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FACULDADE DE DIREITO
1. Noção Geral
Em geral temos um facto e dispomos da norma jurídica. Para enquadrar o facto na norma,
há que se ter claramente entendido o primeiro e bem delineado o segundo, ambos exigem
qualificação. Quer dizer que a qualificação é uma operação presente em qualquer ramo do
direito, o direito enquanto conjunto de regras gerais obriga o jurista, a perante determinado
facto da vida, submetê-lo a categorias gerais, isto é, qualificar estes factos.
Ex.: Qualifica-se um facto como culposo, para concluir-se pela obrigação de indemnizar; ou
ainda, qualifica-se uma coisa como móvel ou imóvel, para a submeter ao respectivo regime.
No direito criminal, por ex., é preciso conceituar bem a noção de Roubo e furto para que não
se confundam, o que implica uma qualificação clara de cada uma destas figuras penais
(senão corre-se o risco de perante um facto de roubo qualificá-lo como furto e vice-versa).
Se esta acção é importante no direito em geral, no DIP torna-se ainda mais importante,
porquanto a operação de qualificar procura ligar facto ou acto jurídico com algum sistema
jurídico, e para esta operação é preciso qualificar a hipótese. Dependendo da sua
qualificação, saber-se-á se a mesma constitui uma situação inerente ao estatuto pessoal do
agente do direito, se se trata de uma situação de natureza contratual intrínseca, se versa
sobre uma questão de forma, se é uma questão sucessória, etc.
Uma vez efectuada a qualificação em uma ou outra das categorias, recorrer-se-á à regra de
conexão correspondente e aplicar-se-á o direito de um ou outro sistema.
Este problema foi detectado e analisado por Etienne Bartin em França em 1897, e por Franz
Kahn, na Alemanha, em 1891. Em que consistiu o problema?
Bartin especulou que a viúva teria direito a quarta do cônjuge pobre se o regime
aplicável fosse o matrimonial, pois que os bens de cônjuges regem-se pela lei do
primeiro domicílio conjugal, mas se a pretensão fosse de natureza sucessória, não se
aplicaria a lei maltesa, pois que na Argélia a sucessão de bens imóveis é regulada
pela Lex rei sitae, nesse caso, a lei argelina, que nada atribui à viúva. Assim, saber se
o direito da viúva decorria do regime matrimonial ou sucessório era um a questão de
qualificação, e assim, divergindo as duas leis sobre o regime aplicável estar-se-ia
presente um problema de qualificação.
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Em face destas situações, facilmente se compreendem as razões que levaram a doutrina a
singularizar o problema da qualificação em DIP e a fazer dele um problema extremamente
complexo e embrulhado uma questão crucial: por uma lado, a natureza do conceito-quadro,
e por outro, na determinação do quid que se há-de subsumir a esse conceito (a
determinação do objecto desse conceito), isto é, qualificar. Agora atentemos ao conceito-
quadro.
2. Interpretação do conceito-quadro e determinação da lei aplicável
a) Qualificação pela lex fori – o aplicador da lei, deparando-se com uma questão
jurídica que extravasa sua própria jurisdição, por estar ligada também a outro
sistema jurídico, e, verificando que a qualificação da matéria não é idêntica no seu
direito (LF) e no direito estrangeiro aplicável, há-de atentar para a qualificação de
seu próprio direito.
Argumentos a favor desta teoria: 1. o juíz conhece a sua lei, são as normas
conflituais internas que irão orientá-lo na escolha da lei aplicável. Se preliminarmente a
esta escolha da lei aplicável se torna necessário classificar a questão jurídica, nada mais
lógico do que ater-se ao seu próprio sistema. Não seria cientificamente lógico que, a
segunda etapa de um processo segue uma determinada lei, a etapa anterior, que lhe é
preliminar e prejudicial, seja solucionada por outro sistema jurídico. 2. Como admitir a
qualificação pela lei estrangeira se ainda não sabemos se ela será realmente a lei
escolhida, tudo dependendo da qualificação que se der ao caso, isto é, se a questão for
qualificada de uma forma, aplicável realmente será a lei estrangeira, mas se qualificada
de outra forma, aplicável será a lei do foro.
1. A lei grega não admitia, qualificando a questão como pertinente a capacidade, mas
em França não havia nenhum problema quanto a espécie de casamento, sendo
qualificada como matéria de forma de acto jurídico.
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casamento nulo), ou a qualificação francesa, que considera a questão como de forma
(o que levaria a aplicar a lei francesa e decidir pela validade do acto).
3. O juíz tem que executar três etapas: qualificar a questão; escolher o sistema jurídico
aplicável segundo as regras de DIP, e aplicar a norma jurídica pertinente deste
sistema – o direito grago será o aplicável se se tratar de questão de capacidade, e o
francês se for questão de forma (qualificar pela lex fori é o mais racional).
4. UMA LEITURA A LUZ DO NOSSO CC – podia ser aplicada a regra do artigo 50.º
(princípio lex loci regit actum), o casamento seria considerado uma questão de
forma, logo existente e válido; ou pelo artido 49.º, e considerada uma questão de
fundo, relativa a validade intrínseca do casamento, e ser aplicado o direito grego, e o
acto considerado NULO.
b) Qualificação pela lex causae – esta teoria entende que se deve solicitar ao direito
estrangeiro eventualmente aplicável a qualificação da relação jurídica que constitui
objecto do litígio, isto é, cabe a lei designada pela norma de conflitos a delimitação
do conceito-quadro.
UMA LEITURA A LUZ DO NOSSO CC - Entre nós a resposta directa a esta questão
temo-la hoje no n.º 2 do artigo 65.º do CC, pelo que o caso não apresenta qualquer
dificuldade para o julgador angolano).
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d) Segundo esta teoria, deve-se construir e interpretar a norma de conflitos em função
de todos os sistemas jurídicos cuja aplicação ela é susceptível de desencadear (por
ex.: o artigo 23.º do CC alemão que versa sobre a tutela no plano internacional, não
deve entender-se apenas a tutela tal como concebida pelo direito alemão, mas o que
se entende por tutela em geral no mundo civilizado…). A teoria foi criticada e tida
como utópica, pois o problema da qualificação só se verifica havendo diversidade de
qualificações em dois sistemas jurídicos, sendo irreal esperar que o juiz encontre um
denominador comum entre as mesmas.
O conceito quadro deve ser interpretado tendo em conta os interesses e fins que pretende
acautelar, não descurando os fins que o DIP procura atingir e reclamando por isso mesmo
uma postura autónoma na sua interpretação de acordo com a lex formalis fori (isto é com o
DIP do foro).
Esta é a Teoria Teleológica desenvolvida pelo professor Ferrer Correia, e vai interessar-
nos. As normas de conflitos possuem fins específicos e por isso os conceitos nelas previstos
revelam aptidão para abranger institutos jurídicos, nacionais ou estrangeiros.
A interpretação segundo a “lex formalis fori ”, tendo em vista a específica função do DIP é
uma consequência lógica do princípio da relatividade dos conceitos jurídicos, pois estes
podem variar o sentido dentro do próprio ordenamento jurídico entre diferentes ramos,
quanto mais entre diferentes sistemas.
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O artigo 15.º do Código Civil Angolano determina que "A competência atribuída a uma lei
abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei,
integram o regime do instituto visado na regra de conflitos".
Esta regra reproduz exactamente a doutrina da qualificação adoptada pelo artigo 15.º do
Código Civil Português, que implica que uma regra de conflitos se não refere a todas as
normas materiais de um dado sistema, mas tão-só às que correspondem, pelo seu conteúdo
e pela sua função, à categoria jurídica referida na norma de conflitos que designa essa lei.
Assim sendo, se a norma de conflitos do artigo 46.º do Código Civil Angolano determina que
a lei X regerá as questões relativas aos direitos reais, isto significa que só as normas
materiais de X relativas aos direitos reais serão aplicáveis para este efeito, mas não as que
tratam de obrigações, capacidade, sucessões por morte.
E o Artigo 23.º?
(Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)
Já se disse que a interpretação do direito estrangeiro deve ser realizada de acordo com os
critérios interpretativos em vigor nesse mesmo ordenamento. Daqui decorre que se
considera que a lei estrangeira é verdadeiro direito e não um simples facto, em resultado do
que ela pode - e deve - ser averiguada e aplicada ex officio pelos tribunais angolanos.
Além disso, uma lei estrangeira deve ser interpretada lege causae, de acordo com os seus
próprios cânones interpretativos e não segundo os critérios da lex fori. A lei subsidiariamente
aplicável não é, automaticamente, a lex fori, mas sim, por exemplo, a lei designada pelo n.º
3 do artigo 45.º. O n.º 3 do artigo 348.º, do Código Civil angolano determina que "o tribunal
recorrerá às regras do direito comum angolano" tão-somente "Na impossibilidade de
determinar o conteúdo do direito aplicável", entenda-se, quer se trate da lei primariamente
aplicável, quer da lei que for subsidiariamente aplicável.
O objecto da qualificação como apreendemos são as normas materiais que têm que ser
caracterizadas/classificadas pelo seu conteúdo e função que têm na ordem jurídica em que
se inserem.
Em DIP a qualificação devendo ser feita em ordens jurídicas distintas, pode acontecer
que a questão poderá ser qualificada em uma jurisdição como relativa à capacidade da
pessoa, e em outra como atinente à validade do contrato; a mesma norma jurídica pode ser
classificada em um sistema como visando uma questão de validade intrínseca e em outro
sistema como se referindo a matéria de forma, o domicílio pode ser conceituado aqui de
uma forma e acolá de outra. Neste caso que qualificação deve seguir o juiz: a do sistema do
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foro, ou a designada pela regra de conexão?
Por Ex.: imaginemos que no caso do casamento do grego (exigência de matrimónio religioso
como requisito substancial de validade) o ordenamento Francês previa um único modo de
celebração do casamento, o civil (pública), do qual fazia depender a validade formal do
casamento.
Dado que o artigo 15.º do Código Civil é omisso neste problema a doutrina apresenta
solução para este conflito positivo, no DIP:
A operação assenta a sua razão de ser numa questão de oposição de prevalência, isto é,
hierarquização entre as qualificações conflituantes, assim:
5. Instituto da adaptação;
4.2. Conflitos negativos (quando existe uma lacuna, quando faltam normas para
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regular uma questão) – neste caso as normas materiais dos ordenamentos
designados não qualificam a situação de acordo com o enquadramento que lhe é
dado pelo respectivo conceito-quadro da norma de conflitos que a designou.
Pode, então o nosso Estado, reivindicar esse direito como sucessor de A, tendo em conta
as normas dos artigos 2252º segs. do CC? – Estas normas, devidamente caracterizadas, são
normas de carácter sucessório, portanto, se poderiam subsumir à norma do artigo 62º do
CC. R: não porquanto esta norma de conflitos não designa como aplicável a lei angolana,
mas a lei inglesa.
Surge assim, um vazio de normas, falta de normas ou, dito de outro modo, um conflito
negativo de qualificação.
Não tem nenhuma norma quanto àquela questão então não é matéria sucessória, é de
direitos reais, logo falha em termos de função e conteúdo. Há uma falha de
qualificação.
EXERCÍCIOS
CASO 1
Catarina e Diogo, Namibianos, são filhos de Aureliano e Bivânia, angolanos. Aureliano vende
a Catarina um imóvel na Namíbia de que era proprietário. Diogo discorda e quer impugnar a
venda nos termos do art. 877.º do CC. Mas o negócio, segundo Catarina, é plenamente
válido em face da lei namibiana, porque, apesar de aí existir norma semelhante àquela, já
decorreu o prazo nela previsto para a arguição da anulabilidade. Quid iuris?
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Caso 2
– O Código Civil alemão, não contém qualquer preceito semelhante ao do artigo 53.º/3 do
CF angolano.
Caso 3
Andrew, nacional do Reino Unido, e Bivânia, angolano, são casados em regime de comunhão
de adquiridos e residem habitualmente em Angola. De passagem por Londres, Andrew vende
a Catarina, residente habitualmente nessa cidade, um prédio de sua propriedade situado em
Luanda.
Caso 4
Caso 5
Por Resolução n.º 16/06, de 24 de Março do Parlamento Namibiano foi autorizada a adopção
do menor Cristóvão, angolano, por António e Belmira, casados e de nacionalidade
Namibiana, São, nos termos do direito Namibiano. Algum tempo depois Domingos, angolano,
pretende reconhecer a paternidade de Cristóvão.
António e Belmira vêm impugnar o reconhecimento invocando o artigo 206.º da Lei n.º 1/88,
de 20 de Fevereiro (Código da Família Angolano), ao que Domingos contrapõe que o direito
Namibiano não conhece nenhum preceito análogo àquela disposição da nossa lei.
Quid iuris ?
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Caso 6
Louis, francês, morreu em Angola tendo deixado em testamento todos os seus bens aos
médicos angolanos que o assistiram. Aberta a sucessão, os familiares franceses que vivem
em França invocam a invalidade do testamento com base no artigo 2194.º do CC Angolano.
O direito francês não se opõe à validade de tal testamento.
Quid iuris ?
Caso 7
Francisca, italiana, casou-se com Gerson, angolano, em 2013, passando ambos a residir em
Angola. Em Outubro de 2014 foi aberta a sucessão de Helena, italiana, residente, também,
em Angola que, em testamento, havia nomeado Francisca como sua herdeira. Todavia, ainda
nesse mês, Francisca declarou, segundo a forma prescrita, o repúdio da sucessão.
Mais tarde, Gerson veio pedir a anulação do repúdio, invocando o n.º 2 do artigo 58.º e os
n.ºs 1 e 2 do artigo 60.º da Lei n.º 1/88, de 20 de Fevereiro (Código da Família angolano),
ao que os herdeiros legítimos de Helena contrapuseram que, no ordenamento jurídico
italiano – e, designadamente, nos artigos 59.º e ss. do Código Civil Italiano (que tratam da
capacidade em geral) – não existia qualquer disposição idêntica à do n.º 2 do artigo 58.º CF,
citado supra, concluindo não ser exigível o consentimento do cônjuge do sucessível. De
facto, as indicadas normas italianas conferem plena capacidade a Francisca para repudiar
sem consentimento de ninguém.
Suponha que o direito italiano adoptava soluções conflituais idênticas às nossas.
a) Segundo o nosso ordenamento, quid iuris?
b) Se devesse seguir a concepção de Roberto Ago relativa à qualificação, como resolveria a
questão?
Caso 8
Caso 9
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invoca nos tribunais angolanos o disposto nos artigos 113.º e 114.º/b) da Lei n.º 1/88, de
20 de Fevereiro (Código da Família angolano).
Quid iuris sabendo que o direito sul africano não reconhece quaisquer direitos à união de
facto.
Caso 10
Aristóteles, cidadão angolano morre, sem deixar herdeiros, e deixa bens imóveis sitos em
Angola e África do Sul. A lei sul africana permite a apropriação pela coroa dos bens sitos no
seu território nos termos de um direito real de ocupação (ocupação ius imperium). Por seu
turno, o Estado Angolano pretende, segundo o disposto no artigo 2152.º CC ser chamado a
herdar a totalidade da herança. Supondo que a lei sul africana adopta conexões idênticas às
do DIP angolano:
Bibliografia básica
CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, Almedina, 2004, pp. 199-244
DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro, Renovar, 2005, pp. 327-341
MACHADO, J. Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 102-144
MIMOSA, Maria João e SOUSA, Sandra C., Nótulas de Direito Internacional Privado – casos práticos,
QJ, Lisboa, 2009, pp. 112-123
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