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VASCONCELOS : MANUEL DE MACEDO PEREIRA

DE

Sermão verdadeiro do Padre Manoel


de Macedo no desagravo do
Sacramento, prégado na presença de
Suas Magestades... na... Real Capella
de Nossa Senhora da Ajuda em...
1779...

na Off. de Simão Thaddeo Ferreira


1791
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SERMÃO verdadeiro
D 0-2 t . ■/ V . j
PADRE MANOEL DE MACEDÒ
NO DESAGGRAVO
DO SACRAMENTO,
Prégado na prefença de Sua? Kageftades ,
e Altezas na fua Real Capelia de nofTa
Senhora da Ajuda em o anno
de 1779,
OFFERECIDO
AO EXC.MO e REV.MO SENHOR
D. JOSE» MARIA DE MELLO,
Bijpo ConfeJ^ur de Sua Magejlade , e Inqui-
Jidor Geral da Santo OJficio J 13’c. (Fc-Wc.
DADO A’ LUZ
POR
SIMÃO COELHO TORREZÃO

LISBOA:
(
Na Offic. Bt .Simao Thaddeo Ferri
ANNO M. DCC. XCI.
----------------------------------------- -———
Com Licença da Real Mexa da Comoti{são Geral
fobre 0 Exame , e Cenfura dos Livros.
VT~1 i . i ,t V. ;

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EXCEL.MO e REV.M0 SENHOR

H,
E certo que fó a V. EXCEL-
LENCIA deve d&dicar-fe ejle Ser­
mão ; porque merecendo a attençao
de Suas Magejiades , e Altezas , e o
upplaufo cenimum da Nobreza da
noffa Corte , era for cozo bnfcar hum
Patrono tão cheio de Virtudes, Re­
ligião , e Política. Afim o conhe­
cem , e difiinguem os verdadeiros
Sábios , vendo a V. EXCELLEN-
CIA occupar es mais honrofos lu­
gares , fem vaidade , enchendo os
deveres do feu Minifterio com fan-
tos exemplos : a Congregação do Ora­
tório ajjlm o confejfa : o Reino do
Algarve o publica , porque recebeo
das benevolas , e liberaes mãos de
V. EXCELLENCIA duplicados be­
nefícios , e documentos falidos de hu-
via sã, e Apoftolica Doutrina-, fen­
do tal a felicidade daquelles Povos,
* ii que
que confeguírão pelo acertado con-
felho de F. EXCELLENCU, ter
hum Prelado bem femelhante, e ver­
dadeiro Apojlolo. Eu , Senhor , que
defejo em tudo fer util d Patria ;
e injlado de muitas pejfoas , que
julgão do merecimento dejie Orador:
fendo eu o unico , que confervo o
original, me determinei a dallo á
luz, hufcando a protecção de V. EX-
CELLENCIA para ejla empreza :
fe em outras tenho fido infeliz,
ejla, protegida por V. EXCELLEN-
CIA , chegará a fer ditofa fe fe
der ao Público , como excejjivamente
me rogao. Al Peffoa de V. EXCEL-
LENCIA guarde Deos muitos an-
nos, para gloria immortal da Na­
ção , e honra Portugueza.

De V. EXCELLENCIA

O mais obfequiofo Venerador

Simão Coelho Torrezão.


(?)

Caro mea vere eji cibus.

M p r o , que fazes ? Ao
peito de que Hircana
Tigre te alimentaftes ?
Que èftendendo , e le­
vantando o braço te atre­
ves a tocar com mão facrilega o
real , e verdadeiro Corpo de Jefu
Chrifto ! Ainda envolto nas candidas
efpecies , terás por ventura a oufadia
de lhe negar o poder! Não ha dú­
vida que o amor, quebradas as leis
da natureza, o encolhe, e quafi que
o prende nos efcaíTos limites da-
quella Hoítia Santa ; mas que parte
ha no mundo , pofto que remeta ,
na qual te dés por feguro da fua ira
juftamente provocada ? Acafo fer-!he-
ha necelfario forjar novos raies para
te reduzir a cinzas , que o vento le­
va ? A terra volvendo-ie no meio do
fluido que a cinge , a qualquer aceno
da fua vontade rão íe abrirá logo
* iii em
( 6 )
em fundas , e horridas gargantas ,
que de hum forvo te engulão nas
fuas rotas , e devoradas entranhas ?
Olha para Balthazar , não he a regia
coroa que o prefervera, não são os
foberbos muros de Babylonia que o
defendem, nao he na força dos feus
exercitos que confia para efcapar á
prompta execução da fentença pro­
mulgada , porque temerário profana
os vafos fagrados , perde a honra ,
perde o fceptro , perde a vida , e
perde a alma: e tu pizas o preciofo
íangue com que foíle refgatado ,
aggravando tão feiamente o teu Deos
na fua mefma fanta , e incompre-
heníivel pefioa : o teu Deos, que te
criou de nada á fua imagem bella :
que remindo-te te arranca das far­
padas , e retorcidas unhas de Lucifer:
o teu Deos , que ehtornando fobre
ti as fuas antigas mifericordias , ce
aviventa , te nutre , e te vivifica ■,
nao já com os dourados pomos , de
que as arvores para teu regalo pom-
pofamente fe coroao ; mas com a
fua carne: Caro mea vera eji cikus.
E
(7)
E tens fibra no corpo, que não tre­
ma ; e tens fangue nas veias , que
não gele ? ímpio , que fazes ? Di-
tolos vós , tres , e quatro vezes di-
tofos , que honrados com o carabter
de Efcravos de Jefu Chriíto, feguindo
o exemplo dos noíTos Auguftos , e
Religiolos Príncipes , ves ajuntais,
e vos unis nefte Templo para o de-
faggravares ; mas que violência me
faria , fe cumprindo as obrigações
do Minifterio , que exercito , não
acodiíTe a mitigar a voíTa dor acer­
ba , quanto jufta , moftrando-vos ,
que fe ha quem atrevidamente of-
fenda aquelle Sacramento , na voíTa
mágoa , no zelo ardente com que
promoveis os feus cultos , na religiofa
caridade com que o adorais ; nao fó
fica gloriofamente defaffrontado, mas
triunfando o feu amor na inalterável
paciência com que tolera aquelle
defacato: pois eis-aqui a minha pro-
pofição. Deos foífre para fe oftentar
mais amante; e com as fuas injúrias
qualifica as fuas finezas. O aííumpro
nao he engenhofo, mas verdadeiro :
* iv per-
( 8 )
perfuado-me , que defempenhando-o
como defejo, 1’erá para vós ‘de, utie
lidadês vantajofas ; alvo , a que da
cadeira que occupo encaminho fem-
pre os meus difcurfos: Deos que me
conhece o animo , me ajude , ifto
he o que agora reforçando as minhas
fupplicas lhe peço. Entre-fe na em-
preza.
Mefquinha condição do amor ,
que para fe acreditar de fino ha de
primeiro paliar por muitos trabalhos,
ha de padecer muito , como o ouro
que fe arroja na frágoa para fe pu­
rificar nas fézes ; fem que me lem­
bre do exemplo de Jacob , quetn
não íabe que com efta pezada cir-
cunftancia he que Deos fez fempre
efclarecer , e brilhar no mundo a
fua caridade , eípecialmente depois
que fe abalou as triíles pensões de
homem aíTumindo , como fallão os
Theologos, juntamente com a nolfa
natureza a fórma vil de fervo : S'c-
metipfum exinanivit formam fervi
accipiens. Tofca gruta de Belém ,
vós baftaveis para nos convenceres ;
(9)
fe nafce , não he entre brutos ? A*
faixas em que fe involve, não são
huns pobres pannos , a cama em
que fe deita , não são humas feccas
palhas ? Para cumprimento de huma
lei, que vinha derogar , não verte
elle cheio de goílo o fangue, entre-
gando-fe ao tyranno goipe da cir-
cumcisao ? Embrenhando-fe por ef-
pelfos fombrios , e emmaranhados
bofques ? Não deixa as commodida-
des da fua cafa para efcapar á frenéti­
ca , e. defefperada cobiça daquelle
Dragão coroado, fugindo para hutn
Paiz , além de remoto , inimigo ,
fugindo para o Egypto. Comtudo
eftas não são mais do que humas
leves faifcas do incêndio que o de­
vora , amando-nos como Pai cari-
nhofo , ( perdoai-me , que me expli-
quei mal ) amando-nos como Deos.
Mas a lua benefica inclinação para
com os homens não fe faz mais co­
nhecida fe fe dilata , e alonga a
viita pelas delicadas provas de amor ,
e paciência , que nos deo por todo
o curlò da fua vida prodigiofa ? Que
* v ur-
( IO )
urgentes, e que graves neceíTidades
não fupporta ? Quem fazona nas ar­
vores os fruítos , quem amadurece
nas efpigas o pão , quem vefte de
brandas pennas as aves , quem nas
mmas cria o ouro , quem nas conchas
congela as pérolas ? Diga-fe de huma
vez , quem fecha na íua dextera os
th e: ouros do Padre : Omnia dedit
Tãter in manus. O Senhor de to­
dos , o Senhor de tudo efcaíTamente
tem com que mate a fome , para
reparo da vergonha ; e do tempo
efcaíTamente tem huma túnica, com
que vifta o nú , e defagafalhado
corpo. Que lugar fra na Galiléa, na
Samaria , na Judéá toda , que não
corra , a pé, defcalço , toftado do
Sol, enregelado do frio , para efcla-
recer-fe com as luzes da íua doutri­
na ? Que parte , que não alague de
copiofos bens , igualmente com os
íeus milagres ; aos cégos reftitue a
perdida, e eclipfada vifta ; defen-
torpecidos , e foltos os engelhados,
e encolhidos membros , andão livre­
mente os côxos} os furdos ouvem;
os
(II)
os mudos fallão ; para enxugar as
lagrimas ás rernas , e defconfoladas
mais, não infunde a vida a pállidos,
e enririfíados cadaveres ? Quem dó-
ma a braveza dos ventos , conten­
do-os , e íuffocando-os no cárcere ,
em que bramindo gemem afferrolha-
dos , e prezos ? Quem por íima das
ondas, que encapelladas fe enroícão ,
efpaiha a riíònha , e liíongeira cal­
ma ? Alçando a vóz , confefiem-no
as turbas, que admiradas lhe cantao
honrofos hymnos como a triunfador
dos Euros , e dos Auftros : vós ,
mares de Tibiarides , confeíTai-o ; ao
leve toque do feu pé não aplacaf-
tes o orgulho das luas tormentofas
borrafcas ? Qualis ejl hic, mare , &
ventus cbediunt ei. Mas de todas
eftas acçóes , que mereciao huma cor-
refpondcncia fina ; que agradecimen­
tos cuidais vós que teve ; iavrariao
eftatuas á fua fama fobre os deítro-
ços da confundida Synagoga ; erigi-
riao Bafilicas , para ler adorado o
nome do filho de David j concorre-
rião todos a beijar-lhe a mão, como
C i* )
a bemfeiter iaíir^ne ; amallo-hião ;
feguillo-hião ? Vil ingratidão alluci-
na , e deslumbra a pérfida gente ,
efpumando pelos lábios a ira, para
que era eftreito valo o coração ;
aqui o rnofão , alli o apedrejao ,
qual lhe chama fedieioíò , qual blas­
femo ; per l eguem no , accusão-no ,
maquinão-lhe a morte , huns por
falfo zelo da Religião , outros por
obfequio ao Cefar. Sórdida hypo-
criíla , infame linlonja , de que males
nao folie lempre no mundo funeíla
caufa ! Mas ufando do direito, que
a todos aílille , e favorece ; concor­
rería a defaffrontar a manchada in-
nocencia ? Reina entre nós não fei
que pelümo diílame: clama da Ca­
deira do Vaticano hum Santo Papa,
que obedecendo ás leis da corrupta
carne , de ordinário fazemos mal a
quem nos faz mal, aborto indigno
da confufa , e inteílina deiordem das
paixões , que exercitando na alma
hum difpotifmo , e tyrannico domí­
nio , raras vezes nos deixão deíá-
fombrado o coração , para obrarmos
( *3 )
o que devemos, daqui brotão , como
raiz envenenada, as detracçoes, que
aíToIao a reputação do proximo , de
que fomos irmãos , daqui os duellos,
as públicas inimizades, que.deftroem
as caias , alterao as republicas , o
fuave vinculo da amizade mútua ,
eíte he o affiado cutelo, que corta,
e defpedaça, efta he a tempeflade ,
que perturba a ferenidade do ar, que
refpira a doce paz , tão recommen-
dada nos Sanútos Codigos; que dif-
ferente he a indole de Deos , que
differente ! Faz bem a quem lhe faz
mal ; a quem o aíFronta com injú­
rias , paga com benefícios : vós en­
ganai-vos , fe entendeis que canfada
a fua paciência poria remate á tor­
rente (ainda que caudalofa) das iuas
mifericordias ; que fenso toma nas
mãos o raio para a vingança , inco-
lhello-hia ao menos para o remedio ,
quando os feus inimigos , á maneira
de indomitos , e desbocados brutos ,
fe defenfreavão mais ; quando na fua
imaginação mais vivamente fe pin-
tavão es martyrios , porque havia
3.. 1 de
( *4 )
de paliar ; os cravos , a coroa de
eípinhos , a pezada Cruz , a aguda
lança , a morte , não íd a mais iní­
qua , mas a mais affrontofa : que
traças não excógita o leu amor,
facramentando-fe , o expormos nos
noíTos Templos , para paflar como
em triunfo pelas nofias ruas, para
nos vifitar nas nollas calas , para
nos efclarecer nas dúvidas , acodir
nos perigos , coníolar nas afflic-
çoes , communicando-nos hurna vida,
não momentânea, não cheia de tra­
balhos como efta , que nós temos :
defgraçada vida ! mas feliz , imper­
turbável , e eterna : Qui manducat
hunc panem , vivit in aternum. Po­
dia chegar a mais o leu amor ; a
fua caridade podia refinar-fe mais ?
Que portento ! exclama nos tranf-
portes da fua admiração o mais elo­
quente Padre da Igreja Grega , o
grande Chryfoftomo.
O Creador, e a creatura parece
que fe confundem : aquelle Deos ,
que tem na fua mão o fceptro , e o
coração dos Reis: o invencível Leão
de
(15)
de Judá , que eílendendo , com ef«
panto dos valoroíos Aílyrios, a rara
do leu poder , derrota o exercito,
ainda que floreccnte , de Sor.acherib:
o Deos terrível febre todos os Deo-
fes , que olha para a terra , e a faz
tremer ; que toca os montes , e
os faz fumegar; que no Sinay ....
Montanha fanta , eu te vejo curvada
de medo , e de refpeito em torno do
teu eminente cume ; ainda chamme-
ja a ira do Omnipotente ; o eítam-
pido dos trovões ainda abala as tuas
raizes : eíte Deos das vinganças , que
chama do Ceo a chuva íuifurea ; que
devora na Paleítina as Cidades prof-
tituidas. cííe Deos das mifericordias ,
que prefervera Ahrahão da perfídia
dos Chaldcos ; a Loth do incêndio
de Sodoma ; ajudith de Holofernes ,
que armado no campo contra a tí­
mida , e confternada Bethulia , ful­
minava accefos raios , rebaixando
o feu poder, e a fua grandeza ; fi­
car comigo, comvofco , com todos,
dando-nos a fua carne , como huma
maraviihofa iguaria , naquelle myf-
') te-
( 16 )
terio , que he o finete , que marca
toda a grandeza do feu amor, para
paliar , fegundo a exprefsão de Santo
Agoítinho , com hum maravilhoío
metarnorphofe, Deos a íer homem,
o homem a fer Deos.... Oh bon­
dade ! Oh amor ! Oh Deos ! Oh
Deos ! Nem cuideis que fugirão a
fua perfpicacia , as irreverencias , os
inlultos , a que arrifcava a fua pef-
foa : fabía que eu , oh máo Sacer­
dote , fazendo-o voar do feio do
Padre , mais promptamente que o
fogo ao preceito de Elias , o havia
de tomar nas minhas mãos impuras,
para o diftribuir ás famintas turbas,
como a difpenfador dos Myfterios
Divinos : fabía que vós , oh pecca-
dores , imitando- no ofculo ao pér­
fido Judas , o havieis facrilegamente
commungar muitas vezes: fabia ....
Os cabelios fe me irrição ; pegão-fe ,
e prendem-fe as palavras nas aridas
fauces ; frio fufto , voando de veia
em veia , cala os meus oílòs ; eu
não tenho valor para o repetir : la­
bia , monítro , que me euwergonho
( 17 )
de te chamar homem , roubar dos
noíTos Tabernaculos o noílo Deos,
privando a hum povo inteiro , e
eícolhido , do Pão do Ceo , que
contém todos os fabores ; Pão ,
que gera fortes; Pão , que gera vir­
gens : o Sangue do Cordeiro de Deos,
que tira os peccados do mundo >
entornado pelo chão , talvez para
aplacar a fede dos cães coléricos :
que hum lobo disfarçado com a
pelle de ovelha fe miuuraria entre
Portuguezes , para commetter o mais
horrorofo dos attentados , profanan­
do o mais eílupendo dos milagres,
como aílevera Santo Thomaz : Mi­
ra culorum ab ipjo faílorum maxi-
mum. Comtudo aquelle Deos , que
no adio da entrega trata ao Difci-
pulo Apoflata com o carinhofo no­
me de amigo : Amici, ad quid ve-
ritflis ; o foffre como a Datan , fem
que como a Abiron feveramente o
caftigue. Deos bom , quem vos nao
ama ! Mas de que complacência fenao
banha, quando vós, por teftemunho
da voíla efcravidão , lhe dais da voífa
( i8 )
fé a mais brilhante prova ; fe , confor­
me a reflexão de Theodoreto, bailou
a conquiíla de hum ladrão , para lhe
adoçar todos os tormentos da Gol-
gotha: qual ferá a íua complacência
vendo de dia , vendo de noite ,
curvados os joelhos , defcingidas as
coroas aos mais amaveis Soberanos ,
que pelas quatro partes do mundo
eílendem o independente íceptro que
occupão ; mais defejofos que a fua
Religião fe propague , do que os
feus Domínios fe dilatem : feguindo
vós o feu exemplo, que he natural
que os membros fe conformem com
a cabeça ; de que prazer não inun­
dará aquelle Deos, fe cheios de fé ,
cheios de amor, cumprindo exaéla-
mente a fua lei, levardes com pa­
ciência tudo o que neite baixo Pla­
neta , em que habitámos , contradiz
a noífa vontade ? Pois eis-aqui o
documento, que Deos vos dá ; eis-
aqui a fatisfação , que haveis de
dar a Deos: Ouemadmodum ego fa-
cio , ita & vos faciatis.. Todos
padecemos : delde as mantiihas nos
ave-
( 19 )
avezamos aos trabalhos, patrimônio
herdado dos noíTos deíòbedientes Pro-
genitores : fem cruz , nem os Reis
lè falvao , efte he o caminho , que
Jefu Chrifto nos traçou , caminho
femeado de abrolhos : Si quis vult
poji me ventre , abneget femetipfum,
tollat cru cem fuam , & Jequatur me.
O Evangelho não faz excepção de
peflbas , comprehende , e abrange a
todos ; por iílò mefmo que a voífa
grandeza vos eleva, deveis nas vof-
ias acções fer mais circunlpeCtos ,
a virtude he o efmalte da nobreza;
quem he mais illuítre , deve fer mais
Chriftao ; fé fem obras , he morta.
Em huns tempos , triíles tempos!
em que do Septemtriao fe levanta
huma nuvem de chamados Filofofos ,
que ingratos ao leite , com que forao
alimentados , confpirao contra os
noíTos mais Sagrados Myfterios, que­
rendo defcobrir pela razão o que
he fuperior á razão : que - obrigação
vos não corre , não fò de rebateres,
mas de envergonhares eíta raça in­
fame de viboras com o volfo exem­
plo,
( )
pio , e igualmente com as vofias
acções : efte he o caraiíter , que
diftinguio fempre os Portuguezes ,
a fidelidade ao (eu Deos , a fideli­
dade aos íeus Príncipes. Animados
deíle exemplo , lançámos fora os
Sarracenos das terras que políuimos ,
erguendo fobre as defpedaçadas Luas
Mihometanas o Throno , que glo-
riofamente occupa a pia , e magnífica
D. Maria Primeira , que Deos , ro­
deada de netos , como de viçosas
oliveiras, nosmonferve. Não foi'am­
bição de gloria , não foi cobiça de
riquezas quem levou do Téjo ao
Gangas òs noífos maiores a verem
o dourado berço do dia , fe enlau-
radas as luas cabeças mettêrão de­
baixo do noíTo ferro a Afia , a Áfri­
ca , a America , fazendo tremular
as noitas Bandeiras naquelles remotos
climas , edifícando os noífos Templos
lbbre os leus arrazados Pagodes. Si­
gamos fempre o caminho Evangé­
lico , cantando gloriolos Hymnos :

Taatum ergo Sacramentam


, Veneremur cernui.
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