola Politécnica da Universidade do Rio de
Janeiro.
Art. 36 – O ensino de Medicina, de farmácia e de
odontologia será oficialmente ministrado nas Faculdades de
Medicina e nas de Farmácia e de Odontologia da Bahia e da
Universidade do Rio de Janeiro.
Art. 37 – Quando forem criados outros institutos oficiais
dos cursos referidos nos artigos anteriores, ficarão êles
subordinados aos preceitos dêste regulamento.

CAPÍTULO VIII
Da organização do ensino secundário e do superior

SEÇÃO PRIMEIRA
Do patrimônio dos estabelecimentos de ensino secundário e superior
Art. 38 – O patrimônio dos institutos de ensino superior, a
cargo do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, destinado à
sua manutenção, administrado pelos respectivos diretores, de
acôrdo com êste regulamento, é constituído:
a) – pelos edifícios em que funcionam os institutos,
pertencentes anteriormente à União;
b) – pelo material de ensino e biblioteca;
c) – pelas subvenções votadas pelo Congresso Nacional;
d) – pelas taxas constantes do art. 40, exceto as de exame, e
pelas de certidões, diplomas, e outras, que forem criadas por
propostas dos respectivos diretores, observadas as instruções do
Diretor Geral do Departamento, e aprovadas pelo Ministro da
Justiça e Negócios Interiores;
e) – pelas doações e legados feitos aos mesmos institutos;
f) – pelos saldos das subvenções anteriores, existentes no
Tesouro Nacional.
Art. 39 – Os institutos oficiais de ensino secundário e
superior têm personalidade jurídica para todos os efeitos.

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§ 1º – Não poderão, porém, comprometer a sua renda


presente ou futura, nem alienar bens, sem a permissão do
Ministro da Justiça e Negócios Interiores.
§ 2º – O patrimônio do Colégio Pedro II será administrado
pelo Diretor do Departamento Nacional do Ensino, por
intermédio da seção de Contabilidade.
Art. 40 – As taxas de matrícula, freqüência, exames e
outras serão as constantes da tabela anexa e só poderão ser
modificadas por proposta dos diretores dos estabelecimentos de
ensino, ouvindo o respectivo Conselho do Ensino, por ato do
Ministro da Justiça e Negócios Interiores.
Art. 41 – As taxas de matrícula e de freqüência, deduzidas
as despesas pagas pelo cofre escolar, de acôrdo com o respectivo
orçamento, constituirão patrimônio do instituto.

SEÇÃO SEGUNDA
Das associações de estudantes
Art. 42 – As associações de estudantes, para fins científicos,
literários ou de assistência escolar, serão reconhecidas
oficialmente, por proposta dos diretores dos estabelecimentos de
ensino, ouvidas as respectivas congregações, por ato do Ministro
da Justiça e Negócios Interiores, depois de adquirida personalidade
jurídica.
Parágrafo único – As referidas associações poderão receber
auxílios, que serão consignados nos orçamentos anuais da despesa
de cada estabelecimento. Êsses auxílios ficam dependentes da
fiscalização da respectiva aplicação e não poderão exceder de 5%
da renda da taxa de matrícula.

SEÇÃO TERCEIRA
Dos programas de ensino
Art. 43 – Os programas de ensino dos cursos secundários e
superior serão formulados pelos respectivos professôres catedráticos
e aprovados pelas Congregações.
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Art. 44 – Êsses programas deverão ser submetidos à


aprovação antes da abertura dos cursos de cada ano.
Art. 45 – Quando o catedrático não apresentar o seu
programa, a congregação poderá mandar adotar a do ano anterior
ou o de outro estabelecimento de ensino.
Art. 46 – Os programas deverão ser organizados de modo a
poder ser lecionada tôda a matéria do ano letivo e terão em vista,
sempre que for possível, as aplicações práticas da matéria ensinada.
SEÇÃO QUARTA
Do curso do ensino secundário
Art. 47 – O ensino secundário, como prolongamento do
ensino primário, para fornecer a cultura média geral do país,
compreenderá um conjunto de estudos com a duração de seis anos,
pela forma seguinte:
1º ano
1) – Português; 2) – Aritmética; 3) – Geografia Geral; 4) –
Inglês; 5) – Francês; 6) – Instrução Moral e Cívica; 7) –
Desenho.
2º ano
1) – Português; 2) – Aritmética; 3) – Geografia (corografia
do Brasil); 4) – História Universal; 5) – Francês; 6) – Inglês ou
Alemão; 7) – Latim; 8) – Desenho.
3º ano
1) – Português; 2) – História Universal; 3) – Francês; 4) –
Inglês ou Alemão; 5) – Latim; 6) – Álgebra; 7) – Desenho.
4º ano
1) – Português (gramática histórica); 2) – Latim; 3) –
Geografia e trigonometria; 4) – História do Brasil; 5) – Física; 6)
– Química; 7) – História do Natural; 8) – Desenho.

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5º ano
1) – Português (noções de literatura); 2) – Cosmografia; 3)
– Latim; 4) – Física; 5) – Química; 6) – História do Natural; 7)
– Filosofia; 8) – Desenho.
6º ano
1) – Literatura Brasileira; 2) – Literatura das Línguas
Latinas; 3) – Latim; 4) – Filosofia; 5) – Sociologia.
Art. 48 – O conjunto de estudos do curso secundário
integral compreende as matérias acima discriminadas, distribuídas
pelas seguintes cadeiras:
Português, até o terceiro ano – 2 cadeiras; Português, 4º e 5º
anos – 2 cadeiras; Francês – 2 cadeiras; Inglês – 2 cadeiras; Alemão
– 1 cadeira; Latim – 4 cadeiras; Matemática – 4 cadeiras; Geografia
– 2 cadeiras; História Universal – 2 cadeiras; História do Brasil – 2
cadeiras; Cosmografia – 1 cadeira; Instrução Moral e Cívica – 1
cadeira; Física – 2 cadeiras; Química – 2 cadeiras; História Natural
– 2 cadeiras; Filosofia – 2 cadeiras; Literatura Brasileira e das
Línguas Latinas – 2 cadeiras; Sociologia – 1 cadeira.
§ 1º – Haverá, em cada seção do Colégio Pedro II, dois
professôres de desenho e, no Internato, dois professôres de
ginástica.
§ 2º – O professor da cadeira de espanhol poderá ser
transferido para uma segunda cadeira de português, ficando então
extinta aquela cadeira e continuando facultativo o estudo do
italiano no 4º ano.
§ 3º – O estudo da filosofia será geral, embora sumário.
§ 4º – O ensino das línguas vivas será principalmente
prático.
§ 5º – O programa de ensino da instrução moral e cívica,
no curso secundário, constará de ampliação do ensino ministrado
no curso primário (art. 55, § 2º), acrescido de noções positivas
dos deveres do cidadão na família, na escola, na pátria e em tôdas
as manifestações do sentimento de solidariedade humana,
comemorações das grandes datas nacionais, dos grandes fatos da

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história pátria e universal, homenagens aos grandes vultos


representativos das nossas fases históricas e dos que influíram
decisivamente no processo humano.
§6º – No ensino de língua materna, da literatura, da
geografia e da história nacionais darão os professôres como temas
para trabalhos escritos, assuntos relativos ao Brasil, para
narrações, descrições e bibliografias dos grandes homens em todos
os ramos da atividade, selecionando, para os trabalhos orais, entre
as produções literárias de autores nacionais as que estiverem mais
ao alcance ou mais interessar possam aos alunos, para desenvolver-
lhes os sentimentos de patriotismo e de civismo.
Serão excluídas, por seleção cuidadosa, as produções, que,
pelo estilo ou doutrinamento incidentes, diminuam ou não
despertem os sentimentos construtivos dos carateres bem
formados.
§ 7º – A ginástica será praticada no Internato, sob a
direção dos professôres de que trata o § 1º, e de acôrdo com as
prescrições do regimento interno.
Art. 49 – Constituem séries as provas de conclusão de
estudos das matérias, nos diversos anos do curso, assim
discriminadas: no 1º ano, instrução moral e cívica; no 2º ano,
geografia e corografia do Brasil e aritmética; no 3º ano, francês,
inglês ou alemão, álgebra e história universal; no 4º ano,
geometria e trigonometria e história do Brasil, no 5º ano,
português, latim, cosmografia, física, química, história natural e
filosofia.
Art. 50 – Não será permitido acesso a um ano qualquer
sem aprovação nas matérias do ano anterior, quer nas que forem
de simples promoção de um ano para outro, quer nas que
constituírem provas de conclusão das diversas séries. Não será
facultado, em caso algum, prestar provas finais de mais de uma
série em cada ano.
Parágrafo único – A prova de francês no 3º ano, será
dependente da promoção em português, dêste mesmo ano para o
4º. A promoção e física e química, do 4º para o 5º ano, dependerá
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da aprovação final em geometria. A prova de filosofia subentende a


aprovação final nas outras matérias do 5º ano do curso.
Art. 51 – As matérias serão convenientemente ensinadas
mediante o número de horas, por semana, que fôr fixado no
regimento interno.
Art. 52 – Os exames serão de promoção e finais.
§ 1º – Os exames de promoção constarão: 1) – de provas
gráficas de desenhos nos 1º, 2º, 3º e 4º anos; 2) – de provas
escritas:
a) – de português, francês, inglês, geografia e aritmética, no
1º ano;
b) – de português, francês, latim, inglês ou alemão e
história universal, no 2º ano;
c) – de português e latim, no 3º ano;
d) – de português, latim, física, química e história natural,
no 4 ano.
O desenho no 5º ano, terá em vista a sua aplicação nos
cursos superiores, mas o respectivo exame será facultativo,
bastando para encerrar o seu curso a prova de freqüência no
mesmo.
§ 2º – Os exames finais constarão de provas escritas e oral
das matérias, que constituem as diversas séries, na forma
estabelecidas no art. 49 e também de prova prática em física,
química e história natural.
Art. 53 – As notas mensais e as dos exames de promoção
servirão, para prudente apreciação de aproveitamento dos alunos,
não podendo porém constituir critério único e obrigatório pra a
aprovação, que nos exames de produção, quer nos exames finais.
Art. 54 – O certificado de aprovação final no 5º ano do
curso secundário é condição indispensável para admissão a exame
vestibular para matrícula em qualquer curso superior, suprimidos
os exames parcelados de preparatórios.
§ 1º – Para os candidatos à matrícula da Escola Politécnica
haverá um curso de revisão e ampliação de matemática, de acôrdo
com as exigências do exame vestibular na referida Escola.
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§ 2º – Ao estudante, que fizer o curso do 6º ano e fôr


aprovado em tôdas as matérias, que o constituem, será conferido o
grau de bacharel em ciências e letras.
Art. 55 – O regimento interno prescreverá as condições
para matrícula no primeiro ano das duas seções do Colégio Pedro
II, fixando a idade mínima, que não poderá ser inferior a 10 anos.
§ 1º – O exame de admissão, obrigatório em todos os
cursos de ensino secundário, constará das seguintes disciplinas:
noções concretas, acentuadamente objetivas, de instrução moral e
cívica, de português, de cálculo aritmético, de morfologia
geométrica, de geografia e história pátrias, de ciências físicas e
naturais e desenho.
§ 2.° - O padrão do programa de instrução moral e cívica
para a admissão no 1º ano do curso secundário, será objetivo e
constará do ensino, sempre exemplificado com fatos, de noções de
civilidade, sociabilidade, solidariedade, trabalho, verdade, justiça,
equidade, amenidade no trato, gentileza, asseio e higiene, amor à
família e à pátria, altruísmo, etc.
§3.° - O programa de que tratam os parágrafos anteriores,
constará de modo preciso do regimento interno do Departamento
Nacional do Ensino.
Art. 56 - O professor Catedrático do Colégio Pedro II será
substituído, nos seus impedimentos, por um docente livre, e, na
falta dêste, por pessoa idônea, de preferência diplomado pelo
mesmo Colégio, nomeado pelo diretor e percebendo a parte de
vencimentos, que o efetivo perder.
Parágrafo único. O professor catedrático poderá, no caso de
desdobramento de turmas da respectiva disciplina, reger até duas
turmas suplementares das turmas efetivas próprias.

SEÇÃO QUINTA
Do Curso de Direito
Art. 57 - O curso de Direito será feito em cinco anos, pela
forma seguinte.

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1º ano
I -Direito Constitucional; II - Direito Romano; III -
Direito Civil, 1ª cadeira (Parte geral e Direito de Família).
2° ano
I - Direito Civil, 2ª cadeira (Direito de cousas e de
sucessões); II - Direito Comercial, 1ª cadeira (Parte geral,
sociedades e contratos); III - Direito Administrativo e Ciência da
Administração.
3.° ano
I - Direito Civil, 3ª cadeira (Direito de Obrigações); II -
Direito Comercial, 2ª cadeira (Concordatas, Falência, Direito
Marítimo); III - Direito Penal, 1ª cadeira (Estado analítico e
sistemático do Código Penal e leis modificativas).
4.° ano
I - Medicina Pública; II - Direito Penal, 2ª cadeira
(Processo Penal, Estatística e Regime Penitenciário); III - Direito
Judiciário Civil (Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial);
IV - Direito Privado Internacional.
5.° ano
I - Direito Público Internacional; II - Direito Penal Militar
e respectivo processo; III - Economia Política e Ciência das
Finanças; IV - Filosofia do Direito.
Art. 58 - Para o ensino das matérias do curso haverá as
seguintes cadeiras:
1) - Direito Constitucional; 2) - Direito Romano; 3) -
Direito Civil, 1ª cadeira; 4) - Direito Civil, 2ª cadeira; 5) - Direito
Civil, 3.a cadeira; 6) - Direito Administrativo e Ciência da
Administração; 7) - Direito Comercial, 1ª cadeira; 8) - Direito
Comercial, 2ª cadeira; 9) - Direito Penal, 2ª cadeira; 10) - Direito
Penal, 2.a cadeira; 11) - Direito Penal Militar; 12) - Medicina
Pública; 13) - Direito Público Internacional; 15) - Direito
Judiciário Civil (Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial);

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16) - Economia Política e Ciência das Finanças; 17) - Filosofia


do Direito.
Art. 59 - Ao estudante, aprovado em tôdas as matérias do
curso, será conferido o grau de bacharel em ciências jurídicas e
sociais.
Art. 60 - Ao bacharel em ciências jurídicas e sociais, que fôr
aprovado em defesa de tese, ou em concurso para professor
catedrático, ou docente livre, será conferido o título de doutor em
direito.
Parágrafo único. A defesa de tese será regulada no
regimento interno das Faculdades.
Art. 61 - Aos profissionais diplomados no estrangeiro, que
se queiram habilitar ao exercício da profissão no Brasil, será
permitido fazê-lo pela forma abaixo prescrita.
Art. 62 - Para a inscrição nos exames de habilitação, o
candidato deverá juntar atestados de aprovação nas cadeiras de
português, geografia do Brasil e história pátria, prestada no
Colégio Pedro II, nos ginásios equiparados, ou na forma prevista
neste regulamento, e o diploma que possuir, reconhecido no país,
que o expedir.
Art. 63 - As provas de habilitação versarão sôbre as
seguintes cadeiras do curso jurídico:
I - Direito Constitucional; II - Direito Civil; III - Direito
Comercial; IV - Direito Penal e respectivo processo; V - Direito
Internacional; VI - Teoria e prática do processo civil e comercial.
Parágrafo único. As provas serão escritas e orais, na forma
prescrita no regimento interno, sôbre pontos sorteados na ocasião,
dentre os de uma lista organizada pela Congregação.

SEÇÃO SEXTA
Dos Cursos de Medicina, Farmácia e Odontologia
Art. 64 - O ensino médico será feito em seis anos, pela
forma seguinte:

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1º ano
I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Biologia
Geral e Parasitologia; IV - Anatomia Humana.
2.° ano
I - Anatomia Humana; II - Química Orgânica e Biologia;
III - Histologia; IV - Fisiologia.
3.° ano
I - Fisiologia; II - Microbiologia; III - Farmacologia; IV -
Patologia Geral.
4.° ano
I - Clínica Médica Propedêutica; II - Patologia Médica; III
- Medicina Operatória; IV - Anatomia Patológica.
5.° ano
I - Clínica Médica; II - Patologia Cirúrgica; III - Clínica
Cirúrgica; IV - Higiene; VI - Terapêutica.
6.° ano
I - Obstetrícia; II - Clínica Pediátrica Médica e Higiene
Infantil; III - Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica; IV -
Clínica Obstétrica; V - Clínica Ginecológica; VI - Clínica
Neuriátrica; VII - Clínica Psiquiátrica; VIII - Clínica
Dermatológica e Sifiligráfica; IX - Clínica Oto-rino-
Laringológica; X - Clínica Oftalmol6gica; XI - Medicina tropical.
Art. 65 - O ensino médico se fará em três cursos:
I - Curso fundamental; II - Curso geral de aplicação; III -
Curso especializado de aplicação.
§ 1º - O 1º será feito nos três primeiros anos de curso, o
2.° nos dois seguintes e o 3.° no sexto.
§ 2.° - No curso fundamental as cadeiras básicas serão
lecionadas, sem que os professôres se limitem a um objetivo
utilitário dominante, devendo organizar o ensino de modo a dar
conhecimento de um quadro geral da matéria, com o fim de criar,
em seus alunos, um espírito justo, preciso e científico.

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§ 3.° - No curso geral e no. especializado os professôres


deverão lecionar, tendo em vista as necessidades profissionais,
sendo obrigatórios os trabalhos práticos.
Art. 66 - O curso médico na Faculdade do Rio de Janeiro
compreenderá as seguintes cadeiras:
I – Física; II - Química Geral e Mineral; III - Biologia
Geral e Parasitologia; IV - Química Orgânica e Biológica; V -
Anatomia; VI - Histologia; VII - Fisiologia; VIII -
Microbiologia; IX - Farmacologia; X - Patologia Geral; XI -
Patologia Médica; XII - Clínica Médica Propedêutica; XIII -
Anatomia Patológica; XIV - Medicina Operaria; XV - Patologia
Cirúrgica; XVI - Clínica Cirúrgica (1ª cadeira); XVII - clinica
Cirúrgica (2ª cadeira); XVIII - Clinica Cirúrgica (3ª cadeira); XIX
- Clínica Médica XX - Medicina Legal; XXI - Clínica Médica (1ª
cadeira); XXII - Clínica Médica (2ª cadeira); XXIII - Clínica
Médica (3ª cadeira); XXIV - Clínica Médica (4ª cadeira); XXV -
Terapêutica; XXVI - Obstetrícia; XXVIII - Clínica Ginecológica;
XXIX - Clínica Neuriátrica; XXX - Clínica Psiquiátrica; XXX -
Clínica Psiquiátrica; XXXI - Clínica Pediátrica Médica e Higiene
Infantil; XXXII - Clínica Cirúrgica Infantil e Ortopédica;
XXXIII - Clínica Dermatológica e Sifiligráfica; XXXIV - Clínica
Oto-rino-laringológica; XXXV - Clínica Oftalmológica; XXXVI -
Medicina tropical (art. 71).
Parágrafo único - Na Faculdade de Medicina da Bahia, as
atuais 3ª e 4ª cadeiras de clínica médica serão transformadas nas
novas cadeiras de clínica médica propedêutica e de patologia,
mantidas as demais cadeiras mencionadas neste artigo.
Art. 67 - O ensino da física, assim como o da química geral
e mineral, deve ser feito de modo a dar um quadro do estado atual
dessas ciências, de acôrdo com a capacidade dos alunos e
independente do ponto de vista utilitário.
Art. 68 - No curso especializado, só as cadeiras de
obstetrícia e clínica obstétrica serão lecionadas em dois períodos;
as demais o serão em um período, e de tôdas é obrigatório o
exame.
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Art. 69 - O curso de patologia médica será feito de acôrdo


com o de clínica médica propedêutica, na forma prevista, no
regimento interno.
Art. 70 - Logo que seja instalado o hospital de clínicas, o
Diretor da Faculdade designará o professor catedrático, que, sob a
sua superintendência, deve dirigí-lo.
§ 1º - Prestarão auxílio ao ensino das clínicas da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro os hospitais mantidos pela União e
os. das fundações.
§ 2.° - Para êste efeito, o Diretor da Faculdade de Medicina
promoverá junto da administração dos referidos hospitais os
entendimentos necessários para execução eficiente do disposto no
parágrafo anterior, podendo solicitar do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores, por intermédio do Diretor Geral do
Departamento, as providências, que lhe parecerem convenientes.
§ 3.° - No entendimento a que se refere o parágrafo
anterior serão sempre respeitadas a autonomia administrativa, a
disciplina e a ação dos médicos dos mesmos hospitais.
Art. 71 - Fica criada nas Faculdades de Medicina a cadeira
de medicina tropical, destinada ao ensino das moléstias
denominadas tropicais e, especialmente, das que mais interessam à
nosologia do nosso país.
Parágrafo único. Além dos hospitais a que se refere o art.
70, § 1º, prestarão seu concurso ao ensino de medicina tropical os
institutos oficiais, por seus laboratórios, hospitais e filiais, e os
institutos das Faculdades de Medicina e os dos referidos institutos
e aprovado pelo Ministro da Justiça e Negócios Interiores.
Art. 72 - O programa de medicina tropical compreenderá as
seguintes partes:
a) - etiologia, patologia, patogenia, e epidemiologia das
doenças tropicais;
b) - clinica das doenças tropicais;
c) - anatomia patológica das doenças tropicais.
Art. 73 - A cadeira terá os mesmos auxiliares de ensino,
que as demais cadeiras de clínica.
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277

Art. 74 - Êstes auxiliares poderão ser escolhidos entre os


técnicos dos institutos a que se refere o art. 71, parágrafo único.
Art. 75 - Os auxiliares designados para o curso, na forma
do artigo anterior, terão uma gratificação pró-labore, arbitrada
pelo Diretor da Faculdade e aprovada pelo Ministro da Justiça e
Negócios Interiores.
Art. 76 - O curso terá caráter puramente experimental e de
aplicação.
Art. 77 - Os exames de medicina tropical serão de acôrdo
com a seriação das matérias do curso médico.
Art. 78 - Os exames serão nas mesmas épocas dos demais
exames, observado o disposto no artigo anterior.
Art. 79 - Haverá, como nas demais cadeiras, segunda época
de exames, para os alunos, que na primeira forem reprovados ou
que, por motivo justificado, não tenham podido nela prestar
exames.
Art. 80 - Fica criado, anexo à Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, o Curso Especial de Higiene e Saúde Pública,
visando o aperfeiçoamento técnico dos médicos, que se destinem
ao desempenho de funções sanitárias.
Parágrafo único Êste curso, que será dirigido pelo Diretor
do Instituto Oswaldo Cruz, constituirá uma especialização do
ensino médico e será professorado pelos técnicos do referido
Instituto, anualmente designado pelo Diretor.
Art. 81 - O curso será constituído pelas seguintes cadeiras:
I - Epidemiologia e profilaxia gerais. Organização dos
serviços de profilaxia especial;
II - Biometria e estatística aplicada à higiene;
II - Biometria e estatística aplicada à higiene;
IV - Saneamento urbano e rural;
V - Higiene pré-natal, higiene infantil e higiene escolar;
VI - Administração sanitária. Legislação sanitária nacional
e comparada.
Art. 82 - Para a matricula neste curso serão exigidos:

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a) - o título ou diploma de médico por uma das Faculdades


de Medicina oficiais ou equiparadas;
b) - atestado de aprovação no curso de microbiologia do
Instituto Oswaldo Cruz, ou exame vestibular das matérias
ensinadas nesse curso.
Art. 83 - As matérias do curso serão lecionadas num
período de 12 mêses e distribuídas de acôrdo com as conveniências
do ensino.
Art. 84 - Os exames dêsse curso serão prestados perante
uma comissão examinadora de três membros, designado pelo
Diretor do Instituto, com a fiscalização· do Diretor da Faculdade,
a cuja aprovação serão submetidos os respectivos resultados.
Art. 85 - A aprovação final nos exames do curso dá direito
ao diploma de higienista, assinado pelo Diretor da Faculdade de
Medicina e pelo do Instituto Oswaldo Cruz.
Art. 86 - Os higienistas diplomados nos têrmos do artigo
anterior, terão direito à nomeação, independente de qualquer
concurso, para os cargos federais de médicos, que tenham de
exercer funções de higiene pública, com precedência absoluta sôbre
quaisquer outros candidatos.
Art. 87 _. Quando houver conveniência, o Diretor do
Instituto poderá solicitar do Diretor da Faculdade o concurso de
professôres desta, para a realização de partes do curso de higiene,
podendo igualmente, mediante aprovação do Ministro da Justiça e
Negócios Interiores, contratar profissionais de competência
especializada para o mesmo fim.
Art. 88 - Os técnicos do Instituto, que desempenharem
funções de ensino, os professôres designados e os auxiliares de
ensino do curso terão gratificação pro labore, arbitrada pelo
Diretor do Instituto, de acôrdo com o Diretor da Faculdade de
Medicina e aprovada pelo Ministro da Justiça e Negócios
Interiores.
Art. 89 - O programa do curso será formulado anualmente
pelo Diretor do Instituto e submetido à aprovação do Diretor da
Faculdade.
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Art. 90 - Para estudo e realização de trabalhos práticos dos


alunos do curso, guiado, pelos respectivos professôres, será
facultada a visita aos estabelecimentos federais cuja ação possa
interessar ao ensino.
Art. 91 - O Governo poderá aceitar o concurso de
quaisquer fundações científica ou humanitárias, para o maior
desenvolvimento e aperfeiçoamento do curso de higiene e saúde
pública.
Art. 92 - Fica criado, anexo à Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, o Instituto Anatômico, cuja instalação o Govêrno
promoverá logo, que fôr oportuno, atendendo ao plano de
organização das instalações da Faculdade de Medicina, podendo
aceitar para êsse fim o concurso de quaisquer fundações, que se
destinem a fins científicos ou humanitários, nos têrmos que forem
combinados.
Art. 93 - O Instituto tem por fim não só ministrar o
ensino da anatomia normal e patológica, de medicina legal e da
medicina operatória, como também constituir um centro de
pesquisas originais.
Art. 94 - O Instituto Anatômico terá cinco departamentos,
chefiados pelos professôres catedráticos de anatomia humana, de
histologia, de anatomia patológica, de medicina legal e medicina
operatória.
Parágrafo único - Êstes departamentos serão subdividos em
duas seções, uma de ensino e outra de pesquisas originais, e serão
assim discriminados:
I - Departamento de anatomia normal:
a) - seção de anatomia humana;
b) - seção de anatomia comparada.
II - Departamento de histologia e anatomia microscópica:
III - Departamento de anatomia patológica;
IV - Departamento de medicina legal;
V - Departamento de medicina operatória.
Art. 95 - No Instituto Anatômico será organizado um
museu destinado ao ensino da Faculdade.
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Art. 96 - O Diretor do Instituto será designado pelo


Diretor da Faculdade de Medicina de entre cinco prefessôres das
cadeiras, que nêle funcionam.
Art 97 - As necrópsias de todos os. hospitais do Govêrno,
dos hospitais das fundações, dos hospitais particulares
subvencionados e do serviço de verificação de óbitos serão
realizadas no Instituto Anatômico, quando requisitados os
cadáveres pelo Diretor da Faculdade.
Art. 98 - O Institui Médico Legal prestará ao Instituto
Anatômico os auxílios, sem prejuízo dos respectivos serviços.
Art. 99.-- O Instituto Anatômico terá um regimento
interno, organizado pelo Diretor da Faculdade e pelos catedráticos
que dêle fazem parte.
Art. 100 - Quando julgar oportuno, o Govêrno promoverá
a instalação do Instituto de Radiologia e de Eletrologia, dirigido
por profissional de reconhecida competência, anexo à Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro e diretamente subordinado ao
Diretor da Faculdade.
Parágrafo único. - O Diretor dêsse Instituto será professor
privativo, dependendo a nomeação de concurso.
Art. 101 - O Instituto terá as seguintes seções:
I - Roentgendiagnóstico e eletrodiagnóstico;
II - Roentgenterapia;
III - Radiumterapia;
IV - Eletroterapia;
V - Mecanoterapia;
VI - Fototerapia.
Parágrafo único - Haverá dois assistentes para as matérias
do nº I e um para as dos n.º II a V, os quais serão docentes-livres;
para as do nº I, das cadeiras de clínica, e para as demais seções, da
cadeira de terapêutica.
Art. 102 - Para os alunos do 4.° ano e do 5.°, do curso
médico, haverá, de cada uma das seções do Instituto, um curso
dirigido pelo chefe do mesmo Instituto, de acôrdo com programas
organizados com audiência dos professôres catedráticos de clínica
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médica propedêutica, de clínica médica, de clínica cirúrgica, de


clínica dermatológica e de terapêutica.
Art. 103 - Ao aluno, que concluir os seis anos de curso,
será conferido o título de médico, e aos que fizerem defesa de tese,
que é facultativa, será conferido o grau de doutor em medicina,
título que será também conferido aos médicos aprovados em
concurso para professor catedrático ou docente livre.
Parágrafo único - O regimento interno prescreverá as regras
para defesa de tese.
Art. 104 - Para o exercício da profissão médico-cirúrgica no
Brasil, os profissionais diplomados no estrangeiro poderão
habilitar-se pela forma abaixo prescrita.
Art. 105 - Ao pedido de inscrição para os exames de
habilitação, o pretendente deverá juntar o diploma, que possuir,
reconhecido no país onde foi expedido, e atestado de aprovação nas
cadeiras de português, geografia do Brasil e história do Brasil,
prestado no Colégio Pedro II, nos ginásios equiparados, ou na
forma prevista neste regulamento_
Art. 106 - As provas de habilitação versarão sôbre as
cadeiras seguintes do curso médico:
I - Anatomia' Humana; II - Histologia; III - Fisiologia; IV
- Microbiologia; V - Higiene e Medicina Legal; VI - Patologia
Geral; VII - Medicina Operatória; VIII - Anatomia Patológica;
IX - Clínica Médica; X - Clínica Pediátrica Medicina e Higiene
Infantil; XI - Clínica Cirúrgica de adultos e infantil; XII Clínica
Obstétrica; XIII - Clínica Ginecológica; XIV - Clínica
Dermatólogica e Sifiligráfica; XVI - Clínica Psiquiátrica; XVII -
Clínica Oftalmológica; XVIII - Clínica Oto-rino-laringológica;
XIX - Terapêutica; XX - Medicina Tropical.
Art. 107 - Os exames de habilitação versarão sôbre cada
uma das matérias mencionadas no artigo anterior e constarão de
provas escritas, oral e prática.
Parágrafo único. A inabilitação em uma das matérias
impedirá a continuação dos exames na mesma época, das matérias

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seguintes, os quais só poderão ser feitas depois da aprovação na


matéria em que tiver sido inabilitado o candidato.
Art. 108 - Para os efeitos do concurso para professor
catedrático e docente livre das cadeiras de clínica propedêutica, de
clínica médica e de patologia médica, serão elas consideradas como
uma só matéria; a mesma disposição se aplica às cadeiras de
patologia cirúrgica e clínica cirúrgica e às de obstetrícia e clínica
obstétrica.
Art. 109 - Fica transformado em Faculdade de Farmácia,
anexa à Faculdade de Medicina, o atual Curso da Farmácia, tendo
como diretor o da Faculdade de Medicina como atualmente.
Art. 110 - O curso de farmácia será feito em quatro anos,
pela forma seguinte:
1.º ano
I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Botânica
Geral e Sistemática aplicada à farmácia.
2.° ano
I - Química Orgânica e Biológica: II - Zoologia Geral e
Parasitologia; III - Farmácia Galênica.
3.° ano
I - Microbiologia; II - Química Analítica; III -
Farmacologia.
4.º ano
I - Biologia Geral e Fisiologia; II - Química Toxicologica e
Bromatológica; III - Higiene e Legislação Farmacêutica; IV -
Farmácia Química.
Art. 111 - O curso compreenderá as seguintes cadeiras:
I - Física; II - Química Geral e Mineral; III - Botânica
Geral e Sistemática aplicada à farmácia; IV - Química Orgânica e
Biologia; V - Zoologia Geral e Parasitologia; VI - Farmácia
Galênica; VII - Microbiologia; VIII - Química Analítica; IX
Farmacognosia; X - Farmácia Química; XI - Biologia Geral e

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Fisiologia; XII - Química Toxicológica e Bromatológica; XIII -


Higiene e Legislação Farmacêutica.
Art. 112 - Ao aluno, que concluir os quatro anos do curso,
será conferido o título de farmacêutico.
Art. 113 - Em cada uma das cadeiras privativas do curso de
farmácia haverá um assistente, que deverá ser um docente livre,
quando o houver.
Parágrafo único. Os assistentes das mesmas cadeiras do
curso médico terão preferência na escolha para assistente de
farmácia.
Art. 114 - Os professôres da Faculdade de Farmácia
reunir-se-ão em Congregação, de acôrdo com o respectivo
regimento interno, para deliberar sôbre o que se referir ao ensino
farmacêutico, observadas as prescrições dêste regulamento.
Art. 115 - As matérias privativas do curso de farmácia serão
leciona das por farmacêuticos.
Art. 116 - São cadeiras privativas do curso de farmácia as
de farmácia galênica, famacognosia, farmácia química, química
analítica e química toxicológica e bromatológica.
Art. 117 – Terão o título de professôres privativos os
professôres destas cadeiras cujas vagas serão preenchidas por
concurso, que constará de uma defesa de tese sôbre assunto
escolhido pelo candidato, de uma prova prática e de uma prova
oral, e será regulado no regimento interno, observadas as
disposições dêste regulamento.
Art. 118 – as outras cadeiras do curso de farmácia serão
lecionadas de preferência pelos professôres catedráticos da
Faculdade de Medicina, especialistas nas matérias, e, no caso de
recusa dêstes, pelos docentes-livres das respectivas cadeiras, desde
que não haja substitutos das mesmas.
Parágrafo único. Pelo exercício destas funções terão uma
gratificação especial.
Art. 119 – Fica transformado em Faculdade de
Odontologia, anexa à Faculdade de Medicina, o atual Curso de
odontologia.
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Art. 120 – O curso de odontologia será feito em três anos,


pela forma seguinte:
1° ano
I – Anatomia em geral e especialmente de boca; II –
Histologia e noções de microbiologia; III – Fisiologia; IV –
Metalurgia e química aplicada.
2° ano
I – Patologia geral e anatomia patológica, especialmente de
boca; II – Técnica odontológica; III – Prótese (1ª parte); IV –
Patologia e clínica odontológica.
3° ano
I – Clínica odontológica; II – Ortodontia e prótese dos
maxilares; III – Higiene, especialmente da boca; IV –
Terapêutica.
Art. 122 – O curso compreenderá as seguintes cadeiras;
I – Anatomia em geral e especialmente da boca; II –
Histologia; III – Fisiologia; IV – Noções gerais de patologia,
microbiologia e anatomia patológica; V – Terapêutica; V –
Terapêutica e arte de formular; VI – Técnica odontológica; VII –
Próteses; VIII – Patologia da boca e clinica odontológica; IX –
Metalurgia e química aplicada; X – Ortodontia e prótese dos
maxilares; XI – Higiene, especialmente da boca; XII –
Terapêutica.
Art. 123 – Ao aluno, que concluir os três anos do curso de
odontologia, será dado o título de cirurgião dentista.
Art. 124 – Em cada uma das cadeiras privativas do curso de
odontologia haverá assistentes, que serão cirurgiões dentistas, em
número de dois para a cadeira de clínica odontológica e de um
para as demais.
Art. 125 – Os professôres da Faculdade de Odontologia
reunir-se-ão em Congregação, de acordo com o respectivo
regimento interno, para resolver tudo o que se referir ao ensino
odontológico, observadas as prescrições deste regulamento.
Art. 126 – As matérias privativas do curso de odontologia
serão lecionadas por cirurgiões dentistas.
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Art. 127 – São cadeiras privativas do curso de odontologia


as de metalurgia e química aplicadas, técnica odontológica,
patologia e clínica odontológica, prótese, e ortodontia e prótese
dos maxilares.
Art. 128 – Terão o título de professôres privativos os destas
cadeiras, cujas vagas serão preenchidas por concurso, que constará
de uma defesa de tese sôbre assunto escolhido pelo candidato, de
uma prova prática e de uma prova oral, e será regulado o
respectivo regimento interno, observadas as disposições deste
regulamento.
Art. 129 – As cadeiras serão privativas do curso de
odontologia serão de preferência lecionadas pelos professôres
catedráticos da Faculdade de Medicina, nelas especializados, e, no
caso de recusa destes, pelos docentes-livres das respectivas cadeiras.
Parágrafo único. Pelo exercício destas funções terão uma
gratificação especial.
Art. 130 – Os vencimentos dos professôres privativos das
Faculdades de Farmácia e de Odontologia serão iguais, de acôrdo
com a tabela anexa.
Art. 131 – Nos concursos das cadeiras privativas das
Faculdades de Farmácia e Odontologia poderão tomar parte,
quando convidados pelo Diretor, profissionais de reconhecida
competência, especializados na matéria das mesmas cadeiras, para
constituírem as bancas examinadoras.
Parágrafo único. O regimento interno regulará as funções
desses examinadores.
Art. 132 – A habilitação de farmacêuticos e dentistas
diplomados no estrangeiro obedecerá às mesmas regras
estabelecidas para a habilitação de médicos, no que forem
aplicáveis.
Parágrafo único. Os exames versarão sobre as matérias dos
cursos respectivos, na forma prescrita no regimento interno.
Art. 133 – fica suprimido o atual curso de parteira e criado
um curso para as enfermeiras das maternidades anexas às
Faculdades de Medicina.
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Parágrafo único. Êste cargo será regulamentado no


regimento interno das mesmas Faculdades.
SEÇÃO SÉTIMA
Dos cursos de engenharia
Art. 134 – Os cursos de engenharia, na Escola Politécnica,
são as seguintes:
I – Curso de engenheiros civís; II – Curso de engenheiros
eletricistas; III – Curso de engenheiros industriais.
Art. 135 – A êsses cursos precederá um curso geral e
comum.
Art. 136 – O curso geral será feito em três anos, pela
seguinte forma:
1° ano
I – Geometria analítica e cálculo infinitesimal; II –
Geometria descritiva e suas aplicações às sombras e à perspectivas;
III – Física experimental e meteorologia; IV – Desenho a mão
livre e de ornatos.
2° ano
I – Cálculo das variações e mecânica racional; II –
Topografia, construção de plantas topográficas e legislação de
terras; III - Química inorgânica, descritiva e analítica; noções de
química orgânica; IV - Desenho técnico e de convenções.
3° ano
I – Geologia econômica e noções de metalurgia; II –
Mecânica aplicada às máquinas, cinemática e dinâmica aplicadas e
termodinâmicas; III – Resistência dos materiais e grafoestática.
Art. 137 – O curso de engenheiros civís será feito em três
anos, pela forma seguinte:
1° ano
I – Astronomia esférica e prática, geodésia e construção de
cartas geográficas; II – Estabilidade das construções, tecnologia do
construtor mecânico; pontes e viadutos; III – Materiais de

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construção, determinação experimental de sua resistência, e


processos gerais de construção.
2° ano
I – Estradas de rodagem e de ferro; II – Hidráulica,
abastecimento de água, esgotos, dessecamento e irrigação; III –
Máquinas motrizes, com prévio estudo de motores; IV –
Estatística, economia política e finanças.
3° ano
I – Arquitetura civil, higiene dos edifícios e saneamento das
cidades; II – Portos de mar, rios e canais; III – Organização e
tráfego das indústrias, contabilidade pública e industrial e direito
administrativo.
Art. 138 – O curso de engenheiros eletricistas será feito em
três anos, pela forma seguinte:
1° ano
I – Eletrotécnica geral; II – Máquinas motrizes, com prévio
estudo dos motores (3ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros
civís); III – Materiais de construção, determinação experimental
de sua resistência, e processos gerais de construção (3ª cadeira do
1° ano de engenheiros civís).
2° ano
I – Medidas magnéticas e elétricas, produção e transmissão
de energia elétrica; II – Hidráulica, abastecimento de água,
esgotos, dessecamento e irrigação (2ª cadeira do 2° ano do curso
de engenheiros civís); III – Estatística, economia política e
finanças (4ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís).
3° ano
I – Aplicações industriais da eletricidade; II – Estradas de
rodagem e de ferro (1ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros
civís); III – Organização e tráfego das indústrias, contabilidade
pública e industrial e direito administrativo (3ª cadeira do 3° ano
do curso de engenheiros civís)

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Art. 139 – O curso de engenheiros industriais será feito em


três anos, pela forma seguinte:
1°ano
I – Química analítica; II – Máquinas motrizes, com prévio
estudo dos motores; (3ª cadeira do 2° ano do curso de engenheiros
civís); III – Docimasia e metalurgia, com desenvolvimento da
siderurgia.
2° ano
I – Química orgânica, descritiva e analítica; II – Física
industrial; III – Botânica e zoologia industriais e estudo das
matérias primas; IV – Estatística, economia política e finanças (4ª
cadeira do 2° ano do curso de engenheiros civís).
3° ano
I – Química industrial; II – Mecânica industrial,
compreendendo o estudo das principais indústrias mecânicas e das
máquinas operatrizes correspondentes; III – Organização e tráfego
das indústrias, contabilidade pública e industrial e direito
administrativo (3ª cadeira do 3° ano do curso de engenheiros
civís).
Art. 140 – Os alunos matriculados no último ano de
qualquer dos curso de engenharia deverão elaborar, na Escola dois
projetos completos, relativos ao assunto do curso, que tenham
seguido. Um dos projetos será sôbre assunto sorteado, conforme o
que estabelecer o regimento interno, e o outro sobre assunto
escolhido pelo aluno, mas conforme as indicações do professor da
cadeira a que êle se referir. Tais projetos deverão estar concluídos e
apresentados até a segunda época de exames e o seu julgamento
favorável é condição para obtenção do título de engenheiro.
Art. 141 – Para o ensino das matérias dos cursos de
Engenharia haverá as seguintes 29 cadeiras e duas aulas:
Cadeiras
I – Geometria analítica e cálculo infinitesimal; II –
Geometria descritiva e suas aplicações às sombras e à perspectiva;

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III – Física experimental e meteorologia; IV – Cálculo das


variações e mecânica racional; V – Topografia, construção de
plantas topográficas e legislação de terras; VI – Química
inorgânica, descritiva e analítica; noções de química orgânica; VII
– Geologia econômica e noções de metalurgia; VIII – Estatística,
economia política e finanças; IX – Resistência dos matérias e
grafoestática; X – Astronomia esférica e prática, geodésia e
construção de cartas geográficas; XI – Estabilidade das
construções e tecnologia do construtor mecânico; pontes e
viadutos; XII – Materiais de construção e determinação
experimental de sua resistência e processos gerais de construção;
XIII – Estradas de rodagem e de ferro; XIV – Hidráulica
abastecimento de água, esgotos, dessecamento e irrigação; XV –
Mecânica aplicada às máquinas,cinemática e dinâmica aplicadas e
termodinâmicas; XVI – Portos de mar, rios e canais; XVII –
Arquitetura civil, higiene dos edifícios e saneamento das cidades;
XVIII – Máquinas motrizes, com prévio estudo dos motores; XIX
– Organização e tráfego da industrias, contabilidade pública e
industrial e direito administrativo; XX – Química orgânica,
descritiva e analítica; XXI - Química analítica: XXII - Química
industrial; XXIII - Botânica e zoologia industriais e estudo das
matérias primas; XXIV – Física industrial; XXV – mecânica
industrial, compreendendo o estudo das principais indústrias
mecânicas e das máquinas operatrizes correspondentes; XXVI –
Docimasia e metalurgia, com desenvolvimento da siderurgia;
XXVII – Eletrotécnica geral; XXVIII – Medidas magnéticas e
elétricas, produção e transmissão de energia elétrica; XXIX –
Aplicações industriais da eletricidade.
Aulas
I – Desenho a mão livre e de ornatos; II – Desenho técnico
e de convenções.
Parágrafo único – O ensino de todas as cadeiras, excetuadas
as dez primeiras e as de números XX, XXI, XXII, XXIII, e
XXVII, compreenderá a elaboração de projetos: o das cadeiras n°
XI, XII,XIII,XIV,XVI,XVII,XVIII,XIX, XXIV, XXV, XXVIII e
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XXIX compreenderá, também, a organização de orçamentos; o da


cadeira n/ XII envolverá ainda a realização de ensaios dos
materiais de construção.
Art. 142 – As aulas serão regidas por professores de
desenho, que farão executar durante o ano o programa dos
trabalhos indicados pela Congregação.
Art. 143 – Ao estudante aprovado em tôdas as matérias de
cada um dos cursos de engenharia será conferido respectivamente
o grau de engenheiro civil, engenheiro eletricista ou engenheiro
industrial, podendo usar o titulo de bacharel em ciências físicas e
matemáticas quando haja feito todos os exames com aprovações
plenas ou distintas.
Art. 144 – Ao engenheiro, que fôr aprovado em defesa de
tese ou em concurso para professor catedrática ou docente-livre de
qualquer das cadeiras do curso, será conferido o titulo de doutor
em ciências físicas e matemáticas.
Parágrafo único. A defesa de tese será regulada no
regimento interno da Escola Politécnica.
Art. 145 - Ao profissional diplomado no estrangeiro, em
qualquer dos três cursos de engenharia, será permitido habilitar-se
para o exercício de sua profissão no Brasil.
Art. 146 – Para a inscrição no exame de habilitação deverá
o candidato apresentar o diploma que possuir, reconhecido no país
que o expedir, e atestado de aprovação nos exames de português,
geografia do Brasil e história do Brasil, prestados no Colégio
Pedro II, Nos ginásios equiparados ou pela forma prescrita neste
regulamento.
Art. 147 – Os exames constarão de prova oral e prática, nos
têrmos do regime interno, e versarão sôbre as matérias das cadeiras
do curso geral e de cada um dos cursos de engenharia.

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ORIENTAÇÕES AOS COLABORADORES

A revista História da Educação aceita para publicação


artigos relacionados à história e historiografia da educação,
originados de estudos teóricos, pesquisas, reflexões metodológicas e
discussões em geral, pertinentes ao campo historiográfico. Os
textos devem ser inéditos, de autores brasileiros ou estrangeiros,
em português ou espanhol. A revista publica, também, trabalhos
encomendados e traduções de artigos que possam contribuir
significativamente na área da História da Educação. Possui,
ainda, duas outras sessões: resenhas e documentos. A primeira
apresenta o conteúdo e comentários sobre publicações recentes ou
reconhecidas academicamente. A sessão documentos publica
material importante e de difícil acesso que possa servir de fonte
para a pesquisa histórica.
Os artigos e as resenhas são submetidos aos membros do
Conselho Editorial e/ou a pareceristas ad hoc. A seleção dos
artigos para publicação toma como referência sua contribuição à
História da Educação e à linha editorial da revista, a originalidade
da temática ou do tratamento dado ao tema, a consistência e o
rigor da abordagem teórica e metodológica.
Os originais devem ser encaminhados para publicação
por e-mail ou em CD-ROM identificado, acompanhado de uma
via impressa em papel A4, digitadas em editor de texto Word for
Windows ou compatível, fonte Times New Roman, tamanho 12.
A extensão máxima para artigos e ensaios (sem contar o
resumo) é de 45.000 caracteres (contando espaços) e para a
resenha é de 17.000 caracteres (contando espaços). Os resumos
em português, inglês e espanhol devem ter no máximo, cada um
deles, 790 caracteres (contando espaços).

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 291-292, Maio/Ago 2009.


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe
292

O trabalho deverá conter: a) título do trabalho em


português, inglês e espanhol; b) nome do(s) autor(es); c) resumo
em português, inglês e espanhol, bem como palavras-chave nas três
línguas; d) os artigos devem ser apresentados dentro das normas
vigentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Quando for o caso, as ilustrações e tabelas devem ser apresentadas
no interior do texto, na posição que o autor julgar mais
conveniente. Devem ser numeradas, tituladas e apresentarem as
fontes que lhes correspondem. As imagens devem ser enviadas em
alta definição (300 dpi, formato TIF). Ao final do artigo o(s)
autor(es) deve(m) fornecer, também, dados relativos à instituição e
área em que atua(m), bem como indicar endereço(s) e e-mail(s)
para correspondência com os leitores.
Os artigos devem ser enviados para:
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inteiramente gratuita, não implicando retorno de espécie alguma
por parte da revista.

História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, v. 13, n. 28 p. 291-292, Maio/Ago 2009.


Disponível em: http//fae.ufpel.edu.br/asphe

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